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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA CAMPUS DE GUAJARÁ-MIRIM FLÁVIA PANSINI MULTICULTURALISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS : UMA PESQUISA NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA Guajará-Mirim 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

CAMPUS DE GUAJARÁ-MIRIM

FLÁVIA PANSINI

MULTICULTURALISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS:

UMA PESQUISA NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DE RONDÔNIA

Guajará-Mirim

2008

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FLÁVIA PANSINI

MULTICULTURALISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS:

UMA PESQUISA NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DE RONDÔNIA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

graduação Strictu-Sensu da Universidade

Federal de Rondônia, Campus de Guajará-

Mirim como requisito para a obtenção do

título de mestre em Ciências da Linguagem.

Área de Concentração: Etnolingüística e

Educação no Contexto da Amazônia

Orientador prof. Doutor Miguel Nenevé.

Guajará-Mirim

2008

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Catalogação na publicação

Serviço de Biblioteca e Documentação

Campus de Guajará-Mirim da Universidade Federal de Rondônia

Pansini, Flávia.

Multiculturalismo e formação de professores/as: uma pesquisa

no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia. /

Flávia Pansini; orientador Miguel Nenevé. --Rondônia, 2008.

155 p.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciências

da Linguagem. Área de Concentração: Etnolinguística e Educação no

Contexto Amazônico) – Campus de Guajará-Mirim da Universidade

Federal de Rondônia.

1. Linguagem 2. Educação na Amazônia 3. Ensino superior 4.

Formação de professores 5. Multiculturalismo I. Título.

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PANSINI, F. Multiculturalismo e formação de professores/as: uma pesquisa no curso de

Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Dra. Maria Lília Imbiriba Sousa Colares

Instituição: Universidade Federal de Rondônia / UNIR

Assinatura: _____________________________________________________________________

Profa. Dra. Marli Lúcia Tonatto Zibetti

Instituição: Universidade Federal de Rondônia / UNIR

Assinatura: _____________________________________________________________________

Prof. Dr. Miguel Nenevé

Instituição: Fundação Universidade Federal de Rondônia / UNIR

Assinatura: _____________________________________________________________________

Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento e Silva

Instituição: Fundação Universidade Federal de Rondônia / UNIR

Assinatura: _____________________________________________________________________

Dissertação Aprovada em: ____/____/____

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Para meu pai Roque e minha mãe Maria

Para meu irmão Rafael e minhas irmãs Roseli, Susamar, Lediane, Carla e Leandra

Para meu amigo Alexandre Júnior

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AGRADECIMENTOS

A professora Elisabete Martinês e ao professor Luis Alberto Lourenço de Matos pela

contribuição com suas teses de doutorado, material valioso que apoiou meus escritos iniciais e

finais, tendo colaborado com a concretização desta dissertação.

A professora Rosa Maria Nechi por ter me acolhido em sua casa, a fim de poder realizar as

aulas teóricas no campus de Guajará-Mirim.

A professora Ana Maria de Souza do campus de Porto Velho, também por ter disponibilizado

de sua tese de doutorado, mas, sobretudo, pela importante colaboração como mediadora entre

as acadêmicas do Campus de Porto Velho.

A secretaria da Universidade Federal de Rondônia/Campus de Rolim de Moura pelo

fornecimento de informações sobre os/as acadêmicos/as e professores/as.

Ao Departamento de Educação do Campus de Rolim de Moura pelo fornecimento de material

documental.

Ao Departamento de Educação do Campus de Porto Velho, pelo fornecimento de

informações, empréstimo e autorização da utilização do material documental.

A professora Marilsa Miranda de Sousa por ter cedido espaço na sala do PRONERA na

cidade de Porto Velho para a realização dos grupos focais com as acadêmicas professoras.

Ao professor Miguel Nenevé por ter cedido a sala do NEC (Núcleo de Estudos Canadenses)

para a realização de grupos focais com acadêmicas não professoras do campus de Porto

Velho.

A coordenação do projeto de extensão ―Amigos da Gente‖ do campus de Rolim de Moura,

por terem cedido a sala para a realização dos grupos focais.

A professora Marli Lúcia Tonatto Zibetti pela troca de idéias, pelo apoio incansável a minha

trajetória pessoal de formação e pelas incontáveis sugestões a este trabalho.

As acadêmicas do Campus de Porto Velho, por terem, apesar de inúmeras dificuldades, se

colocado a disposição para participarem desta pesquisa.

Aos acadêmicos/as professores/as e não professores/as do Campus de Rolim de Moura por

terem aceito o desafio de participar desta pesquisa.

Aos professores e professoras entrevistados/as, pela colaboração e disposição para falar do

seu trabalho.

A amiga e companheira Bianca Santos Chisté, pela troca de experiências, paciência nos

momentos difíceis do curso e pelo convívio estabelecido.

As professoras da banca de qualificação, Marisa Khalil e Marli Lúcia Tonatto Zibetti pelas

valiosas sugestões, que me permitiram aprofundar as reflexões a respeito desta pesquisa.

Ao Prof. Dr. Miguel Nenevé, orientador e amigo, por sua interlocução constante e atenta e por

sua consideração e respeito manifestado em relação as minhas indagações e sugestões durante

todos os momentos de formação e de convívio.

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6

A cultura de um povo é fonte inesgotável de inspiração,

de símbolos, de experiências, de trabalho acumulado, de

beleza, de utopias e a preservação da memória coletiva

por um grupo, ainda que seja pequeno é uma verdadeira

tábua de salvação para toda a comunidade.

José Paes de Loureiro

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RESUMO

PANSINI, F. Multiculturalismo e formação de professores/as: uma pesquisa no curso de

Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia. 152 f. Dissertação (Mestrado) —

Campus de Guajará Mirim, Universidade Federal de Rondônia, Guajará-Mirim, 2008.

O presente trabalho focaliza a inserção da problemática multicultural de educação como uma

preocupação do currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia,

levando em consideração os pontos de vista de alguns/as profissionais que atuam na formação

em dois campi específicos: no campus interiorano de Rolim de Moura e no Campus de Porto

Velho, na capital do estado. Também foram levadas em consideração as opiniões dos/as

acadêmicos/as professores/as e não professores/as que estão se beneficiando do curso. A

pesquisa corresponde a um estudo de caso de cunho qualitativo, o que implicou a realização

de um trabalho de campo para a geração de informações que forneceram os dados para a

análise, através de entrevistas com os/as professores/as e por meio de grupos focais com os/as

acadêmicos/as. Todas estas conversas foram gravadas em áudio e transcritas em caderno de

registro. Além disso, um estudo documental também contribuiu para constituir o conjunto de

informações necessárias ao estudo. Do ponto de vista teórico, a pesquisa sustentou-se à luz

dos estudos de autores nacionais e estrangeiros que discutem sobre multiculturalismo, as

acepções referentes ao termo e suas problemáticas. Entre estes autores destaco Henry Giroux

(1997), Peter McLaren (2000), Ana Canen e Angela Oliveira (2002), Antônio Flávio Barbosa

Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (2005), Jurjo Torres Santomé (2005), Claude Grignon

(2005), Vera Maria Candau (2008); Utilizando as discussões de alguns/as desses/as autores/as

também foi destacada a problemática da educação multicultural e a formação de professores.

Ainda foram feitas considerações a respeito de autores pós-coloniais entre os quais se

destacam Alber Memmi (1997), Homi Bhabha (1998), Mary Louise Pratt (1999), Frantz

Fanon (2005) e Stuart Hall (2006). Para situar o aspecto multicultural do contexto amazônico

e do espaço rondoniense onde a formação ocorre foram estudados autores como Francinete

Perdigão e Luiz Bassegio (1992), José Paes Loureiro (2001) e Alex Fiúza de Melo (2008).

Sobre as relações destes temas com a questão da linguagem foram estudados os autores Jacob

Mey (2002), Kátia M. S. Mota (2002), Florence Carboni e Mário Maestri (2003), entre

outros/as. Como resultado, o estudo mostra que a preocupação com uma formação de

professores multiculturalmente orientada não é algo alheio ao currículo do curso e nem aos/as

professores/as. No entanto, os dados revelaram que tal preocupação ocorre de forma isolada

em algumas disciplinas e por parte de alguns/as profissionais apenas, concorrendo para isso

uma série de fatores. Os dados apontaram ainda que do ponto de vista das propostas

curriculares escritas, o discurso oficial presente nos documentos que norteiam o

funcionamento do curso de Pedagogia, parece reconhecer a importância de desenvolver uma

formação a partir de uma perspectiva multicultural de educação. Todavia, do ponto de vista da

efetivação da proposta no currículo em ação, esta preocupação não tem sido levada em conta

de maneira satisfatória. Por isso, sua contribuição para que os/as futuros/as professores/as

percebam o universo social, econômico e cultural dos educandos/as como um elemento

norteador das práticas pedagógicas desenvolvidas é, ainda, incipiente.

Palavras-chave: Educação Multicultural. Formação docente. Linguagem. Universidade

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ABSTRACT

PANSINI, F. Multiculturalism and teacher´s education: a study of Pedagogy course at the

University of Rondonia. 152 f. Dissertation (Master’s degree) — Campus de Guajará-

Mirim, Universidade Federal de Rondônia, Guajará-Mirim, 2008.

In this study we explore the problem of inclusion of Multicultural Education in the curriculum

of Pedagogy in two campuses of the University of Rondonia, one in the capital Porto Velho

the other in Rolim de Moura. We take into consideration the viewpoint of some professionals

who work in the teacher‘s education and of some students both who have and who have not

been working as teachers. This research is a study case of qualitative characteristic which

included a field work to get information and data from professionals and students aiming at

the final analysis. Interviews with professors and focal groups with the students were useful

fro this purpose. All our conversations were recorded in a tape recorder and later transcribed

in a notebook. Besides, a documental research contributed for the information necessary for

the study. As a theoretical support we use Brazilian and foreigner scholars who discuss

multiculturalism, issues concerning the term and the problems arising from them. Among the

works we use, we point out those written by authors such as Henry Giroux (1997), Peter

McLaren (2000), Ana Canen and Angela Oliveira (2002), Antônio Flávio Barbosa Moreira

and Tomaz Tadeu da Silva (2005), Jurjo Torres Santomé (2005), Claude Grignon (2005),

Vera Maria Candau (2008). Based on these scholars´s ideas, we also discuss the problem of

Multicultural Education and Teacher´s Education at the University. In addition to these

scholars some postcolonial authors such as Albert Memmi (1997), Homi Bhabha (1998),

Mary Louise Pratt (1999), Frantz Fanon (2005) and Stuart Hall (2006) were important for our

study. In order to locate the multicultural aspect in the Amazonian context and the space of

Rondonia where the teachers formation occurs, we also read authors such as Francinete

Perdigão and Luiz Bassegio (1992), José Paes Loureiro (2001) and Alex Fiúza de Melo

(2008). In order to investigate the theme related to language we get support from the works of

Jacob Mey (2002), Kátia M. S. Mota (2002), Florence Carboni and Mário Maestri (2003),

among others. As a result the study reveals that the preoccupation with a multiculturally-

oriented teachers education is not alien both to the teachers and to the curriculum of the

University course. However, the data reveal that this concern appears in an isolated way in

some subjects and only carried out by some professionals. The data also reveal that from the

perspective of the written proposal for the curriculum, the official documents which give

orientation for the achievement of the Course of Pedagogy, seem to give importance to the

Multicultural Education. Nevertheless, in reality, this orientation has not been taken seriously.

Thus, we propose to reflect on this reality and to think of ways to achieve a more

multiculturally-oriented Education.

Key-words: Multicultural education. Teacher´s education. Language. University

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SUMÁRIO

SUMÁRIO ......................................................................................................................... 9

1 – INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11

1.1 – Problemática da pesquisa ......................................................................................... 11

1.2 - Problema e objetivos ................................................................................................ 15

1.3 - O contexto da investigação ....................................................................................... 18

1.4 - Procedimentos metodológicos .................................................................................. 23

1.4.1 - Os sujeitos da pesquisa ...................................................................................... 24

1.4.2 – Instrumentos de coleta dos dados ...................................................................... 26

1.4.2.1 - Grupos Focais ................................................................................................ 26

1.4.2.2 - Entrevistas individuais ................................................................................... 29

1.4.2.3 - Análise documental ........................................................................................ 30

1.5 - Análise dos dados .................................................................................................... 31

2 – MULTICULTURALISMO, EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E FORMAÇÃO

DOCENTE ....................................................................................................................... 33

2.1 - Multiculturalismo e educação multicultural: perspectivas, desafios e problemáticas . 36

2.2 - Educação multicultural e Formação de professores/as .............................................. 45

3 – DIVERSIDADES CULTURAIS NO ESTADO DE RONDÔNIA .............................. 59

3.1 - Multiculturalismo no contexto rondoniense .............................................................. 63

3.2 - A Universidade Federal de Rondônia e os desafios locais na formação de

professores/as ................................................................................................................... 76

4 - FORMAÇÃO INICIAL E ORIENTAÇÃO MULTICULTURAL NA UNIVERSIDADE

FEDERAL DE RONDÔNIA ............................................................................................ 82

4.1 - Formação multicultural na UNIR: o que diz o currículo do curso de Pedagogia? ...... 83

4.2 - A visão docente sobre a inserção da problemática multicultural na UNIR................. 96

4.3 – A versão acadêmica sobre a questão multicultural durante o curso ......................... 114

4.4 – A abordagem lingüística: ênfases e omissões ......................................................... 129

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 142

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 147

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ANEXO A ..................................................................................................................... 153

APÊNDICE A ................................................................................................................ 154

APÊNDICE B ................................................................................................................ 155

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1 – INTRODUÇÃO

―Quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com

as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil‖.

Paulo Freire, 2003.

1.1 – Problemática da pesquisa

As questões discutidas por esta pesquisa estão vinculadas com a formação no curso de

Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia – UNIR - e sua relação com uma proposta de

educação multicultural, a partir de dados coletados em dois Campi especificamente: o

Campus de Rolim de Moura e o Campus de Porto Velho. A escolha desse objeto e o foco na

cultura e na linguagem estão diretamente ligados às minhas experiências pessoais,

profissionais e acadêmicas. Assim, nesta parte introdutória, gostaria de apontar, de maneira

mais subjetiva do que a usual em pesquisas de cunho acadêmico, os motivos que me levaram

a desenvolver a pesquisa. Entendo que como pesquisadoras/es nossas formas de ver o

conhecimento, a maneira que lemos e analisamos os dados ou as informações que nos chegam

são, de certa forma, confrontadas com nossas próprias visões de mundo e expectativas

pessoais. Do mesmo modo, como na postura de professoras/es, somos influenciadas/os por

nossas concepções de educação, como pesquisadoras/es carregamos as marcas de nossa

subjetividade. No meu caso específico, as experiências às que tive acesso têm muito a ver

com situações em que a problemática do multiculturalismo esteve bastante presente, como

poderemos conferir no primeiro capítulo, no qual discuto sobre o tema.

Entendo assim, que cada sujeito relaciona o próprio conhecimento acadêmico com

outras formas de expressões e modos de agir. Como enfatiza Ladislau Dowbor, ―a formação

científica é apenas parcialmente um processo técnico. Conjugam-se e se articulam raízes

emocionais, história vivida, meio social e também instrumentos técnicos e visões teóricas‖.

(1997, p. 34). Logo, justificar a escolha desse objeto específico implica relacioná-lo à

existência pessoal, individual e social. Portanto, ao escrever sobre essa escolha, buscarei

inicialmente ler e ―reler‖ momentos fundamentais de minha existência, como descreve Paulo

Freire ―desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência‖

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(FREIRE, 2005, p. 11) e trajetória acadêmica, retomando os aspectos culturais e sociais que

contribuíram na formação de minha identidade e personalidade, os cenários e personagens

que, ao longo desse trajeto, colaboraram para a constituição de meu objeto de pesquisa.

Para abrir esse ―parêntese‖, antes mesmo de discutir os objetivos e orientações

metodológicas da pesquisa, devo dizer que fui criada num contexto marcado pela

problemática de quem vive no campo brasileiro, num ambiente em que as relações humanas e

sociais são mais próximas e as dificuldades da vida, na cidade, menos desastrosas. Isso porque

meus pais eram pequenos agricultores e a renda da família era proveniente, sobretudo, da

horticultura. A proximidade com o campo possibilitou a formação de uma identidade em que

o profundo respeito pela natureza e pelos seres humanos é um valor essencial. No que diz

respeito à formação de minha personalidade, a maior preocupação de meus pais era nos

tornar, eu e minhas cinco irmãs, cidadãs, sujeitos de nossa própria história, contrariando a

lógica de uma sociedade machista e paternalista, cuja dominação masculina reflete as

inúmeras relações de poder e discriminação, que se impõem sobre o cotidiano de homens e

mulheres. Essa atitude, por sua vez, contribuiu para a nossa própria formação política e social,

visto que nos colocava, desde cedo, o problema central da participação e do envolvimento

humano.

Estes conhecimentos e valores culturais da minha família, até mesmo a sua linguagem

camponesa, por vários momentos, chocavam-se com os conhecimentos escolares. Em minha

infância vivenciei os conflitos entre os conhecimentos de meus pais, das pessoas com quem

convivi e os conhecimentos transmitidos na escola; como muitas crianças da minha idade

passei pela dura experiência de freqüentar uma escola que não dialogava com meus modos de

vida, com os símbolos e a linguagem do ―meu mundo‖ mais próximo, com minha realidade,

condição econômica, cultural e social.

Essa convivência mostrou-me que a escola estava longe de ser um espaço em que

professores e professoras têm a possibilidade de pensar abertamente, onde os diferentes

saberes e culturas possam se manifestar como, por exemplo, a cultura camponesa a que eu

pertencia. Desse modo, as lembranças do tempo primário me remetem a um cenário em que as

professoras com as quais estudei demonstravam atitudes e comportamentos imponentes e

autoritários. As relações históricas de dominação de diferentes povos se refletiam e se

traduziam nas relações vivenciadas em sala de aula, bem diante de nossos olhos. Mais tarde,

ao ―encontrar-me‖ durante o mestrado com a literatura de autores pós-colonialistas (MEMMI,

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1977; BHABHA, 1998; PRATT, 1999; HALL 2006; RIBEIRO, 2007)1, especialmente com

os escritos de Frantz Fanon (2005), percebi, ao contrário do que vivenciei nas experiências

escolares da infância, que o saber do/a professor/a deve fundar-se primeiramente na

identificação com a cultura dos/as alunos/as, na valorização de seus conhecimentos e

experiências que os/as cercam.

As convicções políticas, sociais e educacionais de meus pais, somadas a estas

situações contribuíram com minha formação como professora. No ano de 2000, ao iniciar

minha carreira acadêmica e profissional numa realidade educacional já bem diferente no

Brasil, todas aquelas questões e aprendizagens iniciais de minha infância vinham à tona na

postura de uma professora iniciante que acreditava profundamente na idéia de que o/a

professor/a deve antes de tudo ter um compromisso social de participar da sociedade,

demonstrando-se um agente político que não é neutro, mas que assume uma postura, defende

um projeto de educação e sociedade. Questionava-me se num mundo de exclusões, seria uma

pessoa ou uma professora que defende a vida ou que defende a morte, que contribui com a

manutenção do sistema dominante e opressor ou que colabora para a transformação das

relações sociais injustas.

Estas questões puderam ser aprofundadas e fortalecidas pelo período no curso de

Pedagogia e pelas experiências adquiridas em sala de aula posteriormente. Durante o curso

freqüentado no Campus da Universidade Federal de Rondônia em Rolim de Moura, embora

se discutisse muito a importância da valorização da cultura do/a aluno/a no âmbito da

aprendizagem, na prática poucas foram as oportunidades para que se pudesse conhecer

efetivamente que cultura era essa, de que realidade estávamos falando e quais eram suas

características. Pouco foi propiciado, por exemplo, para que aprendêssemos mais sobre a

própria realidade local da Amazônia e do estado de Rondônia onde vivemos. Na época, essa

era uma preocupação de alguns acadêmicos/as e professores/as isoladamente tendo em vista

suas próprias histórias de vida. A aproximação com grupos que pertencem às minorias

desprivilegiadas também aconteceu em poucos momentos.

Isso de certa forma inquietou-me, não só a mim como também a outros/as colegas e

professores/as. Foi na especialização que pude perceber que esse distanciamento se verificava

também com relação à linguagem, no sentido mais restrito, à língua falada. Ao realizar minha

pesquisa de especialização, na qual foquei a relação da cultura no processo de letramento

percebi, com maior clareza, alguns modos como a cultura escrita e a cultura oral são tomadas

1 Entre um dos autores conhecidos anteriormente a esses estudos, posso citar o pensamento do educador

brasileiro Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

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a partir de um único ponto de vista. Em outras palavras, via-se um horizonte pedagógico em

que todas as características sociais e culturais da pessoa, pouco importavam para a escola. O

resultado disso é uma proposta de alfabetização que não ajudava a construir sujeitos críticos

com idéia de identidade e pertencimento. Nesse trabalho, busquei olhar para o universo do

sujeito, mas ainda não estava clara a discussão desse universo, enquanto espaço inserido num

contexto específico como o de Rondônia.

Entretanto, como conseqüência dessas primeiras reflexões, a aproximação com a

conjuntura cultural e educacional do nosso estado veio logo em seguida. Após refletir sobre a

realidade do Estado de Rondônia, no qual há uma multiplicidade de povos, inquietou-me

descobrir de que modo a questão da linguagem era vista pelos/as professores/as num contexto

que podemos considerar multicultural. A partir de algumas leituras, verifiquei que essa era

uma discussão muito pouco presente nas escolas e que um dos aspectos que pode mudar isso é

o investimento na formação dos/as professores/as. Partindo desse primeiro questionamento,

inspirou-me a idéia de poder pesquisar se a Universidade Federal de Rondônia, hoje

responsável pelo maior número de professores/as formados/as, que atuam com Alfabetização,

Letras e outras áreas, estaria desenvolvendo uma proposta de formação que mantivesse essa

preocupação em discutir os aspectos multiculturais do nosso estado e das nossas escolas.

Durante os primeiros períodos no mestrado, cuja área de concentração em

Etnolingüística e Educação no Contexto da Amazônia instigava o desenvolvimento de

pesquisas voltadas para as peculiaridades locais, construindo e buscando consolidar uma linha

de estudos que nos permitisse compreender a linguagem do contexto amazônico, suas relações

com a cultura e com a sociedade que vive neste lugar, fui amadurecendo essa proposta e pude

perceber o quão relevante seria, para a própria Universidade, uma resposta para estes

questionamentos que, imagino eu, poderão auxiliar num redimensionamento de sua proposta

educativa de maneira que a formação de professores/as esteja fundada na cultura e nas

necessidades de produção científica de nossa região.

Durante esse período, a visão que tinha sobre a própria linguagem também pôde ser

amadurecida, passando, dessa forma, a entendê-la como algo mais amplo (SALOMÃO, 2005)

que envolve signos, gestos e palavras carregados de sentido ideológico e que por isso permite

às pessoas representarem o mundo para si e para os outros. Essa própria descoberta de minha

parte justifica a articulação com a linguagem que será estabelecida nesse trabalho uma vez

que nessa perspectiva, torna-se impossível separar a linguagem das questões sobre

multiculturalismo, uma vez que os valores culturais e a própria identidade local se constroem

na e através da linguagem utilizada pelos grupos ou comunidades.

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Exposto o caminho que me conduziu ao presente estudo, relaciono a intenção de

pesquisar sobre como a Universidade se preocupa com uma educação multicultural, educação

que valoriza a voz dos subalternos e não apenas um saber dominante, com três momentos de

minha existência: primeiro com os meus primeiros anos de vida no convívio com minha

família, na pequena chácara, vilarejo de São Roque, município de Jaguaré, no norte do

Espírito Santo, onde aprendi que o ser humano deve colocar-se a serviço, deve superar seus

medos, limitações e imposições do mundo para libertar-se; segundo com as primeiras

experiências na vida escolar, em que me foi negada a oportunidade de dizer sobre o meu

mundo; e terceiro com a trajetória na Universidade Federal de Rondônia em que percebi que a

prática ―colonizadora‖ de muitos/as professores/as pode ter uma de suas explicações no tipo

de formação que recebem.

A seguir definirei, de forma mais objetiva, a problemática do estudo, os objetivos da

pesquisa e os procedimentos adotados para responder às questões principais. Na parte final

desta introdução, explicarei ainda como este trabalho foi organizado.

1.2 - Problema e objetivos

As discussões sobre multiculturalismo, como problema teórico e campo político, têm

se intensificado nos debates educacionais atuais do país. Embora se possa considerar que a

incorporação do termo multiculturalismo no Brasil seja bastante recente, o assunto tem

possibilitado, na arena das pesquisas brasileiras, o desenvolvimento de relevantes estudos

voltados para a constituição de uma proposta de educação multicultural ou intercultural como

preferem denominar alguns/as autores/as. (CANDAU, 1998; CANEN e OLIVEIRA, 2002).

Essas discussões em torno do assunto acompanham a complexidade vivida no mundo

contemporâneo e estão inseridas em uma visão pós-moderna de sociedade amplamente

marcada pela diversidade étnica, sexual, religiosa, de gênero, classes sociais, padrões culturais

e lingüísticos, entre outros. Devido a essa amplitude, o multiculturalismo alcança diferentes

abordagens, que vão desde visões mais liberais às mais críticas, como a proposta de

multiculturalismo crítico defendida pelo canadense Peter McLaren e reforçada por outros/as

autores/as (MCLAREN, 1997; SANTOS, 2003; MACEDO, 2004) em que se questiona a

própria construção de diferenças, contribuindo para a superação dos preconceitos em

sociedades desiguais como é o caso do Brasil.

Com relação às investigações sobre educação e multiculturalismo, os estudos

realizados focalizam teorias, práticas e propostas pedagógicas curriculares, evidenciando uma

preocupação com a educação multicultural. Além disso, enfatizam o papel da escola como

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local marcado por relações socioculturais desiguais, em que se configura a presença de

grupos, cujos padrões sociais, étnicos e culturais, diferem dos arquétipos dominantes,

destacando, por esse motivo, a necessidade de uma perspectiva educativa multicultural como

importante alternativa ao respeito e à valorização das formas culturais desses grupos menos

privilegiados.

Com o recente afloramento das pesquisas sobre o assunto no Brasil, alguns/as

autores/as têm destacado a necessidade de desenvolver uma pedagogia multicultural, ao

mesmo tempo em que lançam, como sendo um dos principais desafios para a sua construção,

a pouca atenção dada ao tema nos projetos de formação de professores/as vigentes no país. De

acordo com Vera Maria Candau (1998) as questões sobre educação intercultural e seu impacto

sobre o processo de ensino não têm sido incluídas de forma sistemática nos cursos de

formação docente. Segundo a autora, a inclusão do conceito de multiculturalismo nos cursos

de formação pode beneficiar as reflexões sobre a problemática enfrentada pelos educadores/as

no cotidiano escolar, relacionadas principalmente ao atendimento às diferenças.

A autora acima faz parte de um grupo de estudiosos, que tem levantado a necessidade

de uma proposta de formação articuladora das questões sobre educação multicultural, com

estratégias que permitam uma formação profissional do/a professor/a, pautada na construção e

na valorização de competências pedagógicas, comprometidas com a diversidade cultural,

tornando os/as educadores/as capazes de desenvolver um ensino culturalmente relevante, ou

seja, articulador de uma conciliação entre a cultura escolar e a cultura trazida de casa, a fim de

instigar os/as alunos/as a fazerem …] ―um exame crítico dos processos e conteúdos

educacionais‖, e questionar qual a função deles/as …] ―na criação de uma sociedade

verdadeiramente democrática e multicultural‖. (LADSON-BILLINGS e HENRY, 2000, p. 51,

grifos das autoras).

No que diz respeito à inclusão de uma perspectiva educativa multicultural no espaço

amazônico, os desafios se tornam ainda maiores, exigindo uma formação que se desenvolva a

partir de uma abordagem de educação comprometida com os saberes locais e que proporcione

aos/as educadores/as conhecimentos que possam auxiliá-los/as no grande desafio de atender

as diferentes características existentes nesse contexto educativo específico. Contexto que, de

acordo com Lucíola Inês P. Cavalcante e Valéria Augusta C. de M. Weigel (2006, p. 2),

caracteriza-se, do ponto de vista de sua composição cultural, ―por uma rica sociodiversidade‖

que inclui populações indígenas de diferentes etnias, línguas e culturas específicas, além das

culturas amazônicas caboclas como a vivenciada por ribeirinhos, seringueiros e pequenos

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camponeses em geral que habitam o campo e que possuem diferentes ―experiências e

conhecimentos sobre formas de coexistência e utilização do meio local‖.

Inserido nesse espaço plural, no panorama rondoniense, a perspectiva multicultural se

faz relevante, nas representações educacionais, levando-se em conta todos esses aspectos

abordados, mas também por dois outros motivos específicos: de um lado temos as diferenças

regionais e as peculiaridades de culturas de cada povo; por outro, englobando, de modo mais

particular a educação e os processos de ensino, temos a heterogeneidade presente em sala de

aula. Segundo Maria Helena V. Souza (2005), a existência de uma turma ideal estigmatizada

no pensamento de muitos/as professores/as, com alunos/as iguais do ponto de vista étnico e

cultural e em condições de aprendizagem idênticas deixou de existir a partir do momento em

que a escola de massas tornou o ensino obrigatório para ambos os sexos e para os/as alunos/as

de todos os estratos sociais. Esse fator contribuiu de modo decisivo para que hoje a

diversidade seja bem mais ampla.

Entretanto, se a cada vez mais, fala-se em uma sociedade plural e defende-se uma

proposta de educação multicultural, tais propostas esbarram na precariedade com que as

discussões realizadas pelas pesquisas têm chegado às instituições formativas e atingido os

cenários escolares. Conforme acentuam Candau (1998) e Ana Canen e Ângela M. A. de

Oliveira (2002), a preocupação em abordar e discutir uma proposta de educação multicultural,

ainda está ausente na maior parte dos cursos de formação de professores/as em serviço

oferecidos pelos próprios órgãos em que trabalham; conseqüentemente, essa tarefa fica,

atualmente, quase que exclusivamente a cargo das instituições em que tais profissionais

adquirem sua formação inicial, ou seja, pelas diversas Escolas Normais, Instituições

Superiores de Educação e Universidades públicas que, no Brasil, são responsáveis pela

formação de educadores/as. Tais instituições têm assim, uma carga maior de responsabilidade

com o desenvolvimento de saberes que permitam aos/as diversos/as professores/as atenderem

a diversidade existente nas escolas, subsidiando-os com uma formação voltada para estas

problemáticas.

Nessa perspectiva, considerando a atuação da Universidade Federal de Rondônia no

processo de formação de professores/as dentro do Estado, a presença da diversidade e da

diferença cultural que se reflete nas escolas municipais e estaduais, e a necessidade de uma

formação específica que articule estas questões com os conhecimentos didático-pedagógicos,

lancei-me, por ocasião desta pesquisa na busca de respostas aos seguintes questionamentos:

em que medida a Universidade Federal de Rondônia evidencia em seu currículo a

preocupação com uma orientação multicultural de educação? De que modo a formação

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docente tem contribuído para que os/as futuros/as professores/as percebam os universos

culturais dos/as alunos/as como norteadores do planejamento curricular e das práticas

pedagógicas desenvolvidas?

Partindo desses questionamentos e levando em conta os recentes estudos sobre

multiculturalismo, a pesquisa teve por objetivo principal discutir até que ponto as diferentes

abordagens sobre a educação multicultural têm sido trabalhadas na formação docente durante

o curso de graduação em Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia nos Campi José

Ribeiro Filho (capital) e Rolim de Moura (interior). Em consonância com a problemática

explicitada e em busca de subsídios para o desenvolvimento da sensibilização multicultural na

formação inicial de professores/as do nosso Estado, a pesquisa teve ainda os seguintes

objetivos:

Investigar em que medida o curso de Pedagogia da Universidade evidencia em seu

currículo a preocupação com uma orientação multicultural de educação;

Analisar de que modo a formação docente propiciada pelo curso nos referidos campi

contribuí para que os/as futuros/as professores/as percebam os universos culturais

dos/as alunos/as como norteadores do planejamento curricular e das práticas

pedagógicas desenvolvidas.

A escolha da Universidade Federal de Rondônia justificou-se em grande parte por sua

localização; isso quer dizer que pelo fato de estar inserida numa área do contexto amazônico,

um dos desafios que se colocam para a mesma é justamente promover uma formação que

contribua para o fortalecimento da identidade dos povos que habitam essa região específica.

Mas, além disso, justificou-se pela necessidade de produção de novos conhecimentos sobre a

realidade local. A seguir explicitarei melhor o contexto investigativo e os procedimentos

adotados durante a pesquisa.

1.3 - O contexto da investigação

Após ter os objetivos da pesquisa bem definidos e claros, considerei a possibilidade de

ter como foco da pesquisa dois campi da Universidade Federal de Rondônia: o campus da

capital do Estado no município de Porto Velho e um campus do interior que representasse os

demais campi interioranos. Assim, o campus de Rolim de Moura foi escolhido para participar

da pesquisa. Além destes, a Universidade possui mais outros quatro campi localizados nos

municípios de Cacoal, Guajará-Mirim, Ji-Paraná e Vilhena conforme demonstra o mapa do

anexo A. Destes, apenas o Campus de Cacoal não oferece o curso de Pedagogia. Entre os dois

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pesquisados há consideráveis diferenças não apenas no que se refere à implantação e

desenvolvimento da universidade quanto às características culturais, sociais e econômicas.

O Campus de Rolim de Moura localiza-se no interior do Estado, a 477 km da capital,

numa região conhecida como Zona da Mata. O município de Rolim de Moura origina-se,

segundo José Vilhena e José Pereira da Siqueira (2001), de um dos projetos de colonização

implementados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, na

década de 1970, destinado ao assentamento de camponeses excedentes do Projeto Ji-Paraná,

vindos de todas as regiões brasileiras à procura de terras. Isso explica o fato de que a maior

parte de sua população seja formada por migrantes provenientes de outras regiões do país.

Diferentemente de Porto Velho, que é um dos municípios mais antigos do estado, a

cidade de Rolim de Moura foi elevada à categoria de município, conforme aponta João Lopes

(1990) em 05 de agosto de 1983, sendo que suas terras foram desmembradas do município de

Cacoal. Esse nome, por sua vez, não faz referência a nenhuma característica específica da

região amazônica; trata-se, na verdade, de uma homenagem ao Visconde de Azambuja Dom

Antônio Rolim de Moura Tavares, um entre tantos outros colonizadores que se estabeleceram

na região do Vale do Guaporé, tendo sido este denominado o primeiro governador da

capitania de Mato Grosso da qual o estado de Rondônia desmembrou-se.

Por ser uma cidade pólo, cercada por outros seis municípios (Castanheiras, Santa

Luzia D‘Oeste, Pimenta Bueno, São Felipe D‘Oeste, Novo Horizonte D‘Oeste e Cacoal) e em

virtude de sua localização geográfica, Rolim de Moura passou a constituir-se em verdadeiro

centro urbano, recebendo muitas pessoas durante o ano. Em geral, as principais finalidades

dessas visitas são para fins de estudo na Universidade, fazer cursos de língua estrangeira e de

escolas técnicas, realizar transações comerciais de pequeno porte, e principalmente, por

motivos de saúde.

O fato, ainda, de ter uma área relativamente pequena, em comparação aos outros

municípios do Estado, também contribui para que a cidade seja o ponto de encontro de

pessoas que moram nos sítios próximos. A economia básica é a agricultura tendo como

relevância as lavouras de arroz, café, milho e feijão; e a agropecuária. Já foi considerada a

capital da madeira devido à flora rica em madeira de lei como o Mogno, a Cerejeira, Ipê,

Jatobá, Peroba, etc. Porém, devido à extração irregular dessas matérias primas, atualmente há

uma vasta área desmatada e uma diminuição expressiva das matas. Além das plantações, no

cenário atual predominam as pastagens destinadas à pecuária. Aos poucos, pequenos e médios

fazendeiros vão tomando conta do espaço conquistado pelas famílias de migrantes que, ou

migram novamente para outros estados, ou mudam-se para a área urbana do município.

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O município dispõe de poucos espaços para a manifestação da cultura popular.

Embora a população atual seja formada por pessoas de diferentes regiões do Brasil, pouco se

sabe sobre suas histórias e expressões culturais. Os poucos períodos de manifestação cultural

ocorrem nos meses de junho e julho nos quais se realizam inúmeras festas juninas. No

entanto, tais festas têm mais o objetivo de obter lucros do que manifestar os aspectos

culturais. A cidade conta ainda com um Teatro Municipal com um amplo espaço, embora nem

todos a ele tenham acesso e o número de apresentações seja bastante reduzido.

Com relação à população, ocorre predominância da migração do Sul do país. De

acordo com pesquisa realizada por Jonh O. Browder e Brian J. Godfrey (2006), no início da

década de 1990, uma média de 67,1% dos moradores do município e região era proveniente

do Sul e Sudeste do país, enquanto 3,75% do total de migrantes vieram do Nordeste. Por sua

vez, a população nativa da região amazônica correspondia à menor proporção da população, o

equivalente a 1,8%. A despeito dessa configuração, autores como Vilhena e Siqueira (2001),

destacam que em virtude de sua diversidade humana, o município de Rolim de Moura se

sobressai com expressivo potencial no âmbito histórico e cultural em decorrência, sobretudo,

do grande fluxo migratório, sendo este um fator determinante da diversidade de manifestações

culturais e folclóricas presentes principalmente nas festas que compõem o calendário cívico,

como o carnaval, os festejos juninos, o aniversário do município, a Exposição Agropecuária,

os campeonatos esportivos, entre outros eventos de médio porte.

O Campus de Rolim de Moura surgiu cinco anos após a emancipação do município. A

criação do Campus e a abertura das primeiras turmas ocorreram no ano de 1988, por decisão

do Conselho Diretor da UNIR (CONDIR). Os cursos implantados foram: Letras e Pedagogia,

com 40 vagas para cada um. Essa criação era fruto do processo de interiorização da

Universidade e outros municípios também foram beneficiados. No entanto, isso só foi

possível tendo em vista as parcerias firmadas com os governos municipais de cada região.

Dispondo de poucas condições para a implementação de uma instituição pública de ensino

superior, no início, coube à Universidade realizar a coordenação didático-pedagógica dos

cursos e a realização de concursos para docentes e à Prefeitura coube, além da doação do

terreno, a construção e manutenção das instalações físicas. Também foi de sua

responsabilidade subsidiar o Campus com toda a infra-estrutura necessária para o seu

funcionamento, ou seja, oferecer o respaldo financeiro, acervo bibliográfico, material

permanente e de consumo, equipamentos e pessoal de apoio até o final de 1991.

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(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008).2

A construção do primeiro bloco de salas de aula teve início no mês de agosto daquele

mesmo ano, com recursos provenientes da Prefeitura Municipal. A sua inauguração se deu

logo em seguida, no mês de dezembro e, em janeiro de 1989, foi realizado o primeiro

vestibular, ocasião em que foram aprovados 80 candidatos. As atividades acadêmicas tiveram

início em março do mesmo ano com 40 alunos matriculados no curso de Letras e 40 no curso

de Pedagogia.

O primeiro quadro de docentes foi formado por 8 (oito) professores/as cedidos/as pela

Secretaria Estadual de Educação para atender aos dois cursos. Após esse período inicial, a

partir de 1995, o Campus se integrou ao programa de ―cursos finitos‖ instituído pela UNIR

passando a oferecer os cursos de História (1995), Educação Física, Matemática, Letras/Inglês

(2002) para atender demandas periódicas da região. No entanto, em 2002, por força do

planejamento estratégico implantado pela UNIR, o Campus de Rolim de Moura levando em

consideração as demandas locais do município e do Estado de Rondônia, elegeu suas duas

áreas de atuação: Educação e Ciências Agrárias. Atualmente, o Campus oferece os cursos de

graduação em Agronomia e Pedagogia, de pós-graduação lato sensu em Alfabetização e em

Solos e Ambiente. Ao longo dessa trajetória, o curso de Pedagogia tem sido o grande

responsável pela formação dos/as professores/as com habilitação em Gestão Escolar,

Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental de um considerável número de

professores/as estaduais e municipais de toda a Zona da Mata. O curso funciona nos períodos

vespertino e noturno.

O Campus de Porto Velho possui uma história bem diferente. Seu público também

difere do de Rolim de Moura. Localizado na capital do Estado, na parte oeste da Região Norte

do Brasil, o município encontra-se em área abrangida pela Amazônia Ocidental no Planalto

Sul-Amazônico, uma das parcelas do Planalto Central Brasileiro e está entre as três cidades

mais antigas de Rondônia. Sua história está marcada pelos interesses políticos, militares e

estratégicos para a região e ainda pela construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré –

EFMM - que antecede aos projetos de colonização do INCRA. De um modo bastante geral,

podemos dizer que os marcos históricos de Porto Velho têm origem na descoberta de

cassiterita (minério de estanho) nos velhos seringais no final dos anos de 1950, e de ouro no

Rio Madeira. Assim, quando o Governo Federal decide, no final dos anos de 1970, abrir uma

2 As informações foram extraídas de fontes documentais elaboradas pela própria Universidade. Como utilizarei

em vários momentos informações provenientes de tais fontes, devido a esta freqüência que será observada,

principalmente na análise dos dados, optei por fazer a referência no formato de autor data, fazendo a chamada na

bibliografia final.

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nova fronteira agrícola no então Território Federal de Rondônia, o vilarejo de Porto Velho e o

de Santo Antônio, onde os construtores da Estrada se estabeleceram, já eram ocupados por

uma ampla população para a época.

Conseqüentemente, os modelos migratórios e demográficos da população de Porto

Velho são significativamente diferentes daqueles que caracterizam os municípios do interior.

Conforme destacam Browder e Godfrey:

Enquanto os moradores dos assentamentos do interior geralmente mantém ligações

com suas origens no Sul e Sudeste, a orientação de Porto Velho é muito mais

voltada para as populações ribeirinhas tradicionais e os setores de mineração do lado

mais ocidental do estado. […] A população periférica urbana de Porto Velho consiste principalmente de migrantes vindos da Amazônia, em contraste com a

população do interior de Rondônia, onde predominam as migrações recentes da

região Sul, Sudeste e Centro-oeste do Brasil. Mais da metade da população de Porto

Velho é nativa de outros estados da região Norte, e 20,5% é nativa de Rondônia.

Essas descobertas indicam, que Porto Velho não serve como um imã para os

fazendeiros falidos ou desalojados das áreas do interior de colonização recente. Na

realidade, a população de Porto Velho vem em sua maioria dos ambientes

amazônicos tradicionais ao longo dos rios regionais. (2006, p.164 e171).

Por ser uma das cidades mais antigas e ainda por ser a Capital do Estado, Porto Velho,

que tem crescido consideravelmente nos últimos anos, é definida pelas características de sua

população como um local mais próximo dos costumes amazônicos. A cidade é banhada pelo

Rio Madeira, o principal do Estado, que abriga uma boa parcela da população ribeirinha de

Rondônia e sobre o qual recaem os futuros projetos de hidrovias.

A criação do campus de Porto Velho confunde-se com a própria história da UNIR,

pois foi o primeiro Campus, do qual se originaram os demais. De acordo com Elizabeth

Antônia L. de M. Martines (2005), a UNIR foi criada em 08 de julho de 1982, a partir da

incorporação do patrimônio da antiga Fundação Centro de Ensino Superior de Rondônia

(FUNDACENTRO), entidade vinculada à Prefeitura Municipal de Porto Velho, cuja origem

se associava ao Núcleo de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na época de sua criação, a UNIR assumiu a responsabilidade pelos três cursos que

eram ofertados pela antiga Fundação, sendo esses Administração, Ciências Contábeis e

Economia. A incorporação desses cursos e a criação de outros, que surgiram em seguida,

estiveram vinculados aos interesses e às necessidades do governo federal, tendo em vista seus

projetos de expansão para a região.

O curso de Pedagogia foi criado logo em seguida, no ano de 1983. Assim, passou a ser

oferecida a habilitação nas Disciplinas Pedagógicas do Magistério e em Supervisão Escolar.

As aulas ocorriam no período matutino e até hoje não há oferta de turmas no período noturno.

Isso tem interferido no perfil dos/as acadêmicos/as que geralmente são funcionários/as

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públicos/as, muitos/as deles/as que já atuam na educação. No entanto, isso tem mudado

lentamente, conforme aponta Ana Maria de Lima Souza (2005) em sua pesquisa de

doutorado, sendo que nos últimos anos o curso passou a receber estudantes mais jovens sem

vínculo com o magistério.

A partir do ano de 2002, o curso passou por uma reformulação que, entre outras

mudanças, estabeleceu uma nova habilitação em Docência da Educação Infantil, Séries

Iniciais do Ensino Fundamental, áreas Pedagógicas e Competência para a Gestão

Educacional. Atualmente estão em andamento cinco turmas.

Além do curso de Pedagogia, o campus de Porto Velho oferece atualmente mais 24

cursos (Administração, Arqueologia, Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Ciências da

Informação (biblioteconomia), Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Direito, Educação

Física, Enfermagem, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Filosofia, Física, Geografia,

História, Informática, Letras/Espanhol, Letras/Inglês, Letras/Português, Matemática,

Medicina, Psicologia e Química) distribuídos entre os núcleos de Ciências Sociais, Ciências e

Tecnologia, Saúde e Educação. (PROCEA, 2008).

1.4 - Procedimentos metodológicos

Em dezembro de 2001, a Revista Brasileira de Educação publicou um artigo de autoria

de Antonio Flávio Barbosa Moreira, no qual o autor faz uma análise da produção científica

sobre currículo e multiculturalismo no Brasil entre o período de 1995 a 2000. O autor analisa

a produção de artigos dos principais periódicos brasileiros, dividindo-os em várias categorias

nas quais destacou os avanços, os desafios e as tensões em relação ao currículo e ao

multiculturalismo no Brasil.

Uma dessas categorias, a que mais me interessa neste estudo foi intitulada de

―multiculturalismo e formação de professores‖. Após a análise do que tem sido pesquisado, o

autor conclui:

A necessidade de professores bem preparados para enfrentar os desafios provocados

pela pluralidade cultural da sociedade e das escolas, como já afirmei, é realçada em

muitos artigos. No entanto, são pouco numerosos, no conjunto examinado, os estudos que procuram verificar se e como os currículos dos cursos de formação

docente evidenciam uma orientação multicultural de educação. Trata-se, penso, de

lacuna a ser preenchida. (MOREIRA, 2001a, p. 70).

Após a publicação do artigo, essa lacuna ainda não foi preenchida e, embora os

estudos sobre multiculturalismo tenham avançado no Brasil, as pesquisas sobre formação de

professores/as são bastante tímidas. Com relação à formação inicial, então, poucas são as

pesquisas realizadas que podem trazer respostas, ainda que parciais, às preocupações do autor.

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Esse destaque inicial ao referido artigo torna-se importante, pois foi, a partir do

mesmo, que se definiu o tipo de pesquisa a ser realizada neste estudo, uma vez que estarei

discutindo justamente sobre essa temática multicultural na formação inicial de professores/as.

Ou seja, há uma possibilidade enorme de situações e temáticas relacionadas à formação

inicial, porém estarei olhando apenas para a orientação multicultural, dentro de um espaço

delimitado que neste caso, refere-se à Universidade Federal de Rondônia.

Feita essa justificativa, situo esta pesquisa como um estudo de caso, pois olha para a

problemática do tema dentro de um contorno e espaço definido, sabendo que o mesmo é

possível de ser investigado em outros contextos. De acordo com Goode e Hatt apud Menga

Lüdke e Marli E. D. A. André (2005. p. 17) ―o caso se destaca por se constituir numa unidade

dentro de um sistema mais amplo‖. Portanto, mesmo que durante a pesquisa, ocorram outras

descobertas relacionadas a diferentes aspectos da formação, o estudo de caso foi escolhido,

pois permitirá olhar para o caso particular da questão multicultural.

Definido o tipo de estudo, devo destacar ainda que nesta pesquisa estarei utilizando

uma abordagem qualitativa de modo que ao analisar os dados coletados sejam levadas em

consideração algumas questões como: o contexto em que o caso se situa, as diferentes

dimensões presentes na problemática, a variedade de fontes de informações e os diferentes

pontos de vista sobre o tema (LÜDKE e ANDRÉ, 2005).

Quanto às diferentes formas e aos diferentes pontos de vista, isso será privilegiado a

partir de diferentes instrumentos de coleta de dados, com sujeitos específicos. Os informantes

foram professores/as da Universidade Federal de Rondônia e acadêmicos/as que estão em

formação e que já concluíram o curso de Pedagogia. Os instrumentos utilizados foram análise

documental, entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. A seguir definirei melhor cada um

desses instrumentos e sujeitos.

1.4.1 - Os sujeitos da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida no curso de Pedagogia da Universidade Federal de

Rondônia, no campus de Rolim de Moura e no campus de Porto Velho na capital. Os sujeitos

envolvidos na pesquisa foram os/as professores/as que ministravam disciplinas no curso e

ainda os/as professores/as que estivessem desenvolvendo projetos específicos relacionados à

questão do multiculturalismo.

Inicialmente me propus a entrevistar pelo menos quatro professores/as de cada

Campus que ministrassem disciplinas relacionadas à temática cultural e a questão da

linguagem. Assim, no Campus de Porto Velho foram convidados os/as professores/as de

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Sociologia Geral, Análise Lingüística, Educação dos Povos da Floresta e Oralidade e escrita.

No Campus de Rolim de Moura foram privilegiadas as disciplinas de Antropologia da

Educação (não oferecida no Campus de Porto Velho), Educação dos Povos da Floresta,

Análise Lingüística e Teoria e Prática em Alfabetização.

Entretanto, é interessante destacar que tais professores/as ministram mais de uma

disciplina nos departamentos. Acredito que isso possa, de certa forma, ter enriquecido os

dados coletados. A cada um dos/as professores/as foi feito um convite pessoal, geralmente por

meio telefônico, principalmente no caso de Porto Velho, ou um convite presencial, no caso de

Rolim de Moura. No momento do convite explicava os objetivos da pesquisa e o porquê da

escolha. Dos/as professores/as convidados/as, apenas uma professora do Campus de Porto

Velho não pôde comparecer apesar de várias tentativas terem sido feitas. Em decorrência da

dificuldade de outros/as professores/as do campus para disporem de um tempo para a

entrevista, em virtude de seus trabalhos, contarei para a análise de dados com apenas três

entrevistas deste Campus, especificamente, uma vez que ao sentar com o orientador para

avaliar a quantidade de dados disponíveis, chegamos à conclusão de que haveria um conjunto

suficiente de informações coletadas com os/as professores/as entrevistados/as até o momento,

fator que não prejudicaria a análise de dados e pelo qual não se insistiu em uma nova

entrevista.

Além dos/as professores/as do quadro efetivo da Unir, também participaram da

pesquisa acadêmicos/as do curso de Pedagogia dos dois municípios que foram selecionados

para participarem de grupo focal conforme descreverei adiante. Ao todo, foram convidadas

sete acadêmicas do Campus de Porto Velho que não eram professoras e sete acadêmicas que

atuavam como professoras. As alunas foram selecionadas tendo em vista o período em que

estavam estudando sendo estes, quinto, sexto e sétimo períodos. Para a seleção contei com o

apoio da representante, do Departamento de Educação do referido campus, essa ministrava

disciplinas para as referidas turmas. Entretanto, devido às dificuldades com locomoção,

horário, entre outros, nem todas que aceitaram participar puderam comparecer às reuniões.

Assim, participaram efetivamente dos grupos focais de Porto Velho, cinco acadêmicas não

professoras do quinto e sexto período e cinco acadêmicas professoras dos mesmos períodos.

Além do convite, feito pela representante de Departamento, foi realizada uma reunião na sala

de aula com as participantes do campus de Porto Velho a fim de explicar melhor os interesses

e procedimentos da pesquisa.

Em Rolim de Moura, a escolha dos/as participantes sofreu uma pequena variação

tendo em vista o novo perfil dos/as acadêmicos/as do curso de Pedagogia, nos últimos anos.

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Ao entrar em contato com uma das professoras do curso, verifiquei que em quase todas as

turmas não havia acadêmicos/as que já atuavam em sala de aula. Um dos motivos principais

que justifica essa nova característica dos/as novos/as acadêmicos/as está ligado diretamente ao

convênio estabelecido entre a UNIR e o governo do Estado e prefeituras municipais, que

instituiu o Programa de Habilitação e Capacitação de Professores Leigos da rede pública

municipal e estadual de Rondônia (PROHACAP). Este programa formou nos últimos anos

um total de 7.278 professores/as em todo o Estado em várias áreas da educação e permitiu que

os/as professores/as que atuavam em escolas públicas, muitos deles/as com apenas o ensino

médio, concluíssem também a graduação.

Entendendo que a opinião dos/as acadêmicos/as professores/as seria muito importante,

até para fazer um paralelo com o que diriam as participantes professoras do Campus de Porto

Velho, resolvi convidar ex-acadêmicos/as do curso que fossem professores/as antes ou depois

de terem concluído a formação. Assim, foram formados dois diferentes grupos com alunos/as

egressos/as do curso de Pedagogia em diferentes anos de conclusão. Do primeiro grupo

participaram oito acadêmicos/as egressos/as, todos/as professores/as das escolas estaduais e

municipais de Rolim de Moura; do segundo grupo participaram igualmente oito ex-alunos/as,

porém dois não atuavam como professores/as embora trabalhassem em escolas. Um terceiro

grupo foi formado com acadêmicos/as que ainda estavam em formação. Este contou com a

participação de sete pessoas do terceiro, quarto e sétimo período. Assim como ocorreu no

campus de Porto Velho, estes/as foram selecionados/as com o auxílio de uma das professoras

do Departamento e em seguida foi realizado um contato pessoal para explicar sobre a

pesquisa, confirmar participações e agendar datas e locais possíveis para todos/as. Para cada

um desses/as participantes, foi construído um instrumental de coleta de dados enfocando

questões relativas ao curso. O detalhamento minucioso desses instrumentos e o modo como

foram desenvolvidos será feito a seguir. Primeiramente falarei dos grupos focais, em seguida

das entrevistas e por fim dos documentos que também contribuíram na análise, como

complemento dos dados levantados.

1.4.2 – Instrumentos de coleta dos dados

1.4.2.1 - Grupos Focais

O grupo focal é um dos instrumentos em pesquisa qualitativa que, segundo Bernardete

Angelina Gatti (2005), permite capturar a opinião de determinado grupo a respeito de um

assunto de interesse. Nesta técnica:

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[…] Privilegia-se a seleção dos participantes segundo alguns critérios – conforme o

problema em estudo -, desde que eles possuam algumas características em comum

que os qualificam para a discussão da questão que será o foco do trabalho interativo

e da coleta do material discursivo/expressivo. Os participantes devem ter alguma

vivência com o tema a ser discutido, de tal modo que sua participação possa trazer

elementos ancorados em suas experiências cotidianas. (GATTI, 2005, p. 7).

Entre as vantagens do grupo focal em relação as outras técnicas de coleta de dados,

como a entrevista, a observação e o questionário, pode-se destacar a ênfase na interação entre

os sujeitos que fazem parte do grupo, a obtenção de dados de um maior número de pessoas,

com boa quantidade de informação em um período de tempo mais curto e ainda a

possibilidade de trazer à tona respostas mais completas, verificando a lógica ou as

representações que conduzem à resposta.

A técnica do grupo focal foi utilizada neste trabalho para conhecer as opiniões dos/as

alunos/as com relação ao curso que está sendo oferecido pela instituição UNIR nos dois

campi onde as coletas ocorreram. Tanto no Campus de Rolim de Moura quanto no de Porto

Velho os grupos ocorreram no período que compreendeu o segundo semestre letivo de 2007

entre os meses de agosto e dezembro. Em Rolim de Moura, os encontros aconteceram no

próprio Campus e, um deles, a pedido dos próprios participantes, ocorreu na sede da

Representação de Ensino, local mais centralizado. Os encontros ocorreram no período noturno

e vespertino conforme a disponibilidade de tempo da maior parte dos/as participantes de cada

grupo. Estes foram previstos para durarem no máximo uma hora e trinta minutos, sendo que

no primeiro deles esse tempo totalizou duas horas, não prejudicando o trabalho. Entretanto,

nos demais, tomei o cuidado para que esse tempo realmente não excedesse para não tornar o

encontro cansativo e até repetitivo para os/as participantes.

Nos dias marcados, vários imprevistos aconteceram. No caso de Rolim de Moura, a

falta de energia elétrica justamente no horário de um dos encontros quase nos obrigou a

marcar uma nova data. Entretanto, após ser consultado, o grupo optou por realizá-lo mesmo

naquelas condições, dado que a ausência de luz não comprometeria as falas e as gravações e

ainda que remarcar significaria ter de fazer novas consultas quanto a calendários,

disponibilidades de tempo, etc. O encontro com o segundo grupo de acadêmicos/as

egressos/as foi iniciado à luz de velas; após cerca de trinta minutos de andamento das

conversas, contudo, a energia elétrica retornou sendo dado prosseguimento às atividades.

Em Porto Velho, os desencontros e as dificuldades com os horários e os locais foram

maiores levando-se em consideração a própria característica da cidade em que os ambientes

são todos distantes exigindo que se tome ônibus coletivo para chegar ao local e ainda o ritmo

acelerado de vida das pessoas, de modo que, por duas vezes, foi necessário remarcar nova

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data já que a maioria das participantes não conseguiu chegar a tempo. Os encontros

aconteceram em locais diferenciados: com as acadêmicas não professoras os grupos foram

realizados na sede da Unir Centro em Porto Velho e no Campus Unir numa das salas

disponibilizadas pelo Núcleo de Estudos Canadenses (NEC). Com as acadêmicas professoras,

os dois encontros ocorreram na Fundação Rio Madeira (RIOMAR), na sala utilizada pelo

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

No início de cada encontro, eram dadas as explicações sobre os objetivos da pesquisa,

a duração dos encontros e os procedimentos adotados. Os/as participantes eram também

informados/as e consultados/as quanto à possibilidade de autorizarem, por escrito, a utilização

do material transcrito. Em seguida era realizada a apresentação de cada um/a dos/as

participantes que passariam a compor aquele grupo. Procurei, nesses momentos, esclarecer os

motivos pelos quais eles/as haviam sido escolhidos/as para participar, enfatizando a

importância da participação de cada um/a. Do mesmo modo, os/as participantes foram

incentivados/as a se sentirem bastante à vontade, enfatizando que todas as idéias e opiniões

seriam interessantes, não devendo se preocupar em demasiado com o que iriam falar, se

estaria certo ou errado. Tornar claro essa questão foi muito importante na medida em que não

buscava que houvesse um consenso; ao contrário esperava que pontos de vista diferentes

surgissem durante a interação nos grupos. Busquei, desse modo, seguir as orientações

recomendadas por Gatti (2005, p. 28), segundo as quais, ―a abertura do grupo é um momento

crucial para a criação de condições favoráveis à participação de todos os componentes.

Precisa-se criar uma situação de conforto, de certo distencionamento, para gerar uma

atmosfera permissiva‖.

Outro aspecto destacado no início foi quanto ao papel de mediadora. Os/as

participantes foram informados/as de que a conversa seria entre eles/as e por isso não

precisavam se comportar como se estivessem respondendo para a mediadora o tempo todo. A

idéia era a de que eles/as trocassem idéias e opiniões, ao passo que minha tarefa como

mediadora seria a de introduzir o assunto, sugerir algumas questões e, principalmente, ouvir o

que teriam a dizer. Entre os assuntos incluídos no roteiro busquei a opinião deles/as a respeito

da abordagem cultural no decorrer da formação, o tratamento das diferenças, a relação entre

cultura e linguagem e ainda, como eles/as sentiam que estavam sendo formados para atuarem

em diferentes localidades e realidades.

Uma primeira questão buscava introduzir o tema. Em seguida, novas questões sobre

tópicos mais específicos eram lançadas visando o aprofundamento do tema. Apesar de contar

com um roteiro previamente elaborado tendo em vista os objetivos da pesquisa (apêndice A),

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em algumas situações outras questões eram lançadas tendo em vista as falas dos/as próprios/as

participantes. Em outros momentos, ao lançar-se uma questão os/as participantes acabavam

por antecipar respostas a questionamentos que também seriam feitos posteriormente. Coube a

mim, nesses momentos estar atenta aos eventos ocorridos de modo a garantir a fluência nas

opiniões. De modo geral, este foi um processo mútuo de aprendizagem tanto para os/as

participantes, como para minha constituição enquanto pesquisadora.

Durante a realização dos encontros, as falas, contendo os relatos dos/as participantes,

foram gravadas em áudio. Uma relatora foi convidada para participar, auxiliando-me nas

anotações que não podiam ser captadas nas gravações como embates, discordâncias,

expressões faciais, grau de interação entre os/as participantes, etc. Posteriormente, realizei o

registro escrito. Também recorri ao caderno de campo para o registro de aspectos que

surgiram na situação de coleta, relacionados aos elementos teóricos e metodológicos da

pesquisa.

1.4.2.2 - Entrevistas individuais

De acordo com os autores Robert C. Bogdan e Sari Knopp Biklen (1994, p. 134), na

investigação qualitativa ―[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na

linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma

idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo‖. Desta forma, as

entrevistas individuais constituíram-se em instrumento básico para conhecer a opinião de

professores/as que ministram disciplinas no curso de Pedagogia sobre a questão do

multiculturalismo na formação docente. As entrevistas aconteceram nos próprios locais de

trabalho ou na casa dos/as professores/as, em alguns casos. Durante a realização, foram

enfocadas as opiniões referentes à questão do multiculturalismo na formação, como

encaminham os aspectos relacionados às diferenças dentro da Universidade e nas escolas

onde atuarão os/as futuros/as professores/as.

Para a condução das entrevistas segui a mesma metodologia inicial dos grupos focais,

ou seja, a apresentação dos objetivos da pesquisa, a apresentação da entrevistadora que neste

caso era a própria pesquisadora e os procedimentos a serem tomados. Neste momento, os/as

professores/as foram informados/as ainda quanto ao teor das perguntas. Em seguida, dava

início às questões do roteiro composto por questões relacionadas à instituição de um modo

geral, abordando aspectos como currículo e participação dos/as professores/as numa proposta

multicultural, além de questões mais específicas relacionadas ao seu próprio trabalho e às

disciplinas que ministravam, conforme apêndice B. Além das questões, alguns dados

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complementares sobre cada um dos/as entrevistados/as foram coletados, uma vez que

poderiam auxiliar na compreensão dos discursos.

Todas as entrevistas foram gravadas com a devida permissão dos/as professores/as.

Em seguida foram transcritas e submetidas aos/as entrevistados/as a fim de que estes/as

pudessem fazer as observações que julgassem necessárias e concordassem que os dados

fossem publicados com autoria. Esse procedimento foi necessário tendo em vista o pequeno

número de pessoas entrevistadas e as informações que poderiam comprometer a ocultação de

sua identidade. Assim, com base nos procedimentos adotados por José Carlos Bom Meihy

(1996) nas pesquisas que envolvem relatos orais, preferi, após a transcrição, entregar a versão

escrita das entrevistas para que fossem autorizadas. Em geral, não houve grandes

modificações por parte dos/as autores/as. Além da gravação e dos registros escritos, o caderno

de campo também foi empregado como instrumento de registro de dados sobre impressões e

aspectos observados durante a realização das entrevistas, servindo como apoio à análise de

dados durante a coleta dos mesmos.

1.4.2.3 - Análise documental

Tendo em vista que aspectos da formação pedagógica podem ser também conhecidos a

partir dos documentos escritos que são utilizados pela instituição para orientar o trabalho

educativo, busquei analisar também o Projeto Político Pedagógico que orienta a proposta de

formação do curso; ao analisar tal documento procurei olhar se este evidenciava a

preocupação com uma proposta de formação orientada para o multiculturalismo. Além do

projeto pedagógico, foram analisadas as ementas das disciplinas constantes no mesmo. Aqui

se deu prioridade às disciplinas ministradas pelos/as professores/as entrevistados/as e ainda as

disciplinas que se aproximavam da temática pesquisada, agrupadas da seguinte forma:

1. Disciplinas de fundamentos que tratavam da questão cultural (Antropologia,

Sociologia, etc.);

2. Disciplinas de teoria e prática da área de linguagem e diversidade étnica;

3. Disciplinas de estudos de grupos específicos da população (Povos da floresta,

ribeirinhos, etc).

Os Projetos foram solicitados junto aos Departamentos do curso dos dois campi

participantes. Os mesmos não compuseram a parte mais significativa da análise, servindo

mais como apoio desta. A seguir descreverei os procedimentos envolvidos na análise dos

dados.

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1.5 - Análise dos dados

Para analisar os dados baseei-me nos objetivos propostos. Primeiramente recorri à

leitura dos projetos políticos pedagógicos dos dois cursos. Neles, busquei observar a

ocorrência de objetivos, princípios e propostas relacionadas com a problemática multicultural.

Após este primeiro trabalho, que me deu um panorama do curso, iniciei a análise das

entrevistas realizadas com os/as docentes.

Com relação à análise dos dados coletados com os/as professores/as, as informações

gravadas nas entrevistas foram, logo em seguida, transcritas para o caderno de campo,

acrescentando-se a estas os comentários preliminares a respeito das informações

significativas. Após esse período, já de posse de todas as transcrições, realizei uma primeira

leitura buscando agrupar os dados a partir das semelhanças com o tema de estudo. Por ser um

material focado mais diretamente nas questões específicas de estudo, as anotações surgiram

com maior facilidade, durante e após o processo de transcrição. Além das respostas, o tempo

de atuação na instituição também contou como um elemento que interferiu na análise.

Nos grupos focais, a análise seguiu as orientações sugeridas por Gatti (2005). Após a

gravação e transcrição do material realizei uma leitura prévia, na qual buscava destacar os

subtemas presentes na fala dos sujeitos tendo em vista os objetivos da pesquisa e as relações

entre eles. A partir dessa primeira leitura foram formuladas algumas questões para orientar a

análise. Nestas questões procurei relacionar os aspectos envolvidos na formação multicultural

que serão apresentados no segundo capítulo, com as condições atuais e concretas dessa

formação a partir das informações apresentadas pelos/as acadêmicos/as nos grupos focais.

Busquei agrupar falas semelhantes e divergentes, tentando entender o que estaria por trás das

opiniões. Isso foi feito primeiramente com o material de cada campus onde os grupos foram

realizados.

Em seguida, procurei observar a presença de temas e opiniões comuns entre os/as

participantes dos dois campi e ainda entre os dois grupos, ou seja, o grupo de acadêmicos/as

não professores/as e o grupo de acadêmicos/as professores/as. Dessa forma, os dados

selecionados foram resumidos em uma única grade e em seguida procedi a um cruzamento

das informações de modo a ter uma visão mais geral e abrangente sobre elas.

Durante o trabalho de análise, procurei ter o cuidado de focalizar as interações grupais,

prevenida de que não incorresse no risco de individualizar as opiniões, seja tomando

indivíduos participantes como referência ou grupos determinados como referência. Também

procurei destacar tanto as opiniões majoritárias quanto as que foram ditas por uma minoria.

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Os resultados da análise serão apresentados no terceiro capítulo desta dissertação. De

um modo geral, o trabalho foi organizado da seguinte forma: os dois primeiros capítulos

foram dedicados à revisão teórica sobre o tema e o último foi destinado à análise dos dados. A

este seguem as considerações finais, a bibliografia utilizada e os anexos.

No primeiro capítulo teórico, explorarei o conceito de multiculturalismo, educação

multicultural e sua relação com a formação de professores, discutindo também a importância

da linguagem dentro dessa discussão.

No segundo, realizo uma discussão sobre o caráter multicultural do Estado de

Rondônia. Mostrarei que o processo histórico contribuiu para a formação de uma sociedade

heterogênea, principalmente do ponto de vista cultural. Falarei especificamente sobre os

povos indígenas, seringueiros, ribeirinhos e migrantes que vieram de outras regiões para se

estabelecerem no estado. Na parte final do capítulo, apresentarei muito brevemente alguns

desafios para a consolidação de uma Universidade com uma identidade relacionada às

peculiaridades locais, questionando as características que a formação superior assumiu nas

universidades públicas do Brasil e da Região Norte.

O terceiro capítulo será dedicado à análise. Nele serão analisados os dados coletados

durante a pesquisa, na seguinte ordem: primeiro analisarei o que dizem os projetos político

pedagógicos do curso dos dois campi. Logo em seguida, analiso as entrevistas realizadas com

os/as professores/as, tentando relacionar estas informações com aquelas primeiras

provenientes dos documentos. Em terceiro lugar, analisarei as informações coletadas com

os/as acadêmicos/as durante os grupos focais. E por fim, considerarei de modo especial a

questão lingüística, utilizando como auxílio os instrumentos anteriores.

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2 – MULTICULTURALISMO, EDUCAÇÃO MULTICULTURAL E FORMAÇÃO

DOCENTE

―A história é feita por homens e mulheres, e do mesmo modo ela também

pode ser desfeita e reescrita, sempre com vários silêncios e elisões, sempre

com formas impostas e desfiguramentos tolerados, de modo que o ‗nosso‘

Leste, o ‗nosso‘ Oriente possa ser dirigido e possuído por ‗nós‘.‖

Edward W. Said, 2007.

O debate entre a questão da diversidade e da alteridade e o papel assumido pela escola

em referência ao ensino num contexto multicultural, tem se ampliado nos últimos anos em

decorrência de novas pesquisas relacionadas à construção de um currículo e de uma

linguagem crítica que desmistifique visões eurocêntricas do conhecimento escolar, conforme

apontam Henry Giroux (1997), Peter McLaren (2000), Antônio Flávio Barbosa Moreira e

Tomaz Tadeu da Silva (2005), Jurjo Torres Santomé (2005), Claude Grignon (2005), entre

outros/as. No âmbito das pesquisas realizadas no Brasil, o multiculturalismo desperta

interesse tanto para sociólogos quanto para antropólogos e educadores/as que discutem a

construção de um currículo emancipatório que propicie discussões sobre as diversidades

culturais presentes no espaço escolar.

Embora se perceba uma crescente preocupação por parte das escolas brasileiras em

reconhecer a multiplicidade de vozes e identidades presentes no espaço educativo, tendo

como exemplo visível dessa apreensão a inclusão do tema Pluralidade Cultural como um dos

eixos transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a pedagogia desenvolvida

no contexto escolar ainda permanece alicerçada em práticas que ocultam ou desvalorizam as

condições de vida de grupos sociais minoritários e/ou marginalizados, tornando-se um espaço

que para Santomé (2004) pode ser retratado como opressor, injusto e colonizador. De acordo

com este autor, a ação desencadeada pela escola, muitas vezes, contribui para legitimar as

características da cultura dominante conduzindo ao ―monoculturalismo‖ (GRIGNON, 2005) e

a um processo de silenciamento das culturas populares.

Dessa forma, numa sociedade que se percebe cada vez mais multicultural, cuja

―pluralidade de culturas, etnias, religiões, visões de mundo e outras dimensões das identidades

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infiltra-se, cada vez mais, nos diversos campos da vida contemporânea‖ (MOREIRA, 2001b,

p. 41) e conseqüentemente, nos espaços de educação formal, o multiculturalismo surge como

um conceito que permite questionar no âmbito do currículo escolar e das práticas pedagógicas

desenvolvidas, a ―superioridade‖ dos saberes gerais e universais sobre os saberes particulares

e locais.

Em conformidade com essas discussões, a educação multicultural propõe uma ruptura

aos modelos pré-estabelecidos e práticas pedagógicas que no interior do currículo escolar, em

geral produzem um efeito colonizador sobre os/as estudantes de diversas culturas, classes

sociais e matizes étnicas e reforçam sua condição de povos colonizados e marginalizados por

um processo contínuo de silenciamento e exclusão. Espera-se que por meio de uma prática

educativa multicultural, os/as estudantes possam analisar as relações de poder que estão

envolvidas na produção de mecanismos discriminatórios ou silenciadores de sua cultura. Para

tanto, é preciso desenvolver uma postura de resistência e de questionamento dos mecanismos

que atualmente pregam a superioridade científica, tecnológica e cultural de grupos

economicamente dominantes.

Portanto, a educação multicultural busca não só reconhecer a existência de diferentes

culturas, mas também as relações de poder que se produzem entre elas. No entanto, como

destaca Moreira (2001b), no cenário educacional atual do Brasil e de outros países do

continente americano, é impossível pensar numa educação multicultural sem que nos

questionemos sobre o/a professor/a e sua formação. Isso porque, para opor-se ao modo como

a escola tem legitimado certos saberes apagando de seu currículo ou afastando do seu

cotidiano as práticas pertencentes à cultura dos grupos subalternos é necessário investir, na

opinião do autor, em uma formação pedagógica multiculturalmente orientada que resista às

tendências homogeneizadoras que permeiam as políticas educacionais atuais.

Uma vez que, na atual estrutura educacional, a formação de professores/as, tanto a

inicial quanto a continuada enfrenta diferentes dificuldades, estando muitas vezes pautada em

modelos centralizadores de educação, torna-se necessário, de acordo com Moreira (2001b),

repensar os próprios objetivos dessas formações para que se possa despertar nos futuros

professores e professoras a capacidade de questionar os conhecimentos e práticas legitimadas

provendo-os com ―contradiscursos‖ (MCLAREN e GIROUX, 2000) que lhes possibilitarão,

de certa maneira, desmistificar as formas dominantes e incluir no centro do currículo os

conhecimentos locais que constituem o cotidiano dos/as educandos/as de classes populares.

Além do mais, torna-se imprescindível uma formação que permita aos educadores/as reverem

o uso da linguagem no espaço escolar uma vez que é por meio desta, entendida como prática

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humana social culturalmente organizada, que se torna possível para professores/as e alunos/as

conhecerem o seu mundo mais próximo.

Tendo em vista, então, a necessidade de ampliar essas discussões de modo que elas

possam estar presentes também no espaço e nas práticas cotidianas escolares, um conjunto de

autores/as estrangeiros/as e brasileiros/as vem estudando o fenômeno do multiculturalismo e

suas implicações na educação e no currículo. (MCLAREN, 2000; MOREIRA, 2001b;

CANEN e MOREIRA, 2001; SANTOS, 2003; SILVA, 2005, 2006; HALL, 2006;

GONÇALVES e SILVA, 2006; MOREIRA e CANDAU, 2008).

Entre esses autores, McLaren tem uma importante contribuição para a defesa de uma

Pedagogia crítica na formação dos/as educadores/as e para a construção de uma escola

multicultural, que valorize a herança cultural dos/as alunos/as ao mesmo tempo em que seja

capaz de relacionar suas histórias e conhecimentos ao contexto socioeconômico mais amplo e

as relações de poder que se configuram na sociedade. Outras contribuições importantes advêm

dos estudos de Stuart Hall e estão relacionadas principalmente à idéia de uma sociedade

multicultural onde há presença de povos diversos. O autor estuda também eventos como

diáspora e as conseqüências dos conflitos interterritoriais na perda ou afirmação da

identidade.

No Brasil, a diferença está nos enfoques. Silva, por exemplo, privilegia as

contribuições dos estudos culturais para a fomentação de um currículo multicultural, além de

discutir questões como identidade, diferença e pós-colonialismo. O autor tem vários trabalhos

em parceria com Moreira que também discute o tema, porém, com um olhar muito mais

voltado para o currículo e a formação de professores. Uma grande contribuição deste autor é o

projeto integrado de pesquisa ―Multiculturalismo e o campo do currículo no Brasil‖,

financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), no

qual o autor juntamente com uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) estuda como a discussão do multiculturalismo tem sido incorporada ao campo

do currículo no Brasil. Além destes, Ana Canen e Vera Maria Candau, bem como Luiz

Gonçalves e Petronilha Silva têm se dedicado às pesquisas sobre formação de professores,

contribuindo para a compreensão dos diferentes enfoques sobre multiculturalismo e as

diferenças entre multiculturalismo no Brasil e em outros países, sobretudo nos Estados

Unidos.

A partir de suas análises, tais autores/as nos incentivam a fazer as seguintes

interrogações: num cenário multicultural como o brasileiro, como deve ser pensada e

encaminhada a educação e a formação de professores/as? Que tipo de professor/as deve ser

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―formado/a‖ e quais capacidades, conhecimentos e habilidades devem ser construídos ao

longo de sua formação para fazer frente às situações de segregação e silenciamento pelas

quais as diferentes culturas consideradas desprivilegiadas são submetidas? E por fim, que tipo

de currículo e de Universidade pode favorecer o desenvolvimento de uma formação

pedagógica multiculturalmente orientada?

São basicamente estas interrogações que irão orientar as discussões no interior desse

segundo capítulo. Na primeira parte discutirei um pouco essa relação entre multiculturalismo

e educação multicultural. Farei uma breve descrição do que a maioria dos/as autores/as está

entendendo por multiculturalismo, os significados que isso assume em tempos atuais e ainda,

as diferentes visões admitidas para explicá-lo. Para isso, serão descritas brevemente as visões

apontadas pelo canadense Peter McLaren em sua obra Multiculturalismo Crítico (1997) na

qual o autor explica cada uma das perspectivas adotadas, as ênfases que são tomadas por elas

e, em que aspectos elas diferem Após distinguir essas concepções, delimitarei a perspectiva

crítica como eixo do trabalho desenvolvido dentro de uma educação multicultural.

Na segunda parte, examino a questão da formação docente e do tipo de professor/a que

se almeja. Assim, apresento o argumento de que a perspectiva adotada pelos currículos dos

cursos destinados a formar professores/as, é um fator crucial para a aplicação de uma

educação que possibilite valorizar as diferentes vozes presentes no espaço escolar. Nessa

parte, discuto também o papel da linguagem dentro do processo de formação, como

mecanismo que pode legitimar ou marginalizar a cultura dos/as alunos/as.

2.1 - Multiculturalismo e educação multicultural: perspectivas, desafios e problemáticas

A questão multicultural no Brasil não deve ser encarada como evento isolado dos

acontecimentos que histórica e socialmente tem configurado outros cenários multiculturais.

De acordo com Stuart Hall (2006), as sociedades multiculturais não são algo novo. A partir de

uma retrospectiva histórica sobre o assunto tendo o contexto britânico como exemplo, o autor

evidencia que ao longo do tempo as pessoas têm se mudado por diferentes razões

contribuindo com a formação de sociedades multiculturais nas quais diferentes identidades se

cruzam num mesmo espaço. No que diz respeito ao multiculturalismo no Brasil, Candau

aponta que:

Na América Latina e, particularmente, no Brasil a questão multicultural apresenta

uma configuração própria. Nosso continente é um continente construído com uma

base multicultural muito forte, onde as relações interétnicas têm sido uma constante

através de toda sua história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que

diz respeito aos grupos indígenas e afro-descendentes. (2008, p. 17).

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A partir desta constatação, uma das questões que deve nortear o estudo sobre

multiculturalismo é o próprio conceito que o termo abrange. Para a maioria dos/as autores/as

(MCLAREN, 2000; SANTOS, 2003; GONÇALVES e SILVA, 2006; HALL, 2006) o termo

multiculturalismo abarca diferentes definições e perspectivas que se contradizem. Nesse

sentido, um bom começo é buscar uma compreensão sobre qual é o entendimento que

atualmente vem se configurando sobre multiculturalismo e sociedades multiculturais. De

acordo com o escritor jamaicano Stuart Hall:

Multicultural é um termo qualitativo. Descreve as características sociais e os

problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual

diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum,

ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade original. Em contrapartida, o

termo ―multiculturalismo‖ é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas

adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade

gerados pelas sociedades multiculturais. É usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta as estratégias

multiculturais. (HALL, 2006, p. 50).

Ao discutir o tema sob a ótica da identidade, Silva (2007) observa que o

multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder. Ao referir-se ao conceito, o

autor destaca a luta pelo reconhecimento de grupos culturais em contextos específicos, ao

mesmo tempo em que enfatiza que o multiculturalismo pode abranger a luta pela superação de

uma hegemonia dominante dentro de uma cultura nacional. Dessa maneira,

O multiculturalismo, tal como a cultura contemporânea, é fundamentalmente ambíguo. Por um lado, o multiculturalismo é um movimento legítimo de

reivindicação dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem

suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional. O

multiculturalismo pode ser visto, entretanto, também como uma solução para os

―problemas‖ que a presença de grupo raciais e étnicos coloca, no interior daqueles

países para a cultura dominante. De uma forma ou de outra, o multiculturalismo não

pode ser separado das relações de poder que, antes de mais nada, obrigam essas

diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no mesmo espaço. (SILVA,

2007, p. 85).

Apesar de todas essas discussões, as definições sobre multiculturalismo vagueiam

ainda por campos incipientes, tendo em vista o pouco tempo em que isso começou a ser

discutido em nosso meio. Por outro lado, a recente preocupação com o assunto contrasta com

as diversas perspectivas, já apontadas. No que diz respeito ao Brasil particularmente, embora

o termo multiculturalismo seja de certa forma, bastante conhecido em países que adotam

políticas multiculturais como Estados Unidos, Canadá, Portugal entre outros, só recentemente

é que passou a ser incorporado às pesquisas realizadas no nosso país, sob a influência

principalmente dos estudos culturais. (CANDAU, 2005).

Ao realizarem estudos sobre o tema vinculados também à questão do currículo e da

educação, as pesquisadoras brasileiras Ana Canen e Ângela Maria de Oliveira (2002) situam o

multiculturalismo como um termo polissêmico que engloba, desde visões mais liberais ou

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folclóricas que tratam da valorização da pluralidade cultural, até visões mais críticas cujo foco

é o questionamento a racismos, sexismos e preconceitos de forma geral. Essas visões mais

críticas teriam o papel central de buscar alternativas transformadoras nos espaços culturais,

sociais e organizacionais.

Entretanto, há consenso entre os/as autores/as de que não existe uma única concepção

de multiculturalismo e isso é considerado hoje, por uma boa parte do/as estudiosos/s sobre o

assunto como a dificuldade mais específica no que diz respeito ao tema. Muito embora,

conforme aponta Stephen May3 apud Hall (2006), independentemente de qual seja o aporte

teórico ou político o multiculturalismo sempre se constituirá de uma idéia profundamente

questionadora. Ao buscar distinguir as diversas formas de ―multiculturalismo‖ existentes, Hall

nos traz pelo menos seis exemplos, sendo estes:

O multiculturalismo conservador segue Hume (Goldberg, 1994) ao insistir na

assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O multiculturalismo

liberal busca integrar os diferentes grupos culturais o mais rápido possível ao

mainstrean, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual

universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio

privado. O multiculturalismo pluralista, por sua vez, avalia diferenças grupais em

termos culturais e concede direitos de grupo distintos a diferentes comunidades dentro de uma ordem política comunitária ou mais comunal. O multiculturalismo

comercial pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas comunidades

for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão

resolvidos (e dissolvidos) no consumo privado, sem qualquer necessidade de

redistribuição do poder e dos recursos. O multiculturalismo corporativo (público ou

privado) busca ―administrar‖ as diferenças culturais da minoria, visando os

interesses do centro. O multiculturalismo crítico ou ―revolucinário‖ enfoca o

poder, o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de resistência

(McLaren, 1997). Procura ser ―insurgente, polivocal, heteroglosso e anti-

fundacional‖ (Goldberg, 1994). E assim por diante. (2006, p. 51, grifos meus).

Também o educador canadense, atualmente professor da Universidade da Califórnia,

Peter McLaren enumera em seu livro Multiculturalismo Crítico (1997) pelo menos quatro

tendências referentes ao multiculturalismo enquanto projeto político: o multiculturalismo

conservador, multiculturalismo humanista liberal, multiculturalismo liberal de esquerda e

multiculturalismo crítico ou de resistência, visão esta última da qual se diz partidário o

próprio autor. Mas o que significam em tese cada uma dessas visões segundo McLaren e

outros/as autores/as?

Primeiramente, McLaren identifica o multiculturalismo conservador ou empresarial

que apesar de assumir diferentes formas acaba tendo como princípio a construção de uma

cultura comum. Nessa visão, o multiculturalismo é visto como um processo profundamente

padronizador das sociedades, dos imaginários coletivos e das mentalidades. Suas propostas

3 STEPHEN, May. Critical Multiculturalism: rethinking multicultural and antiracist education. USA:

Routledge, 1999.

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podem ser caracterizadas como ―aquelas que negam a descrição multicultural, ou que, apesar

de não negá-la, defendem uma cultura comum padrão‖ (MACEDO, 2006, p. 334).

De forma geral, a visão conservadora representa um retorno da tradição colonialista

que pressupõe uma supremacia do homem branco sobre os demais grupos e culturas. Há,

nesse sentido, um esforço em assimilar qualquer indivíduo aos padrões da classe média

branca. As conseqüências dessa visão no âmbito educacional são percebidas no modelo de

privação/destituição que se centra no âmbito do/a aluno/a, promovendo um distanciamento

das posições que permitem perceber a realidade de classes e seus efeitos sobre o processo

educacional. Em outras palavras, isso significa que ―as diferenças sociais, relacionadas à

linguagem, cultura, costumes, classe, etc., são divisórias e a única forma de construir uma

sociedade funcional é através do consenso, da construção de uma ‗cultura comum‘‖.

(SANTOS, 2002, p. 24).

Isso significa que o multiculturalismo conservador reconhece a possibilidade de que

haja outras culturas, porém não realiza um esforço para que sejam culturalmente valorizadas e

tenham a oportunidade de emancipar-se; o processo educacional torna-se um mecanismo

silenciador, principalmente das culturas populares, vistas como manifestações inferiores que,

em relação ao ambiente educativo, não necessitam ser incluídas no currículo. Nessa

perspectiva Boaventura de Sousa Santos escreve que:

[…] o multiculturalismo conservador tem, naturalmente, como conseqüência uma

política de assimilacionismo, o que não pode deixar de ser. É um multiculturalismo

que mesmo quando reconhece outras culturas, assenta-se sempre na incidência, na prioridade a uma língua normalizada, estandardizada […] e, portanto, é um

multiculturalismo que de fato não permite que haja um reconhecimento efetivo das

outras culturas. (2003, p. 12).

A segunda posição denominada de humanista liberal induz a crença de que existe uma

igualdade intelectual entre diferentes grupos, etnias e povos. Tendo em vista tal igualdade, diz

ainda que todos possam ter as mesmas possibilidades e oportunidades de competir no mundo

regido pelo sistema capitalista, sendo que para isso, devem ser criadas as condições para que

se produza uma igualdade material capaz de diminuir a distância entre um grupo e outro. A

questão central é que de acordo com o próprio McLaren tal visão camufla uma realidade em

que a divisão da sociedade em classes e a desigualdade social produzem uma situação que é

sempre favorável às classes dominantes. Para ele, essa postura multicultural ―acredita que as

restrições econômicas e socioculturais existentes podem ser modificadas e reformadas com o

objetivo de se alcançar uma igualdade relativa‖. (MCLAREN, 1997, p. 119).

Enquanto as duas visões anteriores buscam simultaneamente a homogeneidade e a

igualdade, o multiculturalismo liberal de esquerda coloca sua ênfase nas diferenças. As

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diferenças são importantes e devem ser levadas em consideração na medida em que, apostar

unicamente na igualdade é correr o risco de apagar as diferenças culturais essenciais para a

perpetuação de atitudes, conhecimentos e valores; ou ainda as diferenças de classe social,

gênero, sexualidade entre outras. Entretanto, mais uma vez McLaren justifica como um dos

seus aspectos negativos o fato de que para o multiculturalismo liberal de esquerda a diferença

seja encarada como uma ―essência que existe independentemente de história, cultura e poder‖.

(ibid, p. 120). A conseqüência principal disso é a tendência a elitizar determinados grupos ao

mesmo tempo em que não se leva em consideração outros igualmente importantes para a

discussão do multiculturalismo.

Por fim, a última posição assinalada pelo autor e denominada por ele mesmo de

multiculturalismo crítico ou de resistência é a que mais se aproxima de uma idéia de

emancipação social e cultural. Sua principal diferença em relação às visões anteriores reside

na perspectiva adotada uma vez que o multiculturalismo crítico adota e afirma o compromisso

político de transformação, sem o qual corre o risco de se reduzir a outra forma de acomodação

ao status quo. Nessa ótica, o multiculturalismo crítico: a) privilegia a transformação das

relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados; b) opõe-se a

idéia que vê a cultura como não-conflitiva e; c) sustenta que a diversidade deve ser assegurada

―dentro de uma política crítica e compromisso com a justiça social‖ (ibid., p. 123). Há, desse

modo, uma superação das dificuldades e dos reducionismos a que caem as visões

conservadora, humanista liberal e liberal de esquerda que o autor enquadra num rol de

tendências liberais.

Portanto, para o canadense Peter McLaren, o multiculturalismo crítico implica

empenhar-se na tarefa de transformar o aspecto excludente em relação às práticas culturais,

econômicas e sociais nas quais os/as educandos/as estão inseridos/as. Não existe uma

proposta crítica que não seja engajada com tais transformações. Após ter discutido essas

idéias, o autor lança uma obra mais recente em que fala de um multiculturalismo

revolucionário. Nesta obra, McLaren (2000) deixa claro que um multiculturalismo

revolucionário é aquele que busca, além do reconhecimento das identidades que são plurais,

analisar de que modo a sociedade, através de seus próprios mecanismos de desenvolvimento,

como por exemplo, a fabricação da desigualdade induzida pelo capitalismo, atua na produção

das diferenças. Para o autor, cabe analisar como, em nome do lucro de uma única classe

dominante, tais diferenças são reforçadas. Cabe ao multiculturalismo, portanto, penetrar na

esfera social e econômica a fim de questionar tais diferenças. De acordo com o próprio

McLaren:

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O multiculturalismo revolucionário reconhece que as estruturas objetivas nas quais

vivemos, as relações materiais condicionadas à produção nas quais estamos situados

e as condições determinadas que nos produzem estão todas refletidas em nossas

experiências cotidianas. Em outras palavras, as experiências de vida constituem mais

do que valores, crenças e compreensões subjetivas; elas são sempre mediadas

através de configurações ideológicas do discurso, economias políticas de poder e

privilégio e divisão social do trabalho. O multiculturalismo revolucionário é um

multiculturalismo feminista-socialista que desafia os processos historicamente

sedimentados, através dos quais identidades de raça, classe e gênero são produzidas

dentro da sociedade capitalista. Consequentemente, o multiculturalismo

revolucionário não se limita a transformar a atitude discriminatória, mas é dedicado a reconstituir as estruturas profundas da economia política, da cultura e do poder nos

arranjos sociais contemporâneos. Ele não significa reformar a democracia

capitalista, mas transformá-la, cortando suas articulações e reconstruindo a ordem

social do ponto de vista dos oprimidos. (2000, p. 284).

A partir dessa concepção, o multiculturalismo tal como definido e proposto pelo autor

busca desenvolver uma prática de emancipação e de resistência, superando dessa maneira o

formalismo da mera adição de elementos das culturas dominadas nas margens da cultura

dominante, desmistificando e destituindo propostas de subordinação. As questões de classe

são vistas como reguladoras das relações que ocorrem e se legitimam no espaço escolar.

Assim, a educação multicultural lida diretamente com as diferenças e com as resistências e se

compromete com ―o questionamento das desigualdades sociais.‖ (OLIVEIRA E MIRANDA,

2004, p. 4).

Se do ponto de vista teórico, político e até mesmo prático as diversas perspectivas

descritas divergem uma da outra, uma questão a ser esclarecida é a de como tais perspectivas

se manifestam no que diz respeito à educação e quais posturas e atitudes adotam em relação

aos sistemas educativos. Sem me estender muito no assunto, analisarei as conseqüências para

a educação de duas visões apontadas por McLaren: a visão conservadora e a visão crítica.

Começarei analisando a proposta conservadora para depois falar da educação multicultural

pautada no multiculturalismo crítico.

Primeiramente, é preciso considerar que nem todos os/as autores/as que discutem o

multiculturalismo trazem essa discussão para o aspecto educacional. No entanto, uma boa

parte dos/as pesquisadores/as que discute temas como educação e diversidade, culturas e

educação entre outros assuntos relacionados acabam discutindo a questão do

multiculturalismo em nossa sociedade. Tais pesquisadores/as têm buscado se aproximar de

uma proposta de educação crítica tendo como princípio o desenvolvimento de uma educação

multicultural. Em um dos seus mais recentes livros publicados, Candau (2008) analisa as

implicações dessas duas perspectivas para a educação. Segundo ela, o multiculturalismo

conservador, descrito como similar a uma abordagem assimilacionista busca favorecer que

todos se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. Nessa

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perspectiva, a educação de um modo amplo e a escola de forma particular, geralmente pouco

se preocupam em discutir a cultura das minorias, seus valores e crenças uma vez que é sua

tarefa principal, ao contrário disso, fazer com que tais culturas se congreguem passivamente à

cultura socialmente e economicamente valorizada. Observa-se, por exemplo, uma grande

preocupação em preparar para a sobrevivência em um mundo de consumo e exploração.

Como aponta a autora:

No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização,

todos/as são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em

questão o caráter monocultural e homogeneizador presente na sua dinâmica, tanto no

que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados, etc.

(CANDAU, 2008, p. 21).

Com relação às micro ações, nota-se ainda que dentro dessa perspectiva, os conteúdos

escolares dedicam uma atenção exclusiva às culturas consideradas hegemônicas ao mesmo

tempo em que ocultam ou desvalorizam as culturas populares. Ao se posicionar de tal

maneira, as instituições escolares contribuem para que as culturas ou vozes dos grupos sociais

minoritários e/ou marginalizados que ―não dispõem de estruturas importantes de poder‖

sejam, conforme aponta Santomé (2005, p. 161), ―silenciadas, quando não estereotipadas e

deformadas, para anular suas possibilidades de reação‖.

No que concerne ao currículo, este passa a ter um caráter exclusivamente monocultural

ao definir que apenas determinadas culturas e determinadas formas de conhecimento podem

ser consideradas como legítimas. Nesse mote, muitas vezes os conhecimentos locais são

apenas um dentre outros como, por exemplo, o conhecimento manual que não é considerado

digno de uma abordagem. Como conseqüência disso, raramente a cultura considerada legítima

é aquela a que pertencem os/as alunos/as. Valoriza-se a cultura exterior ao mundo das

crianças, à sua realidade local, para priorizar outras formas culturais. Nas palavras de

Santomé:

Os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma

grande parcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais

que valem a pena. Isso acarreta, entre outras coisas, que determinados recursos

sejam empregados ou não, mereçam nossa atenção ou nossa displicência.

(SANTOMÉ, 2005, p. 165).

Essa legitimação assemelha-se ao que vem sendo definido por outros/as autores/as

como um currículo colonialista. Isso quer dizer que, articulado ao projeto de colonização o

currículo escolar traduz a cultura local como inferior. Isso acontece, devido à ocorrência de

―fatores simbólicos que vêm conflitando com os símbolos da cultura do homem natural da

região, que não é legitimada‖, sendo dessa forma ―sistematicamente excluída‖, como observa

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José Paes de Loureiro (2001, p. 83). Essa operação de exclusão, ou negação da cultura

regional pode ser observada pela pouca atenção dada a ela nas práticas cotidianas escolares ao

mesmo tempo em que se valoriza por demasiado as culturas exteriores.

A escola, cuja visão de valorização baseia-se numa perspectiva assimilacionista,

constitui-se em um pólo paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega o respeito à

diversidade e a necessidade de partir da realidade, de ampliar o conhecimento das pessoas

sobre o contexto próximo colaborando para o fortalecimento de uma idéia de pertencimento,

os conteúdos e situações por ela valorizados contribuem para expressar, legitimar e

aprofundar o conhecimento sobre a cultura européia, ou mesmo a cultura do colonizador e não

sobre a cultura regional. Desse modo, o vínculo que, via de regra, a escola estabelece por

meio de suas práticas com a cultura dos povos colonizadores, acaba se tornando um

empecilho à aproximação dos sujeitos com os aspectos da cultura local. O que está em jogo

neste caso, não é simplesmente o fato de a escola transmitir valores culturais diferentes dos

vividos pela realidade dos seus alunos, mas sim, o fato de que ao abordar a cultura

unicamente sob esse prisma condena a cultura regional e a própria cultura dos seus alunos à

marginalidade.

Sobre este aspecto, ao se referir à escola no contexto colonial, Albert Memmi destaca,

com relação aos conhecimentos ensinados às crianças que:

[…] a memória que lhe formam não é a de seu povo. A história que lhe ensinam não

é a sua. […] Tudo parece ter acontecido longe de sua terra; seu país… Os livros lhe

falam de um mundo que em nada lembra o seu; o menino chama-se Totó e a menina Marie; e, nas tardes de inverno, Marie e Totó voltam para casa por caminhos

cobertos de neve. (MEMMI, 1977, p. 96).

A educação a partir dessa perspectiva divulga uma falsa idéia de acolhimento e de

respeito às diferentes culturas no momento em que as tornam invisíveis dentro da ótica

colonialista escolar. Opondo-se a ela, a educação multicultural, a partir da concepção crítica,

entende que as questões de classe são fontes reguladoras das relações que ocorrem e se

legitimam no espaço escolar.

Portanto, além de reconhecer a presença cultural dos grupos marginalizados, a

concepção crítica tem sobre os conteúdos escolares um olhar que questiona como esses

determinados grupos são representados por meio deles. Em outras palavras, a educação

multicultural busca responder quais grupos culturais têm o poder de representar e quais

podem apenas ser representados. Entendendo o próprio currículo como uma forma de

representação, questiona-se sobre ―como essas representações fixam as posições desses

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grupos em posições subalternas e posições dominantes? Como o ‗outro‘ é ‗fabricado‘ através

do processo de representação‖? (SILVA, 2005, p. 198).

Tendo em vista esses questionamentos, a educação multicultural crítica age, sobretudo,

sobre as concepções docentes no que diz respeito ao seu papel educativo. Busca-se, por

intermédio de uma análise da função política e social do/a educador/a com as minorias, ajudar

os/as professores/as a reconhecerem e lidarem com o problema e as conseqüências de não se

respeitar a cultura popular da maioria das crianças que freqüenta escolas públicas; nesse

sentido, aponta para formas mais precisas de atender o/a aluno/a real e concreto/a,

contrapondo–se ao caráter homogêneo/homogeneizador do/a aluno/a de classe média branca

pensado/a/retratado/a pelos currículos atuais.

Contudo, para que isso ocorra, McLaren (2000) destaca o papel do multiculturalismo

na educação relacionando-o com o desenvolvimento de uma Pedagogia crítica que, segundo

ele, não significa apenas um conjunto de práticas de ensino que são desenvolvidas em sala de

aula; trata-se, ao contrário, de uma problemática muito mais ampla na qual deve prevalecer a

orientação dos/as educadores/as de modo a garantir que estes tenham ―uma disposição e um

compromisso, politicamente informados, com os outros marginalizados a serviço da justiça e

da liberdade‖. (ibid, p. 285). Constitui-se na verdade, de uma Pedagogia pós-colonial,

definida por ele como ―uma pedagogia do amtiimperialismo, anticolonialismo, anti-racismo,

anti-homofobia, uma pedagogia que desafia as próprias características através das quais a

história dos colonizados foi escrita‖. (ibid, p. 229).

Entretanto, apesar de todas estas possibilidades abertas pelo conceito do

multiculturalismo e suas implicações com uma proposta de educação multicultural,

permanece o fato de que as questões sobre educação multicultural e seu impacto sobre o

processo de ensino, especialmente no Brasil, não terem sido incluídas de forma sistemática

nos cursos de formação docente. Em estudos sobre diversidade cultural e formação de

professores, Canen e Oliveira (2002) argumentam que o alargamento das questões sobre

educação e cultura pouco estão presentes nos cursos destinados a preparar futuros/as

professores/as para trabalhar em sala, e que as reflexões sobre multiculturalismo no Brasil não

se fizeram acompanhar de mudanças efetivas nas relações entre ensino e diversidade cultural

vivenciadas pelas escolas. No que diz respeito à universidade especificamente, Candau

também pontua que:

Sua penetração na universidade deu-se num segundo momento e, até hoje, atrevo-me

a afirmar, sua presença é frágil e objeto de muitas discussões, talvez exatamente por

seu caráter profundamente marcado pela intrínseca relação com a dinâmica dos

movimentos sociais. Por outro lado, as questões relativas ao multiculturalismo só

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recentemente têm sido incluídas nos cursos de formação inicial de educadores/as e,

assim mesmo, de modo esporádico e pouco sistemático, ao sabor de iniciativas

pessoais de alguns professores/as. (CANDAU, 2008, p. 19).

A autora pondera que cada vez mais tem se tornado fundamental que a teorização

sobre multiculturalismo e educação presente nos estudos e pesquisas desenvolvidas seja

inserida nos currículos destes cursos a fim de nortear a formação dos/as futuros/as

professores/as. Após ter me dedicado ao conceito de multiculturalismo e as diferentes visões,

passarei a discutir a possibilidade de uma formação com orientação multicultural, vinculada à

perspectiva crítica.

Procurarei sustentar que, embora a formação de professores/as não seja o único

caminho para uma mudança nas práticas educativas, essa é uma possibilidade com a qual os

currículos dos cursos de formação, principalmente dos cursos de graduação oferecidos pelas

universidades devem se comprometer, a fim de instigar a formação de profissionais críticos e

descolonizadores. Doravante, ao refletir sobre educação multicultural e suas implicações para

a formação de professores o farei sob a ótica do multiculturalismo crítico.

2.2 - Educação multicultural e Formação de professores/as

As pesquisas realizadas até o momento destacam como um dos desafios para a

construção de uma proposta de educação multicultural a incorporação desta temática nos

currículos das instituições destinadas à formação de professores/as. Assim, Moreira (2001b)

argumenta que a perspectiva de educação multicultural deve estar presente no currículo

desenvolvido nas Universidades públicas. Ao analisar a importância deste momento formativo

na vida profissional do/a educador/a o autor questiona:

Que professores estão sendo formados, por meio dos currículos atuais, tanto na

formação inicial como na formação continuada? Que professores deveriam ser

formados? Professores sintonizados com os padrões dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade cultural da sociedade mais ampla como à pluralidade de

identidades presente no contexto específico em que se desenvolve a prática

pedagógica? Professores comprometidos com o arranjo social existente ou

professores questionadores e críticos? Professores que aceitam o neoliberalismo

como a única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer alternativas

a ele? Professores capazes de uma ação pedagógica multiculturalmente orientada?

(MOREIRA, 2001b, p. 43).

A preocupação do autor justifica-se pelo fato de que desenvolver uma postura

multicultural na atual sociedade contemporânea, capitalista e globalizante em que vivemos

não é uma tarefa fácil. Por isso, a formação deve ajudar os/as professores/as a desenvolverem

uma nova identidade, uma nova postura, assim como ―novos saberes, novos objetivos, novos

conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação‖. (MOREIRA e CANDAU, 2003, p,

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157). No atual estado em que se encontra a maioria das escolas, o/a futuro/a professor/a

necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática docente

com vistas a diminuir a marginalização dos grupos subalternos.

Às questões levantadas por Moreira, é possível acrescentar a que se refere à formação

que privilegia as práticas e conhecimentos locais, isto é, que conduz à uma educação

descolonizadora. Em outras palavras, cabe perguntar: estamos formando professores/as

capazes de olhar para sua realidade mais próxima? Professores/as que utilizam os saberes, as

experiências dos/as alunos/as e de suas famílias para nortear suas ações pedagógicas?

Professores/as que buscam aproximar os conteúdos da realidade da comunidade à que

pertencem os/as seus/as educandos/as?

De acordo com Santomé (2005), é muito raro no espaço das salas de aula, que os as

professores as desafiem os alunos e alunas a refletir e investigar sobre as questões

relacionadas com a vida e a cultura dos grupos mais próximos do contexto local em que estão

inseridos/as. Para ele, os materiais e o próprio currículo não oferecem qualquer elemento com

o qual esses/as educandos/as possam se identificar; ―suas crenças, conhecimentos, destrezas e

valores são ignorados‖ (ibid., p. 170). Em geral, o local é encarado como um estigma, algo

que, dentro de uma prática ―colonizadora‖ é necessário ocultar ou, pelo menos, não

problematizar. Também Jean-Claude Forquim, analisa que é impossível falar em uma

educação multicultural crítica se não for considerada a cultura dos/as alunos/as. Segundo ele:

Um ensino pode estar endereçado a um público culturalmente plural sem ser, ele

mesmo, multicultural. Ele só se torna multicultural quando desenvolve certas

escolhas pedagógicas que são, ao mesmo tempo, escolhas éticas ou políticas. Isto é,

se na escolha dos conteúdos, dos métodos e dos modos de organização do ensino,

levar em conta a diversidade dos pertencimentos e das referências culturais dos

grupos de alunos a que se dirige, rompendo com o etnocentrismo explícito ou

implícito que está subentendido historicamente nas políticas escolares

"assimilacionistas", discriminatórias e excludentes. (FORQUIM, 2000, p. 61).

Buscar uma proposta educativa, que possa dar conta dessas problemáticas reveladas no

atual cenário educacional, implica considerar que as respostas para os questionamentos

anteriores e a construção de uma educação multicultural têm como imperativo uma formação

que possibilite aos futuros as educadores as reescreverem os conhecimentos adquiridos no

espaço institucional da academia, a partir do ponto de vista da realidade política e cultural das

minorias. Para estes grupos, a história tem reservado momentos de exploração e negação de

suas culturas, desejos e subjetividades. Uma formação multicultural deve, portanto, voltar-se

para o local de modo que os as educadores as possam romper com tais práticas possibilitando

aos as educandos as como supõe Homi Bhabha, ―afirmar suas tradições culturais e recuperar

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suas histórias reprimidas‖. (BHABHA, 1998, p. 29). Nesta mesma direção, Moacir Gadotti

enfatiza que ―[…] a educação multicultural vem em auxílio do professor para melhor

desempenhar sua tarefa de falar ao aluno concreto. Ela valoriza a perspectiva do aluno,

abrindo o sistema escolar e construindo um currículo mais próximo da sua realidade cultural‖.

(1992, p. 4).

Ao destacar o crescente papel que as Universidades desempenham na formação dos as

futuros as professores as, Moreira (2001b) problematiza os conhecimentos perpetuados por

tais instituições ao longo da formação acadêmica. Nas suas palavras, uma formação

multiculturalmente orientada necessita conjugar a combinação de três dimensões: de ordem

política, cultural e acadêmica, entendendo que os atuais currículos dos cursos de formação

centram-se, geralmente, nos conhecimentos técnicos e operacionais, o que contribui para que

os as professores as sejam meros as reprodutores as dos mecanismos conservadores que ainda

vigoram no espaço escolar. Essa lacuna na formação profissional pode ser superada, na visão

de Moreira e Silva (2005), por um currículo concebido como uma forma de política cultural

que, segundo os autores:

(…) deve enfatizar a importância de tornar o social, o cultural, o político e o

econômico os principais aspectos de análise e avaliação da escolarização

contemporânea. […] Nesse contexto a vida escolar deve ser conceituada não como

um sistema unitário, monolítico e inflexível de regras e relações, mas como uma

arena fortificada em que sobejam contestações, luta e resistência. Além disso, a vida escolar pode ser vista como uma pluralidade de discursos e lutas conflitantes, como

um terreno móvel onde a cultura-de-sala-de-aula se choca com a cultura-de-esquina,

e onde professores, alunos e diretores ratificam, negociam e por vezes rejeitam a

forma como as experiências e práticas escolares são nomeadas e concretizadas.

(2005, p. 139).

Dentro de uma proposta de formação multicultural, o aspecto político enseja tanto a

―revelação‖ quanto o aprimoramento dos conhecimentos dos as futuros as professores as

sobre as diferenças de classe. Isso porque, ao se refletir sobre os motivos pelos quais muitas

culturas são silenciadas no espaço escolar, é inegável a análise sobre como a escola, muitas

vezes através do modo como aborda em seu currículo, práticas e materiais de ensino, as

diferenças de classe e condição social contribui para que as crianças que pertencem às classes

minoritárias se tornem cada vez mais marginalizadas, atuando dessa maneira como uma

agência que reforça a distância que separa a cultura dessas crianças da cultura predominante

neste espaço.

Isso não significa, como afirma o próprio Moreira, que se deva descartar a importância

que outras dimensões têm no processo de formação profissional. No entanto, insiste ele que

na formação do as professores as haja um equilíbrio entre estes três aspectos, contribuindo

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para a constituição do a professor a reflexivo a. Ao defender a prática pedagógica necessária

para ―desenvolver‖ esse tipo de professor/a, apoiado em Kenneth Zeichner (1993) Moreira

sugere que:

(a) nos voltemos tanto para dentro, para a prática, como para fora, para as condições

sociais e culturais em que a prática se desenvolve e contribui para a formação das

identidades docentes e discentes; (b) questionemos tanto as desigualdade como as diferenças identitárias presentes na sala de aula, buscando compreender e

desequilibrar as relações de poder nelas envolvidas; (c) estimulemos a reflexão

coletiva, propiciando a formação de grupos de discussão e de aprendizagem nas

escolas, por meio dos quais os professores apóiem e sustentem os esforços de

crescimento uns dos outros, bem como articulações entre diferentes escolas, entre as

escolas e a universidade, entre as escolas e distintos grupos da comunidade. A idéia

é que o professor reflexivo preserve a preocupação com os aspectos políticos, sociais

e culturais em que se insere sua prática, leve em conta todos os silêncios e todas as

discriminações que se manifestam na sala de aula, bem como amplie o espaço de

discussão de sua atuação. (MOREIRA, 2001b, p. 49).

Ou seja, professores as abertos as à realidade social, política e cultural dos/as

alunos/as. Que, ao identificar-se com as vicissitudes dessa realidade se empenhem em tornar o

processo educativo uma possibilidade para que as condições nela emergentes experimentem

as transformações necessárias a uma relação mais igualitária entre os sujeitos. Inspirados

nessa postura reflexiva é possível traçar um paralelo com o perfil do/a ―intelectual

colonizado/a‖ de Frantz Fanon (2005), cuja reflexão e descoberta de si mesmo/a, de sua

capacidade de resistir aos imperativos de uma classe branca opressora, permite-lhe reafirmar-

se como sujeito histórico num contexto de marginalização e subjugo do seu povo ―debilitado‖

em termos de poder econômico e político.

Em seu livro, Os Condenados da Terra, Fanon deixa claro que o pós-colonial se

preocupa com a transformação; por outro lado, o pós-moderno aceita qualquer verdade, que

pode ser a verdade do colonizador; por isso ele desestabiliza, mas não constrói nada. A

educação do colonizador, nesse sentido, dá uma idéia de proteção, de protetorado. Ao

contrário, uma educação pós-colonial compromete-se com uma prática pedagógica que busca

a emancipação das culturas presentes na sala de aula, por meio do questionamento de sua

condição de ―inferior‖. Para tanto, é necessário que se forme o que Fanon intitularia de

―professor/a descolonizador/a‖, ou seja, aqueles/as que ao se identificarem com a cultura

dos/as alunos/as contribuirão com a construção do processo pedagógico voltado para o local,

para a valorização dos conhecimentos e experiências populares e ainda para questionar as

condições materiais da realidade dos grupos em que a escola está inserida. Isso por sua vez,

demanda um a professor a politicamente engajado a com a sociedade local e com o processo

educacional.

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Ao buscar aproximar os as futuros as professores as dessa realidade, a formação vai ao

encontro de uma nova dimensão, que não é meramente técnica como menciona Moreira

(2001b), mas que confere aos/as professores as a função de intermediários/as entre a cultura

do/a aluno/a e os conhecimentos transmitidos no espaço escolar. Nesse sentido, uma formação

multiculturalmente orientada ajudaria o a professor a a se dar conta da riqueza dos

conhecimentos presentes nos valores culturais do as aluno as. Surgiria, como conseqüência

desse novo processo, a compreensão de que seu papel vai muito além de ensinar os conteúdos,

pois deve principalmente questionar as imagens valorizadas pelo currículo que nem sempre

contribuem para que os as educandos as possam contar a sua história e dizer a sua palavra.

Ao compreender a originalidade da cultura do/a aluno/a, da sua experiência de vida e

de sua visão de mundo, o/a professor/a vai ao encontro de sua história local, da sabedoria das

pessoas mais velhas, do conhecimento que não consegue adentrar as paredes da sala de aula,

porque não é considerado legítimo dentro de uma prática pedagógica monocultural. Em seu

trabalho, subentende-se uma nova pedagogia que dialogue com os aspectos técnicos, políticos

e culturais, na qual se possa propiciar uma formação cada vez mais comprometida com a

valorização das identidades plurais.

Não se trata, entretanto, de apenas reconhecer a existência dessa pluralidade e

identificar-se com uma delas. Uma dimensão crítica necessita igualmente, questionar o modo

com o qual as identidades subalternas são produzidas dentro do contexto capitalista. Dessa

forma, Donaldo Macedo (2004) aponta que uma formação multicultural, que se propõe

superar o mero reconhecimento da existência de diferentes culturas, deve instrumentalizar

os/as professores/as com análises que lhes permitam perceber criticamente ―como a

linguagem é muitas vezes utilizada para construir realidades ideológicas que encobrem o

brutal racismo que desvaloriza, invalida e envenena outras identidades culturais‖. (MACEDO,

2004, p. 104).

Pela natureza de sua ligação estreita com a cultura de cada sujeito, a linguagem é um

importante elemento nesse emaranhado de situações. Por isso, ela também deve estar presente

nas reflexões que ocorrem durante a formação dos/as professores/as, tendo em vista sua

proximidade na construção das identidades e legitimação de determinadas culturas. Se a

linguagem é a primeira identidade do aluno ou da aluna, torna-se necessário perceber, até que

ponto se busca privilegiar no estudo da língua, aspectos encontrados no universo geográfico e

cultural das crianças, ou ao contrário, pode-se utilizar uma linguagem distante que contribua

com o processo de colonização dos sujeitos.

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Além de um instrumento social de comunicação, a língua pode e tem sido considerada

por estudos lingüísticos como um componente cultural de um povo ou de um grupo. Por isso,

ela reflete também a diversidade e variabilidade no tempo e no espaço. A língua é

considerada, desse modo, um elemento cultural em constante movimento. Isso quer dizer, que

ela não é a mesma para quem está no Norte ou para quem está no Sul, para quem detém o

capital financeiro e para quem é privado dele, e assim por diante.

Nesse enfoque, a linguagem está relacionada às histórias de vida, às crenças e à

própria sobrevivência da cultura, pois se torna o caminho para a sua transmissão, para que

diferentes grupos ou sociedades compartilhem os símbolos que dão significado à sua

realidade. Segundo Canen e Moreira:

Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de

significados, construídos, ensinados, e aprendidos nas práticas de utilização da

linguagem. A palavra cultura evoca, portanto, o conjunto de práticas por meio das

quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. (2001, p. 19).

Essa noção de linguagem, atrelada à cultura, traz importantes conseqüências para o

campo educacional e social ao evidenciar que não existe superioridade ou inferioridade de

uma língua, ou mesmo de uma variedade lingüística sobre a outra. Do ponto de vista

comunicativo, principalmente, o que existem são diferenças que apontam para a própria

diversidade da língua.

De acordo com Kátia Maria Santos Mota (2002), todas as manifestações lingüísticas

possuem uma lógica intrínseca que é por sua vez definida por uma gramática usualmente

aceita e utilizada por um grupo. Apoiada em estudos realizados pelos lingüistas Labov4

(1978) e Coseriu5 (1987) ela define a diversidade lingüística da seguinte forma:

[…] podemos compreender a diversidade lingüística em dois grandes blocos:

variedades geográficas (diatópicas) e variedades socioculturais (diastráticas). No primeiro bloco, encontram-se as linguagens urbana e rural, os dialetos ou falares

regionais. No segundo, temos duas subdivisões: a) os dialetos sociais, culto ou

popular, de acordo com características individuais (idade, sexo, raça, profissão,

posição social, grau de escolaridade, classe econômica, local de residência) e b) os

níveis de fala/registros, formal ou coloquial, de acordo com características ligadas à

situação (ambiente, tema, estado emocional do falante, grau de intimidade entre os

falantes). (ibid, p. 15).

A idéia de que existe um déficit lingüístico está diretamente ligada ao

desconhecimento que se tem desses fatores que influenciam na linguagem do sujeito. Por

outro lado, essa visão muitas vezes vem acompanhada por uma representação segundo a qual

o déficit lingüístico é apenas uma conseqüência de outros déficits como o cultural, o

4 LABOV, W. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: Univ. of Pennsylvania Press, 1978. 5 COSERIU, E. Teoria da linguagem e lingüística geral. Rio de Janeiro: Presença, 1987.

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econômico e o social. Essa visão tem sido um dos motivos que levam ao fracasso escolar

crianças de meios populares.

Embora os avanços da lingüística tenham ajudado a romper um pouco com essas

idéias, de certo modo preconceituosas, e apesar de reconhecerem que essas diferenças estão

presentes no contexto escolar, muitos/as professores/as ficam sem saber que rumo tomar

quando as crianças passam a freqüentar a escola. Diante da exigência de escolarização e de

novos conhecimentos a serem aprendidos, conhecimentos estes que como vimos, seguem um

determinado padrão, a grande pergunta é o que fazer com toda essa diversidade lingüística.

Diante desse ―impasse‖, assiste-se à manifestação de práticas de ensino que dificultam

a inserção dessas formas lingüísticas dentro do ambiente escolar. A questão que deve ser

considerada e que nessa visão está relacionada ao multicultural é o fato de que ao distanciar

o/a aluno/a do seu nível da linguagem está se distanciando também de seu universo não

apenas lingüístico, mas, sobretudo, cultural. Muitas dessas dificuldades são geradas pelas

poucas oportunidades que educadores/as em geral têm para conhecer essas questões

lingüísticas, mas também pela pressão exercida pela própria escola para que se ―ensine‖ o

quanto antes possível uma determinada regra.

Neste caso, a regra exigida é aquela que está relacionada com as experiências vividas

por pessoas e crianças que pertencem à classe dominante e não aquelas vivenciadas pela

maioria das crianças de camadas pobres que freqüenta a escola. Ao impor essas regras sobre

esses/as alunos/as, cria-se um discurso lingüístico escolar que diverge das expressões que são

utilizadas em casa, na família ou na comunidade.

Entre alguns autores, que discutem as conseqüências dessa imposição sobre as

manifestações dos/as alunos/as, estão Freire e Macedo (2002) nos ajudam a examinar o fato

de que a legitimação de uma língua tem sido um modo de imposição de determinados valores

e formas de perceber o mundo. Nesse sentido, grupos dominantes impõem a povos por ele

subordinados o aprendizado de sua língua reforçando o processo de colonização através do

qual sua voz, cultura e modos de ser são silenciados.

No mesmo sentido, Mikhail Bakhtin (1992) nos mostra como a linguagem pode se

tornar um instrumento de transmissão e valorização de certos conteúdos ideológicos. As

contribuições desse autor, que ultrapassam o âmbito desse estudo, estão no fato de que para

ele, não podemos entender a língua de maneira isolada; ao contrário, qualquer análise que se

faz sobre a língua, bem como sobre o discurso de cada sujeito deve levar em consideração os

fatores extralingüísticos, como o contexto no qual a fala é produzida, a relação que se

estabelece entre falantes e ouvintes, o momento histórico do discurso, entre outros aspectos.

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Assim, a leitura de sua obra pode contribuir para ampliar a compreensão das relações entre

língua, cultura e poder. Tal estudo demanda o debruçar-se sobre suas obras e principais idéias

o que foge no momento ao alcance desta pesquisa.

Entre os escritores, que discutem a linguagem como forma de colonização, está o

escritor pós-colonial Ngugi wa Thiong´o do Quênia. No seu livro, Decolonizing the Mind,

Descolonizando a Mente (1986), o autor afirma que por meio da linguagem as pessoas não

somente descrevem seu mundo, mas também entendem a si mesmas. Por exemplo, para ele, o

inglês na África e a não aceitação de sua língua nativa, o Gikuyo, é uma bomba cultural, uma

forma de apagar a memória, cultura e tradições do povo. Ele aponta que linguagem e cultura

são totalmente inseparáveis e, portanto, a perda ou o ―esquecimento‖ de uma linguagem pode

significar a perda de cultura, de um ―lugar‖, de um ambiente seu. ―Linguagem carrega cultura

e cultura carrega todo um corpo de valores pelo qual nos percebemos e percebemos nosso

lugar no mundo‖. (THIONGO, 1986, p. 15).

Fazendo uma abordagem um pouco diferente, mas também, de certa forma parecida

com o exposto acima, McLaren e Henry Giroux (2000, p. 25) enfatizam que a linguagem é

um elemento a partir do qual as pessoas […] ―assumem um processo de nomear e renomear as

relações entre elas próprias, os outros e o mundo‖. Em outras palavras, os autores acreditam

que cada vez que utilizamos a linguagem, passamos a incorporar ―[…] a maneira pela qual os

processos culturais foram ‗escritos‘ em nós e como nós, de nossa parte, escrevemos e

produzimos nossos próprios scripts para nomear e negociar a realidade‖. (ibid., p. 32, grifos

dos autores).

Esses autores, ao tentarem reconhecer a natureza social da linguagem e seu

relacionamento com a cultura, analisam também o seu papel pedagógico e consideram que ela

deve ser um dos elementos sobre o qual a pedagogia deve se ―debruçar‖ com bastante

―cuidado‖ tendo em vista que ―todo o conhecimento é fundamentalmente mediado pelas

relações lingüísticas que são, social e historicamente constituídas‖ e que ―podemos enxergar a

linguagem como uma forma de poder, que nos introduz a maneiras particulares de ver e

engajar a si mesmo e a outros‖. (MCLAREN, 2000, p. 60). Também Mota se preocupa com

essa questão ao evidenciar que os estudos etnográficos sobre usos da linguagem em diferentes

comunidades ―revelam a autoridade do modelo lingüístico do discurso da classe dominante,

tornando-se índice de referência do correto, do escolarizado, do socialmente adequado‖

(2002, p. 17). Ainda de acordo com a mesma autora, ―os dialetos populares são radicalmente

excluídos da arena escolar porque não representam o falar/escrever daqueles considerados

bem sucedidos na escala social‖ (loc. cit.).

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Também se discutem os motivos pelos quais a linguagem vem sendo historicamente

utilizada para reforçar valores da classe dominante, servindo muitas vezes, para menosprezar

a cultura dos grupos subalternos. Assim,

Como máscara cultural da hegemonia, a linguagem está sendo mobilizada para

policiar as fronteiras de uma divisão ideologicamente discursiva que separa os

grupos dominantes dos dominados, os brancos dos negros e as escolas dos

imperativos da vida pública e democrática. (MCLAREN e GIROUX, 2000, p, 25).

Além disso, em muitos casos, a escola desconsidera, ou mesmo parece desconhecer

que a linguagem não se restringe ao aprendizado ou domínio que o/a aluno/a terá de uma

determinada língua, mas se refere a um conjunto de saberes que envolvem também aspectos

discursivos, de como cada sujeito se insere simbolicamente numa realidade. Via de regra, é

comum que a linguagem seja tomada como algo que não tem relação direta com a vida e

experiências dos educandos, como um conhecimento neutro. Como conseqüência dessa visão,

geralmente ―se apagam (ou nem se vêem) os deslizes, os deslocamentos, a transferência, a

historicização, havendo assim um silenciamento que, no processo de aprendizagem, produz-se

sobre a memória discursiva‖ (ORLANDI, 2002, p. 210) dos/as educandos/as.

Tendo em vista que a educação multicultural visa entre outras questões romper com

estes silenciamentos, devemos nos perguntar, no caso particular da linguagem, que formação

é necessária para que o/a professor/a desenvolva em sua prática pedagógica o diálogo com a

linguagem de seus estudantes? Como ele ou ela pode criar atividades povoadas pela

linguagem que perpassa a vida de seus/as alunos/as? Como estes/as futuros/as professores/as

irão desenvolver uma postura de contra-resposta à idéia de supremacia da linguagem

dominante sobre a linguagem popular, da escrita sobre a oralidade?

Ao ponderar o fato de que é necessário se respeitar a variedade lingüística do/a

aluno/a, sem comprometer, contudo, seu direito de também aprender os padrões lingüísticos

oficializados e socialmente aceitos, Mota se questiona:

Como pode a escola assegurar a legitimidade e a inclusão de uma cultura popular

nas atividades curriculares sem, contudo, abrir mão da sua tarefa de promover a

expansão cultural do aluno, facilitando a aquisição de novos códigos lingüísticos?

Ou seja, como ajudar o aluno a compreender as razões extra-lingüísticas que

ameaçam a legitimidade dos dialetos e a exercer seu direito de cidadania ao se

apropriar de novos modelos discursivos que assegurem possibilidades de transitar

socialmente em outras esferas culturais? (2002, p. 18).

Postas as questões, passarei a me concentrar no tema da diversidade lingüística

buscando algumas pistas que possam ajudar a destrinchar tais questionamentos e ainda a

entender quais barreiras necessitam ser superadas para isso. Ao fazê-lo, considerarei sua

importância dentro de uma proposta de formação de professores/as.

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Em primeiro lugar, em geral muitas escolas insistem em continuar adotando a norma

padrão como referencial para as práticas escolares de treinamento lingüístico. Nestes casos, as

tarefas escolares concentram-se muito mais na escrita, através de inúmeros exercícios do que

na oralidade. Espera-se que os/as alunos/as não cometam ao escrever os mesmos ―erros‖ que

manifestam ao falar. Por isso, investe-se na ―correção‖ da linguagem escrita, orientada pelas

normas gráficas e, na pior das hipóteses, na correção irrefletida da própria fala do/a aluno/a.

Além disso, com uma formação pedagógica que não privilegiou, ou privilegiou pouco

o tema, devido ao fato de que um espaço muito pequeno é reservado às disciplinas

relacionadas aos estudos referentes à linguagem, durante sua formação, muitos/as

professores/as destacam a importância de ouvir seus/as alunos/as, entretanto, gostariam de que

suas falas fossem algo homogêneo, tal como solicita a escola. Para Mota (2002), essa é a

primeira barreira a ser superada. Na opinião da autora:

O professor quer ouvir a voz do aluno, mas da forma como a escola considera

correta; quer ouvir os conteúdos de vida do aluno, mas usando a linguagem da

escola. A comunicação manifesta-se, então, de forma atropelada, pois o aluno

tropeça tentando não cair nos ―erros‖ e o professor oscila no decidir corrigir ou não a

expressão do aluno. Nesse jogo de poder, quase sempre o aluno decide silenciar,

expressar-se menos para ―acertar‖ mais. Se, de fato, queremos ouvir a voz do aluno,

precisamos não só aceitar, mas sobretudo valorizar as ―normas populares‖, as

representações da fala de grupos excluídos que ainda se aventuram a freqüentar a

escola, na esperança de melhorar suas condições de vida. Ora, para que esses alunos

―adquiram‖ a linguagem mais adequada a circunstâncias sociais específicas é fundamental que sejam acolhidos em seu discurso singular, natural, espontâneo e

linguisticamente correto, que institui a norma de socialização da sua comunidade

familiar. (ibid., p. 19).

Para romper essa barreira, portanto, é necessário olhar para as práticas historicamente

instituídas no espaço escolar e perguntar ainda: quantas vozes são realmente ouvidas dentro

de sala de aula? Em trabalho anterior (OLIVEIRA e PANSINI, 2006) verificou-se que

geralmente pouco se ouve a voz dos estudantes em sala de aula. A autoridade do/a professor/a

prevalece na maioria das vezes e, quando os/as estudantes são autorizados/as a falar,

geralmente trata-se de um conteúdo de ensino. Raramente há espaço para que haja

manifestações sobre sua própria vida. Desse modo, para que se possa ouvir a voz dos/as

alunos/as, tal qual deve ocorrer ao buscar a valorização de sua cultura deve haver mudanças

significativas de hábitos, de comportamentos que desautorizam e negligenciam as

manifestações lingüísticas dos/as estudantes. Essa dimensão deve ser amplamente discutida

no decorrer dos cursos de formação de professores/as, oportunizando condições para que

estes/as também se posicionem e se expressem sobre suas vidas. Como enfatiza McLaren e

Giroux:

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Entender a voz do estudante é lidar com a necessidade humana de dar vida ao reino

dos símbolos, linguagem e gestos. A voz do estudante é um desejo, nascido da

biografia pessoal e da história sedimentada; é a necessidade de construir-se e

afirmar-se em uma linguagem capaz de reconstruir a vida privada e conferir-lhe um

significado, assim como de legitimar e confirmar a própria existência no mundo.

Logo, calar a voz de um aluno é destituí-lo de poder. (2005, p. 137).

Considerando a própria linguagem das instituições acadêmicas como uma forma de

discurso, como um modo de ver o mundo e de analisá-lo, torna-se necessária uma didática nos

cursos de formação, cujo foco esteja centrado nas vivências, nas experiências e nas memórias

dos/as alunos/as que irão dedicar-se ao futuro trabalho docente. Ao analisar suas próprias

experiências, tais educadores/as têm a chance que lhes falta de questionar os signos utilizados

para produzir determinadas leituras sobre o papel e o lugar dos grupos desfavorecidos. Tais

análises, por sua vez, podem ajudar a aprofundar o debate sobre o papel da escola e do/a

professor/a na cultura, e também, permitir o aprofundamento das preocupações com os

conteúdos legitimados e distantes da realidade.

Como segunda barreira a ser superada, é preciso desenvolver nos ambientes

formativos experiências que possibilitem a reflexão pedagógica sobre a linguagem. Nesse

sentido, as Universidades e outras instituições de formação necessitam criar espaços de

convivência e diálogo com a pluralidade de saberes que abrangem também os conhecimentos

da cultura popular. Uma boa abordagem é a que coloca os/as futuros/as educadores/as em

contato com diferentes manifestações, a fim de poderem observar e falar sobre as experiências

culturais e lingüísticas das crianças que habitam próximas do contexto em que se dá a

formação e que futuramente serão seus/as educandos/as.

A terceira barreira pode ser pensada ao nível da diversidade lingüística diatópica ou

geográfica. Se compreendermos que a determinação do espaço influencia na linguagem, uma

questão central é observar que tipos de materiais estão sendo oferecidos. Isso consiste em

analisar, por exemplo, se num contexto campestre os textos que são oferecidos pela escola

tratam apenas da realidade urbana, os meios educativos não estão contribuindo para que haja

uma aproximação com a cultura do/a aluno/a.

A reversão desse quadro, no que diz respeito à utilização de materiais impressos

distantes da história dos sujeitos, pode acontecer mediante o emprego de textos, ou de obras

literárias que falem sobre as coisas que estão presentes na sua realidade. Para isso, não apenas

a literatura poderá colaborar, mas também os jornais que veiculam notícias locais que

permitem discutir temas que são de interesse dos/as alunos/as.

Entretanto, ainda hoje, o conjunto de materiais selecionados e utilizados pelas escolas,

em geral para ensinar a língua, oferece pouquíssimas oportunidades multiculturais no que diz

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respeito à linguagem. Para superar essa barreira é preciso aproximar a língua de sua função

social. Por outro lado, além da autenticidade do material que se apresenta, torna-se necessário

também investir na diversidade textual que consiste, segundo Mota (2002, p. 22) ―na

exposição de uma vasta tipologia de textos da vida pública (literários, jornalísticos,

comerciais, instrumentais, etc.) ou da vida privada (bilhetes, cartas, listas, anotações, diários,

etc.) apresentando os mais diversos autores reconhecidos ou anônimos‖.

Além da seleção de materiais, a própria estrutura das atividades precisa ser

redimensionada. Muitas vezes, nas atividades de compreensão e interpretação de texto se

exige do/a aluno/a uma única resposta que nem sequer é construída por ele/a. Além de esperar

a mesma resposta para todas as crianças, os atuais exercícios não abrem espaço para a crítica e

para a construção coletiva. Ou seja, enquanto na vida social se requer um conjunto de

estratégias para lidar com a linguagem, via de regra, na escola as estratégias já estão

direcionadas e sendo homogêneas, negam o princípio da diversidade.

Não há, atualmente, muitas indicações sobre como se processa essa aproximação entre

a linguagem da vida real e a linguagem da escola; entretanto, a construção de uma prática em

que o diálogo entre estas duas situações possa ocorrer com freqüência é fundamental. Não é

possível ouvir a voz do/a aluno/a apenas em relação ao conteúdo e formas escolares. Por outro

lado, não se pode perder de vista um dos objetivos da escolarização de permitir que os/as

educandos/as se apropriem das diversas formas de linguagem, incluindo a linguagem aceita

como padrão, uma vez que sua utilização, numa sociedade excludente como a nossa, é uma

necessidade para a sua própria emancipação.

Considerando que muitas vezes essas reflexões acabam sendo inseridas apenas nos

cursos de licenciatura em letras, é necessário que disciplinas específicas de outros cursos,

destinados a formar professores/as, abram também espaço para tais discussões tendo em vista

a necessidade de que a diversidade lingüística seja explorada em todas as áreas de ensino.

Uma última questão deve ser lançada também com relação à linguagem e seus efeitos

de poder na sociedade multicultural. É urgente pensar sobre de que forma é possível ajudar

os/as futuros/as professores/as a inserir a sua própria linguagem nos meios acadêmicos como

um instrumento necessário ao desenvolvimento de uma leitura crítica da realidade,

provocando um olhar permeado por suas próprias narrativas.

Como vimos anteriormente, a educação multicultural não se dispõe apenas a escutar a

―voz do outro‖, dos grupos marginalizados, mas de ajudá-los a produzirem novas narrativas.

Isso exige um engajamento e um exame sobre as formas lingüísticas silenciadoras da cultura

dos grupos subalternos; entretanto, isso continuará sendo um desafio caso não se objetive

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formar educadores/as a partir do desenvolvimento de uma leitura crítica sobre como as

culturas dominante e dominada agem em constante conflito. Essa leitura por sua vez, deve ser

entendida como uma ―intersecção da linguagem, da cultura, do poder e da história‖

(MCLAREN e GIROUX, 2000, p, 44) de cada indivíduo.

É urgente, portanto, cultivar uma formação em que cada sujeito participante se

pergunte de que forma, durante o processo de escolarização, a linguagem é utilizada tanto

para legitimar como para marginalizar diferenças lingüísticas. Trata-se de utilizar a própria

linguagem para questionar as identidades forjadas no contexto escolar. De acordo com

McLaren e Giroux:

A linguagem é o meio básico através do qual as identidades sociais são construídas, os agentes sociais são formados, as hegemonias culturais asseguradas, e, designando

e agindo sobre a prática social. […] A linguagem, então, pode ser usada para definir

e legitimar leituras diferentes do mundo. (2000, p, 30).

Ao entender a linguagem e as variações lingüísticas como algo que vai além de

articulações fonéticas, ou mesmo elaborações sintáticas, mas que também abrange ―a

compreensão de uma construção cultural que envolve uma forma de ver e expressar o

mundo‖, torna-se necessário um redimensionamento na formação do/a professor/a. Sobre essa

questão, Mota (2002 p. 20) destaca que uma dessas formas de abordagem da linguagem, no

processo de formação de professores/as, é a inserção de estudos sobre as práticas discursivas,

histórias e narrativas dos grupos locais, no currículo dos cursos. Tais histórias, constituídas

pela linguagem, estão entrelaçadas com os saberes culturais de cada educando.

Um dos aspectos que se poderia abordar, por exemplo, seria a análise das narrativas

produzidas por grupos locais em contraste com as narrativas centrais dos currículos oficiais

que, geralmente, induzem a práticas colonizadoras, que negligenciam as diferenças e o

reconhecimento das múltiplas identidades. Ao desenvolver uma postura de aproximação da

linguagem da realidade dos/as educandos/as e dos saberes locais, os/as professores/as

empenhados nesta atividade estarão contribuindo para a emancipação do currículo acadêmico.

O que está em questão é de que maneira a formação do/a professor/a privilegia o uso da

linguagem como um processo que incorpora elementos da realidade cultural dos/as

próprios/as educandos/as. E ainda, como por meio da linguagem, os/as educadores/as podem

se comprometer com a construção de uma nova realidade educativa.

Após evidenciar a importância da educação multicultural, tanto no que diz respeito à

valorização da cultura quanto à valorização das expressões lingüísticas das minorias,

abordarei como o caráter de sociedade multicultural se expressa no contexto amazônico

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rondoniense, evidenciando assim, como essas duas temáticas abordadas neste capítulo se

fazem presentes nesse universo específico.

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3 – DIVERSIDADES CULTURAIS NO ESTADO DE RONDÔNIA

―Quanto mais adequado for o nosso conhecimento da realidade tanto mais

adequados serão os meios de que dispomos para agir sobre ela‖.

Dermeval Saviani. 1985.

Explicar o multiculturalismo no espaço rondoniense é uma tarefa que deve ser feita

levando-se em conta sua inserção no contexto amazônico. Conhecida oficialmente como a

maior floresta tropical do mundo, sendo estudada do ponto de vista ambiental, econômico e

social, a Amazônia brasileira no decorrer de seu processo histórico e mesmo nos dias atuais

enfrenta uma situação paradoxal: de um lado, enquanto fonte de recursos se converte em

centro das atenções não só nacionais como também mundiais, tendo em vista interesses

internacionais de exploração de sua enorme riqueza em recursos naturais; por outro lado, a

maior parte dos estados situados na região passou ou está passando por um processo de

ocupação humana desorganizada, configurando-se como cenários que estão às margens das

políticas de investimento do país, tornando-se desprovidos de investimentos em diferentes

setores, entre eles o da educação.

Entre os/as autores/as que têm discutido os problemas e particularidades desse

ambiente, uma pequena parcela dos estudiosos se dispõe a estudar o homem e a mulher

amazônida em sua relação com a natureza. Outro grupo já bem destacado tem estudado os

impactos ambientais causados pelos diversos processos de povoamento e as atuais políticas de

urbanização e desenvolvimento (BROWDER e GODFREY, 2006); a floresta é ainda fonte de

estudos constantes relacionados à sua flora e fauna abundante por naturalistas e

pesquisadores/as das áreas biológicas e afins. Não é de se espantar então, que as produções

relacionadas à cultura amazônica especificamente sejam tão raras em nosso meio,

principalmente na área de educação. Entre as publicações, encontramos trabalhos elaborados

por estudantes de letras (CARVALHO, 2001) e de artes que discutem um pouco essa temática

sobre pontos de vista estratégicos. No entanto, pouco se tem discutido sobre a significância da

cultura amazônica dentro do contexto educacional, sua maior ou menor presença nas

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discussões sobre um currículo que busque se aproximar das particularidades sociais e

humanas da região, e ainda de universidades públicas que tenham uma identidade amazônica.

Ao analisar o conjunto de investigações científicas e acadêmicas sobre a região, pode-

se perceber que há sim discussões no que diz respeito à cultura relacionada a determinados

grupos. Em geral, encontram-se vários trabalhos sobre povos e comunidades indígenas que

habitam a Amazônia, além de estudos que se referem ao caboclo amazônico e sua identidade

e ainda sobre outros grupos como, por exemplo, os ribeirinhos, nome que segundo Carmen

Izabel Rodrigues (2006), define em termos geográficos os habitantes das margens dos rios

amazônicos. Um desses trabalhos aponta para a diversidade presente na Amazônia da seguinte

forma:

Envolvida em isolamento e mistério, a Amazônia foi construindo um sistema de vida

e de trabalho ribeirinho e extrativista integrado por pescadores, coletores de

castanhas, mateiros, extratores de seringas, de peles, de couros, de resina de árvores,

de ouro e de diamantes. Acrescente-se a eles os lavradores, os seringueiros, os vaqueiros e fazendeiros, os comerciantes, os empresários, os biscateiros e os

artesãos das mais diversas categorias que vivem em função de produtos da floresta e

do rio. Uma cultura de profunda relação com a natureza. (LOUREIRO, 2001, p. 37).

Entretanto, não há um elo que ligue esses diversos estudos a uma temática educativa e

cultural que defina todos eles a partir de uma identidade amazônica. Além disso, há mudanças

consideráveis entre estes grupos no que concerne aos diferentes estados que compõem a

região; basta um olhar mais aguçado para perceber, por exemplo, que a figura do caboclo

amazônico, embora esteja presente em Rondônia, foco deste estudo, em muito difere do

caboclo que habita as florestas do Amazonas, Pará e Acre. Isso se explica pelo fato de que,

segundo Loureiro (2001, p. 114) o Estado de Rondônia encontra-se ―quase todo

comprometido, diante da incidência do processo de devastação das matas pelas madeireiras e

da intensa migração de pessoas vindas do Sul do Brasil‖.

Em decorrência do alerta feito por Loureiro, outro aspecto, que carece ser levado em

consideração, ao se destacar o caráter multifacetado de Rondônia diz respeito aos inúmeros

projetos de colonização pelos quais tem passado nos últimos anos. Esses projetos vêm

acarretando transformações consideráveis no cenário do Estado, tanto do ponto de vista da

diminuição das florestas, como da inserção de um grande número de migrantes vindos de

outras regiões brasileiras. Também nestes aspectos, as mudanças que vêm ocorrendo são

pouco discutidas pelos/as autores/as que estudam a história regional. A quase totalidade dos

livros, mesmo que em número escasso, tem se preocupado mais em relatar os diferentes

acontecimentos, fatos, nomes e datas, a exemplo da história tradicional.

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Assim, necessitamos de uma literatura crítica sobre a história local o que torna essa

tarefa de resgatar a questão cultural identitária e ideológica da formação do Estado ainda mais

complexa. Como sugere Lúcia Santaella (1996, p. 244), precisamos investir em obras

históricas e literárias que sejam entendidas, ―como qualquer outro produto cultural, histórico-

ideológicas‖; desse modo, é preciso evitar que ao falar sobre a história de Rondônia

especificamente, estejamos reduzindo os fatos para aspectos que pendem apenas para alguns

dos ângulos dessa história, enquanto outros, como a cultura, são relegados à sombra ou

obscurecidos.

É preciso questionar também a existência de uma vasta literatura de viagem sobre a

Amazônia que desconsidera o povo que ali habita, prestando mais atenção nas paisagens,

fauna e flora e esquecendo o homem. No seu livro, Os Olhos do Império, por exemplo, Mary

Louise Pratt (1999) demonstra como os viajantes retratavam o mundo amazônico através de

seus relatos, impondo a padronização de um modelo europeu colonialista e tratando a

população local como portadora de uma subcultura.

A autora critica nessa obra, a maneira equivocada como essas culturas são traduzidas,

de forma estereotipada e preconceituosa e como tais relatos, ao percorrer outros cenários, dos

quais não se tem o mínimo conhecimento, moldaram a visão de muitas sociedades sobre os

povos colonizados na Amazônia. Entretanto, a análise crítica presente neste e em outros

materiais ainda é pouco difundida nos nossos meios acadêmicos.

A preocupação neste capítulo será, portanto, a de mostrar um panorama geral dessa

feição multicultural do estado de Rondônia. Para tanto, retomarei brevemente o processo

histórico que configurou não só a vinda de populações migrantes de várias regiões brasileiras,

bem como o contato destas com povos que já habitavam o território rondoniense, no período

de expansão brasileiro. Concomitantemente, buscarei refletir sobre o aspecto cultural e as

relações oriundas desse processo. Nesse sentido, veremos como o processo de colonização, ao

mesmo tempo em que contribuiu com essa multiculturalidade, impôs formas e padrões

específicos que nos submetem a uma política de omissão com relação a determinadas

culturas.

A primeira parte deste capítulo esboça esse caráter multicultural do Estado. Nele

apresento os principais grupos que atualmente habitam em Rondônia e como esses grupos

foram sendo incorporados à cultura local no decorrer da história de formação do Território

Federal do Guaporé. Descrevo algumas das características dos povos indígenas, seringueiros,

ribeirinhos e, mais recentemente, dos migrantes vindos principalmente do Sul e Sudeste do

Brasil, tendo em vista os projetos mais recentes de colonização e ocupação do Estado,

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incentivados por entidades públicas federais como o INCRA. Não pretendo aqui fazer uma

descrição detalhada dessa diversidade cultural. O modo de vida e a cultura de cada povo serão

mencionados com o intuito de resgatar o aspecto multicultural do Estado que, embora seja

negado do ponto de vista político institucional e educacional, existe e coloca problemáticas

fundamentais para a preservação de uma identidade local.

Convém esclarecer que estou entendendo o termo cultura no sentido plural que indica

os distintos modos de vida, valores e significados partilhados pelos diferentes grupos. Sem me

estender numa explicação sobre isso, ressalto que partirei de uma acepção antropológica de

cultura que segundo Canen e Moreira (2001, p. 18) corresponde aos ―significados que os

grupos compartilham, ou seja, aos conteúdos culturais. Cultura identifica-se, assim, com a

forma geral de vida de um dado grupo social‖. A essa acepção acrescentarei também o caráter

político e ideológico da cultura de modo a superar o paradigma da neutralidade que a

princípio comportou essa visão antropológica. Assim, mais do que o modo de vida de um

determinado grupo, a cultura será definida como propõe Carlos Rodrigues Brandão (1986, p.

16) como ―algo que existe e se reproduz sob determinadas condições, que espalha

desigualdades e antagonismos e que pode ser intencionalmente transformada‖.

Ainda nesta parte, examino as questões relativas à linguagem no contexto

rondoniense. Entendo que a linguagem está de maneira muito íntima relacionada às questões

culturais. Como sustenta José de Sousa Miguel Lopes (1999, p. 75) ―a língua escrita e falada

de um povo é possivelmente seu mais importante atributo cultural; cada língua falada no

mundo constitui uma forma singular de considerar a experiência humana e o próprio mundo‖.

Assim, embora haja uma dificuldade relacionada à escassez de materiais que discutem os

aspectos lingüísticos do estado, principalmente se considerarmos a questão escolar, como

esses materiais em geral têm levado em conta a escola, uma vez que as pesquisas realizadas

na área de lingüística têm uma perspectiva que se atém muito mais ao campo das pesquisas

descritivas, afastando-se, assim, de uma proposta que se encaminhe por uma visão

multicultural de ensino, buscarei evidenciar que existe, ao lado da diversidade cultural, uma

diversidade de línguas indígenas, de expressões próprias do imaginário das florestas, de

expressões trazidas pelos migrantes que contribuem para uma diversificação na linguagem

local.

Por fim, procurarei mostrar alguns dos desafios enfrentados pelas instituições de

ensino superior, especialmente pelas Universidades públicas locais e o compromisso que

devem ter essas instituições como responsáveis pela formação inicial de professores/as, em

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criar uma proposta de formação multiculturalmente orientada, favorecendo a formação crítica

do/a professor/a e sua inserção no espaço cultural onde seu trabalho é desenvolvido.

3.1 - Multiculturalismo no contexto rondoniense

Rondônia está localizada na chamada Amazônia ocidental que abrange em território

brasileiro o Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia (WIKIPEDIA, 2008). Estes estados,

somados a outros pertencentes à região amazônica correspondem a 60% de todo o território

nacional. Se, geograficamente, a Amazônia constitui um vasto território, podemos dizer

também que corresponde a um espaço cultural com características próprias e com uma

diversidade grande de povos, entre os quais se destacam as populações indígenas, caboclos,

ribeirinhos, seringueiros, migrantes, bolivianos situados nos municípios de fronteira, etc.

Podemos dizer ainda, que cada um desses personagens sobrevive em ambientes de vida

específicos, embora de um modo geral, todos tenham em comum as singularidades naturais e

simbólicas da região permeada em seu entorno pela magnificência dos seus incontáveis rios e

áreas de florestas.

Ocupando uma pequena faixa dessa região, o Estado de Rondônia possui muitas das

características próprias da Amazônia e passou por processos semelhantes de ocupação e

desenvolvimento. Esse processo contribuiu para que possamos nos referir a este espaço como

multicultural. Do ponto de vista cultural é formado por diferentes culturas que foram sendo

constituídas a partir das ações de distintas frentes populacionais e projetos de colonização

dessas terras que de acordo com Alex Fiúza de Melo (2008, p. 01) pautaram-se:

No incentivo ao extrativismo (das drogas do sertão do período colonial ao atual ciclo

da mineração, passando pela monocultura da borracha do final do século XIX e

início do XX), na derrubada e queima da floresta (para exploração irracional pela

indústria madeireira e transformação em pastagem de gado) e na utilização

irresponsável de seus recursos hídricos (poluídos por mercúrio e outros resíduos

industriais).

Essa ocupação como é próprio de contextos em que existem habitantes nativos e

grupos distantes interessados na exploração, ensejando uma disputa por poder e espaço não se

deu de forma harmoniosa. Muitos foram os que sofreram as drásticas conseqüências dessa

relação de interesses conflitantes. Também foram muitos os que, ao desembocarem em terras

guaporeanas, tiveram seus modos de vida modificados ou influenciados pelas culturas nativas,

ao mesmo tempo em que estas também sofriam com as influências trazidas de fora, fatores

que nos permitem falar em uma relação dinâmica de trocas e disputas durante a formação do

Estado.

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Em território rondoniense, a primeira forma de confrontação violenta entre culturas

diferentes ocorreu entre os conquistadores europeus — portugueses, espanhóis e holandeses

principalmente — e os povos autóctones. Foi um processo que se iniciou com a conquista

colonial, cuja experiência teve as características próprias do colonialismo, que foi marcado

pelo genocídio e pelo etnocídio, bem como pela destruição de recursos naturais que em

grande parte definem as características culturais dos grupos indígenas. De acordo com o

Conselho Indigenista Missionário (CIMI) (2004), a história de Rondônia tem apresentado um

assombroso quadro de extermínios de suas populações indígenas; os dados levantados pelo

Conselho apontam que apenas durante ―as últimas sete décadas, o genocídio a que foram

expostos os indígenas, reduziram aproximadamente 80.000 indivíduos para menos de 4.000

na década de 1980 e atualmente contam com uma população em torno de 7.000 índios‖

(CIMI, 2004, p. 1).

Sem sombras de dúvida, as populações indígenas foram as que mais sofreram com as

conseqüências impostas pelos artifícios coloniais baseados na expropriação e ocupação

desordenada das riquezas naturais e das terras. Estima-se que no início e ao longo da

exploração do Território Federal do Guaporé, havia no que hoje compõe o atual Estado de

Rondônia cerca de 222 grupos indígenas, divididos entre diversas famílias, com costumes e

língua própria. Desses, existem hoje cerca de 50 povos indígenas com contatos estabelecidos,

além dos povos com os quais ainda não se estabeleceu contato. A tabela abaixo mostra alguns

dos povos que vêm resistindo até os dias atuais.

Tabela 1 – Povos indígenas em Rondônia.

RONDÔNIA POVOS INDÍGENAS

Povo Outros nomes, grafias e/ou sub-grupos

Família/língua

Aikanã Aikaná, Massaká,Tubarão Aikanã

Ajuru Tupari

Akunsu Akunt'su ?

Amondawa Tupi-Guarani

Arara Karo Ramarama

Arikapu Aricapu Jaboti

Aruá Monde

Cinta Larga Monde

Columbiara Corumbiara ?

Jaboti Jaboti

Gavião Digüt Monde

Kanoe Canoe Kanoe

Karipuna Caripuna Tupi-Guarani

Karitiana Caritiana Arikem

Kaxarari Caxarari Pano

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Kwazá Coaiá, Koaiá Língua isolada

Kujubim Kuyubi Txapakura

Macurap Makurap Tuparí

Nambikwara Anunsu, Nhambiquara, Nambikwara do

Norte (Latundê, Sabanê)

Nambikwara

Oro Win Txapakura

Pakaa Nova Wari, Pacaás Novos Txapakura

Sakurabiat Mekens, Sakirabiap, Sakirabiar Tupari

Suruí Paíter Monde

Tupari Tuparí

Uru-Eu-Wau-Wau Urueu-Uau-Uau, Urupain Tupi-Guarani

Urupain ? Fonte: Instituto Sócio Ambiental (ISA), 2008.

Essa diminuição drástica no número de povos indígenas, aliada ao crescente

distanciamento cultural, tem origem nos processos coloniais de expansão brasileiros. Assim,

como escrevem Marco Antônio Domingues Teixeira e Dante Ribeiro Fonseca (2002), desde a

época das atividades jesuítas no Brasil registram-se missões organizadas por padres da

Companhia de Jesus implantadas na região do Madeira. Do mesmo modo, as Bandeiras

conhecidas historicamente como o movimento de avanço de sertanistas por novas terras em

busca principalmente de minérios e da captura de índios para servirem ao trabalho escravo,

atingiram os vales do Madeira e Guaporé, acarretando conflitos entre os diversos povos e os

grupos de sertanistas.

As Missões jesuíticas constituíram, nesse sentido, a primeira grande ação dentro do

quadro de políticas de ocupação e manutenção das terras situadas na região do Guaporé, que

imprimiu a imposição de novos valores e sistemas de vida aos grupos indígenas do atual

Estado de Rondônia. Sendo assim, Loureiro (2001, p. 80) destaca que o modelo catequético

implantado pelos padres tornou-se o verdadeiro elo de ―imposição simbólica sobre a cultura

indígena‖. Em contraste com essa diversidade das culturas indígenas, que combina e liga as

relações humanas e a própria vida aos mistérios da natureza, nas atividades de caça, pesca,

nos rituais sagrados e nos valores, a ação dos jesuítas introduziu ao longo dos tempos, novos

―símbolos religiosos, morais e culturais estranhos às populações indígenas e ribeirinhas,

inserindo no imaginário indígena novos elementos, novos conteúdos‖ que destoavam da sua

cultura específica. Estes símbolos como sabemos, não chamavam o indígena para o caminho

de Deus, como se queria parecer, ―mas para o caminho do branco, o caminho do senhor, o

caminho do opressor‖. (FANON, 2005, p. 59, grifo meu). Em meio a estes, a língua dos

vários grupos indígenas localizados em Rondônia também sofreu com o processo de

imposição de uma língua geral. Dessa forma:

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O projeto português de expandir a fé e ampliar o Império na Amazônia, à

semelhança do que ocorreu em outras regiões brasileiras, foi uma espécie de causa

determinante de passar por cima da cultura nativa ou comprimi-la. Ocupar as almas

enquanto se ocupava a terra. A mesma cruz que abria os braços anunciando a

liberdade, fechava os pulsos da opressão. A guerra dos símbolos se deflagrou

silenciosa, mas tão violenta quanto a dos arcabuzes e dos canhões. (LOUREIRO,

2001, p. 293).

Após a expulsão dos jesuítas do Brasil e conseqüentemente da região amazônica pelo

então Marquês de Pombal, as novas frentes de ocupação que se seguiram continuaram

agenciando a violentação gradativa da cultura indígena. De acordo com Emanuel Pontes Pinto

(1993, p. 08), os índios que viviam nas terras que hoje pertencem ao estado de Rondônia eram

considerados ―como um ser inferior, antropófago, supersticioso, polígamo, que vivia sob

costumes contrários ao evangelho e à lei natural‖.

No entanto, tais frentes de ocupação muitas vezes também acabavam assimilando,

ainda que em menores proporções, traços dessa cultura indígena. Como exemplo, durante o

famoso e cruel Ciclo da Borracha apesar de prevalecer a continuidade dos conflitos, o grupo

de nordestinos recrutados para trabalhar na então construção da Estrada de Ferro Madeira-

Mamoré puderam assimilar muito dessa cultura indígena, principalmente as práticas

relacionadas à sua própria sobrevivência e manutenção. Segundo Loureiro (2001, p. 35),

―durante o auge do ciclo da borracha embarcaram para a Amazônia aproximadamente 500 mil

nordestinos, muitos dos quais retornaram após a crise, enquanto uma outra parte permaneceu

na região e se integrou nela‖.

Tendo como ponto de partida a extração do látex, a atividade seringueira em Rondônia

ocorreu por ocasião do desbravamento da floresta sendo que a chegada de tantos migrantes

nordestinos explica-se pela alta propaganda gerada pela cobiça internacional sobre a borracha

amazônica. Assim, Francinete Perdigão e Luiz Bassegio (1992, p. 49) relatam que os

nordestinos eram atraídos para a região ―por um cartaz que mostrava a figura de um grande

vaso cheio de leite, simbolizando o látex em abundância na região‖.

Pode-se dizer que esse enorme contingente de nordestinos constitui um segundo

grande grupo que compõe o cenário multicultural de Rondônia. Durante o ciclo da borracha,

ao ―absorver‖ traços da cultura indígena esses mesmos nordestinos contribuíram para que o

seringueiro formasse e mantivesse valores culturais densamente ligados às relações com a

natureza. Em geral, o seringueiro acabou sendo formado por um conjunto de pessoas iludidas

com a promessa de uma terra que lhes traria riqueza e melhorias na qualidade de vida. Muitos

deles vinham com essa idéia de enriquecer e retornar para sua terra de origem, no entanto, as

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promessas eram falsas e a maioria continuou no Estado, exercendo atividades em regime de

trabalho servil para os seringalistas donos dos seringais.

Durante o primeiro e o segundo Ciclo da Borracha, no Vale do Guaporé, o seringueiro

constituiu-se no extrator e produtor da seringa, planta nativa nos seringais amazônicos. Ao

analisar o perfil dos seringueiros, Edílson Lucas de Medeiros (2004) enfatiza que tais

trabalhadores, na sua quase totalidade composta por nordestinos, era formada por homens

pobres e analfabetos. Ao discutir sobre as condições de vida desse tipo característico o autor

destaca que, durante as suas atividades de extração, esses homens levavam uma vida de

penúria e infortúnios; o seringueiro ―trabalhava em média um total de 15 a 16 horas e não

recebia nem um tipo de assistência, vivia assistido apenas pelo poder de Deus‖ (MEDEIROS,

2004, p. 73).

Os seringueiros de Rondônia se concentraram, principalmente, ao longo dos

municípios que vão de Porto Velho, hoje capital do Estado, ao município de Guajará-Mirim,

na fronteira com a Bolívia. O estabelecimento nessas localidades era facilitado devido ao mais

de meio século de funcionamento da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, principal via de

transporte da borracha da região entre os vales do Madeira e do Guaporé. A borracha extraída

pelos seringueiros era escoada através da Estrada e dirigida a Porto Velho de onde seguia para

outros destinos. A presença dos seringueiros contribuiu para a caracterização do caboclo

amazônico, um grupo considerado dominante até poucos dias atrás e que hoje já é bastante

esquecido, principalmente em Rondônia. De acordo com Medeiros,

O homem que na verdade mais se adaptou à atividade de seringueiro, na extração da

borracha foi o nordestino, talvez, por ser um homem castigado pelos rigores das

secas. Acostumado ao sofrimento, o nordestino, foi sem dúvida, o principal

elemento que, com muita eficiência, se adaptou aos rigores do clima equatorial-

amazônico, criando características próprias, constituída da mistura da cultura

indígena com a cultura nordestina. A verdade é que a obstinação, a disposição do

homem nordestino, somado à vivência, hábitos e costumes indígenas deu origem a

esse homem que chamamos de ―caboclo-amazônico‖. O seringueiro era um homem

destemido, disposto a enfrentar todas as diversidades da selva Amazônica. Honesto e resignado, morria calado, sem reclamar. (MEDEIROS, 2004, p. 103).

Nos dias atuais, pouco se sabe sobre os seringueiros que continuam habitando as matas

de Rondônia. Com o avanço dos desmatamentos, foi preciso criar reservas extrativistas onde

muitos deles continuam a exercer suas atividades de extração da seringa, e a sobreviver das

árvores e bichos da floresta. Uma outra parte mudou-se para as cidades e já não exerce as

atividades de extração. Essas pessoas têm, no conjunto de seu repertório cultural e na sua

bagagem de vida, muitas histórias sobre o que representaram os ciclos da Borracha para os

seringueiros. Histórias que contam sobre como o seringueiro aos poucos foi aprendendo a

conviver nas florestas do Estado.

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Outro grupo que deve ser destacado juntamente com índios e seringueiros são os

ribeirinhos. O termo é usado para se referir às comunidades localizadas ao longo dos rios e

ganhou destaque devido à grande quantidade de rios de Rondônia. Esses rios constituem uma

realidade e assumem uma importância geográfica crucial para a região; entre eles, o Rio

Madeira, assim intitulado por haver uma expressiva quantidade de árvores que são conduzidas

por suas águas especialmente nos períodos de enchentes, atravessa o Estado e é considerado a

principal bacia hidrográfica de Rondônia. (LIMA e VELOSO, 2001). Além da bacia

hidrográfica do Rio Madeira, outras três são consideradas como as mais importantes: a do Rio

Guaporé, a do Rio Mamoré e; a do Rio Ji-Paraná ou Machado. Tendo suas vidas atreladas ao

cotidiano dos rios essas populações ribeirinhas são definidas da seguinte forma:

Agrupadas em redes de parentes por cerca de 30 km ao longo do rio (...) vivendo de

atividades econômicas sazonais (...) não apenas na margem de um grande rio, como

sobre o rio – e algumas vezes dentro dele – por vários meses durante o ano (...) Seus

residentes são chamados ribeirinhos, um termo que expressa uma associação geográfica e não uma identidade étnica. (HARRIS6, apud RODRIGUES, 2006, p.

126).

Ao realizar estudos sobre o modo de vida dos ribeirinhos que ocupam as margens do

Madeira, Maria Terezinha Corrêa (2002) destaca que há uma grande diversidade dentro do

próprio grupo. Embora sejam caracterizados, tendo em vista a dinâmica de sua relação com o

rio e por suas atividades camponesas, uma boa parte descende de índios, enquanto alguns

ainda descendem dos próprios nordestinos que trabalharam nos ciclos da Borracha. Além da

localização geográfica, os ribeirinhos diferem do homem e da mulher urbanos pelos seus

modos de vida, suas características físicas e expressões próprias do seu vocabulário de

pescadores. Além disso, existe por parte dos ribeirinhos, um forte imaginário ligado aos seres

das florestas e das águas nas quais habitam. Como aponta Corrêa:

Alguns estudiosos os têm classificado, particularmente, por terem um modo de vida

próprio, de ―campesinato amazônida‖. (Furtado, 1997). A maioria é

predominantemente de ascendência indígena, pois o tipo físico se associa a sua tez

de pele, cabelos, olhos. Porém, alguns são miscigenados com nordestinos vindo,

principalmente, dos Estados do Maranhão e do Ceará, por ocasião do ciclo da

borracha. Além disso, o vocabulário comum assemelha-se à língua Tupi, às crenças

nos ―encantados‖ (panema, cobra-grande, mapinguari, o uruá-peara), contado pelos

antepassados, encontradas praticamente em toda comunidade ribeirinha,

influenciando também os citadinos amazonenses. (CORRÊA, 2002, p. 2).

Contudo, a questão geográfica e a simbologia que dela decorre, ligada à dinâmica de

vida e de sobrevivência às margens dos rios sejam talvez os principais elementos

caracterizadores da cultura ribeirinha. Em sua análise sobre as características culturais desse

grupo, Loureiro (2001) destaca que no ambiente em que sobrevivem, homens, mulheres e

6 HARRIS, Marc. Life on the Amazon. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 4.

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crianças ribeirinhos são capazes de manter uma cultura que nutre e possibilita a continuidade

dos valores que decorrem de sua história. Essa história, segundo o autor, é revivida pelas

diferentes gerações a partir das práticas de transmissão oralizada que prevalece entre eles.

Essas práticas refletem ―de forma predominante a relação do homem com a natureza e se

apresenta imersa numa atmosfera em que o imaginário privilegia o sentido estético dessa

realidade cultural‖. (LOUREIRO, 2001, p. 65).

Hoje, a cultura ribeirinha no Estado já perdeu boa parte desses elementos fundantes

tendo em vista que o número de matas diminuiu de maneira progressiva nos últimos anos. As

matas que ficam em torno dos principais rios (Madeira, Machado, Mamoré e Guaporé) deram

espaço a um novo cenário onde predominam as pastagens destinadas à pecuária e criação de

gado de corte. Além do mais, o avanço das cidades sobre ambientes tipicamente campestres

tem aumentado as influências urbanas sobre o mundo ribeirinho.

Uma das preocupações atuais diz respeito ao projeto de construção de trinta e nove

barragens dentro do Estado, pelo menos duas com data marcada para iniciar: a Usina

Hidrelétrica de Santo Antônio e Usina Hidrelétrica de Jirau, ambas localizadas no Rio

Madeira nos trechos que vão de Porto Velho a Abunã. Apesar de a mídia local divulgar um

discurso de que este é um projeto que visa o desenvolvimento da região e melhoria da

qualidade de vida, principalmente para a população da capital, milhares de famílias

ribeirinhas e de camponeses serão desalojadas de seu ambiente natural, devendo ocupar as

periferias de Porto Velho que se alastram à medida que a cidade cresce. Para os ribeirinhos,

essa preocupação torna-se real devido a inúmeros antecedentes de construção de barragens no

país. De acordo com dados do MAB7 (2007), as barragens já expulsaram em todo Brasil mais

de um milhão de pessoas, sendo que em média, 70% das famílias atingidas não recebem

nenhum tipo de direito. Esse projeto pode significar também um novo ciclo de migrações

externas, como aconteceu em outros períodos da história de Rondônia.

Dando continuidade e reforçando ainda mais o aspecto multicultural do Estado, a

partir da década de 1970 e 1980, Rondônia passou a receber um grande número de migrantes

de outras regiões brasileiras, principalmente das regiões Sul e Sudeste. Os migrantes eram em

sua grande maioria camponeses/as expulsos/as de suas terras pela agricultura mecanizada. A

partir de propagandas da existência de um ―eldorado‖, o governo brasileiro pretendia atacar

dois problemas de seu interesse: de um lado ―resolvia‖ os entraves causados pela resistência

camponesa nas regiões Sul e Sudeste, cada vez mais encurraladas pela ação de fazendeiros e

7 Movimento dos Atingidos por Barragens.

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conflitos agrários, e de outro promovia o ―desbravamento‖ dessa região abrindo caminho

também para futuros projetos desenvolvimentistas. Dentro dessa política de ocupação,

Tem início um processo intenso de migração das camadas pobres de outras regiões,

especialmente camponeses expulsos de suas terras pela nova política de

industrialização e modernização da agricultura, ou de trabalhadores em geral que a

recessão dos anos 80/90 jogou no desemprego e que se dirigiram para a Amazônia

em busca de uma oportunidade, seja no garimpo, num grande projeto, na abertura de uma estrada ou outra qualquer de que tenham notícia. (LOUREIRO, 2001, p. 37).

A terra era então, o principal atrativo para os migrantes, uma vez que a fronteira

agrícola de Rondônia apresentava-se como uma opção alternativa de trabalho e de acesso à

pequena agricultura. Além da expulsão causada pelo processo de industrialização e aumento

do latifúndio no Sul e Sudeste, principalmente, a vinda dos migrantes foi também favorecida

pelas propagandas governamentais que atraíram diversas famílias. Entre as promessas feitas e

condições que atraíram os migrantes, destacavam-se as seguintes:

— as condições de tráfego quase permanente na BR-364 que levava a Rondônia. A

BR-364 foi implantada em 1960 no governo Juscelino Kubitscheck e deu condições

de acesso a uma região ainda virgem com grande potencial agrícola;

— a existência de extensas manchas de terras férteis próximas à BR-364 eram uma atração para aqueles voltados diretamente para o trabalho rural;

— a possibilidade de acesso a terras devolutas do então território. (PERDIGÃO E

BASSEGIO, 1992, p. 76).

Sem receber nenhum tipo de orientação ao chegarem às terras de Rondônia, sofrendo

com a ausência de uma estrutura que os acolhesse e sem ter acesso às benfeitorias prometidas

como saúde, trabalho, educação para seus/as filhos/as, os migrantes foram aos poucos

avançando para áreas além do eixo da BR-364 na tentativa de cultivar a terra. Entretanto, se

por um lado povos indígenas, caboclos e ribeirinhos como se refere Loureiro (2001) criaram

formas de conviver com a natureza, de criar e de aproveitar do seu potencial para a própria

sobrevivência, estabelecendo uma aproximação mais embasada no próprio contexto local, a

maioria dos migrantes,vindo de outros locais, não passou pelo mesmo processo de inserção no

espaço rondoniense. Ao se deslocarem das suas terras invadidas pelo latifúndio no Sul e

Sudeste, seu principal objetivo era encontrar terra que provesse seu sustento através da

pequena agricultura praticada nestas regiões.

Dessa maneira, os migrantes, que se estabeleceram principalmente no interior,

trouxeram consigo a idéia de agricultura intensiva destinada ao plantio e comercialização.

Diferentemente das técnicas agrícolas utilizadas pelos ribeirinhos apenas para suprir a

subsistência alimentar de suas próprias famílias, a agricultura que se consolidou, a partir de

então, pautou-se na derrubada das matas, nas queimadas e uso de defensivos agrícolas

(agrotóxicos) nas lavouras. Juntamente com esses migrantes, estabeleceu-se um grande

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número de madeireiras que se aproveitaram da falta de fiscalização e ausência de uma política

sustentável e ecologicamente correta de ocupação para saquear as madeiras da região.

O cotidiano dos migrantes revela a brutalidade de um sistema que desenraiza o homem

do seu próprio meio. O deslocamento para as terras de Rondônia, no caso dos migrantes,

constituiu-se também uma forma de violência simbólica e cultural para estes. Sob essas

condições, os camponeses vindos do Sul e do Sudeste são excluídos duplamente de suas

condições culturais. Primeiramente, ocorre o desapego cultural de seus locais de origem; quer

dizer, ao mesmo tempo em que se sente diferente das primeiras populações do Estado, o

migrante vai, de forma lenta, porém já visível nos dias de hoje se distanciando de suas

práticas culturais. Em segundo lugar, o avanço do latifúndio que tem como conseqüência a

concentração da terra promove o inchaço nas periferias urbanas de Rondônia.

Assim, a população migrante, que no início da década de 1970 era formada, sobretudo,

por pequenos agricultores, é continuamente deslocada da terra distanciando-se dos valores

que marcam a identidade camponesa. Portanto, o modelo de ocupação de Rondônia impôs

uma dinâmica em que a cultura, seja do indígena, do seringueiro, do ribeirinho ou do migrante

foi influenciada e transformada pelos contínuos processos de exploração evidenciando-se, em

todos os casos descritos até agora, a vitimização das populações que ocupam o território

rondoniense. Ainda sobre os migrantes:

A situação do migrante é a do trabalhador que tem dificultada a aquisição da terra,

que não possui os instrumentos de trabalho, e cuja maioria está à disposição do

capital para vender sua mão-de-obra em condições de serviços temporários como ―bóias-frias‖ ou para se tornar escravo do capitalismo selvagem que se implantou

em Rondônia. Duplamente escravos, porque submetidos à condições degradantes de

trabalho e tolhidos em seus direitos fundamentais, como o de ir e vir. Por outro lado,

o próprio capitalismo agrário e agrícola de Rondônia também é duplamente

mascarado. No primeiro caso, sua selvageria diz respeito ao tratamento escravista ao

qual submete suas vítimas, os humildes e ingênuos migrantes. No segundo caso, ele

implica o próprio patrimônio natural que destrói, ou seja, escondido na selva, em

locais de difícil acesso e, por conseguinte, de fiscalização ou de possibilidade de

denúncia, o capitalismo rondoniense encontra espaço para cometer toda sorte de

infração dos Direitos Humanos. A própria floresta que dizima, na ganância do lucro,

é o seu refúgio: abatendo árvores, animais e seres humanos, nos confins de

Rondônia, o sistema camufla o seu caráter bestial e animalesco: nas selvas é ainda mais selvagem e muitos são os bodes expiatórios. (PERDIGÃO E BASSEGIO,

1992, p. 107).

Entretanto, ainda que vítimas desse processo, a resistência tem sido uma das marcas

desses grupos, fator que tem contribuído para que, em termos culturais, essas populações

continuem a ter suas características próprias que os distinguem: o indígena continua com seus

hábitos, suas tradições, embora muitos povos tenham sofrido um processo de perda da língua

e de valores tendo em vista sucessivas interferências, perdas de território, contato com

padrões não índios, etc.; do mesmo modo, o ribeirinho continua a ser caracterizado como

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aquele que habita as margens dos rios, vivendo da pesca; também o seringueiro é visto como

um grupo distinto e de um lado todos os migrantes, que ocupam um só grupo que muitas

vezes é diferenciado dos anteriores que passaram a ser denominados de ―povos da terra‖, ou

ainda ―povos da floresta‖. Entretanto, observa-se com freqüência que, embora culturas como a

indígena, a cabocla, a ribeirinha e a seringueira continuem distintas, estas inevitavelmente têm

sido obscurecidas pelo avanço do capitalismo e pelas políticas de desvalorização humana e

valorização do capital implantada em Rondônia.

Observa-se um movimento de subordinação dessas populações, de seus processos

culturais e dos seus próprios indivíduos - principalmente no caso das comunidades indígenas -

às formas de vida valorizadas socialmente. Suas histórias são questionadas, ou até mesmo

evitadas por meio de processos simbólicos, verbais e institucionalizados que ocorrem nas

diferentes esferas da vida pública. A igreja que se freqüenta segue um padrão, a escola segue

um padrão, a arquitetura segue um padrão que nem sempre tem a ver com as suas origens, que

nem sempre ou poucas vezes, retoma a memória de sua herança cultural e de sua relação com

o contexto em que está inserido. Os conteúdos curriculares trabalhados nas escolas geralmente

não falam dessa relação do homem com a natureza, não retratam a noção de família ou de

infância para um indígena ou para um ribeirinho, entre tantos outros exemplos que podem ser

tomados para se evidenciar esse processo de negação.

É interessante notar que tal movimento de subordinação e negação iniciou-se na

abertura do processo de ocupação, revelando ao longo dos anos uma prática colonialista de

povos que pertencem a um determinado local devem ser suprimidos para dar lugar à

modernidade e a interesses de novos grupos. Assim, a violência física não foi o único artifício

utilizado. Aliado a ela, o ataque aos valores culturais é uma das características dos projetos

colonizadores para dar fim a esse ―obstáculo‖ (FANON, 2005) que constitui os povos da

região. Como denuncia Loureiro:

[…] as políticas em curso apresentam menosprezo evidente pela cultura dos

caboclos, dos índios, das comunidades negras, como sendo simplesmente expressões

ingênuas, primitivas, pobres, próprias de um tempo social que deve ser substituído.

É uma visão clara ou disfarçada, mas perceptível aos planos econômicos e mesmo

culturais, que considera que essa espécie de substituição cultural não significa

nenhuma perda. Pelo contrário, abandonar a cultura da terra representa espírito de

renovação, modernidade, civilização. Um processo de conversão dos atores sociais

dessa cultura em coadjuvantes de um novo processo, uma vez que, segundo esse tipo

de ideologia, eles não representam o novo, nem o moderno ou mesmo o civilizado.

(2001, p. 413).

Essa situação revela que o projeto colonial de Rondônia, a exemplo do que ocorre em

outros contextos de colonização, vem buscando aniquilar elementos culturais desse mundo

entrecortado por florestas e rios. Assim, ao buscar destacar os aspectos culturais do local,

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seria ingenuidade não mencionar o contraditório fato de que indígenas são expulsos de seus

territórios e seringueiros, ribeirinhos e povos do campo têm sua cultura ―enterrada‖ no mesmo

solo que a caracterizou. Além do mais, constituindo um dos principais elementos dessa

cultura, a língua dos povos indígenas, a linguagem específica dos ribeirinhos, o imaginário

característico amazônico e, as diversas formas de expressões das populações migrantes

também têm sofrido com tais mudanças.

Inserida dentro de uma matriz cultural, a linguagem nesse contexto também se mostra

―multi‖, sendo as diversas línguas e variações utilizadas no Estado uma das riquezas culturais

dos povos que habitam a região. Segundo definição de Jacob Mey (2002):

A língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver o mundo. A língua

não é somente a expressão da ‗alma‘ ou do ‗intimo‘, ou do que quer que seja, do

individuo; é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se expressa como se

seus membros fossem a sua boca. (MEY, 2002, p. 76).

Com relação à sociedade rondoniense, os grupos citados anteriormente possuem

diferentes características no que diz respeito à língua. Vários povos indígenas possuem suas

línguas específicas; seringueiros e ribeirinhos estão inseridos num universo em que a

oralidade se faz mais presente do que as formas escritas e ainda, os migrantes de várias

regiões do país trouxeram consigo falares específicos de seus locais de origem. No entanto, é

preciso considerar que tanto a cultura como a linguagem neste caso, deve ser entendida dentro

de um processo de colonização que não só levou a atual face do Estado, como teve

conseqüências negativas para o local.

Com relação às populações indígenas, a ―inauguração‖ do modelo europeu

implementado de forma arbitrária por meio de um processo que teve como conseqüência

direta a desaculturação dos povos atingiu suas línguas por meio da submissão de uma língua

geral que impôs o silenciamento das diversas línguas faladas por diferentes povos. Dessa

maneira, a chamada Língua Geral que segundo Loureiro (2001, p. 290) serviu como

―estratégia de fusão de línguas indígenas empreendida pelos missionários para facilitar a

catequese, o acesso e a comunicação com os diferentes povos tribais‖ tornou-se, no processo

de ocupação do Vale do Guaporé, o principal elo de imposição da cultura européia.

Constituindo-se também num elemento homogeneizador, essa linguagem geral passou a ser a

língua falada pelos habitantes locais em suas relações sociais e familiares.

O caráter colonial dessa língua pode ser diagnosticado na forma como ela foi

apresentada como superior às línguas indígenas, que, inversamente, foram consideradas

inferiores. Abandonar a língua não era uma opção para os indígenas, mas um processo

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violento de ―desapropriação‖ do qual deveriam passar por força da ―lei‖ que lhes foi aplicada

em seu processo de dizimação e escravização. Assim, juntamente com outras situações, a

imposição dessa língua geral compunha um conjunto de ações em prol da domesticação do

indígena. Como bem expressa Mey:

A ‗língua comum‘ é convertida em um conceito abstrato e vazio da mesma maneira

que outras ‗Grandes Idéias‘, tais como Vida, Honra, País, fé, Família etc., são postas

à parte e catalogadas. Da mesma maneira que a ‗cultura‘, a ‗arte‘, a ‗educação‘, os

‗valores da Escola Dominical‘, e outras manifestações da interação humana com o

meio ambiente, são distinguidas e relegadas a um status semi-sagrado na sociedade,

assim acontece com a língua. Uma visão descontextualizada da língua determina um

ideal abstrato, tal como o de uma ‗língua comum‘, a qual todos devem se ajustar.

Assim é que tentamos reconciliar o paradoxo da língua como individual, que é ao

mesmo tempo social, através da descontextualização da própria noção de língua,

especialmente no modo em que se manifesta na sua forma audível, a fala. Nessa perspectiva, há essencialmente só uma pronúncia ‗boa‘, da mesma forma em que há

só uma língua ‗padrão‘; a norma é abstraída da sua essência, e, em conseqüência

disso, não pode ser nunca tema de discussão. Se sua língua denuncia, ‗ame-a ou

deixe-a‘. (2002, p. 80).

Além das línguas indígenas, a questão da linguagem em Rondônia perpassa o cenário

de florestas e rios, sobretudo nos ambientes em que vivem seringueiros e ribeirinhos. Nesse

sentido, há um universo vocabular que é próprio das pessoas que pertencem a esses grupos.

Esses falares por sua vez, aliados as outras práticas cotidianas constituem a expressividade da

conservação dos seus valores e de suas histórias. Outro elemento importante ao discutir a

linguagem diz respeito ao papel que a transmissão oral desempenha para essas pessoas. No

ambiente do campo, especialmente nas regiões situadas ao longo dos rios e mais distantes dos

principais centros urbanos, a oralidade prevalece sobre outras formas de comunicação.

Ainda considerando a diversidade lingüística do local, Rondônia possui uma

singularidade no que diz respeito às regiões de fronteira. O Estado faz divisa com o país

vizinho da Bolívia em pelo menos quatro de seus municípios, como Cabixi, Costa Marques,

Guajará-Mirim, Pimenteiras do Oeste, e outros. Nestes locais, observa-se a ocorrência de

fatos e relações sociais que são características de regiões fronteiriças e de sociedades

multiculturais. Uma dessas situações é a diversidade lingüística que o contexto proporciona, a

diversidade cultural, a convivência com o outro, evidenciando situações que marcam as

diferenças entre brasileiros e bolivianos. Embora em menor número, essa é uma realidade

posta no que diz respeito ao panorama lingüístico, principalmente para os habitantes desses

municípios.

Mas, se por um lado há uma diversidade de línguas, de dialetos, falares e expressões,

isso não costuma ser considerado como um aspecto importante, haja vista que os aparatos

culturais institucionalizados — escolas, gramáticas, mídia, universidade etc. — discriminam

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de maneira consciente e inconsciente em alguns casos, línguas e expressões próprias do

universo desses grupos não prestigiados. Como exemplo, basta considerar que expressões do

universo ribeirinho e caboclo pouco estão presentes nos materiais utilizados por escolas e

universidades em geral. Entretanto, essa é uma realidade que diz respeito não só a Rondônia,

mas também a realidade de outros locais onde a domesticação da linguagem constitui em si

uma forma privilegiada de silenciamento de grupos minoritários. Como enfatizam Florence

Carboni e Mário Maestri:

A sufocação dos timbres, das vozes e das línguas dos oprimidos é condição essencial

para a manutenção da hegemonia dos opressores. Um processo que se impõe

plenamente a partir da universalização da visão alienada da língua como fenômeno

natural e universal e não social e singular. (…) a língua é palco privilegiado da luta

de classes, expressão e registro dos valores e sentimentos contraditórios de

exploradores e explorados. As nações imperialistas lutam para impor suas línguas e,

por meio delas, seus valores às nações dominadas, assim, como as classes dominantes esforçam-se para que os dominados submetam-se plenamente a uma

ditadura lingüística, que facilita e consolida a ditadura social e econômica. (2003, p.

12).

Da mesma forma, os dialetos dos migrantes são desconhecidos e pouco discutidos

como forma de valorizar o aspecto multicultural do Estado. Na verdade, o que se percebe é

que hoje, como em momentos anteriores, o padrão lingüístico considerado culto, continua

sendo o único aceito e praticado pelos meios propagadores e socializadores do conhecimento

como escolas, obras literárias, meios de comunicação, etc. Por outro lado, as variações

populares que advêm dos diversos grupos não hegemônicos são desconsideradas

linguisticamente, subsistindo apenas como língua falada em suas próprias comunidades e

ainda como escrita incorreta pela maioria das escolas e outras instituições estatais.

Apesar de toda essa problemática já exposta, uma outra deve ser igualmente

considerada. Trata-se da forma como a linguagem tem sido utilizada hoje para representar as

culturas locais. Assim, ao entender a linguagem como algo mais amplo e não apenas como

fenômeno lingüístico e ao tomá-la também como uma representação do mundo, é preciso

questionar então como a realidade local e igualmente a cultura das pessoas que vivem dentro

do espaço rondoniense têm sido representadas por meio da linguagem. Ainda, em que

momento ela é também empregada para que os sujeitos possam se aproximar do seu universo

cultural.

Tais questões são importantes uma vez que, num cenário que é tão marcado pelas

diferenças, o conjunto de trabalhos que as reconhecem do ponto de vista da linguagem ainda é

muito escasso. No caso de Rondônia, a linguagem de camponeses, seringueiros e ribeirinhos

enfrenta ainda os problemas relacionados a preconceitos e estereótipos que associam a cultura

e a linguagem a costumes atrasados e arraigados. Essa condição de ―atraso‖ está presente nas

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diferentes esferas da sociedade. Basta observar, por exemplo, que nas políticas de estado vê-

se uma despreocupação em valorizar esses povos, suas crenças, linguagens e culturas. Isso

tem afastado, por um lado, os povos da floresta de alguns valores relacionados à região e, por

outro, tem dificultado que os inúmeros migrantes, vindos de fora, de todas as gerações, se

encontrem e firmem novas raízes dentro de uma cultura rondoniense amazônica. Ao contrário,

as políticas implementadas contribuem para aumentar o número de sujeitos que vivem em

situação de desterritorialização, ou seja, de exilados de seu território ou de sua cultura

conforme destaca Edward Said (2003).

Sendo um dos componentes dessa política, a educação oficial praticada atualmente, na

maior parte das vezes pouco tem feito para afirmar em suas práticas os conhecimentos

oriundos dessas culturas. Via de regra, as instituições educacionais, a começar pela educação

infantil e estendendo-se ao ensino superior, desvalorizam, e por vezes negam-se a abordar os

conhecimentos e valores culturais pertencentes aos grupos locais. A conseqüência primeira

dessa atitude é a negação do próprio aspecto multicultural do espaço em que tais culturas

estão inseridas, seja o espaço rondoniense analisado neste capítulo, seja qualquer outro espaço

que por sua diversidade pode ser considerado multicultural.

Nesse sentido, o aspecto multicultural do estado de Rondônia e também de outros que

pertencem à chamada Amazônia ocidental nos coloca, como adianta Candau, (2008, p. 17)

―diante da nossa própria formação histórica, da pergunta sobre como nos construímos

socioculturalmente, o que negamos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos

na cultura hegemônica‖. Para os professores e professoras essa pergunta torna-se ainda mais

essencial já que eles/as podem contribuir para o (re) surgimento dessas culturas dentro do

espaço escolar.

Diante dessa problemática é interessante notar, como historicamente as formações de

professores/as, no Estado, têm participado disso, têm influenciado nessa dinâmica ou se

deixado influenciar por ela. A seguir, destacarei brevemente algumas questões referentes à

Universidade Federal de Rondônia nesse processo.

3.2 - A Universidade Federal de Rondônia e os desafios locais na formação de

professores/as

Ao discutir sobre o papel das Universidades no que diz respeito à educação

multicultural, é imperativo que se reflita sobre o desenvolvimento dos cursos de Pedagogia no

país tendo em vista ser praticamente impossível não olhar para o currículo e a prática

pedagógica que são produzidas neste espaço específico. Como salientam Moreira e Silva

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(2001, p. 128) ―não é exagero afirmar que os programas de formação de professores são

concebidos para criar intelectuais que operam a serviço dos interesses do Estado, e cuja

função social é primordialmente manter e legitimar o status quo”. Nessa perspectiva, a

problemática do multiculturalismo ganha uma importância maior ainda, ao promover o

questionamento destas práticas.

Por outro lado, é difícil pensar a questão multicultural dentro da formação de

professores/as sem que se faça uma análise das principais tendências e dos principais

problemas pelos quais têm passado os cursos de ensino superior no Brasil. Tal análise exigiria

uma retomada rigorosa da história da educação superior no Brasil. No entanto, algumas

questões podem ser mais interessantes neste momento por terem influenciado, sobremaneira,

o modo como pensamos e fazemos educação superior em nosso país e em nossa região. Sendo

assim, retomarei alguns destes aspectos que julgo importantes.

Uma primeira discussão nos leva ao início da educação superior no Brasil, momento

em que ainda éramos uma colônia dependente do império português. Segundo Carlos Bauer e

José Rubens Lima Jardilino (2005), as experiências universitárias no Brasil foram tardias e o

ensino superior era praticamente nulo no país, sendo que os filhos dos senhores iam

principalmente para Portugal e outros países da Europa para obterem o grau superior,

principalmente em Medicina e Engenharia. Estes, após concluírem, retornavam ao país com

uma formação estritamente européia.

Ao retornarem, estes profissionais recém formados aplicavam o que haviam

aprendido a partir de um modelo totalmente alheio às necessidades do país, de modo que

nosso processo de formação superior já nasce com um caráter colonialista, que, de certa

forma, produziu efeitos negativos na educação. Dessa forma, aliado ao fato de que, ―na

sociedade brasileira, a educação superior sempre se constituiu um patrimônio cultural

inacessível aos mais amplos setores da sociedade‖ (BAUER e JARDILINO, 2005, p. 13),

desde o início, seguiu-se uma tendência em valorizar os conhecimentos que ainda na época

imperial eram considerados legítimos. Assim, tanto as Universidades, como as escolas de

educação básica eram um reflexo do modelo português europeu de educação. Tal educação

tinha, portanto, as marcas e os interesses dos colonizadores sobre a população brasileira.

Conforme apontam Maria Amália de Almeida Cunha e Fábio Adriano Hering,

(...) as escolas foram uma parte endêmica e vital da construção do Império, dos

subúrbios da terra natal aos recônditos mais distantes do Império. Elas eram levadas a ensinar a ordem e a ideologia do Império em quase todos os turnos, das aulas de

geometria euclidiana até os sarcasmos nos pátios escolares (MOREIRA, 2004:09).

Como resultado, pode-se dizer que nós vivemos e aprendemos em um mundo pós-

colonial. Assim, parece inútil agora nos debruçarmos somente sobre o debate que

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busca mapear as ―fronteiras‖, o ―não-lugar‖, identificando que as cidades dos

colonizadores são agora territórios dos ex-colonizados (2008, p.29).

Fruto de padrões externos, as universidades em nosso país originaram-se a partir de

um modelo de ensino importado que não tinha a nossa identidade. Esse modelo muitas vezes

serviu para atender interesses econômicos e tecnológicos de nações estrangeiras, ao mesmo

tempo em que a educação para as minorias era algo pouco discutido pelas instituições. Pode-

se dizer que, durante a criação e evolução das universidades brasileiras, o currículo e o

imperialismo se desenvolveram concomitantemente, exprimindo de um lado o modo de

funcionamento da sociedade colonial da época e mais recentemente os interesses do

capitalismo globalizante.

Para a região Norte, esse modelo teve conseqüências ainda mais negativas,

concorrendo para o atraso da construção de uma universidade com identidade própria, pois,

além de exportar um currículo que nada tinha a ver com as particularidades regionais, as

desigualdades à que foi submetida a região comprometia até mesmo o desenvolvimento desse

currículo. Tal foi a situação da Universidade Federal de Rondônia, que apesar dos seus vinte e

cinco anos de caminhada passou por uma criação tardia se comparada a outras universidades

da região, e ainda não conseguiu definir e por em prática um projeto próprio. De acordo com

estudo realizado por Luis Alberto Lourenço de Matos:

A UNIR nasceu dentro do projeto nacional desenvolvimentista do regime militar,

alicerçado nas idéias de desenvolvimento econômico, segurança e integração

nacional, no seu processo de abertura de universidades federais em todas as capitais

do Brasil. Sob forte influência dos Acordos MEC-USAID, do Relatório Meira

Matos e do Grupo de Trabalho para a Reforma Universitária de 1968, os quais

concebiam a educação como elemento indispensável ao desenvolvimento econômico

industrial brasileiro, ou seja, a educação em sintonia com as necessidades do sistema econômico, foi criada a UNIR, sendo um dos seus principais objetivos a formação

de quadro de especialistas para o desenvolvimento da região. (2005, p. 130).

Dentro desses quadros, o curso de Pedagogia foi um dos primeiros a ser criado pela

Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), instituída pela Lei nº 7011, de 8 de

julho de 1982, como instituição de ensino, pesquisa e extensão, com sede administrativa e

foro na cidade de Porto Velho, para atender a demanda de professores/as para atuarem no

sistema educacional. O primeiro curso foi implantado no início de 1983, no recém construído

Campus de Porto Velho, quase que concomitantemente com a criação do Estado.

Entre algumas dificuldades, havia o fato de que tais cursos foram definidos por

técnicos, sem que houvesse uma discussão pautada na necessidade da criação de projetos mais

próximos da realidade local e regional. Além destes, a escassez de recursos e a precária

formação do quadro de professores/as que, na sua maioria, era emprestado das esferas

municipal e estadual, contribuiu para que se fosse adiando a discussão sobre um curso de

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Pedagogia que formasse professores/as comprometidos com as particularidades do nosso

Estado.

Todavia, estes não foram os únicos problemas e desafios encontrados. Seguindo a

política implementada na criação dos primeiros cursos superiores no município de Porto

Velho, o processo de interiorização seguiu estes mesmos moldes e passou por dificuldades

semelhantes. No caso de Rolim de Moura, o primeiro curso de Pedagogia iniciou-se conforme

apontado em seu Projeto Político Pedagógico (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/ROLIM

DE MOURA, 2008) com um currículo utilizado pelo Campus de Porto Velho, e com

professores cedidos pelo Estado. Muito recente tal currículo buscava seguir as exigências das

propostas curriculares adotadas nos cursos de Pedagogia de outras regiões brasileiras.

Dependente em grande parte do que se produz no centro-sul em termos de

conhecimentos teóricos e novas pesquisas no campo educacional, esse quadro vem se

modificando, a passos bem lentos, ao mesmo tempo em que os projetos de exploração do

Estado, quer seja das suas florestas, quer seja de outras riquezas, anda a passos largos como

observado no item anterior. A dificuldade de estabelecer uma autonomia que a defina como

uma universidade amazônica tem, nesse contexto, dificultado que essa universidade se

posicione sobre tais questões podendo intervir de maneira mais enfática nos problemas e

dificuldades que são enfrentadas pela população rondoniense.

No que diz respeito à formação de professores/as, se num primeiro momento isso ficou

a cargo de pessoas com pouca formação acadêmica, em geral cedidas pelos órgãos estaduais e

municipais de educação, a maior parte dos/as profissionais que atua na Universidade Federal

de Rondônia possui apenas vínculo profissional com o local, já que a maioria deles/as é

provenientes de outras unidades da federação brasileira. Assim, pouquíssimos são os que se

preocupam em conhecer melhor essa realidade a fim de potencializá-la nos cursos de

formação e não apenas nesses. Ao contrário, muitos deles/as trouxeram na bagagem as idéias

de formação a que tiveram acesso. É, a partir dessas idéias que os cursos têm sido pensados e

construídos, visto ser a Universidade Federal de Rondônia, uma instituição nova.

Nesse sentido, se por um lado, o processo de colonização de Rondônia tenha se

baseado no modelo de exploração das riquezas e ocupação desorganizada, trazendo um

grande fluxo de migrantes tendo em vista uma política favorável ao desenvolvimento do

centro sul, por outro lado, a criação das instituições educacionais seguiu esse mesmo modelo

de desenvolvimento, ou seja, um modelo de educação superior com bases

ocidentais/européias do conhecimento.

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Somam-se a isso os atuais problemas enfrentados pelas universidades brasileiras que

também nos atingem. Um dos problemas que merece destaque de nossa parte são as novas

políticas estatais que, inseridas num projeto que concebe a educação como uma mercadoria e

não mais como um bem público, entendem as universidades como uma organização com

interesses específicos. De acordo com Marilena Chauí (2003), a reforma implementada pelo

Estado nos últimos anos definiu a universidade como uma organização social e não mais

como uma instituição social. Entre as conseqüências dessa nova definição, a instituição

desloca sua atenção das discussões sobre a própria concepção e construção de novos

conhecimentos para assimilar, como uma de suas preocupações principais, as questões de

gerência e administração. Assim, a Universidade:

Por ser uma administração, é regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão,

controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua

função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição

social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe. (CHAUI, 2003, p. 6).

Relacionadas ao que vem sendo discutido pelos autores/as nacionais sobre uma

proposta de formação multicultural, essas discussões de Chauí sobre a Universidade brasileira

se tornam bastante preocupantes. É no mínimo contraditório o papel assumido pelas

universidades de acordo com a autora, ou seja, uma universidade que forma para o mercado

ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais necessária uma formação que privilegie as

minorias. Desse modo, a exigência quanto à formação que deve ser um dos objetivos

primeiros das instituições de ensino superior e que requer um currículo claro quanto às suas

opções, bem como um conjunto de professores/as capazes de trabalhar coletivamente, é

substituída aos poucos por projetos competitivos. Conforme a autora:

Reduzida a uma organização, a universidade abandona a formação e a pesquisa para lançar-se na fragmentação competitiva. Mas por que ela o faz? Porque está

privatizada e a maior parte de suas pesquisas é determinada pelas exigências de

mercado, impostas pelos financiadores. Isso significa que a universidade pública

produz um conhecimento destinado à apropriação privada. Essa apropriação, aliás,

é inseparável da mudança profunda sofrida pelas ciências em sua relação com a

prática. (CHAUI, 2003, p. 8).

Novamente vê-se uma universidade que alijada pelas políticas públicas e interesses do

capital estrangeiro não consegue fazer com que seus profissionais, sejam eles formadores/as

de professores/as ou não, produzam conhecimentos que estejam de acordo com os marcos

culturais de onde ela nasce.

Pautada em todas estas questões discutidas anteriormente, buscarei responder a seguir,

na análise dos dados, como a Universidade tem pensado a educação multicultural e como isso

se reflete na formação dos/as professores/as do curso de Pedagogia. Será que a formação que

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os/as acadêmicos têm recebido atualmente tem os/as ajudado a levar em consideração no

processo educativo essa diversidade do nosso Estado e a questionarem, ao mesmo tempo, a

marginalização à que são submetidas certas culturas? Estas serão, então, à luz dos dados

levantados no Campus de Rolim de Moura e de Porto Velho, alguns dos tópicos discutidos no

próximo capítulo.

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4 - FORMAÇÃO INICIAL E ORIENTAÇÃO MULTICULTURAL NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

―O que significa exatamente formação? Antes de mais nada, como a própria palavra

indica, uma relação com o tempo: é introduzir alguém ao passado de sua cultura, …]

é despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do instituído ao instituinte‖.

Marilena Chauí, 2003..

Para a análise dos dados buscarei discutir as informações provenientes dos três

instrumentos utilizados durante a coleta de dados, ou seja: a análise documental, observando

como a questão sobre educação multicultural aparece nos documentos que orientam o curso

de Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia; as entrevistas realizadas com os/as

professores/as e por fim, as informações referentes à opinião dos/as acadêmicos/as levantadas

durante os encontros de grupo focal.

As três fontes de informação serão analisadas à luz das características de uma

formação, multiculturalmente orientada conforme as sugestões de Moreira e Candau (2003).

Segundo os autores, algumas pistas podem ser definidas quando o que se busca é uma

formação pedagógica multicultural. Entre as quais posso destacar:

Partir de uma visão ampla da problemática, em que se analisem os desafios que uma

sociedade globalizada, excludente e multicultural propõe hoje para a educação;

Favorecer uma reflexão de cada educador/a sobre a sua própria identidade cultural:

como é capaz de descrevê-la, como tem sido construída, que referentes têm sido

privilegiados e por meio de que caminhos;

Aprofundar a temática da formação cultural brasileira, questionando os lugares

comuns, as leituras hegemônicas da nossa cultura e de suas características, assim

como das relações entre os diferentes grupos sociais e étnicos;

À medida das possibilidades, trabalhar a interação com diferentes grupos culturais e

étnicos com a intenção de propiciar uma interação reflexiva, que incorpore uma

sensibilidade antropológica e estimule a entrada no mundo do "outro".

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Assumir na prática estas orientações implica que elas sejam definidas de forma

prioritária no currículo que norteia essa formação. Assim, minha primeira tarefa nessa análise

será fornecer um panorama sobre o contexto curricular do curso de Pedagogia dos dois campi

investigados. Utilizarei para tanto, as informações provenientes de duas fontes documentais.

A primeira delas refere-se aos projetos políticos pedagógicos do curso e a segunda às ementas

que acompanham o projeto, especialmente aquelas referentes às disciplinas privilegiadas neste

estudo.

Uma vez que esses dados não são suficientes para afirmar ou negar a presença de uma

preocupação multicultural durante a formação, os instrumentos seguintes serão utilizados a

fim de reafirmar o que dizem os documentos, ou comparar as diferentes versões. Isso quer

dizer que estarei observando até que ponto as opiniões dos/as professores/as entrevistados/as e

dos/as alunos/as que participaram dos grupos focais são coerentes com a proposta curricular

em sua versão escrita.

Para desenvolver a análise, estruturei o capítulo em quatro partes: a primeira delineia o

olhar sobre os documentos que norteiam o funcionamento do curso de Pedagogia nos dois

Campi, a saber, o projeto político pedagógico e as ementas de algumas disciplinas que têm

relação com a questão multicultural. A seguir, procedo à análise dos dados levantados nas

entrevistas com os/as professores/as, discutindo a opinião docente a respeito da preocupação

com o multiculturalismo dentro do curso, vislumbrando os avanços, tensões e desafios que a

questão encerra dentro do cenário universitário. Na terceira, aponto a versão dos/as

acadêmicos/as participantes dos grupos focais sobre o mesmo tema. Concluo destacando

algumas reflexões específicas sobre a questão da linguagem no decorrer da formação

utilizando dados das entrevistas e grupos focais ao mesmo tempo.

4.1 - Formação multicultural na UNIR: o que diz o currículo do curso de Pedagogia?

Os atuais estudos sobre as relações entre multiculturalismo e o desenvolvimento de

uma prática pedagógica multiculturalmente orientada enfatizam que pensar a formação do/a

professor/a, implica necessariamente, pensar o currículo em que tal formação se realiza,

refletir sobre quais conhecimentos se busca valorizar no interior das propostas curriculares e,

ainda, questionar a forma como tais propostas são construídas. (MOREIRA, 2001b).

Entendido como o conjunto de experiências e de conhecimentos (SILVA, 1996) que a

universidade oferece aos/as acadêmicos/as, entende-se que as preocupações que são

manifestadas no currículo se tornam a matéria prima das vivências pedagógicas que ocorrem

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durante a formação, sejam elas dentro do espaço institucional da academia, mais propriamente

na sala de aula, seja também em outros espaços relacionados.

Levando-se também em consideração, ser o currículo um importante instrumento do

qual a maioria dos/as profissionais se vale para pensar a sua prática, é importante considerar

em que medida essa preocupação com uma orientação multicultural de educação se faz

presente no conjunto de diretrizes que somadas, contribuem para orientar o que fazer e o

como fazer em termos de formação teórico-pedagógica dentro da universidade.

Com relação à Universidade Federal de Rondônia, atualmente as principais diretrizes

que conduzem o currículo dos cursos de Pedagogia são regidas pelo Projeto Político

pedagógico, sendo este, o principal documento norteador dos princípios do curso. Essa

realidade é vivida por todos os campi do interior e também pelo campus da capital. Além de

definirem que tipo de professor/a se pretende formar, quais os principais objetivos da

formação entre outras questões, os projetos trazem ainda, quais disciplinas serão oferecidas

durante o curso. Em geral, cada campus possui autonomia própria para definir quais serão

estas disciplinas, contudo, pude verificar que não são muitas as diferenças entre um campus e

outro. No caso de Rolim de Moura e Porto Velho, por exemplo, enquanto no primeiro havia

no período da coleta de dados uma disciplina chamada Antropologia da Educação, no

segundo, a mesma disciplina não era oferecida. Do mesmo modo, o campus de Porto Velho

disponibilizava uma disciplina chamada Oralidade e Escrita, não ofertada no campus de

Rolim de Moura. Em relação às outras disciplinas, cujos/as professores/as foram

entrevistados/as, todas eram oferecidas nas duas realidades (Análise Lingüística, Teoria e

prática em Alfabetização e Teoria e Prática em Educação dos povos da Floresta).

Nos últimos anos, os dois campi têm se dedicado à revisão e reformulação do projeto.

Várias discussões têm sido promovidas nestas localidades e se fazem perceber nas novas

propostas curriculares que, embora não estejam ainda oficialmente aprovadas, constituem

uma realidade para boa parte dos/as profissionais. Essa reformulação busca, nos dois casos,

levar em conta as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Pedagogia, instituídas pela Resolução CNE/CP N.º1, DE 15 DE MAIO DE 2006 (MEC,

2006). Tais diretrizes enfatizam quais competências devem ser priorizadas durante a

formação, além de regulamentar sobre a realização do estágio supervisionado.

Portanto, para a análise desses documentos, considerei os projetos em construção,

pois, ainda que não estivessem institucionalmente aprovados, já influenciavam no curso em

determinados aspectos. Além disso, tais projetos trazem em seu interior uma análise dos

projetos anteriores. Situarei tal análise em dois contextos distintos, porém complementares; o

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primeiro deles refere-se ao projeto do curso como um todo e o segundo às ementas das

disciplinas cujos/as professores/as foram entrevistados/as. No projeto do curso foram

observadas as habilitações, os princípios condutores da prática pedagógica, os objetivos

esperados com a formação e as habilidades a serem construídas pelos/as futuros/as

professores/as. Busquei observar se em algum momento categorias como identidade, cultura e

sociedade, relações de poder e formação crítica do/a professor/a eram mencionadas no

projeto. O critério para a escolha desses elementos deveu-se ao fato de que todas são

expressões que, segundo Ana Canen, Ana Paula Arbache e Monique Franco (2000), estão

relacionadas ao multiculturalismo e a suas categorias. Nas ementas, busquei ressaltar estas

mesmas categorias observando de que maneira elas se faziam presentes nos conteúdos

selecionados, nos objetivos das disciplinas e ainda nos teóricos a que se dava prioridade nas

referências bibliográficas. Iniciarei falando sobre o projeto do curso e depois partirei para a

análise das ementas.

Com relação às habilitações oferecidas, no campus de Porto Velho a habilitação está

voltada para a Educação Infantil, Séries Iniciais do Ensino Fundamental e Gestão em Espaços

Escolares e Não-Escolares. A habilitação em Gestão é uma realidade mesmo na proposta

atual, sendo considerada uma das conquistas do campus como se descreve na reconstituição

histórica do curso.

Em 1998, nova proposta do curso entra em vigor oferecendo a habilitação em

Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Coordenada por uma

atividade de trabalho em comissão, e sem a participação da comunidade acadêmica, em 1999 essa proposta é aprovada, constituindo-se num duro golpe para o Curso,

uma vez que o haviam reduzido a um Magistério Superior. A comunidade volta

então a fazer pressão pela volta agora não mais da Supervisão Escolar, mas para uma

habilitação que recompusesse a função técnica do trabalho do Pedagogo, a Gestão

Escolar. O que enfim se alcança em meados de 2001. (DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO/PORTO VELHO, 2008, p. 08).

No campus de Rolim de Moura, a proposta a ser aprovada também prevê a habilitação

em gestão, sendo definida como Pedagogia para Docência em Educação Infantil, Anos

Iniciais do Ensino Fundamental e Formação em Gestão Educacional. (DEPARTAMENTO

DE EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008). Contudo, o/a pedagogo/a que se forma no

Campus, atualmente, conclui o curso habilitado/a para atuar na Educação Infantil e nas Séries

Inicias do Ensino Fundamental apenas.

O projeto do campus de Rolim de Moura traz logo na introdução uma farta menção

aos aspectos relacionados à formação de um/a pedagogo/a crítico/a, bem como sobre as

relações entre educação, cultura e sociedade. Ao analisar a proposta curricular em vigor no

projeto anterior o documento expressa que:

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Nosso currículo atual silenciou muitas das discussões presentes hoje no campo de

um currículo que respeite a diversidade cultural. Nessa perspectiva, sentimos que as

discussões sobre as questões étnicas, sexuais, de gênero, dos movimentos sociais

estavam pouco presentes no corpo de conhecimentos expressos nos conteúdos desse

currículo, de forma que, os saberes escolares que estamos construindo no cotidiano

de nossas práticas pedagógicas ainda não expressam os diversos saberes que se

entrecruzam no contexto escolar e da sociedade amazônica. (DEPARTAMENTO

DE EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008, p. 07).

Buscando otimizar estas questões, ao reconhecer o fato de que elas ainda não estão

presentes na atual formação, embora entrecruzem constantemente os cenários educativos os/as

profissionais do campus que participaram da construção dessa nova proposta, juntamente com

os/as acadêmicos/as definem como uma das preocupações centrais construir um curso que:

[…] possibilite o atendimento à diversidade, que seja capaz de articular o global e o

local; […] permita o desenvolvimento da criticidade dos futuros pedagogos/as para defender a educação pública e gratuita e sua qualidade, a democratização do ensino

e da escola, autonomia do Estado na formulação e implantação de políticas públicas

forjadas nas experiências e necessidades do povo brasileiro, entre outras questões

que fomentam o debate acerca dos problemas educacionais em nosso país. (ibid., p.

08)

Parece, ao analisar o trecho citado do projeto, que a preocupação com uma formação

que leve em conta a ―realidade sócio-econômica e cultural da sociedade brasileira, cada vez

mais complexa e desigual‖ (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/ ROLIM DE MOURA,

2008, p. 08) é, desse modo, uma das questões que deve permear a nova proposta curricular e

conseqüentemente a formação. Entretanto, o próprio documento busca prevenir que tal

concepção não é partilhada por todos/as os/as envolvidos/as nessa construção; ao contrário,

ela somente poderá ser aplicada de maneira efetiva mediante novas discussões e negociações,

tendo em vista ser o próprio currículo um campo em que se configuram posições conflitantes,

como destaca o próprio documento.

Essa primeira advertência remete-me às condições criadas para a efetivação da

proposta, principalmente porque uma inovação não se faz no vazio, mas se dá a partir de uma

ampla discussão e abertura ao tema. Por outro lado, colocar em prática essas possibilidades

implica ter à disposição dos/as acadêmicos/as um quadro de profissionais que tenham a

compreensão dessa diversidade e que sejam eles mesmos criticamente engajados, já que,

conforme sustenta McLaren (2000) a própria política de educação superior nem sempre

condiz com tais preocupações.

Entretanto, o discurso teórico apresentado na parte introdutória do documento é

bastante otimista expressando, inclusive, um crescimento do Campus no que diz respeito ao

próprio entendimento do currículo. Sem ser um material neutro, a proposta curricular torna-se

um novo elemento no qual se expressa em termos políticos, sociais e pedagógicos, que

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profissional se pretende formar. De acordo com Moreira e Silva (2005), por muito tempo se

acreditou (o que ainda não deixa de acontecer) ser o currículo apenas um documento que

delimitasse o que e como fazer no campo educacional. Isso justificava a presença de listas de

conteúdos e metodologias sem que se levassem em conta os aspectos sociais, políticos e

econômicos do entorno e da sociedade nas quais as escolas estavam inseridas. Entretanto, o

próprio avanço das questões sobre multiculturalismo e desenvolvimento de uma pedagogia

crítica tem permitido a superação desse conceito tradicional. Conforme os autores:

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do

conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo

transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades

individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e

atemporal — ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de

organização da sociedade e da educação. (MOREIRA e SILVA, 2005, p. 8).

Com vistas a estabelecer estratégias que permitam a concretização dessa nova forma

de organização, o curso de Pedagogia de Rolim de Moura decide-se por estabelecer em seu

projeto alguns princípios norteadores da formação, assim definidos: 1) Concepção dialética de

educação; 2) união teoria e prática; 3) defesa da educação pública com atendimento prioritário

às classes populares; 4) democratização das relações entre docentes, discentes, funcionários e

comunidade; 5) o trabalho como princípio educativo e; 6) a cultura como matriz pedagógica.

Em todos eles, uma das questões destacadas com bastante ênfase está voltada para as

relações de poder que ocorrem no interior das classes sociais. De um modo geral, o currículo

proposto manifesta a preocupação com uma formação pedagógica capaz de questionar formas

de imposição que ocorrem no seio da sociedade, seja em relação à classe dominante sobre

classes oprimidas, seja a imposição a padrões econômicos e culturais de um grupo sobre o

outro dentro de uma mesma sociedade. Em vários momentos, discute-se a necessidade de

formar um/a educador/a que possa perceber que a educação está localizada dentro de uma

realidade global chamada capitalismo e que por isso deve questionar a mercantilização das

relações sociais e educacionais. Um exemplo dessa preocupação está presente nas orientações

do quarto princípio referente à democratização entre os diferentes sujeitos que fazem parte

dessa formação, no qual se percebe um esforço em enfatizar a necessidade de rompimento

com a individualidade, competitividade e outras condições impostas pela dinâmica atual.

O documento enfatiza também que essas condições estão presentes, ainda que de

formas camufladas, nos espaços educativos e, principalmente, nas políticas educacionais.

Reflete como a formação de professores/as tem sido influenciada por tais políticas, gerando

professores/as despolitizados/as, a serviço dos interesses do Estado, com poucas condições de

questionar como tais condições de dominação e de poder se processam também na educação.

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A própria instituição se desafia a pensar uma formação cujos/as professores/as sejam

desafiados/as a se tornarem, mais do que profissionais com competências técnicas, pessoas

que se sintam responsáveis por ajudar a romper ou a manter o status quo. De acordo com o

projeto do Campus de Rolim de Moura:

Nas últimas décadas mudanças profundas ocorreram no contexto social e

educacional brasileiro. As políticas educacionais desse período fazem parte do

conjunto de mudanças decorrentes da reforma do Estado orientada pelo capital

monopolista internacional. As políticas educacionais converteram os sistemas de

ensino em campo privilegiado para o desenvolvimento do empresariamento da

educação, disseminada como meio de ascensão social, como veículo de definição de

papéis e hierarquias sociais, como indústria cultural e difusora dos valores

vinculados à perspectiva de consumo. A reforma dos sistemas de ensino destina-se a

―despolitizar‖ as atividades dos professores e alunos e ao mesmo tempo, procura

tornar o ensino mais ajustado às exigências do sistema econômico, comandado pelo capital monopolista (IANNI, 1991, p. 23). Professores e alunos, desarticulados e

despolitizados permitem que ―novas técnicas‖ de ensino, vinculados aos interesses

econômicos privatistas, sobreponham-se aos reais interesses da maioria da

população. (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008, p.

12).

Levando-se em consideração essa problemática atual, uma das expectativas do curso,

de acordo com o que está expresso no documento, é a formação ampla do/a pedagogo/a,

considerando diferentes aspectos e não apenas as questões técnicas. Por sua vez, todos esses

aspectos ao serem interligados durante o curso devem levar em conta ―os anseios e

necessidades concretas da sociedade‖ (ibid., p. 22). O documento diz ainda, que essa é uma

tarefa do ensino, da pesquisa e da extensão, concomitantemente.

Dentro do conceito de multiculturalismo, esta visão de que não basta formar para a

competência técnica apenas é de fundamental importância, uma vez que somente a partir

dessa compreensão é que se poderá forjar a formação de professores/as transformadores/as

como defende Giroux (1997). Para este autor, questionar as relações de poder, de gênero, de

desigualdades, etc. presentes na sociedade atual - muitas delas pertinentes à discussão sobre

multiculturalismo - requer um raciocínio crítico que só pode ser alcançado dando aos

intelectuais professores e professoras oportunidades de reflexão sobre o viés político e

cultural da educação, além do pedagógico.

Por outro lado, questionar a formação técnica sugere repensar o próprio papel da

universidade, uma vez que a própria formação tem se constituído num ―conjunto de práticas

institucionais que raramente resulta na radicalização dos professores‖ e que as Universidades

têm se definido ―a si mesmas como instituições de serviços […] autorizadas pelo estado a

fornecerem conhecimento técnico e administrativo necessários‖ (GIROUX, 1997, p. 198).

Avançando um pouco mais, o projeto traz a questão da cultura como matriz

pedagógica como um dos princípios que mais enfatiza a questão das diferenças e da

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diversidade cultural. Ao relacionar este princípio com a formação do/a professor/a, o projeto

parte da idéia de que uma boa formação deve ajudar os pedagogos/as que estão se formando a

perceberem os aspectos culturais mais próximos da sua realidade educacional. Fica claro,

entretanto, que este conhecimento deve ter como fim primeiro a articulação entre o que se faz

na escola ou na sala de aula com os conteúdos vivenciados pelos/as estudantes em outros

espaços. Em outras palavras, o projeto destaca a importância da articulação entre os conteúdos

escolares com as situações significativas na vida dos estudantes. Segundo o próprio projeto:

[…] acreditamos ser tarefa do curso de pedagogia possibilitar aos futuros pedagogos

e pedagogas desenvolver a capacidade de observar e de refletir sobre a diversidade

presente na sua realidade mais próxima; professores e professoras que saibam

utilizar os saberes, as experiências dos alunos/as e de suas famílias para nortear suas

práticas e que ao mesmo tempo busquem os conteúdos da realidade da comunidade a

que pertencem os seus educandos e educandas (DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008, p.27).

Neste item, não é feita nenhuma menção à regionalidade como sendo uma possível

realidade a ser trazida para o contexto escolar. Assim, o projeto nesta parte é bastante

genérico podendo referir-se a qualquer contexto cultural. Outra questão que pode ser

observada é que em vários momentos, cultura e relações de poder são tratadas em separado.

Isso, de alguma forma, pode ser traduzido como o indício de uma concepção não crítica de

multiculturalismo, o que é possível de realmente ocorrer quando se visa a ―reformulação‖ da

proposta, sem fazer uma análise dos aspectos que a restringe. Moreira é um dos autores que

questiona essa separação entre cultura e relações de poder, enfatizando que essa separação se

enquadra em concepções multiculturais que:

[…] não problematizam as relações desiguais de poder ou os mecanismos

discriminatórios que inferiorizam identidades culturais específicas. O multiculturalismo é tratado, então, de forma exótica, folclórica, limitando-se a

promoção de praticas de reconhecimento de padrões culturais diversificados, com

seus ritos, costumes, culinária etc. a idéia é que a sensibilidade a pluralidade cultural

abrange o conhecimento e a aceitação da diversidade, sem que se faça necessário

trazer a tona os mecanismos pelos quais se estabelecem as diferenças, as

discriminações e as exclusões. 27

Todavia, essa observação não vale para todo o projeto. Em vários aspectos, foi

possível perceber intrinsecamente, que as concepções do grupo que participou da discussão do

projeto, ao fazer a defesa destes princípios, mantém uma estreita relação com uma pedagogia

multiculturalmente orientada, embora não seja possível, a partir apenas da leitura do

documento reconhecer a presença deles na formação vivenciada. Uma das recomendações que

emerge deste princípio especificamente reporta-se à necessidade dos/as futuros/as

professores/as indagarem criticamente as atuais práticas pedagógicas que não desafiam a

―refletir e investigar sobre as questões relacionadas com a vida e a cultura dos grupos mais

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próximos do contexto local a que pertencem, oferecendo elementos com os quais as diversas

culturas em sala de aula possam se identificar‖ (DEPARTAMENTO DE

EDUCAÇÃO/ROLIM DE MOURA, 2008, p. 27).

À medida que olhava para o documento como um todo, fui percebendo que a sua

construção buscou articular as orientações referentes à cultura como matriz pedagógica e

outros princípios. Ao analisar os objetivos, por exemplo, observei que se mantiveram

coerentes com os princípios definidos. Além disso, o projeto procurou integrar todos esses

princípios nas dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão, o que de antemão nos dá uma

idéia de que a educação do/a professor/a é pensada como algo que é muito mais do que ensino

como defendia o teórico russo Moisey Mikhaylovich Pistrak (2003). Entre os objetivos do

curso, destaco alguns que se aproximam dessa idéia de formação multicultural, conforme

citados no projeto do Campus de Rolim de Moura (2008, p. 30):

Formar educadoras e educadores em suas dimensões política, epistemológica e

estética para atuarem em ambientes escolares e não escolares como quadros

políticos capazes de compreender a realidade histórica e de intervir nela,

respeitando a diversidade cultural de nosso povo;

Desenvolver a consciência de que o trabalho, a cultura, o Movimento Social e a

experiência social são matrizes que educam e para educar é necessário respeitar

os saberes e a cultura dos sujeitos envolvidos;

Formar sujeitos capazes de compreender e respeitar as diferenças individuais,

culturais e educacionais, estabelecendo novas relações de gênero, raça e de outras minorias excluídas e discriminadas.

Estes são, no entender da equipe, objetivos que possibilitarão que durante a formação

os/as acadêmicos/as possam tecer aproximações entre a pedagogia e os contextos locais, entre

a educação e sua relação com o que ocorre no seio da sociedade, entre a prática pedagógica e

os conflitos inerentes à uma pedagogia que busca a emancipação das minorias, etc.

Analisando estes objetivos, juntamente com as orientações do projeto e as habilidades

que se busca na formação, pode-se admitir que enquanto currículo, considerado estritamente,

no caso de Rolim de Moura o projeto político pedagógico, em questão, representa, sim, uma

preocupação com a educação multicultural, porque através dele os sujeitos envolvidos na sua

elaboração interrogam a cultura pedagógica dominante e, afirmam publicamente acreditar

numa pedagogia de orientação emancipatória, defendendo-a como ideal de formação para

os/as futuros/as pedagogos/as. Contudo, voltando ao objetivo inicial, de verificar como essa

preocupação está presente no currículo que norteia a formação do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Rondônia, falta ainda, responder se esta preocupação é comum a

vários campi, ou se ao contrário, é específica do campus de Rolim de Moura. Falta

igualmente, considerar se esta mesma preocupação está perceptível na prática universitária,

tanto do ponto de vista docente quanto acadêmico.

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Para visualizar o primeiro questionamento, recorri à análise do projeto do Campus de

Porto Velho, pois o mesmo poderia trazer evidências de uma aproximação ou mesmo de um

distanciamento com a questão manifestada no caso de Rolim de Moura. Observando o projeto

pedagógico desse campus e as relações que estabelece com a orientação multicultural, quais

seriam inicialmente suas principais preocupações?

Primeiramente, a concepção de qual seja o papel da proposta curricular não parece

diferir muito, tendo em vista que o currículo é tomado como um campo de conflitos, que

reflete interesses que podem favorecer a determinados grupos. Assim, os/as responsáveis pelo

curso de Pedagogia no Campus de Porto Velho entendem, a partir do projeto pedagógico, que:

O currículo é uma invenção social que reflete escolhas sociais conscientes e inconscientes, representa valores e crenças dos grupos dominantes na sociedade. Por

isso é explicável que nos momentos de configurar de forma diferente o sistema

educativo se pensem também em novas formas de estruturar o currículo.

(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/PORTO VELHO, 2008, p.13).

Do mesmo modo, o projeto preocupa-se com a formação de um professor crítico e

reflexivo, que não tenha apenas o domínio dos conhecimentos técnicos, mas que saiba

articular outros conhecimentos e habilidades. Neste sentido, aparece no projeto uma crítica ao

atual modelo de formação estabelecido no país, calcado apenas na competência metodológica

do/a profissional em educação.

O destaque atribuído às competências, pelas diretrizes, como núcleo de formação

docente poderá levar a redução da atividade docente a um desempenho técnico,

podendo, como nos alerta Pimenta e Lima (2004, p.85), sugerir ―um

escamoteamento da concepção tecnicista, característica dos anos 70 do século

passado, que trata o professor como reprodutor de conhecimentos‖ cuja formação

consistiria ―no domínio das áreas para ensinar e das habilidades pedagógicas para

conduzir o ensino, pautado por uma didática instrumental‖. (idem, p. 85).

(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/PORTO VELHO, 2008, p.18).

Ao contrário do que expressam as diretrizes nesse aspecto especificamente, o

Departamento de Educação reconhece no seu projeto pedagógico ser essencial para a

compreensão do processo educativo como um todo ―formar profissionais da educação capazes

de analisar e interpretar as infindáveis questões e problemas que a realidade apresenta de

forma, interdisciplinar, autônoma e indissociável teoria e prática‖. (ibid., p. 18) Esse é, na

opinião dos responsáveis pelo documento, um desafio a ser superado, uma vez que representa

uma base contraditória em relação ao sistema capitalista atual. Isso evidencia uma

preocupação em formar levando-se em consideração outras dimensões do processo educativo,

como a dimensão política e cultural, por exemplo, a partir de uma perspectiva crítica do ato

educativo.

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As questões relativas à leitura crítica da sociedade são estabelecidas com vistas à

formação de um/a profissional que possa atuar levando-se em conta a dinâmica escolar.

Assim, enquanto na parte introdutória do projeto do campus de Rolim de Moura, a ênfase está

na percepção dos antagonismos sociais, no campus de Porto Velho isso também ocorre,

porém, o destaque maior é para a formação de uma nova identidade do curso de Pedagogia

que tenha como meta:

[…] a docência como base comum de formação de todo educador e a teoria e a

prática como unidade indissociável na formação do profissional para a educação

básica. Defende-se para a formação do profissional da educação, que ele tenha

domínio do conteúdo e a compreensão crítica daquilo que ensina e faz; conheça as novas tecnologias e que as utilize de acordo com o projeto político de emancipação

das classes menos privilegiadas. Espera-se que sua formação contribua para o

trabalho coletivo e interdisciplinar na escola; e tenha a compreensão das relações

entre a escola e a sociedade. (ibid, p. 03).

Com relação aos princípios, definidos como eixos pelo campus, a ênfase está na

―Historicidade e Historiografia, na Pesquisa, como princípio epistemológico e formativo e na

Interdisciplinaridade‖. Em geral, os três eixos se preocupam com a formação de

educadores/as ativos/as que reconheçam que a educação está em transformação, que sejam

pesquisadores de sua própria prática e se tornem capazes de articular de forma dialética teoria

e prática. (DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/PORTO VELHO, 2008, p. 16). No entanto,

na descrição de cada um deles pouca ênfase é dada à questão multicultural. Isso aparece de

forma mais enfática na descrição dos objetivos do curso e na organização da proposta

curricular.

Os objetivos são definidos em termos de competências e habilidades. Dessa forma,

após definir os eixos, o projeto aponta para um conjunto de ―conhecimentos, competências,

habilidades e atitudes‖ que buscam qualificar o graduando para:

Atuar com ética e compromisso com vistas à transformação social

emancipadora e progressiva;

Compreender o ser humano, a sociedade e a natureza na sua historicidade;

Apreender a dinâmica sociocultural e as questões educacionais com postura

crítica, investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas,

com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras;

Incorporar as ações pedagógicas à diversidade cultural, étnica, sexual e religiosa

do povo brasileiro;

Realizar pesquisas sobre processos de ensinar e de aprender em diferentes

contextos socioambientais;

Promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações

filosóficas, políticas e religiosas próprias de cada cultura;

Atuar nas escolas de remanescentes de quilombos, do campo e indígena;

(DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO/ PORTO VELHO, 2008, p. 19).

Percebe-se, que uma boa parte dos objetivos traz implícita a preocupação com a

diversidade, seja cultural, social, política, religiosa, sexual, etc. Essa preocupação vai desde o

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conhecimento dessa diversidade, preferencialmente por meio do diálogo até a sua

incorporação na prática pedagógica, ou seja, nas ações educativas que ocorrem dentro da

escola, principalmente no ambiente da sala de aula. Isso leva a crer que, embora o aporte

teórico e os eixos orientadores do curso não façam uma menção explícita ao tema da

multiculturalidade, nos objetivos essa preocupação está de certo modo perceptível, ao

mencionar questões como ―superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas,

culturais, religiosas, políticas‖, ―diversidade cultural‖, entre outras.

O projeto ainda define que a realidade sociocultural da sociedade brasileira e do

contexto local, bem como o tema referente às exclusões são conhecimentos a serem

trabalhados pelo conjunto de disciplinas. No que diz respeito a favorecer um olhar sobre

grupos locais, entende que para qualificar o/a pedagogo/a para atuar em escolas quilombolas,

indígenas e do campo, torna-se necessário durante a formação privilegiar o contato com essa

realidade cultural, propiciar a reflexão sobre suas especificidades educacionais, o que só

poderá ser adquirido mediante a entrada dos acadêmicos nesse universo, seja a partir da

realização de estudos sistemáticos, da troca de experiências e de situações de interação entre

esses grupos, os/as acadêmicos/as e a universidade.

Um fato que chama a atenção na análise do projeto do Campus de Porto Velho é que,

embora a ênfase esteja na ação pedagógica, foi justamente na definição da organização

científica e administrativa do campus onde encontrei um maior número de elementos que têm

relação com a preocupação com uma orientação multicultural de educação. Foi interessante

notar, que nesta parte do documento, são caracterizadas as pesquisas e grupos de estudos em

educação do campus e que todos eles trabalhavam de alguma forma com o tema, alguns até

citando o conceito de multiculturalismo como uma área privilegiada de estudos, como foi o

caso do Grupo de Estudos PRAXIS, que possui uma linha de pesquisa voltada ao estudo do

Currículo e práticas pedagógicas, cuja finalidade é assim manifestada:

[…] discutir o currículo numa visão histórica-crítica, numa concepção aberta, real,

que atenda à diversidade e às singularidades regionais, abrindo-se aos desafios

apresentados pelo convívio com a diversidade numa região multicultural e de

fronteira, como a amazônica, barrando e evitando preconceitos raciais e culturais;

analisar suas tendências e práticas no âmbito da escola e da universidade. 31

Outro grupo, denominado GEPES (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação

Superior) traz como uma de suas preocupações as repercussões relativas ao ensino superior no

contexto da Amazônia, sendo esta uma das linhas de pesquisa privilegiada pelo grupo. Estes

dois grupos de estudo e pesquisa, bem como os outros citados no projeto pedagógico têm por

finalidade contribuir, ao mesmo tempo, com a pesquisa científica e a melhoria da prática

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pedagógica de modo que, suas atividades estejam ligadas às atividades de formação que

acontecem no âmbito das salas de aula.

A princípio, parece que o Campus de Porto Velho, se comparado com o de Rolim de

Moura, dá menos ênfase as expressões relacionadas com o multiculturalismo em seu projeto,

o que não quer dizer, no entanto, que ocorra uma despreocupação com o tema. Ao verificar as

ementas das disciplinas cujos/as professores/as foram entrevistados, percebi a ocorrência de

certas semelhanças nos conteúdos abordados e nos objetivos esperados.

As ementas da disciplina de Análise Lingüística traziam uma questão central da qual

derivaram as demais, sendo esta a diversidade e a variabilidade lingüística. Ao discutir a

diversidade, por exemplo, as ementas traziam a questão da relação entre a linguagem e a

cultura dos sujeitos. Também eram sugeridos/as autores/as que tratavam de questões

referentes ao preconceito lingüístico, etc. Muitas dessas questões eram abordadas também

pela disciplina de Oralidade e Escrita oferecida pelo Campus de Porto Velho.

Entretanto, é importante destacar que, se por um lado estas disciplinas se

fundamentem em aspectos teóricos que trabalham a diversidade, principalmente a diversidade

lingüística, nos dois casos, tais disciplinas estão sendo retiradas do currículo acadêmico do

curso de Pedagogia. Não há, no corpo dos projetos, uma justificativa para o fato. No caso de

Porto Velho, a disciplina de Lingüística está sendo substituída pela de Sociolingüística. Em

Rolim de Moura, não há menção a uma disciplina que trate destes aspectos especificamente.

Esse talvez seja um aspecto a ser revisto pelo curso.

Na disciplina de Teoria e Prática em Alfabetização, a questão da valorização do

universo cultural das crianças em fase de alfabetização é mencionada na discussão sobre

ambiente alfabetizador, no campus de Rolim de Moura. Em Porto Velho, a abordagem sobre

escrita como construção social também fazia menção à questão do respeito à cultura da

criança. Mas, em geral essa abordagem é bastante simplificada, pois não há espaço dentro da

disciplina que tem uma carga horária de 80 horas para se discutir a fundo o tema. Talvez, a

situação mais crítica neste caso seja a de Porto Velho, uma vez que a alfabetização é abordada

numa única disciplina ao passo que no campus de Rolim de Moura, são dedicadas pelo menos

duas disciplinas para a área.

Ao analisar todas as ementas, uma questão, que parece ser abordada com bem pouca

freqüência, é a realidade amazônica. Isso ocorreu em todas as ementas analisadas. Apenas em

duas apareceu essa preocupação com o local, fazendo inclusive menção à diversidade de

povos que habitam no Estado. Tratava-se das ementas das disciplinas de Teoria e Prática em

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95

Educação dos Povos da Floresta e de Antropologia da Educação, nas quais se destaca a

cultura indígena e a cultura negra como conteúdo abordado.

A referência maior à questão regional pôde ser observada apenas nas ementas da

disciplina de Teoria e da Prática em Educação dos Povos da Floresta dos dois campi,

simultaneamente. Essa preocupação aparece de maneira explicita nos objetivos, sendo que um

deles, na ementa de Rolim de Moura, há a preocupação em ―reconhecer e valorizar a

diversidade étnico-cultural dos povos tradicionais da Amazônia‖. Entre alguns dos temas

abordados estão a cultura e a sociedade no contexto amazônico, multiculturalismo e

globalização da cultura, educação indígena e educação do campo. No caso de Porto Velho, a

ementa enfatiza a relação com o saber nessas comunidades.

Em Rolim de Moura, a preocupação com a questão indígena também apareceu na

ementa da disciplina de Antropologia da Educação. Além desta, a educação negra aparece

como um ponto a ser discutido de maneira privilegiada. No geral, a cultura é a grande matriz

dessa ementa, sendo que o programa traz também a questão do etnocentrismo, um dos temas

bastante atuais nas pesquisas sobre multiculturalismo. Tal disciplina não era oferecida no

campus de Porto Velho.

Em termos gerais, enquanto nos dois campi algumas disciplinas apresentavam em suas

ementas elementos aproximativos com as categorias utilizadas na análise, outras não faziam

qualquer referência a essas questões. O que pude observar é que temas como identidade,

cultura, poder, realidade amazônica, entre outros, apareciam em algumas disciplinas e em

outras não. Contudo, não pareceu haver um critério definidor dessa presença, pois várias

disciplinas que poderiam abordar a questão multicultural não o fizeram, ao passo que outras o

fizeram.

Analisar as ementas das disciplinas e os dois projetos sobre esse prisma não significa

defender que os mesmos estejam inscritos no campo da educação multicultural e da pedagogia

crítica, mesmo que a formação do/a professor/a apareça fortemente associada à uma visão

politizada radical do/a pedagogo/a, principalmente na definição do campus de Rolim de

Moura, no qual assumem lugar de relevo as questões de classe, raça, cultura, gênero e poder.

Só a partir de uma análise mais rigorosa, pautada em outras fontes de informação é que se

pode dizer se o que é narrado no currículo, realmente constitui uma prática dentro da

universidade.

No entanto, à primeira vista, reconheço nos dois projetos elementos de aproximação

com o tema, pois os aportes teóricos, princípios e eixos norteadores nos dois casos se

insurgem, uns mais assertivamente do que outros, contra os ―mitos domesticantes, que servem

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freqüentemente para legitimar relações existentes de poder e privilégio entre grupos

dominantes‖ (MCLAREN e GIROUX, 2000, p. 43) no interior das práticas pedagógicas. Da

mesma forma, as atuais propostas de formação pautadas apenas em conhecimentos técnicos

em detrimento dos conhecimentos políticos e culturais são interrogadas no que diz respeito à

formação de um/a profissional crítico/a, tanto no campus de Porto Velho, como no de Rolim

de Moura; em diferentes graus, as duas realidades enfatizam a natureza ideológica do

conhecimento e procuram ―incluir e colocar no centro do currículo aquelas formas de

conhecimento que constituem as esferas do dia-a-dia e do popular‖ (ibid., p. 44), inclusive as

culturas locais como a indígena, a cultura camponesa, quilombola, seringueira, etc. No que

diz respeito a essa última menção, ficou evidente, no entanto, que o estudo das culturas locais

está restrito àquelas disciplinas que têm como caráter específico estudar os povos da

Amazônia.

A partir dessa análise inicial, o mergulho nos projetos políticos pedagógicos e nas

ementas das disciplinas selecionadas levanta outras questões, intimamente ligadas ao objeto

de análise: o fato de esses documentos utilizarem a palavra multicultural ou empregarem

expressões que subentendam uma aproximação com o tema, por si só, assegura a presença do

multiculturalismo como eixo configurador da formação pedagógica empreendida no curso?

Há preocupações por parte dos/as docentes em trabalhar nas suas disciplinas, de forma

explícita, as categorias do multiculturalismo? Qual a opinião deles/as com relação ao

currículo do curso e sua aproximação com uma idéia de educação multicultural?

Partindo dessas indagações, em se tratando de formação inicial de professores/as,

discutirei a seguir, a partir das informações coletadas nas entrevistas, como os/as

professores/as avaliam esses aspectos mencionados no currículo, os problemas encontrados e

os desafios que se põem para sua efetivação. Buscarei mostrar também até que ponto eles

percebem que os/as próprios/as professores/as da Universidade Federal de Rondônia se

aproximam de uma visão docente multiculturalmente comprometida, tendo em vista a

importância do conjunto dos/as profissionais para a perfeita concretização das propostas

curriculares analisadas.

4.2 - A visão docente sobre a inserção da problemática multicultural na UNIR

Na análise das entrevistas concedidas pelos/as professores/as de Porto Velho e de

Rolim de Moura, manterei o nome original dos/as participantes uma vez que todos/as

autorizaram a publicação das informações com autoria, após terem lido a transcrição das

entrevistas. Usarei então, apenas o primeiro nome de cada um/a deles/as e o campus no qual

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trabalham. Nesta parte, buscarei discutir a questão da preocupação com a educação

multicultural a partir das opiniões do grupo de professores/as sobre a temática multicultural

no currículo em ação da Universidade. As categorias utilizadas serão as mesmas utilizadas na

análise documental.

Ao todo, foram entrevistados/as sete professores/as, cujas informações sobre formação

acadêmica, tempo de atuação na instituição e disciplinas que lecionavam estão descritas no

quadro abaixo:

Quadro 1: Informações complementares dos/as professores/as entrevistados/as

Nome Formação Tempo de

carreira

Atuação

na unir

Disciplinas ministradas Naturalidade

Nilson

Santos

Graduação: Filosofia

Mestrado: Educação

Doutorado: Geografia

22 anos 16 anos Filosofia da educação.

Fundamentos e práticas

do ensino de artes e

Educação dos povos da

floresta.

São Paulo

Maria do

Socorro

Dias Lora

Graduação: Letras

Mestrado: Lingüística

Doutoranda: Educação

25 anos, 02 anos Análise lingüística,

Métodos e ensino da

Língua Portuguesa,

Semântica, Sintaxe,

Sociolingüística

Maranhão

Iracema

Gabler

Graduação: Letras

Mestrado: Lingüística

Doutorado: Lingüística.

30 anos 18 anos Comunicação oral e

escrita; Fonética e

Fonologia do Português

Espírito Santo

Marli

Lúcia Tonatto

Zibetti

Graduação: Pedagogia

Mestrado e Doutorado: Psicologia Escolar e do

Desenvolvimento Humano.

25 anos 12 anos Teoria e prática da

Alfabetização I, Teoria e prática da Alfabetização

II, Teoria e prática em

educação infantil;

Psicologia da educação e

Tópicos de Integração.

Santa Catarina

Arlene

Mariani

Fujihara

Licencitura: Pedagogia

Mestrado:

Desenvolvimento Regional

25 anos 15 anos Sociologia da educação,

Antropologia da

educação, Gestão

Educacional, Didática e

Legislação.

Rio Grande do

Sul

Paulo

Feitosa

Graduação: Letras

Especialização:

Letras/português

29 anos 10 anos Análise Lingüística e

Língua Portuguesa

São Paulo

Marilsa

Miranda

de Sousa

Graduação: Pedagogia e

Direito.

Especialização: Alfabetização e Educação

em Movimentos Sociais;

Mestrado:

Desenvolvimento Regional

e Meio ambiente

Doutoranda em Educação.

18 anos 08 anos Filosofia da educação,

Antropologia da

educação e Educação dos povos da floresta.

Paraná

A primeira análise que estes/as docentes fizeram ao discutir a respeito da formação a

partir de uma perspectiva multicultural estava voltada para a inserção dessa problemática

dentro do currículo. Assim, os/as professores/as realizaram num primeiro momento, uma

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análise que partiu do geral, ou seja, de como a proposta curricular encaminha essas questões,

e em seguida, buscaram um olhar sobre a sua própria atividade docente.

Para os/as professores/as, o multiculturalismo é uma temática que ainda não se faz

presente de maneira consistente na proposta curricular. Essa afirmação refere-se tanto aos

princípios gerais do curso, como também às disciplinas voltadas para a problemática da

diversidade da sociedade de um modo amplo e local. Na fala a seguir, a professora demonstra

sua leitura sobre essa realidade:

Eu diria assim que o currículo não tem contemplado isso de modo satisfatório e nem

muito claro porque, por exemplo, a gente não tem nenhuma disciplina mesmo, acho

que essa também não seria a única forma de contemplar, mas eu vejo que não há

muito essa discussão nem em termos de uma disciplina que contemplasse algumas

questões mais voltadas para a região amazônica e nem como questões a serem

inseridas no currículo. A gente tem, por exemplo, a questão da educação ambiental

que poderia tratar de algumas coisas da região, eu vejo que ela é bem genérica. Isso porque eu analisei inclusive as ementas essa semana. Aí temos, por exemplo,

Educação dos Povos da Floresta do Campo que é uma disciplina que está entrando

agora, junto, porque tinha já a questão dos Povos da Floresta, agora inseriu a questão

do campo; mas assim: não é uma linha que perpasse todas as disciplinas. A gente

não tem atividades que, por exemplo, estimulem a idéia de trazer a cultura local, de

vivenciá-la, por exemplo, na Universidade, ou então de tratar dela no contexto das

outras disciplinas. A gente não tem visto, eu não tenho visto isso, não vejo que seja

uma coisa incorporada no nosso trabalho. (Professora Marli Zibetti/R.M.).

Essa opinião é compartilhada pelos/as professores/as do Campus de Porto Velho. Há

uma ―fragilidade‖ no currículo quando o tema em pauta é a educação multicultural, tendo em

vista que a oferta de disciplinas relacionadas à questão é reduzida. Fica claro pela fala da

professora que a ausência de uma preocupação em inserir elementos do contexto local,

observada nas ementas das disciplinas no item anterior é realmente uma realidade do curso.

Além do mais, essa talvez não seja para eles/as a questão central, pois, embora se tenha uma

ou duas disciplinas voltadas para isso, o ponto principal que deve ser considerado na opinião

dos/as entrevistados/as é a incorporação prática dessa problemática na dinâmica de aula de

cada professor/a. Assim, um dos professores de Porto Velho avalia que:

Então o multiculturalismo é tema de debate. Não é necessariamente realidade diária

do curso. Se você perguntar para os professores eles vão dizer que são acessíveis,

que acham importante, que isso tem que acontecer, mas se você for perguntar

efetivamente no dia-a-dia deles se acontece isso, não. Se você pegar o projeto do

curso de Pedagogia, mesmo o projeto mais recente que vem sendo discutido ele não

aborda a questão de uma demanda específica local. Não se fala nesse diálogo de culturas nem no debruçar-se sobre a realidade cultural do estado. Nós não temos

uma disciplina de educação indígena; tanto que o curso se contenta com uma

disciplina que se chama Povos da Floresta onde você enfia tudo ali dentro.

(Professor Nilson Santos/P.V.).

Aqui o professor menciona o Projeto Pedagógico do campus, analisado anteriormente.

É interessante notar que este projeto faz referência ao multiculturalismo apenas nos objetivos

e na parte que trata da organização científica do curso. Assim, o trecho inicial da fala do

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professor é interessante, pois demonstra que ocorre mais uma valorização do que uma

incorporação da questão multicultural. Por outro lado, é interessante notar a semelhança dos

elementos presentes na sua fala com o discurso anterior da professora do campus de Rolim de

Moura. Ou seja, para ambos, o curso de Pedagogia ―não se debruça sobre a realidade

cultural do estado‖, por exemplo. Isso se reflete também na fala das outras profissionais do

Campus de Porto Velho ao refletirem sobre a assimilação dessa temática pelos/as

acadêmicos/as. Segundo elas, é possível dizer que os/as alunos/as percebem a importância da

valorização da diversidade, do respeito às diferentes culturas na sociedade, bem como na

escola. Entretanto, não é possível avaliar se essa incorporação, que ocorre no plano teórico,

tem gerado condutas e comportamentos na prática dessas pessoas ao se tornarem

professores/as, como demonstra a fala abaixo:

Eu fico pensando esse meu aluno de quinto período, por exemplo, lá amanhã. Então

é só vislumbrar. Eu acredito nisso, eu acho que ele vai chegar lá e não sei quanto

tempo ele vai agüentar; que ele vai chegar lá, ele vai encontrar uma diretora, uma

supervisora que vai dizer ―olha, não é assim‖! Então nesse sentido eu não me

comprometo não, mas que eles saem no mínimo com uma porção de

interrogaçõezinhas a respeito do multiculturalismo, dessa multilinguagem, dos

vários dialetos e do respeito e da valorização, que eles saem com essa idéia eles saem; agora, o que ele vai fazer com ela na prática pedagógica aí já isso, eu acredito

nisso, mas aí vai acontecer uma série de outros aspectos, inclusive, de ordem do

sistema, porque às vezes, esse nosso professor que chega com umas idéias meio

modernas digamos assim, ele vai pra sala de aula e aí vai encontrar uma direção,

uma supervisão que vai dizer: ―olha, aqui a nossa cartilha é outra‖! E aí, quanto que

esse nosso acadêmico vai resistir e vai se impor, eu sempre acho que é pouco,

porque eu não faria. Que aí entram outras questões que eu preciso do emprego, eu

não vou me indispor com meu diretor enfim, uma série de outros aspectos aí. Agora,

quando ele sai da graduação a gente acredita nisso, que ele sai com uma prática

pedagógica voltada pra valorização do multicultural, eu acredito nisso piamente; eu

só não assino embaixo porque eu não sei. Mas eu penso que o curso de Letras e o curso de Pedagogia da Unir preparam, prepara não é a palavra, está voltado mesmo

pra isso; o aluno não pode alegar desconhecimento disso. O nosso aluno tanto de

Letras quanto de Pedagogia pela minha pouca experiência no curso de Pedagogia eu

sei que ele não pode alegar desconhecimento de uma multiculturalização. Eu não sei

se ele vai saber lidar com isso e o que fazer com isso, mas alegar ignorância não.

Isso eu tenho certeza. Agora o que ele vai fazer com isso depois aí também já é outra

história. (Professora Iracema Gabler/P.V.).

Entre os motivos que podem contribuir para que de alguma forma, as discussões que

ocorram durante o curso não sejam aplicadas propriamente na prática, as professoras alegaram

que a realidade vivenciada dentro das escolas é diferente daquela que se expressa no espaço

universitário. Desse modo, mesmo aqueles/as acadêmicos/as que concluem sua formação e

que têm atitudes bem intencionadas, podem render-se ao sistema. Essa justificativa, embora

seja aceitável em termos reais, sugere que, efetivamente, essa incorporação não tem

acontecido no todo, pois as professoras destacam o desempenho individual de cada um, e dão

bastante ênfase a esse aspecto do que ao conjunto dos/as acadêmicos/as. Por outro lado,

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render-se ao sistema, como diz a professora, revela muito mais uma postura passiva do/a

professor/a do que uma postura crítica, fundamentada nos aspectos políticos e ideológicos da

educação como afirmam os projetos pedagógicos do campus de Porto Velho e de Rolim de

Moura.

Cabe questionar então, o que significa esse ―render-se ao sistema‖. Não seria papel da

formação, questionar juntamente com os/as acadêmicos/as as atuais condições de trabalho

impostas aos professores/as? Não seria essa, também, uma questão que diz respeito ao

multiculturalismo? De acordo com Moreira (2001b, p. 45) assumir como compromisso da

formação uma visão de educação multiculturalmente orientada significa formar um/a

profissional que ―não pode abdicar de sua autonomia, de sua integridade, de sua ética, de sua

crítica‖. Dessa forma, a postura alienada de boa parte dos/as professores/as que estão atuando

nas escolas e que passaram pela mesma formação a que estão tendo acesso estes/as

acadêmicos/as justifica a ausência de uma preocupação maior com uma formação de

profissionais politicamente comprometidos com a educação.

É interessante notar, que há por esse viés de pensamento, uma relação entre o que

ocorre com os/as acadêmicos/as quando futuramente necessitam atuar nas escolas e o que é

proposto pelos/as professores/as do curso. Ao ser questionado sobre de que forma, a

dificuldade em abordar dentro da formação uma perspectiva multicultural de educação,

poderia interferir na atuação dos/as futuros/as docentes o professor Nilson Santos aponta que:

Via de regra, eles vão ser exatamente o espelho, o reflexo daquilo que eles tiveram

como vida e como formação institucional. Na instituição eles recebem essa condição

de tanto faz, na vida idem; o fantástico pelo menos é que mesmo no escuro da

caverna de Platão existe alguma chance. Mas ela não é uma ação consciente e

institucional e é isso que me preocupa. E aí individualmente as pessoas dispersam.

Quer dizer, a trajetória de vida, muitas vezes elementos que não vem da formação acadêmica, de uma formação familiar, de uma formação do ambiente religioso, de

um ambiente político em que viveu, dos afetos e desafetos, da condição social que

tem, isso acaba provocando nas pessoas uma atitude diferenciada, mas, a instituição

mesmo, acho que ela responde a muito pouco mesmo com relação a isso. (Professor

Nilson Santos/P.V.).

Assim, com relação aos próprios/as docentes da instituição, as diferentes falas dos/as

professores/as evidenciam que essa incorporação acontece, de maneira isolada e está muito

mais relacionada com a formação de alguns profissionais em função de suas trajetórias de

vida, do que com uma proposta engajada pelo conjunto dos/as professores/as. Praticamente

todos/as os/as entrevistados/as concordaram com a opinião abaixo de que:

Eu não diria que o curso em si, mas alguns professores têm essa preocupação.

Alguns professores quando planejam suas aulas incluem na bibliografia textos que

tratam da diversidade cultural. Mas, enquanto curso mesmo, nós nunca tivemos uma

discussão mais aprofundada, nós não conseguimos discutir as ementas das

disciplinas dando esse enfoque de uma forma articulada. Existe a preocupação, mas

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de forma mais individualizada, particularizada, não como uma preocupação do

curso. (Professora Marilsa Miranda/R.M.).

A primeira questão que parece clara é a seguinte. Se por um lado, como pude verificar

na análise dos documentos, a questão multicultural possa ser uma preocupação de cada

campus isoladamente, o mesmo se aplica aos professores/as. Essa co-relação entre o que se

observa nos projetos pedagógicos e nas falas dos/as professores/as permite realizar um

primeiro questionamento quanto ao que se diz nos projetos políticos pedagógicos,

principalmente em relação ao campus de Rolim de Moura, cujo discurso está amplamente

voltado para essa preocupação com o multiculturalismo no período da formação.

No entanto, não se trata apenas de ser ou não uma preocupação para determinado/a

profissional. O fato é que a própria dificuldade em discutir coletivamente os problemas da

universidade e o próprio currículo, tem contribuído para que ocorra essa

compartimentalização do assunto. Essa dificuldade atinge todas as questões relativas à vida

funcional da universidade e não apenas à questão da formação, como exemplifica o professor

abaixo:

Nós ainda temos algumas coisas para corrigir. Eu acho que a nossa matriz curricular

não contempla tudo isso, essa diversidade toda; até porque, a nossa cultura também,

dos professores, que é de não trabalhar muito em conjunto, de não trabalhar muito

em equipe e cada um fazendo o seu trabalho particular. Então acho que isso também

dificulta um pouco essa formação geral, essa formação integral, o multiculturalismo.

Às vezes há essa deficiência quando se trata dessa parte do grupo, da equipe toda,

dos professores e até prioridades que não é dada para essa questão. (Professor Paulo

Feitosa/R.M.).

Assim, os/as professores/as têm essa noção de que no momento, pensar a formação em

termos de uma perspectiva multicultural, atrelada aos aspectos que essa realidade enseja não

tem sido um dos pontos fortes adotados pela universidade. Como bem destaca uma professora

do campus de Rolim de Moura:

Se eu falar do curso como um todo eu acho que não. Acho que não é uma tendência

do nosso curso porque, mesmo agora nas discussões do novo projeto pedagógico que a gente está fazendo eu não tenho visto isso como algo que seja forte no curso.

Eu vejo assim: alguns professores têm mais uma preocupação com isso e aí é mais

uma preocupação, eu diria, social mais ampla; a formação política nessa área, então

tem um olhar para as desigualdades; então, eu acho que a questão cultural vem

atravessada por esse compromisso. Então a gente pode exemplificar: a preocupação

com os movimentos sociais, a preocupação com os povos indígenas, a preocupação

com as pessoas excluídas de uma forma geral. Mas assim, eu não vejo essa

preocupação com a formação do aluno enraizada na questão da cultura em que a

gente está inserida. Isso eu não vejo no curso, assim, como uma tendência forte.

Então, pelo menos do meu ponto de vista, não tenho visto muito isso não.

(Professora Marli Zibetti/R.M.).

Novamente, parece prevalecer a idéia de que a individualidade de cada profissional é

que marca a presença da discussão sobre multiculturalismo dentro da formação e do currículo.

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102

No que diz respeito à orientação curricular especificamente, outros motivos pesam nessa

balança; entre eles, alguns/as professores/as destacaram a origem dos currículos que

atualmente são utilizados pela universidade, pois, o modo como eles foram construídos a

partir de modelos trazidos de outros centros, não considerava a realidade da população local e

os problemas enfrentados por ela em seu cotidiano. De acordo com uma das professoras:

Sobre a questão do currículo, o nosso currículo ele é um currículo eurocêntrico, o

currículo do colonizador. Quem foi que definiu esse ou aquele conteúdo como conteúdo universal? Então ao longo da história do Brasil a gente aplica um currículo

construído de cima para baixo em que as populações não têm nenhuma participação.

Eu acho que essa questão do currículo é uma preocupação nossa que é o currículo

inadequado tanto na educação básica como na educação superior. Que currículo nós

temos hoje na Universidade? Quem define esse currículo? Nós temos Diretrizes

Curriculares Nacionais que não foram discutidas e nem foram construídas pelos

diferentes sujeitos. É um currículo que não foi discutido com os diferentes grupos

sociais, com as diferentes culturas existentes no país. E tem que haver esse diálogo

se não a gente não consegue avançar na construção de um currículo que contemple

essa diversidade cultural que nós temos. Então, desde a educação infantil ao nível

superior não tem essa preocupação. A gente está com um currículo atrasado, defasado, preconceituoso e a gente não tem caminhado pra isso. Esse é o problema

mais grave quando a gente discute multiculturalismo. (Professora Marilsa Miranda/

R.M.).

Isso tem significado, na prática, um distanciamento por parte da instituição da

realidade que circunda a universidade. Neste caso, a aproximação que se deveria ter com a

questão amazônica é um dos principais aspectos prejudicados, pois o currículo pouco

demonstra preocupar-se com o assunto. Essa condição de não aproximação foi destacada pela

maioria dos/as entrevistados. Recolhemos abaixo duas falas, de professores dos dois campi

que resumem o que se acaba de evidenciar:

No projeto do mestrado que está sendo criado agora, ele leva em conta duas áreas:

formação de professores e gerenciamento escolar8. O mestrado já nasce com uma característica típica de centro sul, cópia de programas de centro sul. De novo a gente

começa sem ter qualquer identidade com a questão local. Mas a gente pode dizer:

―ah, mas em formação de professores dá para estudar isso‖. Se você pegar o projeto

do curso que foi enviado agora a CAPES ele não aborda uma única linha sobre esse

aspecto. (Professor Nilson Santos/P.V.)

Eu acho que a Unir ela tem um sério problema. Uma universidade com mais de vinte

e cinco anos, nós não temos um projeto político pedagógico. A instituição não tem

um projeto institucional, então ela nunca conseguiu avançar nesse aspecto. Então a

Universidade ela não tem um rumo, ela não tem um caminho, ela não sabe pra onde

ela vai. Ela não conseguiu desenvolver um projeto de Universidade. Então como nós

não temos esse rumo, não temos esse caminho, nós não conseguimos definir o nosso

perfil; nós não temos uma Universidade com um perfil amazônico. É uma Universidade que é uma miscelânea também; aqui tem de tudo. Chega um da

UNESP e tenta copiar da UNESP; chega um da USP e tenta copiar da USP, chega

um da Universidade de Brasília e tenta copiar da Universidade de Brasília e assim

por diante. Então cada um traz o seu modelo; nós não temos uma discussão de

8 O professor está citando o Projeto que na data da entrevista, ocorrida no mês de março de 2008, ainda estava

em fase de elaboração. Portanto, o projeto pode ter sofrido alterações após a realização da entrevista e

fechamento desta pesquisa.

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constituição de uma universidade com perfil amazônico que respeite a nossa

identidade, a nossa cultura, as nossas diferenças. Eu acho que esse é um grande

problema da UNIR; a UNIR ela não se identifica com a região amazônica, embora

tenhamos várias pesquisas, temos trabalhos significantes nesse aspecto, mas nós não

temos isso enquanto projeto. Diferente da Universidade do Pará. A Universidade do

Pará tem esse caráter; é uma Universidade com perfil amazônico. Então todo

currículo, todas as pesquisas, extensão, tudo que eles fazem está voltado pro estudo

da Amazônia. Então você vai observar as ementas dos cursos, todos têm essa

preocupação. Então a Unir, como ela é uma Universidade constituída pelo

colonizador então ela tem esse caráter de uma universidade que não conseguiu

desenvolver uma identidade própria até hoje. (Professora Marilsa Miranda/R.M.).

Pelo visto no discurso desta professora, embora se tenha, em termos teóricos, essa

preocupação com a diversidade, concretamente observa-se que a Universidade ainda

desenvolve uma prática pautada em formas padronizadas de conhecimentos que relegam as

diferenças a um único patamar. Formas estas que, conforme destacam Moreira e Macedo

(2001, p. 133), precisam ser superadas, para que de fato se possa pensar em uma formação

vinculada à realidade mais próxima da sociedade. Para os autores:

A atividade docente, no atual momento, precisa também se caracterizar como crítica

cultural, como crítica do existente, como questionamento do que se nos apresenta

como natural, como inevitável. Essa abordagem implica afrontar o caráter

monocultural do currículo escolar e seu viés eurocêntrico. Implica, ainda, colocar

em cheque a hegemonia da cultura ocidental no currículo, do qual se encontram ausentes outras vozes, particularmente as que se referem às culturas originárias do

continente americano, à cultura negra e de outros grupos marginalizados. Sem que

pretendamos a adição de novos conteúdos ou novas disciplinas, estamos

argumentando a favor de outra postura, outra atitude, com base na qual se

incorporem ao currículo contribuições de diferentes grupos sociais, questionem-se

os estereótipos sociais usualmente difundidos na sociedade e explicitem-se as

relações de poder que contribuem para a construção do outro, da diferença.

(MOREIRA e MACEDO, 2001, p. 133).

Todavia, é necessário destacar que, se por um lado essa é uma realidade que impera no

currículo, por outro, a maioria dos/as professores/as já demonstrou uma preocupação com

essa questão ao analisar sua prática pedagógica. Isso demonstra que o fato das pesquisas sobre

o tema começar a ganhar espaço nas discussões sobre educação e currículo que tem ocorrido

no Brasil, possa já estar revelando aos/as diferentes profissionais a necessidade de se abordar

a questão. Além disso, vários/as professores/as parecem estar conscientes de que a realidade

atual tem raízes em suas próprias formações e que é possível conferir uma orientação

multicultural ao curso, a partir da inserção dessa temática nas diferentes disciplinas, como

aponta abaixo a professora Marli Zibetti, do Campus de Rolim de Moura, ao destacar algumas

disciplinas que poderiam abordar melhor essa temática.

Eu acho que de certa forma quase todas poderiam se a gente partisse desse

pressuposto de que a educação ela teria que estar enraizada na vida do sujeito, e a

vida do sujeito hoje é aqui nesse local! E nesse local especialmente, ele é um local

em que se misturam uma série de culturas diferentes. Então eu acho que sim, eu

acho que a gente poderia fazer isso. Eu falo, por exemplo, na questão da

alfabetização que depois eu acho que você vai falar mais especificamente a respeito

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disso. Mas eu vejo, eu mesma, toda a minha formação ela tem um compromisso com

as crianças de classes populares, mas assim, não ligada propriamente a essa

investigação do contexto em que esse sujeito está inserido do ponto de vista cultural

mais amplo e raízes com a realidade do entorno. Então eu acho que acaba sendo uma

preocupação como eu disse antes: uma preocupação política articulada a uma visão

ampla e não uma visão com raízes locais; aí a gente ignora muitas coisas da história

desse sujeito quando a gente faz isso, penso eu, também não sei se eu estou certa.

Acho que tem sido uma preocupação minha de tentar entender isso melhor porque

de certa forma, eu vejo o nosso grupo aqui de professores da UNIR, somos todos

migrantes, então a gente acaba trazendo uma coisa que é a nossa história, a nossa

origem. E eu acho que a gente até superou algumas coisas, mas eu via, por exemplo, alguns anos atrás, em algumas discussões da Universidade, inclusive, certo

preconceito dos próprios colegas da instituição em relação à cultura local. Porque

nós temos muitos paranaenses, catarinenses, é o meu caso; […] mas me espantava

um pouco quando a gente sentava para discutir algumas coisas e eu via colegas meus

com essa concepção de que a escola de lá era boa, de que as pessoas lá tinham outro

jeito de viver. Uma espécie de, a minha raiz estava lá e não está aqui; eu percebia

isso. Hoje não mais. (Professora Marli Zibetti/R.M.).

A mesma questão é levantada pela professora que ministrou a disciplina de Análise

Lingüística no campus de Porto Velho. Ela destaca que uma de suas preocupações durante a

disciplina é discutir com os/as acadêmicos/as essa questão da diversidade sob o ponto de vista

lingüístico, relacionando, inclusive, com a questão do processo de migração do Estado de

Rondônia, de como se sentem as pessoas que vieram de outros locais, e as pessoas que moram

há mais tempo na região. De acordo com essa professora:

Nós temos discutido em relação até dentro das variações, a questão das variações

geográficas, esse respeito que nós temos que ter pela nossa língua, e o preconceito

que muitos ainda têm. Então essa discussão nós fazemos também nesse sentido.

Principalmente com o norte e o nordestino. Então na sala têm alguns sulistas,

algumas pessoas e dá essa questão. E ainda existem alguns que chegam com

expressões do tipo: ―ah, mais eu acho que a maneira como eles falam…‖, ―o povo

daqui…‖, essa história de que o povo daqui fala errado. Mas quem é esse povo

daqui, eu pergunto. Nós somos esse povo! E Rondônia em especial tem essa

característica, dessa variação, dessa cultura diversificada, que são trazidas e que no meu ver só vem pra enriquecer. Só que muitos não vêem assim; estão aqui, vieram

pra cá só com um único objetivo de crescer profissionalmente, fazer o pé de meia,

como se diz. Aí ficam desrespeitando a linguagem, o comportamento das pessoas

que moram aqui, que aqui está há muito tempo ou que nasceram aqui. Então essa

auto-estima lingüística, essa auto-estima cultural que nós devemos ter. Eu até

sempre digo assim: porque eu sou mais rondoniense do que maranhense, então eu

me refiro a nós me incluindo até como rondoniense, até porque minhas filhas

nasceram aqui, mas são aspectos que surgem; e é uma discussão assim que não é

preparada, não é assim ―hoje vamos discutir sobre isso‖. Ela flui dentro do conteúdo,

dentro das discussões, não tem como não surgir. (Professora Maria do

Socorro/P.V.).

Ocorre, que como já enfatizado, essa não é uma preocupação de todos/as. Nesse

aspecto, é notória a fala de outro professor desse mesmo campus, ao também comentar sobre

as disciplinas e criticar as abordagens realizadas, nas quais os conhecimentos locais quase não

estão presentes ao se estudar as especificidades próprias da pedagogia. Ao comentar sobre

algumas disciplinas que em sua opinião, poderiam tratar dessa questão do multiculturalismo

na formação dos/as futuros/as professores/as ele enfatiza que:

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Todas elas poderiam. Nós temos a disciplina de História da Educação, e nós

sabemos muito bem que nós temos aqui a presença de jesuítas pelo início do século

XVII; em 1640 tinha jesuíta fazendo comércio, mesmo entre português

comercializando com os jesuítas espanhóis no Peru e na Bolívia. Isso não se aborda.

A história da educação da região Norte, a história da educação de Rondônia, começa

junto com a história da educação do Sul. Então começa a se falar de jesuítas em São

Paulo, jesuítas em Salvador, em Pernambuco. A história da educação começa assim,

mais ou menos desse jeito. Até a disciplina de didática, por exemplo, ela não aborda

práticas da relação que os adultos têm com as crianças na aldeia, isso passa longe. A

gente estuda Piaget; as crianças de Piaget nós estudamos, as fases operacionais, pré-

operacionais de Piaget nós estudamos, mas nós não estudamos se existe ou se existira uma fase operacional, pré-operacional pras crianças das aldeias. Pros

seringueiros, por exemplo, não existe infância. O seringueiro eles reconhecem a sua

identidade aos oito anos de idade, nove anos quando eles vão cortar seringa. Não há

infância; e o curso não reflete sobre isso. Então qual o impacto que há em uma

comunidade que não há infância, que não existe para eles e que a aprendizagem da

infância ela ocorre dentro de uma característica muito específica, e não se reflete

sobre isso e, no entanto, nós estudamos as crianças de Piaget de um país que quase

ninguém pisou ou talvez não vai pisar. (Professor Nilson Santos/P.V.).

Ao considerar que este professor atua, há dezesseis anos na Universidade, percebo que

sua fala é, pela sua própria história e experiência na instituição, bastante fundamentada. Este

mesmo professor comentou durante a entrevista sobre vários cursos que poderiam trabalhar

com o aspecto multicultural e, no entanto, possuem currículos totalmente alheios ao tema,

principalmente em relação à realidade local, o que permite inferir que, se a educação

multicultural não é de todo uma preocupação do curso de Pedagogia, esse é um problema não

só do curso, mas de toda a Universidade. Sobre essa discussão em torno das disciplinas,

Moreira (2001a) destaca que propor um currículo multicultural requer uma estratégia de

formação em que todas as disciplinas possam cooperar com a discussão do tema. Nas suas

palavras:

Não aceito que uma ação multicultural na educação se restrinja a determinadas

disciplinas ou áreas, como história, antropologia, sociologia ou estudos sociais. Se

essas disciplinas podem oferecer subsídios teóricos importantes para melhor

―vivermos com o outro no mundo da diferença‖ toda e qualquer disciplina pode

cooperar com o projeto multicultural. (MOREIRA, 2001, p. 76).

Essa situação reflete, por sua vez, uma tendência do curso em acompanhar, as atuais

práticas educacionais que se estendem, desde a educação infantil até o ensino superior, em

que, na maior parte das vezes, pouco se questiona sobre as leituras realizadas em relação à

cultura brasileira. Ou seja, na prática pedagógica desconsidera-se que existam outras culturas

que não sejam, por exemplo, a cultura baseada em padrões europeus, e que tenham outras

características, como é o caso das populações indígenas, caboclas, camponesas, etc. Desse

modo, os/as acadêmicos/as têm durante o curso, poucas oportunidades de aprofundarem-se

sobre a temática da formação cultural do país e, principalmente, sobre a formação cultural do

Estado. Como sugere o professor na fala anterior, o resultado disso em termos pedagógicos

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implicará atitudes excludentes, bem como no surgimento de dificuldades em considerar as

relações existentes entre os diferentes grupos e as diversas culturas dentro do espaço escolar.

É preciso levar em consideração, no entanto que, conforme destacam Moreira e

Candau (2003), para que esta e outras preocupações passem a constituir um lócus privilegiado

de discussão para os cursos de formação de professores/as não basta incluir nas atuais

disciplinas temas relacionados ao multiculturalismo, ou a diversidade de grupos, de etnias,

etc. Apenas essa ação por si só, não é suficiente, pois seria necessário definir também, um

conjunto de estratégias adequadas ao trabalho que buscasse privilegiar em todas as instâncias

o debate sobre a diversidade cultural no decorrer da formação de maneira que essa temática

esteja presente em todos os momentos articulando-se com a teoria e a prática pedagógica.

Em alguns casos, os/as próprios/as professores/as admitem conhecer pouco sobre as

culturas locais. É o que ocorre, por exemplo, com a professora que ministrava a disciplina de

Antropologia da Educação no Campus de Rolim de Moura, ao relatar que as poucas

oportunidades surgidas para refletir sobre a realidade amazônica ocorreram durante o

mestrado e que, somente a partir de então, ela tem realizado um esforço para inserir o tema

nas discussões que ocorrem durante o desenvolvimento da disciplina. Para ela:

No mestrado, o professor deu pra gente ler e fazer um trabalho de um livro muito

interessante que falava sobre a cultura amazônica, tanto é que no dia que o professor

perguntou o que a gente achou do livro, no dia que a gente foi discutir eu disse:

―professor, ao ler esse livro eu não me senti na Amazônia‖! Então eu disse pra ele:

―professor, eu não me sinto na Amazônia, porque isso que está aqui nós não

vivemos no interior lá‖; porque na capital, em Porto Velho, eles vivem muito. A

questão do boto, várias questões da cultura amazônica eles lá conhecem, sabem,

discutem e convivem com isso. Mas no interior aqui nós não convivemos; então isso

também, ao falar do livro para os alunos, eu disse assim: ―é interessante porque nós vivemos na Amazônia, que a gente conheça essa cultura amazônica e não apenas:

Ah, o boto!! Mas o que nós sabemos sobre o boto?? Porque que o boto é pensado

assim pela cultura amazônica? […] Então, em primeiro lugar nós temos que educar

o aluno amazônico, principalmente numa época como essa que nós estamos vivendo,

que a Amazônia continua sendo olhada pelo resto do mundo menos por nós. Agora,

pra uma pessoa sozinha fazer, tem dificuldade; eu sinceramente também digo que a

gente tem porque depois que a disciplina ta acontecendo que a gente vai ver quanta

coisa interessante poderia ter sido já feito. E outra: depois que eu fui fazer o

mestrado que aí eu tive a disciplina de Antropologia com a professora Arneide

Cemim que eu compreendi melhor, mas também é só uma disciplina de sessenta

horas e é no começo do curso. (Professora Arlene Fujihara/R.M.).

Com relação especificamente a esse detalhe, um outro aspecto que tem dificultado a

inserção de temáticas locais no currículo, diz respeito à existência reduzida de materiais que

discutem essa realidade, quer seja do ponto de vista científico, quer seja de materiais de cunho

literário. Assim, a professora destaca abaixo, a precária oferta de produção material sobre a

realidade amazônica:

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Nós estamos trabalhando agora no Departamento de Letras pra institucionalizarmos

um mestrado na área de linguagem. E a gente sentou e conversou, conversou, e a

gente gostaria, ou é conveniente até, que ele tenha um perfil da linguagem do

amazônida da Amazônia como o professor Julio costuma falar. E uma das coisas é: o

que nós temos de publicação, por exemplo, nesse sentido? A gente tem muito pouco.

O que a gente tem na verdade são os nossos artigos que nascem exatamente dos

nossos grupos de pesquisa, que é do PIBIC9, por exemplo. Os meus artigos todo ano

vêm do PIBIC que é onde as pesquisas são feitas com os ribeirinhos. Então a gente

tem muito pouco para sustentar um mestrado, e com esse perfil que a gente gostaria

que ele tivesse. Agora a gente há de convir também que aqui tudo é muito novo. A

gente precisa enfiar a cara e fazer; alguém tem que começar ainda que errando, ainda que dando pancada no muro. (Professora Iracema Gabler/P.V.).

Essa demanda resgatada pela professora está relacionada também com as

oportunidades que esses materiais poderiam criar para a própria compreensão de uma

identidade marcada pela dinâmica amazônica. Neste caso, não só a produção científica, mas

também, a vivência que os/as acadêmicos/as têm com livros que mostram um pouco da

realidade amazônica é apontado como uma das formas de tornar o multicultural mais próximo

de suas vidas e, consequentemente, de sua formação. Por esse motivo, essa é uma realidade

ainda pouco freqüente na Universidade e mesmo dentro de disciplinas que poderiam se valer

de situações de leitura, por exemplo, a fim de promover esta aproximação.

Pode-se observar que todos esses pontos que foram enfatizados por diferentes

professores/as revelam, na verdade, que existem dificuldades e que elas são inúmeras. Isso

não significa, porém, que a discussão de temas relacionados à temática multicultural esteja

totalmente desvinculada da formação. Mesmo que seja uma prática individualizada, a

abordagem desses temas acaba ocorrendo no decorrer do curso. Isso porque, ao analisarem o

trabalho que vêm desenvolvendo em suas próprias disciplinas, os/as professores/as apontaram

algumas estratégias que são utilizadas por eles/as para discutir temas como cultura,

preconceito, variações lingüísticas, etc.

Uma dessas estratégias utilizadas pela professora de Teoria e Prática em

Alfabetização, por exemplo, é a leitura de materiais que retratam o universo geográfico em

que a Universidade está inserida. Mesmo que haja um número reduzido de obras a respeito,

como foi demonstrado nas falas anteriores, a professora procura, sempre que possível, ler para

os/as acadêmicos/as textos que retratam a realidade amazônica. Como ela própria destaca:

Eu achei interessante porque eu estava vendo a situação com uma acadêmica de

pegar lá os contos para trabalhar no estágio e eu fui pegar o livro do Thiago de

Mello10

porque por mais que eu acho problemático o meu trabalho em relação aos

alunos, eu faço uma autocrítica em relação a isso, mas essa é uma tentativa que eu

tenho feito de ver coisas que tem na região para trazer para eles porque eu acho que

9 Programa de Iniciação Científica. 10 Escritor amazonense que escreve obras relacionadas com a temática da Amazônia, principalmente dos rios e

florestas.

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isso cria esse lance de você começar a abrir os olhos e valorizar. Então eu trago

muito o Thiago de Mello para eles e conto a história dele e da região. E o texto dele,

que é o ―Amazonas: Pátria das águas‖, ele conta histórias; ele conta sobre os bichos,

ele conta sobre o boto, as lendas, o rio. E tem uma parte que ele descreve os bichos,

ele descreve o tucano, por exemplo, e ele conta do que o tucano gosta de comer. Eu

estava pensando nisso, como deve ser interessante para uma criança ler um livro que

fale de cupuaçu, que fala das frutas daqui da região, das árvores, porque ele fala que

o tucano sai, o lugar dele preferido de ficar é um cupuaçuzeiro11 que tem no quintal.

Ele fala inclusive que a casa dele, que ele construiu na floresta tem a janela tão baixa

que mesmo deitado ele consegue ver o rio. Então eu fiquei pensando o quanto que

essa questão deve ser interessante para as crianças e no caso os meus alunos, quando eu uso esses textos se identificam. Então eu acho que esse é um lado bem

interessante e eu penso porque nós conhecemos menos dessa cultura do que talvez a

nossa cultura de origem ela esteja pouco presente no nosso trabalho. (Professora

Marli Zibetti/R.M.).

Contudo, observa-se pelas entrevistas que essa é uma estratégia utilizada pela minoria

dos/as docentes, mesmo por aqueles que manifestam uma preocupação com essa temática. De

uma forma geral, as principais estratégias utilizadas pelos/as professores/as para o

conhecimento dessa realidade são os seminários, as visitas de campo e a leitura de textos

teóricos. Em relação às visitas, estas foram amplamente apontadas como os únicos momentos

em que os/as acadêmicos/as podem interagir com realidades diferentes, sejam elas culturais,

sociais e/ou educacionais. Grande parte dos/as professores/as tem privilegiado a visita e a

interação em espaços educacionais uma vez que as oportunidades de conhecer outros espaços,

grupos e culturas, demanda por parte da instituição uma disponibilidade de recursos

financeiros necessários ao deslocamento, entre outros aspectos. Assim, o esfacelamento de

recursos pelo qual tem passado a universidade dificulta a saída de professores/as e

acadêmicos/as para conhecerem outras realidades.

Essas estratégias podem ser consideradas ―limitadas‖ se comparadas com o que tem

sido sugerido nas pesquisas desenvolvidas sobre o tema. Para termos uma idéia, Canen e

Moreira (2001) ao desenvolverem cursos de formação de professores em diferentes

universidades e instituições propuseram, além da discussão dos conteúdos e expressões

ligadas ao multiculturalismo, o desenvolvimento das seguintes estratégias:

[…] oferta de cursos que abordem questões culturais; discussões em torno dos

elementos constitutivos das identidades dos professores; debates sobre questões

polêmicas envolvendo pluralidade cultural e preconceitos a ela relacionados; criticas

de artigos polêmicos publicados na imprensa; analises de situações de discriminação

e elaboração de ensaios sobre elas com a utilização de diferentes fontes; reflexões

pessoais sobre a própria identidade e sobre como diferentes aspectos dessa

identidade influenciam as experiências e as formas de significá-las; mesas-redondas

com a participação de pessoas de padrões culturais diversos; desenhos do mapa-múndi compreendendo sua construção e explicitando o etnocentrismo nele

evidenciado; oferta de cursos sobre a história de um grupo oprimido; organização do

currículo da formação docente com base em categorias como cultura, conhecimento,

poder, história, linguagem, diferença, discriminação, identidade; análises de

11

Planta nativa da região da qual se extrai a fruta do cupuaçu.

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etnografias de escolas que atendem estudantes de distintos grupos culturais; análises

de autobiografias, narrativas pessoais, romances, poesias, músicas, filmes, anúncios,

participação em experiências comunitárias e assim por diante. (CANEN e

MOREIRA, 2001, p. 33).

Como é possível ver, os autores apontam para um grande número de possibilidades

que, por sua vez, não se esgotam em si. Tais estratégias são vivenciadas tendo em vista que as

preocupações com o multiculturalismo estão presentes em outras esferas públicas e não

apenas na universidade e outros espaços educacionais. Por isso, não se pode atribuir à

dificuldade em desenvolver estratégias voltadas para a questão multicultural apenas a carência

de recursos. Na visão dos/as professores/as, trata-se muito mais de uma cultura sustentada

pela universidade na qual há um distanciamento histórico nas relações mantidas entre este

espaço e a sociedade em geral. Isso se aplica tanto ao conjunto da sociedade brasileira, sendo,

via de regra, uma prática comum hoje nas universidades de todo país, tanto em relação à

sociedade local, como exemplificado na fala abaixo:

Por exemplo, nós vivemos próximos da Bolívia e a universidade que eu saiba nunca

teve nenhum trabalho com bolivianos, com peruanos, com os países que vivem aqui

em torno. É como se a universidade ela tivesse que ser cópia de uma outra

instituição qualquer, como se a universidade não ficasse plantada, ela não tivesse

que responder e nem se relacionar com o meio no qual ela está inserida, como se ela

tivesse vida própria. A Universidade aqui eu tenho essa sensação que ela tem vida

própria. E aí ocasionalmente algumas pessoas, essas tem inserção social, mas

institucionalmente a Universidade não tem esse perfil e de modo geral os cursos não

tem esse perfil também. (Professor Nilson Santos/ P.V.).

Esse distanciamento ocorre também em relação às escolas, uma vez que, fora as

atividades de visitas, de observações e de estágios, em que os acadêmicos/as vão a este espaço

com a finalidade de cumprir com atividades específicas dentro de uma ou outra disciplina, um

diálogo mais próximo com as escolas é quase imperceptível. Além do mais, na maioria das

vezes, essas atividades têm um cunho unicamente pedagógico. Nessa perspectiva, a formação

tem contribuído pouco para que ocorram mudanças efetivas nas escolas, como enfatiza na sua

fala a professora:

Mas eu estou dizendo assim: isso mostra que na verdade a formação dos professores

para atuar na educação básica está sendo precária porque ela também não está

atendendo a necessidade das escolas e a Universidade às vezes acha que não tem

culpa nisso. Alguns sujeitos da Universidade não fazem um mea culpa nesse sentido.

Exatamente porque estão preocupados com a produção de conhecimento, está

produzindo, produzindo, produzindo, mas o conhecimento não chega lá onde deveria

chegar que é a sala de aula. Agora não é fácil fazer isso, fazer essa ponte, se

envolver com escola, com o dia-a-dia da escola. Precisaríamos ter uma relação

histórica muito diferente com a escola e não esse distanciamento que a gente tem. Lá

dentro da sala da universidade a gente critica a escola e a escola critica a gente. Por que a universidade só fica teorizando, mas não vem aqui ajudar a resolver o

problema? (Professora Marli Zibetti/R.M.).

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De acordo com Azoilda Loretto da Trindade (2000), situações como essa de

distanciamento, contribuem para que os futuros/as professores/as tenham maiores dificuldades

em utilizar conhecimentos provenientes do universo cultural próprio dos/as educandos/as ao

se aproximarem de uma sala de aula normal. A autora traz como exemplo, os conhecimentos

adquiridos nos cursos de formação de professores/as sobre a infância. Muitas vezes, é

transmitida aos acadêmicos/as uma imagem generalizada da criança, fator que contribui para a

homogeneização das práticas escolares. Nas suas palavras:

Aprendemos o que é uma criança ideal, o que é uma criança bonita, educada, como é

a família ideal, a classe social ideal… Mas, quando nos deparamos com nossa

realidade, sobretudo ao trabalharmos com crianças de classe popular (mas não só),

nos colocamos diante de uma bifurcação: hierarquizamos aquela realidade em

relação ao ideal, negando-a, ou lutamos para romper com aquele ideal apreendido;

(ibid, p. 11).

Também com relação ao distanciamento entre a universidade e a sociedade como um

todo, Giroux e McLaren (2005, p. 127) enfatizam que as universidades, ―da forma como

existem hoje, estão perniciosamente destituídas não só de consciência social, mas de

sensibilidade social‖. Essa afirmação faz sentido, quando pensamos nas oportunidades de

experiências que os/as acadêmicos estão tendo durante a formação com práticas sociais e

culturais relacionadas ao ato educativo. Se por um lado, o currículo e a ação pedagógica

multicultural estabelecem a experiência com a diversidade de expressões existentes na

sociedade, por outro, a formação ainda está calcada em modelos que privilegiam apenas a sala

de aula como espaço de formação do conhecimento. Como evidencia a fala abaixo:

Eu acho que a vivência estudantil dentro da universidade, ela precisa ser enriquecida

com outras atividades que não a sala de aula. Eu acho que isso falta muito na

Universidade porque se houvessem eventos culturais, engajamento com outros tipos de atividades, eu acho que os meninos e meninas aprenderiam muito mais. O nosso

currículo está muito empobrecido porque ele está limitado à sala de aula e ao

professor e pouquíssimos eventos paralelos, pouquíssimas atividades de extensão e

de pesquisa para que eles possam se engajar, então o currículo fica muito pobre e

eles não têm elementos para refletir porque aí eles ficam restritos à troca de idéias

entre aqueles trinta, quarenta alunos de uma turma e um professor que vai

conduzindo essa discussão. Não tem o confronto de idéias, não tem o conhecimento

de outras realidades. Então para criar essa possibilidade, deles construírem uma

outra idéia da riqueza que é a troca com outras culturas, não é só respeito, é a

riqueza mesmo dessa construção, a questão de negros mesmo, na nossa região está

cheio e a gente ainda tem muito preconceito. Não é nem a valorização no sentido de

se apropriar também desses valores, eu acho que a gente não vai conseguir formar diferente, porque é um longo discurso que a gente consegue fazer, e também não é

só na leitura do jeito que eu estava falando aí, é nas manifestações culturais mesmo,

nas vivências, um pouco aquilo que a Pedagogia da Terra12 faz: viver de corpo

inteiro aquilo ali. E a gente não tem vivido, a Universidade não tem trabalhado com

outras linguagens, com teatro, com dança, com as manifestações culturais, com a

música, não tem. Então essa vivência eu acho que está muito pobre; muito, muito,

12 Refere-se a um curso de Pedagogia oferecido pela Universidade em parceria com outros órgãos como o

INCRA, em que o público é composto por camponeses e camponesas ligadas a movimentos de Reforma Agrária.

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muito, muito. Para formar de uma forma integral o sujeito que privilegiaria nesse

caso o multiculturalismo esses meninos e meninas teriam que estar participando

dessas diferentes manifestações culturais: dos povos do campo, dos povos, por

exemplo, do povo aí que tem outros hábitos de viver, de se organizarem, de gostar

ou desgostar das coisas; eu acho que seria bem melhor. (Professora Marli

Zibetti/R.M.).

Após justificarem porque entendem que a formação ainda não tem essa preocupação

com uma educação multicultural consolidada, com base no que ocorre efetivamente, os/as

professores/as apontam alguns aspectos que necessitam ser colocados em prática para superar

os atuais desafios. Tais sugestões se referem tanto à proposta curricular quanto à própria

formação dos/as professores/as que atuam na instituição no curso de Pedagogia, além de

discutirem sobre outras oportunidades que são criadas durante a formação.

Com relação à proposta curricular, um dos aspectos bastante comentado está ligado à

inserção dessa questão no projeto político pedagógico dos cursos de Pedagogia da

Universidade Federal de Rondônia, o que de certa forma já vem acontecendo. Na opinião

dos/as professores/as, de um modo geral, os projetos e o próprio currículo abordam essa

questão ainda de maneira muito tímida. Não se trata, entretanto, de uma inserção local, a

critério de cada Campus. É necessário que o conjunto da Universidade tenha essa

preocupação. Assim,

Eu acho que estando na região amazônica, com toda essa diversidade que nós já

falamos eu acho que todas as disciplinas teriam que abordar essa questão. Todas.

Então o projeto político pedagógico do curso deveria ter esse eixo como

principalidade (Sic.). Nós estamos reformulando o curso e nós estamos discutindo

isso de colocar três matrizes básicas que todas as disciplinas devem estar articuladas

que é o trabalho, a cultura e outro aspecto que eu não estou me lembrando agora, pra que nessa reformulação a gente possa contemplar de uma forma mais abrangente. Eu

vejo um outro problema na instituição que tem muita gente que fala sobre isso, em

pesquisas, mas nós não temos uma política institucional ainda, de inclusão. A gente

fala da cultura diferente, a gente fala do respeito aos grupos diferenciados de

camponeses, de ribeirinhos, de indígenas, mas nós não oferecemos nada, nós não

temos nada hoje que priorize esses indivíduos. Nem um curso superior indígena13

nós conseguimos fazer, a Pedagogia da Terra foi uma experiência isolada. Não há

uma preocupação institucional com isso. Acho que isso é uma questão séria. Porque

não depende apenas de um curso estar fazendo essa articulação. Acho que tem que

ser um projeto institucional; tem que haver uma articulação, uma discussão por

todos os cursos. Se não, essas experiências isoladas elas não avançam, a gente não

consegue envolver os professores, a comunidade em torno dessa discussão. (Professora Marilsa Miranda/R.M.).

Por outro lado, essa inserção curricular precisaria vir acompanhada de uma série de

discussões que pudessem destacar o que já se tem de concreto dentro da Universidade, uma

13 Essa realidade trazida pela professora na data da entrevista que ocorreu em março de 2008 já não é a mesma atualmente, pois a Universidade no fim do mesmo ano através do edital N. 010 de 18 de agosto de 2008 abriu a

seleção de vestibular para o curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural a ser oferecido no

Campus de Ji-Paraná, tendo como público-alvo específico professores e professoras indígenas que atuam na

Educação Escolar Indígena no Estado de Rondônia e Norte/Noroeste de Mato Grosso.

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vez que ainda falta, de acordo com alguns/as professores/as, a presença de um projeto que

articule as diferentes ações desenvolvidas pelos diferentes cursos, principalmente as ações e

os estudos desencadeados pelos projetos de pesquisas da Universidade, muitos dos quais, são

realizados com populações locais ou envolvem essa temática multicultural. Assim, embora a

instituição não esteja totalmente aquém dessa problemática, isso não é algo sistematizado. De

acordo com a fala abaixo:

Eu penso que um pouco disso tudo que eu falei. Sistematizar ou formalizar talvez

um fórum de discussão puxando esse tema central, porque como eu disse pra você,

nós estamos aqui, um monte de açõezinhas soltas; talvez se se jogasse o tema, todo

mundo ia se achar porque de alguma forma todo mundo está vinculado a ele, mais ou menos comprometido, mas não se fala, essa expressão, por exemplo, que você

fala. Então a minha grande sugestão seria um fórum mesmo puxando esse tema

especifico. Eu acho que seria uma ação que alavancaria uma série de outras atitudes,

de ações e se for preciso de inserção na grade curricular. (Professora Iracema

Gabler/P.V.).

Alguns/as professores/as também defenderam a idéia de um trabalho de formação mais

voltado para a interação entre as diferentes culturas, calcado inclusive nas identidades

culturais dos/as próprios acadêmicos/as. Isso possibilitaria inclusive, olhar mais para o

contexto do Estado de Rondônia que tem uma multiplicidade de culturas pouco discutida do

ponto de vista pedagógico. Na fala abaixo a professora expressa a sua opinião sobre o que

pode ser feito para ampliar a visão acadêmica sobre a questão das diferentes culturas, tão

importante para a afirmação de uma multiculturalidade.

Eu acho que a gente precisa conhecer primeiro outras culturas, outros jeitos de viver

porque eu acho que é no diferente que a gente se conhece. Então a partir do

momento que a gente consegue visualizar, formas de ver o mundo e de fazer as coisas de forma diferente, que a gente começa também a perceber que o mundo não

gira em torno do nosso umbigo e que o certo e o errado são muito relativos. Então

acho que os alunos primeiro precisam conhecer, e ao trazer as impressões deles e

delas sobre esses conhecimentos vai ser possível discutir preconceitos, olhares mais

ricos, e aí sim valorizar aquilo que a gente mesmo faz. (Professora Marli

Zibetti/R.M.).

Essa preocupação também apareceu com freqüência nas palavras do professor Nilson

Santos do Campus de Porto Velho e esteve intimamente ligada ao conhecimento sobre a

cultura regional. Para ele, uma das lacunas da atual formação no que diz respeito ao

multiculturalismo é o fato de não olhar para a diversidade cultural presente no Estado. Esse

olhar possibilitaria que os/as acadêmicos/as aprendessem muito mais sobre o que é cultura, o

que é identidade e diversidade. Nas suas palavras:

Eu sempre fiquei muito encantado, quando eu ia para o seringal; a minha formação,

quando eu comecei a ir para o seringal ela se voltava muito para a filosofia, pra

graduação que eu fiz, o mestrado em filosofia da educação na verdade, então assim,

essa formação mais acadêmica, mais abstrata, mais teórica sempre me marcou

muito. Eu fiquei muito encantado quando eu comecei a ir para o seringal porque eu

via na boca dos seringueiros, frases de Bleker, de Platão, eu via isso. Eu consigo

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ouvir numa aldeia um Aristóteles falando, um Marx falando, eu consigo conversar

com um ribeirinho e ver um Hegel falando, isso me encanta muito. Acho uma pena

que a instituição não tenha, ou que pelo menos um número muito significativo dos

professores não vejam isso. As pessoas preferem entrar num site da Submarino e

comprar um livro de Hegel do que ir até uma comunidade ribeirinha escutar Santo

Agostinho falar ao vivo. É, quando eu comecei a ir, a ter esse tipo de contato eu

achei fantástico isso, pois eu via, é como se eu visse a coleção dos pensadores inteira

ali andando de barco, cortando seringa, pescando, caçando (rimos) e isso era muito

interessante. […] Mas o que eu percebo é que isso não é regra, as pessoas preferem

o livro do que a vida que perambula ao lado; infelizmente a gente acha muito mais

interessante e sério ler um texto do que olhar pra quem está passando ao lado da gente, que ta vivendo, ta criando coisas, está decidindo, está sonhando, está

chorando, está sofrendo ou até está morrendo. A gente prefere ler sobre problemas

sociais num bom artigo do que efetivamente olhar pra realidade do campo no estado.

(Professor Nilson Santos/R.M).

Mas, se pelas diferentes falas é possível dizer que a preocupação com uma educação

multicultural não ocorre de maneira efetiva na formação dos/as professores, essa é, na opinião

dos/as entrevistados/ uma realidade que se aplica não apenas ao curso de Pedagogia, mas ao

conjunto de toda a Universidade. Na fala abaixo, a professora pondera sobre a necessidade

que tal questão seja assumida com prioridade por todos os cursos oferecidos pela

Universidade.

E eu percebi que o curso de Pedagogia tem essa preocupação maior com essa formação do indivíduo, do professor como cidadão, como ser político, como ser

social, respeitando a cultura, a dos seus pares, à diversidade; e nós no curso de letras,

quando falamos de diversidade, de multiculturalismo, nós só pensamos na

linguagem em geral. Dentro da sociolingüística é que a gente reflete um pouco a

questão cultural. Mas essa é uma disciplina que nem é contemplada no nosso curso.

Então eu vejo que isso é importante de ser trabalhado, essa visão maior do homem,

do indivíduo. E eu vejo que isso ocorre em todos os cursos de licenciatura. Eu sou

de Letras, mas eu vejo isso em outras áreas, como por exemplo, a Geografia,

principalmente as exatas, Química, Física, Matemática, e outros cursos, e essa

reflexão deveria acontecer em todos os cursos independente de ser licenciatura. Não

se pode pensar no indivíduo só como profissional, mas no indivíduo antes de tudo, como um ser político, social que vai exercer uma profissão. (Professora Maria do

Socorro/ P.V.).

No entanto, a atual formação em todos os cursos é reflexo da Universidade atual que

se tem. Uma Universidade que como apontou outra professora do Campus de Rolim de Moura

anteriormente, não foi ainda capaz de discutir qual é sua verdadeira identidade. Por outro

lado, Chauí (2003) destaca que nos dias atuais a Universidade abandona a formação para

dedicar-se à fragmentação competitiva. É difícil falar em uma formação sólida, de um

indivíduo político, como menciona a professora, quando nas atuais condições de formação se

percebe na verdade um adestramento dos/as professores/as para atuar nas escolas regidas por

um sistema neoliberal.

Nesse sentido, a discussão sobre a inserção ou não da problemática multicultural na

formação dos/as acadêmicos/as do curso de Pedagogia requer um olhar sobre o papel que a

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Universidade vem assumindo nos dias atuais, o que implica uma discussão ampla sobre o

assunto.

De uma forma geral, os/as professores/as dos dois campi têm opiniões semelhantes

sobre a questão multicultural. Para eles/as essa temática agora é que começa a aparecer para a

Universidade o que talvez justifique a forma individualizada na qual as práticas e propostas

têm ocorrido.

A seguir analisarei o que os/as acadêmicos têm a dizer sobre a questão da educação

multicultural e sua relação com a formação que estão tendo acesso. Veremos até que ponto

eles/as percebem que estão passando por uma formação discente multiculturalmente

comprometida e ainda, o que têm a dizer sobre a materialização das questões colocadas

pelos/as professores/as nas experiências e relações vividas durante o curso.

4.3 – A versão acadêmica sobre a questão multicultural durante o curso

Nas falas dos grupos focais utilizarei siglas para definir os sujeitos participantes.

Além, da distinção entre acadêmicos/as professores/as e não professores/as, destacarei

também o campus no qual se fez (no caso dos/as acadêmicos/as egressos/as) ou estava sendo

feita a formação no curso de Pedagogia. Assim, será utilizada a seguinte sigla AP1RM, sendo

que AP1 corresponde à acadêmica professora número 1 e RM corresponde ao campus de

Rolim de Moura; do mesmo modo, usarei a sigla ANP1RM onde ANP1 significa acadêmica

não professora 1 e RM significa do campus de Rolim de Moura, e assim por diante. O mesmo

procedimento será tomado para Porto Velho. Neste caso, utilizar-se-á a inicial PV para

distinguir esse campus.

No caso de Rolim de Moura, o fato de serem dois grupos de acadêmicos/as não

professores/as, cabe distingui-los também, já que uma das preocupações em análises de

grupos focais está justamente no processo interativo, não se justificando unificar esses grupos.

Assim, utilizarei o número do grupo logo após a identificação do campus, da seguinte forma:

AP1RM¹ para participantes do primeiro e AP1RM² para participantes do segundo grupo.

Averiguar o acesso a que os/as acadêmicos/as tiveram a temas como cultura,

identidade, relações de poder, classes sociais, etc. durante a formação e sua percepção sobre

isso é importante tendo em vista o privilégio que os estudos sobre multiculturalismo dão a

essas questões quando se propõem estudar sua relação com a educação escolar. Além disso,

assevera Moreira (2001, p. 41) que ―considerar o caráter multicultural da sociedade no âmbito

da formação docente implica respeitar, valorizar, incorporar e desafiar as identidades plurais

em políticas e práticas curriculares‖. Assim, o/a professor/a necessita de uma formação que

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o/a ajude a refletir sobre os instrumentos que negligenciam a voz das identidades culturais,

suas manifestações, bem como os conflitos que emanam de uma sociedade multicultural em

que as diferenças estão presentes. Buscarei verificar, então, até que ponto e de que maneira o

curso de Pedagogia nos dois contextos pesquisados, privilegia esta reflexão.

Para os/as acadêmicos/as, essas questões estiveram presentes em diferentes

disciplinas. Porém, enfatizam que, enquanto algumas apenas passavam por esta discussão de

modo vago e impreciso, outras puderam enfatizar reflexões sobre a formação cultural do

Brasil. A fala a seguir contém alguns aspectos da discussão ocorrida nos grupos

desenvolvidos no Campus de Rolim de Moura.

O que eu me lembro que era assim bastante enfatizado quando eu estava na universidade era a questão da pluralidade cultural que o Brasil tem; era bastante

frisado pelos professores e, principalmente, procurando dar aos acadêmicos uma

visão de que isso fosse um ponto de riqueza, essa diversidade cultural, para o

trabalho com os alunos; explorar essa diversidade cultural, respeitar a diversidade

cultural dos alunos, o que cada aluno trazia pra sala de aula, então isso era bem

frisado nas aulas. AP1RM².

Algumas disciplinas são citadas pelos/as acadêmicos/as por terem privilegiado

reflexões sobre multiculturalismo, principalmente sobre identidade e grupos específicos,

como pode se perceber na fala abaixo:

No meu curso que também acabou agora no primeiro semestre do ano, também foi

bastante frisado isso na mesma linha, a gente começou estudando em Antropologia

muito essa questão da cultura; depois veio no último semestre a disciplina de Povos da Floresta que também a questão dos ribeirinhos, foi bastante acentuada essa

questão; e assim: eu vejo que não só pra quem trabalha na escola, mas isso vale

também para o convívio do dia-a-dia com as pessoas, com a comunidade; essa

questão de passar a compreender que a diferença na verdade ela é mais

enriquecedora do qualquer outra coisa, é uma junção de fatores que vão ajudar.

AP2RM².

Em suas falas, essas acadêmicas professoras enfatizam a importância de conhecer a

pluralidade cultural, pois esse conhecimento acaba levando-as a perceberem a questão das

diferenças e da necessidade de se respeitar à diversidade. Além delas, outros as alunos as

professores as confirmam, também terem abordado isso em outras disciplinas e atividades.

Desde o primeiro período já foi trabalhado em Relações Interpessoais esta questão.

Então já deu assim logo de entrada a preocupação de estar trabalhando isso em sala

de aula indiretamente. Só através de estar trabalhando conosco enquanto alunos para

em sala estarmos trabalhando isso também. Então o curso ele tem no seu programa

essa preocupação de estar trabalhando com a gente as diferenças de raça, de cor, de

linguagem, as diferenças sociais que existem entre grupos, entre as cidades, entre as

regiões. Inclusive num livro que nós trabalhamos sobre o Povo Brasileiro ele foi

bem claro nessa questão, de estar respeitando, trabalhando e aceitando também as diferenças sociais. AP2RM¹.

A fala da acadêmica revela uma preocupação com o reconhecimento de diferentes

aspectos ou categorias da diversidade (raça, cor, linguagem, diferenças sociais, diferenças

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regionais). Contudo, nota-se nessa fala, como também em outras que surgiram que, na maioria

das vezes, essas diferenças representam ―o outro‖ que impõe ao professor/a um cuidado maior

dentro de sala de aula. Se, por um lado, este é um aspecto positivo, pois revela a preocupação

em não homogeneizar práticas, o que desconsideraria o sujeito/aluno/a em questão, por outro,

Carlos Skliar (2003) tem questionado a maneira pela qual a diversidade tem sido abordada

nos cursos de Pedagogia, ocorrendo muitas vezes de maneira reformada apenas. Nas palavras

do autor:

É evidente que não se trata de acreditar ou não acreditar, de reconhecer ou não

reconhecer, de determinar ou não determinar a existência de uma pluralidade ou

polifonia ou heteronomia de vozes, corpos, línguas, mentes, gêneros, raças,

sexualidade, idades etc. na cultura e na educação. A questão radica no fato de que

muitas vezes a diversidade é utilizada como bálsamo tranqüilizante, talvez com o

objetivo de anular ou atenuar os conflitos culturais e seus efeitos; um bálsamo que

cria a falsa idéia de uma equivalência dentro da cultura e entre as culturas. Como assegura Bhabha14 (1998, p. 64), a afirmação da diversidade ―supõe o

reconhecimento de conteúdos e costumes preestabelecidos isentos de mistura e de

contaminação‖. (2003, p. 205) Grifos do autor.

Assim, o autor destaca que se privilegia a diversidade como um aspecto satisfatório,

enriquecedor, porém, não-conflitivo; o multiculturalismo é tomado por uma visão política

liberal, que se esgota na mera descrição das culturas e das diferenças. Sobre isso, Silva (2000,

p. 73) também destaca que:

Parece difícil que uma perspectiva que se limita a proclamar a existência da

diversidade possa servir de base para uma pedagogia que coloque no seu centro a

crítica política da identidade e da diferença. […] Em geral, a posição socialmente

aceita e pedagogicamente recomendada é de respeito e de tolerância para com a

identidade e a diferença. Mas será que as questões de identidade e de diferença se

esgotam nessa posição liberal?

Essa questão da valorização das diferenças, também foi citada em vários momentos

pelos/as acadêmicos as que não são professores as. Eles/as enfatizaram que essa discussão

ocorreu principalmente nas disciplinas de Análise Lingüística, Antropologia da Educação,

Didática e Sociologia. No caso da disciplina de Análise lingüística, os as alunos as

mencionaram que a questão da cultura aparecia freqüentemente quando se debatia sobre os

diferentes dialetos e sobre a regionalização, ou seja, sobre as diferenças lingüísticas presentes

em várias regiões brasileiras, como se observa na fala a seguir.

Na minha sala também no primeiro período, trabalhou um pouco em Sociologia. A

professora M15 falou muito sobre cultura e aí a gente falou bastante sobre essa

questão de regionalização aqui em Rondônia devido nós termos um estado que é

miscigenado; então aqui nós temos várias culturas, o sotaque nordestino, gaúcho, o

paranaense, os capixabas, os mineiros, foi falado bastante a respeito disso, inclusive

14 BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. 15 Sempre que aparecer nomes de professores/as do curso na fala dos/as acadêmicos/as utilizarei apenas as

iniciais dos nomes.

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nós tivemos uma pessoa que foi lá falou e um pouco sobre essa questão da

regionalização. ANP3RM.

Como ocorreu no grupo de acadêmicos/as professores as, as diferenças foram

novamente enfatizadas. Contudo, na fala abaixo, o aluno expressa uma outra dimensão das

diferenças relacionadas também a questão das classes sociais e não apenas dos grupos. Ele

destaca que o curso discutiu que é diferente trabalhar com uma criança que mora na periferia

e uma outra que vive em outra realidade socioeconômica.

[…] a princípio, de forma geral o que eu vejo é que os professores, em especifico

alguns, eles trabalham muito essa questão de saber, eu acho que pode dizer que está

relacionado, a questão das diferenças. Então é destacada muito mesmo por alguns

professores a questão de você saber lidar com essas diferenças culturais, mas só que

normalmente essas diferenças, ela está vinculada ao poder aquisitivo, não a questão

da etnia, igual ela falou índio, ou de onde vem, mas ao que é do nosso dia-a-dia

mesmo que a gente percebe que há diferença. Por exemplo, se alguém se formar e for trabalhar numa periferia, então tem que saber que está lidando com crianças de

periferia que tem que se adequar à realidade daquela criança. Então, em termos a

princípio, o que vem na minha mente relacionado à cultura, eu vejo mais essas

diferenças culturais que existem, mas relacionada à questão financeira, a classe

social, e nem tanto, sei lá essa questão de conhecimento. ANP6RM.

Fica claro que tanto o grupo de professores as como não professores as destacaram

que a compreensão da diversidade e das diferenças e a necessidade de respeitá-las, foram

algumas das questões enfatizadas durante o curso. A fala das participantes16

de Porto Velho

revela essa mesma preocupação como podemos observar no registro abaixo.

Uma das coisas interessantes que eu aprendi a ver com outro olhar na pedagogia é

essa questão da diversidade cultural. Você diz assim: ―ah! Determinado grupo de pessoas não tem cultura, é sem cultura‖, que é muito comum nós termos essa visão.

Mas todo mundo tem uma cultura. Então assim, durante as aulas de lingüística

mesmo a professora falava muito essa questão que não existe ninguém sem cultura,

existe diferenças, diversidades culturais. Então isso veio a contribuir até pra eu olhar

para os meus alunos hoje com um outro olhar; hoje, por exemplo, eles adoram

dançar forró, brega, então você fala em música pra eles é isso. E antes eu ficava:

―Ah que esse povinho não tem cultura, não conhece uma MPB! Não conhece um

jazz‖! Mas hoje eu já vejo que isso é a cultura deles, o meio que eles vivem, eles têm

acesso a esse tipo de conhecimento e que no fundo ela fica sendo bonita porque é

uma espécie de linguagem deles. E que quer queira ou não, nós estamos inseridos

ali, não adianta querer elitizar a cultura, porque cada grupo tem os seus hábitos, seus estilos. Então essa contribuição foi muito rica. Foi o aprendizado mesmo do curso de

pedagogia porque até então eu tinha uma visão totalmente diferente da questão da

diversidade cultural. AP4PV.

Essa fala, em especial, merece nossa atenção quando nos voltamos para a questão

multicultural, pois, nela fica evidente o aparecimento da preocupação com uma prática

pedagógica culturalmente engajada, centrada na cultura das crianças como propõem Ladson-

16 Sempre que me referir aos grupos focais realizados no campus de Porto Velho empregarei o substantivo no

feminino para indicar as participantes, pois não houve participação de acadêmicos do sexo masculino em

nenhum dos dois grupos.

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Billings, e Henry (2000). Também é possível perceber que o próprio curso contribuiu para

que algumas mudanças se instaurassem na vida dessa professora.

Primeiramente, a desmistificação do olhar da educadora sobre a cultura dos/as

alunos/as aos quais se refere. Isso fica patente na sua fala quando ela menciona a mudança

que houve nas suas próprias concepções, pois, se anteriormente as manifestações culturais

eram consideradas inferiores e inadequadas tendo em vista uma outra tradição, agora ela

reconhece ser possível encontrar na cultura do/a aluno/a conhecimentos que revelam, de fato,

qual é a sua identidade (isso é a cultura deles, o meio que eles vivem), os conhecimentos

gerados no interior do seu grupo (eles têm acesso a esse tipo de conhecimento) e ainda, que

isso tem um valor muito grande para o indivíduo. “No fundo ela fica sendo bonita porque é

uma espécie de linguagem deles”.

Se antes a professora via-se culturalmente distante dos/as seus/as alunos/as, o curso

propiciou para que ocorresse uma aproximação. Além, de reconhecer a si mesma como

inserida nessa cultura a professora enfatiza que ―não adianta querer elitizar‖. Segundo

Santomé (2005), essa clareza tem um peso fundamental na formação, pois,

Os programas escolares e, portanto, os professores e professoras que rejeitam ou não

concedem reconhecimento à cultura da infância e da juventude (cinema, rock and

roll ,rap, quadrinhos, etc.) como veículo de comunicação de suas visões da realidade

e, portanto, como algo significativo para o alunado, estão perdendo uma

oportunidade maravilhosa de aproveitar os conteúdos culturais e os interesses que

essas pessoas possuem como base da qual partir para o trabalho cotidiano nas salas de aula. Uma instituição escolar que não consiga conectar essa cultura juvenil que

tão apaixonadamente os/as estudantes vivem em seu contexto, em sua família, com

suas amigas e seus amigos, com as disciplinas acadêmicas do currículo, está

deixando de cumprir um objetivo adotado por todo mundo, isto é, o de vincular as

instituições escolares com o contexto, única maneira de ajudá-los/as a melhorar a

compreensão de suas realidades e a comprometer-se em sua transformação. (ibid, p.

165, grifo do autor).

Em segundo lugar, o discurso da professora revela que ela tem uma compreensão de

que a escola, a exemplo da sociedade, é um local onde o multi se encontra, um local que

demanda uma postura frente à diversidade e as diferentes realidades. Isso também é reforçado

na seguinte fala de outra aluna professora:

[…] muitos professores falam assim na universidade: ―vocês estão sendo formados

para serem professores, não pensem que vocês vão chegar numa escola perfeita, que

vocês vão ter os melhores alunos! Vocês podem ir para uma escola de periferia, ir

para uma escola privada e vocês vão ter que saber trabalhar com a diversidade‖. […]

Então você tem que saber trabalhar respeitando a cultura de cada um e assim poder desenvolver um bom trabalho em qualquer lugar que você está. AP3PV.

A opinião da acadêmica professora de número três, segundo a qual os/as

professores/as as advertem que ―não pensem que vocês vão chegar numa escola perfeita, que

vocês vão ter os melhores alunos! Vocês podem ir para uma escola de periferia, ir para uma

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escola privada e vocês vão ter que saber trabalhar com a diversidade‖, se encaixa

perfeitamente nessa visão de escola.

Por sua vez, respeitar a cultura significa questionar os conhecimentos que são

valorizados durante a formação. Não basta, por exemplo, saber que existem diferenças; é

preciso criar, dentro de uma proposta multicultural, espaço para que todas as culturas e

manifestações sociais tenham o mesmo valor. Por isso, está implícito na idéia de valorização

o questionamento a padrões homogeneizantes do conhecimento. De acordo com Trindade

(2000, p. 23).

A questão da diversidade cultural, antes de mais nada, é a questão de levar a criança,

levar o adolescente, desde a escola, desde o início da escola primária, a valorizar o

pintor, a valorizar o território onde vive, a não desprezar, como as gerações

passadas, o que não era letra, o que não é brilho tecnológico. A tecnologia importa,

mas nem sempre o brilho tecnológico é o que a tecnologia tem de melhor.

No entanto, como já enfatizado anteriormente, a valorização aparece muito mais, do

que o próprio questionamento em si. Além do mais, a forma como se reconhecem as

diferenças já coloca que há um lugar definido para cada uma delas, o que muitas vezes, leva a

uma visão inferiorizada da própria cultura de determinados grupos.

A princípio, a impressão que tenho ao analisar todas essas falas, é a de que ao abordar

temas específicos dentro das disciplinas, o curso possibilita que os principais conceitos

trabalhados pela idéia de multiculturalismo como diversidade cultural, identidade e diferença,

dominação cultural, classes sociais, etc. estejam presentes na formação. A diversidade é

enfatizada tanto no que diz respeito à constituição cultural do país (AP1RM²) quanto à

realidade mais próxima do Estado de Rondônia (ANP3RM). Esse caráter de pluralidade é

importante, pois reafirma a realidade multicultural do Brasil e do Estado em relação à

formação da população. Não fica claro, entretanto, se esta pluralidade é estudada articulada

com o processo histórico de colonização do Brasil.

Isso seria importante tendo em vista que, conforme aponta Darcy Ribeiro (1999), o

processo colonial foi o grande impulsionador da formação social e cultural do povo brasileiro

do modo como se configura hoje. Essa mistura, principalmente entre índios, europeus e

negros, não foi algo simplesmente casual; os interesses pelo poder e pela exploração

prevaleceram sobre as diferenças causadas pelo choque cultural que resultou numa

miscigenação entre esses grupos.

Além do mais, como mencionado por um acadêmico professor egresso, a dominação

cultural foi outra característica desse processo. Isso, de algum modo, se refletiu na educação e

transformou-se provavelmente em um dos tópicos de discussão no decorrer da formação

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quando ele menciona que ―a visão de estudar cultura era que se devesse ir lá conviver com

eles. Isso causaria de alguma forma uma mudança nos hábitos culturais já que estamos

influenciando, levando os nossos modos de ser pra eles‖ (AP4RM¹).

Entretanto, pouco se falou sobre o porquê dessa imposição cultural. Nesse sentido, as

relações de poder e de dominação entre diferentes culturas, não só a cultura indígena como

também a cultura negra e a cultura popular, de um modo geral foram bem pouco

mencionadas. De acordo com Lourenço Ocuni Cá (2000), ao se estudar os aspectos políticos,

econômicos e culturais de um país ou de um povo, geralmente as razões pelas quais

determinadas situações são instituídas nunca são apresentadas. Além disso, as repercussões

dessas imposições sobre o processo educacional também quase não apareceram nas falas.

Durante os grupos, apareceram uma ou duas falas apenas que retratavam a questão da

imposição cultural. Em nenhuma delas, todavia, se fazia uma relação com o pós-colonialismo

dentro da educação. Mesmo quando se discutiu sobre os materiais utilizados pelas escolas,

pouco se mencionou sobre como eles retratam determinadas culturas de maneira inferiorizada

e como enfatizam outras como superiores. Houve, no conjunto dos grupos realizados, apenas

uma fala de um acadêmico não professor em que ele comenta rapidamente sobre o tema.

Segundo ele ―nunca tem um negro que é o príncipe ou que é a princesa. A cultura ocidental,

a nossa colonização, por exemplo, sempre traz que o ocidental é melhor, sempre é trazido,

colocado nos livros didáticos, que continuam retratando isso‖. (AP5RM).

O livro didático é analisado pelo acadêmico como um tipo de narrativa que é escrita

sempre por mãos dominantes, expressando seu próprio ponto de vista sobre a sociedade. Mas,

a pouca freqüência com que análises como essa aconteceram durante os grupos, demonstra

que as questões relativas à colonização e suas conseqüências não têm um lugar de destaque no

curso de Pedagogia, o que nos leva a questionar sobre até que ponto a universidade se

preocupa com um currículo e uma prática educativa descolonizada.

Um outro problema levantado pelos acadêmicos/as expressa a dificuldade de conhecer

outras realidades. Assim, embora inicialmente nos dois campi, eles/as expressassem que

puderam discutir sobre diversidade e diferença, isso ocorreu muito mais no plano teórico do

que prático propriamente dito. Muitos/as acadêmicos/as se autoquestionam, se de fato seriam

capazes de valorizar plenamente as diferenças sem conhecê-las. Esse aspecto foi discutido já

que as oportunidades de interagir com pessoas diferentes ou grupos diferentes ficam, como

citaram os/as participantes/as, a cargo de alguns/as professores/as em decorrência de

atividades particulares. Não há uma meta ou um objetivo que coloque a Universidade frente a

frente com o desejo de privilegiar esse encontro durante a formação. Além do mais, esse

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trabalho, geralmente quando ocorre, é quase sempre dividido em grupos de modo que, não é

possível que se conheça melhor os aspectos culturais. Um exemplo dessa realidade vivida

pelo curso é a fala da acadêmica não professora de Porto Velho. Segundo ela:

Nós também estamos tendo a disciplina de Povos da Floresta e eu não sei como foi

dada a vocês, mas com a gente do quarto período o professor, ele dividiu grupos e

estamos indo para campo, para a FUNAI, SEMED; então nós estamos fazendo esse

trabalho. Mas assim, ele falou desta questão da cultura, que nós, como pedagogos,

deveríamos sair da sala de aula e não só imaginar que vamos ser pedagogos pra sala

de aula, mas que poderemos ser pedagogos para povos indígenas, e preparar a gente

para um outro ambiente; só que assim, nós estamos ainda indo a campo, tentamos fazer o trabalho, mas pelo menos pra mim não ficou definido ainda essa questão da

cultura, a proposta do professor que a gente vá a campo e que a gente consiga

assimilar esta questão das diferenças, mas pra mim ainda está faltando; esse trabalho

de campo não conseguiu suprir a necessidade que a disciplina está querendo.

ANP5PV.

Além do contato com os povos da Floresta, as participantes desse grupo destacaram

que entre as oportunidades que tiveram para conhecer crianças de diferentes realidades foram

realizadas atividades práticas em escolas particulares e escolas públicas. Além da divisão de

grupos, outra acadêmica, dessa vez professora, destacou as dificuldades financeiras como um

dos aspectos que dificultam aos/as professores/as oportunizarem maiores momentos de

intercâmbio e troca com realidades diversas conforme a fala abaixo.

Eu acho que falta sim um retorno, um suporte da universidade de estar dando essa oportunidade pra gente estar indo a campo porque olha, quando a gente quer fazer

algo, há um monte de dificuldade. Pra gente conseguir um microônibus é

complicado e para essas pesquisas quando se vai fazer, indígena, ribeirinha, precisa

de locomoção. Se é uma área ribeirinha tem que ir de barco ou de balsa, a gente tem

que tirar do bolso, e aí quando chega nessa parte do bolso todo mundo desiste, pesa,

então ninguém vai. Então essa questão do retorno para ficar só no teórico e não ir na

prática para o professor conversar como que está se dando o processo, essa

educação, como que está sendo a questão do multiculturalismo naquela área, naquela

região a gente não tem esse acesso realmente. […] A gente tem uma teoria só de

saber como que é, você visitar um professor naquela área e visitar realmente para ver

como que é aquele espaço a gente não teve e na verdade deixa muito a desejar porque eu vejo irmãos mesmo que moram em outro estado e eles fazem viagem para

o interior mesmo; eles vão pra campo, viajam, a universidade paga o ônibus, não

gasta um centavo só alunos do bolso. E aqui para a gente conseguir um ônibus é

complicado. Então a gente desiste. AP2PV.

A crítica realizada pela aluna não professora com relação aos trabalhos divididos em

grupo também é reforçada por outra acadêmica professora. Além disso, ela destaca que nem

todas as disciplinas dão prioridade a esse trabalho.

Na realidade nós fomos em vários órgãos, o que deixa muito a desejar é porque

assim: são divididas as equipes, e nem todo mundo pode ir no mesmo órgão e então

depois aquilo é socializado na sala, é claro que quem foi lá, quem teve a experiência,

a equipe que foi, eles vão assimilar muito mais coisas do que nós que estamos ali. Então é como ela falou: nós vimos, mas foi de uma forma teórica. Teoricamente

porque a princípio não deu pra entender porque cada equipe foi determinada para um

órgão. Então quem foi conheceu a realidade daquilo ali e eu acho que a única

disciplina que deu esse espaço foi Povos da Floresta que a gente teve esse contato

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nesse sentido que você está falando. Nós infelizmente fizemos um trabalho que era,

que não tinha escola aqui, que tínhamos que ir no campo, só que nos dias que nós

marcamos para ir era longe e não teve essa possibilidade, nós tivemos conhecimento

só através de projetos, de leituras, de relatórios de professores, de fotos, mas nós não

chegamos a ir lá exatamente; nós fomos num local que orienta os professores.

AP3PV.

A fala acima revela que é preciso olhar não só para a prática dos as professores as,

mas também para as condições de trabalho que a própria Universidade lhes oferece. Na

instituição, geralmente as disciplinas oferecidas têm uma carga horária de sessenta horas aula

teóricas ou oitenta horas sendo que vinte são destinadas à prática. Dentro desse tempo, é

preciso trabalhar os aspectos teóricos vinculados à disciplina e sua relação com a prática. No

entanto, a maioria dos/as professores/as se queixa de que este tempo é muito reduzido para

desenvolver o trabalho necessário, como ficou patente na fala de um professor de Porto Velho

ao falar sobre sua disciplina, só para fazer uma relação com o que dizem as acadêmicas:

Isso é uma paranóia muito grande porque você tem oitenta horas para lidar com uma

diversidade não só cultural, mas uma diversidade de vida muito grande. Você lidar

com a vida de muitas dessas comunidades em oitenta horas é absolutamente

impossível, improvável até. Provavelmente um curso de antropologia pudesse dar

conta disso. (Professor Nilson Santos/P.V.)

Somado ao fato de que os/as professores/as precisam fazer escolhas e dadas as

dificuldades econômicas que se agregam a isso como mencionou a acadêmica, esse tipo de

trabalho acaba ficando em segundo plano. A própria metodologia de seminários criticada pela

acadêmica, muitas vezes é utilizada para compensar o tempo de cada disciplina para discutir

assuntos amplos que não caberiam dentro do espaço reduzido de cada uma. A conseqüência é

que tais assuntos acabam ficando num plano muito abstrato não havendo uma compreensão

profunda sobre eles, como reclamam os/as acadêmicos/as do Campus de Rolim de Moura e de

Porto Velho.

Fica evidente também, que o aspecto multicultural do conhecimento do outro e da

realidade mais próxima das crianças, não é em si um projeto do curso, mas de disciplinas

específicas, uma vez que nem todas têm esse olhar voltado para a cultura e para as diferenças

como se manifestou nas falas observadas até o momento. Essa situação corrobora com o que

tem sido afirmado por Candau (2008) quando diz que a questão multicultural na universidade

é relegada à iniciativa de alguns/as professores/as de forma pouco sistemática.

No caso de Rolim de Moura, as oportunidades de conhecer e interagir com pessoas,

crianças, jovens e adultos, de diferentes classes sociais e grupos culturais foram associadas a

diferentes atividades. Em alguns casos ocorreram visitas a grupos específicos. Em outros,

privilegiaram-se os seminários e palestras. Entretanto, não só os/as acadêmicos/as realizaram

visitas como em alguns momentos as pessoas, nem sempre crianças, estiveram presentes no

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espaço da universidade. Além disso, os estágios foram apontados como uma das atividades

enriquecedoras no sentido de melhor conhecer outras realidades. A seqüência de falas a seguir

recolhidas do primeiro grupo de acadêmicos/as professores/as de Rolim de Moura aponta

algumas dessas atividades e oportunidades.

AP6RM¹: eu acredito que o estágio ele proporcionou alguns contatos. Quando nós

no nosso curso, por exemplo, nós fizemos estágio no Centro Educacional pra

conhecer a realidade, para saber as necessidades especiais, tivemos também

oportunidade do EJA, a educação de jovens e adultos, eu lembro bem. Também

tivemos a oportunidade de fazer pesquisa no Balão17. Não foi assim um estágio da

prática de sala de aula, mas pelo menos de conhecer um pouco da realidade da

Educação Infantil. E indígenas nós não tivemos contato com os povos indígenas,

mas tivemos palestras, seminários; pudemos trazer pessoas inclusive eu acho que até

um índio, alguém relacionado.

AP7RM¹: pra nós o que teve de diferente em relação ao estágio, foi num curso que a gente trabalhou com professores da zona rural que era um pouco diferente da zona

urbana, com salas multisseriadas em Nova Brasilândia.

AP1RM¹: a questão do contato, em matemática nosso grupo trabalhou com

etnomatemática; então cada grupo falava sobre um tema e o nosso grupo foi

etnomatemática. Então o nosso grupo foi até a feira e entrevistou o pessoal da feira

como que eles trabalhavam com essa questão da matemática, com cálculo mental,

cálculo por aproximação, como que eles desenvolviam isso no papel. Então foi um

assunto que nós abordamos, nós tivemos esse contato, mas nessa situação, sempre

voltado para a aprendizagem, olhando para o pedagógico e não para o cultural.

A partir dessas falas questionei esse grupo sobre o que eles haviam aprendido com a

cultura dessas pessoas nos momentos em que puderam entrar em contato com elas e

conhecerem-nas melhor. O objetivo era verificar até que ponto na prática a idéia de

valorização, de aprender com o outro e não apenas impor os seus próprios conhecimentos

presente nos discursos dos/as acadêmicos/as fazia-se valer. A resposta dada pela acadêmica

professora resume a idéia do grupo:

A importância de estar valorizando todas as culturas, que todos nós somos seres

humanos, todos nós temos as nossas dificuldades. Não é porque ele está lá no mato,

vamos dizer assim que ele é pior que a gente ou que ele não tem condições, que ele

não tem inteligência; pelo contrário, são pessoas como nós, dotados de capacidades.

Então eu pude aprender muito essa questão da importância de você valorizar o outro.

APR8M¹.

A fala da acadêmica, que neste caso está se referindo aos povos indígenas, deixa claro

que o que ela aprendeu, não decorreu do convívio com esse grupo, uma vez que a idéia de

valorização está implícita nas discussões teóricas do curso. Como ela, os/as demais

acadêmicos/as não destacaram em que sentido essa oportunidade de convívio trouxe-lhes

algum aprendizado que não tenha partido diretamente das questões vistas na Universidade.

17 Balão Mágico. Trata-se de uma escola pública municipal que atende alunos da Educação Infantil e séries

iniciais do Ensino Fundamental.

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Ainda no que diz respeito ao convívio com grupos e culturas diferentes, as falas em

geral, pareceram um pouco genéricas na medida em que, questões fundamentais como a

realidade indígena atual no Estado, os conflitos que vêem ocorrendo com relação à

demarcação de suas terras passou despercebida. Afinal, uma atitude multicultural requer

também o compromisso com a causa dos grupos desprivilegiados e oprimidos e não apenas

pelo reconhecimento daquilo que nos coloca em um local diferenciado em relação a eles. É

preciso indagar então se seria esse um papel da universidade também. Para responder a isso,

recorri a Giroux e McLaren (2005) que enfatizam ser necessária uma formação que eduque

os/as futuros/as professores/as para uma consciência social, para uma sensibilidade social.

Além do mais, é preciso articular os conhecimentos referentes às diferenças culturais com

outros elementos como classe, ideologia, etc., entendendo o curso de Pedagogia também

como uma forma de política cultural, que necessariamente busca entre outras coisas:

Enfatizar a importância de tornar o social, o cultural, o político e o econômico os

principais aspectos de análise e avaliação da escolarização contemporânea. […]

Nesse contexto a vida escolar deve ser conceituada não como um sistema unitário,

monolítico e inflexível de regras e relações, mas como uma arena fortificada em que

sobejam contestações, luta e resistência. Além disso, a vida escolar pode ser vista

como uma pluralidade de discursos e lutas conflitantes, como um terreno móvel

onde a cultura-de-sala-de-aula se choca com a cultura-de-esquina, e onde

professores, alunos e diretores ratificam, negociam e por vezes rejeitam a forma

como as experiências e práticas escolares são nomeadas e concretizadas. (ibid., p.

139).

Essa reflexão sobre a pedagogia como uma política cultural parece fundamental no

momento, uma vez que observei com certa freqüência um discurso sobre a valorização das

diferenças sem que se questionasse a superioridade instituída sobre esses grupos,

principalmente, a que está relacionada à desvalorização de suas práticas em âmbito escolar.

Quando feita a mesma pergunta sobre o que puderam aprender com a cultura de outros grupos

as acadêmicas de Porto Velho, foram raras as respostas como a que segue abaixo, dada pelo

acadêmico professor de Rolim de Moura ao mencionar o seu contato com uma comunidade de

assentamento em relação à questão matemática e a desmistificação dos conhecimentos

escolares a partir de um único modelo.

Eu lembro bem desse trabalho num assentamento […] o alvo de pesquisa nossa foi

Ubiratam de Ambrósio, um matemático que trabalha no Sul. […] Foi muito interessante essa experiência, a maneira como ele trabalha a matemática utilizando

as lavouras, na questão das hortaliças, então aquilo foi muito interessante eu me

senti assim, um pouco desmistificou essa questão da matemática que eu tinha em

mente que seria trabalhar só com fórmula na maneira tradicional que a gente é

formado. Então eu tive outra visão partindo desse trabalho que foi bem gratificante.

AP4RM¹.

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É interessante notar, que diferentemente desse acadêmico professor, diante desse

questionamento houve primeiramente perplexidade por parte dos/as outros as participantes,

principalmente no caso de Porto Velho, seguida de um silêncio apontando que a idéia

predominante é a de que entramos em contato com o diferente mais para ensinar, para mostrar

nossos próprios valores e paradigmas do que para aprender. Por outro lado, ao mesmo tempo

em que se reconheciam as diferenças elas tendiam a homogeneizar-se dentro de um mesmo

grupo como denota a fala de uma acadêmica de Porto Velho depois de ser questionada sobre o

que havia aprendido com a cultura das crianças de uma escola pública na qual havia

desenvolvido uma atividade de campo. Segundo ela:

É muito parecida com a nossa, é muito parecida com a nossa. Então aprender, como

eu poderia dizer que eu aprendi? Eu acho que eu mais observei como eles são

parecidos, não tem muita diferença. Geralmente você aprende alguma coisa quando

você vê algo diferente, mas a gente viu que eles são pessoas muito parecidas.

AP3PV.

Isso demonstra que, se por um lado, a orientação multicultural esteja presente, por

outro não se caracteriza por um multiculturalismo de trocas, de aprender com o outro. Além

disso, parece que a visão que o curso está proporcionando é muito mais de respeito do que de

tomar para si a responsabilidade para com a questão, no sentido de assumir definitivamente

essa causa em termos concretos e coletivos. Essa questão é interessante, pois se entende que

interferir não é ir contra o multiculturalismo. Ao contrário, se não se interfere em nada, corre-

se o risco de estimular o que já está posto como preconceitos, discriminações e injustiças. Mas

para que haja essa atitude de intervenção é necessário que o/a educador/a conheça também

sua própria condição. Isso aponta para o fato de que conhecer o outro, aproximar-se dele

implica conhecer primeiramente a si mesmo/a.

Segundo Marildo José Nercolini (2005), o respeito à diferença passa pelo seu

reconhecimento, ou seja, pelo conhecimento sobre as próprias origens que nos distinguem dos

demais. Assim, o autor defende a idéia de que ―aproximar-se e deixar-se tocar pelo

desconhecido, mesmo correndo-se o risco do enfrentamento, do conflito, parece ser uma

maneira mais profícua ainda que certamente mais trabalhosa de entender o outro‖ (ibid., p.3).

Nesse sentido, uma das questões a serem privilegiadas é a própria tomada de

consciência sobre as suas próprias origens. Durante a realização dos grupos focais os as

participantes foram questionados com relação às oportunidades propiciadas durante o curso

para que eles as pudessem conhecer e refletir melhor sobre sua própria identidade, sobre os

grupos aos quais pertenciam. Embora alguns tentassem se posicionar, houve muita dificuldade

para discutir essa temática e para definir a si mesmo/a como possuidores/as de uma história;

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enquanto alguns se recordaram de poucos momentos e disciplinas que auxiliaram nessa

descoberta as opiniões divergiram quando se buscou evidenciar se de fato tal reflexão era

propiciada. Vejamos a fala de uma acadêmica professora de Rolim de Moura:

Eu acho que isso não foi contemplado enquanto grupo. Foi contemplado enquanto

pessoa em algumas disciplinas quando a gente tinha que refletir sobre a nossa

formação, mas voltada pra formação profissional. Então quando a M fez a gente

refletir sobre as nossas primeiras experiências com a leitura, dos nossos primeiros

professores, isso permitiu um resgate desse momento histórico, mas enquanto grupo

social, a que classe eu pertenço não. AP1RM¹.

O próprio conceito de identidade pareceu obscuro para os/as participantes de todos os

grupos de Rolim de Moura e de Porto Velho. Diante disso, buscou-se explicitar melhor a

questão enfatizando como exemplo que o próprio curso de Pedagogia recebia alunos/as de

diferentes locais como acadêmicos/as procedentes da realidade do campo, dos sítios

próximos, e acadêmicos/as do meio urbano. Essas pessoas possuem identidades diferentes,

pois, uma pessoa que mora no campo pertence a um grupo que tem certas práticas diferentes

de quem mora nas cidades. Após tal explicitação, outros se arriscaram a analisar o curso sobre

esse perfil enfatizando que:

Nas aulas da A, que ela trabalhava Sociologia e com o R porque eu me lembro que um dia tava tendo um movimento de greve e aí ele puxou essa discussão na sala de

aula. E nós começamos a falar de consciência de classe, e ele foi perguntar: ―a que

você atribui a consciência de classe? porque você acha que pertence a essa classe?‖

Então foi uma discussão assim muito interessante porque propiciou todo mundo a

pensar: ―puxa, porque que eu penso diferente? Porque que a Fátima pensa assim,

mas eu penso diferente dela?‖ Então tava exatamente na chamada consciência de

classe; eu tenho consciência de que eu pertenço a essa classe por essa e por essa

razão; que eu tenho a minha ideologia política, a minha ideologia com relação a uma

série de coisas porque as minhas origens me permitem isso. AP7RM¹.

Na opinião da professora, saber a que classe pertence é uma condição essencial para

tomar consciência também de como as diferenças são produzidas. A relação entre identidade e

diferença é um dos aspectos estudados por Silva (2000) em relação às sociedades

multiculturais. Para ele, uma gera a outra, pois ao nos afirmarmos como pertencentes a um

determinado grupo estamos por outro lado enfatizando o que também nos diferencia desse

―outro‖. Assim, entre esses dois elementos sempre estarão presentes relações de

―diferenciação‖ que muitas vezes se traduzem também em relações de poder. Segundo o

autor:

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as

operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer ―o que somos‖ significa também dizer ―o que não somos‖. A identidade e a diferença se traduzem, assim, em

declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está

incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras,

significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está

sempre ligada a uma forte separação entre ―nós‖ e ―eles‖. Essa demarcação de

fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e

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reafirmam relações de poder. ―Nós‖ e ―eles‖ não são, neste caso, simples distinções

gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marcadas

por relações de poder. (SILVA, 2000, p. 82).

Entretanto, ficou evidente que a noção de identidade era alcançada muito mais pelas

experiências individuais em espaços não acadêmicos como demonstra a fala de um dos

participantes de Rolim de Moura que ainda não havia concluído o curso de Pedagogia. Nas

suas palavras:

[…] pra mim, eu não lembro, nunca fiz uma reflexão dentro de sala de aula ou

através de alguma discussão ou trabalho de professor nesse sentido de trabalhar a

identidade […] o que eu tenho, o que eu conheço de mim é mais vamos dizer assim

com conhecimento adquirido socialmente, por exemplo, a questão das características

de cada um, da região de Rondônia, como identidade própria, no caso em relação a

sotaque, os cariocas tem uma característica de puxar o S. Mas assim, no curso

específico eu pra mim ainda não teve isso. Pra mim! ANP6RM.

Essa fala do acadêmico demonstra que o curso precisa aprofundar seus conhecimentos

sobre identidade e sobre como busca inserir os/as alunos/as à sua própria cultura. Isso é

enfatizado não só do ponto de vista individual e social, mas também como uma necessidade

profissional que pode inclusive comprometer a atuação pedagógica. Dessa forma, este mesmo

acadêmico destaca uma outra importância na questão da identidade que é favorecer ao

professor/a conhecer melhor o/a aluno/a com o/a qual trabalha. Assim, ele enfatiza que:

[…] porque seria importante então a gente saber construir a nossa identidade, juntar

informações pra poder construir isso? Justamente porque sabendo isso a gente

também deduz pra poder auxiliar a criança nessa construção e até mesmo

compreender a identidade dela pra poder tá criando alternativas, sei lá, metodologias

pra adequar à necessidade delas; então a partir do momento que você conhecer, ter uma idéia de onde ela veio, que tipo de pais elas têm, mas o curso nesse sentido, a

minha idéia é que ele ta muito assim, pra mim ele não me ensinou, a tecer esse

caminho, ele já foi lá na frente porque se eu for pensar essa questão de identidade

utilizando ela como instrumento pra auxiliar no desenvolvimento da criança porque

o que se fala muito é sobre conhecer a criança, eu conhecer o meio que ela vive,

então pra você conhecer ela você tem que saber juntamente com ela ou não sei,

descobrir essa identidade e se você não sabe fazer com você mesmo quem dirá com

a criança. ANP6RM.

Para uma concepção de educação que deseja privilegiar essa orientação multicultural,

não se pode perder de vista a importância dessa preocupação do acadêmico, uma vez que nos

projetos de formação desenvolvidos com professores e professoras de escolas públicas,

Moreira e Candau (2003) verificaram, que entre os/as educadores/as ―os níveis de

autoconsciência da própria identidade cultural encontram-se, na maior parte das vezes, pouco

presentes e não costumam constituir objeto de reflexão pessoal‖ (ibid, 2003, p. 167). No caso

específico de Porto Velho, apenas duas pessoas do mesmo grupo mencionaram essa questão

da identidade. Para elas, houve dois momentos em duas disciplinas específicas que

privilegiaram isso. Vejamos:

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Eu penso que os textos de filosofia, filosofia da educação contribuiu muito para essa

análise, essa busca de identidade, o que eu estou fazendo, quem eu sou, refletir sobre

você. Assim, uma espécie de autoconhecimento mesmo, como ela falou, de repente

as coisas não vem assim tão claras, mas você tem que interpretar o que vem

colocado nos textos, o que contribui para essa autodescoberta, mesmo porque eu

penso que quando a gente é mais jovem não está preocupado muito com essa

questão do conhece-te a ti mesmo, o autoconhecimento para que você se

compreenda melhor, consiga se relacionar melhor com os outros. AP4PV.

Nós tivemos também a disciplina de relações interpessoais que também ajuda

bastante tanto em relação a você se perceber como também saber perceber o outro.

Então isso ajudou. AP1PV.

Mas a identidade não está relacionada apenas à qual grupo social pertencemos. Além

disso, influencia também naquilo que somos outros fatores como a questão de gênero, a faixa

etária, a profissão, o espaço geográfico habitado. Esses fatores quase não foram citados

pelos/as participantes. Em alguns casos se fez relação à questão geográfica que aparece nas

falas abaixo.

[…] pegando um pouco do que você falou, eu também sou de Rondônia, mas meus

pais não são: minha mãe é mineira e meu pai é paulista; quando você nasce aqui você não tem essa definição de uma cultura definida, meu pai fala assim bem

arrastado o r de paulista, minha mãe é mineira, mas apesar de tudo são de baixa

renda também e agricultores. Acho que a maioria do estado, sei lá; a própria cidade

de Rolim de Moura você vê que a maioria das pessoas são de classe baixa. Rolim de

Moura tem poucas pessoas digamos assim de classe média, considerada classe

média. É considerada classe média uma família que tem uma renda de dez mil reais,

de quatro mil reais acima. Então, um padrão de vida bem mais elevado e isso

influencia às vezes; você não tem uma definição. ANP5RM.

Já a questão de gênero praticamente não foi mencionada como uma marca da própria

identidade tanto por parte dos/as acadêmicos/as de Rolim de Moura como nos grupos de Porto

Velho onde somente havia mulheres participando. Questionados sobre o fato de não terem

citado a idéia de identidade enquanto mulher, visto que esse é um dos aspectos discutidos pelo

multiculturalismo, ou seja, a condição feminina na sociedade, apenas uma participante diz ter

se recordado de um momento descrito da seguinte maneira:

Houve. Nós discutimos muito isso com o I. Ele constantemente falava da questão da

mulher, da valorização da mulher na cultura, no trabalho, na própria família. Todas

as vezes que nós discutimos sobre isso ele falava que tem muitas mulheres que se

dizem independentes, que se dizem totalmente livres, mas muitas vezes fora de casa

ela era realmente uma mulher independente, uma mulher autônoma que sugere

idéias, mas dentro de casa ela é totalmente submissa ao marido. Isso ele enfatizava

muito; como uma mulher pode ser independente, autônoma, mas se dentro de casa

ela se submetia aos caprichos do marido, a coisas que iam contra aquilo que ela

tinha no seu interior, coisas que ela não concordava, não aceitava, mas que vinha do marido ela se via obrigada aceitar. AP3RM¹.

Percebe-se assim, que mesmo que se defenda no interior do currículo uma determinada

visão de pedagogia, de acordo com o conjunto maior dos/as acadêmicos/as, tal visão não é

colocada em prática de forma sistemática pela instituição. Isso porque, de acordo com as

falas, nem todos buscam operacionalizar nas suas práticas e através dos estudos realizados

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durante as disciplinas pedagógicas que lecionam os princípios pedagógicos defendidos pelo

grupo.

Para finalizar esta parte, cabe estabelecer um paralelo com o que disseram alguns/as

professores/as do curso, ao apontarem que atualmente a Universidade encontra-se distanciada

dos problemas reais que afligem a sociedade e a escola. Entre os/as acadêmicos/as essa

preocupação também ocorreu com bastante ênfase. Em várias situações eles/as questionam a

formação que estão tendo acesso, que na maior parte das vezes, está centrada tão somente nas

―quatro paredes‖ da sala de aula. Como comenta o acadêmico na sua fala abaixo:

[…] a nossa formação não sai daquelas quatro paredes. A mesma coisa a escola. A

escola não consegue sair pra sociedade. Fica presa ali. A mesma coisa a

universidade. Termina o semestre, o curso às vezes ninguém nem conhece a

universidade, nem sabe o que é a universidade porque fica isolada lá. AP5RM.

Essa fala em especial nos remete à preocupação da professora Marli Zibetti, no item

anterior, quando ela menciona que a formação está muito centrada no que acontece em sala de

aula, sendo de fundamental importância criar outros espaços e outras experiências de

formação. Por outro lado, essa mudança na formação, que poderia aproximá-la de uma

perspectiva de educação multicultural não tem ocorrido tanto na visão dos/as professores/as

do curso de uma forma geral, como na opinião dos/as acadêmicos.

A seguir, finalizarei este capítulo, trazendo algumas contribuições da lingüística para a

idéia de valorização da diversidade. Muitas das questões a serem apresentadas, possuem

semelhanças com o que já venho discutindo. A linguagem apareceu, porém, como um

momento privilegiado de debates sobre o tema, motivo pelo qual estarei abordando o assunto

a partir de falas dos/as acadêmicos/as nos grupos focais e dos/as professores/as nas

entrevistas.

4.4 – A abordagem lingüística: ênfases e omissões

A questão lingüística apareceu, especialmente, nas falas dos/as acadêmicos/as como

um dos elementos que mais privilegiou a discussão sobre aspectos envolvidos com o

multiculturalismo, principalmente em relação aos preconceitos, a diversidade cultural,

identidade e diferença. Foi ao discutir sobre o tema também que os/as acadêmicos/as relatam

ter visto algo sobre a diversidade cultural e lingüística presente no território brasileiro.

Em suas falas, tanto professores/as como acadêmicos/as destacaram a relevância da

questão da linguagem, enfatizando as contribuições que a lingüística, notadamente, tem

trazido para a percepção cada vez mais acentuada da diversidade que existe, ao mesmo tempo

em que colocaram alguns pontos que poderiam ser mais bem abordados, como a dificuldade

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de transpor para a prática da sala de aula o que estudam durante o curso, no caso dos/as

acadêmicos/as professores. Neste subtítulo, destacarei algumas dessas ênfases, bem como as

omissões.

Notei que entre os/as professores/as, até mesmo aqueles/as que não trabalhavam com a

disciplina de análise lingüística ou áreas afins, destacaram as contribuições do tema. Ao

comentar sobre de que modo a linguagem pode cooperar com essa compreensão do

multicultural a professora de Antropologia da Educação do campus de Rolim de Moura relata

que:

Ela pode contribuir e muito. Tanto é, que isso eu trabalhei com os alunos em sala de

aula, e por isso eu pedi pra eles lerem o livro o preconceito lingüístico; lá ele deixa

bem claro que nós temos que compreender a pessoa como ela fala. O aluno fala

―probrema‖, ―nós fumos‖, ―ponhar‖, aquela coisa toda, nós não temos simplesmente

que ficar falando pra ele que está errado. Nós temos primeiro que saber de onde ele

vem, como ele vem, qual é o seu grupo cultural, como que ele é; não é simplesmente

dizer pra ele que o seu grupo está errado, mas trabalhar essas questões. Então a

língua é claro, a gente sabe; a mesma coisa: eu abro a boca alguém já diz: você é

gaúcha né? (Professora Arlene/R.M.).

A fala revela que a reflexão sobre língua e linguagem não ocorrem durante o curso

apenas nas disciplinas que estão diretamente relacionadas com essa temática. Em muitas

situações, as disciplinas que abordam aspectos sobre cultura, estabelecem uma relação com a

linguagem. Nesta fala da professora, por exemplo, ela relaciona a linguagem com a

construção e valorização da sua identidade, ou seja, a sua história. Essa relação também

apareceu em outras falas; quando, por exemplo, durante a disciplina de Teoria e Prática em

Educação dos Povos da Floresta, o professor do Campus de Porto Velho aborda os diferentes

povos que habitam o espaço rondoniense, ocorrem algumas reflexões sobre a linguagem

desses povos, embora esse não seja o foco da disciplina como ele enfatiza na fala abaixo:

Basicamente essa questão específica que você abordou com relação a linguagem ela

não é uma preocupação da disciplina. Ela até pode fazer parte, numa questão

acessória na verdade, a forma como as pessoas se expressam, o modo como elas organizam aquilo que elas dizem, isso talvez possa aparecer, mas, muito mais na

perspectiva de se entender a concepção de mundo que ela traz. O desdobramento

que isso possa ter na constituição, na organização da linguagem não. (Professor

Nilson Santos/ P.V.).

Essa relação tem sido importante, na opinião dos/as acadêmicos, pois demonstra que a

linguagem é uma forma de conhecer a cultura dos/as alunos. Valorizar a linguagem torna-se

uma forma de dar margem ao conhecimento da própria identidade do sujeito, como menciona

uma acadêmica não professora de Porto Velho, ao comentar que:

Outro cuidado também que a professora nos alertou é o seguinte: que a linguagem

tem que ser trabalhada de um modo, com cuidado porque é algo tão pessoal do

indivíduo que é igual patriotismo. Eu sou brasileira, então isso eu levo comigo

independente do país que eu for. A linguagem é a mesma coisa, é sua identidade; se

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a pessoa te desrespeita e diz que não é assim, você vai ser ferido lá dentro!

ANP3PV.

Com relação ao ―desrespeito‖ mencionado pela acadêmica, um dos aspectos

enfatizados pelas professoras que ministravam a disciplina de Oralidade e Escrita e Análise

Lingüística, no campus de Porto Velho, foi sobre o preconceito lingüístico, fenômeno que, na

opinião das professoras, está diretamente vinculado ao multiculturalismo.

Nós da linguagem atacamos diretamente o preconceito lingüístico, a gente tem que

observar porque que existe esse preconceito lingüístico. Quer dizer, muitos dos

preconceitos lingüísticos advêm do multiculturalismo. Então hoje o curso de

pedagogia da Unir está olhando de frente essa questão do preconceito e,

consequentemente, o multiculturalismo está sendo observado. Porque uma das

razões do preconceito, a raiz dele é o multiculturalismo, até porque a gente tem uma

influência da migração nordestina, por exemplo; eles têm um dialeto marcado e a

gente sabe de histórias de professores que foram demitidos de sala de aula aqui em Porto Velho, porque aquela linguagem não era boa; ―imagina, os alunos não estão

entendendo! O professor não sabe falar‖, e coisas desse tipo a gente já ouviu

histórias assim. E essas histórias sempre aparecem como ilustração negativa nas

nossas aulas no curso de pedagogia. Então está aí o multiculturalismo garantido já.

(Professora Iracema Gabler/P.V.).

A diversidade geográfica é outro aspecto abordado pelos/as professores/as que

ministram as disciplinas que tem afinidade com a questão lingüística. Segundo eles/as, essa

abordagem permite discutir aspectos do multiculturalismo, do caráter histórico e social da

língua para um determinado grupo. Essa diversidade é enfatizada, sobretudo, no nível da fala

e do vocabulário, de palavras que em determinadas regiões são grafadas diferentes, porém têm

o mesmo significado. Abaixo o professor do campus de Rolim de Moura evidencia algumas

estratégias utilizadas por ele durante a formação.

Eu tenho trabalhado os seminários, por exemplo, a questão das culturas, dos falares

das regiões. A cultura de um modo geral o que determinada região tem adequado,

tem assim assimilado de cultura forte que tem sido transmitida de geração a geração, e dentro desse processo aqui de Rondônia, como há certa mistura de toda essa

cultura, então tenho procurado trabalhar com os professores e até com os alunos,

oferecer a eles condições, meios para que eles possam descobrir através de

observações, através de um contato direto essa questão do multiculturalismo e

respeitando a posição, a cultura, o conhecimento de cada região. A estratégia tem

sido essa, através de observação, através do não preconceito em relação à fala, em

relação a certos costumes que as pessoas já trazem de fora que é uma herança

transmitida de geração a geração. (Professor Paulo Feitosa/R.M).

Entretanto, se por um lado, há uma ampla discussão, como afirmam os/as

professores/as, em relação ao preconceito lingüístico e à necessidade de respeitar a linguagem

do/a educando/a, levando-se em consideração toda a diversidade geográfica e cultural, uma

das dificuldades manifestadas pelos/as acadêmicos/as mostra a maneira pela qual as

manifestações lingüísticas dos alunos e das alunas são inseridas no espaço escolar. Do ponto

de vista prático pedagógico os/as acadêmicos/as relataram ter dúvidas sobre como promover

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essa valorização e em algumas situações apareceram falas como a que segue abaixo de uma

acadêmica professora:

Eu tenho uma menina na sala, alfabetizanda, que ela escreve relativamente bem, mas

ela vem de um ambiente sócio-cultural muito pobre, em que as pessoas falam

muito errado na linguagem oral; então ela ainda ta presa, ela ainda escreve como

ela fala, nóis fez, nós vai, mioca, manhãã, intau. Ela está muito presa nisso ainda e

ela passa comigo poucas horas e todo o ambiente dela fora da escola. Então eu procurei, conversei com a mãe, mas a mãe veio, conversei com o pai, com os

coleguinhas e você vê assim do ambiente onde ela está, eles falam como ela fala.

Então, o texto que ela produz e o texto que outras crianças produzem falando sobre o

mesmo assunto, o texto dela ainda traz muito esse vínculo do meio de onde ela vem.

E isso é complicado, você tem dificuldade em trabalhar com isso. AP1RM¹.

Primeiramente, é preciso levar em consideração o fato de que a acadêmica admite

haver dificuldade em trabalhar com a questão. Há, no entanto, alguns aspectos na sua fala que

merecem uma atenção. Quando primeiramente ela se refere, por exemplo, ao ambiente

cultural da criança, dizendo ser este ―muito pobre‖. Em que sentido estaria a professora

utilizando este adjetivo? Que parâmetro ela utiliza para diferenciar um ambiente cultural

como rico ou pobre? Estas questões são relevantes, pois podem evidenciar duas

interpretações. Em primeiro lugar a professora acadêmica poderia estar se referindo às

condições de acesso da família da criança aos materiais socialmente aceitos e disponíveis na

sociedade, como livros, revistas, músicas, etc. Mas, por outro lado, pode-se interpretar sua

fala como algo que simplesmente inferioriza a cultura da criança.

De qualquer forma, a prática da professora procura silenciar o modo de falar da aluna.

Seu ambiente social é considerado o fator fundamental para a sua ―fala errada‖. Ao contrário

de valorizar, como se tem discutido amplamente durante a formação, ocorre nessa situação o

contrário, ou seja, a fala que é típica do ambiente da criança, de seu grupo, e que, portanto faz

parte de sua história, da constituição de sua própria identidade é vista como um aspecto

negativo, como algo que deve ser evitado e substituído por uma forma mais ―coerente‖.

Isso mostra que, se dentro da universidade, discutem-se esses aspectos, quando os/as

acadêmicos/as se deparam com uma sala de aula, eles/as têm dificuldade para desenvolver

uma prática coerente com o que aprenderam. Em muitas situações, passam a empregar a regra

da imposição, tentando fazer com que as crianças abandonem suas próprias formas de falar

para que aprendam o ―socialmente correto‖, como expôs Mota (2002). Quais seriam as

conseqüências dessa negação, da não aceitação da fala da criança no espaço escolar? O

apagamento da herança cultural de sua família (THIONGO, 1986) e o reforço de sua condição

de subalterno.

Se essa dificuldade é uma realidade a ser encarada, observei que, embora isso não

esteja chegando como deveria na prática, esta não deixa de ser uma preocupação dos/as

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professores/as do curso. Assim, notei durante a entrevista com a professora da disciplina de

Teoria e Prática em alfabetização do campus de Rolim de Moura, que em vários momentos

ela se referia a esse distanciamento que a escola causa em relação à fala das crianças. Numa

dessas falas ela exemplifica um pouco do que se discute durante a disciplina com relação a

isso:

A gente discute as diferenças entre oralidade e escrita; eu procuro mostrar para eles

que para as crianças, a questão da fala não é uma questão de corrigir, de desvalorizar e, para as crianças aprenderem a escrever essa escrita padrão, não é isso que vai

melhorar, no caso de você corrigir a fala, mas de você permitir que elas tenham

acesso a outras linguagens. Em alguns textos que a gente estuda fica muito claro

isso, que para algumas crianças, aprender a linguagem que está nos livros é como

aprender uma segunda língua porque ela se torna tão distante da realidade deles que

é como se fosse aprender uma outra língua. Porque o jeito dele de dizer coisas não é

o jeito que está nos livros e eu procuro mostrar para os alunos que eles também não

falam do jeito que está no livro, do jeito que eles acham que falam tão corretamente

assim. A fala é muito diferente da escrita. Então essa discussão ela é forte na nossa

disciplina, e aí a partir da familiarização das crianças com textos escritos é que elas

vão saber como é que se escreve porque a fala nunca vai acompanhar aquilo que está no texto e que a questão da regularidade da escrita, a questão de uma ortografia deve

ser trabalhada com as crianças dessa forma, como uma coisa, algo que precisa ser

sistemático para que todos possam ler aquilo que está escrito, seja aqui, seja em um

outro lugar que fale a mesma língua, mas que isso não precisa ser na oralidade.

Então essas discussões a gente tem feito. Na análise lingüística também uma época o

pessoal andou lendo O Preconceito Lingüístico, do Bagno, daí isso sim, às vezes

eles trazem para nossa discussão. A Língua de Eulália uma época eles leram, aí eles

dão uns exemplos, isso eu percebo que eles relacionam quando a gente trabalha lá na

frente. Mas a gente tem lido pouco o pessoal da área de lingüística. Agora que eu

tenho trabalhado com as meninas do projeto de pesquisa que eu fui ressuscitar

algumas coisas que eu trabalhava mesmo, o próprio texto do Cagliari, O Príncipe que virou sapo que discute muito bem essa questão que a criança chega na escola

falando uma linguagem e a escola faz ela esquecer o que ela fala para falar outra. E

até o livro da Magda Soares, Linguagem e escola: uma perspectiva social, que eu

trabalhava na época em que eu trabalhava com Sociologia da Educação e depois eu

não trabalhei mais. Então na verdade a gente trabalha isso. Eu acho que eu não

trabalho muito as outras coisas. Na perspectiva lingüística a gente trabalha muito

pouco, mais é esta discussão porque a base do nosso trabalho tem muito essa base

ainda construtivista mesmo, das hipóteses de escrita. Então o que eu tenho tentado

fazer agora é fazer com que os alunos tenham algumas possibilidades de trabalhar

com algumas coisas mais próximas da realidade das crianças. Agora mesmo eu estou

orientando um projeto de estágio das meninas que vão estagiar lá no Cândido, e aí

eu pedi, até sugeri, para trabalhar um projeto com o tema dos bichinhos de estimação das crianças. Para primeiro ouvi-las, saber o que elas sabem e tal, porque

daí eles podem falar muito e escrever sobre isso, sem muita preocupação sobre que

tipo de texto que vai sair para ver se a gente consegue dar mais liberdade para as

crianças escreverem à sua maneira as suas histórias. (Professora Marli Zibetti/R.M.).

Além de apontar diversos/as autores/as que dentro da Pedagogia trazem esse tema, no

início de sua fala, a professora expressa qual é sua concepção com relação ao ensino da

linguagem na escola, de como, preferencialmente, ele deve acontecer. Se para a acadêmica

professora, isto não está claro na sala de aula, ao analisarmos a fala da professora fica claro

que isso é tratado durante a formação. Porém, não se deve generalizar uma vez que a própria

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professora admite que pelo caráter da disciplina, e pelas escolhas que precisa fazer, a questão

lingüística é pouco privilegiada.

É importante ressaltar que, valorizar a forma de falar do/a educando/a, não significa

para a professora, negar a ele/a o direito de aprender as variações escritas da norma culta.

Mostrar para os/as alunos/as que independentemente da sua própria fala, existem outras

formas, e possibilitar que essas formas possam ser aprendidas foi um dos aspectos defendidos

pelas acadêmicas do campus de Porto Velho. Nas palavras de uma delas:

Independente da linguagem que eles utilizam, da forma como eles falam não ser

errado, eles necessitam de que a escola forneça o acesso a essa linguagem padrão, a

gramática normativa, mas não necessariamente, vai se ensinar o português na escola,

principalmente nas séries iniciais baseado só na gramática normativa e na língua

padrão. Você vai aproveitar essa linguagem que ele tem, do cotidiano que eles

trazem pra trabalhar a questão das diversas formas de falar e interagir, mas não

menosprezando a necessidade de incluir a linguagem padrão. AP4PV.

Mesmo as acadêmicas que não estão atuando em sala de aula justificaram, tendo por

base o que aprenderam durante o curso, principalmente nas disciplinas de Análise Lingüística

e Oralidade e Escrita, a diferença que faz na vida de um/a estudante permitir a ele/a valorizar

a sua forma de falar, e ao mesmo tempo poder se apropriar de outras formas. Na fala abaixo, a

acadêmica não professora menciona que isso é bastante frisado pelos/as professores/as

durante o curso.

Só tem uma questão da linguagem que é não dizer que o aluno está errado quando

ele pronunciar uma palavra, que está diferente da forma padrão, mas está na forma

usual; então não dizer que está errado, mas dizer pra ele que, existem regras que ele

precisa obedecer, mas que o jeito que ele fala também é correto, só não está na

forma padrão; então as professoras sempre dão ênfase a isso; não dizer ―não é assim que fala‖ e corrigir pra ele mudar o jeito de falar, mas só dizer que ele tem que

obedecer a certos critérios, que ele pode de qualquer modo falar, mas não pode

escrever na prova porque realmente existe uma norma padrão. ANP3PV.

Se, porém, ao contrário do que disseram as participantes de Porto Velho, essa

ampliação do que o/a aluno/a sabe em relação ao uso social da linguagem não ocorre, a escola

mantém a criança em seu nível de conhecimento negando-se a ajudá-la a emancipar-se

socialmente. Essa ressalva apareceu na fala do professor da disciplina de Teoria e Prática em

de Educação dos Povos da Floresta de Porto Velho.

Bom, eu vejo uma decadência muito grande da escola. A escola tem-se negado a

ensinar até. A escola às vezes me parece o lugar do não-saber. Acho que as pessoas

leram mal Paulo Freire. A realidade local, o conhecimento que as pessoas trazem

para a escola, o senso comum, depende do termo que a gente queira utilizar, ele é

ponto de partida do processo educacional. Na medida em que a escola pública hoje é

absolutamente incapaz, inoperante e até inofensiva ela simplesmente, ela morre no

próprio senso comum. O senso comum vem pra dentro da escola e ele não recebe

nenhuma sistematização. Até mesmo os professores de português que poderiam ter

atitude de corrigir a fala ―errada‖ das crianças nem isso acontece. Não há nenhuma

oposição do que seria ruim de certa forma, dizer que a fala do outro é uma fala

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errada, mas nem isso acontece. Simplesmente as pessoas falam do modo como

pretendem, escrevem como pretendem e se já estavam alfabetizadas continuam, se

não estavam permanecem no analfabetismo; não é a toa que nós temos oitenta por

cento dos alunos saindo do ensino médio com analfabetos funcionais. […] O aluno

entra falando ―nóis chega‖ na escola e ele sai falando ―nóis chega‖ da escola sem

que alguém pudesse algum dia ter dito pra ele ou que isso é certo ou que é errado, ou

porque é certo ou porque é errado, porque deveria ser certo, porque deveria ser

errado, e isso ninguém faz; há um tanto faz, há uma indiferença pela inépcia mesmo

da escola há uma indiferença, não se discute nem para o bem e nem para o mal essas

questões todas. (Professor Nilson Santos/P.V.).

Sobre esse aspecto, os/as acadêmicos/as de Rolim de Moura discutiram que não

tiveram durante o curso uma boa compreensão quanto à temática. Um dos acadêmicos

comentou o seu procedimento durante os estágios quando alguma criança pronunciava uma

palavra de maneira incorreta. Ele destaca que:

Eu quando acontece desse tipo, o que eu faço é o seguinte: se alguém pegou e falou:

ah, nóis vai, né. Aí eu pego e falo: ah então nós vamos! E aí eu tento talvez frisar

mais uma vez, mas eu falo isso, entendeu. Pra ver se ele se toca que eu pronunciei o

mesmo que ele falou, mas de forma diferente. Então não precisa falar que tá errado

até porque houve a comunicação, entendeu. Então não sei. ANP1RM.

Como aparece nessa fala, praticamente entre todos/as os/as acadêmicos/as,

professores/as e não professores/as, a preocupação principal quando se discutia o tema era a

de não dizer ao aluno que sua fala é errada. Também se questionavam se deveriam ou não

―corrigir‖ a maneira pela qual os/as estudantes/as falam. Na verdade, se paro para observar o

procedimento adotado, posso me perguntar se de alguma forma ele permite que a criança

perceba que existem diferentes maneiras de falar e diferentes maneiras de escrever.

Mais uma vez, o procedimento seria impor uma outra forma que é considerada correta.

Contudo, essa compreensão, que para o/a professor/as parece óbvia, não acaba chegando ao

o/a aluno/a pelo fato de que não se explica a este que existem diferentes possibilidades. Nesse

sentido é que, a ressalva feita pelo professor que ministrava a disciplina de Teoria e Prática

em Educação dos Povos da Floresta, de que ―não se discute nem para o bem e nem para o mal

essas questões todas‖, de certa forma, não deixa de ser uma realidade dentro das escolas.

Mas, o que justificaria procedimentos como esse descrito pelo acadêmico? Como

explicar também a fala já citada da professora do primeiro grupo focal de Rolim de Moura de

que o erro de sua aluna se deve ao ambiente social e cultural pobre em que vive? Ao tentar

explicar as razões de tais falas e procedimentos percebi, ao estabelecer um paralelo entre o

campus de Porto Velho e o de Rolim de Moura que no primeiro caso, as participantes

mostraram-se muito mais convictas com relação às oportunidades que o curso ofereceu para

que elas discutissem e refletissem sobre o tema, ao passo que em Rolim de Moura, a maioria

dos/as acadêmicos/as demonstrou que as oportunidades criadas foram poucas, de modo que

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ficavam muitas lacunas na formação. Como destaca mais uma vez a acadêmica professora

número 1 do primeiro grupo focal:

Nós trabalhamos em cima da questão da linguagem oral e da linguagem que se

escreve. Então nós discutimos isso da maneira como você fala e a maneira como

você escreve. Mas tem coisas que não foram discutidas ou talvez a gente não tenha

se inteirado dela com tanta propriedade como deveria e que hoje pelo menos pra

mim faz falta. AP1RM¹.

Ao refletir sobre as diferentes razões pelas quais muitos/as professores/as se queixam

das falas ―erradas‖ de seus/as alunos/as, a ponto de se frustrarem por não conseguirem

―corrigi-los‖, Mota (2002, p. 14) demonstra que, ―apesar de muitos textos lingüísticos terem

sido estudados e muitos autores, discutidos, o professor ainda não internalizou a mudança de

crenças ou, se já o fez, não consegue articular a ponte entre a teoria e a prática‖. Nesse

sentido, a autora defende que a formação do/a professor/a o/a ajude a refletir sobre três pontos

básicos: primeiro, a pensar na origem da língua que é falada pelos alunos, o que ela tem a ver

com a sua própria história; segundo, a se questionar sobre qual língua a escola espera e por

que motivo; e em terceiro lugar pensar se é possível promover uma convivência saudável

entre essa língua do/a aluno/a e aquela que a escola busca desenvolver.

A partir desses três pontos, é possível investigar e construir propostas pedagógicas que

favoreçam realmente a troca de experiências entre as diferentes manifestações lingüísticas.

Essa construção de propostas foi um dos desafios pouco superado pelo curso de pedagogia na

opinião das acadêmicas de Porto Velho. Mesmo que teoricamente elas reconheçam que

tiveram muitas oportunidades de reflexão, quando se partia para esse lado mais prático da sala

de aula, elas dizem que:

Nós tivemos Análise Lingüística, Prática de Língua Portuguesa, mas sempre era

colocado assim: que a gente deve respeitar! É tanto que existe pensamento

equivocado mesmo de professores que falam assim: ―ah, quer dizer que eu vou

deixar esses meninos falarem tudo errado‖? A minha preocupação sempre era assim,

quando a minha professora de análise colocava, eu sempre instigava ela:

―Professora, eu sei que eu tenho que valorizar, mas como que eu vou trabalhar isso

em sala de aula?‖ Aí, nunca vinham respostas. […] Não, você tem que, eu acho que

o professor nem sabia pra dizer; então ela dizia assim: ―não, você deve respeitar as

variações lingüísticas, os dialetos‖, aquele discurso lindo, um discurso maravilhoso,

mas até hoje eu to buscando, fazendo formação, capacitação, com relação à lingüística porque o que nós vemos hoje, a gramática ela é fundamental porque ela

que rege, mas a lingüística, ela é muito importante e a gente precisa conhecer;

porque se a gente não conhecer, a gente não vai saber como trabalhar. A gente vai

saber que é errado, saber o que a gente erra, mas a gente não vai saber como que eu

vou trabalhar pra mudar a minha prática, com relação a isso. Na UNIR, na

universidade, eles falam ―não, que não pode, que é variação lingüística e não sei o

que‖, mas eles não ajudam a pensar em como trabalhar isso. AP3PV.

A mesma dificuldade apareceu na fala das acadêmicas professoras do campus de

Rolim de Moura. É interessante acentuar, que essas falas são de pessoas que durante a

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formação já estão inseridas dentro das escolas o que pesa ainda mais nas suas afirmações. Na

opinião de uma acadêmica professora de Rolim de Moura:

Eu lembro um pouco da disciplina do P que foi discutido, nós fizemos alguns

trabalhos em grupo, mas não chegamos nem a ir pra um seminário. E aí é aquilo que

eu já falei antes: colocamos o jeito que as pessoas falam, as diferentes formas de se

falar, mas acredito que daí o papel da universidade seria: eu tenho um aluno que fala

dessa forma, eu preciso chegar com ele até a norma culta, a padronizada, então como fazer, o que fazer? Isso não foi discutido, não foi feito um laboratório como disse o

Fabrício, de pesquisar a criança e trazer, e aí eu acredito que o papel do professor da

universidade é ampliar o olhar nosso, porque agora o quadro da pedagogia está

tendo uma modificação; está vindo para a Universidade professores e não

professores, porque a maioria dos professores já está habilitada e, na época que eu

cursei muitos professores em sala de aula ainda não tinham o curso de Pedagogia;

então na época que eu fiz, vinha pra Universidade professores, e poderia ter sido

melhor aproveitado essa questão porque nós já estávamos dentro do nosso

laboratório com raras exceções; então poderia ter sido trazido textos dos nossos

alunos, não dos livros, e com a teoria ampliar o nosso olhar. Então, se o nosso aluno

está assim, o que propor pra que ele avance? Porque como a colega falou: no processo de alfabetização, tudo bem que o aluno escreva do jeito que ele fala, mas

ele precisa chegar numa norma padrão, sem desvalorizar a cultura dele; mas ele

precisa conhecer e saber que em alguns lugares ele vai usar a norma padrão, alguns

lugares não. Então a universidade também deixou a desejar nesse aspecto.

Discutimos sim, fizemos alguns trabalhos em grupo, mas não o suficiente pra um

trabalho. AP3RM².

Tanto a acadêmica de Rolim de Moura quanto a de Porto Velho referem-se neste caso

à mesma disciplina. Apesar de acharem que a formação não tem dado conta de ajudar como

poderia quando se está em sala de aula, nos dois casos, os/as acadêmicos/as explicavam que o

saber como proceder não significava que estavam esperando por receitas prontas, mas por

pistas que as auxiliassem. Pode-se questionar o fato de ter se discutido sobre diversidade

lingüística na Universidade, sem ter havido um contato real com a diversidade.

Mas é interessante notar que, algumas reflexões realizadas durante o curso, estão bem

próximas dos três pontos básicos elencados por Mota (2002). A situação descrita pela

professora abaixo, faz vários paralelos entre o que falam os/as alunos/as, o que a escola espera

deles, e como se pode estabelecer essa ponte.

Na alfabetização a gente tem todo o processo de linguagem, a gente tem trabalhado

nesse sentido deles também atrelarem isso: quem é a criança que vai aprender, o que

ela vai aprender, o que ela vai escrever, como ela vai escrever. Então tenho tentado

discutir um pouco com eles a questão de permitir que as crianças falem e escrevam a

partir daquilo que elas trazem do dia-a-dia. Só que, por exemplo, hoje nós estávamos

discutindo o livro da Emilia Ferreiro e daí foi uma discussão muito interessante

porque ela coloca claramente que as crianças que tiveram pouca experiência com a

linguagem escrita fora da escola vão ter, vão chegar na escola e a escola acha que

estão todos no mesmo nível e aí ficou aquela discussão: bom, então ela chega com

defasagem na escola entre aspas. E daí a gente foi discutir. Ta, mais o que é que a escola espera dela porque todas as crianças, por exemplo, da nossa realidade, de uma

forma ou de outra tem contato com a leitura e a escrita, mas é uma leitura e uma

escrita que não é do livro literário; é, por exemplo, a oralidade, os causos que o pai

conta, ou é a Bíblia que é lida ou é falada lá na Igreja, explicada. Ou são os rótulos,

as embalagens, os recados, os bilhetes, e isso também é importante. Então eu acho

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que de certa forma a gente faz essa discussão dos contextos diferenciados, mas eu

não sei se a gente, se eu consigo entendeu, na disciplina garantir essa riqueza. Eu

acho que como o nosso trabalho tem pouco de lingüística nele, eu acho que a gente

discute pouco ainda essa coisa das variantes na fala, das palavras que são diferentes

para explicar, às vezes para dizer a mesma coisa, um povo fala de um jeito. Se a

gente tivesse mais textos no contexto da alfabetização voltados para a realidade

desse sujeito, talvez ele se identificasse melhor no vocabulário. Agora isso ainda

falta, talvez pelo pouco acesso também que a gente tenha a coisas escritas do local,

eu não sei, ou então até pela forma de encaminhamento que deveria partir da

oralidade, pedir para esses meninos e meninas escreverem as suas próprias coisas,

para depois escreverem do jeito que está no livro porque acho que essa preocupação inicial de escrever logo dentro de uma escrita padrão, que é fruto também da escola

onde nós fomos criados talvez sejam os problemas desse afastamento da realidade

do sujeito. (Professora Marli Zibetti/R.M.).

Ao estabelecer um paralelo entre o que dizem respectivamente a acadêmica e a

professora, ambas de Rolim de Moura, nas duas falas anteriores, percebo que, se por um lado

as acadêmicas apontam o aspecto prático como uma ―carência‖ do curso, alguns/as

professores/as manifestam opiniões semelhantes, no sentido de que é preciso avançar e muito

ainda nas propostas da atual formação, para que os acadêmicos tenham condições de

desenvolver um bom trabalho. Ao comentar sobre o que tem feito para que os/as

acadêmicos/as sejam capazes de futuramente construir propostas inovadoras com relação ao

ensino da língua, bem como sobre as ―lacunas‖ deixadas pelo curso, novamente a professora

de Teoria e Prática em Alfabetização de Rolim de Moura comenta que:

Eu acho que a gente tem feito isso sim, de os alunos se apropriarem da escrita

convencional ou mais elaborada, eu acho até que a gente quer que as crianças

escrevam cedo demais dentro desses padrões. Eu acho que a gente precisaria propor

que eles escrevessem sobre eles primeiro, mesmo que seja um modelo de

autobiografia, mas que seja a minha autobiografia. Mesmo que eu trabalhasse com

coisas que eu não gosto, por exemplo, o livro, outro dia a gente discutiu o livro da

Ruth Rocha, lá os medos, que as crianças possam dizer dos seus medos. Do mesmo

jeito aí dos bichos de estimação, mesmo que seja para fazer a ficha do bicho, mas

que seja o meu bicho e não um bicho que eu não conheço e que ao falar do meu

bicho, eu possa dizer do que eu gosto nele e do que eu não gosto, o que ele me dá trabalho e o que ele me dá prazer. Então um pouco isso, sem perder de vista que ele

está na escola para aprender também, aprender essa linguagem que permita a ele ser

um sujeito autônomo nessa sociedade aí que cobra isso. Mas que ele não deixe de

ser sujeito para fazer isso porque o que tem me incomodado muito, e aí eu me

pergunto no meu trabalho onde é que eu contribuo para isso, eu tenho visto os

professores saírem muito quadradinhos da formação. Eu acho que isso, porque o

próprio Vygotsky18 diz isso, a atividade criadora se ela se alimenta da experiência e

da diversidade de conhecimento. Como a formação é precária você não tem

elementos pra variar e produzir a tua própria prática. Então eu acho que é um pouco

isso que está acontecendo. Como ela tem poucos exemplos, poucos conhecimentos,

poucas sugestões, elas fazem aquilo que elas viram; ficam um bando de cordeirinhos

fazendo tudo a mesma coisa. Então é preciso enriquecer essa experiência, enriquecer a formação, ter várias possibilidades de trabalho para que você dentre essas construa

a sua porque ser professor tem que ser uma atividade criadora. Porque você pega

esse monte de elementos que estão à sua disposição e criam situações novas. Na

minha opinião esse seria o ideal; eu tenho refletido muito em cima disso: será que eu

18 A professora está se referindo aos estudos do teórico Lev Semyonovitch Vygotsky que discute a teoria sócio-

histórica de aprendizagem.

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estou dando a diversidade de possibilidades ou eu estou contribuindo para seguir

todo mundo numa mesma carreirinha? (Professora Marli Zibetti/R.M).

Essa reflexão leva ao seguinte questionamento: Que características deveriam ter os

professores/as da Universidade Federal de Rondônia, para que eles/as próprios fossem

multiculturalmente comprometidos? Longe de tentar uma definição, ou mesmo de propor um

perfil, entendo que seja necessário observar a própria formação desses profissionais. Neste

caso, observo que as indagações à que se faz a professora mostram o quanto ela mesma possa,

ao fazer reflexões sobre sua prática profissional, estar multiculturalmente comprometida. De

acordo com Canen e Moreira (2001) um/a professor/a multiculturalmente comprometido/a é

aquele/a:

[…] capaz de refletir criticamente sobre seus discursos e suas práticas. Tal

profissional procura permanentemente avaliar em que medida suas aulas introduzem

e desenvolvem habilidades, conceitos e atitudes que sejam úteis para os alunos

viverem na sociedade multicultural contemporânea e bem responderem a suas

características e seus problemas. (CANEN e MOREIRA, 2001, p. 36).

Entendo, dessa maneira, que a atitude indagadora, questionadora da professora não

deve, de modo algum, ser uma exceção. Para que a Universidade consiga superar as

dificuldades colocadas é preciso que o conjunto de professores/as da universidade esteja

sensibilizado quanto à questão, e mais do que isso ajudem os/as acadêmicos/as a construírem

propostas as quais permitam que, ao se tornarem professores/as, utilizem os conhecimentos

provenientes do universo cultural e lingüístico dos/as alunos/as para nortearem as atividades

que ocorrem na escola. Entretanto, se a análise das entrevistas com os/as professores/s

universitários/as e dos grupos focais com os/as acadêmicos/as no item anterior, mostrou que

existe uma fragmentação em relação à preocupação com uma formação pautada na idéia de

educação multicultural, uma preocupação que é manifestada por alguns profissionais apenas

em virtude de suas convicções e, consequentemente, por apenas algumas disciplinas, a fala

abaixo não traz muita diferença com relação à realidade que é vivenciada no curso de

pedagogia.

Nós vimos um pouco disso nas aulas da M, foi à única disciplina; mas eu acho que

as outras também poderiam se aproveitar mais porque o que eu observo dentro do

Campus da UNIR é que um único professor se encarrega dessa parte! E eu vejo que

as outras disciplinas também teriam que focar essa questão cultural, não só a

disciplina da M, porque a M é alfabetizadora, então com ela tudo bem; nós vimos atividades diversificadas, nós vimos à questão de alfabetização. Mas e os outros

conteúdos, as demais áreas?! A gente precisa saber lidar também com a cultura

dentro da nossa sala de aula, não só focando a alfabetização, mas também outras

áreas, até porque a nossa formação é educação infantil até a quarta série. Então

como trabalhar essa diversidade na quarta série? A M trabalha só com alfabetização.

E a quarta, a terceira, como é que fica? CBA a gente consegue razoavelmente bem

por conta da orientação única e exclusivamente da professora M. O restante das

disciplinas, o restante dos professores de terceira a quarta; tanto é que, professores

de terceira e quarta série ainda desenvolvem algumas atividades que nós

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desenvolvemos na alfabetização; por quê? Porque não foram orientados pra fazerem

diferente, não tem ainda um conhecimento ampliado disso. Então, salva-se a

Universidade pela M?! E se ela sair do Campus?! Ficamos a ver navios. AP3RM².

A fala da acadêmica é bastante emblemática para destacar o que tem ocorrido com o

curso. Nela percebemos que se os projetos políticos pedagógicos propõem a coletivização do

trabalho e o empenho de todos os/as profissionais para que seus princípios sejam garantidos,

isso ainda não está acontecendo. A fala também mostra que esta fragmentação tem surtido

efeitos negativos na prática dos/as professores/as que estão sendo formados pela Universidade

Federal de Rondônia e nos resultados alcançados pela educação.

Para finalizar essa parte gostaria de enfatizar que, se a linguagem oferece um universo

amplo de possibilidades que podem contribuir com a reflexão sobre aspectos multiculturais da

sociedade brasileira e local, ao enfatizar determinados aspectos e omitir outros, o curso torna

tais possibilidades limitadas e superficiais. Desse modo, ao discutir com os/as acadêmicos/as

sobre aquilo que foi importante para eles/as em relação aos saberes adquiridos em relação à

linguagem, houve alguns aspectos que praticamente não foram mencionados nas duas

realidades. Um desses aspectos diz respeito à compreensão da linguagem como algo mais

amplo do que o ensino da leitura e da escrita. Na maioria das vezes, ao falar sobre linguagem,

os/as acadêmicos/as se referiam a essa questão mais focada na aprendizagem, da

alfabetização, da leitura e da escrita; pouco se falou sobre o conteúdo da linguagem, do

universo da linguagem dessas crianças, do que elas falam e sobre o que falam, o que trazem

de informação para a escola. Ou seja, não se discutia sobre linguagem como uma

possibilidade de diálogo entre os saberes dos/as educandos/as e os saberes ensinados pela

escola.

Também se comentou bem pouco a possibilidade de ―dar voz‖ a criança. Em outras

palavras, a linguagem é encarada, sobretudo como um conteúdo de ensino, mesmo que

tenham ocorridos alguns comentários referentes à sua importância na constituição das marcas

culturais e de identidade do indivíduo. No mesmo sentido, quase não foi mencionado o fato de

que a linguagem tem sido utilizada como uma prática colonizadora, como uma forma de

legitimar determinada cultura. Quando se discutiu sobre valorizar a cultura se pensava

unicamente em cada indivíduo isoladamente e principalmente na questão do vocabulário.

Essas presenças e ausências na formação dos/as acadêmicos/as resultam de diferentes

fatores, entre os quais destaco os próprios conhecimentos que os/as professores/as do curso

têm sobre linguagem, a dificuldade em relacionar as diferentes categorias do

multiculturalismo dentro de uma mesma temática, a carência de materiais disponíveis sobre o

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tema e as próprias concepções a respeito de quais conhecimentos, habilidades e valores são

considerados dignos de abordagem pelo corpo docente do curso.

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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo tinha como proposta olhar para a formação do curso de Pedagogia

na Universidade Federal de Rondônia sob o prisma do multiculturalismo e da educação

multicultural. A expectativa era que ao fim do mesmo pudesse trazer alguns elementos,

questionamentos ou sugestões que contribuíssem para o desenvolvimento de uma estratégia

de formação de professores/as que incluísse a educação multicultural como campo

privilegiado de debate.

Para efetuar uma boa análise sobre o que ainda ―tem sido dificuldade‖ neste assunto,

busquei responder até que ponto as questões relativas à uma formação multiculturalmente

orientada do/a professor/a tem se manifestado como uma preocupação do currículo do curso

de Pedagogia. Para isso, recorri à análise dos documentos que norteiam a formação inicial

neste contexto. Também busquei responder, se a formação tem possibilitado aos/as

professores/as que se formam ou que já atuam na área educacional desenvolvem uma

pedagogia culturalmente engajada com os conhecimentos e valores provenientes do universo

social, econômico e principalmente cultural dos/as educandos/as. Para isso, foram

privilegiadas as conversas com professores e professoras do curso em entrevistas, e com os

acadêmicos e acadêmicas a partir da técnica de grupo focal.

Ao proceder a análise de todos esses instrumentos e ao considerar a opinião dos

diferentes sujeitos envolvidos na pesquisa, chego à conclusão preliminar de que o tema da

educação multicultural não é uma questão totalmente alheia ao curso de Pedagogia, porém,

alguns fatores contribuem para que o que se tenha não seja suficiente para afirmar uma prática

e uma ação crítica e multicultural por parte dos/as futuros/as professores/as. Gostaria de

pontuar alguns desses fatores que pareceram, penso eu, mais críticos.

Primeiramente, ocorre o fato de que tal preocupação seja vivenciada ou estimulada no

interior de algumas disciplinas apenas. Na verdade, não está escrito em lugar algum que cabe

a uma ou outra disciplina abordar a questão, mas o que observei é que essa fragmentação

acontece pelo fato de que isso está implicitamente relacionado à formação dos professores/as

que compõem o quadro efetivo da Universidade. Essa formação não se refere apenas aos

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aspectos científicos e acadêmicos, mas sim, às experiências ―multiculturais‖ à que esses/as

próprios/as professores/as tiveram acesso.

Como observei, o próprio grupo de professores é bastante heterogêneo no que diz

respeito às suas ideologias e concepções de educação. Além do mais, alguns demonstraram

não estar por dentro do que tem sido discutido sobre multiculturalismo e educação

multicultural no campo da educação e da formação docente. Em geral, os/as que tiveram

alguma oportunidade de contato com o tema, manifestavam respostas mais fundamentadas,

enquanto outros demonstravam opiniões mais genéricas, baseadas em visões superficiais do

tema.

Nesse aspecto, poucos/as professores/as do grupo de entrevistados/as demonstraram

conhecer a fundo as questões que são pertinentes ao multiculturalismo. Em geral, suas

respostas focavam-se em uma ou outra categoria daquelas elencadas por Canen, Arbache e

Franco (2000) (vide cap. 04, p. 77). Por exemplo, alguns/s professores/as se limitavam a

discutir a questão da diversidade cultural; outros/as focavam na questão do preconceito em

relação ao que é diferente, principalmente em relação às diferenças lingüísticas; outros/as

falaram de maneira ampla sobre a questão local. No entanto, o conceito de multiculturalismo

abarca inúmeras situações, principalmente as relacionadas às situações de opressão. Como

delineado na parte teórica, uma boa parte dos/as autores/as discute, ao estudar o tema, sobre a

própria formação política e econômica que gera exclusões e oprime uma parcela significativa

da população, fatos pouco considerados durante o curso.

Isso se reflete profundamente na formação acadêmica, pois sendo, via de regra, um

tema ainda pouco estudado pelo conjunto de professores/as, falta clareza para os/as

acadêmicos/as ao definirem o aspecto multicultural da sociedade brasileira e, principalmente

do Estado de Rondônia. Há clareza também, sobre de que forma o multiculturalismo pode

contribuir para alargar as discussões sobre, cultura, identidade e poder que ocorrem durante a

formação e que tem conseqüências diretas na educação.

Com relação à preocupação com um ensino pautado na problemática local, a vivência

dos/as professores/s com essa realidade acontece mais em projetos de pesquisa e extensão que

nem sempre envolvem acadêmicos/as em formação, ou quando envolvem, não são trazidos

para as discussões pedagógicas que ocorrem nas disciplinas. Além disso, o número de

acadêmicos/as que podem e que conseguem participar de tais pesquisas é bastante reduzido.

Por outro lado, o pouco conhecimento que uma boa parte dos/as profissionais diz ter em

relação ao espaço amazônico contribui para que tal realidade seja pouco abordada nas

disciplinas. Em geral, a realidade amazônica é enfatizada apenas na disciplina de Teoria e

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prática em Educação dos povos da floresta. Nas demais, como diz uma professora ―ela é

conseqüência‖ de outras situações e discussões que vão acontecendo, ou seja, não é algo

sistematizado. Entretanto, penso que essa timidez na abordagem tem pouco a ver com o fato

dos/as professores serem migrantes, pois todos/as, como mostrei no quadro de informações,

são provenientes de outros estados brasileiros, embora muitos/as se sintam influenciados/as

por suas raízes.

Outro importante fator está na dificuldade em articular as contribuições teóricas sobre

o tema com a prática pedagógica. A maioria dos/as acadêmicos/as, fosse professor/a ou não,

nos dois campi se queixou de que a formação havia ou estava ―deixando a desejar‖ em relação

à prática pedagógica. Isso, por um lado, sugere que os/as acadêmicos/as percebem a partir da

formação que ―se deve‖ valorizar o universo cultural do educando, utilizar esse universo

como ponto de partida do ensino. No entanto, muitos são os que já passaram pela formação

inicial na universidade e que, em geral, continuam desenvolvendo práticas silenciadoras nas

escolas.

Na verdade, ao olhar com um pouco mais de cuidado para os aspectos/as apontados

pelos acadêmicos/as perceberemos que, as reflexões que faziam em relação às experiências

multiculturais, eram resultados de situações ocorridas em meios externos e não na própria

Universidade. Suas falas estiveram mais voltadas a momentos significativos vividos ao longo

de suas vidas, do que aos momentos de formação.

Assim, a análise do curso como um todo mostra que as contribuições das pesquisas e

estudos teóricos sobre educação multicultural, a exemplo do que ocorre em boa parte das

universidades brasileiras, ainda não se faz presente no currículo e na prática do curso de

formação de professores. Percebe-se, por exemplo, que uma pedagogia radical, necessária

para a construção do/a professor/a descolonizador/a não tem ocorrido. Entendo não estar

generalizando quando faço tal afirmação, uma vez que tal pedagogia requer a participação de

todos/as os/as envolvidos, que como vimos, não acontece neste momento atual.

No campo específico da linguagem, parece necessário ampliar os conhecimentos

dos/as futuros/as professores/as sobre como a linguagem determina o sujeito social, e como a

pedagogia pode utilizar a linguagem para favorecer a entrada no universo dos/as educandos/as

ensejando a construção de práticas descolonizadoras. Para tanto, é preciso que a linguagem

tenha um lugar de destaque durante a formação. Visando a não fragmentação do tema, ou

relegando as discussões sobre linguagem à uma única disciplina, o que de certa maneira vem

ocorrendo, seria interessante que as disciplinas pedagógicas abordassem a linguagem de

maneira interdisciplinar. Poderia se pensar na disciplina de Teoria e prática em História e

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Geografia, só para dar um exemplo, como a história oficial escreve a participação das culturas

oprimidas na sociedade.

Por outro lado, é preciso questionar o fato de a diversidade lingüística ser considerada

pelos/as acadêmicos/as como um problema, e não como uma vantagem, como um recurso a

mais na valorização das diferenças. Problema, no sentido de que exige do/a professor/a

formular modos alternativos de tratar a diferença lingüística em sala de aula. Modos esses,

que segundo os/as próprios/as acadêmicos/as não vêm sendo pontuados de maneira a poder

auxiliá-los/as em suas práticas.

Tendo apresentado alguns fatores que tem dificultado a inserção da preocupação com

uma formação multicultural no curso de Pedagogia, quero agora, ao entrar na parte final deste

trabalho, expor algumas idéias que podem figurar como sugestão para a Universidade e para o

curso.

Sugiro primeiramente que a Universidade, como um todo, dedique-se a estudar o que

vem sendo discutido sobre multiculturalismo no Brasil. Como recomenda uma das

professoras em sua entrevista, que se abra um amplo ciclo de debates, palestras, seminários,

etc. sobre o tema envolvendo toda comunidade acadêmica. Além dessa sugestão, embora o

tema seja recente, é possível aprender com aquelas instituições que desenvolvem práticas

educativas multiculturais. Para tanto, é urgente que a Universidade se proponha também a

abrir-se para outros espaços, além da escola, onde práticas pedagógicas ocorrem.

A partir do momento em que os próprios estudos sobre multiculturalismo e educação

multicultural se tornarem acessíveis aos professores e alunos, sugiro que se pense em como

tais conhecimentos podem ser trazidos para a nossa realidade amazônica, que, como vimos,

representa um ambiente próprio ao desenvolvimento de pesquisas no campo do

multiculturalismo.

Feitas essas primeiras aproximações com o tema, sugiro que o conjunto de

professores/as forme grupos para estudar formas de inseri-lo paulatinamente nas disciplinas

que ocorrem dentro do curso. Entendo que criar disciplinas específicas não seja talvez a

melhor alternativa, pois dá uma idéia de fragmentação do conhecimento. Para isso, faz-se

necessário superar a atual individualização do trabalho docente na Universidade. Acredito em

que as estratégias apontadas na parte teórica, bem como na análise dos dados já oferecem

pistas suficientes para que se possa dar início, ou tornar sistemático a preocupação com o

multiculturalismo na formação.

Com relação à linguagem, reafirmo a sugestão de que esta tenha um lugar privilegiado

durante a formação. Para isso, seria importante rever também o fato de que, em geral, há

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apenas uma disciplina voltada para o estudo da linguagem, situação que contribui para que as

questões relativas às relações entre multiculturalismo e linguagem sejam restritas ou não

aconteçam. Ao reformular o currículo, acredito que o curso precise levar em consideração o

fato de que, nas atuais habilitações propostas, a exemplo do que já vem ocorrendo, os/as

acadêmicos/as que concluíram o curso de Pedagogia e que trabalham em salas de aula do

primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, deveriam, para isso, ter tido uma visão ampla

sobre lingüística, língua e cultura ao mesmo tempo.

Enfim, pensar numa formação que tenha um caráter multicultural exige que olhemos

para dentro de nossa própria casa. Nesse sentido, é preciso indagar de que forma as práticas

pedagógicas na educação superior pública do Estado de Rondônia, estão sendo colonizadas

por um discurso excludente e homogeneizador e por uma visão racionalizada do

conhecimento humano. Somente a partir de tais reflexões a Universidade poderá produzir as

condições de um trabalho de formação que possibilite aos professores a intervenção nas atuais

formas de dominação, problematizando-as e questionando-as.

Por isso, penso que uma formação multicultural implica uma revisão das atitudes

dos/as próprios/as docentes em geral. É preciso que haja uma reformulação das práticas

pedagógicas desenvolvidas, que embora discutam as questões relacionadas à problemática

cultural, tratam-nas de forma isolada. Também é fundamental, que se discuta grande parte dos

estudos que, integrados no currículo do curso, estão separados da realidade sociocultural das

comunidades locais. A própria carência dos estudos sobre multiculturalismo na Universidade

é uma demonstração da necessidade que se tem hoje de repensar questões em torno da

formação e de redefinir uma proposta de educação alicerçada no multiculturalismo crítico.

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153

ANEXO A

Mapa do Estado de Rondônia destacando os municípios-sede dos campi da UNIR,

localização na Região Norte do Brasil e fronteiras geográficas

Fonte: MARTINES, 2005, p. 143.

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154

APÊNDICE A

Roteiro de questões utilizadas nos grupos focais de Porto Velho e Rolim de Moura

Questões grupo focal: Tema Cultura

1. O que vocês viram ou estão vendo relacionado à cultura no curso de vocês?

2. As diversas disciplinas abriram espaço para que vocês pudessem refletir sobre a

própria identidade cultural de vocês?

3. Durante o curso, vocês tiveram oportunidades de conhecer a realidade em que alunos

de diferentes classes sociais viviam?

4. E crianças de diferentes culturas? O que vocês aprenderam da cultura deles/as?

5. Como foi a abordagem sobre as relações entre cultura e prática pedagógica durante o

curso de vocês? Houve iniciativas no sentido de instigá-los a valorizar a cultura

popular, por exemplo?

6. Que aspectos da realidade amazônica vocês recordam terem visto durante o curso?

7. Como estiveram articuladas durante a formação as dimensões técnica, cultural e

política?

8. Vocês acreditam que foram bem ―preparados‖ para enfrentar os desafios que uma

sociedade globalizada, excludente e multicultural impõe hoje sobre o trabalho do

professor em sala de aula?

Questões grupo focal: Tema Linguagem

1. Como a questão da linguagem foi vista até o momento durante o curso de vocês?

2. Que relações foram feitas entre linguagem e cultura?

3. Houve algum momento em que o estudo da linguagem levou vocês a perceberem a

questão da diversidade cultural?

4. E sobre diversidade lingüística, vocês viram algo?

5. Durante o curso houve debates sobre a linguagem das crianças que freqüentam a

escola?

6. Como era conduzido?

7. Que oportunidade vocês tiveram de pesquisar de onde vem a linguagem dos alunos e

como está enraizado em seu mundo?

8. Com relação à escola, vocês foram instigados a observar como a cultura dos alunos é

representada por meio da linguagem?

9. Que estratégias foram utilizadas para que vocês pudessem conhecer diferentes

linguagens?

10. Como foi discutida a questão lingüística de Rondônia?

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155

APÊNDICE B

Roteiro de questões utilizadas nas entrevistas com docentes da UNIR

Identificação:

Nome: _____________________________________________________________________

Formação: __________________________________________________________________

Tempo de atuação na instituição: ________________________________________________

Disciplinas em que atua: _______________________________________________________

Naturalidade: ________________________________________________________________

Questões:

1. Em sua opinião, em Porto Velho/Rolim de Moura existe essa preocupação do curso de

Pedagogia em formar o futuro educador (acadêmicos) para essa questão multicultural?

2. O currículo do curso de Pedagogia tem contemplado (de forma satisfatória) a interface da

educação multicultural com a formação em geral?

3. A universidade tem trabalhado algum tipo de projeto ou mesmo pesquisa que envolva a

discussão sobre classe social, questões de gênero, de etnia, de grupos, etc.?

4. Você acredita que a discussão sobre educação multicultural é um projeto do curso aderido

por todos os professores?

5. Você percebe que há disciplinas que proporcionam mais que outras esta discussão, que

poderia ser mais aproveitada a oportunidade?

6. No caso da sua disciplina, que relações têm sido estabelecidas ou podem ser estabelecidas

com o multiculturalismo?

6.1. Que estratégias têm sido propostas para conferir uma orientação multicultural à

disciplina?

6.2. Há iniciativas no sentido de instigá-los a valorizar a cultura que é própria deles, por

exemplo?

6.3. Como a realidade local tem sido discutida com os acadêmicos?

6.4. O curso tem abordado com os alunos as relações entre cultura e prática pedagógica?

2º BLOCO

7. Sobre a questão lingüística, ou da linguagem de forma ampla, o que tem sido discutido?

(Como, na opinião deles a linguagem reflete a cultura, história, etc...).

8. Em sua opinião, os acadêmicos que concluem o curso estão saindo capazes de se

adequarem ao contexto de ensino em que atuam lá fora? Quais são as dificuldades que

eles enfrentam nesse sentido e quais seriam as suas causas? (Esta pergunta é muito

importante também)

9. Quais são as dificuldades que a UNIR enfrenta neste momento em relação ao fato de estar

atenta ou não a estas questões?

10. Como estão articuladas as dimensões pedagógicas, políticas e culturais no curso?

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156

11. Que tipo de reflexão você acha que o curso de pedagogia deve desenvolver com os

acadêmicos, tendo em vista uma educação multicultural?

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