mulheres na história da ciência uma década de publicações

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http://dx.doi.org/10.23925/2178-2911.2019v19p54-70 Mulheres na História da Ciência: uma década de publicações nas revistas Química Nova e Química Nova na Escola ____________________________________ Letícia do Prado Daniele Fernanda Rodrigues Resumo Neste trabalho, apresentamos uma caracterização da produção acadêmico científica vinculada aos periódicos Química Nova e Química Nova na Escola sobre os temas “história da ciência” e “mulheres na ciência” associados ao ensino de química ou de ciências de forma geral. O objetivo principal do trabalho é analisar a frequência e o tipo de abordagem que se tem feito sobre a participação feminina na história da química/ciências. Para isso, partimos das publicações dos últimos dez anos destes periódicos, reconhecidos no Brasil por sua ampla divulgação na área de Química e Ensino de Química. Foram identificados 30 trabalhos publicados sobre essa temática, destes apenas três mencionavam a história de uma cientista mulher. Podemos afirmar, portanto, que de forma geral a história da ciência ainda é pouco utilizada como metodologia de ensino e que a participação feminina é ainda muito menos comum em suas publicações. Esse cenário necessita de maior atenção dos pesquisadores, para que o trabalho das cientistas seja igualmente divulgado servindo de exemplo e inspiração para as mulheres do público geral e para as alunas de ciências. Evidencia-se, por fim a intrínseca necessidade de aliar os fatores sociais, históricos e culturais à compreensão da natureza da ciência, do trabalho científico e de seu ensino. Palavras-chave: História da Ciência; História da Química; Mulheres na Química. Abstract In this work, we showed a characterization of the scientific academic production linked to the journals Química Nova and Química Nova na Escola about the “history of science” and “women in science”. The main objective of this work is to present the frequency and type of approach that has been taken on the participation of women in the history of chemistry from the publications of the last ten years of these journals, recognized in Brazil for their wide dissemination in the area of Chemistry and Education of Chemistry. Thirty papers published on this subject were identified, of which only three mentioned the history of a female scientist. We can therefore conclude that in general the history of science is still little used as a teaching methodology and that female participation is still much less common in its publications. This scenario needs more attention from researchers, so that the work of scientists is equally publicized as an example and inspiration for women of the general public and science students. Finally, there is an intrinsic need to combine social, historical and cultural factors with an understanding of the nature of science, scientific work and its teaching. Keywords: History of Science; History of Chemistry; Women in Chemistry. Introdução Motivadas pelas discussões e inquietações sobre o pouco reconhecimento, destaque e divulgação da participação feminina na construção dos conhecimentos científicos e escolares, colocamos como objeto de pesquisa a seguinte questão: É levada em consideração a participação feminina nos artigos de História da Ciência em dois dos periódicos de química e ensino de química mais populares do Brasil? A saber, as revistas Química Nova e Química Nova na Escola?

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http://dx.doi.org/10.23925/2178-2911.2019v19p54-70

Mulheres na História da Ciência: uma década de publicações nas revistas Química Nova e Química Nova na Escola

____________________________________ Letícia do Prado

Daniele Fernanda Rodrigues

Resumo Neste trabalho, apresentamos uma caracterização da produção acadêmico científica vinculada aos periódicos Química Nova e Química Nova na Escola sobre os temas “história da ciência” e “mulheres na ciência” associados ao ensino de química ou de ciências de forma geral. O objetivo principal do trabalho é analisar a frequência e o tipo de abordagem que se tem feito sobre a participação feminina na história da química/ciências. Para isso, partimos das publicações dos últimos dez anos destes periódicos, reconhecidos no Brasil por sua ampla divulgação na área de Química e Ensino de Química. Foram identificados 30 trabalhos publicados sobre essa temática, destes apenas três mencionavam a história de uma cientista mulher. Podemos afirmar, portanto, que de forma geral a história da ciência ainda é pouco utilizada como metodologia de ensino e que a participação feminina é ainda muito menos comum em suas publicações. Esse cenário necessita de maior atenção dos pesquisadores, para que o trabalho das cientistas seja igualmente divulgado servindo de exemplo e inspiração para as mulheres do público geral e para as alunas de ciências. Evidencia-se, por fim a intrínseca necessidade de aliar os fatores sociais, históricos e culturais à compreensão da natureza da ciência, do trabalho científico e de seu ensino.

Palavras-chave: História da Ciência; História da Química; Mulheres na Química.

Abstract In this work, we showed a characterization of the scientific academic production linked to the journals Química Nova and Química Nova na Escola about the “history of science” and “women in science”. The main objective of this work is to present the frequency and type of approach that has been taken on the participation of women in the history of chemistry from the publications of the last ten years of these journals, recognized in Brazil for their wide dissemination in the area of Chemistry and Education of Chemistry. Thirty papers published on this subject were identified, of which only three mentioned the history of a female scientist. We can therefore conclude that in general the history of science is still little used as a teaching methodology and that female participation is still much less common in its publications. This scenario needs more attention from researchers, so that the work of scientists is equally publicized as an example and inspiration for women of the general public and science students. Finally, there is an intrinsic need to combine social, historical and cultural factors with an understanding of the nature of science, scientific work and its teaching.

Keywords: History of Science; History of Chemistry; Women in Chemistry.

Introdução

Motivadas pelas discussões e inquietações sobre o pouco reconhecimento, destaque e divulgação da participação feminina na construção dos conhecimentos científicos e escolares, colocamos como objeto de pesquisa a seguinte questão: É levada em consideração a participação feminina nos artigos de História da Ciência em dois dos periódicos de química e ensino de química mais populares do Brasil? A saber, as revistas Química Nova e Química Nova na Escola?

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Como forma de dar continuidade a pesquisa de Pinto Neto e Silveira1, cujo objetivo era mapear e apresentar a participação das mulheres nos textos de história da ciência no período de 1978 a 2004 nas publicações das revistas Química Nova (QN) e Química Nova na Escola (QNEsc), e, traçar um quadro mais amplo da problemática, neste trabalho analisamos as publicações que tratavam sobre História da Química (HQ) e História da Ciência (HC) nestas revistas no período de 2007 a 2018.

Esperamos com isto um pouco mais do que o levantamento e análise de bibliografia, queremos também dar maior visibilidade a temática e ao uso da História e Filosofia da Ciência (HFC) a fim de motivar seu uso em salas de aula e inspirar a reflexão e a participação das mulheres de maneira consciente e ativa na sociedade científica.

A participação feminina na história dos conhecimentos científicos.

A Ciência, tal como se apresenta a nós hoje, é produto da exclusão. Ao abrimos livros de HC, é comum lermos histórias cercadas por nomes de homens de origem europeia, cuja exposição a ambientes intelectuais e culturalmente enriquecedores desde a infância e a possibilidade de dedicação exclusiva à ciência durante a vida adulta são constantemente exaltados.

Schienbinger destaca, A ciência moderna é um produto de centenas de anos de exclusão das mulheres, o processo de trazer mulheres para a ciência exigiu, e vai continuar a exigir, profundas mudanças estruturais na cultura, métodos e conteúdo da ciência. Não se deve esperar que as mulheres alegremente tenham êxito num empreendimento que em suas origens foi estruturado para excluí-las (...) historicamente, as mulheres como um grupo foram excluídas sem nenhuma outra razão que não seu sexo.2

Neste sentido caminha a fala de Nunes e colaboradores3, “a interferência feminina nos caminhos

históricos é menosprezada e nunca percebida como uma participação ativa, capaz de guiar decisões”. Vide a história da participação das irmãs e esposas de célebres nomes da ciência como: Sofie Brahe (irmã de Tyco Brahe), Marie-Anne Pierrette Paulze Lavoisier (esposa de Antoine Laurent Lavoisier), entre outras, que não tiveram seus nomes diretamente ligados a teorias científicas, mas que colaboraram efetivamente para que elas fossem desenvolvidas.

1 Pedro C. Pinto Neto & Hélder E. Silveira, “Mulheres na História da Ciência: Um Olhar para Periódicos Brasileiros de Química,” Ensino em Re-vista 16, nº 1 (2009): 105-122. 2 Londa Schienbinger, O Feminismo Mudou a Ciência? (Bauru: EDUSC, 2001), 37. 3 Albino O. Nunes et al., “A História de Sete Mulheres na Química,” Periódico Tchê Química 6, nº 11, (2009): 18.

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Além disso não devemos esquecer que nas primeiras décadas do século XX, a Ciência estava culturalmente definida como uma carreira imprópria para a mulher. Houve aquelas, por exemplo, que publicaram, no século XIX, trabalhos matemáticos com pseudônimos masculinos, não apenas para merecer créditos na Academia, mas para conseguir que os mesmos obtivessem visibilidade pelos pares.

Chassot4 defende que a Ciência se construiu em um cenário masculino devido a forte influência das religiões marcadas por componentes misóginos.

Temos, então, em nossas raízes gregas, uma forte tradição de as mulheres serem subalternas (…) Por meio de nossa herança judaica recebemos fortes preconceitos quanto ao acesso da mulher ao conhecimento. Isso corrobora para que tenhamos uma produção científica muito mais masculina (…) A Igreja queria, na expressão do papa, que a mulher se concentrasse nas funções espirituais e morais da família.5

Desta forma passamos a crer que as mulheres que conseguiram romper a barreira imposta pela sociedade e cultura do final do século XIX e início do século XX foram as que desde cedo dispuseram de um ambiente intelectual que propiciou o desenvolvimento amplo de suas capacidades e que mais tarde casaram-se com cientistas que também as apoiavam em suas atividades enquanto pesquisadoras6; 7.

Se levarmos em consideração os Prêmios Nobel, importante indicador de trabalhos célebres a partir de 1901, podemos verificar um número muito pequeno de mulheres laureadas. Há quase 500 nomes premiados nas áreas das Ciências, entre eles somam-se apenas 12 mulheres.

Mesmo quando olhamos para outras premiações, o número de mulheres que se dedicam às Ciências, em termos globais, é ainda menor que o de homens. Diante desta problemática nos questionamos: Quem são, na Química, os personagens mais representativos? Entre eles quais personagens são mulheres?

Com base nesses questionamentos desenvolvemos nosso trabalho para apurar no período de dez anos, quais personagens da HQ estão sendo lembrados nas publicações das revistas QN e QNEsc e quantos destes são mulheres. Após esta primeira etapa nos preocuparemos em caracterizar essas publicações para expandir nossas discussões sobre a HC e seus objetivos no ensino de química.

Objetivos e abordagens da historiografia da ciência no ensino de ciências.

4 Attico I. Chassot, A Ciência é Masculina? É, Sim Senhora! (São Leopoldo: Unissinos, 2017), 90-110. 5 Ibid., 85, 92,101. 6 Barbara Goldscmith, Gênio Obsessivo: O Mundo Interior de Marie Curie (São Paulo: Companhia das Letras, 2006), 1-50. 7 Letícia Prado, “Dorothy Hodgkin e seus Estudos Cristalográficos sobre a Estrutura da Penicilina,” História da Ciência e Ensino Construindo Interfaces, 18 (2018): 128-151.

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As reformas educacionais e curriculares que ocorreram no Brasil caminharam no sentido de promover a aprendizagem dos princípios gerais da ciência Química, enfatizando seu caráter experimental e suas relações com a vida cotidiana dos alunos, na esperança de produzir significado aos conhecimentos desta disciplina.

Segundo Schnetzler8,o ensino de química reafirma a importância social da escola, pois é dela que os alunos acessam e aprimoram conhecimentos historicamente construídos pela cultura humana e iniciam o entendimento dos conhecimentos químicos que lhes permitirão outras leituras do mundo no qual estão inseridos.

Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), orientam que,

O conhecimento químico não deve ser entendido como um conjunto de conhecimentos isolados, prontos e acabados, mas sim uma construção da mente humana, em contínua mudança. A História da Química, como parte do conhecimento socialmente produzido, deve permear todo o ensino de Química, possibilitando ao aluno a compreensão do processo de elaboração desse conhecimento, com seus avanços, erros e conflitos.9

Há necessidade intrínseca do professor ter conhecimentos profissionais relacionados aos limites

e potencialidades das metodologias de ensino como a História e Filosofia das Ciências (HFC), por exemplo. Tais conhecimentos podem embasar um processo de ensino sólido baseado na contextualização histórica e cultural.10

Para Nunes e colaboradores11, a História da Química (HQ) deve atuar como um fio condutor para uma análise mais contextualizada dos diferentes tópicos com os quais se faz educação no ensino fundamental e médio.

Assim é inconcebível explicar os conhecimentos científicos apenas a partir dos contextos social, econômico, cultural e material, é necessário levar também em conta os fatores internos da ciência, tais como os argumentos teóricos e as evidências experimentais disponíveis em cada período histórico.12

Matthews13, defende que a HFC tem a potencialidade de humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais dos alunos tornando as aulas de ciências mais estimulantes ao aprendizado. Para

8 Roseli. P. Schnetzler, “Apontamentos sobre a História do Ensino de Química no Brasil,” in Ensino De Química Em Foco, Org. Wildson L. Santos & Otávio A. Maldaner, (Ijuí: Unijuí, 2011): 51-75. 9 Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. (Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999), 66. 10 Schnetzler, “Apontamentos sobre a História,” 51-75. 11 Nunes et al., “A História de Sete Mulheres,” 17-22. 12 Eduardo S. Barra, “A Realidade do Mundo da Ciência: Um Desafio para a História, a Filosofia e a Educação Científica,” Revista Ciência e Educação 5, nº 1 (1998): 15-26. 13 Michel. R. Matthews, “História, Filosofia e Ensino de Ciências: a Tendência Atual de Reaproximação,” Caderno Catarinense de Ensino de Física 12, nº 3 (1995): 164-214.

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isso, o professor precisa receber uma boa formação para que consiga cumprir sua tarefa de produzir uma história simplificada que lance uma luz sobre a matéria, mas que não seja uma mera caricatura do processo histórico. Isto deve ser feito, levando em consideração a faixa etária dos alunos e o conteúdo que deve ser abordado no currículo seguido.

Espera-se que quando esta visão adequada da ciência for incessantemente praticada em salas de aula, teremos alunos cientes das relações da ciência com a sociedade, tecnologia e ambiente. E, ao que tudo indica, haverá o aumento do interesse dos alunos pela aprendizagem de conteúdos científicos. Essa abordagem mais realista sobre a HC/HQ, deixará de lado a ilusão de que a ciência é para grandes sábios, ajudando a mostrar o real trabalho científico e as pesquisas que dão origem às técnicas, conceitos e teorias.

Infelizmente, essa visão parece estar pouco presente nos materiais didáticos atuais, Loguercio e Del Pino14 mostram em sua pesquisa que é comum nos livros texto a referência a aspectos internalistas e anedóticos da ciência culminando na transmissão de uma ideia de conhecimento científico neutro, empírico, exato, a-histórico, cumulativo e linear.

Esta dinâmica a-histórica se reflete na prática dos professores que, devido à sua formação inicial, em geral voltada para os componentes científicos, e, a influência dos materiais didáticos, constroem entendimentos equivocados sobre o trabalho dos cientistas e os métodos de construção do conhecimento.

Em suma, defendemos que a história do desenvolvimento científico precisa ser divulgada nas áreas de ensino, para isso faz-se necessário incluir exemplos e práticas de HC/HQ nas disciplinas do ensino superior nos cursos de licenciatura, para que os professores depois de formados consigam transmitir em sua sala de aula uma visão mais adequada sobre a ciência e sua história em todos os níveis de educação.

Neste cenário, a divulgação de boas práticas de HFC/HC/HQ em revistas destinadas aos professores e pesquisadores, têm importante valor, uma vez que disseminarão à comunidade bons exemplos para o compartilhamento de ideias e crescimento coletivo de instrumentos, metodologias, estratégias e tendências de ensino embasadas neste tema.

Metodologia de pesquisa: a revisão de literatura

A revisão de literatura é a base que sustenta qualquer pesquisa científica. Para proporcionar o avanço em um campo do conhecimento é preciso primeiro conhecer o que já foi realizado por outros

14 Rochelle Q. Loguercio & José C. Del Pino, “Contribuições da História e da Filosofia da Ciência para a Construção do Conhecimento Científico em Contextos de Formação Profissional da Química,” Acta Scientiae 8, nº 1 (2006): 67-77.

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pesquisadores para que se possa fazer comparações, validações e até mesmo construções de novas teorias. 15

Buscamos neste trabalho mapear a produção acadêmica, no período de 2007 a 2018, das Revistas Química Nova e Química Nova na Escola, no sentido de identificar e analisar os trabalhos com a temática história da ciência/química e a participação feminina no cenário químico e de seu ensino. Buscou-se romper a barreira da leitura sucinta neste trabalho, isto é, optou-se por ler todos os artigos na íntegra que contemplaram a temática.

Para tratar e analisar as informações, prevemos a utilização da categorização temática16 a qual está baseada na perspectiva da Teoria Fundamentada17, cujo foco centra-se na utilização de categorias construídas a partir das informações coletadas.

A escolha das fontes de pesquisa, a saber, as revistas Química Nova (QN) e Química Nova na Escola (QNEsc), se deram por serem os dois principais periódicos de divulgação de trabalhos sobre o Ensino de Química no Brasil e por possuírem acesso aberto em seus websites.

Para a seleção das publicações a serem analisadas no âmbito deste estudo, realizamos em um primeiro momento a leitura dos títulos e palavras-chave que continham os termos: História da Química, História da Ciência, Aspectos Históricos ou o nome de um(a) cientista em específico.

No total, nesta primeira etapa selecionamos para análise 30 trabalhos. Depois dessa seleção, elaboramos um Roteiro para Análise Textual de Documentos. Tal roteiro foi organizado em um quadro descritivo-analítico, que permitiu coletar os elementos essenciais de cada produção em forma de fichamento de dados, selecionando, por exemplo, trechos representativos para nossa análise.

Com o quadro descritivo-analítico em mãos pudemos a partir da similaridade dos temas e trechos representativos elaborar 5 categorias a posteriori, ou seja, decorrentes da leitura dos textos na íntegra e da interpretação das informações coletadas.

Na tabela 1, apresentados os dados obtidos em nossa análise, ressaltamos que as categorias não são excludentes, desse modo, o somatório do número de ocorrência de trabalhos em cada categoria ultrapassa o número de produções analisadas nesta investigação, uma vez que alguns trabalhos puderam ser classificados em mais de uma categoria.

15 Norma S. A. Ferreira, “As Pesquisas Denominadas ‘Estado da Arte’,” Revista Educação & Sociedade 13, nº 79 (2002): 257-272. 16 Graham Gibbs, Análise de Dados Qualitativos (Porto Alegre: Artmed, 2009), 10- 198. 17 Kathy Charmaz, A Construção da Teoria Fundamentada: Guia Prático para Análise Qualitativa (Porto Alegre: Artmed, 2009), 150-272.

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Tabela 1. Categorias e os artigos que nelas se enquadram

nº Categorias Frequência

QN QNEsc Total %

1 Artigos que trazem a história e/ou um excerto biográfico de um(a) cientista 4 3 7 20,0%

2 Artigos que apresentam a criação e/ou desenvolvimento de teorias ou temas científicos através da História da Ciência

4 10 14 40,0%

3 Artigos que destacam o uso de HC na sala de aula 0 5 5 14,3%

4 Artigos que analisam a presença da HQ/HC em livros didáticos do Ensino Médio ou do Ensino Superior

2 3 5 14,3%

5 Artigos de revisão bibliográfica sobre HC/HQ. 0 4 4 11,4%

Total 10 25 35 100%

Apresentaremos a seguir as discussões acerca das características e particularidades das cinco categorias de análise criadas. Como modo de elucidação, por vezes, apresentaremos um excerto das produções que consideramos representativos de cada categoria.

Categoria 1: Artigos que trazem a história ou excerto biográfico de um(a) cientista.

Em nossa análise encontramos 7 trabalhos, que representam 20,0% do total de trabalhos analisados. Neles são apresentadas brevemente a biografia e as contribuições científicas de: Fritz Haber (1868-1934), Carl Bosch (1874-1940), Marie Curie (1867-1934), Niels Bohr (1885-1962), Jane Marcet (1769-1858), Michael Faraday (1791-1867) e Stéphane Leduc (1853-1939).

Os trabalhos que apresentavam somente as datas de nascimento ou morte dos cientistas não foram inseridos nesta categoria, pois ao nosso ver essas informações somente serviam para o leitor localizar o personagem em seu século de atuação, criando uma espécie de linha do tempo extremamente simplista.

É notável a predominância de personagens masculinos nas publicações, tanto que dos 7 artigos encontrados que trazem em seu escopo a história de um personagem da HC/HQ, somente 3 tratam da história de 2 mulheres.

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Chagas18 apresentou a contribuição histórica de Fritz Haber e Carl Bosch no processo de síntese de amônia, destacando a importância deste evento do ponto de vista científico, técnico, bélico e social.

Braga e Filgueiras19, divulgam uma pesquisa comemorativa dos 100 anos da publicação da teoria sobre a constituição do átomo de Niels Bohr, ressaltando sua importância no cenário científico e suas contribuições para o entendimento da atomística moderna. Neste trabalho também são citadas as teorias propostas por Johann Balmer (1825-1898), Max Planck (1858-1947) e de Ernest Rutherford (1871-1937), ou seja, ressalta-se somente as contribuições de cientistas do sexo masculino.

Michael Faraday (1791-1867), foi tema do trabalho de Baldinato e Porto20 que buscou investigar as estratégias didáticas utilizadas por Faraday em seus momentos de educador no auditório da Royal Institution.

Intitulado, Jardins Químicos, Stéphane Leduc e a Origem da Vida, o trabalho da autoria de Farias21 buscou resgatar a história com relação ao estudo dos jardins químicos. No artigo encontramos a biografia de Stéphane Leduc (1853-1939) médico e físico-químico que contribuiu com estudos e discussões a respeito da origem da vida.

Foram selecionados para nossa análise dois artigos que trazem a história de Marie Curie. O artigo de Nascimento e Braga22 comemorava o centenário do Prêmio Nobel desta cientista. Além de retratar sobre a vida e o trabalho de Marie Curie o artigo abordou aspectos históricos da visita da cientista e sua filha a Belo Horizonte em 1926.

O trabalho de Reis e Derossi23, teve como objetivo principal a análise de episódios selecionados da primeira aula ministrada por Marie Curie, sobre o conceito de vácuo, no projeto educacional de uma Cooperativa de Ensino. Nele conseguimos perceber a preocupação de Marie Curie com a assimilação do conhecimento e que este ocorresse de maneira sólida, duradoura e contextualizada, o que explica seu papel de destaque como figura feminina que sempre é lembrada quando se trata de HQ.

18 Aécio Chagas, “A Síntese da Amônia: Alguns Aspectos Históricos,” Química Nova 30, nº 1 (2007): 240-247. 19 João P. Braga & Carlos A. L. Filgueiras, “O Centenário da Teoria de Bohr,” Química Nova 36, nº 7 (2013): 1073-1077. 20 José O. Baldinado & Paulo A. Porto, “Michael Faraday e A História Química de Uma Vela: Um Estudo de Caso Sobre a Didática da Ciência,” QNEsc 30 (2008):16-23. 21 Luciana Farias, “Jardins Químicos, Stéphane Leduc e a Origem da Vida,” QNEsc 35, nº 3 (2013): 152-157. 22 Cássius K. Nascimento & João P. Braga, “Aspectos Históricos da Visita de Marie Sklodowska Curie a Belo Horizonte,” Química Nova 34, nº 10 (2011): 1888-1891. 23 Ivone F. Reis & Ingrid N. Derossi, “O Ensino de Ciências por Marie Curie: Análise da Metodologia Empregada em sua Primeira Aula na Cooperativa de Ensino,” QNEsc 36, nº 2 (2014): 88-92.

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Gonzalez e Muñoz-Castro24 foram os responsáveis pelo único trabalho que trouxe em suas palavras chave o termo women in chemistry (mulheres na química). Neste trabalho foi realizado um estudo historiográfico sobre Jane Marcet e seu papel na divulgação do conhecimento de químico no século XIX, por meio da popularização de livros de ciências e demonstrações experimentais.

Assim como a história da participação feminina de Jane Marcet, existem inúmeras outras histórias de mulheres cientistas que facilmente serviriam de inspiração para aulas de ciências e para outras mulheres.

Mesmo com a rápida disseminação da informação na atualidade e com as inúmeras discussões sobre o feminismo nas mídias, a comunidade científica parece ainda ter dificuldades em divulgar a participação das mulheres na HC, reflexo disto reforça estereótipos e distanciam as alunas do desejo deste tipo de carreira profissional.

A categoria 1 deste trabalho, tem portanto a intenção de alertar que esse cenário precisa de uma mudança, a participação das mulheres cientistas na HC/HQ deve ser tema de pesquisas, trabalhos e divulgação em periódicos, pois são muitas as mulheres que contribuíram e ainda contribuem para o desenvolvimento científico, entretanto poucas são reconhecidas neste meio ainda tão masculino.

Outro ponto importante a ser destacado é a potencialidade didática das biografias no ensino de química e ciências. Professores leitores destes materiais certamente poderão aliá-los às suas aulas contribuindo para discussões sobre a história no ensino de química. Porém é visto que se levarem em consideração apenas estas duas revistas terão seu potencial limitado a apenas sete cientistas e entre eles duas mulheres.

Categoria 2: Artigos que apresentam a criação e/ou desenvolvimento de teorias ou temas científicos através da história da ciência.

A categoria com mais publicações contempla 14 trabalhos que representam 40,0% do total de trabalhos analisados nesta pesquisa. Destacam-se entre estes trabalhos, as pesquisas sobre: atomismo (3), elementos químicos (2), radioatividade, síntese da amônia, biodiesel, calorímetro, destilação, química pneumática, especiarias, tecnologia float (vidro plano) e osmose (jardins químicos).

Dentre os trabalhos que abordaram o tema atomismo destaca-se a comemoração do centenário da teoria atômica de Bohr em 201325, a reunião da comunidade científica no Congresso de Karlsruhe em 186026 e o trabalho que trouxe a discussão sobre as controvérsias científicas e a teoria antiatomística27.

24 Johanna C. Gonzalez & Alvaro Muñoz-Castro, “Woman in Chemistry. Jane Marcet, a Relevant Figure in Chemistry Education,. Química Nova 38, nº 10 (2015): 1374-1378. 25 Braga & Filgueiras, “O Centenário da Teoria de Bohr,” 1073-1077.

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Na temática elementos químicos somam-se dois trabalhos, Flôr28 discute a extensão da tabela periódica após a inserção dos elementos transurânicos e Galvão e Menezes29 colocam o descobrimento dos lantanídeos em pauta para discussões no desenvolvimento do trabalho.

Tomados por uma historiografia simplista, Lima e colaboradores30, apresentam os personagens envolvidos na descoberta da radioatividade, citando seus nomes, datas de nascimento/morte inserindo brevemente a colaboração destes personagens no que tange o desenvolvimento dos estudos sobre radioatividade, como fica evidente no excerto a seguir.

Os primeiros relatos sobre a radioatividade, devidos a Antoine-Henri Becquerel (1852-1908), foram feitos apenas alguns meses após a divulgação da existência dos raios-x, feita por Wilhem Conrad Roentgen (1845-1923). A população e a mídia podiam perceber de imediato os efeitos desses últimos. Por exemplo, eles permitiam a visão interior do corpo humano por meio das radiografias, causando um impacto maior que a radioatividade, que não podia ser vista pelas pessoas. Os trabalhos do casal Curie tiveram crucial importância na mudança de rumo que tomaria a radioatividade.31

Na sequência os autores apresentam a temática da radioatividade e seu uso amplo e

indiscriminado no início do século XX.

No trabalho de Chagas32 há um breve histórico das descobertas do ciclo do nitrogênio,

suas fontes e uso na agricultura, destacando a história da síntese da amônia (em laboratório e

indústria).

Em comemoração aos 70 anos do primeiro pedido de patente de um processo de

transformação de óleo vegetal em biodiesel, Suarez e Meneghetti33 apresentam em seu trabalho

um histórico dos biocombustíveis derivados de óleos e gorduras. O trabalho inicia suas

26 Maria da C. M. Oki, “O Congresso de Karlsruhe e a Busca de Consenso sobre a Realidade Atômica no Século XIX,” QNEsc 26 (2007): 24-28. 27 Letícia S. Pereira & José L. P. B. Silva, “Uma História do Antiatomismo: Possibilidades para o Ensino de Química,” QNEsc 40, nº 1 (2018): 19-24. 28 Cristhiane C. Flôr, “A História da Síntese de Elementos Transurânicos e Extensão da Tabela Periódica Numa Perspectiva Fleckiana,” QNEsc 31, nº 4 (2009): 246-250. 29 Rodrigo Galvão & Jorge F. S. Menezes, “Breve Discussão Histórica sobre a “Descoberta” dos Lantanídeos e sua Relação com as Teorias de Luz e Cores de Maxwell e Einstein,” QNEsc 38, nº 1 (2016): 25-32. 30 Rodrigo da S. Lima, Luiz C. F. Pimentel, & Júlio C. O. Afonso, “Despertar da Radioatividade ao Alvorecer do Século XX,” QNEsc 33, nº 2 (2011): 93-99. 31 Ibid., 93. 32 Chagas, “A Síntese da Amônia,” 240-247. 33 Paulo A. Z. Suarez & Simoni. M. P. Meneghetti, “70º Aniversário do Biodiesel em 2007: Evolução Histórica e Situação Atual no Brasil,” Química Nova 30, nº 8 (2007): 2068-2071.

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discussões no século XIX com Rudolph Diesel e apresenta a situação brasileira em relação ao

desenvolvimento tecnológico na área de biodiesel no ano de 2007.

Tavares e Prado34 trazem uma abordagem histórica sobre o calorímetro de gelo,

mostrando como este instrumento tornou-se imprescindível para as investigações e estudos sobre

calorimetria a partir do século XIX.

Destilação foi o tema do artigo de Andrade e Silva35, publicado na seção “Relatos de

Sala de Aula” da revista QNEsc. Os autores citam que a destilação é um importante método de

separação de misturas, possuindo diversas aplicações tanto em nível industrial quanto acadêmico

e é um conceito que deve ser trabalhado com os estudantes desde a educação básica até o final

do ensino médio, assim como é previsto nos PCN.

O artigo de Gorri e Santin Filho36 analisa o trabalho dos chamados químicos

pneumaticistas, a partir da pintura Um experimento com um pássaro na bomba de ar (1768) de

Joseph Wright of Derby. São discutidos aspectos históricos, filosóficos e científicos da época,

com ênfase nos trabalhos de químicos do século XVIII.

Na seção HQ do periódico QNEsc, Rodrigues e Silva37 publicaram um artigo que

aborda a história das especiarias e sua relação com as grandes navegações, aliado ao estudo das

estruturas químicas das especiarias

A tecnologia float, importante para o estudo de vidros planos, foi o tema do trabalho de

Toquetto38, mediante o estudo desta tecnologia, podem ser evidenciados os fatores históricos,

sociais, econômicos, tecnológicos, científicos e ambientais relacionados à produção deste

material.

Farias39 aborda os conceitos de osmose e origem da vida, com a intenção de mostrar aos

alunos a teoria já superada de geração espontânea e sua antiga relação com o experimento de

jardins químicos.

Como se pode ver nos dados apresentados nesta categoria, há uma grande variedade de

temas que tem a potencialidade de contribuir para a aproximação da HC/HQ ao ensino de

34 Guilherme T. Tavares & Alexandre G. S. Prado, “Calorímetro de Gelo: Uma Abordagem Histórica e Experimental para o Ensino de Química na Graduação,” Química Nova 33, nº 9 (2010): 1987-1990. 35 Marcela Andrade & Fernando C. Silva, “Destilação: Uma Sequência Didática Baseada na História da Ciência,” QNEsc 40, nº 2 (2018): 97-105. 36 Ana P. Gorri & Ourides Santin Filho, “Representação de Temas Científicos em Pintura do Século XVIII: Um Estudo Interdisciplinar entre Química, História e Arte,” QNEsc 31, nº 3 (2009): 184-189. 37 Ronaldo Da S. Rodrigues & Roberto R. Silva, “A História sob o Olhar da Química: As Especiarias e sua Importância na Alimentação Humana,” QNEsc 32, nº 2 (2010): 84-89. 38 André R. Toquetto, “O Tema “Vidro Plano (Tecnologia Float)” para a Educação Científica e Tecnológica,” QNEsc 39, nº 3 (2017): 153-161. 39 Farias, “Jardins Químicos,” 152-157.

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química. Porém ficou evidente também, que nenhuma das pesquisas apresentadas tiveram como

objetivo apresentar a história de uma mulher cientista. O trabalho sobre radioatividade de Lima e

colaboradores40, por exemplo, ocultou o nome de Marie Curie (1867-1934), associando seu

nome e trabalho ao seu marido, reforçando a ideia de masculinidade do campo científico e por

consequência causando falta de representatividade feminina em seu ensino.

Categoria 3: Artigos que destacam o uso de HC na sala de aula.

Cinco artigos, 14,3% do total de trabalhos analisados mostravam ter sido levados a escola ou serem projetos para sala de aula. Quatro dos cinco artigos desta categoria visam destacar a importância de se levar a HC/HQ para a sala de aula como uma metodologia que tem o objetivo de desmistificar o conhecimento científico que muitas vezes é mal interpretado pelos estudantes.

O trabalho de Silva e Pataca41, usa HQ como tema gerador. É proposta uma sequência didática de 10 aulas baseada na história e contexto da vida de Fritz Haber, trabalhando os conceitos de Equilíbrio Químico para três turmas de 3º ano do ensino médio. Segundo a avaliação dos autores, o trabalho “trata-se de algo fundamental na formação dos estudantes, por refletir acerca da atividade científica, que poucas vezes é realizada na escola pelo fato de, em muitos momentos, pautarmos nossa prática no ensino de conceitos científicos”42.

O mesmo protagonismo da HQ se vê em Gandolfi, Aragão e Figuerôa43, no qual é sugerida uma atividade interdisciplinar de ensino a partir de uma abordagem histórica e social da exploração da cana-de-açúcar no Brasil Colônia.

Assim como o trabalho anterior, estes autores procuram defender a inserção da HFC nas salas de aula como uma importante ferramenta de ensino, com a potencialidade de proporcionar aos alunos uma visão crítica e fundamentada sobre suas relações com a sociedade, porém o trabalho deixa a desejar no quesito aplicação, uma vez que trata-se apenas de uma proposta de estudo do tipo sequência didática e não é relatado seus resultados de aplicação em salas de aula reais.

É importante ressaltar o fato de ambos proporem abordagens bem embasadas na questão histórica e com a possibilidade de adaptações/alterações nas sequências didáticas, fator fundamental para a aplicação deste tipo de aulas na realidade das escolas.

40 Lima et al., “Despertar da Radioatividade,” 93-99. 41 Aroldo N. Silva & Ermelinda M. Pataca, “O Ensino de Equilíbrio Químico a partir dos Trabalhos do Cientista Alemão Fritz Haber na Síntese da Amônia e no Programa de Armas Químicas Durante a Primeira Guerra Mundial,” QNEsc 40, nº 1 (2018): 33-43. 42 Ibid., 40. 43 Haira E. Gandolfi, Thayse Z. Aragão, &Silvia F. M. Figueirôa, “Os Alambiques no Brasil Colônia: Uma Proposta de Abordagem Histórica e Social no Ensino de Ciências,” QNEsc 38, nº 3 (2016): 215-223.

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Andrade e Silva44, apresentam e avaliam a aplicação de uma sequência didática destinada a alunos do 1º ano do ensino médio. Percebe-se nesta atividade, pouco aprofundamento e protagonismo da HQ, pois há somente a leitura de um texto sobre a história da destilação seguido de debate, cujo enfoque é dado aos processos da técnica experimental. Entendemos, portanto, que a atividade tratava em sua essência dos conhecimentos e técnicas da destilação, utilizando a história apenas como pano de fundo para sua contextualização.

Torquetto45, propõe uma sequência didática com o tema “Vidro Plano” a partir da apresentação de conceitos técnicos, tecnológicos e ambientais, e uma breve contextualização sobre a história do vidro. Contudo, a historiografia é trazida de forma sistemática, resumindo-se a datas, nomes importantes e breves explicações técnicas da produção vidreira.

O quinto artigo analisado usou alguns momentos da HQ do século XVIII como tema central de uma encenação teatral do ensino superior. Em linhas gerais, Roque46, descreve as ações de uma disciplina optativa de um curso de graduação no qual os alunos faziam improvisações sobre a vida dos cientistas a partir de suas biografias e interpretavam temas da HQ, entre eles as experiências sobre os gases realizadas pelos químicos Black, Cavendish, Priestley, Scheele e Lavoisier. Porém o trabalho não deixa explícito quais fontes historiográficas foram usadas tampouco apresenta uma análise dos trabalhos feitos pelos alunos.

Em suma, os trabalhos apresentados nesta categoria são exemplos de propostas elaboradas e executadas em salas de aula que unem a HC/HQ ao ensino de química, porém notamos que em nenhum deles é mencionado uma cientista ou seu trabalho, evidenciando a falta de representatividade feminina nas ciências ensinadas nas escolas e a baixa produção de relatos de experiência desta temática nas revistas analisadas.

A baixa produção de trabalhos que se enquadram nesta categoria mostra-se alarmante também devido a constatação da pouca produção de conteúdos e aulas efetivamente ministradas que fazem o uso da relação HC/HQ e ensino. Com isto, reforça-se a necessidade da inserção de estudos de HFC nos cursos de formação de professores das áreas de ciências, discussão sinalada na seção objetivos e abordagens da historiografia da ciência no ensino de ciências deste trabalho. Categoria 4: Artigos que analisam a presença da HQ/HC em livros didáticos do ensino médio ou do ensino superior.

44 Andrade & Silva, “Destilação: uma sequência,” 97-105. 45 Toquetto, “O Tema ‘Vidro Plano’,” 153-161. 46 Nidia F. Roque, “Química por Meio de Teatro,” QNEsc 25 (2007): 27-29.

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Foram encontrados cinco artigos que fazem parte desta categoria, sendo dois trabalhos da revista Química Nova e três da Química Nova na Escola, representando 14,3% do total de trabalhos analisados. Todos fazem revisões bibliográficas buscando verificar de que forma a HQ é abordada nos livros didáticos tanto no ensino médio (artigos da QNEsc) quanto no ensino superior (artigos QN).

As pesquisas de Fernandes e Porto47 e Leite e Porto48 investigaram a história dos conteúdos científicos relacionados a química em livros didáticos do ensino superior concluindo que nestes materiais evidenciam-se a descoberta científica a partir de eventos instantâneos atribuídos a um único cientista.

Ambos os trabalhos concluíram que os livros analisados restringem a HQ “a dados biográficos de cientistas e simples menções a ideias e descobertas”49.

Fator extremamente preocupante, uma vez que relatos mais bem elaborados tem o potencial de auxiliar o estudante em diferentes aspectos de seu aprendizado, como na “construção de conceitos de química; na compreensão da complexidade da atividade científica ao longo do tempo; bem como no entendimento do fazer científico na atualidade”50.

Os trabalhos de Vidal51, Pitanga52 e Chaves53 publicados na QNEsc nos mostram como é apresentada a HQ nos livros didáticos de química do ensino médio.

Eles constataram que nos livros abordagem da HQ é predominantemente dogmática, construída de forma linear, cumulativa e a-histórica, sendo comum o relato abreviado de um acontecimento, especulando-se a característica curiosa ou divertida do fato, sem qualquer preocupação com a qualidade informativa ou formativa do tema estudado.

Concluindo a análise da categoria 4, vemos que a HQ é pouco explorada nos materiais didáticos, sendo quase em sua totalidade representada por uma historiografia simplista. Essa análise mostra, portanto, a intrínseca necessidade do desenvolvimento de estudos de metodologias de ensino baseados na HFC/HFQ em cursos de formação inicial de continuada de professores já que os materiais usados como apoio de sua prática apresentam-se extremamente limitados neste campo. No quesito

47 Maria A. Fernandes & Paulo A. Porto, “Investigando a Presença da História da Ciência em Livros Didáticos de Química Geral para o Ensino Superior,” Química Nova 35, nº 2 (2012): 420-429. 48 Helena S. A. Leite & Paulo A. Porto, “Análise da Abordagem Histórica para a Tabela Periódica em Livros de Química Geral para o Ensino Superior Usados no Brasil no Século XX,” Química Nova 38, nº 4 (2015): 580-587. 49 Fernandes & Porto, “Investigando a Presença da História,” 429. 50 Ibid., 429. 51 Paulo H. Vidal, Flavia O. Cheloni, & Paulo A. Porto, “O Lavoisier que Não Está Presente nos Livros Didáticos,” QNEsc 26 (2007): 29-32. 52 Ângelo F. Pitanga et al., “História da Ciência nos Livros Didáticos de Química: Eletroquímica como Objeto de Investigação,” QNEsc 36, nº 1 (2014): 11-17. 53 Lígia M. P. Chaves, Wildson L. P. dos Santos, & Maria H. S. Carneiro, “História da Ciência no Estudo de Modelos Atômicos em Livros Didáticos de Química e Concepções de Ciência,” QNEsc 36 (2014): 269-279.

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representatividade feminina, o cenário continua inexpressivo uma vez que os autores sequer preocupam-se com essa discussão nos trabalhos analisados.

Categoria 5: Artigos de revisão bibliográfica sobre HC/HQ.

Quatro artigos da revista Química Nova na Escola, 11,4% dos trabalhos selecionados, se enquadram na categoria 5.

O trabalho de Marques e Filgueiras54 alocado na seção História da Química, retrata a história de duas famílias e três gerações de químicos que uniram os países Brasil e Portugal ajudando a mudar a história política e científica desses países.

O artigo de Oliveira e colaboradores55 aborda as inter-relações existentes entre a trilogia química-sociedade-consumo através de uma retrospectiva histórica comentada, que se inicia com os primeiros indícios de química até o desenvolvimento industrial e o início da sociedade de consumo, trata-se de uma leitura que nos traz reflexões de como a imagem da química foi sendo moldada através do tempo e como seu desenvolvimento contribuiu para o desenvolvimento da sociedade.

Em comemoração aos 20 anos da revista QNEsc os autores Baldinato e Porto56, apresentaram uma análise do que já havia sido publicado na seção História da Química desta revista. Foram analisados os períodos históricos, as temáticas mais recorrentes, as formas de abordagem, objetivos e conteúdos trabalhados, além das mudanças verificadas no perfil dos autores que contribuíram com a seção.

Através desta análise foram encontradas contextualizações de estudos e conceitos, trabalhos que promovem abordagens históricas com vistas na interdisciplinaridade, experimentação, leitura crítica de livros didáticos e reflexão sobre aspectos da natureza da ciência no ensino. Ao final do trabalho os autores puderam concluir que a seção HQ recebe um número pequeno submissões que é o reflexo do pequeno número de profissionais que se dedicam a pesquisa da HC/HQ no Brasil. Segundo os autores: “as questões remetem à importância fundamental da contínua formação dos professores e, nesse âmbito, destacamos a necessidade da inserção de discussões explícitas a respeito de diferentes concepções sobre a historiografia da ciência”57.

54 Adílio J. Marques & Carlos A. L. Filgueiras, “Uma Família de Químicos Unindo Brasil e Portugal: Domingos Vandelli, José Bonifácio de Andrada e Silva e Alexandre Vandelli,” QNEsc 31, nº 4 (2009): 251-256. 55 Julieta S. Oliveira, Márcio M. Martins, & Helmoz R. Appelt, “Trilogia: Química, Sociedade e Consumo,” QNEsc 32, nº 3 (2010): 140-144. 56 Baldinado & Porto, “20 anos de QNEsc,” 166-171. 57 Ibid., 170.

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O trabalho de Arrigo e colaboradores58 também fez uma análise dos artigos publicados no periódico QNEsc na seção HQ, o período de publicação escolhido para análise foi de 1995 a 2016 com o objetivo de identificar as pesquisas que enfatizam aspectos da construção do conhecimento científico/químico ao longo da história que podem trazer contribuições pedagógicas para o Ensino de Química e concluíram que as relações entre a História da Química e a Educação em Química não são evidenciadas e salientam a necessidade de incorporar aspectos da HFC nos currículos das disciplinas científicas:

Destacamos que somente 9 dos 38 artigos selecionados ressaltam a construção do conhecimento científico/químico por meio da história, superando a ideia de utilizar a HC como uma mera abordagem de ensino utilizada para motivar ou despertar o interesse dos alunos. Para que a utilização desta abordagem contribua para o Ensino de Química, faz-se necessário enfatizar a construção da Ciência como uma atividade humana, portanto histórica, e não apenas como uma forma de descrever feitos ou descobertas científicas, sem um sentido social, cultural e ético.59

Em suma o cenário analisado neste trabalho mostra baixa produção acadêmica sobre a HC/HQ e HFC/HFQ no período de 10 anos de publicações, indo ao encontro dos resultados dos trabalhos analisados nesta categoria.

Como se pode constatar não houveram artigos nesta categoria preocupados em fazer o levantamento ou discutir a participação feminina na HC/HQ reforçando a importância deste trabalho e de discussões sobre o tema na formação de professores de química e ciências.

Considerações finais

Diante dos objetivos apresentados neste trabalho, a saber, identificar e analisar os artigos dos periódicos QN e QNEsc que destacam a participação feminina na HC, no desenvolvimento do conhecimento científico e em seu ensino, ressaltamos que somente três dos trinta artigos selecionados tiveram como tema principal uma mulher na HC/HQ, sendo dois deles sobre Marie Curie e um sobre Jane Marcet.

Em mais de 10 anos de publicações, somente duas mulheres foram lembradas em trabalhos de HC/HQ, reforçando a importância de se discutir esse tema e alertar sobre a baixa representatividade das mulheres no campo das ciências.

58 Viviane Arrigo et al., “Análise dos Artigos Sobre ‘Natureza da Ciência’ Publicados na Seção História da Química da Revista QNEsc entre 1995-2016,” QNEsc 40, nº 3 (2018): 178-185. 59 Ibid., 184.

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No que tange a ampliação da temática no que se refere aos estudos gerais sobre HC/HQ/HFC e sua relação com o ensino de química, o cenário mostra-se da mesma forma iniciante e em construção. Como se pode ver nas discussões feitas nas categorias 2 a 5 deste trabalho, há a necessidade de promover ações sobre o tema em cursos de formação de professores para que estes realizem aulas e projetos usando a HFC como metodologia de ensino.

Apresentamos a frequência e o tipo de abordagem que se tem feito sobre a participação feminina na HC/HQ e constatamos que pouco foi divulgado nos últimos anos, mesmo 9 anos após a publicação do trabalho de Pinto Neto e Silveira60, ainda é escasso o número de pesquisas que retratam o envolvimento e interesse feminino pela cultura científica.

Esperamos, portanto, que num futuro próximo, superemos a ideia de uso da HFC como forma de motivar ou despertar o interesse dos alunos, movendo nossos objetivos para a construção humana da ciência evidenciando seus fatores sociais, históricos e culturais proporcionando aos estudantes uma compreensão da natureza da ciência e do trabalho científico sem empobrecer seu caráter didático. Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) mediante Programa de Excelência Acadêmica.

SOBRE AS AUTORAS: Letícia do Prado Universidade Estadual Paulista [email protected] Daniele Fernanda Rodrigues Universidade Estadual Paulista [email protected]

Artigo recebido em 10 de abril de 2019 Aceito para publicação em 04 de julho de 2019

60 Pinto Neto & Silveira, “Mulheres na História da Ciência,” 105-122.