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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes MULHERES E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NO ATUAL MODELO ENERGÉTICO: ESTUDO DE CASO DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO NO RIO MADEIRA / RONDONIA IVANEI MARIA FARINA DALLA COSTA Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr.Clifford Andrew Welch Monitora: Eliete Margutti Presidente Prudente 2011

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Page 1: MULHERES E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NO ATUAL … · A todas as pessoas que de ... TCC - Trabalho de ... Estes elementos contraditórios no desenvolvimento da sociedade nos fazem

Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

MULHERES E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NO ATUAL

MODELO ENERGÉTICO: ESTUDO DE CASO DO COMPLEXO

HIDRELÉTRICO NO RIO MADEIRA / RONDONIA

IVANEI MARIA FARINA DALLA COSTA

Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr.Clifford Andrew Welch

Monitora: Eliete Margutti

Presidente Prudente

2011

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MULHERES E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NO ATUAL

MODELO ENERGÉTICO: ESTUDO DE CASO DO COMPLEXO

HIDRELÉTRICO DO RIO MADEIRA / RONDONIA

IVANEI MARIA FARINA DALLA COSTA

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr.Clifford Andrew Welch

Presidente Prudente

2011

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Ivanei Maria Farina Dalla Costa

MULHERES E OS CONFLITOS TERRITORIAIS NO ATUAL

MODELO ENERGÉTICO: ESTUDO DE CASO DO COMPLEXO

HIDRELÉTRICO DO RIO MADEIRA / RONDONIA

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho,” submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Banca examinadora:

Presidente Prudente, novembro de 2011

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DEDICATORIA

Dedico o resultado deste esforço, e os desafios que estão pela frente, a todas as mulheres que lutam em defesa da vida e de uma sociedade justa. Pelo fim das desigualdades de gênero e pela libertação das próprias mulheres. A minha irmã Vane, que na condição de mulher, tem sido uma guerreira na luta pela vida. E a minha filha Marina, que pela sua justeza e dedicação, possibilita minha militância. Acredito que são exemplos de mulheres assim que fazem a diferença na luta pela construção de novas relações sociais e de gênero.

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AGRADECIMENTOS

Ao Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, pela oportunidade de ingressar neste

curso e aprimorar meus conhecimentos, em especial as companheiras mulheres do Movimento que

de alguma forma sentem-se instigadas a fazer o debate de gênero à luta.

Aos meus companheiros/as de militância e equipe de trabalho da secretaria do MAB em São

Paulo, pelo apoio e compreensão nos momentos que não poderia assumir tarefas devido o curso. De

maneira carinhosa a companheira Liciane Andrioli pela atenção e ajuda.

Ao meu companheiro de muitos anos Luiz Dalla Costa e minha filha Marina, pelo apoio

incondicional, e compreensão da minha ausência num período de maiores desafios em nossas vidas,

devido à transferência de moradia para a cidade de São Paulo.

A minha família (pais e irmãos), acredito ser o alicerce dos valores e princípios de vida que

defendo, e que mesmo distante, sempre me deram apoio nos momentos de dificuldades, valorizando

os desafios e compromisso que fui assumindo.

Ao meu orientador Prof. Dr. Cliff Welch, pela forma pacienciosa e ao mesmo tempo crítica

de orientar durante o trabalho. A monitora Eliete Margutti, pela dedicação e carinho. A toda equipe

da CPP - Coordenação Política Pedagógica do curso, a qual fez parte durante todo curso. Com

certeza passamos por muitos desafios e isso nos possibilitou aprendizagens políticas e pedagógicas.

A todas as pessoas que de alguma forma contribuíram com este processo, de maneira única,

especialmente as famílias e mulheres das comunidades de Joana D’arc Rondônia, onde fiz o trabalho

de campo.

Por último a toda turma de geografia Milton Santos, que durante cinco anos de convivência,

com tantas realidades diferentes, podemos dizer que foi uma grande escola.

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Tentaram nos convencer que éramos divinas E nos negaram os bens da terra Tentaram nos convencer que éramos santas E nos negaram o prazer da vida Tentaram nos convencer que éramos escravas E nos negaram a liberdade Agora nos falam que somos mais competentes E ganhamos menos por trabalho igual Insistem que devemos ser poderosas E brigamos com os companheiros Somos simplesmente mulheres E só isto já é uma imensidão Mulheres do ventre à mente, unidas e conscientes Juntando nossa luta, à luta da gente

(Afetividade e sexualidade, Consuelo Lins)

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RESUMO A partir de nosso estudo e pesquisa do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, no Estado de Rondonia, constatamos que os conflitos nos territórios onde são construídas as barragens, passam a agravar as condições de vida das mulheres atingidas. Reforçando a opressão de gênero, prejudicando a vida das mulheres nas esferas do trabalho, da participação política, da convivência comunitária e familiar, da sexualidade e do acesso e uso da energia elétrica. O Brasil está entre os países com maior desigualdade entre homens e mulheres. As diferenças não são apenas de “papéis” a cumprir na sociedade. Existe uma relação de dominação de um gênero pelo outro, no caso, a dominação dos homens sobre as mulheres, uma subjugação materializada na divisão sexual do trabalho. O conceito de gênero embasado na concepção que é uma construção das relações sociais requer exatamente romper com o determinismo biológico como suporte da opressão feminina, que fortalece a reprodução de uma sociedade capitalista, patriarcal e machista. O debate sobre a violação dos direitos humanos na vida das mulheres, nos territórios onde há os conflitos devido à construção das barragens e das relações de gênero, ainda é muito recente no MAB. Porém, torna-se cada vez mais necessário, neste momento em que a estratégia do setor elétrico brasileiro avança na construção de mais e mais barragens, e o movimento reafirma seu caráter de lutar por um Projeto Energético Popular. Esse debate trás consigo os desafios de fazer à luta para resistir e transformar esse sistema capitalista e patriarcal.

Palavras chaves: Mulheres, relações de gênero, modelo energético, conflitos territoriais.

ABSTRACT Our research on the construction and operation of the Madeira River hydroelectric complex in the state of Rondonia, Brazil, demonstrates that the conflicts this process stimulates significantly worsen the quality of life of the women affected. Dam construction thus reinforces gender inequality and oppression, harming the lives of women in the spheres of work, sex, family, community, and politics. Ironically, constructon of the power generating stations also diminishes women’s access to and use of electricity. We examine the broader theoretical and practical context of these struggles. Brazil is among those countries that suffer the highest levels of inequality between men and women. The inequality is experienced as a relationship of domination, in which men subjugate women through the sexual division of labor. The concept of gender is used to analyze the social construction of the relationship between men and women; in Brazil’s capitalist society, biological determinism has been exercised to justify the strengthening of a patriarchal and sexist social structure that depends on the oppression of women. Our research also examines the role of the Movement of Those Affected by Dams (MAB), which after 20 years of struggle recently began to debate the human rights of women and the nature of gender relations in areas afflicted by conflict due to dam construction. With the Brazilian energy sector expanding on the basis of hydroelectric power generation, the construction of more and more dams is planned. Reaffirming its commitment to fight for a People's Energy Project, MAB has embraced the struggle against women’s oppression as central to resisting more dams and transforming the capitalist and patriarchal systems. Keywords: Women; gender relations; energy model; territorial conflicts.

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Lista de Siglas

AMFORP - American & Foreign Power BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CEEE/RS - Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul

CMB - Comissão Mundial de Barragens DHESCA - Plataforma Brasileira dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais EPE - Empresa de Pesquisa Energética

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens MME - Ministério de Minas e Energia

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento PEP - Projeto Energético Popular

PDDE - Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica PCHs - Pequenas Centrais Hidrelétricas.

PNE - Plano Nacional de Energia SIN - Sistema Interligado Nacional

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso UHE - Usina Hidrelétrica

Lista de Gráficos

Gráfico 1 As percepções da existência de diferenças nas responsabilidades entre

homens e mulheres 21

Gráfico 2 As percepções em relação à participação das mulheres nas atividades comunitárias sociais

21

Gráfico 3 As percepções sobre as principais tarefas das mulheres nas comunidades 22 Gráfico 4 A participação que as mulheres gostariam de ter 23

Gráfico 5 Interesse das mulheres por formação quanto à produção 24

Gráfico 6 Questão energética – matriz energética no mundo 27

Gráfico 7 Matriz energética no Brasil 28

Gráfico 8 Matriz de energia elétrica do Brasil em 2005 29

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Lista de Figuras

Figura 1 Potencial hidráulico nacional 33

Figura 2 Mobilização dos atingidos da Hidrelétrica de Tucuruí / PA 38

Figura 3 Rio Madeira nas proximidades de Porto Velho / RO 40

Figura 4 Propriedade que será alagada pelo lago da Barragem de Jirau. Linha Mutun / RO (2010)

45

Figura 5 Reunião com grupo de mulheres atingidas pela UHE de Santo Antonio / RO (2010)

51

Lista de Tabelas

Tabela 1 Resumo dos custos estimados nas obras do complexo hidrelétrico do Rio Madeira

42

Tabela 2 Representação em números do volume de produção de energia, o preço previsto pelo leilão e a estimativa do resultado final por um período de um ano

43

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SUMÁRIO

Introdução 10 I. – As desigualdades sociais e as relações de gênero: uma abordagem a partir da geografia

13

1.1 Gênero e desigualdade 15 1.2 O MAB e as relações de gênero nas comunidades atingidas 18 II. – O conceito de energia na lógica capitalista e o atual modelo energético 26

2.1 O atual modelo energético e suas contradições 31 2.2 Mecanismos e estratégias usadas pelas empresas no tratamento das populações atingidas pela construção de barragens

35

III. – As mulheres e os conflitos territóriais do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira / RO

39

3.1 As disputas das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau 39 3.2 Os principais conflitos territoriais e de gênero enfrentados pelas mulheres atingidas por barragens

46

3.2.1 O mundo do trabalho 47 3.2.2 A participação política 50 3.2.3 A perda da convivência familiar e comunitária 53 3.2.4 Os conflitos da prostituição 54 3.2.5 O acesso à energia elétrica 56

Considerações Finais 58 Referências 60 Anexos 63

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INTRODUÇÃO

Ao desenvolver este trabalho, analisando a temática mulheres e os conflitos territoriais no

atual modelo energético, com o intuito de verificar as hipóteses levantadas, sobre as consequências

que o modelo energético brasileiro causa na vida das mulheres atingidas por barragens, partimos da

compreensão que vivemos em uma sociedade onde o modo de produção capitalista e patriarcal é

hegemônico, onde tudo é transformado em mercadoria, inclusive o corpo das mulheres.

O capital para sua reprodução, busca maximizar a exploração da força de trabalho dos

trabalhadores/as, fazendo uso das tecnologias mais avançada para produzir as mercadorias em menor

tempo possível, se apropriando dos territórios e dos recursos naturais. O capital procura instituir no

imaginário das pessoas – mesmo que em escalas desiguais – um padrão de consumo desnecessário

para a vida humana, com o único objetivo de acumular riquezas de ordem privada. E para o

funcionamento desta lógica de desenvolvimento consumista, o modelo energético é fundamental.

Estes elementos contraditórios no desenvolvimento da sociedade nos fazem pensar que, a

sociedade dividida em classes sociais, produz um forte impacto nas oportunidades de vida e relações

sociais dos indivíduos, agravando ainda mais as desigualdades sociais e de gênero.

Isso nos força viver imersos em processos hierárquicos e desiguais que facilitam ou impedem

as pessoas a obter os bens que necessitam para viver; são processos injustos de divisão da construção

humana; da divisão social, étnica, territorial e sexual.

O debate sobre a questão da violação dos direitos humanos das mulheres nos territórios onde

ocorrem conflitos devido à construção de barragens ainda é muito recente no MAB. Porém, torna-se

cada vez mais necessário nesse momento em que a estratégia do setor elétrico brasileiro avança na

construção das barragens e o movimento reafirma seu caráter de lutar por um PEP - Projeto

Energético Popular. Este debate, trás consigo desafios profundos que colocam em evidência a

necessidade de fazer a luta de enfrentamento a esse sistema capitalista, patriarcal e machista.

Sempre fomos estimuladas a defender o direito das mulheres, e destas tornarem-se sujeitas

ativas dos processos de transformação. A possibilidade de fazer o curso de graduação em geografia

nos deu a possibilidade e animo de buscar estudar o tema das mulheres, com a perspectiva de

contribuir no movimento com a produção do TCC- Trabalho de Conclusão de Curso, o qual

apresentamos como resultado do esforço destes anos do curso.

Quando decidimos sobre o objeto de estudo, os objetivos propostos foram de analisar as

relações de gênero e os conflitos territoriais no atual modelo energético a fim de identificar melhor as

consequências do processo na vida das mulheres atingidas por barragens.

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Os objetivos específicos foram de avaliar como as relações sociais de gênero são construídas

historicamente e como estas se reproduzem nas famílias das comunidades atingidas. Buscamos

compreender o contexto maior destes conflitos através da investigação da formação do atual modelo

energético brasileiro. Procuramos entender quais os mecanismos e estratégias de atuação das

empresas do setor nos territórios onde se da à construção das barragens; bem como, analisar quais

são as consequências dos conflitos na vida das mulheres em decorrência da construção das

barragens.

Abordamos o tema no significado geral na escala global, mas a escala local foi utilizada para

pesquisar a experiência das mulheres. A situação local selecionada foi uma serie de conflitos

contemporâneos ocorrendo no complexo hidrelétrico do Rio Madeira no Estado de Rondônia.

A nosso ver, os objetivos foram alcançados. No primeiro capítulo, tratamos das

desigualdades sociais e as relações de gênero com ênfase na abordagem da questão de gênero na

geografia. O capítulo também avalia como estas desigualdades se reproduzem na sociedade, e como

estas influenciam as relações domesticas das famílias e comunidades atingidas por barragens.

No segundo capítulo, examinamos o conceito da energia na lógica capitalista e as dimensões

do atual modelo energético. Com o propósito de discutir a questão da energia, a partir da matriz

energética, fazendo um breve resumo da história do setor elétrico, como este se estruturou e suas

contradições em função de estar a serviço do modo de produção capitalista.

No terceiro capítulo, discutimos as mulheres e os conflitos territoriais no atual modelo

energético. Partindo de um estudo de campo dos projetos hidrelétrico do complexo do Rio Madeira

em Rondônia, trabalhamos para relacionar as experiências das mulheres lá com elementos teóricos

das disputas e apropriação dos territórios, analisando estes conflitos e as consequências na vida das

mulheres atingidas.

A conclusão do trabalho traz elementos da história da luta e resistência das mulheres

atingidas, com apontamentos e desafios para o Movimento dos Atingidos por Barragens e para as

próprias mulheres atingidas que seguirem em luta, tornando-se sujeitas políticas.

Metodologia

Para elaboração do trabalho a metodologia adotada foi de definir o objeto de estudo

determinando o tema norteador, com a intenção que este viesse a contribuir no MAB. Uma vez

determinado, foi necessário estabelecer os objetivos a serem alcançados. Finalmente, foi definido um

cronograma de trabalho com metas e prazos. Sempre buscando a orientação do Prof. Dr. Cliff e o

apoio da monitora Eliete Margutti.

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A partir do projeto de pesquisa, foram apontadas as bibliografias para embasar nosso estudo e

sua elaboração, com o objetivo de analisar conceitos de gênero, compreender como funciona o

modelo energético e avaliar quais as consequências na vida das mulheres atingidas.

Para verificar as hipóteses levantadas que o modelo energético agrava a situação de vida das

mulheres atingidas, fizemos nosso trabalho de campo em comunidades atingidas pelas hidrelétricas

Santo Antônio e Jirau em Rondônia, fazendo entrevistas com mulheres atingidas, visitando

comunidades e participando de reuniões (depoimentos coletados aparecem em especial no terceiro

capítulo). Também reforçamos nosso levantamento de campo com depoimentos extraídos do

relatório da Comissão Especial dos Atingidos do CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da

Pessoa Humana, que traz elementos sobre esta situação que tratamos.

No conjunto dos materiais utilizados, tivemos a possibilidade de acompanhar o diagnóstico

realizado pelo MAB nas comunidades atingidas ou ameaçadas por barragens, e um dos eixos do

diagnóstico foi à questão de gênero. Parte destes dados vão aparecer no primeiro capítulo para

embasar a análise de como são as relações de gênero nas famílias e comunidades atingidas.

Outro elemento que nos ajudou na elaboração do trabalho, foi nossa participação na

organização do primeiro encontro nacional das mulheres atingidas por barragens, realizado em

Brasília em abril de 2011.

Em síntese a metodologia e os recursos utilizados, foram: pesquisas bibliográficas, trabalho

de campo, questionários, análise do diagnóstico, bem como participação em debates e encontros

sobre o tema.

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CAPÍTULO I

AS DESIGUALDADES SOCIAIS E AS RELAÇÕES DE GÊNERO: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA GEOGRAFIA

Categorias de análise fundamentadas em conceitos são importantes para estudar a realidade a

partir das ciências geográficas. Algumas destas consideradas clássicas e outros mais recentes surgem em

razão da necessidade de compreender a complexidade das contradições do mundo atual.

Na geografia as principais categorias são: espaço, região, lugar, paisagem, território. Neste

trabalho buscamos dar um enfoque ao debate e análise da categoria gênero dentro da geografia, ainda

muito recente no mundo acadêmico. Porém, entendemos ser uma discussão da máxima importância

para quem se propõem fazer análise geográfica considerando as dinâmicas das relações sociais na

sociedade e com a natureza.

O ensino e o estudo da geografia enquanto uma das ciências humanas, articula a sociedade

enquanto parte da natureza, buscando compreender o espaço vivido, bem como o espaço produzido.

Procura analisar as contradições das classes sociais, e como as relações sociais de produção se

apropriam e transformam a natureza, como se esta não fosse parte do espaço humano. Para Oliveira

“A Geografia explica como as sociedades produzem o espaço conforme seus interesses em

determinados momentos históricos e que esse processo implica uma transformação contínua"(1994,

p 142). Esta afirmação nos diz que a geografia na sua essência busca estudar e explicar a dinâmica

das relações sociais e de produção.

Analisar as diferentes fases dos estudos das ciências geográficas, suas principais influências

em cada momento histórico, constatam-se que os conceitos mais estudados com elaborações é sobre

espaço e território, além dos já citados anteriormente. O que vai diferenciar é a base de concepção

teórica e visão de mundo em que cada estudante ou pesquisador busca apoiar sua análise. O que é

mais conhecido na geografia, são conteúdos aplicados nas escolas no ensino médio e fundamental,

onde o estudo das ciências geográficas em geral não passa da descrição da geografia física.

Por outro lado, temáticas que envolvem a dinâmica dos conflitos e das lutas sociais, são

incorporadas como objetos de pesquisas e análises na geografia, em especial as questões agrárias,

urbanas e do trabalho. O que tem aparecido com menos frequência e aprofundamento como categoria

de análise são as questões das relações de gênero, acreditamos que isso se deve, não por uma simples

lacuna na geografia, mas por ser um tema conflituoso e oculto na sociedade. Este passa a ganhar

força e ter visibilidade a partir das lutas feministas.

Conforme, estudo e pesquisa de Garcia (2007), aponta que a produção e estudos de gênero na

geografia tiveram início nos anos 80, desde então o tema tem vigorosa expansão pelo mundo e nas

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pesquisas geográficas e demais áreas do conhecimento. Em linhas gerais estes estudos abordavam a

divisão social e espacial do trabalho e os conflitos na vida pública e privada de homens e mulheres,

que tem haver com as alterações das relações do mundo urbano.

Já nos anos 90, enquanto estudante de graduação em geografia na Universidade da Santiago Compostela, na Galizia, noroeste da Espanha, ouvíamos falar sobre geografia e Gênero, mas para nós estudantes não passava de conversas de corredores. Não existia nos currículos, e ainda não existe, nenhuma disciplina assim intitulada. Como também não existiam encaminhamentos que nos aproximassem de assuntos que compõem a temática do trabalho de forma como construímos hoje. Porém, formávamos em geografia rural [...] Devido à crise em pesquisa nos espaços rurais, a irrupção da “nova” geografia de gênero deu-se nos estudos geográficos urbanos. [...] O primeiro estudo com a epígrafe da geografia feminista no espaço rural que temos localizado data de 1986, que foi publicado na Inglaterra no Journal of Rural Studies fundado em 1985. Uma publicação periódica, que com ênfase no enfoque interdisciplinar, entendeu desde suas origens, Gênero como uma categoria importante de analise. (p.26-27)

Por meio de análises, sociais e históricas, as pesquisas na geografia baseadas no conceito de

gênero, têm contribuído para evidenciar a desigualdade entre homens e mulheres. No Brasil, os

estudos que abordam as relações de gênero acompanham os diferentes momentos dos movimentos e

lutas feministas.

A partir da década de oitenta, o país começa a sair lentamente dos chamados “anos de

chumbo” da ditadura militar que teve início em 1964. Mas é preciso considerar que desde meados

dos anos setenta as mulheres brasileiras já se mobilizavam contra o custo de vida, por creches e

timidamente buscavam uma maior abertura política. Mas são nos anos oitenta que diferentes

movimentos feministas ganham expressão e começam a criticar a condição das mulheres no Brasil.

Na academia as pesquisadoras não ficam imunes aos apelos por uma maior igualdade social

entre os sexos. As ciências humanas e sociais, particularmente a sociologia e a história, são as que

produzem trabalhos abordando diferentes temáticas, com uma perspectiva de resgatar as mulheres

como sujeitas e seu papel nas diferentes sociedades, particularmente na sociedade brasileira

contemporânea, seja, pela analise da luta de classe, seja, das desigualdades nas relações de gênero.

Conforme analise de Campos (2009), a dominação e a luta de classes devem ser consideradas

fundamentais, porém, não suficientes para explicar as desigualdades sociais entre sujeitos sociais.

Pois mesmo dentro das classes oprimidas há desigualdades de condições de vida, na desarmonia de

poder alicerçados em outras formas de dominação, como a de gênero. Isso pressupõe analisar as

relações sociais na totalidade das contradições das classes sociais, mas também nas especificidades

das relações de poder entre os diferentes, sejam de sexo, de raça e de posição social.

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1.1 Gênero e desigualdade

Na perspectiva de analisar as relações de gênero e de poder, partimos da compreensão que a

produção de nossa existência tem bases biológicas que implicam a intervenção conjunta dos dois

sexos, o macho e a fêmea. A produção social da vida, portanto em todas as sociedades conhecidas,

implica por sua vez, na intervenção conjunta dos dois gêneros, o masculino e o feminino. Cada um

dos gêneros representa uma particular contribuição na produção e reprodução da existência.

Porém, é importante compreender que a construção das relações de gênero não é uma questão

biológica natural, esta se dá através da dinâmica das relações sociais. Para Saffioti (2004, p. 13),“Os

seres humanos só se constroem como tal em relação com os outros”. Concordando com a autora, as

relações de gênero precisam ser analisadas na totalidade, formadas pelo corpo, pelo intelecto, pela

emoção, pelo caráter individual, pela posição de classe social condicionadas pela estrutura , pois,

cada ser humano é a história de suas relações sociais, perpassadas por antagonismos e contradições

classe, de gênero e raça.

A existência de diferenças nas relações de gênero é a manifestação de uma desigual

distribuição de responsabilidade na produção social da existência. A sociedade estabelece uma

distribuição de responsabilidades que são alheias a vontades das pessoas, sendo que os critérios desta

distribuição são classistas, sexistas, e racistas. Portanto o lugar que é atribuído socialmente a cada

um, dependerá a forma como se terá acesso à própria sobrevivência como sexo, classe e raça, sendo

que esta relação com a realidade comporta uma visão particular da mesma.

O Brasil está entre os países com maior desigualdade entre homens e mulheres. Essa

desigualdade se expressa na menor disponibilidade de emprego para as mulheres, na menor

remuneração do trabalho, em níveis inadequados de saúde e bem estar, no trabalho doméstico não

remunerado e muitas vezes não reconhecido, na participação reduzida nas decisões políticas, na

violência sexista e na exploração sexual.

Porém as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de “papéis” a cumprir na

sociedade. Existe uma relação de dominação de um sexo pelo outro, no caso, a dominação dos

homens sobre as mulheres. Essa dominação não é apenas ideológica ou cultural, ou seja, não pode

ser mudada apenas com uma “mudança de mentalidades.” Para Kergoat (2004), possui uma base

material, que é a divisão sexual do trabalho.

Ainda por afirmações de Kergoat (2004) historicamente, foram determinadas práticas

diferentes para homens e mulheres com valores distintos atribuídos a cada uma delas. Assim, aos

homens coube o espaço público e o trabalho produtivo, enquanto as mulheres foram atreladas à

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esfera privada e ao trabalho reprodutivo. Essa divisão sexual do trabalho baseia-se em dois

princípios:

- Separação: existem “trabalhos masculinos” e “trabalhos femininos”;

- Hierarquização: um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher.

Para legitimar essa divisão e ocultar seu caráter de dominação, recorre-se a explicações

biológicas. Às mulheres cabe o trabalho doméstico e de cuidados porque elas são naturalmente mais

“delicadas, mais cuidadosas,” femininas. O trabalho realizado por elas é visto como uma extensão de

sua condição de mãe, feito “por amor” – de fato, sequer é visto como trabalho. Esconde-se assim que

a divisão sexual do trabalho é construída socialmente por um processo de dominação e exploração e

não produto de diferenças biológicas.

A divisão sexual do trabalho e a opressão das mulheres são anteriores ao capitalismo, mas

foram apropriadas e aprofundadas por ele. O sistema capitalista necessita desse trabalho invisível e

realizado gratuitamente pelas mulheres, pois ele garante que o trabalhador/a chegue ao serviço com

roupa limpa e passada, alimentação preparada, etc., diminuindo os custos do valor salário. Dessa

forma, o trabalho feminino “invisível” não pago, serve para aumentar a produtividade do trabalho

dos trabalhadores.

Por conta dessa divisão, quando as mulheres vão para o mercado de trabalho, seu salário é

considerado um “complemento” à renda obtida pelo homem, justificando que até hoje as mulheres

recebam menos por trabalhos iguais.

Desde o ano 2000, as mulheres são maioria na população brasileira; segundo dados do IBGE

- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, desde 2004, 30% dos lares brasileiros têm uma

mulher como a principal responsável “pelo sustento da casa e da família”; e, segundo o IPEA –

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, representam mais de 40% da população economicamente

ativa do país.

Além disso, ainda de acordo com o IBGE, o salário mensal médio recebido pelas mulheres

foi 20% menor que o dos homens ao longo de 2009. Enquanto os homens receberam em média 3,6

salários mínimos da época, as mulheres receberam em média 2,9 salários, enquanto o salário médio

do brasileiro ficou em 3,3 salários.

De modo geral, isto ocorre porque os lugares (empregos e atividades) ocupados por mulheres

são aqueles com maior precariedade (historicamente, as taxas de desemprego femininas são muito

mais elevadas que as masculinas), menor vínculo empregatício (trabalho doméstico remunerado e

não remunerado), e de menor prestígio e valoração social, trabalham principalmente no setor de

serviços: magistério, comércio, hospedagem, alimentação, serviços técnicos de saúde, etc., são

trabalhos que não lidam com a produção.

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Outro modo pelo qual a desigualdade de gênero se manifesta é através do trabalho doméstico

não remunerado que compromete o tempo livre das mulheres. A jornada semanal média de trabalho

doméstico das brasileiras é de 29 horas e 21 minutos, somando-se o tempo dedicado a “serviços de

limpeza, cozinhar, lavar e passar roupa” (17h44min.), cuidado com crianças (10h) e com pessoas

idosas ou doentes (1h37min.), contra 8 horas e 46 minutos declarados pelos homens (ou 6h15min.,

segundo o relato das mulheres). Ou seja, a jornada semanal média de trabalho doméstico dos homens

é de três a quatro vezes menores que a das mulheres.

As transformações ocorridas no mundo, em especial com a revolução industrial que se

expandiu em meados do século XIX, altera completamente a divisão territorial do trabalho, da

economia, da distribuição demográfica, dos hábitos e costumes da população, causando grandes

alterações nas relações sociais e familiares, em especial na vida das mulheres.

Mesmo com estas transformações a condição feminina ainda é marcada pela desigualdade e

discriminação, podemos dizer que tanto na vida privada como na vida publica, ou seja, as mulheres

seguem sendo uma camada da sociedade inferior.

Conforme afirmações da Socióloga Saffioti (1987, p. 10 ) o campo de atuação das mulheres é

determinado com muita precisão. Igualmente, o homem tem seu terreno de ação fixado socialmente.

Por ser “naturalmente” destinado às mulheres à maternidade, com carinho e paciência na medida

certa, ai o espaço doméstico fica destinado à mulher. Cabe a elas socializar os filhos, mesmo quando

trabalham fora do lar para ganhar seu próprio sustento e o dos filhos, ou ainda, para complementar o

salário do marido. No geral da sociedade é naturalizado estas atribuições sociais as mulheres.

O conceito de gênero, embasado na concepção que é uma construção das relações sociais,

requer exatamente romper com este determinismo biológico como suporte da opressão feminina,

reproduzido de forma intencional para a reprodução de uma sociedade capitalista, patriarcal 1

Compreender o patriarcado é importante para a análise das relações de gênero existentes,

conforme Saffioti (1987), já que estão intrínsecas relações hierarquizadas entre seres socialmente

desiguais. Dessa forma, os sistemas de gênero conhecidos por nós são também sistemas que

organizam relações de poder nas sociedades humanas, na estrutura e funcionamento das instituições

como a família, o estado, a escola, as igrejas, os partidos políticos e nas empresas. Enquanto que nas

relações de gênero seria possível o estabelecimento de relações igualitárias.

e

machista.

1A dominação do marido sobre a esposa e do pai sobre os filhos (as) estabelecem as bases para o que denominamos de Patriarcado – a lei do Pai –, entendido como o sistema de dominação e exploração sobre as mulheres. Nesse sistema, o poder do homem é construído em detrimento da mulher, estabelecendo relações de hierarquia e desigualdade de gênero ( Mirla Cisne, Caderno de Debates – Consulta Popular, nº 1, junho 2009).

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18

1.2 O MAB e as relações de gênero nas comunidades atingidas

Nosso propósito, a partir da análise das relações de gênero e desigualdades sociais, é analisar

como estas relações ocorrem e se reproduzem nas famílias e nas comunidades atingidas por

barragens que de alguma forma participam do movimento.

A partir da década de 70, foi intensificado no Brasil o modelo de geração de energia através

da hidreletricidade com a construção de barragens em todo o país. Grandes Projetos de barragens

são levados adiante com o objetivo principal de gerar energia elétrica para as indústrias eletro-

intensivas, com o discurso de alavancar o crescimento industrial e o desenvolvimento do país.

No final dos anos 70, e nas décadas de 80 e 90, muitas barragens foram construídas, na região

Nordeste, Norte e Sul, gerando muitos conflitos sociais e ambientais. Estes mega empreendimentos

trazem contradições na sua essência, pois, nos locais onde são construídos, esbarram com a reação e

mobilização da população atingida, que não querem ser deslocadas de seus territórios, em função das

inundações causadas pela construção das barragens para produção de energia hidrelétrica.

Neste período as luta se davam nos locais onde estava ocorrendo os conflitos. Após um

grande esforço dos atingidos para sua organização local e nas regiões brasileiras, em março de 1991,

durante o I Congresso Nacional de Atingidos por Barragens, foi oficializado o MAB. Mesmo assim,

por mais uma década as lutas e a organização permanecem regionalizadas. Isso de certa forma

fragiliza a organização, pois facilita as empresas do setor elétrico, tratar os problemas dos atingidos

de forma individualizada e localizada.

A criação de um movimento nacional torna-se uma necessidade frente à nova estratégia das

empresas do setor elétrico, sejam estatais ou privadas. Pois as lutas locais ou regionais não dão conta

de fundamentar uma perspectiva a confrontar o modelo energético e de desenvolvimento.

O MAB tem como princípio organizar todos os atingidos/as pelo modelo energético, por mais

que, de forma direta, ainda trabalhe com os agricultores/as atingidos, proprietários ou não. Hoje, o

MAB tem em seu horizonte ser um movimento de caráter nacional, popular, autônomo perante

governos e partidos políticos. Organiza-se em nível local, regional e nacional, respeitando a

diversidade cultural e as realidades regionais, pautado na estratégia de fazer a luta por seus direitos

perante o estado brasileiro e as empresas construtoras de barragens.

A organização do movimento surge, portanto, da necessidade concreta, tornando-se um

caminho possível para as classes populares, em especial aos atingidos/as, ocuparem espaço no

cenário político em defesa de seus direitos e resistência em seis territórios.

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19

O MAB tem como objetivo denunciar e contrapor-se à política do setor elétrico. Nos seus 20

anos de luta e resistência, busca compreender a serviço de que modelo de desenvolvimento são

construídas as barragens no Brasil, a partir da elaboração do seguinte questionamento: Energia para

quê e para quem? Com estas afirmações, entende- se que é necessário organizar os atingidos, para

denunciar o atual modelo, lutar por direitos, e pela construção do Projeto Energético Popular.

Ao se tratar de um movimento popular, que trabalha com milhares de famílias ribeirinhas,

que por causa da construção das hidrelétricas, sofrem um deslocamento forçado, envolvendo perdas

econômicas, políticas, sociais e culturais. Neste contexto, ocorrem muitos conflitos na disputa pelos

territórios. Frente esta realidade, as relações de gênero, no caso particular a situação das mulheres

atingidas, ficam ainda mais prejudicadas.

Ao analisarmos as relações de gênero nas comunidades atingidas, percebe-se que, a grande

diferença ainda está entre as atividades publicas de ir às reuniões, as mobilizações e fazer as

negociações com as empresas, e as atividades privadas que é cuidar da casa e das necessidades da

família. Isso reflete diretamente na divisão sexual do trabalho entre (homem e mulher), tanto nas

famílias como nas comunidades, em certa medida reproduzido na dinâmica do movimento.

Na história do MAB, as mulheres sempre estiveram presentes nas lutas do movimento.

Mas é possível afirmar que sempre foi uma participação reduzida. Esta informação é possível

verificar na afirmação de Sychocki (2010):

Eram poucas as mulheres que iam para as lutas, acampamentos, protestos, ocupações, pois se deparavam com o machismo, que não via com “bons olhos” essa participação num lugar que era quase exclusivamente de domínio masculino, e que não incentivava a participação feminina (p. 43).

Além desta relação machista e de poder, na divisão do trabalho nas unidades familiares,

sempre coube as mulheres as tarefas fora das atividades produtivas que gerassem lucro. Enquanto

aos homens sempre foram destinadas as ocupações de pensar a produção que gera lucro, ou no

mínimo rendesse dinheiro.

Associado a questão da divisão sexual do trabalho, dito por Sychocki (2010), acrescenta-se

que a escritura das terras (quando havia) sempre esteve em nome do “chefe da família”, dos

homens. Este é um elemento a ser considerado, pois, contribui para a participação mais direta dos

homens na luta do movimento, já que o que está sendo discutido é o interesse econômico, as

indenizações o reassentamento.

Convêm ressaltar, que de forma invisível a participação das mulheres sempre é

determinante, mesmo que seja no espaço privado da casa, pois isso permite ao homem

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20

(companheiros, pais, irmãos), sair para as atividades do movimento, e elas mulheres garantindo

todas as condições para que isso se viabilize.

Em 2010, o MAB desenvolveu um trabalho diagnóstico da situação socioeconômica,

educacional, ambiental e cultural das populações atingidas pelas barragens. Com apoio da

ELETROBRAS foram sistematizados os resultados em um relatório titulado “Promovendo

diagnóstico sócio –educacional - cultural e ambiental nas áreas atingidas por barragens” (LUZ,

2011).

O diagnóstico foi realizado através de uma pesquisa de campo, com um questionário dividido

em cinco eixos temáticos (questões gerais, questões da terra/produção, educação, gênero e cultura),

com o objetivo geral de fazer um levantamento da situação socioeconômica e ambiental das famílias

em comunidades atingidas e/ou ameaçadas pelas barragens. Através de dados quantitativos e

qualitativos, realizado em quinze estados brasileiros2

Para desenvolver o diagnostico foi seguida a metodologia de pesquisa participativa,

envolvendo em torno de 100 pesquisadores, jovens militantes das comunidades. O questionário

aplicado foi divido em duas partes. Uma levantava questões diretas da família entrevistada, outra a

família tinha que falar sobre a comunidade (Anexo C).

, envolvendo 157 comunidades atingidas ou

ameaçadas por barragens, em 79 municípios, atingindo um universo de 480 famílias, que em tese, de

alguma forma já participam da organização do movimento.

Como veremos, através dos dados extraídos da sistematização do diagnóstico, os itens que

mais aparecem diferenças é na divisão sexual do trabalho, tanto em casa como nas comunidades.

Em uma das questões, onde foi perguntado sobre a existência de diferenças das

responsabilidades entre homens e mulheres, 54% responderam não haver diferenças, 44%

responderam que existem diferenças e 2% não responderam. Avaliando quais as diferenças

apontadas pelos entrevistados, pode-se concluir que a maior delas se encontra na divisão sexual do

trabalho, como veremos no Gráfico 1. Muitos entrevistados responderam que as mulheres são

responsáveis pelos serviços domésticos e pelo cuidado com os filhos, enquanto os homens são

responsáveis pelo sustento da família.

2 Os estados onde foi aplicado o diagnóstico foram: BA, CE, GO, MA, MG, PA, PB, PE, PI, PR, RS, RO, SC, SP e TO.

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21

3%

10%

87%

Gráfico 2 - Percepção dos entrevistados em relação a participação das mulheres nas atividades comuitárias sociais

em branco Não Sim

2%

54%

44%

Gráfico 1 - As percepções da existência de diferenças nas responsabilidades entre homens e mulheres

em branco

Não

Sim

Os números do gráfico representam o resultado coletado na distribuição dos entrevistados,

segundo as diferenças de responsabilidades entre homens e mulheres nas famílias e comunidades

atingidas.

Em outra questão, quando foi perguntado aos entrevistados sobre a participação das mulheres

da família em atividades comunitárias e sociais, 87% dos entrevistados responderam que sim, as

mulheres da família participam e 10% responderam que não, as mulheres não participam das

atividades das atividades comunitárias. Apenas 3% não souberam responder ou não informaram,

conforme Gráfico 2.

Fonte: LUZ, 2011.

Fonte: LUZ, 2011.

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22

53.7

56.2

66.7

59.2

29.2

53.3

8.1

coordenação

liturgia

limpeza

alimentação

finanças

cuidado crinaças/idosos

outra

Gráfico 3 - Na percepção dos entrevistados sobre as principais tarefas das mulheres na comunidade

Os números do gráfico representam o resultado coletado na distribuição dos entrevistados,

segundo a participação das mulheres atingidas nas atividades sociais e comunitárias. Se olharmos de

forma estática para estes números, nossa conclusão será que existe uma alta participação das

mulheres nas atividades públicas, o que não deixa de ser verdadeiro. Porém, as diferenças vão

aparecer em que atividades elas participam e quais as tarefas cabem a eles, como vamos

compreender nos próximos gráficos.

Fonte: LUZ, 2011.

O que passa ser importante em nossa análise, é fazer uma comparação com os dados dos

gráficos acima, e o resultado das respostas referente a questão que trata sobre as principais tarefas

das mulheres na comunidade. Como veremos dos entrevistados 66,7% responderam que a principal

tarefa das mulheres é a limpeza, 59,2% responderam alimentação, 56,2% responderam liturgia,

53,7% coordenação, 53,3% cuidados às crianças e aos idosos, 29,2% finanças e 8,1% responderam

outras tarefas.

Os resultados dos numeros, são, segundo os entrevistados as principais tarefas exercidas pelas

mulheres na comunidade.

Os números demonstram que a situação e reprodução dos padrões históricos nas relações de

gênero se repetem. O primeiro gráfico aponta que há uma diferença das responsabilidades, cabendo

às mulheres os serviços domésticos.

O gráfico dois da para interpretar que há uma ampla participação das mulheres, porém

quando a pergunta se refere a que tipo de tarefa cabe a elas, é possível ver no gráfico três que a

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23

realidade se reproduz, ou seja, na comunidade as mulheres acabam fazendo as mesmas tarefas

domésticas, consideradas “trabalho de mulher” que já desenvolvem em suas casas, as quais não

dizem respeito diretamente à participação e decisão política.

Esta realidade aparece visivelmente durante a realização do trabalho de campo em Rondônia

com as mulheres atingidas pela hidrelétrica de Santo Antônio, quando perguntadas sobre. Em sua

casa de quem é a decisão de aceitar ou não a indenização oferecida pela empresa? A maioria delas

falou: “é junto, né, mas ele é quem vai à reunião com a empresa”, outras já foram mais diretas e

diziam, “é dele”, ou seja, é do marido.

Porém, ainda analisando dados do diagnóstico, quando a pergunta aos entrevistados se refere,

em quais aos espaços que as mulheres gostariam de participar na comunidade, as respostas foram: 52,7%

responderam que elas gostariam de participar das atividades de mobilização popular, 52,3% responderam

nas atividades de esporte e lazer, 51,9% nas atividades religiosas, 49,4% na diretoria e coordenação,

47,9% nas atividades culturais e 5,6% em outras formas de participação.

Fonte: LUZ, 2011.

Os números do gráfico representam o resultado coletado dos entrevistados segundo os

espaços que as mulheres atingidas gostariam de participar.

Outro elemento importante que o diagnóstico aponta, é o interesse das mulheres em participar

de processos de formação e capacitação para terem acesso a espaços de trabalho que gere renda. Isso

confirma que existem diferenças na divisão sexual do trabalho, sendo que as próprias mulheres

sentem a necessidade de ingressar em espaços que lhes possibilitam ter uma renda própria. Condição

fundamental para a autonomia e libertação das mulheres das relações de opressão e desigualdades de

gênero.

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24

3% 4%

93%

Gráfico 5 - Interesse das mulheres por espaços de formação e capacitação na area da produção

em branco

Não

Sim

Estes apontamentos podem ser confirmados, segundo as respostas da questão, quanto ao

interesse das mulheres nas comunidades em ter espaços de formação e capacitação para serem

inseridas em espaços e programas de produção, as respostas foram: 93% dos entrevistados

responderam que as mulheres têm interesse em participar de espaços de formação e capacitação, 4%

responderam que não e 3% não soube ou não informaram. Foi perguntado também em quais os

cursos seriam de interesse. Foram citados em sua maioria cursos relacionados ao artesanato, corte e

costura, culinária, horta/hortaliças, neste item as respostas dadas reproduzem os padrões culturais da

divisão sexual do trabalho, mas já tem um significado melhor, pois está inserido o objetivo de gerar

renda. Também apareceu a indicação de cursos ligados a produção animal e a beneficiamento de

derivados.

Fonte: LUZ, 2011

Os números do gráfico são o resultado das respostas em relação ao interesse das mulheres das

comunidades em participar de processos de formação capacitação na área da produção, trabalho que

gere renda.

Ao concluir este capítulo que inicia com uma análise da categoria gênero na geografia,

fazendo uma relação com as desigualdades sociais e de gênero, com a finalidade de embasar a

avaliar as relações de gênero nas famílias e comunidades atingidas, concluímos que: primeiro em

relação aos dados apontados nos gráficos do diagnóstico, são animadores. Pois demonstram que as

mulheres estão dispostas a participar em espaços com mais responsabilidades de ordem política e

organizativa, onde lhes dêem poder.

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Segundo, mesmo frente à realidade de desigualdades nas relações sociais e de gênero, fruto

de muita luta do MAB, algumas conquistas frente a esta situação têm sido positivas. Um exemplo

concreto é que em algumas regiões atingidas do Brasil, foi garantido o reconhecimento da força de

trabalho da mulher (igual a do homem) para a quantificação da área de terra no futuro

reassentamento.

Terceiro, conforme Silva (2007, p.163), no MAB, no 1° Encontro Nacional de Atingidos por

Barragens(2003), as mulheres representavam apenas 25% dos participantes. Já no 2° Encontro

Nacional (2006) elas representaram 40%, participando ativamente das atividades em grupo e também

como responsáveis pelas coordenações regionais do MAB.

Como prova de que a organização das mulheres atingidas por barragens tem aumentado em

número e qualidade, em 2011, ocorreu o 1º Encontro Nacional das Mulheres Atingidas por

Barragens, com a presença de 500 mulheres vindas de 16 Estados. Com o tema - Mulheres Atingidas

por Barragens, em Luta por Direitos e pela Construção de Um Novo Projeto Energético Popular.

(anexo A e B) Sabemos que a realidade ainda é desafiadora, muito ainda existe a ser feito no MAB para ir

diminuindo as desigualdades nas relações de gênero. Mas temos a convicção que a única forma para

a construção de novas relações é ir tornando as próprias mulheres protagonistas da luta e da

construção de sujeitas políticas.

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CAPÍTULO II

O CONCEITO DE ENERGIA NA LÓGICA CAPITALISTA E O ATUAL MODELO ENERGÉTICO

No capítulo anterior abordamos as desigualdades sociais e de gênero, e as relações de gênero

nas famílias e comunidades atingidas por barragens. Compreendemos ser necessário analisar as

concepções do termo energia, conhecer a matriz energética e como se organiza atual modelo

energético, pois, entendemos ser este o principal causador dos conflitos nos territórios onde são

construídas as barragens para produzir energia, agravando as condições de vida das mulheres

atingidas.

Quando falamos de energia, é necessário partir da concepção que por natureza a energia está

em toda parte: nas plantas, nos animais, nos alimentos, na água, na erupção dos vulcões, nos ventos,

na luz do sol sendo a mais importante para reprodução da vida. Energia portanto, significa “força em

ação,” e sem ela não haveria vida na terra.

O ser humano, quando desenvolve qualquer atividade também necessita de energia, que

adquire através do consumo de alimentos. A partir disso, podemos afirmar que as mulheres são as

principais produtoras de energia, através da reprodução da vida e do aleitamento materno. Em

especial porque a maioria das mulheres tem a preocupação e tarefa de preparar e garantir a

alimentação da família, sendo energia para o sustento.

Partindo desta concepção natural da energia na reprodução da vida, também e possível

afirmar que é um fator estruturante e determinante nas relações sociais de produção. Conforme

Gonçalves (2007), energia é uma noção humana, é algo elaborado num período da história. Portanto,

é resultado da produção social, historicamente produzida pelo trabalho humano.

Nesta lógica a concepção de uso da energia pode ser vista e apropriada de duas formas: uma

como um bem público, outra como uma mercadoria. A concepção de energia, como um bem público

deve estar a serviço para melhorar às condições de vida de todo o povo, contribuindo para o seu

desenvolvimento integral.

Outra visão concebe a energia como uma mercadoria sob o controle do capital, com a

intenção de buscar as melhores condições para a obtenção de maior lucro, com isso, estar em

vantagem na concorrência entre os capitalistas. Esta vem sendo a lógica hegemônica na sociedade.

Para isso o capital na indústria da energia busca dominar a fonte que lhe fornece as melhores

vantagens.

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27

No século XVIII, com a invenção da máquina a vapor foi uma inovação tecnológica que

possibilitou uma enorme diminuição no tempo de trabalho usado para a produção das mercadorias,

em comparação as mercadorias produzidas pela mão de obra artesanal. Se imaginarmos que para

fazer uma peça de roupa, um tecelão tinha que pegar a lã desfiar com a mão, enrolar os fios, tecer a

roupa com agulhas, isso demoraria muitos dias. Mas ao ter acesso à tecnologia do motor a vapor os

movimentos desta máquina são muito mais rápidos do que a mão do tecelão e assim a produção desta

mesma peça de roupa é produzida em menos tempo, aumentando a produtividade e possibilitando

um lucro maior.

Se a máquina a vapor foi um enorme avanço para a produção mais intensa de produtos para

toda a humanidade, imaginemos as inovações tecnológicas com a descoberta da eletricidade.

Conforme MAB (2008), na concorrência entre os capitalistas aqueles que dominam a tecnologia do

motor elétrico sempre terão mais lucros.

A base da matriz energética mundial e no Brasil é a “energia fóssil” fonte de recurso natural

não renovável, portanto esgotável. Com o avanço do modo de produção capitalista, o uso da energia

com base no petróleo tem sido a fonte de sustentação de produção e consumo, em especial nos países

desenvolvidos, onde não existem outras fontes de produção de energia.

Pelo alto grau de consumo da base energética petroleo, é que surgem as crises e as disputas

dos territorios, onde existe, este recurso. Os gráficos a seguir mostram os cenários de distribuição da

matriz energética mundial e do Brasil.

Fonte: BRASIL. MME - Ministério Minas e Energia.

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O gráfico acima comprova que em nível mundial, a base da matriz energética é o petróleo.

Isso determina as disputas dos países do primeiro mundo que são grandes consumidores e não

possuem este recurso para atender a demanda de consumo. Já no próximo gráfico veremos que o

Brasil possui uma grande vantagem pela possibilidade da produção de energia hidrelétrica, tornando

o Brasil um território mirado pelas empresas do capital.

Os números distribuídos no gráfico, apresentam em percentual a energia não renovável

(fosseis) e renovável (hidreletricidade), podemos observar que o Brasil, pelo seu potencial natural de

muitos rios, possui uma grande vantagem na possibilidade de geração de energia hidrelétrica (15%),

enquanto no mundo o potencial é de (2,1%). No gráfico a seguir vamos ver que no Brasil o maior

volume de produção energética é hídrica (85,4%), fonte renovável. Por isso, esta passa ser uma

mercadoria estratégica aos capitalistas, que buscam dominar os recursos energéticos que garantam

aumentar a produção com menor custo, e ao mesmo tempo tornar a própria energia uma mercadoria.

Fonte: BRASIL. MME.

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29

Fonte: BRASIL. MME. A energia elétrica entra na história da humanidade na medida em que a produção de

mercadorias em grande escala se torna o centro do modelo de desenvolvimento, para isso, novas

tecnologias são incorporadas a cada instante. Os dados comprovam as vantagens do Brasil na

produção de energia com base em fontes hídricas, esta considerada uma mercadoria vantajosa, passa

ser apropriada e disputada pelo capital.

Para o avanço deste modelo de produção consumista, que necessita de muita energia para

ajustar as condições definidas pelas estratégias do capital, os capitalistas precisam cada vez se

apropriar de três elementos fundamentais para lhes garantir lucro extraordinário. Que são: a

apropriação e controle dos territórios que fornecem os recursos naturais (água); o controle e uso das

tecnologias; e exploração do trabalho dos trabalhadores/as.

Este modelo não atende os interesses do desenvolvimento local, causando grandes

consequências sociais e ambientais. E para as mulheres, segundo Telles (2005), acaba sendo muito

agressivo ao trabalho reprodutivo e não remunerado, desenvolvido pelas mulheres, gerando

desigualdades sociais e de gênero.

Embasando-nos nas afirmações extraídas da cartilha do MAB (2007), este modelo de

produção de energia se pauta sob a lógica de manter e impulsionar um padrão de crescimento

econômico e de consumo ilimitado, a partir da apropriação privada e do monopólio das fontes

energéticas pelas grandes empresas, protegidos num discurso que este modelo é para o

“desenvolvimento” da sociedade.

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30

Na disputa para se apropriar das vantagens naturais, das tecnologias mais avançadas e

submeter à força de trabalho aos objetivos de acumulação de riquezas, e opressão das mulheres, os

grandes grupos econômicos sempre buscam ter os estados nacionais (poderes executivos,

legislativos, judiciários e militares) como aliados e a seu serviço. Esta analise pode ser embasada nas

afirmações de Smith (1988): Assim, o Estado originou-se em resposta direta as distinções de classe e à escravidão, à propriedade privada e á opressão das mulheres; sua função seria arbitrar os conflitos resultantes em favor da classe dominante, enquanto se apresentava a si mesmo como algo que estava acima da sociedade (p. 139).

Concordando com as afirmações que o Estado origina-se das contradições das classes sociais,

com a tarefa de fazer a conciliação dos conflitos, com isso, sempre beneficiando a classe dominante,

mesmo propagando um discurso que tudo é feito em “benefício” do conjunto da sociedade. Como se

fosse possível tratar em condições iguais o que é diferente e antagônico.

A história da energia elétrica no Brasil tem este viés, ou seja, muito mais que beneficiar o

povo, tem um interesse das grades empresas do capital, que vê na energia a possibilidade de produzir

em grande escala em menor tempo e ter muito lucro. Neste contexto o estado tem a tarefa de garantir

as condições “legais” para viabilizar a produção da energia através da construção das barragens.

O início da produção de energia no Brasil se da por volta de 1880, nesta época dominada por

duas grandes empresas multinacionais, a Light (empresa européia ligada a Siemens) e a AMFORP -

American & Foreign Power, norte americana (ligada a General Eléctric). O início da geração elétrica

foi em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde existiam as melhores condições para a expansão do

capital nesta área.

As condições geográficas, do sudeste brasileiro são propicias, encontram-se na região

nascedouros das águas com rios de quedas acentuadas e, portanto de bom potencial para produção da

energia, através de barragens. Além de que nesta região se instalava a maior concentração industrial

e populacional, o que propiciava a aplicação e rápido retorno do capital investido com a venda da

energia. Esta situação era o paraíso para as grandes empresas multinacionais.

Neste período o valor da energia baseava-se no preço do ouro, chamado da era clausula ouro.

Para Gonçalves (2007, p. 118), “falar em produção e distribuição de eletricidade e ou energia

elétrica, implica reconhecer que se diz da produção em determinado estágio de desenvolvimento

social.” É preciso considerar que este era um período em que nos países de primeiro mundo a

industrialização já estava consolidada, e as empresas viam na energia elétrica a grande possibilidade

de ter lucros na cobrança das tarifas.

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31

Esta situação se estendeu até 1934 quando, aproveitando o momento de crise do capitalismo

mundial (a crise de 1930), o governo Vargas aprova o Código de Águas, e as tarifas da energia

passam a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos investimentos,

eliminando a cláusula ouro.

Com o avanço da urbanização e industrialização, faltava energia para atender as demandas. O

governo lança um plano nacional de eletrificação, tentando equacionar e enfrentar a crise onde se

tratava de comprometer o Estado a sanar a falta da energia elétrica.

No final dos anos 50 a crise energética, resultante da falência do modelo privado de geração,

atinge os principais centros urbanos do país, os cortes de energia são sistemáticos, o racionamento

entra para a vida cotidiana. Esta situação impulsiona a intervenção estatal. Em 1960 foi criado o

MME - Ministério de Minas e Energia. Em 1962 era a vez da Eletrobrás, que já estava prevista na

legislação desde 1954. Esta situação levou vários governos estaduais, também criar suas companhias

estatais da energia, a primeira entre as empresas estaduais foi a CEEE - Companhia Estadual de

Energia Elétrica, do estado do Rio Grande do Sul / RS. Estavam criadas as condições para a

estatização do setor, que se concretiza com a ditadura militar.

O modelo estatal de grandes hidrelétricas teve como fundamento o levantamento do potencial

hidrelétrico brasileiro, realizado na segunda metade da década de 1960, com apoio do Banco

Mundial, e do qual participou um consórcio canadense chamado Canambra. Nas décadas seguintes o

planejamento e a implantação de grandes projetos hidrelétricos se apoiaram no inventário de

potencial, completado por estudos feitos pela Eletrobrás.

Nos anos 90, as políticas neoliberais ganham força no Brasil, as privatizações das empresas

estatais que estavam estruturadas e dando lucro, tinham que passar para iniciativa privada, na lógica

do mercado. O governo brasileiro passou a privatizar o setor elétrico. Conforme o engenheiro e

Professor Ildo Sauer (2003, p. 99) “A liberalização do setor elétrico ensejou promover uma inversão

conceitual quanto o caráter do funcionamento da energia elétrica, de serviço publico essencial para

commodity, isto é, uma mercadoria”. Deste momento em diante, a energia elétrica deixa de ser de

responsabilidade única do estado.

2.1 O atual modelo energético e suas contradições

A energia por ser uma mercadoria, passa ser estratégica ao capital porque possui dupla

função: é bem de consumo e bem de produção. Como bem de produção ela permite elevar a

produtividade do trabalho dos trabalhadores, e como bem de consumo, algo que toda sociedade

consome e paga por isso. Com uma grande vantagem, pois a energia com base na fonte hídrica e

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considerada a mais produtiva, garantindo 92% de eficiência e aproveitamento. É considerada

eficiência energética a capacidade que o sistema possui de perder o mínimo de energia possível no

processo de transformação de uma energia em outra. No caso das barragens, e transformar a energia

mecânica (fluxo da água) em energia elétrica através da turbina.

No Brasil, são mais de 2.000 barragens já construídas, destinadas à produção de energia

elétrica ou para abastecimento de água. A energia elétrica é controlada, principalmente por empresas

transnacionais, que concentram 70% da distribuição e 30% da produção de energia elétrica no país. E

cerca de 30% da energia das hidrelétricas é consumida por 665 grandes empresas.

Segundo dados da CMB - Comissão Mundial de Barragens, no Brasil, estas barragens já

expulsaram mais de um milhão de pessoas, sendo que, em média, 70% das famílias atingidas não

recebem nenhum tipo de direito (indenizações ou compensação). O destino da maioria destas

famílias acaba sendo engrossar os bolsões de pobreza nas cidades, ficando sem emprego, sem terra e

sem casa, sem contar com todas as conseqüências ambientais.

Mesmo com estas contradições, a energia hidrelétrica por ser a mais “eficiente” e

considerada “renovável”, é a grande vantagem para os capitalistas, pois o valor da energia elétrica é

estabelecido pelo valor do petróleo. Tornando-se uma mercadoria com baixo custo de produção e

uma grande vantagem pelo valor estabelecido e vendida através dos leilões.

Junto a estes elementos é preciso considerar as vantagens naturais do território brasileiro.

Conforme MAB (2004), tem um dos maiores potenciais do mundo de geração de energia

hidrelétrica, algo em torno de 10% do potencial mundial. Em potencialidade perdemos apenas para

Rússia (13%) e China (12%). Mesmo que no momento atual estão sendo construídas muitas

barragens, só estão sendo aproveitados 28% do potencial dos rios, estão sendo utilizados cerca de

74.400 MW do potencial instalado, e temos uma provável capacidade de 258.410 MW. Conforme a

figura a seguir é possível observar o potencial já instalado e o que tem de possibilidades a ser

aproveitado.

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Fonte: BRASIL. EPE-Empresa de Pesquisa Energética.

Com base nestes estudos e possibilidades o governo faz seus planejamentos estratégicos

através do PDDE - Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica para os anos de 2007 a 2016, este

apresenta um conjunto de 90 usinas hidrelétricas que totalizam uma geração estimada em 36.834

MW. E em longo prazo, ou seja, até 2.030, no PNE - Plano Nacional de Energia há uma previsão de

acrescentar mais 130.113 MW de energia elétrica ao sistema brasileiro, deste total, 94.700 MW

deverão ser de fonte hídrica 87.700 MW através de hidrelétricas de grande porte e 7.000 MW de

PCHs - Pequenas Centrais Hidrelétricas.

Estes planos aceleram o processo de construção de barragens em todo o território brasileiro, e

a Amazônia brasileira será a região mais explorada nos próximos anos pelas empresas do capital

nacional e internacional, na busca pelo controle do território e apropriação dos recursos naturais

estratégicos, agravando ainda mais os conflitos sociais e ambientais, na disputa pela apropriação da

mercadoria energia.

A construção de muitas barragens no Brasil está relacionada com o interesse das empresas

brasileiras e multinacionais, que diante de uma crise mundial de energia buscam dominar, a todo

custo, todas as fontes energéticas.

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Conforme MAB (2004), o problema principal é que os países desenvolvidos são os maiores

consumidores de energia do mundo. Os Estados Unidos, os países da Europa ocidental (Alemanha,

França, Inglaterra, Espanha, etc.) e o Japão são os países chamados desenvolvidos, com alto grau de

dependência tecnológica, mas sem auto-suficiência energética para garantir a sequência destes

padrões. Sozinhos estes países consomem mais de 70% de toda energia mundial e produzem apenas

10% daquilo que consomem.

Como o petróleo é considerado a matriz básica de sustentação deste modelo de sociedade,

cada vez torna-se mais escasso. O drama destes países se transformou numa corrida brutal para

dominar as fontes de energia que possam vir a substituir o petróleo. Por isso, recai sobre o Brasil a

cobiça internacional, para encontrar saídas ao principal problema instalado que é cada vez mais

suprir a demanda de consumo.

Se toda a humanidade tivesse o mesmo nível de consumo dos países industrializados, como

os Estados Unidos, a Europa e o Japão, precisariam de quatro planetas como a terra para atender a

demanda mundial. Os países industrializados, abrigam 21% da população mundial, porém consomem

70% das fontes convencionais de energia e 75% de toda eletricidade. Os Estados Unidos possuem

6% da população mundial e consomem 30% do petróleo mundial e 35% da eletricidade mundial. Isso

determina as disputas das grandes corporações em controlar as fontes energéticas.

Quando fazemos a análise de como funciona o setor elétrico, a serviço de quem está à

energia, é importante identificar quem são os grupos que comandam este setor. Como veremos são

grandes empresas que também estão envolvidas em outros setores da produção e controlam a

economia mundial, se agrupam, fazem fusões para garantir a hegemonia. Conforme cartilha MAB

(2008): Os chamados “donos da energia” tem sido uma fusão de grandes bancos (Santander, Bradesco, Citigroup, Votorantim...), grandes empresas energéticas mundiais (Suez, AES, Duke, Endesa, General Eléctric, Votorantin...), grandes empresas mineradoras e metalúrgicas mundiais (Alcoa, BHP Billiton, Vale, Votorantim, Gerdau, Siemens, General Motors, Alstom...), grandes empreiteiras (Camargo Correa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão...), e grandes empresas do agronegócio (Aracruz, Klabin, Amaggi, Bunge Fertilizantes, Stora Enso, etc) ( p. 9).

Este modelo de desenvolvimento concentrador necessita da tecnologia energia em grande

escala, produz contradições, além das já citadas, depende do Estado à liberação das obras e o

financiamento das mesmas, através de recursos públicos do BNDES - Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social. Em média 70% do valor das obras de hidrelétricas são

financiadas pelo BNDES. As empresas privadas, são as construtoras das obras, passam a ser as que

controlam a produção ficando com resultado através da venda da mercadoria energia.

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Geralmente quando é feito o orçamento de uma barragem, não estão estimados os custos

sociais e ambientais. Isso sempre trás graves consequências as famílias atingidas. Segundo o

relatório final da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, aprovado pelo CDDPH3

Estas constatações são vivenciadas pelos (as) atingidos (as) por barragens diariamente, e a

experiência de décadas de lutas dos ribeirinhos, tem revelado, que existe por parte do estado

brasileiro e das empresas construtoras de barragens, uma prática de ditadura que impõe sobre esta

população uma brutal violência. E, apesar de todos os esforços, mudanças legislativas e de toda luta

social para a construção de um novo modelo energético, que leve em consideração as necessidades

da população e o respeito à natureza, o estado, as empresas e as agências reguladoras permanecem

reproduzindo práticas que contrariam o reconhecimento dos direitos das famílias e das comunidades

atingidas.

em outubro

de 2010, o padrão vigente de implantação de barragens no Brasil “tem propiciado, de maneira

recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já

graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar

e individual.”

2.2 Mecanismos e estratégias usadas pelas empresas no tratamento das populações atingidas pela construção de barragens

As empresas democratizaram seu discurso, mas sua prática é como na ditadura. (Hélio Mecca, agricultor atingido pela UHE Itá-RS)

No geral do modelo energético, as práticas de tratamento as populações atingidas adotadas

pelo estado e pelas empresas do capital, foram acompanhando e mudando conforme as fases de

organização e estruturação do setor elétrico, sempre a garantir as políticas e interesses do capital.

Como já citamos o MAB surge de uma necessidade concreta, ou seja, da contradição gerada

pelo próprio modelo energético. As formas de luta e enfrentamento as empresas, também vão sendo

planejadas e alteradas, com a intenção de responder a realidade estabelecida. Porém, que o que fez

valer algum direito na história e até os dias de hoje, sempre foi à luta e resistência dos atingidos/as, e

não a “democracia” do estado e das empresas construtoras das barragens.

4 O CDDPH é o orgão do Estado brasileiro equivalente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão de Direitos Humanos da ONU. O conselho foi criado pela Lei Federal 4.319, de 16 de março de 1964, e tem competência para promover inquéritos, investigações e estudos para avaliar a eficácia das normas que assegurem os direitos da pessoa humana, inscrito no Constituição Federal, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), podendo receber representações com denúncias de violações dos direitos, apurar sua procedência e tomar providências cabíveis referentes a abusos dos particulares ou das autoridades por elas responsáveis (BRASIL. SDH, 2010).

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Estimasse que a cada dez famílias atingidas, sete não recebem nem um tipo de indenização, e

as que recebem alguma conquista tem sido através da organização e da luta. Segundo apontamentos

do relatório da comissão especial CDDPH, a situação só não é pior, graças à existência o MAB. Nas

regiões onde não teve ou não existe esta possibilidade de resistência, os atingidos não são

considerados, muito menos reconhecidos.

Nas varias décadas de resistência dos atingidos por barragens as formas de luta sempre

tiverem que ser adaptadas e recriadas, conforme as fases e mudanças do modelo energético

brasileiro. No período em que o setor elétrico era estatal, a luta dos atingidos/as era direta contra o

estado, o inimigo era visível, tinha endereço. Por mais que não tenham sido períodos fáceis, foi

quando os atingidos mais avançaram nas conquistas, através da luta, garantiram direito a

indenizações, reassentamento, moradia, benfeitorias comunitárias. Mesmo que isso não tenha se

constituído em uma política de tratamento aos atingidos/as, na época significou avanços.

No período em que o setor elétrico foi privatizado, as condições para garantir conquistas,

tornaram-se mais complexas. As empresas privadas que vão construir a obra, organizam-se em

consórcios e este é que atua em nome das empresas na região onde a obra é construída, sempre com

o apoio do estado. A partir deste momento o inimigo fica oculto, dificultando a luta por direitos e

compensações. Os atingidos não sabem de quem exigir para ter êxito no cumprimento de seus

direitos, se do estado ou das empresas.

As táticas utilizadas pelas empresas e legitimadas pelo estado são muitas. Mas sempre são

utilizadas no sentido de criar o convencimento junto à sociedade da necessidade da construção da

barragem. Com base nas afirmações extraídas cartilha do MAB (2009). As empresas, os governos e

os meios de comunicação divulgam todos os dias que as barragens são de “interesse público”, que

será para o “desenvolvimento da região,” para “geração de empregos,” que será para “abaixar o

preço da energia,” etc. Quando os verdadeiros interessados são as grandes empresas nacionais e

multinacionais.

As empresas que chegam à região onde será construída a barragem, usam todos os

mecanismos possíveis para o convencimento de legitimação da obra. Criam no imaginário das

pessoas, através da propaganda, de parcerias com autoridades, entidades locais e regionais o

convencimento da opinião publica, no sentido de impedir o surgimento de possíveis conflitos sociais.

Nos últimos anos as empresas do setor elétrico têm criado e adotado táticas de ação a facilitar

medidas de não permitir o surgimento de conflitos. Segundo o geógrafo e professor Henri Acselrad

são “tecnologias de resolução de conflitos ambientais.”

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Dado o processo em curso de reordenação dos mecanismos de regulação dos recursos ambientais no mundo, coloca-se o desafio de entender a rede intrincada de processos sócios ecológicos e políticos que põem, inelutavelmente, a Natureza no interior do campo dos conflitos sociais. Merece particular atenção, neste início do século XXI, o esforço crescentemente generalizado de criação, em inúmeros países da América Latina, de projetos voltados para a disseminação de tecnologias de resolução de conflitos ambientais [...] Em nome de prover uma técnica de solução de conflitos rápida, ágil, flexível e particularizada a cada caso e uma justiça menos onerosa, com real acessibilidade aos desafortunados que dela necessitam, trata-se de psicologizar o dissenso e tecnificar seu tratamento através de regras e manuais destinados a transformar os pontos quentes em comunidades de aprendizado (ACSELRAD, 2008, 36).

Concordamos como as afirmações, pois o que tem ocorrido na prática são estratégias

adotadas pelas empresas e governos, geralmente de dissolução de conflitos, mais que isso, criam

todas as condições para que estes nem apareçam. Ainda conforme Acselard, as empresas defendem

que a origem dos conflitos sociais e ambientais existentes em uma região, é pela falta de informações

das “coisas boas que a obra poderá trazer” para essa enorme quantidade de gente “ignorante” que

vivem no entorno das construções das barragens.

As empresas e os governos não fazem o debate com as populações atingidas se deve ou não

ser construída tal obra, e para quem esta vai servir. Toda estratégia é traçada para que os

“indesejados” que habitam nesta região “DIGAM SIM” da forma mais flexível possível.

As técnicas de trabalho das empresas e estratégias utilizadas são de varias ordens: vai desde

um grande investimento nos meios de comunicação local para fazer a propaganda; a parceria com a

polícia para garantir a “segurança”; convênios com universidades e empresas de assistência técnica

para desenvolver pesquisas e programas junto aos atingidos/as.

Fazem parcerias com lideres religiosos, desenvolvem programas e elaboração de materiais

didáticos para disseminar o conceito das vantagens da barragem, dizendo que se esta não for

construída a região ficará sem energia. Articulam-se ao poder judiciário, entre outras coisas que

poderiam ser citadas, mas tudo, vai à direção de legitimar a construção da barragem, na tentativa de

evitar a reação dos atingidos e negar seus direitos.

Quando estes mecanismos não são suficientes para conter a organização e mobilização das

populações atingida na busca de seus direitos, outras formas de tratamento passam a ser usadas, tais

como: cooptação das lideranças, oferecendo boas indenizações; a coerções dizendo que se não

aceitarem as propostas de indenização poderão ficar sem nada; e também usam a força do exército,

tratando os atingidos de perigosos por estarem agindo contra a “ordem” estabelecida pelo Estado a

serviço das empresas, sob a justificativa que as hidrelétricas estão enquadradas na lei de segurança

nacional. A foto a seguir é um dos exemplos do que ocorre frequentemente nos territórios em

disputados por empresas e atingidos.

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Figura 2 - Mobilização dos atingidos/as da usina hidrelétrica de Tucuruí, Pará em março, 2005.

Fonte: Renata Gobatti - Arquivo MAB.

A partir da imagem desta foto, é possível exemplificar como na prática são tratadas as

manifestações dos atingidos, agravando os conflitos e a violação dos direitos humanos nos

territórios onde são construídas as barragens.

Na conclusão deste capitulo, a partir da analise feita abordando as noções de energia,

apontando as contradições do atual modelo energético e os conflitos que se dão entre as empresas do

setor elétrico, dos governos e os atingidos. Podemos adiantar a hipótese que as mulheres atingidas,

que já sofrem com a opressão de gênero são as mais afetadas pela situação de miséria,

desestruturação social, familiar e individual causada pela construção das barragens.

Para ilustrar concretamente, os conflitos territoriais e as consequências na vida das mulheres,

apontaremos no capitulo a seguir algumas contradições do atual modelo energético que agravam

diretamente a vida e as relações de gênero das mulheres atingidas.

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CAPITULO III

AS MULHERES E OS CONFLITOS TERRITÓRIAIS DO COMPLEXO HIDRELÉTRICO RIO MADEIRA / RO

Para a elaboração desta parte do trabalho, temos como base da analise os elementos dos

capítulos um e dois, onde buscaremos articular as informações coletadas no trabalho de campo

realizado em dezembro de 2010 em comunidades de Rondônia. Usaremos depoimentos coletados

nas entrevistas feitas com as mulheres para clarear nossa analise (não serão identificados os nomes

por medidas de precaução), fazendo uma relação com questões de ordem teórica, para embasar o

conceito de território na analise da disputa do mesmo em Rondônia. Também nos apoiaremos em

informações dos resultados do relatório do CDDPH, por entender que são fatos que ocorrem em

todas as regiões onde são construídas as barragens.

3.1 As hidrelétricas Santo Antônio e Jirau: as disputas pelo controle do território

Para compreender a analise e estudo de caso, faremos uma contextualização sobre o que

significam as hidrelétricas do complexo do Rio Madeira na lógica do capital e suas contradições. A

primeira que destacamos é que, sempre que são planejadas as hidrelétricas, os acordos políticos, as

aprovações dos projetos ocorrem longe do território onde será construída a obra. Geralmente são

realizados nos escritórios das empresas e governos, localizados nos grandes centros de decisões

políticas, sem consultar a opinião da população local.

No caso das obras do Rio Madeira, onde fizemos nosso estudo de campo, todo o processo de

licitação e liberação ambiental é de competência do governo federal. Porém, a consolidação das

obras (construção) e os conflitos sociais e ambientais acontecem no território local. Pois, é ali que

estão os diversos sujeitos envolvidos, como: as famílias que são atingidas com o enchimento do lago

e precisam ser deslocadas; a grande migração de trabalhadores (operários) em busca de emprego;

alterações da infra-estruturar da região para dar as condições às obras serem feitas. Isso gera uma

transformação na região, criando conflitos sociais e ambientais, e disputas políticas e econômicas.

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Figura 3 - Rio Madeira nas proximidades da cidade de Porto Velho, Rondônia.

Fonte: www.santoantonioenergia.com

O Madeira é um rio da bacia do rio Amazonas, banha os estados de Rondônia e

do Amazonas. Recebe este nome, por que no período de chuvas seu nível sobe e inunda as margens,

trazendo troncos e restos de madeira das árvores. Tem um grande potencial de produção de peixes

que é uma das principais proteínas na alimentação das famílias ribeirinhas, sendo historicamente a

alimentação das famílias uma das grandes preocupações das mulheres. Segundo Cervinski (2007).

O rio Madeira é o principal afluente do Rio Amazonas, com 1.700 quilômetros de extensão, vazão média de 23 mil metros cúbicos por segundo e largura máxima de 1,5 km. Responde por cerca de 15% do volume de água e 50% de todo o sedimento - transportados pelo Amazonas para o Oceano Atlântico. Esta enorme carga de sedimentos regula a dinâmica biológica das grandes áreas alagadas de várzea ao longo dos rios Madeira e Amazonas. Sua bacia cobre cerca de um quarto da Amazônia brasileira e abrange uma área de 1,5 milhões de km2 divididos entre os territórios do Peru, da Bolívia e do Brasil. É formada pelos rios Guaporé, Mamoré, Madre de Dios e Beni, originários dos planaltos andinos (p. 6).

É com base neste potencial hídrico natural que o rio oferece, em uma região ainda pouco

explorada do ponto de vista da produção de energia, na lógica do capital torna-se uma das melhores

opções para a ampliação da produção e geração de energia elétrica, além do aproveitamento dos

lagos como hidrovias. O complexo hidrelétrico é composto por duas usinas de grande porte: UHE –

Usina hidrelétrica Jirau (3.300 MW) inundará uma área de 258km² e UHE Santo Antônio (3.150

MW), inundará uma área de 271.36km² as duas sendo construídas ao mesmo tempo.

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A usina hidrelétrica de Santo Antônio, sob a responsabilidade do consórcio Santo Antonio

Energia, composto das seguintes empresas, com suas respectivas cotas de participação na construção

e exploração da obra: FURNAS (39%), Odebrecht Investimentos (17,6%), Andrade Gutierrez

Participações (12,4%), Cemig (10%), Construtora Norberto Odebrecht (1%) e Fundo de

Investimentos e Participações Amazônia Energia (20%). A previsão de conclusão é para 2015, e duas

das quarenta e quatro turbinas já entrar em operação em 2012, esta obra alagará bairros urbanos de

Porto Velho.

A usina hidrelétrica de Jirau é de responsabilidade do consórcio Energia Sustentável do

Brasil, criado especialmente para investir no projeto Jirau, hidrelétrica de 3.300 mW de capacidade

instalada. A composição do consórcio é formado pela Suez Energy South America Participações

Ltda., com 50,1%; Camargo Correa Investimentos em Infra-Estrutura S/A, com 9,9%; Eletrosul

Centrais Elétricas S/A, com 20%; e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco - Chesf, com 20%.

Está situada a 130 km de Porto Velho, em uma área de mata densa.

Segundo dados das empresas, as duas usinas de Jirau e Santo Antônio irão adicionar ao

sistema elétrico uma potência de 6.450 MW, ampliando consideravelmente a oferta nacional de

eletricidade, ocorrerá também uma ampliação físico-geográfica do SIN - Sistema Interligado

Nacional, com a construção de novas linhas de transmissão, além da construção das eclusas que

ampliarão o sistema das hidrovias. Porém, devemos considerar que a energia produzida pelas obras

não será para o estado de Rondônia, muito menos para Amazônia. Conforme afirmações de

Cervinski (2007), esta ira para o sistema geral para abastecer os grandes centros industrializados.

No caso da energia das hidrelétricas do Rio Madeira, será necessário a construção de uma grande linha de transmissão que deverá ir de Porto Velho/RO até Araraquara/SP, com 2.450 km de extensão e uma tensão média de 600 kW e mais uma linha de Araraquara/SP até Atibaia e dali até Nova Iguaçu/RJ, com 600 km de extensão e tensão média de 500 kW . Para construir essa linha de transmissão, segundo informações apresentadas pelo Canal Energia em maio de 2007, com base no “estudo de viabilidade”, será necessário um investimento em torno de 10 a 15 bilhões de reais. E para as interligações de interesse restrito, os custos ficarão na ordem de R$ 930 milhões (p.17).

As informações citadas desconstroem o discurso usado pelas empresas e governo, que para

legitimar a obra perante a opinião pública e as populações atingidas, dizem que estas são construídas

para trazer energia à região, o “progresso” e o “desenvolvimento local.”

Podemos afirmar que não será a população de Rondônia, que irá usufruir da energia elétrica

produzida pelas barragens lá construídas. Conforme Cervinski (2007. p.17), “Quase toda energia que

será produzida pelas hidrelétricas será levada para outras regiões do Brasil, sendo que 70% será

destinada para o mercado cativo de energia e 30% destinado para 665 consumidores do mercado

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livre consumidores eletro intensivos.” Estas são empresas dos setores industriais, alumínio, aço,

petroquímica, papel celulose que usam muita energia elétrica para suas indústrias.

Outro grande investimento será a construção das eclusas. Na UHE de Santo Antônio será

construído um canal de 1,5 km pela margem esquerda, na UHE de Jirau o canal será pela margem

direita e terá 3 km de extensão. No centro de cada canal serão construídas as eclusas, que

funcionarão semelhantes a um elevador, viabilizando as hidrovias. Os indicativos são que as eclusas

ficarão sob domínio das grandes empresas do agronegócio para fins de escorem a produção,

possibilitando um menor custo de transporte.

Os projetos do complexo do Rio Madeira, foi uma das principais vitrines do PAC - Programa

de Aceleração do Crescimento, lançado pelo governo Lula em 2007, que teve e ainda tem muitas

contradições. O governo forçou o início das obras com a aprovação das licenças ambientais em

prazos mínimos e sem os estudos mais detalhados sobre os impactos ambientais e sociais. Para a

construção das obras o BNDES realizou seus dois maiores empréstimos da história. A obra de Santo

Antônio recebeu R$ 6,1 bilhões, enquanto a de Jirau, que será 68% financiada pelo BNDES, recebeu

R$7,2 bi. Sem exigir garantias sociais nas clausulas do empréstimo. A tabela abaixo trás um resumo

do volume de recurso que estão sendo movimentados entre as duas obras hidrelétricas.

Tabela 1 - Resumo dos custos estimados nas obras do complexo hidrelétrico do Rio Madeira. PROJETOS VALOR

02 hidrelétricas( Sto. Antonio e Jirau R$ 25,76 bilhões Eclusas R$ 1,38 bilhões Interligação de interesse restrito R$ 930 milhões Linhas de transmissão de energia R$ 15 bilhões TOTAL R$ 43,07 bilhões

Fonte: MAB,2008.

Pela descrição dos projetos, o volume das obras e seus valores, a impressão inicial é que

tudo é perfeito. Mas ao considerar o modelo de desenvolvimento vigente, e a energia como a base

impulsionadora, vamos concluir que este é o grande negocio da indústria energética. Para termos

uma noção do que significa o interesse pelo controle do território e do resultado na produção da

energia pela UHE de Santo Antônio e Jirau, é necessários analisar os dados a seguir.

A tabela representa em números o volume de produção de energia, o preço previsto pelo

leilão e a estimativa do resultado final. Devemos considerar que este resultado as empresas terão com

a concessão das obras por um período de vinte anos.

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Tabela 2 - Representação em números do volume de produção de energia, o preço previsto pelo leilão e a estimativa do resultado final por um período de um ano.

Tempo Calculo Total em R$ Por hora R$ 130,00/MWH X 4.051 MWH

(Preço de leilão X Total de energia firme) 526.630,00

Por dia R$ 525.630,00 X 16 horas 8.426.080,00 Por mês R$ 8.426.080,00 X 30 dias 252.782.400,00 Por ano R$ 252.782.400,00 X 12 meses 3.033.388.800,00

Fonte: MAB, 2008. As empresas do setor elétrico conhecedoras do potencial de produção de energia que existe

nas obras do Rio Madeira, ou em qualquer outro rio, com o interesse no resultado que os números

apontam na venda da mercadoria energia é que fazem as disputas pelo controle do território para

construção das barragens. Nunca será pelo bem estar das famílias atingidas e desenvolvimento local

ou da sociedade como um todo. Esta e uma das principais contradições deste modelo energético, que

na sua essência esta acumulação de riquezas.

Este “negócio” da energia não permite considerar e respeitar nas regiões atingidas, as

relações sociais e comunitárias, as culturas construídas socialmente. Nesta fase adiantada das obras,

ainda não é possível ter os números exatos das pessoas que habitam no território e serão atingidas.

Não existem levantamentos ou estudos que certifiquem estes dados por parte das empresas, não há

uma política e critérios de tratamento aos atingidos no sentido de garantir seus direitos econômicos e

sociais, e os danos ambientais não são contabilizados.

Outro elemento é a grande migração de trabalhadores para a região. Estimasse em torno de

40 mil operários trabalhando no pico das obras, a maioria deste são homens vindos de várias regiões

do Brasil, e não existe no local infra-estruturar preparada para atender a demanda deste contingente

de população que chega de repente, agravando os conflitos sociais.

O atual modelo energético a serviço da lógica de desenvolvimento centralizador e explorador,

da às empresas donas da energia que se instalam em um determinado território, uma condição

vantajosa pelo seu poder econômico e político. Fazem a “disputa” e logo o controle do território, sem

considerar que existem sujeitos que vivem, dependem e constroem o território.

Estes conflitos territoriais são prejudiciais a todos, porém, são as mulheres atingidas as mais

afetadas, por serem elas historicamente a terem mais pertença ao território, com isso, enfrentam as

graves conseqüências, muitas drásticas e sem volta.

Entendemos que os conflitos territoriais decorrentes da construção das hidrelétricas em

Rondônia, são no mínimo enfrentados de formas desiguais, em função do poder exercido pelas

empresas responsáveis. Estas usam de todas as artimanhas para dominar e controlar o território a fim

de garantir seus interesses.

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Ao tratar do conceito território para analisar os conflitos territoriais que ocorrem no espaço e

comunidades atingidas pelas hidrelétricas do complexo do rio Madeira, recorremos a

fundamentações teóricas, embasando a analise que estamos desenvolvendo. Destacamos um dos

autores pioneiros na abordagem do território, que trata do caráter político do território, bem como a

compreensão sobre o conceito de espaço geográfico, pois o entende como fundamento pré-existente

ao território, Raffestin (1993).

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço (p. 143).

A partir da concepção do autor, o território é o resultado da produção e ocupação do espaço

para a realização de ações. Tratado, principalmente, com ênfase político-administrativo, um espaço

onde se delimita uma ordem jurídica e política, mas um espaço medido e marcado pela projeção do

trabalho humano, determinado por relações de poder a serviço do interesse econômico. Neste sentido

o território é determinado pelo controle do poder. Raffestin (1993). [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se inscreve num campo de poder [...] (p. 144).

Seguindo a análise de Raffestin, as disputas pelo controle do território, são determinadas por

relações de poder político e econômico, por isso, o território é uma produção a partir do espaço.

Assim, podemos ressaltar que este poder, no caso da construção das hidrelétricas do complexo do rio

madeira é exercido e controlado pelo poder das empresas que desterritorializam as famílias

atingidas, e se territorializam produzindo um novo território.

Portanto, poder e território, apesar da “autonomia” de cada um, precisam ser enfocados

conjuntamente para a consolidação do conceito. Assim, o poder é relacional, pois está intrínseco em

todas as relações sociais, que vai se configurando conforme as correlações de forças de cada

momento histórico, na disputa e controle do território a partir da divisão técnica e territorial do

trabalho.

Durante a visita de campo nas comunidades atingidas, várias foram às imagens vistas que

poderia ser citado para retratar o poder das empresas sobre o território. A foto tirada em uma

propriedade que será atingidas, tenta representar simbolicamente o controle exercido pelas

empresas.

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Figura 4 - Propriedade que será alagada pelo lago da Barragem de Jirau, Linha Mutun/RO.

Fonte: Ivanei Dalla Costa.

Este exemplo de ação e controle do território por parte das empresas, a partir do domínio das

propriedades das famílias que residiam nele, prova um caráter de poder, e ao mesmo tempo um

cenário de abandono, pois, estas propriedades serão alagadas pelo enchimento do lago.

Esta situação gera inseguranças e angustias as famílias atingidas, que precisam ser

deslocadas de seu habita para dar lugar ao lago da barragem. Podemos dizer que este é um conflito

de ordem subjetiva, imaterial, pois afeta o sentimento das pessoas. Este é um dos elementos que

acaba violentando as mulheres atingidas, pois, historicamente são elas que têm mais resistência em

sair do lugar.

Estes impactos começam com o planejamento e anúncios das obras, quando as empresas

montam uma estratégia política e ideológica para o convencimento da população, aceleram-se

durante a construção e prolongam-se para além do início de funcionamento da barragem, para muitas

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famílias estende-se para o resto da vida. Neste sentido, os conflitos territoriais são materiais e

imateriais. A fundamentação desta analise pode ser confirmada em um trecho de Fernandes (2009):

As disputas territoriais não se limitam à dimensão econômica. Pelo fato do território ser uma totalidade, multidimensional, as disputas territoriais se desdobram em todas as dimensões, portanto as disputas ocorrem também no âmbito político, teórico e ideológico o que nos possibilita entender os territórios materiais e imateriais (p. 201).

Conforme analisado pelo autor, estas disputas territoriais não se limitam a dimensão

econômica, são também políticas e ideológicas, no caso dos territórios onde são construídas as

barragens, as empresas expropriam os ribeirinhos das terras, propagando uma ideologia a favor da

obra, com isso, instala-se uma pressão política e psicológica, levando muitos atingidos, em especial

as mulheres a ficarem doentes.

Com isso, a sobrevivência dos atingidos/as fica comprometida, as relações sociais e de

solidariedade se desestabilizam, os interesses comuns consolidados ao longo tempo morando no

mesmo lugar, vivendo e construindo histórias semelhantes, com a construção das barragens são

radicalmente modificadas.

Porem, devemos considerar que as contradições do modelo energético e este sentimento de

pertença ao território, tanto material como imaterial, criam as condições de resistência em defesa dos

território por parte dos atingidos/as.

Nossa intenção é buscar entender como de forma mais específica esta conflitualidade afeta as

mulheres atingidas. Atribuir ao modelo energético a responsabilidade integral e única pela

desigualdade nas relações de gênero e conflitos territoriais na vida das mesmas seria no mínimo

simplista. Mas, temos a certeza que estas passam ser as mais prejudicadas, pela situação de miséria,

desestruturação social e familiar, causada pela construção das barragens.

3.2 Os principais conflitos territoriais e de gênero enfrentados pelas mulheres atingidas por barragens Ao desenvolver nosso estudo a partir de pesquisas bibliográficas e trabalho de campo,

podemos constatar que as hipóteses levantadas, comprovam que os principais conflitos nos territórios

onde são construídas as barragens afetam e violam os direitos humanos das mulheres atingidas

acabam reforçando a opressão de gênero. Através das visitas e entrevistas, concluímos que os

fundamentais se dão no campo do trabalho; da participação política; da convivência comunitária e

familiar, da sexualidade e do acesso e uso da energia elétrica. Os quais trataremos a seguir.

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3.2.1 O mundo do trabalho

Um dos aspectos dos conflitos e dos direitos das mulheres em áreas de barragens, diz respeito

ao trabalho. Como já tratamos no capitulo um deste trabalho, historicamente coube às mulheres o

trabalho doméstico e de cuidados com a família, além, de serem a maior parte da população no

trabalho informal e precarizado, isso ocorre por uma questão estrutural que é à divisão sexual do

trabalho. Essas características são determinantes no agravamento da situação das mulheres atingidas.

O não reconhecimento do trabalho doméstico e do campo é uma questão histórica

reproduzido na sociedade. Quando perguntada se trabalhava, uma mulher atingida pela barragem de

Santo Antônio, comunidade de Joana D’arc - Rondônia, respondeu que não. Mas quando perguntada

sobre suas atividades diárias, ela respondera: Eu trabalho na roça. Acordo dou comida aos bichos, vou roçar, mas já deixo o feijão e a mistura no fogo, e volto para colher as verduras que o homem vende na cidade (DALLA COSTA, 2010).

As mulheres, além de contribuir com a renda familiar a partir do trabalho no campo e com

os trabalhos artesanais feitos nas horas “de descanso,” geralmente assumem a totalidade do trabalho

doméstico, essencial para a reprodução da vida. A semelhança da fala dessa senhora, com a fala de

muitas camponesas e donas de casa refletem o não reconhecimento pelas próprias mulheres, dos

afazeres diários como sendo um trabalho. Principalmente porque não gera renda direta e porque são

atividades que estão no rol de “suas obrigações enquanto mulher,” e de seu “dom natural para o

cuidado com a família.”

No entanto, a limitação das mulheres ao trabalho doméstico não tem nada de natural, é

construído historicamente e fundamenta a opressão das mulheres, pois as relega a um tipo de

trabalho considerado distinto e inferior ao exercido pelo homem. A libertação das mulheres passa

pelo reconhecimento e valorização de seu trabalho seja ele qual for. Preferencialmente é necessário

que estas sejam inseridas em trabalhos que gere renda, condição básica pela própria independência.

Com a construção das barragens há a perda do trabalho gerador de renda. De acordo com o

relatório do CDDPH, “há numerosos casos de mulheres que perderam suas condições de trabalho e

sobrevivência em virtude da barragem e da destruição da cidade.” Mesmo que nosso trabalho de

campo foi realizado em Rondônia, vamos usar alguns depoimentos de mulheres atingidas que estão

sistematizados no relatório da Comissão especial de atingidos. Pois vem justificar o que as mulheres

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vivem. Os depoimentos a seguir, são de duas atingidas pela barragem de Aimorés 4

Eu tinha um restaurante, servia comida para os operários, 550 marmitas no almoço, 400 e tantas no jantar [...]. Lá sempre deu pra eu sobreviver. A assistente social deles fez vistoria, mas não me deu cópia [...]. Trouxeram minhas coisas do restaurante, pusemos num galpão que eu tive que construir de eternit. Perdi tudo, vendi meu carro, a comida estragou, roubaram uma parte do que eu tinha [...]. Até hoje não tenho onde trabalhar. Pediram 35 mil reais para eu me instalar no Centro Comercial. To plantando uma horta pra tentar sobreviver. Cobrador na minha porta, meu nome na justiça [...]. Fiquei sem água, sem luz, sem ter o que comer. Eu tinha uma vida boa e eles destruíram a minha vida. Entrei em depressão, quase morri com minha pressão subindo. O assistente social disse: “Ah Sonia, o consórcio não tem mais nada a ver com isso”. Então nem quero mais falar com ela. Para vários aconteceu a mesma coisa. Aqui <em Nova Itueta> não tem nenhum comércio (BRASIL. SDH, 2010).

em Minas

Gerais:

Outra mulher, que perdeu sua atividade com a mesma barragem, relatou:

Eu mexia com decoração de festa, coisa simples. Com o tempo fui melhorando. E o “X” <funcionário do Consórcio> disse que eu não tinha direito a fundo de comércio. Destruíram todas as decorações que eu tinha – 11 conjuntos. Eu já tive distúrbio aqui. Às vezes não tinha o que dar pra minha filha comer. Minha mãe também tinha um comércio. Deram 4 mil, e disseram pra ela que se não pegasse, não tinha nada ((BRASIL. SDH, 2010).

A maioria dos trabalhadores do setor informal ou semi-informal no Brasil são mulheres,

assim como ilustram esses exemplos das mulheres atingidas de Aimorés. Esses trabalhos não são

facilmente reestruturáveis em outras áreas quando ocorre o deslocamento forçado por causa da

construção da barragem, pois são de baixa qualificação e fortemente dependentes de um vínculo com

a população local. Além disso, os homens geralmente possuem o título de propriedade das terras, o

que facilita seu reconhecimento como atingidos pelas barragens e o acesso a algum tipo de

indenização. Como as mulheres não possuem esse reconhecimento, sofrem mais perdas econômicas.

Além disso, é natural nas famílias atingidas sempre ter alguém que trabalha em algum

“emprego fixo”, fora da propriedade, estas vagas de trabalho são nas escolas, nos postos de saúde,

em pequenos comércios das comunidades e geralmente feito por mulheres. Com a chegada da

4 A UHE Aimorés pertence ao Consórcio da Hidrelétrica de Aimorés (CHA), formado pelas empresas Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) e Vale. As obras da barragem tiveram início em junho de 2001 e a operação da usina começou em julho de 2005. A formação do reservatório da usina ocasionou a total inundação da cidade de Itueta, sede do município de mesmo nome, e de parte de Resplendor. No total foram desapropriadas 623 propriedades, sendo 553 urbanas (destas, 318 eram em Itueta) e 70 rurais. A empresa então construiu a “Nova Itueta”, na qual inúmeras e variadas são as reclamações quanto à forma como foi conduzido o deslocamento e às condições de reassentamento da população.

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barragem, estes empregos acabam, pois o espaço do trabalho some ao dar lugar à água do lago. Isso

gera uma grande incerteza e revolta, conforme podemos ver no depoimento de outra atingida pela

UHE de Santo Antonio em RO.

E aí pense isso. Eu trabalho aqui nessa escola, aí olha o sofrimento que já começo. Eu trabalho aqui nessa escola, a escola já vai saí. Como vai fica minha situação? Eu e a minha filha é a professora, nós trabalhamos aqui na escola, aí vai saí tudo, aí como é que nós vamo trabalha, aonde?(...) Pra onde vai joga nóis? Vamo dize, ela vai dize assim. Vocês vão agora trabalha pra outro lugar, vamo dize que seja em outra cidadinha, e a minha família fica aqui, o meu esposo, as minhas criação, minhas plantação. Então nós já vem sofrendo pra dedéu. Olha, tem noites de eu não dormi, perde o sono, preocupada com a nossa situação, não é fácil! (DALLA COSTA, 2010)

Ao serem obrigas a saírem de seus territórios, muitas mulheres e famílias vão morar nas

cidades. Com isso, sofrem e muitas não se adaptam ao trabalho urbano. A maioria das mulheres

atingidas pelas barragens mantém uma relação próxima com a terra. Usam os recursos da natureza

principalmente para garantir a alimentação, em especial a pesca, e outros bens destinados ao

consumo da família, como as ervas medicinais, energia da lenha para cozinhar e aquecer, etc.

As empresas não consideram que a maioria das atingidas não tem aptidão para o trabalho

urbano, pois, boa parte delas são camponesas, vivem da terra e, quando deslocadas, vão para a

periferia das cidades tendo que trabalhar em frentes de trabalho para as quais não foram preparadas.

Além disso, boa parte das famílias são relocadas em vilas pré-montadas nas quais não podem

plantar, pois não há espaço para isso. Dessa forma, as mulheres passam a procurar empregos

domésticos, pois é o ofício que podem oferecer para aquele mercado, precarizando ainda mais sua

força de trabalho.

Muitas mulheres que são atingidas pelo lago, não vêem perspectivas, não aceitam sair da terra

e de trabalhar nela. O depoimento de outra mulher atingida da usina hidrelétrica de Santo Antônio,

em Rondônia, confirma este conflito que ao ser indenizado comprou uma chácara, relata que:

Eu preferi comprar uma chácara, pois é disso que vivo. Mas não sei como vou fazer com o peixe, pois quando não tinha mistura nós saía pro rio e trazia peixe. Eu vou sentir muita falta de pescar e comer meu peixe fresquinho (DALLA COSTA, 2010).

Esta mulher, mesmo ter optado em comprar uma chácara, ao invés de ir morar na cidade

declara que além da terra, o rio é outra pertença e fonte de sustento da família. Está é a realidade da

grande maioria das famílias ribeirinhas.

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3.2.2 A participação política

A ausência do sentimento de pertencimento das mulheres no processo político decorre do

local da fala, entre o espaço privado e o espaço público. O espaço político, que é o espaço público,

sempre foi um local majoritariamente masculino, no qual as mulheres não tinham acesso, menos

ainda participação e voz. A conseqüência disso é a negação às mulheres do status de cidadãs, de

sujeitas de direitos, de porta vozes das suas demandas e das questões que afetam a sociedade como

um todo.

Este ponto merece destaque. Pois no processo de negociações entre empresas e atingidos é

forçada a criação de um sentimento no imaginário de muitas mulheres de não pertencimento à

comunidade, uma vez que, geralmente cabe aos homens a tomada de decisão, já que são eles que

participam das reuniões e que negociam com os funcionários das empresas.

As empresas construtoras e donas de barragens forçam intencionalmente esse problema, para

dividir as comunidades atingidas e afastar as mulheres do processo de luta, pois sabem que elas

possuem um papel fundamental no fortalecimento da comunidade e do processo de resistência.

Existe um senso comum na ausência e desqualificação das mulheres nos espaços

deliberativos. Em muitas situações, as mulheres são excluídas dos espaços de decisão, inclusive por

seus próprios companheiros. A presença nos espaços decisórios, quando acontece, não resolve o

problema. Quando perguntadas sobre sua participação, muitas dizem que vão às reuniões, mas que

“os homens é que falavam” ou ainda, que “elas podiam falar, mas na hora de decidir a opinião delas

não era levada em consideração.”

Quando perguntada as mulheres atingidas pela UHE de Santo Antonio – RO, da comunidade

de Joana D’arc, quem tem poder de decidir as coisas em casa, e sobre o processo de negociação com

as empresas responsáveis pela barragem, a maioria delas diziam “nois junto”. Porém, ao tentarmos

fazer uma conversa coletiva com um grupo de mulheres em uma comunidade, estas foram sufocadas

pela voz e presença dos homens. A imagem da foto tirada durante a reunião representa como a

situação se repete.

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Figura 5 - Reunião com grupo de mulheres atingidas pela UHE de Santo Antonio/RO em dezembro de 2010.

Fonte: Ivanei Dalla Costa.

A voz reprimida das mulheres vem de um processo histórico de uma sociedade patriarcal, que

as considera menos capazes que os homens. Os homens, seus maridos, irmãos e pais não facilitam a

participação das mulheres nas reuniões sobre a implantação da barragem, pois não as reconhecem

como capacitadas para a atividade política. Isso, para as empresa é fator importante, pois geralmente

as mulheres são mais aguerridas quando a discussão e o futuro da família.

Outro elemento que prejudica a participação das mulheres é a ausência de serviços básicos.

É comum que as comunidades atingidas estejam localizadas geograficamente mais distantes dos

espaços urbanos, onde normalmente se realizam as reuniões, mobilizações e decisões políticas. Logo,

as pessoas destas comunidades são mais prejudicadas por vários motivos, entre eles: não terem

transporte público frequente; péssimas condições das estradas; falta de energia elétrica nas casas

(quando existe, geralmente é de má qualidade); não há creches para as mulheres deixarem seus

filhos; não existe atendimento básico de saúde, como postos e farmácias; não existem programas de

assistência técnica, entre outros.

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Estes problemas afetam todos os atingidos, porém sabemos que as mulheres têm seus direitos

violados de forma mais agressiva, pois são elas que têm que se desdobrar para não deixar a família

prejudicada na ausência dessas condições básicas de sobrevivência. Ou seja, acabam ficando em casa

e não participam ativamente das ações para garantir o andamento tranquilo da casa.

Existem ainda situações mais graves, como um caso relatado em outra comunidade atingida

pela barragem de Santo Antônio, em Rondônia. Quando havia a necessidade de realizar uma

mobilização para cobrar o recebimento da pauta dos atingidos e lutar para terem os direitos

atendidos, a empresa construtora da obra, sob o comando do consórcio Santo Antônio Energia,

chegou ao extremo de fazer um acordo com as empresas de ônibus contratando todos os veículos

para impedir que os atingidos se deslocassem de suas comunidades.

As mulheres sofrem intimidações e pressão por parte das empresas e, outras vezes, não são

consideradas como interlocutoras legítimas no processo de negociação. Além disso, por sua condição

de dependência econômica com relação à família, acabam não sendo reconhecidas como atingidas e,

por conseqüência, têm seus direitos negados.

O conceito de atingido patrimonialista e patriarcal no processo de implantação das barragens,

é o defendido e implementado pelas empresas. Neste caso, quem não for proprietário (das terras,

casas, comércios, etc) está automaticamente descartado.

Em decorrência do patriarcado, as mulheres não costumam ter os títulos das propriedades,

ficando sempre na dependência de seus companheiros. Ao não ter esses títulos, não são reconhecidas

como atingidas e têm mais dificuldades para ter direito à indenização e ao reassentamento, o que

reforça ainda mais sua posição de submissão.

As mulheres vivem os conflitos e a pressão da coação dos funcionários das empresas

construtoras, reforçando a discriminação de gênero, pois também não consideram as mulheres

atingidas por barragens. Quando chegam a uma casa, perguntam pelo chefe da casa, pelo homem.

Outra tática é apelar para questões sentimentais, como foi nos relatado em Rondônia: os

técnicos da empresa apelam para a maternidade, afirmando que “se elas querem bem aos seus filhos

precisam aceitar a proposta da empresa”, ou que, “elas tem que convencer os maridos a aceitarem a

proposta da empresa, pois será melhor pra família”, em flagrante pressão psicológica às famílias e

mulheres da comunidade. Ou seja, em muitos casos, os funcionários das empresas “atuam de má fé”,

conforme relato de uma atingida pela barragem de Santo Antônio, Rondônia.

A assistente social diz pra nós aceitar a proposta da empresa porque a barragem e a empresa não são nossas inimigas. Querem trazer o progresso pra região e dar vida melhor pra gente. Dizem que vão dar casa na cidade e que lá é melhor que aqui. Que temos que convencer nossos maridos (DALLA COSTA, 2010).

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Outra situação é quando as mulheres são lideranças, que falam de igual pra igual com os

funcionários e mobilizam a comunidade, a empresa logo se aproxima para sufocá-las, seja com

aumento da oferta de indenização, para que saiam logo da comunidade, seja, dificultando o acesso às

informações e contato entre as comunidades, este fato presenciamos em Rondônia, quando mulheres

lideranças, receberam a oferta de altas indenizações, como forma de calar a voz ativa.

3.2.3 A perda da convivência familiar e comunitária

Além dos impactos ambientais e sociais, a perda da terra, dos postos de trabalho, do rio e da

casa, as mulheres sofrem profundas perdas que vão para além do material, como já citado

anteriormente, as perdas são também sentimentais. Enfrentam graves problemas de depressão e

desilusão associados à desestruturação de suas vidas e ao afastamento do convívio de parentes e

amigos.

A realidade de serem deslocadas de seus territórios gera a perda dos vínculos com a

comunidade. A perda dos vínculos com a comunidade é associada à perda da dinâmica social e de

amparo entre as famílias, visto que muitas vezes os vizinhos servem como suporte para as

dificuldades do dia-a-dia, seja na falta de alimento, ou para vigia de um filho menor, para cuidar dos

animais, na troca de receitas e sementes, entre outras situações.

A principal angústia apontada pelas mulheres da comunidade de Joana D’arc, que são

atingidas pela barragem de Santo Antônio é a quebra convivência e solidariedade comunitária, como

podemos ver pelos depoimentos das mulheres (DALLA COSTA, 2010). “Como vou fazer sem meu

filho! Ele terá que sair da casa dele, e eu ficarei. Mas sou viúva e quem cuida da roça é ele. Como

farei? Quem vai me ajudar?”

Outra narra: Sou mãe solteira e tenho três filhos pra criar. Ela (outra atingida) aqui que olha meus filhos quando preciso vender as coisas. Ela vai sair como será? Às vezes não tenho o que dar de comer aos meus filhos e ela quem ajuda! (DALLA COSTA, 2010).

Não se pode desconsiderar o vínculo comunitário, cultural e solidário que essas pessoas

estabelecem e que constituem verdadeiras redes de apoio familiar entre elas e que serão destruídos

com a chegada da barragem.

As mulheres são as principais prejudicadas na quebra dessa rede, pois a elas compete a

guarda dos filhos e sustento, muitas vezes alicerçado pelos vizinhos e familiares, além de a maioria

dos casos serem elas, as estimuladores de espaços de valorização das culturas das comunidades.

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A construção das barragens provoca a perda e quebra dos laços familiares, a desestruturação

familiar e comunitária. Com isso, as mulheres são mais prejudicadas, pois é sobre elas, de acordo

com a história que recai a responsabilidade pelo bem-estar da família. Essa desestruturação ocorre de

diversas maneiras, seja durante o processo de construção de barragens ou após o deslocamento

forçado.

Em muitos casos de construção de barragens, as jovens atingidas iludidas por promessas de

um “marido bem sucedido”, se envolvem com os operários da construção, que a maioria destes

migram de outras regiões onde já tem família. Essas jovens se envolvem, muitas engravidam e arcam

sozinhas (ou com a ajuda de outras mulheres, principalmente a mãe) com a criação dos filhos.

Muitas, que não tem como criar os filhos ou por outras circunstancias, acabam caindo na

prostituição.

Quando as famílias são deslocadas para as cidades, a maioria das meninas, das jovens passam

a viver a realidade das grandes periferias brasileiras, de violência, de acesso às drogas e de ausência

do Estado para os serviços básicos, colocando aquela família no ciclo da violência e da exclusão

social. Durante a visita de campo, pudemos perceber que os (as) jovens da comunidade que ainda

não tinham ido pra cidade tinham garantido a educação, alimentação saudável, convivência familiar

e comunitária, o que não constatamos com as famílias que haviam sido realocadas e passaram a

morar na vila Nova Mutum construída para elas.

3.2.4 Os conflitos da prostituição A Justiça pesou a falta pelo peso do sacrifício e este excedeu àquela. Vilipendiada, esmagada. Possuída e enxovalhada, ela é a muralha que há milênios detém as urgências brutais do homem para que na sociedade possam coexistir a inocência, a castidade e a virtude. (Mulher da Vida, Cora Coralina)

As cidades onde são construídas as hidrelétricas, em tese necessitam passar por toda uma

alteração para receber a nova demanda. Uma das grandes alterações é o grande número de homens

que migram até estes lugares para trabalhar nas obras. Com esta explosão demográfica, ocorre um

conflito que é a crescente prostituição nas cidades que recebem as obras e junto um contingente de

trabalhadores, na grande maioria homens, que passa a viver nas cidades, que não dispõem de infra -

estrutura para comportar a nova realidade.

Estes elementos são "delicados” de tratar por diversos motivos: primeiro, porque não

podemos fazer um debate de criminalização dessas mulheres; segundo, porque não são todas as

mulheres que se entregam a prostituição; terceiro, é preciso cobrar do estado, investimentos em infra-

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estruturar para abranger está nova situação, e junto a criação de políticas públicas para as mulheres,

que possam assegurar condições de protegê-las da situação de vulnerabilidade social e econômica, a

ponto de se submeterem a situações gravíssimas de tráfico, cárcere privado e prostituição.

Todos os indícios levantados apontam para a existência de uma indústria da prostituição na

construção de barragens, que possui estreita ligação com as empresas construtoras. Segundo

informações do relatório da PLATAFORMA DHESCA BRASIL (2011), existe um “cartão

fidelidade,” no qual as empresas “creditavam mensalmente valores de até R$600,00, fora da folha de

pagamento ‘para empregados que não faltam, não adoecem, não tiram férias e não visitam a

família’” (p.17). Segundo um sindicato da região, esse cartão é aceito inclusive em clubes vinculados

a prostituição.

Com certeza, a prostituição é uma das formas utilizadas pelas empresas, para deixar os

operários “calmos e satisfeitos afetivamente,” reproduzindo assim, valores capitalistas e machistas,

onde ao homem “tudo é permitido.” Vários são os fatos que provam casos de prostituição ocorridos

na região onde a barragem de Jirau (RO), está sendo construída. Em fevereiro de 2010, o jornal A

crítica de Manaus publicou reportagens que traziam elementos que comprovaram a situação

deplorável:

Desde o início das obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em 2008, milhares de mulheres de todo o Brasil migraram para a região em busca do dinheiro dos operários. Juntas, as usinas são o maior canteiro de obras em andamento do Brasil e uma das principais vitrines do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. Em dois anos, porém, Jaci Paraná se transformou num imenso mercado de sexo a céu aberto funcionando 24 horas por dia onde mulheres e adolescentes são a principal matéria-prima. [...] Dezenas de bordéis de madeira foram erguidos à beira da BR-364, disputando espaço com farmácias, açougues e igrejas. “Isso aqui virou um inferno. As mulheres se vendem em plena luz do dia. Tenho uma filha e tento protegê-la do jeito que dá”, diz a agricultora Maria Martins, 49, mãe de uma adolescente de 12 anos [...] E a proximidade entre os prostíbulos e o canteiro de obras da empreiteira Corrêa, a maior a atuar na construção da usina de Jirau, é impressionante. Da portaria do alojamento até os primeiros prostíbulos, a distância não chega a 1,2 mil metros. Um deles ganhou o apelido de “Usina do Amor” (PRAZERES, 2010).

O distrito de Porto Velho, Jaci Paraná, abriga o canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau.

Com a chegada dos operários para construir a barragem, o distrito quadruplicou o número de

habitantes. No período de pico da construção, as duas obras chegaram a empregar aproximadamente

40 mil trabalhadores, sendo 20 mil em Jirau e 20 mil em Santo Antônio. Os bordéis, que também se

multiplicaram, todos em situação muito precária, estão lotados de homens à espera de uma mulher.

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Literalmente à espera, pois o número de homens é maior que o de mulheres oferecendo seus

serviços. Os programas acontecem ali mesmo em quartinhos nos fundos dos bares.

Durante nosso trabalho de campo5

De acordo com o relatório da Plataforma DHESCA Brasil, Porto Velho registrou um aumento

geral nos índices de violência após a chegada das obras das barragens. O número de homicídios

dolosos cresceu 44% entre 2008 e 2010, a quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou

exploração sexual subiram 18% e o número de estupros cresceu 208% entre 2007 e 2010.

, circulamos nesta região num final de tarde de domingo, as

cenas observadas foram escandalosas. São muitos bares, um encostado ao outro, muita gente

concentrada (a maioria homens), disputando as mulheres que ali estavam, muita bebedeira, som dos

bares alto disputando os clientes, muito lixo pelo chão.

Em Rondônia, a maioria das mulheres tem entre 13 e 17 anos e os “programas” com estas

meninas e também com as mulheres adultas podem ser feitos por até 30 reais. Elas são “traficadas”

de Rondônia, do Acre, do Amazonas e até da Bolívia com falsas promessas de emprego e ascensão

social.

Essa é a preocupação das mães que tem filhas na região. Pelo relato de uma mulher atingida

que morava na vila dos atingidos em Nova Mutum, sua filha adolescente também vivia nos bares em

Jaci Paraná: Ela quer saber de ir pra festa, sair à noite e ficar com os homens. A maioria das meninas da comunidade estão indo trabalhar nos bordéis, pois elas acreditam que podem encontrar um marido rico (operário) e ter uma vida melhor. A daqui já tem dois filhos de operário e nem sabe quem é o pai (DALLA COSTA, 2010).

Esta situação é muito grave, e as mais prejudicadas são as mulheres. Umas por serem as

próprias vítimas da prostituição e vulneráveis a qualquer tipo de violência, dos casos de gravidez

indesejada e problemas de saúde sexualmente transmissíveis. Outras, por serem as mães das jovens

adolescentes que vivem nesta desordem, atraídas pela possibilidade de “vida boa”.

Esta realidade não é especifica de Rondônia, em todos os lugares, regiões onde são

construídas barragens, a prostituição é uma das mercadorias que acompanha o pacote da obra, vários

casos são emblemáticos e drásticos para o agravamento da opressão nas relações gênero, onde o

homem tem o direito ao prazer e o corpo da mulher é a mercadoria.

3.2.5 O acesso à energia elétrica Além de todos os conflitos territoriais decorrentes da construção das barragens, e as

consequências na vida das mulheres atingidas, podemos apontar outro que resulta das contradições

5 Fomos orientadas a não tirar fotos no local.

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do modelo energético, que é o direito ao acesso a energia elétrica nas casas das famílias atingidas.

No Brasil, mais de 30 milhões de pessoas não tem acesso à energia elétrica em suas casas. Entres

estas estão muitas famílias que moram perto dos lagos das hidrelétricas, que precisam ser deslocadas

de suas terras para dar lugar às águas das represas em nome da necessidade de produzir energia,

enquanto muitas destas não tem energia elétrica em suas casas.

Para testemunhar o que estamos descrevendo, nas casas onde ficamos durante nosso trabalho

de campo em Rondônia, as famílias ainda usam a lamparina a querosene, as que tem energia nas

residências é de baixa qualidade, nos relataram que ficam mais dias do mês sem do que dias que tem

energia funcionando. Outro caso emblemático são a vilas ao redor da barragem de Tucurui/Pará, 25

anos após sua construção as famílias ainda não tem energia em suas casas. A poesia de uma mulher

atingida de Tucurui, retrata seu sentimento de indignação frente está situação (Anexo D).

A invenção da energia elétrica como uma tecnologia deveria ter a função de facilitar o

trabalho doméstico feito pelas mulheres, com a possibilidade do acesso a energia e também de bens

de consumo. Nas casas sem acesso a energia elétrica a jornada de trabalho é mais árduo, pois as

mulheres acabam gastando mais energia humana para suprir a falta desta tecnologia, que poderia

facilitar o trabalho, tais como: buscar água longe da casa, buscar lenha para fazer fogo, aquecer água

para o banho da família, preparar os alimentos a cada refeição, pois não há possibilidade de

conservá-lo. Além disso, sem o acesso à energia, a maioria destas populações tem mais dificuldades

de acesso aos meios de comunicação como, rádio, televisão, telefone.

Por outro lado, ainda como contradição deste modelo energético, as famílias brasileiras que

tem acesso a energia elétrica, pagam hoje a quinta maior tarifa do mundo, dando as empresas um

lucro extraordinário, já que o preço da energia é baseado no valor do petróleo. Além disso, a energia

é mais cara para o consumidor comum que para as grandes empresas. Por exemplo, a empresa

mineradora Vale paga 0,30 centavos por kW, enquanto o consumidor residencial paga por volta de

R$ 0,50, ou seja, cerca de quinze vezes mais. Com isso, muitas mulheres diminuem a comida da

mesa dos filhos, aumentam sua jornada de trabalho, para poder pagar a tarifa da energia todos os

meses.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O homem chega e já desfaz a natureza Tira a gente, põe represa, diz que tudo vai mudar [...] Debaixo d’água lá se vai a vida inteira Por cima da cachoeira a Gaiola vai sumir Vai ter barragem no salto do Sobradinho E o povo vai se embora com medo de se afogar

(Sá e Guarabira, Sobradinho)

A música popular de Sobradinho sinaliza que na construção e territorialização de uma

barragem ou represa, é o “homem”, e não a mulher, quem “chega” e “desfaz” a natureza para tirar a

“gente,” apontando a desigualdade entre os gêneros. Aos homens cabe a decisão política sobre a

construção das hidrelétricas.

Porém, depois de décadas de luta dos atingidos e atingidas do MAB, podemos dizer que são

muitas as experiências e historias que poderiam ser relatadas para provar que diante de uma obra “os

atingidos/as não vão embora com medo de se afogar.” Estes se organizam, lutam e resistem. Nestes

conflitos, as mulheres também lutam na defesa de seus territórios, não permitindo que suas vidas e

suas famílias sejam destruídas.

Apesar das mulheres estarem imersas nos processos hierárquicos, nas contradições das

relações de gênero e das desigualdades sociais, ainda assim lutam para obter os bens e condições que

necessitam para viver de forma digna. De acordo com a realidade as mulheres têm forte resistência

em abandonar suas casas, suas terras, desfazer as relações familiares e comunitárias, e por isso, são

elas que normalmente buscam formas criativas de enfrentar e defender os territórios. Abandonar

jamais, pelo menos, sem antes lutar.

Não se colocam em nível de superioridade, pois lutam lado a lado com os homens, com as

demais famílias, em processos organizativos nos quais enfrentam os preconceitos que historicamente

orientam a organização patriarcal e machista da sociedade.

A luta das mulheres atingidas por barragens tem sido de resistência, e isso, muitas vezes as

tem colocado em situações de enfrentar junto aos seus companheiros a força policial e a difamação

através dos meios de comunicação financiados pelas empresas. Nem por isso, elas desistem. Assim, a

resistência tem sido a forma de garantir algumas conquistas frente às empresas do setor elétrico que

constroem as barragens. Este fato é comprovado na afirmação da CDDPH de que a situação dos

atingidos e atingidas só não é pior em função da luta e organização do MAB, e as mulheres atingidas

são parte disso.

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Estes elementos provam que as mulheres, mesmo pressionadas pelas desigualdades sociais e

relações de gênero, a própria situação as obrigam a chegar de ser vítimas, passar a ser sujeitas

políticas. Assim, elas enfrentarem os conflitos criados pelo modelo energético, por mais que isso

tenha pouca visibilidade.

Ao desenvolver este trabalho, partido da experiência e acumulo do MAB e da luta de muitas

mulheres, verificamos na pratica, através da pesquisa de campo, as condições enfrentadas pelas

mulheres atingidas, concluindo que a principal tarefa das mulheres é serem protagonistas da sua

própria libertação.

Porém, com base nos dados levantados neste trabalho, em que os principais conflitos

enfrentados pelas mulheres atingidas, além dos marcados pela opressão de gênero, são os do

trabalho, tanto na divisão sexual do trabalho como na perda do trabalho que gera renda; da

participação política; da perda da convivência familiar e comunitária; da sexualidade, em especial a

violência e da prostituição; e do acesso a energia elétrica. Concluímos que estes são elementos que

devam ser trabalhados para facilitar sua superação.

Podemos afirmar que não é uma questão simples de resolver, por que isso depende do

conjunto das relações, considerando o pensamento de Safiotti (1987, 2004), que os seres humanos se

constroem nas relações sociais. Muito ainda temos a fazer, enquanto mulheres e em especial

enquanto organização, para construir relações sociais de igualdade e equidade de gênero. Mas este

desafio deve ser enfrentado no contexto da luta de classe.

Frente esta realidade desafiadora, ousamos enunciar como sugestão ao MAB, de imediato

desenvolver um plano de trabalho junto às mulheres atingidas, criando espaços próprios a elas, com a

necessidade da construção de uma pauta concreta para responder as demandas, na busca da garantia

dos direitos delas. Para tal, a mulheres atingidas precisam se organizar e lutar, tanto para ter

influência e garantir participação no MAB, quanto para consolidar seus direitos sociais, econômicos,

políticos e culturais enquanto atingidas e no conjunto da sociedade.

As mulheres atingidas, sujeitas de sua história, têm muitas e importantes tarefas pela frente.

Além de ter que batalhar, elas próprias, para construir novas relações de gênero, é necessário lutar

por mudanças estruturais na sociedade, que a partir do espaço existente, seja construído o território

livre de opressão de gênero e das desigualdades sociais.

Viva a luta das mulheres! – Mulheres, água e energia não são mercadorias!

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ANEXOS

ANEXO A – FOTOS ENCONTRO MULHERES DO MAB

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ANEXO B

CARTA FINAL DO I ENCONTRO NACIONAL DE MULHERES ATINGIDAS POR BARRAGENS

Brasília, 07 de abril de 2011 Mulheres atingidas por barragens, em luta por direitos e pela construção do projeto

energético popular

Carta Final do I Encontro Nacional de Mulheres Atingidas por Barragens

Nós, mulheres atingidas por barragens, trabalhadoras do campo e da cidade, representantes de 16 estados brasileiros6

e de três países, Argentina, Paraguai e México, reunidas em Brasília entre os dias 04 a 07 de abril de 2011, no Encontro Nacional das Mulheres - em luta por direitos e pela construção de um projeto energético popular, com o objetivo de denunciar os impactos sociais e ambientais do atual modelo energético, discutir nossos direitos e a necessidade de construção de um novo projeto energético popular, concluímos que:

Vivemos num modelo de sociedade capitalista, imperialista e patriarcal, onde as empresas transnacionais controlam a economia, se apropriando da natureza, das tecnologias, da força de trabalho, de nossos territórios, com um único objetivo, de acumular riquezas às custas da exploração dos trabalhadores, em especial das mulheres.

Este modelo de desenvolvimento força a hegemonia de um padrão de vida, baseado no individualismo, na competição, no consumismo, onde tudo se torna mercadoria, inclusive o corpo das mulheres. Este modelo é injusto e insustentável pondo em risco a vida do planeta e dos seres humanos.

Este modelo patriarcal, baseado na opressão e na violência contra as mulheres, faz com que nós mulheres, tenhamos uma dupla jornada de trabalho, onde os empregos destinados são os de menor prestígio e remuneração, além de nos exigir um padrão de beleza baseado no consumismo e na aparência, violando nossa auto-estima.

Somos atingidas por um modelo energético que viola os direitos humanos pois, a energia na atual sociedade é central para a reprodução do capital, que a utiliza como forma de acelerar a produtividade do trabalho da classe trabalhadora, com o objetivo de extrair e acumular o máximo de valor nas mãos dos grandes grupos capitalistas, onde o estado é o organizador desta forma de exploração, que planeja, financia, executa, cria as leis e dá a segurança necessária para favorecer os interesses do grande capital.

Por isso, denunciamos:

Com base nesse modelo de sociedade e no atual modelo energético, a violação dos direitos humanos das populações atingidas pela construção de barragens, afeta a vida das mulheres, onde:

• Não há o reconhecimento do trabalho doméstico e do campo; 6 Participaram do encontro 500 mulheres dos seguintes estados: RS, SC, PR, SP, MG, GO, MT, BA, ES,CE, PB, PE, TO, MA, PA e RO.

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• Pela perda do trabalho e da renda; • Pela ausência das mulheres nos espaços deliberativos; • Pela não qualificação das mulheres do campo para o trabalho urbano; • A forma autoritária e truculenta com que os funcionários das empresas tratam e discriminam

as mulheres; • Ausência de serviços básicos que inviabilizam a mobilização e a participação das atingidas; • Perda dos vínculos com a comunidade; • Perda e quebra dos laços familiares; • Agravamento da violência sexual e da prostituição.

Por isso propomos: Organizar todas as trabalhadoras (es), sobretudo, aquelas (es) que são atingidas (os) por barragens e por grandes obras de infra-estrutura;

Seguir avançando nos espaços de formação para que através do estudo possamos compreender o atual modelo energético e construir as formas de combatê-lo;

Estimular o protagonismo das mulheres, criando as condições para sua efetiva participação em todos os espaços de decisão política e do processo de organização e luta;

Construir a unidade da classe trabalhadora, a partir da articulação com as demais organizações, especialmente com as categorias e organizações de mulheres, dos eletricitários, dos petroleiros, dos trabalhadores da construção civil, com a Via Campesina, com a Assembléia Popular e com os demais povos da América Latina.

Por fim, nos comprometemos cada vez mais a fazer do Movimento dos Atingidos por Barragens, uma organização bonita, forte, com a participação das mulheres como protagonistas, dos homens, dos jovens e das crianças, fortalecendo a unidade nacional, fazendo a luta por nossos direitos e pela construção de um projeto energético popular.

Mulheres, água e energia não são mercadorias!

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ANEXO C

DIAGNÓSTICO NAS COMUNIDADES ATINGIDAS POR BARRAGENS – QUESTIONÁRIO EIXO GENERO

DIAGNÓSTICO NAS COMUNIDADES ATINGIDAS POR BARRAGENS

QUESTIONÁRIO7

Estado: ____________________________ Município: _________________________________________________

Comunidade: ______________________________ Rio/Bacia Hidrográfica:________________________________

Pessoa entrevistada:_____________________________________________________________________________

GÊNERO:

Família

a) Existe diferença entre as responsabilidades dos homens e das mulheres na família? Sim ( ) Não(

)Quais:__________________________________________________________________________

b) As mulheres da família participam de atividades comunitárias e sociais? Sim ( ) Não ( )

Quais: _________________________________________________________________________

c) As mulheres participam dos processos de organização, formação e luta dos atingidos por barragens? Sim (

) Não ( )

d) Os pais procuram educar os filhos de maneira que tanto os filhos como as filhas tenham oportunidades e

tarefas semelhantes? Sim ( ) Não ( )

e) As mulheres têm poder de definição econômica na família? Sim ( ) Não ( )

Comunidade

a) Quais os espaços que a mulher encontra na comunidade e junto a organizações populares para participar?

Movimento Social ( ) Clube de mães ( ) Grupo de Mulheres ( ) Grupo de Igreja/pastoral ( )

Grupo de produção ( ) Conselho de pais e Professores ( ) Não encontra espaço de participação ( )

Outro ( ) Qual?___________________________________________________________________________

b) Quais as principais tarefas das mulheres na comunidade?

Coordenação ( ) Liturgia ( ) Limpeza ( ) Alimentação ( ) Finanças ( ) Cuidado das crianças e idosos ( )

Outra ( ) Qual?

________________________________________________________________________________

c) Existe algum tipo de formação e informação a saúde das mulheres? Sim ( ) Não ( )

Quais:___________________________________________________________________________

7 O questionário do diagnostico, feito pelo MAB levantou informações sobre quatro eixos. Produção e ambiental, educação, cultura e gênero. Neste anexo só está o questionário do eixo gênero, pois foram elementos utilizados no capitulo um da monografia. Foi utilizado o metodologia da pesquisação.

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d) Existe algum tipo de formação e informação em relação às doenças sexualmente transmissíveis?

Sim ( ) Não ( )

Quais:_________________________________________________________________________

e) Sobre informação sobre doenças sexualmente transmissíveis: os homens participam dessas atividades: Sim

( ) Não ( ) Por

quê?________________________________________________________________________

f) As mulheres da comunidade participam de atividades culturais e esportivas? Sim ( ) Não ( )

Quais:___________________________________________________________________________

g) Que tipo de participação as mulheres gostariam de ter na comunidade?

Participação na diretoria/coordenação da comunidade ( ) Nas atividades de esporte e lazer ( ) Nas

atividades culturais ( ) Nas atividades religiosas ( ) Nas atividades de mobilização popular ( )

Outra ( )

Qual:___________________________________________________________________________

h) Os programas sociais, como a produção e venda de alimentos, poderia ser um bom espaço de participação

da mulher e de criação de renda da família? Sim ( ) Não ( )

i) O processo de formação em relação a produção (trabalho e renda) interessa as mulheres na comunidade?

Sim ( ) Não ( ) Quais Cursos?______________________________________________

j) Quais as influências que as mulheres sofrem com a construção da

barragem?________________________________________________________________________________

______________________________________________________________________

# Data da realização do questionário: _______________________________________________________________

# Local da realização do questionário: ______________________________________________________________

# Nome e telefone do pesquisador: ________________________________________________________________

Fonte: LUZ, 2011

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ANEXO D

POESIA

A INDIGNAÇÃO DE UMA MULHER Autora: Josiane Gaia Portilho Atingida pela barragem de Tucurui / Pará (Publicado em 24/06/2011 - 18:53 – SITE – MAB) Preste muita atenção para essa explicação Não é causo, não é piada, é a indignação Uma mulher atingida por tanta opressão. Vou contar-lhe esta história Que não é mentira não É a pura realidade Do fundo do coração. Você já teve que dividir seu almoço Para garantir de seu filho o jantar? - Eu já! E com certeza milhares de famílias também. Você já teve que deixar de almoçar Para dar a seu filho o que jantar? - Eu já! E com certezas milhares de famílias também. Você paga um alto preço pela utilização da energia elétrica? Na minha casa não tem energia não, E a barragem foi construída A poucos quilômetros de chão. Fico muito indignada, vendo passar o linhão. Chega de tanta opressão, Não vou viver na escuridão. Sem almoço, sem jantar, Eu não vou desanimar. O que me faz resistir e lutar É a vontade de mudar Esse modelo cego e capitalista Para um modelo energético popular. Obs: Josiane escreveu a poesia durante a realização do Encontro Nacional das Mulheres Atingidas, realizado em abril, 2011 - Brasília.