mulheres do campo e polÍticas voltadas para o ......enfrentamento à violência contra as mulheres...

12
1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA: UM ESTUDO COM O FOCO NAS AÇÕES DESENVOLVIDAS EM MINAS GERAIS Mariana de Lima Campos 1 Flávia de Paula Duque Brasil 2 Resumo: O trabalho tem como propósito evidenciar as especificidades do enfrentamento da violência contra a mulher considerando a realidade do meio rural. Diferentes questões fazem com que a interiorização de políticas e ações voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher do campo se torne um desafio. Dentre elas, estão as raízes histórico culturais das relações hierárquicas de poder e de gênero na sociedade, as características territoriais da realidade rural que levam à precariedade do acesso aos serviços públicos, além da desagregação e escassez de dados sobre o fenômeno neste contexto específico. A atuação mobilizatória, de contestação e de participação institucional das mulheres rurais ao longo dos anos permitiu um gradual reconhecimento de suas condições de vida, impactando inclusive no âmbito da formulação de políticas públicas voltadas às suas agendas e demandas. Propõe-se uma análise sobre as iniciativas governamentais existentes voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher do campo e a forma com vêm sendo desenvolvidas em Minas Gerais. Apresenta-se uma discussão sobre o papel e atuação dos movimentos sociais na formulação das políticas existentes no âmbito nacional, os entraves enfrentados para a efetividade das ações quando implementadas em âmbito subnacional e alguns pontos a serem considerados para o enfrentamento do problema. Palavras-chave: Mulheres do campo. Políticas públicas. Violência contra a mulher. 1 Introdução A violência contra a mulher tem constantemente feito parte da agenda dos movimentos de mulheres do campo que evidenciam ser preciso enfrentar fatores que estruturam as diversas formas de opressão e controle sobre a vida das mulheres por meio da desnaturalização das desigualdades de gênero, a construção de novas relações sociais que não se fundamentem na dominação, subordinação e invisibilidade da mulher, como também por meio de políticas públicas que se constituem como uma das únicas respostas possíveis do Estado para o enfrentamento do problema. Diferentes questões fazem com que a interiorização de políticas e ações voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres do campo se torne um desafio. Dentre elas, estão as raízes histórico culturais das relações hierárquicas de poder e de gênero na sociedade, as características territoriais da realidade rural que levam à precariedade do acesso aos serviços públicos, além da desagregação e escassez de dados sobre o fenômeno neste contexto. 1 Mestra em Administração Pública pela Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho - Fundação João Pinheiro (EG/FJP), Belo Horizonte, Brasil. 2 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho Fundação João Pinheiro (EG/FJP), Belo Horizonte, Brasil.

Upload: others

Post on 16-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

1

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA: UM ESTUDO COM O FOCO NAS

AÇÕES DESENVOLVIDAS EM MINAS GERAIS

Mariana de Lima Campos1

Flávia de Paula Duque Brasil2

Resumo: O trabalho tem como propósito evidenciar as especificidades do enfrentamento da violência

contra a mulher considerando a realidade do meio rural. Diferentes questões fazem com que a

interiorização de políticas e ações voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher do campo se

torne um desafio. Dentre elas, estão as raízes histórico culturais das relações hierárquicas de poder e de

gênero na sociedade, as características territoriais da realidade rural que levam à precariedade do acesso

aos serviços públicos, além da desagregação e escassez de dados sobre o fenômeno neste contexto

específico. A atuação mobilizatória, de contestação e de participação institucional das mulheres rurais ao

longo dos anos permitiu um gradual reconhecimento de suas condições de vida, impactando inclusive no

âmbito da formulação de políticas públicas voltadas às suas agendas e demandas. Propõe-se uma análise

sobre as iniciativas governamentais existentes voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher do

campo e a forma com vêm sendo desenvolvidas em Minas Gerais. Apresenta-se uma discussão sobre o

papel e atuação dos movimentos sociais na formulação das políticas existentes no âmbito nacional, os

entraves enfrentados para a efetividade das ações quando implementadas em âmbito subnacional e alguns

pontos a serem considerados para o enfrentamento do problema.

Palavras-chave: Mulheres do campo. Políticas públicas. Violência contra a mulher.

1 Introdução

A violência contra a mulher tem constantemente feito parte da agenda dos movimentos de

mulheres do campo que evidenciam ser preciso enfrentar fatores que estruturam as diversas formas

de opressão e controle sobre a vida das mulheres por meio da desnaturalização das desigualdades de

gênero, a construção de novas relações sociais que não se fundamentem na dominação, subordinação

e invisibilidade da mulher, como também por meio de políticas públicas que se constituem como uma

das únicas respostas possíveis do Estado para o enfrentamento do problema.

Diferentes questões fazem com que a interiorização de políticas e ações voltadas ao

enfrentamento da violência contra as mulheres do campo se torne um desafio. Dentre elas, estão as

raízes histórico culturais das relações hierárquicas de poder e de gênero na sociedade, as

características territoriais da realidade rural que levam à precariedade do acesso aos serviços públicos,

além da desagregação e escassez de dados sobre o fenômeno neste contexto.

1 Mestra em Administração Pública pela Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho - Fundação João Pinheiro

(EG/FJP), Belo Horizonte, Brasil. 2 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Escola de Governo Prof.

Paulo Neves de Carvalho – Fundação João Pinheiro (EG/FJP), Belo Horizonte, Brasil.

Page 2: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

2

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Sendo assim, o presente trabalho tem como proposta discutir as especificidades do

enfrentamento da violência contra as mulheres considerando a realidade do meio rural, buscando

apresentar as iniciativas governamentais existentes, o papel e a atuação dos movimentos de mulheres

do campo para a sua formulação e, a forma como tais iniciativas vêm sendo desenvolvidas no estado

de Minas Gerais. Desta forma, há a pretensão de evidenciar os principais entraves enfrentados para a

efetividade das ações quando implementadas em nível subnacional, e alguns pontos a serem

considerados para o enfrentamento do problema, tendo em vista a perspectiva de movimentos que

representam mulheres do campo.

Este trabalho resulta de uma dissertação de mestrado3 e constitui-se como um estudo

exploratório de natureza qualitativa. Como recursos metodológicos, além da revisão bibliográfica e

levantamentos documentais, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com integrantes da

Articulação de Mulheres do Campo de Minas Gerais e com responsáveis pela condução das

principais ações de enfrentamento à violência contra as mulheres do campo no estado4.

O artigo desenvolve-se em três seções, além desta introdução e considerações finais. Parte-se

de uma breve apresentação sobre a atuação coletiva das mulheres do campo no Brasil em busca do

reconhecimento de demandas e incidência nas políticas públicas por meio de mobilizações e de

interações com o Estado, considerando especificamente o seu papel e atuação na construção de

instrumentos nacionais voltados ao enfrentamento da violência contra as mulheres que residem em

áreas rurais. Em seguida, aborda como vem se dando o processo de implementação das iniciativas

desenvolvidas no estado de Minas Gerais que se confluem no funcionamento do Fórum Estadual de

Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de

Atendimento às Mulheres do Campo e da Floresta em situação de Violência. Especificamente

evidenciam-se, então, os principais desafios existentes para a efetividade das ações implementadas

em nível subnacional, e alguns pontos a serem considerados para o enfrentamento do problema na

3 O trabalho é fruto da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Administração Pública da

Escola de Governo Prof. Paulo Neves de Carvalho – Fundação João Pinheiro (EG/FJP), intitulada “Movimentos de

mulheres do campo e políticas públicas: uma análise do papel dos movimentos sociais em relação às iniciativas voltadas

ao enfrentamento da violência contra as mulheres em Minas Gerais”. 4 Foram realizadas entrevistas semi estruturadas individuais com lideranças de alguns movimentos de mulheres do campo

integrantes da Articulação de Mulheres do Campo de Minas Gerais (AMC), e com responsáveis pela condução das

principais ações de enfrentamento à violência contra as mulheres do campo no estado de Minas, sendo eles a Subsecretaria

de Políticas para as Mulheres do Estado de Minas Gerais (SPM-MG), a Associação dos Municípios da Microrregião do

Médio Jequitinhonha (AMEJE) e Secretaria de Assistência Social e Habitação (SEMAS) do município de Ponte Nova.

Foram contemplados os seguintes movimentos sociais, sindicais, organizações e redes que representam as mulheres do

campo de Minas Gerais: Coletivo de Mulheres Organizadas do Norte de Minas, Federação dos Trabalhadores da

Agricultura (FETAEMG), Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Minas Gerais (FETRAF-MG),

Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento do Graal no Brasil e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST).

Page 3: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

3

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

perspectiva de movimentos sociais e sindicais, organizações e redes que representam as mulheres do

campo em Minas Gerais.

2 Movimentos de mulheres do campo em interação com o Estado: a construção de instrumentos

para o enfrentamento da violência contra as mulheres

A luta e a mobilização das mulheres do campo se constituem como formas de chamar a

atenção da sociedade e do Estado sobre sua condição de vida e de violência historicamente

invisibilizados (DARON, 2009) na busca de soluções imediatas e simbólicas, que incidam sobre uma

perspectiva cultural de transformação das relações sociais, seus direitos à sobrevivência e a uma vida

sem violência. Organizadas, vem desenvolvendo lutas, campanhas e ações cotidianas de denúncia,

resistência e de caráter educativo para a superação de todas as formas de violência contra as mulheres

objetivando uma sociedade mais igualitária. A atuação mobilizatória, de contestação e de participação

institucional das mulheres rurais ao longo dos anos permitiu um gradual reconhecimento de suas

condições de vida, impactando inclusive no âmbito da formulação de políticas públicas voltadas às

suas agendas e demandas (SILIPANDRI; CINTRÃO, 2015)5.

Pode-se dizer que uma das formas mais notáveis de ação coletiva dos movimentos de mulheres

do campo atualmente é a Marcha das Margaridas, a qual pode ser considerada como uma das maiores

manifestações populares existentes atualmente no Brasil (SILVA, 2008). As diversas ações

mobilizatórias protagonizadas por trabalhadoras rurais em todas as regiões do país deram forma a

este novo repertório de interação Estado-sociedade6 moldado não só por manifestações de protesto,

como também de relacionamento com o aparato estatal. Dentre as questões tematizadas, a equidade

de gênero e a luta pelo enfrentamento da violência contra as mulheres são pautas permanentes desta

manifestação.

Atendendo as demandas e reivindicações dos movimentos de trabalhadoras rurais, foram

publicadas em 2011, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da

República (SPM-PR)7, diretrizes e ações nacionais de enfrentamento à violência acometida

5 Cabe destacar a importância da década de 1980 e da consolidação dos movimentos feministas e de mulheres no Brasil

para que houvesse condições para que se estruturassem movimentos específicos de mulheres rurais no país, que mesmo

já estando presentes nas lutas dos agricultores brasileiros, nem sempre tiveram suas perspectivas de luta reconhecidas.

Ver Deere (2004), Siliprandi (2015). 6 A noção de repertório de interação Estado-sociedade é utilizada nos termos de Abers, Serafim e Tatagiba (2014), que

indicam a possibilidade da existência de diversas formas de ação coletiva e interações socioestatais. Este repertório é

composto por um conjunto de ações que pode envolver desde a participação institucional, o protesto, o lobby, a ocupação

de cargos públicos, conflitos, contestações até práticas de diálogo e colaboração mútua, em que os movimentos sociais

combinam e transformam suas estratégias de ação de acordo com seus objetivos múltiplos. 7 Em decorrência da reforma ministerial ocorrida em 2015, as Secretarias Nacionais de Políticas para as Mulheres,

Igualdade Racial e Direitos Humanos da Presidência da República foram integradas e passaram a compor a estrutura de

Page 4: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

4

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

especificamente contra mulheres do campo e da floresta8. Pode-se dizer que estas diretrizes foram

resultado das ações mobilizatórias das mulheres rurais, como também de sua participação em canais

institucionais, tendo em vista que foram formuladas através da interação entre governo federal e

sociedade civil por meio do envolvimento dos principais movimentos e organizações das mulheres

do campo e da floresta do país, numa perspectiva de negociação e cooperação. As Diretrizes e Ações

de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta (BRASIL, 2011) retomam

a Política e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (BRASIL, 2011a;

2011b) e as ações previstas nestes instrumentos voltadas ao âmbito preventivo, de combate, atenção,

assistência, proteção e garantia de direitos às mulheres, bem como de ampliação e fortalecimento

das redes de enfrentamento à violência contra a mulher9.

Dentre as diretrizes para a implementação de ações voltadas para o enfrentamento da

violência contra as mulheres do campo e da floresta se destacam:

- Implementar ações que desconstruam os estereótipos de gênero e que modifiquem os

padrões sexistas, perpetuadores das desigualdades de poder entre homens e mulheres e da

violência de gênero de forma a contemplar as especificidades do campo e da floresta;

- Criar condições para a implementação da Lei Maria da Penha no campo e na floresta;

- Proporcionar às mulheres do campo e da floresta o atendimento humanizado, integral e

qualificado na rede de atendimento às mulheres em situação de violência;

- Garantir o acesso das mulheres do campo e floresta a todos os serviços da rede de

atendimento;

- Ampliar a capilaridade do atendimento às mulheres do campo e da floresta, por meio da

capacitação dos serviços especializados e não especializados da rede de atendimento à

mulher em situação de violência (em especial, os da rede de saúde e da rede sócio-

assistencial). (BRASIL, 2011, p.28).

Estas diretrizes somam-se à existência do Fórum Nacional de Enfrentamento à Violência

contra as Mulheres do Campo e da Floresta, criado em 2007 enquanto mais uma consecução das

reivindicações da Marcha das Margaridas, no sentido de ser um canal permanente de diálogo entre

um novo ministério, que passou a se chamar Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Em 2016,

no período de afastamento da presidenta Dilma Rousseff, este ministério foi rebaixado ao status de secretaria, submetida

ao Ministério da Justiça. Em 2017, o Ministério dos Direitos Humanos, criado pela medida provisória 768/17, passou a

incorporar as competências da secretaria ligada às políticas para as mulheres. 8 O conceito “mulheres do campo e da floresta” utilizado pela SPM-PR na elaboração de políticas públicas compreende

mulheres trabalhadoras rurais, mulheres que vivem no campo, na ruralidade e na floresta, agricultoras familiares,

extrativistas, catadoras de côco e babaçu e as seringueiras (BRASIL, 2011, p.10). 9 Entende-se que para o alcance de resultados satisfatórios no enfrentamento da violência contra as mulheres e aplicação

da Lei n.11.340/06 (Lei Maria da Penha) é essencial um atendimento em rede, intersetorial e interdisciplinar. A rede de

enfrentamento é uma rede de parceria e articulação dos governos em seus diferentes níveis e da sociedade civil para o

enfrentamento da violência buscando a garantia da integralidade dos atendimentos. É considerada como a dimensão que

possuí características de articular, projetar, formular, programar e implementar as ações e políticas, subsidiando a

consolidação de uma rede de atendimento nos estados e municípios que se responsabilize pela execução, implantação e

aplicação das ações, bem como o atendimento e encaminhamento das mulheres em situação de violência de forma

capilarizada frente a atuação de diferentes órgãos e serviços (PASINATO, 2015).

Page 5: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

5

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

a sociedade civil e representantes governamentais, na tentativa de “ampliar o alcance das políticas

públicas e adequá-las às realidades locais” (BRASIL, 2011, p.11).

As lutas das mulheres do campo e da floresta aliadas às iniciativas da SPM-PR junto ao Fórum

de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, na concepção de Daron

(2009, p.63), são alguns marcos fundamentais para o desvelamento e a tomada de posição para

transformar a realidade das mulheres do campo marcada por um cotidiano de violências. Para a

autora, a invisibilidade do fenômeno da violência contra estas mulheres se situa no contexto mais

amplo da sua condição e realidade ocultadas historicamente ao recorrentemente serem consideradas

“mão de obra invisível” na agricultura brasileira e por isso, sem reconhecimento profissional, bem

como, “sombra dos maridos” e, consequentemente, sem direitos de cidadania. Ressalta-se assim, que

as iniciativas existentes aqui apresentadas, vinham produzindo até então no país “um espaço inovador

no campo das políticas públicas para as mulheres, em especial às do campo e da floresta” (DARON,

2009, p.84).

Como forma de implementar as Diretrizes e Ações Nacionais citadas, destaca-se a criação

de Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo e da Floresta em Situação de Violência,

parte de uma tentativa de materializar as diretrizes do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência

contra as Mulheres de forma descentralizada nas áreas mais distantes dos serviços normalmente

oferecidos. Estas unidades são ônibus adaptados para levar às áreas mais remotas e afastadas dos

centros urbanos, onde residem populações com menores condições de acesso, os serviços

especializados da rede de atendimento às mulheres em situação de violência10, incorporados ao

Programa “Mulher, Viver sem Violência” da SPM-PR, no eixo referente à interiorização e

capilarização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.

O projeto das unidades móveis foi anunciado em 2011 pelo Governo Federal, vindo a se

concretizar enquanto uma também conquista da Marcha das Margaridas a partir de 2013. A proposta

seria que a partir desta iniciativa do governo federal, que durante um período também é responsável

pelos recursos para a manutenção das Unidades Móveis, os estados e municípios se encarregariam

pelo atendimento multidisciplinar, composto por profissionais de diferentes áreas, permitindo a

interação entre diferentes serviços, obedecendo a diretriz de corresponsabilidade entre os entes

federados do Programa “Mulher Viver sem Violência”. O planejamento, a articulação e o

monitoramento das ações das Unidades Móveis são atribuições dos Fóruns Estaduais de

10 As unidades móveis são equipadas com duas salas de atendimento, netbooks, impressoras multifuncionais (digitalização

de documentos e fotocópias), geradores de energia, ar condicionado, projetor externo para telão, toldo, 50 cadeiras, copa

e banheiro adaptados para a acessibilidade de pessoas com deficiência.

Page 6: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

6

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, a serem compostos por

representantes governamentais e da sociedade civil.

Tendo em vista as iniciativas existentes, percebe-se assim, que os movimentos de mulheres

do campo incidiram, sobremaneira, na política nacional de enfrentamento à violência contra as

mulheres, tendo um papel essencial para que, em diálogo com o governo em um determinado cenário

político, pudessem ser construídas diretrizes e ações nacionais direcionadas às singularidades da

violência acometida contra as mulheres que vivem no meio rural. Buscando uma análise empírica,

a seção seguinte apresentará a forma como estas iniciativas vêm sendo desenvolvidas em nível

subnacional considerando o contexto específico do estado de Minas Gerais.

3 O enfrentamento da violência contra as mulheres do campo em Minas Gerais

Apesar dos avanços constatados, em nível subnacional, quando considerado o contexto de

Minas Gerais, percebe-se que houve e ainda há de uma forma geral, uma falta de priorização na

implementação de políticas públicas voltadas para as mulheres do campo. Até o ano de 2015, pode-

se dizer que nitidamente o estado mineiro apenas se adequou a ações muito pontuais voltadas aos

direitos das mulheres, por meio de convênios estabelecidos entre a Coordenadoria Especial de

Políticas para as Mulheres de Minas (CEPAM) com o governo federal, em detrimento ao desenho de

políticas estaduais específicas aos seus desafios internos11. Em 2015, já no governo Pimentel (PT), a

CEPAM deixou de existir, dando lugar a então criada Subsecretaria de Políticas para as Mulheres

(SPM-MG) vinculada à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania do

governo de Minas Gerais (SEDPAC-MG). Alinhada com a Política Nacional de Políticas para as

Mulheres, a SPM-MG evidencia a pretensão de construir políticas de enfrentamento à violência

contra as mulheres e de promoção da sua autonomia econômica. Entretanto, ao direcionar as análises

às mulheres do campo do estado, percebe-se ainda um desafio para que as suas necessidades possam

ser traduzidas em termos de políticas. Atualmente, as iniciativas existentes voltadas especificamente

ao enfrentamento da violência contra as mulheres do campo em Minas Gerais, resumem-se à

existência do Fórum Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo, da

11 Esta constatação baseia-se nas informações disponíveis no relatório existente das “principais ações e resultados das

políticas públicas para mulheres implementadas pela Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Mulheres –

CEPAM, no período 2007-2014, e ações a serem executadas em 2015”, elaborado pela CEPAM/Secretaria de Estado de

Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) (MINAS GERAIS, 2015).

Page 7: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

7

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Floresta e das Águas, composto por representantes governamentais e da sociedade civil, e de três

Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo e da Floresta em Situação de Violência.

O Fórum Estadual, criado em 2016 e coordenado pela SPM-MG, é uma iniciativa incipiente,

mas um avanço na medida em que consiste em um canal de interlocução com o Estado considerado

importante por diferentes movimentos e organizações que representam as mulheres do campo do

estado. A sua criação é uma consecução da ação e interação das mulheres do campo com o governo

de Minas por meio da Articulação de Mulheres do Campo de Minas Gerais12, e evidencia um

exemplo de como estas mulheres vem tendo, em um período recente, diante de um governo que

propôs o início de uma gestão mais “participativa”, um progressivo reconhecimento pelo poder

público estadual enquanto atores coletivos, ainda que, por hora, não se possam evidenciar

significativas absorções e traduções de suas demandas pelo Estado.

O Fórum Estadual pode ser considerado como uma oportunidade política de participação

institucional das mulheres do campo, praticamente inexistente em Minas Gerais até 2015, para

tematizarem suas questões e dialogarem sobre as ações relativas ao enfrentamento da violência contra

as mulheres do campo. Uma das funções atribuídas ao Fórum Estadual é versar sobre as discussões,

o planejamento e o monitoramento das ações relativas às Unidades Móveis de Atendimento às

Mulheres do Campo e da Floresta em Situação de Violência, localizadas em Belo Horizonte, Ponte

Nova e na região do Vale do Jequitinhonha, na cidade de Araçuaí. De uma forma geral, pode-se dizer

que as ações das diferentes Unidades Móveis são empreendidas de formas pontuais e não articuladas,

no sentido de levar informações sobre os direitos das mulheres, sobre a Lei Maria da Penha e sobre

os serviços de acolhimento e atendimento disponíveis nos municípios que abrangem as comunidades

atendidas. As Unidades Móveis enfrentam dificuldades comuns para encampar ações mais eficazes

no estado de Minas Gerais, dificuldades estas, brevemente apresentadas a seguir.

12 Mesmo com identidades e pautas específicas, os movimentos, organizações e redes que representam estas mulheres em

Minas Gerais se articulam desde meados de 2006, compondo uma agenda unificada de luta por direitos. O estabelecimento

deste vínculo as permite partilhar uma identidade coletiva que se apresenta como estratégia de visibilidade e busca pelo

reconhecimento em relação ao Estado. Fazem parte a Articulação Metropolitana da Agricultura Urbana (AMAU),

Coletivo de Mulheres Organizadas do Norte de Minas, Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas

(CODECEX), Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAEMG), Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras

na Agricultura Familiar (FETRAF), Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo) –

Coordenação Estadual das Mulheres Quilombolas, Grupo de Trabalho sobre Gênero e Agroecologia (GT Gênero) da

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento de Mulheres da Zona

da Mata e Leste de Minas, Movimento do Graal no Brasil, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Page 8: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

8

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

4 Entraves enfrentados para a efetividade das ações em âmbito subnacional e alguns pontos a

serem considerados para o enfrentamento do problema na perspectiva dos movimentos sociais

O estabelecimento do enfrentamento da violência contra as mulheres no meio rural esbarra

em alguns desafios que evidenciam a complexidade que envolve este tema. Dentre os entraves

enfrentados no estado de Minas Gerais para que as Unidades Móveis possam encampar ações mais

eficazes, destacam-se algumas questões operacionais como a falta de uma equipe própria e de

referência para a condução das ações, a limitação existente de recursos para manutenção e

abastecimento dos ônibus e a necessidade de capacitação dos profissionais da “ponta” no que se

refere ao enfrentamento da violência contra as mulheres.

Nota-se uma preocupação geral associada a este último entrave por dois motivos.

Primeiramente por resvalar na dificuldade enfrentada, por exemplo, pelos agentes de Ponte Nova e

Araçuaí em sensibilizar os municípios próximos para que possam assumir também a condução das

ações dos ônibus, com equipes e recursos próprios. A realidade é que a maioria dos pequenos

municípios não possuem profissionais para dar o suporte adequado para as atividades tão pouco

profissionais que lidem com o tema da violência contra a mulher em uma perspectiva de gênero ou

que compreendam sua importância. Em segundo lugar, a forma como o tema é tratado nos

municípios é algo que tem impacto direto na efetividade das ações das Unidades Móveis por

requererem essencialmente como base, o fortalecimento e a articulação de redes locais de

enfrentamento à violência a partir de uma mobilização intersetorial dos serviços de atendimento13

dos municípios abrangidos, tendo em vista que é o que “fica” para as mulheres do campo após as

visitas realizadas pelas Unidades nas comunidades rurais.

Apesar das Unidades Móveis serem uma importante conquista para que a informação e as

possibilidades de atendimento em relação à violência contra a mulher possam chegar às áreas rurais,

é evidente que sejam insuficientes para atender a demanda existente em todo o território mineiro, que

envolve 853 municípios. Evidencia-se assim, a atenção necessária em relação à articulação e à

estruturação de redes de enfrentamento não apenas nos municípios das localidades atendidas - para

que as Unidades Móveis possam de fato ter subsídios para desempenhar o papel a que lhe foi atribuído

-, como também aos demais municípios e localidades do estado não abrangidas por estas ações, para

que exista a possibilidade de que as mulheres do campo possam ter o direito de vislumbrar mínimas

condições de atendimento diante de situações vivenciadas de violência em suas comunidades, tendo

13 Os serviços de atendimento são concernentes às áreas de segurança pública, assistência social, sistema de saúde e

justiça, por exemplo.

Page 9: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

9

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

em vista as distâncias e condições de invisiblidade em que ainda vivem no meio rural. Este ponto,

bastante ressaltado pelos movimentos de mulheres do campo, converge de certa forma com a

perspectiva da SPM-MG no que se refere à metodologia de ação14 pensada para as Unidades Móveis

e que tem progressivamente tentado ser posta em prática pela equipe desta secretaria nas

proximidades de Belo Horizonte, apesar de ainda serem conduzidas ações pontuais e de todas as

limitações operacionais evidenciadas.

Ao analisarmos a forma de condução das ações das Unidades Móveis em Minas Gerais,

evidencia-se ainda, um problema de coordenação federativa existente no processo de implementação

da iniciativa, podendo-se questionar o papel do ente federado estadual como articulador de uma

política. Percebe-se que a União descentraliza um recurso, disponibiliza um bem e se

“desresponsabiliza” pela condução de suas ações em nível subnacional. Pode-se dizer, entretanto, que

o estado não assume a parcela que lhe cabe ao se eximir, de certa forma, da responsabilidade que lhe

cumpriria de acompanhar as ações dos serviços e de um papel de elo na articulação que deveria existir

de forma mais efetiva entre as três unidades móveis localizadas em Minas Gerais. Caberia ao estado,

por exemplo, buscar meios de minimizar alguns dos principais gargalos que se evidenciam ao

enfrentamento da violência contra as mulheres do campo, como negociar parcerias entre os

municípios que poderiam receber as unidades móveis nas diferentes regiões por meio de consórcios

ou oferecer capacitação para as equipes e profissionais da ponta em relação ao tema em parceria com

universidades, por exemplo. Entretanto, o que se percebe é um “descomprometimento” em articular

de uma forma mais objetiva estas ações, delegando unicamente aos municípios a atribuição de lidar

com os inúmeros desafios que enfrentam para tratar do tema da violência contra as mulheres do

campo.

A despeito dos entraves para a condução das ações das Unidades Móveis em Minas Gerais,

destacam-se algumas particularidades considerando principalmente as repercussões advindas dos

vínculos estabelecidos com movimentos sociais e organizações de mulheres. Percebe-se que onde há

estas relações e processos de auto-organização, as ações são conduzidas de uma forma mais

congruente com os objetivos de criar mecanismos mais amplos em nível local para o enfrentamento

da violência contra as mulheres para além de ações pontuais, a exemplo dos esforços empreendidos

em se criar debates, conselhos municipais dos direitos da mulher e a busca de articulação entre

14 A metodologia proposta pela SPM-MG, valoriza a articulação dos serviços disponíveis às mulheres em situação de

violência nas localidades atendidas pelas Unidades Móvel e a difusão de informações sobre o tema, como forma de

subsidiar possibilidades para que esta mulher possa procurar o acolhimento e o atendimento adequado nos municípios

mais próximos depois das visitas.

Page 10: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

10

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

serviços públicos municipais para um atendimento intersetorial e em rede, tal como pôde ser

evidenciado em Araçuaí15.

Analisando de uma forma geral as iniciativas existentes em Minas Gerais, diante dos entraves

elencados, pode-se dizer que as mulheres do campo são silenciadas cotidianamente diante das

especificidades de suas condições de vida no meio rural, onde a violência vivenciada se torna invisível

e em grande parte das vezes, naturalizada. Este silenciamento que se dá não só no âmbito das relações,

como também por parte do Estado ao não priorizar até os dias de hoje em suas ações e orçamento, o

desenho de políticas específicas voltadas aos seus desafios internos, conduzindo ações pontuais que

demonstram apenas o rebatimento de políticas federais quando considerado o tema do enfrentamento

da violência contra as mulheres do campo, ações estas que infelizmente não se mostram suficientes.

Nesse sentido, se mantém as relações de violência contra as mulheres que vivem no meio rural, que

continuam a enfrentar dificuldades em acessar os serviços de atendimento ou quando conseguem este

acesso, possuem, muitas vezes, um acolhimento e tratamento não adequados por parte de muitos

agentes públicos municipais responsáveis.

No que se refere aos pontos a serem considerados para o enfrentamento do fenômeno da

violência contra as mulheres que vivem no meio rural, evidenciam-se cinco questões centrais a partir

das entrevistas, tematizadas pelos movimentos de mulheres do campo: 1) a necessidade e relevância

do estabelecimento de processos de auto-organização por parte das mulheres no campo que reforcem

sua conscientização sobre o tema, a desnaturalização da violência, o seu fortalecimento e

empoderamento; 2) políticas de promoção da autonomia econômica e protagonismo das mulheres; 3)

aprimoramento dos serviços existentes de atendimento às mulheres, como também na dimensão da

denúncia e da punição dos agressores; 4) a sensibilização e a capacitação profissional continuada em

relação às questões de gênero e a violência contra a mulher; e 5) considerar a educação como

instrumento de transformação social capaz de desconstruir valores e práticas assentadas na

desigualdade de gênero.

5 Considerações Finais

15 Referência à articulação da Associação dos Municípios da Microrregião do Médio Jequitinhonha (AMEJE) com

organizações como o Polo Regional da FETAEMG do Baixo e Médio Jequitinhonha, Associação das Mulheres

Organizadas do Vale do Jequitinhonha (AMOVAJE), Movimento do Graal no Brasil e com o Fórum da Mulher do

Jequitinhonha, que é um espaço de interação entre associações, grupos e entidades de representação femininas que atuam

nos diferentes territórios da região, vinculado ao Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha e ao Núcleo de

Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG.

Page 11: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

11

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Quando considerado o fenômeno da violência contra as mulheres tendo em vista as

especificidades da realidade rural e as possibilidades de que pensemos formas para o seu

enfrentamento, nota-se ao longo dos últimos anos uma trajetória de avanços, destacando-se,

sobremaneira, a incidência dos movimentos de mulheres do campo na formulação de iniciativas

nacionais, por meio de diferentes formas de ação coletiva que incluem um repertório diverso de

interação com o Estado, envolvendo não só protestos, como diálogo e participação institucional.

Entretanto, ao analisarmos como vem se dando o desenvolvimento em nível subnacional das

iniciativas hoje existentes, considerando especificamente o estado de Minas Gerais, evidenciam-se

alguns desafios existentes para a efetividade das ações. Tais dificuldades decorrem de questões

operacionais, mas também apontam para questões mais amplas que perpassam essencialmente pela

invisibilidade do fenômeno da violência diante do enraizamento das desigualdades de gênero no

âmbito das relações sociais, bem como pelas características territoriais da realidade rural que levam

à precariedade do acesso das mulheres do campo aos serviços de atendimento, tendo em vista

principalmente as distâncias existentes entre as moradias, comunidades e municípios em que se

localizam os serviços e equipamentos públicos.

Nesse sentido, as alternativas parecem perpassar, dentre outras questões, pela importância dos

processos de mobilização e organização das mulheres, bem como do acesso à informação, para que

se reforce a conscientização sobre o tema e sua desnaturalização. Além disso, ressalta-se a

necessidade de ações de sensibilização e de capacitação profissional em relação às questões de gênero

e à violência contra as mulheres para que se reforce a necessidade de um trabalho articulado e em

rede em nível municipal, para além das ações pontuais das Unidades Móveis presentes em Minas

Gerais, que infelizmente, não se mostram suficientes para o atendimento da demanda e das

necessidades das mulheres do campo em todo o estado. Desta forma, é necessário que se direcionem

reflexões, sobretudo, ao papel do governo estadual enquanto um ator articulador central e suas

prioridades em termos de políticas públicas no que se refere não só ao reconhecimento, mas também

nas possibilidades de ação para a garantia dos direitos das mulheres do campo a um bem viver e a

uma vida sem violência.

Referências

ABERS, Rebecca.; SERAFIM, Lizandra.; TATAGIBA, Luciana. Repertórios de Interação Estado-

Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula. DADOS – Revista de Ciências

Sociais, Rio de Janeiro, vol.57, no 2, 2014, p.325-357.

Page 12: MULHERES DO CAMPO E POLÍTICAS VOLTADAS PARA O ......Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e das Unidades Móveis de Atendimento às Mulheres do Campo

12

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Mulheres do

Campo e da Floresta: diretrizes e ações nacionais. Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à

Violência contra as Mulheres, 2011.

______. ______. ______. Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres.

Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011a.

______. ______. ______. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres.

Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011b.

DARON, Vanderléia L. P. Um grito lilás: cartografia da violência às mulheres do campo e da floresta.

Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2009.

PASINATO, Wânia. Oito anos de Lei Maria da Penha. Entre avanços, obstáculos e desafios. Estudos

Feministas, Florianópolis, 23(2): 533-545, mai-ago, 2015.

SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas./

Emma Siliprandi. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015. 352 p.

______.; CINTRÃO, Rosângela. Mulheres rurais e políticas públicas no Brasil: abrindo espaços para

o seu reconhecimento como cidadãs. In: Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil / Catia

Grisa e Sergio Schneider (org). – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015.

SILVA, Berenice G. A Marcha das Margaridas: resistências e permanências. Dissertação

(Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

Rural women and public policies aimed at coping with violence: a case study focused on the

actions developed in Minas Gerais

Astract: The purpose of this study is to highlight the specificities of coping with violence against women

considering the reality of the rural context. Different issues make it difficult to implement policies and

actions to address violence against rural women. Among them are the historical cultural bases of

hierarchical relations of power and gender in society, the territorial characteristics of rural reality that lead

to the precariousness of access to public services, as well as the disaggregation and scarcity of data on the

phenomenon in this specific context. The mobilization, contestation and institutional participation of rural

women over the years has allowed a gradual recognition of their living conditions, impacting in the scope

of the formulation of public policies focused on their agendas and demands. This study proposes an

analysis of existing governmental initiatives aimed at addressing violence against women in the

countryside and how they have been developed in Minas Gerais, as part of a research in the final phase of

development. It presents a discussion about the role and action of social movements in the formulation of

existing policies at the national level, the obstacles faced for the effectiveness of actions when

implemented at the subnational level and some points to be considered to reduce the problem.

Keywords: Rural Women. Public Policy. Violence against Women