mulheres a gerar energia - womin.org.za · a womin agradece aos seguintes financiadores e...

48
1 Mulheres a Gerar Energia Rumo à Justiça Climática e Energética para as Mulheres em África

Upload: dinhdien

Post on 13-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

Mulheres a Gerar EnergiaRumo à Justiça Climática e Energética

para as Mulheres em África

EditoraWoMin – Aliança Africana para Questões de Género e ExtractivismoPostnet Suite 16, Private Bag X4, Braamfontein, 2017, Johannesburg, South AfricaTelefone: +27 (11) 339-1024Email: [email protected]

Este livreto foi publicado em Outubro de 2016

Utilização livreEste é um recurso de livre acesso sem direitos autorais. As organizações são convidadas a fazer uso destes recursos desde que citem a WoMin como fonte.

AgradecimentosA WoMin agradece aos seguintes financiadores e parceiros: Both Ends, Bread for the World, Fundação Ford e Fundação Open Society.

Co-authors: Mela Chiponda, Dorothy Guerrero and Samantha Hargreaves

Contributors: Muna Lakhani and Liziwe McDaid

Revisores: Muna Lakhani

Editora: Shamim Meer

Tradução: Erika Mendes

Design e ilustrações: Sally Whines

Fotografia: Todas as fotografias são da Wikipedia

Missão principalA missão principal da WoMin é:

• apoiar a construção de movimentos de mulheres que desafiem o extractivismo destrutivo

• propor alternativas de desenvolvimento que dêem resposta à maioria das necessidades das mulheres Africanas.

A nossa abordagemA nossa abordagem para fazer a mudança acontecer inclui:

• educação política

• pesquisa participativa

• campanhas lideradas por mulheres e conduzidas pela base

• construção de movimentos de mulheres e alianças

• solidariedade.

O nosso focoAs nossas áreas focais são:

• energia de combustíveis fósseis e justiça climática

• extractivismo, militarização e violência contra as mulheres

• direitos das mulheres, consentimento e tomada de decisões sócioeconómicas democratizada.

A WoMin é uma aliança Africana para questões de

género e extractivismo. Trabalhamos com mais de 50

aliados em 14 países da África Ocidental, Oriental e Austral.

1

Introdução ...............................................................................................................................2

Secção 1: Desvendando o sistema energético e as suas grandes falhas ................................... 4

Secção 2: Fontes de energia e os impactos da extracção ...................................................... 11

Secção 3: A economia, a energia e os limites de um modelo de desenvolvimento orientado para o crescimento .................................................... 18

Secção 4: Mudanças climáticas, a situação de emergência planetária e a experiência de África ............................................................................................ 22

Secção 5: Encontrando soluções justas para a pobreza energética e os impactos das mudanças climáticas ...................................................................................... 33

Secção 6: Sistemas energéticos transformados por uma perspectiva Africana ecofeministaa ......................................................................................... 36

Secção 7: Construir o movimento por uma transição justa quanto ao género ....................... 41

Índice

COP Conferência das Partes

CVF Fórum de Vulnerabilidade Climática

GCF Fundo Verde do Clima

GEE Gases de Efeito de Estufa

IFI Instituições Financeiras Internacionais

FMI Fundo Monetário Internacional

INDC Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida

IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

NASA Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço

ONG Organização Não Governamental

NOAA Administração Nacional Oceânica e Atmosférica

PAE Programa de Ajustamento Estrutural

ODS Objectivo de Desenvolvimento Sustentável

SE4All Energia Sustentável para Todos

CTN Corporação Transnacional

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

CQNUAC Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas

WBCSD Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável

OMS Organização Mundial da Saúde

OMC Organização Mundial do Comércio

Glossário de termos

2

Introdução

O actual sistema de energia é injusto, desigual e resulta na pobreza energética da grande maioria da população de África. As mulheres são particularmente afectadas pelos efeitos sociais e ambientais nocivos devido ao seu trabalho no cuidado de outras pessoas e no suprimento das necessidades das suas famílias.

O sistema energético vigente precisa de mudar para que as mulheres e as comunidades possam gozar de vidas mais saudáveis e mais completas. As mulheres em comunidades, em movimentos, em outras organizações da sociedade civil e como activistas individuais podem trabalhar em conjunto para mudar esta situação. Podemos nos unir e construir um movimento pela mudança.

No entanto, para consegui-lo, necessitamos de informação, capacidades e ferramentas. Precisamos de compreender o sistema para poder transformá-lo.

Neste artigo, o primeiro de uma série popular, reflectimos sobre formas de compreender o actual sistema energético de maneira a fortalecer as nossas acções para transformá-lo. O artigo faz parte do centro de conhecimento do Mulheres a Gerar Energia no âmbito de uma campanha que busca apoiar a construção e organização de movimentos de mulheres rumo a um futuro no qual as mulheres Africanas possam desfrutar de justiça climática, energética, alimentar, de género e de desenvolvimento. Embora a campanha seja liderada pela WoMin, esta não pertence à WoMin, pertencerá sim às organizações participantes.

Esta campanha está enraizada em lutas de base lideradas por mulheres e está a ser construída em quatro países – República Democrática do Congo (RDC), Nigéria, África do Sul e Uganda. A campanha continuará a decorrer em 2017, momento em que quatro novos países juntar-se-ão à campanha. Para saber mais sobre a campanha consulte a Secção 7 deste artigo.

Este artigo está estruturado da seguinte forma:

Na Secção 1 desvendamos quão desigual e injusto é o actual sistema energético, e analisamos as razões para que assim o seja. Analisamos os impactos do actual sistema energético no meio ambiente e nas pessoas, e particularmente nas mulheres. Enfatizamos que hoje em dia, na África Subsaariana, uma grande quantidade de pessoas não tem acesso a uma energia segura, limpa e economicamente acessível.

Na Secção 2 reunimos informação sobre fontes de energia não-renováveis e renováveis, ressaltamos os efeitos extremamente nocivos da extracção das principais fontes de energia não-renovável – carvão, petróleo, gás natural e urânio – e discutimos as vantagens de uma transição para as energias renováveis como a solar, hídrica, eólica e o biogás.

Na Secção 3 fazemos uma breve viagem ao passado colonial de África, o desenvolvimento da indústria, e acompanhamos a mais recente adopção, por parte das potências mundiais, de políticas neoliberais que alimentam um modelo de desenvolvimento designado de “mau desenvolvimento”. Realçamos que este modelo é prejudicial para a maioria da população do planeta e para a maioria de África porque é focado na geração de lucro para alguns, desconsiderando as necessidades da maioria. Observamos que este modelo de desenvolvimento económico, que coloca o lucro acima das pessoas e do planeta, molda o actual sistema energético injusto. Exploramos como, neste modelo de desenvolvimento, novas formas de opressão das mulheres forçam-nas a trabalhar em benefício dos homens e das elites.

SECÇÃO 1

SECÇÃO 2

SECÇÃO 3

3

Na Secção 4 analisamos a questão das mudanças climáticas, as suas ligações com o sistema energético injusto, e alguns dos aspectos chave que devem ser explorados para que possamos desenvolver soluções tanto para as mudanças climáticas como para o sistema energético actual. Chamamos a atenção para os impactos catastróficos das mudanças climáticas na saúde, nos meios de subsistência e no bem-estar das populações em África e das mulheres em particular. Analisamos a forma como as grandes corporações impõem os seus interesses e agendas nas discussões sobre mudanças climáticas das Nações Unidas (ONU), fazendo com que aparentem ser os campeões do meio ambiente enquanto na verdade estão a trabalhar arduamente para garantir os seus lucros, enquanto a sua produção geradora de poluição permanece inalterada. Observamos como as mudanças climáticas atingem de forma mais severa os menos responsáveis pela criação desta crise. As populações mais ricas do Norte Global são responsáveis por 80% dos gases de efeito de estufa (GEE) que causaram as mudanças climáticas. Mas são as populações mais pobres do Sul Global que enfrentam os piores impactos das mudanças climáticas. Frisamos que as soluções devem ser centradas nas pessoas, comunitárias, conduzidas por mulheres e moldadas por processos descentralizados de tomada de decisões.

Na Secção 5 focamo-nos na necessidade de encontrar novas formas de lidar com a pobreza energética que sejam justas e equitativas, e que não explorem as pessoas nem o meio ambiente. Necessitamos de procurar soluções que forneçam energia segura, limpa e acessível à maioria das pessoas do planeta. Necessitamos de fazer uma transição para um sistema energético baseado nas energias renováveis. Necessitamos de garantir que o sistema de produção de energia limpa não explora os trabalhadores. E necessitamos de garantir que as energias limpas não serão usadas para criar mais produtos supérfluos que acabam em aterros sanitários e criam mais poluição. Isto tudo significa que a transformação do sector energético deve estar no cerne da acção global. Significa que devemos garantir que as comunidades e as mulheres rurais são centrais na tomada de decisões. E significa que temos de reverter o poder das grandes corporações.

Na Secção 6 focamo-nos no que é necessário para construir um movimento Africano ecofeminista por justiça climática e energética. Sugerimos a importância de uma abordagem da Transformação Energética que exige que as mulheres Africanas – a maioria das mulheres mais afectadas pela pobreza energética – sejam ouvidas, participem e assumam um papel de liderança na tomada de decisões, no controlo e na governança de questões de energia em todos os níveis – do local ao global. Esta abordagem exige que as mulheres participem de forma equitativa com os homens no planeamento de futuros sistemas energéticos. Desafia a captura corporativa do sistema energético. E avança também o planeamento estatal do fornecimento de energia, bem como do seu uso, desenvolvimento, mitigação das mudanças climáticas e segurança nacional.

Na Secção 7 reunimos os argumentos chave do artigo. Salientamos que existe uma necessidade urgente de mudança para outro sistema de produção e uso de energia. O foco deve passar para o fornecimento de energia barata ou gratuita. Precisamos de uma mudança em relação às decisões em torno de qual é a energia que necessitamos, onde ela é necessária, para que fim será utilizada e que tipo de energia é. Precisamos de uma mudança em relação a quem toma estas decisões. E precisamos de uma mudança profunda na forma como pensamos sobre desenvolvimento, para que as pessoas e os cuidados com os outros estejam no centro deste desenvolvimento. As pessoas comuns, e principalmente as mulheres, os camponeses e a classe trabalhadora e seus representantes, devem ser os tomadores de decisões. A menos que tomemos estas medidas, as mulheres pobres e da classe trabalhadora de África e do resto do mundo não poderão desfrutar de uma energia segura, limpa ou acessível.

SECÇÃO 4

SECÇÃO 5

SECÇÃO 6

SECÇÃO 7

4

Nesta secção, analisamos o actual sistema energético. Desvendamos quão desigual e injusto este sistema é e observamos os seus impactos nas comunidades e nas mulheres em particular.

Analisamos o sistema energético no contexto da actual agenda global económica atroz. O foco desta agenda é o lucro, com pouca preocupação em relação aos danos causados às pessoas, ao meio ambiente ou ao planeta. Aqueles que se preocupam com a justiça, com uma justa distribuição de recursos e com os direitos das mulheres e dos homens designam a presente agenda económica de “mau desenvolvimento”.

O “mau desenvolvimento” é um processo de desenvolvimento que não supre as necessidades humanas e sociais da maioria da população. Tem-se traduzido na pilhagem dos recursos naturais de África, numa degradação ambiental e usurpação de terras extremas, e na marginalização dos camponeses e das mulheres.

As mulheres são expostas aos danos ambientais de um sistema energético do qual elas não beneficiam. A maioria das mulheres pobres vive naquilo que designamos de pobreza energética. Elas não têm acesso adequado a uma energia segura, limpa e economicamente acessível. Elas são expostas aos impactos na saúde provenientes dos combustíveis que utilizam para a cozinha e iluminação. São expostas à poluição das minas, dos combustíveis fósseis e das centrais nucleares.

O sistema energético desigual e injustoA forma como actualmente produzimos, distribuímos e consumimos energia é insustentável, injusta e nociva para as comunidades, os trabalhadores, o meio ambiente e o clima. Por todo o mundo, aproximadamente 1,3 biliões de pessoas – ou um quinto da população do planeta – ainda vive sem ter acesso a uma fonte segura e local de energia limpa.1

SECÇÃO 1 Desvendando o sistema energético e as suas grandes falhas

http://www.action4energy.org/img/map.png

1 Energia Sustentável para Todos (SE4All) (2015) Progress Towards Sustainable Energy 2015, http://www.se4all.org/sites/default/files/GTF-2105-Full-Report.pdf

5

A maioria da população de África vive sem acesso a uma fonte de energia limpa, segura e economicamente acessível. Isto ocorre a despeito de África ser rica em depósitos minerais e de petróleo, e de possuir fontes abundantes de energia limpa e segura como a solar, eólica e hídrica.

A falta de acesso a fontes de energia segura é uma grande limitação ao desenvolvimento pessoal, social e económico de África e de outras partes do mundo. A inexistência de uma energia segura e adequada limita o desenvolvimento económico, restringe as possibilidades de vida das pessoas e deixa milhões de pessoas na pobreza extrema. A falta de energia das populações em África é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento e à prosperidade no continente.

A electricidade é uma importante forma de energia em todo o mundo, predominantemente utilizada por pequenas empresas, grandes corporações, e a população de classe média dos centros urbanos, que utilizam a electricidade para cozinhar, aquecimento, refrigeração, entre outros. Embora a electricidade ofereça um benefício pessoal àqueles que têm acesso a ela e importantes benefícios de desenvolvimento – electrificação de hospitais e escolas, por exemplo – existem graves problemas na forma pela qual é produzida, utilizada e distribuída.

A electricidade é uma fonte de energia secundária, o que significa que é gerada através da conversão de fontes primárias de energia como os combustíveis fósseis (carvão, gás natural, petróleo), energia nuclear e fontes renováveis (eólica, hídrica, solar, geotérmica). Veja a Secção 2 para uma discussão mais aprofundada sobre as diferentes fontes de energia, e os respectivos custos e benefícios. É importante frisar que justiça energética para os Africanos não significa apenas um acesso equitativo à electricidade. A nossa medida de sucesso não deverá ser o facto de todos terem electricidade fornecida por meio de redes nacionais não confiáveis e de grande desperdício. A justiça energética pode ser alcançada ao satisfazer as necessidades de energia por meio de uma combinação de tecnologias micro e de pequena escala (implementadas a nível familiar e comunitário ou colectivo) e por meio de uma electricidade fornecida em redes de pequena, média e grande escala conforme necessário. Baseamo-nos em estatísticas e análises que tratam especificamente de quem tem ou não acesso à electricidade. No entanto, isto não significa que acreditamos que acesso à electricidade é o mesmo que justiça energética. Veja as Secções 5 e 6 para uma discussão mais completa sobre a mudança que almejamos.

Mundo afora, verificamos que aqueles que não têm acesso à electricidade são mais que aqueles que têm. De todos os continentes, a África Subsaariana (a região do continente Africano que está a sul do deserto do Saara) é a mais severamente atingida pela falta de electricidade, com 625 milhões de pessoas a viver sem electricidade ou com um acesso muito limitado à electricidade e a outras fontes de energia limpa e segura. A maioria da electricidade gerada em África é utilizada pelas corporações.

Pobreza energética é a falta de acesso aos serviços modernos de energia. Refere-se à situação de um grande número de pessoas nos países em desenvolvimento cujo bem-estar é negativamente afectado por um consumo extremamente reduzido de energia, pelo uso de combustíveis sujos ou poluentes, e pelo gasto de tempo excessivo na recolha de combustíveis para satisfazer as necessidades básicas.

6

Estima-se que dois em cada três habitantes da África Subsaariana não têm acesso à electricidade.2 No entanto, não existem políticas nem programas de apoio ao acesso à energia limpa, segura e gratuita. O gráfico abaixo mostra a deficiência energética de seis países em África apoiados pela iniciativa presidencial de cinco anos do Presidente Obama, dos Estados Unidos, e denominados de países “Power Africa” (Energia África) por esta iniciativa.

Por que existe pobreza energética e desigualdade energética?Existem três importantes razões estruturais pelas quais tantas pessoas ainda não têm acesso à electricidade e a um fornecimento seguro de energia alternativa:

1. A privatização e o foco no lucro é que orientam o fornecimento de energia no actual modelo de desenvolvimento económico, que cobra preços elevados aos consumidores.

2. Os governos priorizam as necessidades das companhias em detrimento das necessidades das pessoas.

3. As elites Africanas são coniventes com as grandes corporações para exportar o petróleo e o gás de África para seu próprio lucro, em detrimento de um fornecimento seguro e limpo de energia para uso local.

Privatização Desde 2000 que tem havido um aumento no fornecimento de energia por parte de companhias privadas. Como resultado de políticas promovidas pelo Banco Mundial, inúmeros países privatizaram o seu sector de energia passando o controlo da energia para a mão de corporações que não prestam contas a ninguém. Estas corporações cobram preços elevados, tornando a energia inacessível para a maioria da população do planeta. Elas não fornecem energia à população pobre rural porque não conseguem lucrar com os pobres. Estas abordagens significam também que outras fontes de geração de energia (que não geram lucro) são desencorajadas.

Nigéria Etiópia Tanzânia Quénia Gana Libéria

Cidadãos sem e nergia

% de acesso à energia

População total 160m 87m 45m 41m 24m 4m

3.9m

38.5m

79.4m

67.1m33.5m

9.6m

50%

23%15% 18%

61%

0.5%

Mais de 230 milhões de pessoas vive sem electricidade nos seis países “Power Africa”

http://www.cgdev.org/blog/seven-graphics-

explain-energy-poverty-and-how-us-can-do-

much-more

2 Energia Sustentável para Todos (SE4All) (2015) Progress Towards Sustainable Energy 2015, http://www.se4all.org/sites/default/files/GTF-2105-Full-Report.pdf

http://www.struggle.pk/privatization-cartoon/

7

Os governos priorizam as necessidades das corporações em detrimento das necessidades das pessoasO planeamento e investimento do governo em energia são movidos pelas necessidades de corporações multinacionais para as suas minas ou indústrias, incluindo energia, linhas férreas, água, portos e estradas.

As condições nas quais este tipo de infra-estruturas são desenvolvidas são dispendiosas e com bastante desperdício. Os governos contraem grandes dívidas para desenvolver estas infra-estruturas, que a longo prazo roubam os fundos de importantes investimentos públicos em educação, saúde, habitação, e outros. Muitas vezes, os governos não são capazes de pagar estas dívidas, nem de arcar com os custos de manter tais infra-estruturas.

Priorizar as necessidades e os interesses das corporações por energia faz sobrar pouco dinheiro para as necessidades das comunidades e qualquer energia fornecida às comunidades é quase incidental.

O Estado e o capital a trabalhar em conjunto para garantir que as elites são beneficiadasAs grandes corporações transnacionais e multinacionais de energia fazem acordos com os governos Africanos e com as elites nacionais. Isto permite que estas corporações ganhem lucros gigantescos com a exportação de energia e de outros recursos de África. Os governos Africanos e as elites beneficiam-se com as comissões que recebem, ou por abrirem empresas que recebem rendimentos preferenciais das grandes corporações. Mas a maioria da população Africana permanece sem acesso à energia produzida.

Muitas destas multinacionais ou corporações transnacionais (CTN) são mais poderosas que muitos governos. Elas têm rendimentos maiores que a maioria dos países do mundo. Isto inclui companhias como a Royal Dutch Shell, Exxon Mobil, BP, Chevron, Total, Petrobras, Gazprom, PetroChina e Sinopec-China Petroleum, todas elas envolvidas nos sectores de petróleo e energia.3

3 https://makewealthhistory.org/2014/02/03/the-corporations-bigger-than-nations/

8

A Nigéria é um bom exemplo de como as corporações de energia lucram às custas da maioria da população. A Nigéria possui reservas enormes de petróleo e gás natural, mas são empresas como a Shell e a Exxon-Mobil que se beneficiam disto. Estas duas empresas extraem o petróleo e o gás Nigeriano e exportam-nos para outros países para seu próprio lucro. O petróleo e gás que poderiam electrificar o país inúmeras vezes enriquecem estas companhias, e uma pequena elite Nigeriana, às custas da maioria da população. Na Nigéria, 50% da população total do país e 90% da população rural não tem acesso a uma energia segura, incluindo electricidade.

Estas corporações, muitas vezes, não pagam impostos ou pagam valores mínimos. Uma estratégia chave através da qual os países poderiam tirar proveito, seria fechando as lacunas que permitem que as corporações multinacionais movimentem grandes quantidades de dinheiro sem pagar impostos. Até o jornal conservador Wall Street Journal confirma que África perde, no mínimo, US$60 biliões todos os anos.4

http://www.developmenteducation.ie/uploads/LootingAfrica_inforgaphic

4 http://www.wsj.com/articles/africa-loses-60-billion-a-year-illegally-report-says-1422794047

$36.6billion

$25.4billion

$17billion

$21billion

$35.3billion $46.3billion

$6billion

$3billion

$1.3billion

in debt payments, often following irresponsible loans

in illegal loggingin remittances

in health worker migration and compensating for skills gaps

in illegal fishing

in tax evasion and other illicit financial flows facilitated throughtax havens

in profits made by multinational companies

in loans to other governments

as a result of climate change

$30billionin overseas aid

IN$192billion

OUTof Africaeach year

9

Os impactos de género da desigualdade e pobreza energéticaOs impactos da desigualdade energética e da pobreza energética têm um componente de género muito profundo. As mulheres arcam com os impactos devido a uma divisão de trabalho entre homens e mulheres que é desigual e injusta, na qual as mulheres e raparigas assumem a principal responsabilidade por recolher combustível, acender o fogo para cozinhar e tomar banho, cozinhar e cuidar dos mais novos, dos doentes e dos idosos.

Divisão do trabalho por género A forma pela qual o trabalho é dividido entre homens e mulheres, em função dos seus papeis de género, é denominada de “divisão do trabalho por género”. Na maioria das sociedades, espera-se que sejam as mulheres a cozinhar, limpar e desempenhar o trabalho relacionado com o cuidado de crianças, doentes e idosos. Na maioria das sociedades, não se espera dos homens que realizem este trabalho. As demandas feministas têm incluído a partilha das lides domésticas com os homens, pagamento pelas tarefas domésticas, e que o trabalho das mulheres no lar (também denominado de trabalho reprodutivo) seja contabilizado na contabilidade e orçamento nacionais.

0 20 40 60 80 100

Domestic work

Processing & storing crops

Weeding

Harvesting

Caring for livestock

Planting

Ploughing

Women’s work Men’s work

10

Inalação de fumos provenientes dos combustíveis tradicionaisA inalação de fumos é o maior contribuinte ambiental para a saúde precária e provoca 4 milhões de mortes em todo o mundo, mais do que as mortes causadas pela malária e HIV/SIDA juntas. As mulheres e raparigas são as principais afectadas. Outros impactos na saúde são criados pelas minas e indústrias poluidoras, bem como por aquelas que produzem energias sujas como o petróleo, carvão ou as centrais nucleares. A maioria destas mortes são de mulheres e crianças, e recai sobre as mulheres e raparigas o trabalho de cuidar daqueles que sofrem de uma saúde precária devido aos efeitos desta poluição.

Em África, são 600.000 mortes por ano devido à inalação de fumos.5 Em 2012, dos 915 milhões de pessoas que vivem na África Subsaariana, perto de 730 milhões utilizam combustíveis tradicionais como lenha e estrume para aquecer as suas casas e cozinhar.

O tempo e a energia das mulheres e crianças gastos a recolher combustível e água Na falta de um fornecimento de energia adequado, as mulheres e raparigas gastam a maior parte do seu dia a desempenhar tarefas básicas de subsistência, incluindo tarefas morosas e árduas como recolher combustível e água. As mulheres têm de planear e trabalhar arduamente e por muitas horas para conseguir suprir as necessidades energéticas do lar. Isto inclui garantir que existe água quente para cozinhar e tomar banho, energia para iluminação e aquecimento do espaço, e energia para o processamento e preparação dos alimentos. Este trabalho condiciona as mulheres e raparigas no seu acesso à educação, a melhores escolhas de meios de vida e ao emprego com um salário condigno. Condiciona também as suas opções de interacção social e política fora do agregado familiar6 e as suas opções de recreação e lazer.

Num mundo de mudanças climáticas, caracterizado por secas, desflorestação e desalojamentos, as mulheres enfrentam crescentes desafios para conseguir suprir as necessidades energéticas do lar, e outras. As mulheres e raparigas têm de despender ainda mais tempo e energia para recolher água e procurar combustível para acender o fogo.

Além do mais, em lugares de fraco acesso à energia, as mulheres e raparigas são expostas a níveis aumentados de violência. Na Tanzânia, devido à desflorestação exacerbada pelas mudanças climáticas, as mulheres rurais precisam de viajar grandes distâncias para recolher lenha, deixando as crianças sozinhas em casa por longos períodos. Isto leva a reclamações por parte dos homens que as mulheres não estão a cuidar das crianças adequadamente, o que resulta em conflitos familiares.7 Nas comunidades de Somkhele e Fuleni em KwaZulu-Natal, na África do Sul, as mulheres passam por situações similares. Ademais, a sua busca por lenha leva-as para locais isolados, resultando em incidentes de assédio sexual e violações.8

5 Mortes prematuras devido à poluição, http://www.se4all.org/sites/default/files/l/2013/09/Special_Excerpt_of_WEO_2010.pdf: 146 Katrine Danielsen (2012) Gender Equality, Women’s Rights and Access to Energy Services: An Inspiration Paper in the Run-up to Rio +20,

http://www.kit.nl/gender/wp-content/uploads/publications/1975_Gender%20Rights%20and%20Energy%20Report%20final.pdf

7 Southern African Faith Communities’ Environment Institute (2015) Annual Report 2015, http://safcei.org/wp-content/uploads/2016/06/SAFCEI-Annual-Report-20151.pdf

8 Pesquisa da WoMin a ser publicada em Novembro de 2016

11

9 Retirado de WoMin (2016) Entendendo Energia, livreto informativo de Mulheres a Gerar Energia

10 Agência Internacional de Energia (2015) Energy and Climate Change: World Energy Outlook Special Report, https://www.iea.org/publications/freepublications/publication/WEO2015SpecialReportonEnergyandClimateChange.pdf

11 Annette Prüss-Üstün & C Corvalán (2006) Preventing Disease through Healthy Environments. Towards an Estimate of the Environmental Burden of Disease, Geneva: WHO

SECÇÃO 2 Fontes de energia e os impactos da extracção9

A energia é o que nos permite cuidar de nós próprios e dos outros, aprender, trabalhar e produzir bens. A energia é essencial para a vida. Energia é algo que todos temos. Utilizamos energia de diversas formas para satisfazer as nossas necessidades. Os nossos corpos retiram energia dos alimentos que consumimos. Os nossos alimentos são confeccionados com energia calorífica – utilizando lenha ou outros combustíveis (como estrume de vaca ou de camelo), gás, combustíveis líquidos (como querosene / parafina), ou electricidade. A energia também pode ser encontrada em outros combustíveis líquidos como o petróleo (gasolina) ou diesel, que são usados principalmente em meios de transporte como autocarros, comboios e carros. A energia eólica pode ser captada para bombear água, e a energia proveniente da água em movimento pode ser utilizada para moer grãos e movimentar máquinas.

Utilizamos energia para aquecer, refrigerar e iluminar as nossas casas. Na agricultura, a energia humana é utilizada para fazer plantações e cultivar a terra, e a energia animal é utilizada para a aragem. Quando o petróleo foi descoberto, máquinas como tractores substituíram animais e pessoas. Os tractores faziam o trabalho de forma mais rápida e eram vistos como sendo mais eficientes.

À medida que a tecnologia se desenvolveu, recursos como madeira, carvão, petróleo, gás natural, luz solar, vento, marés e água em movimento começaram a ser transformados em electricidade. Esta nova forma de energia permitiu o surgimento de novas actividades e serviços que não eram possíveis anteriormente.

Hoje em dia, a energia eléctrica é utilizada nos hospitais em aparelhos importante como bancos de sangue, equipamento médico, e sistemas de suporte à vida. As escolas, clínicas e indústria utilizam a energia eléctrica para iluminação, aquecimento, tecnologia como computadores, máquinas para produção, e refrigeração. Actualmente existem até veículos eléctricos, e muitos comboios são movidos a electricidade. A rádio e a televisão utilizam electricidade, e usamo-la também para a comunicação, como por exemplo para carregar os telefones celulares.

Contudo, embora ofereça todos estes benefícios, a produção e utilização de energia podem ser danosas para as pessoas e para o meio ambiente. A produção actual de energia depende principalmente de combustíveis fósseis como o carvão, petróleo e gás natural. A mineração e a utilização destes combustíveis fósseis poluem o meio ambiente. A produção de energia baseada nos combustíveis fósseis e o consumo actual de energia são responsáveis por dois terços das emissões de GEE10 que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas. Além disso, os processos industriais (incluindo a mineração) contribuem significativamente para a saúde precária e mortes. “A Organização Mundial da Saúde, em conjunto com o Banco Mundial, estima que 23% das mortes do mundo em desenvolvimento são atribuíveis a factores ambientais, incluindo a poluição, e que factores ambientais de risco contribuem para mais de 80% das doenças regularmente reportadas.”11

Os impactos destes processos nas pessoas e no meio ambiente são significativos, conforme salientamos nas secções seguintes.

12

O que é electricidade?A energia eléctrica, denominada de electricidade, é o fluxo de partículas muito pequenas chamadas electrões através de metais como o cobre, que é chamado de condutor. Se interrompermos o fluxo de electrões com um interruptor que abre ou fecha o fluxo, a corrente será interrompida e a máquina que estiver a usar a electricidade desligar-se-á. A energia eléctrica por si só não pode ser armazenada, excepto como outra forma de energia.

É possível armazenar energia eléctrica em baterias químicas que podem ser utilizadas para iniciar o fluxo de electrões quando necessitamos de energia. Por exemplo, uma bateria de uma lanterna eléctrica armazena energia e quando a ligamos, os electrões fluem e a energia eléctrica transforma-se em energia luminosa.

Um pedaço de carvão é um depósito de energia. Ao ser queimado numa central de energia, o calor produzido aquece a água, transformando-a em vapor, o que faz girar uma turbina. Uma turbina é uma máquina que usa o fluxo do vapor para gerar electricidade. Os electrões circulam pelos cabos eléctricos até onde a energia eléctrica é necessária, como o interruptor de uma luz eléctrica. Além do carvão, podemos usar a energia nuclear, gás natural ou combustíveis derivados do petróleo. O calor gerado a partir de qualquer um destes combustíveis pode transformar a água em vapor e assim gerar electricidade. Podemos também usar o calor do sol, através do uso de espelhos, para aquecer a água, transformá-la em vapor e gerar electricidade.

Podemos também aproveitar o movimento do vento, ou da água (as ondas ou a água em movimento nos rios ou barragens) para girar as turbinas e gerar electricidade sem a necessidade de criar o vapor. E podemos também utilizar a luz do sol para provocar uma reacção química que faz com que os electrões fluam pelos cabos sem que seja necessária uma turbina.

A matéria orgânica (resíduos vegetais e humanos) pode ser tratada de forma segura para gerar biogás por meio de um biodigestor. O gás pode ser usado directamente para cozinhar e no aquecimento, e pode também ser usado para gerar electricidade. Contudo, obtém-se menos energia ao transformá-lo em electricidade do que usando o gás directamente.

carvão

vapor gira a turbina

turbina alimenta o gerador

gerador turbina gerador

turbina

águavento gira as pás de rotor

água

painéis solares bateria

controlador de carga

digestor de biogás

resíduos de cozinha

estrume animal

resíduos sanitários

aparas de plantas

gás metano é produzido

gás metano usado na cozinha e para

aquecimento

13

Energias renováveis e não-renováveisAs fontes de energia dividem-se em fontes renováveis e não-renováveis. Ambas são utilizadas para gerar a electricidade que usamos hoje em dia.

As energias não-renováveis não podem ser repostas num curto espaço de tempo. Estas incluem os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e a energia nuclear (produzida a partir do urânio). Existem reservas limitadas de carvão, petróleo, urânio e gás natural que podem ser exploradas, mas uma vez esgotadas não poderão ser renovadas. As economias industrializadas foram construídas graças aos combustíveis fósseis, que foram utilizados como principal fonte de energia.

As energias renováveis são geradas a partir de recursos naturais como madeira, luz solar, vento, marés, ondas, biogás e calor geotérmico. Estes recursos não se esgotam a curto prazo. As tecnologias de energias renováveis aproveitam a energia do sol, do vento e da água (ondas do mar ou o fluxo de um rio) para fazer girar turbinas e gerar a electricidade que necessitamos na nossa sociedade hoje, e esta energia também pode ser utilizada directamente como energia calorífica ou gás. As energias renováveis podem substituir a energia fóssil e a nuclear como forma de combater as mudanças climáticas e reduzir os impactos da poluição nas comunidades.

Fontes de energias não-renováveisCombustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás natural

O petróleo, o carvão e o gás natural foram criados há milhões de anos atrás, a partir de matéria vegetal e animal outrora viva que se transformou em fóssil ao longo do tempo. O petróleo e o gás natural são extraídos de depósitos muito abaixo da superfície da terra e, por vezes, do subsolo marinho. O petróleo e o gás natural são armazenados em grandes tanques para posteriormente serem transportados. O gás natural é mais leve que o ar, é composto maioritariamente por um gás denominado metano, e é altamente inflamável.

O carvão é uma substância dura e preta semelhante a uma pedra. Existem três tipos principais de carvão – antracite, betuminoso e lenhite. Antracite é o mais duro e com maior teor energético; lenhite é o que tem o menor teor energético e é considerado o de mais baixa qualidade.

Energia nuclear

A energia nuclear é libertada do interior de minúsculos átomos de urânio. O urânio é extraído, e o minério de urânio é, em seguida, refinado para produzir o combustível nuclear que é utilizado para gerar a electricidade.

https://www.cartoon-stock.com/cartoonview.asp?catref=sgen127

14

Fontes de energias renováveis

Hídrica

A água em movimento (ribeiros, rios e oceanos) pode ser uma fonte de electricidade – denominada de energia hidroeléctrica – e pode também ser uma fonte de energia mecânica para movimentar maquinaria. Embora a energia hidroeléctrica corresponda a um quinto da actual produção energética do planeta, menos de 10% do seu potencial está a ser utilizado. As novas capacidades hidroeléctricas da RDC, Etiópia, Moçambique e Guiné são parte da agenda do desenvolvimento energético de África.

Energia geotérmica

A energia geotérmica vem do calor natural da terra. Em alguns casos, isto significa aproveitar as temperaturas extremamente elevadas, em grandes profundidades, por meio do vapor. Em outros casos, envolve o aproveitamento de temperaturas moderadas em profundidades menores. Estes são conhecidos por “dissipadores térmicos” e são valiosos devido à sua utilidade para gerar energia. A segunda maior fonte existente de fornecimento de energia geotérmica a nível global é na África Oriental, principalmento no Quénia e Etiópia.

Biomassa

A biomassa vem das plantas; a lenha das árvores, o etanol do milho, e o biocombustível do óleo vegetal. Nas áreas rurais, os excrementos dos animais e a matéria orgânica são usados há centenas de anos para cozinhar, aquecer as casas e para iluminação. A biomassa é utilizada para produzir biocombustíveis. Os biocombustíveis podem ser o óleo vegetal, a jatropha, a soja e a colza, que quando processados podem alimentar máquinas agrícolas e outros veículos. Podem substituir os combustíveis fósseis nos transportes. O etanol ou os combustíveis à base de álcool são produzidos a partir de trigo, milho, beterraba sacarina ou cana-de-açúcar.

Eólica

A energia eólica pode ser utilizada para fazer girar as pás de um moinho para bombear água. A energia eólica pode também fazer girar as pás de uma turbina eólica para gerar electricidade. A energia gerada pelo vento pode ser usada como alternativa aos combustíveis fósseis. As turbinas eólicas podem ser construídas de diferentes tamanhos, desde pequenos geradores eólicos no topo de edifícios até grandes geradores eólicos em alto mar.

Solar

A energia do sol, chamada de energia solar, pode ser utilizada de diversas formas. Os fornos solares podem ser utilizados para cozinhar alimentos. Aquecedores solares de água podem proporcionar água quente. Pode ser produzida electricidade com a energia do sol. A energia solar consegue fornecer electricidade suficiente para uma casa, ou pode gerar electricidade suficiente para alimentar a rede nacional para a indústria.

15

Impactos da extracção de fontes de energia não-renováveis nas pessoas e no meio ambienteA extracção, transporte, processamento e queima de combustíveis fósseis danificam o meio ambiente e o planeta, e têm impactos sociais devastadores.

A extracção e utilização de carvão, petróleo, gás natural e urânio contribuem para a poluição do meio ambiente e para a saúde precária dos trabalhadores e comunidades que vivem perto das minas e das plantas industriais. A queima de combustíveis fósseis liberta ácido sulfúrico, carbónico e nítrico, que voltam para a terra na forma de chuvas ácidas. Podemos observar os efeitos das chuvas ácidas na corrosão de telhados de aço, e em solos que se tornam inférteis devido à exposição contínua. Os combustíveis fósseis também contém substâncias radioactivas, principalmente urânio e tório, que são libertos para a atmosfera causando danos ambientais e fazendo com que pessoas e meio ambiente sejam expostos à radiação. A radiação nuclear permanece nociva por centenas de milhares de anos. Metais pesados como o mercúrio, que também são emitidos pelos combustíveis fósseis, causam danos ao cérebro e a outras partes do corpo humano.

Métodos de mineração, como a mineração a céu aberto, têm impactos ambientais significativos no solo, na água e no ar, e a extracção de petróleo em alto mar (offshore) é um risco para os organismos aquáticos e para os meios de subsistência dos pescadores. As refinarias de petróleo também têm impactos ambientais negativos, incluindo poluição da água e do ar. O transporte do carvão requer o uso de locomotivas a diesel, enquanto que o petróleo bruto é geralmente transportado por navios petroleiros que necessitam de queimar mais combustíveis fósseis. O urânio é extraído em vários países Africanos para fornecer centrais energéticas em outras partes do mundo. Mas são as populações Africanas que arcam com os custos ambientais e de saúde da exploração do urânio, bem como com uma pressão por parte das CTN para aumentar o número de centrais nucleares em África.

A África do Sul é o único país Africano que possui centrais nucleares, e possui duas. As centrais de energia nuclear têm uma construção muito onerosa. A energia nuclear exige altos níveis de regulação que é muito dispendiosa, e está estreitamente associada ao uso militar. As centrais nucleares produzem resíduos tóxicos que têm de ser armazenados por mais de cem mil (100.000) anos. Os resíduos tóxicos libertam substâncias radioactivas que afectam os trabalhadores e as comunidades vizinhas. Os acidentes nucleares são devastadores para as comunidades vizinhas, que sofrem com os impactos eternamente.

A indústria extractiva tem impactos sociais devastadores, como a usurpação de terras e de água, reassentamentos forçados das comunidades, deslocamentos sociais e destruição de meios de subsistência. As mulheres, enquanto principais produtoras de alimento nos agregados familiares rurais, são particularmente afectadas pela perda de terra e de outros recursos naturais, como florestas e cursos de água, que são tão essenciais para os complexos meios de subsistência rurais. Os deslocamentos sociais e a perda de meios de subsistência levam, muitas vezes, ao aumento da prostituição e das relações sexuais transaccionais, bem como ao aumento da violência interpessoal, e principalmente da violência contra as mulheres.

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

16

Energias renováveis para as pessoas e não pelo lucroAs energias renováveis são uma fonte de energia mais limpa e mais segura. Contudo, as energias renováveis por si só não significam justiça. O desenvolvimento de tecnologias de energias renováveis nas mãos das corporações significa simplesmente que estas continuam a explorar as pessoas e o meio ambiente para obter lucro. Projectos de energias renováveis controlados por corporações na Índia, México e Itália removeram comunidades das suas terras, puseram em perigo a população de pássaros (no caso dos parques eólicos) e não garantem um acesso económico ou gratuito de energia para as comunidades vizinhas.

A energia hidroeléctrica corresponde a um quinto do total do fornecimento de energia em África. O potencial hidroeléctrico total de África é equivalente ao total de electricidade consumida na França, Alemanha, Reino Unido e Itália juntos. Mas apenas cerca de 5% do potencial hidroeléctrico de África está a ser explorado. As novas capacidades hidroeléctricas da RDC, Etiópia, Moçambique e Guiné são parte da agenda dos governos e da SE4All para o desenvolvimento energético em África.

Contudo, as grandes e mega-barragens desalojam populações, danificam o meio ambiente, são dispendiosas e normalmente não beneficiam as comunidades locais. As comunidades camponesas são muitas vezes forçadas a deslocar-se e as suas terras são inundadas. A jusante, as comunidades sofrem uma redução no fluxo de água que afecta negativamente os meios de subsistência dependentes da terra e da água. As barragens prejudicam o fluxo normal da água e perturbam o ciclo de vida dos peixes e demais espécies aquáticas. Os países dependentes de energia hidroeléctrica podem vivenciar uma escassez de energia durante períodos de seca, que é algo cada vez mais frequente.

As mega-barragens produzem metano, que é mais nocivo para o meio ambiente que o carbono. O processo de tomada de decisões relacionado com a construção de mega-barragens, não é democrático nem transparente. A energia hidroeléctrica gerada em pequena escala e por meio de sistemas hidroeléctricos de passagem – que não envolvem um grande armazenamento de água – é preferível e gera menos impactos ambientais e sociais.

Headrace

Intake

Desilting tank

Powerhouse

Stream

Forebay

Tailrace

Diversion weir

Run-of-river hydro scheme

17

Os governos Africanos e a SE4All estão a promover a biomassa em África uma vez que a região é rica em recursos de biomassa e possui muita terra para a produção de biomassa. Em 2012, 80% da população Africana utilizou biomassa.12 A biomassa pode gerar empregos e requer uma tecnologia mais simples. No entanto, também tem os seus impactos negativos. O fumo causado pela queima da biomassa provoca doenças respiratórias que afectam principalmente mulheres e crianças. Isto porque elas são as principais responsáveis pelo processamento e preparação de alimentos nas famílias rurais. Tecnologias de baixo consumo de combustíveis reduzem este risco.

O problema dos biocombustíveis em grande escala é que terras agrícolas são transformadas em plantações de combustíveis, levando a um aumento do preço dos alimentos e à insegurança alimentar devido à escassez de alimentos. Por esta razão, a WoMin rejeita qualquer forma de produção de energia de biomassa que não seja localizada, de pequena escala, e que não proteja as culturas alimentares. Quantidades limitadas de biocombustível podem ser obtidas a partir de resíduos locais, ou de plantas problemáticas como algas, para uso local sem impactos negativos.

A energia eólica é uma alternativa mais desejável quando comparada com os combustíveis fósseis, mas só será justa e equitativa se estiver sujeita a um controlo feito pela comunidade e pelos trabalhadores por meio de uma apropriação cooperativista ou colectiva; e se beneficiar a maioria das pessoas e as mulheres em particular. Isto requer uma mudança radical em relação ao controlo, domínio e apropriação corporativos da pesquisa, produção e implementação. As pás giratórias podem desorientar os pássaros e matar morcegos, o que causa danos ambientais. E assim que grandes quantidades de energia eólica estiverem ligadas a uma rede, serão necessárias melhorias tecnológicas nessa rede. No entanto, um posicionamento correcto das turbinas pode evitar danos aos pássaros e morcegos, e redes localizadas e “inteligentes” são relativamente simples de instalar.

A energia solar pode ser usada para mitigar as mudanças climáticas e é uma alternativa importante aos combustíveis fósseis para satisfazer uma ampla gama de necessidades, desde a utilização directa dos raios solares (para aquecimento e cozinhar, por exemplo) até à geração de electricidade em diferentes escalas – do pequeno uso doméstico ao uso em grande escala para a comunidade industrial local.

A energia geotérmica, que é a energia proveniente do calor natural da terra, é uma opção potencial na África Oriental, uma vez que a segunda maior fonte de fornecimento de energia geotérmica na região são o Quénia e a Etiópia.

Sem uma mudança na forma como são pesquisadas, produzidas e utilizadas, as energias renováveis não se traduzirão em justiça energética para as comunidades desfavorecidas. Necessitamos de uma transição do controlo corporativo para um controlo e apropriação populares das energias renováveis. Necessitamos de processos de produção que não explorem os trabalhadores, não desalojem as populações e não destruam o meio ambiente.

12 www.energypedia.info

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

18

Como é que conseguimos chegar a este ponto, em que África e o Sul Global vivem níveis tão altos de pobreza energética e sofrem efeitos tão drásticos de desigualdade energética? Para responder a esta questão temos de fazer uma breve viagem ao passado colonial de África, e em seguida analisar a forma como relações de exploração ainda perduram, até hoje, entre os países Africanos e os seus antigos poderes coloniais. No momento actual, a exploração persiste por meio de políticas moldadas pelo modelo económico dominante de capitalismo neoliberal. Salientamos aqui que estas políticas alimentam um modelo de desenvolvimento que tem sido denominado de “mau desenvolvimento”.

Uma breve viagem ao passadoDurante o período pré-colonial, a maioria das economias Africanas era agrícola. A mecanização era limitada, a divisão do trabalho era limitada, e não existia muita diferenciação social ou desigualdade entre as pessoas. A terra, tal como outros recursos naturais, era de propriedade comum e encontrava-se sob a administração de estruturas tradicionais de liderança que muitas vezes incluíam mulheres.

Os sistemas de produção tradicionais Africanos garantiam que os recursos naturais eram usados de forma a satisfazer as necessidades humanas sem prejudicar a integridade, estabilidade e beleza dos sistemas bióticos. O vento, a água, as marés e a força muscular tanto dos humanos como dos animais eram as principais fontes de energia. A energia eólica, na forma de moinhos de vento, a energia hídrica, na forma de rodas hidráulicas, a lenha e o carvão eram os principais combustíveis utilizados para cozinhar, aquecimento e outros usos domésticos.

Embora houvessem impactos relacionados com o uso de combustíveis tradicionais – como os danos na saúde daqueles que inalavam os fumos da lenha queimada em ambientes fechados – não havia nada parecido com os altos níveis de poluição e danos ambientais que observamos hoje em dia como resultado da mineração e indústria.

Este estilo de vida foi alterado com a chegada dos colonos Britânicos e Europeus que transformaram África numa fonte de energia para as necessidades da indústria, e numa fonte de alimento para as populações dos seus países de origem. A revolução industrial teve lugar na Europa, e os países colonizadores e suas respectivas corporações passaram a necessitar de fontes de energia de forma muito mais intensa

que anteriormente. Encontraram estas fontes nas suas colónias na Ásia, África e América Central e do Sul. A dominação política permitiu que se apoderassem destes recursos.

Durante este processo, as economias tradicionais Africanas foram destruídas, e as fontes de energia foram usurpadas por corporações sediadas na Europa. África tornou-se, essencialmente, numa fonte de matérias-primas para a indústria e para os abastados estilos de vida de fora de África. Ocorreu uma desflorestação maciça, e inúmeras matérias-primas, bem como alimentos, foram transportados dos países Africanos para a Grã-Bretanha e a Europa.

SECÇÃO 3 A economia, a energia e os limites de um modelo de desenvolvimento orientado para o crescimento

http://www.hiiraan.com/images/2015/Feb/2015221635601295445729220Land_Grab.jpg

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

19

A revolução industrial providenciou o equipamento para explorar ou extrair os depósitos já visíveis de carvão e petróleo. Os combustíveis fósseis e seus produtos derivados tornaram-se parte essencial da economia industrial.

Os poderes coloniais tomaram terra à força para a agricultura comercial e o desenvolvimento industrial. Forçaram as populações Africanas a servi-los como fonte de trabalho barato e não remunerado. Os agricultores camponeses perderam as suas terras e foram forçados a trabalhar em fábricas, minas e plantações comerciais. Um grande número de Africanos foi capturado e vendido como escravos no comércio transatlântico de escravos.

As mulheres Africanas perderam as suas terras agrícolas e os recursos naturais dos quais dependiam para sobreviver, e a sua posição na sociedade deteriorou-se. Antes do domínio colonial as mulheres, na maioria das sociedades, eram as principais produtoras agrícolas e curandeiras. Esta posição na sociedade concedia-lhes status e autoridade. A transição para a agricultura comercial e para a mineração e extracção de matérias-primas subverteu o papel da economia tradicional e, consequentemente, a posição e o status da mulher na sociedade.

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

Colonialismo é a dominação de um país por outro por meio do estabelecimento / tomada do poder estatal para garantir o domínio político e a exploração do trabalho e recursos do país colonizado. A colonização teve início como resultado de mudanças no modo de produção Europeu, principalmente durante a revolução industrial. A revolução industrial introduziu um novo processo de produção no lugar da anterior economia feudal.

Neoliberalismo é uma ideologia económica de estado mínimo baseada na promoção do “interesse próprio e racionalidade” por meio de políticas como privatização, desregulação, globalização e redução de impostos.13

O capitalismo neoliberal vê o mercado como o principal distribuidor de recursos e as pessoas como consumidores, que compram e vendem e estão em competição uns com os outros. É um sistema no qual o comércio e a indústria de um país são controlados pelo sector privado com o objectivo do lucro, ao invés de pelo estado para o benefício público.

Globalização é uma “forma resumida de descrever a disseminação e conectividade da produção, comunicação e tecnologias por todo o mundo. Essa disseminação envolveu o entrelaçamento das actividades económicas e culturais a nível global.14 O sistema dominante apropriou-se do termo “globalização” para se referir a uma forma de “integração económica internacional que privilegia … os direitos dos investidores e credores, sendo os das demais pessoas incidentais”. Por outro lado, os movimentos sociais e activistas que contestam este paradigma dominante, imaginam e constroem “uma forma diferente de integração internacional, que privilegia os direitos dos seres humanos”.15

O Norte Global inclui a Austrália, Canadá, Israel, Hong Kong, Macau, Nova Zelândia, Japão, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Estados Unidos, e toda a Europa (incluindo a Rússia). O Sul Global inclui a Ásia (com excepção do Japão, Hong Kong, Macau, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan), América Central, América do Sul, México, África e Médio Oriente (com excepção de Israel).”

13 http://anotherangryvoice.blogspot.co.za/2012/09/what-is-neoliberalism-explained.html

14 http://infed.org/mobi/globalization-theory-and-experience/ 15 https://en.wikipedia.org/wiki/Globalization

América do Norte

América do Sul

África

Austrália

Ásia

Europa

Equador

20

Capitalismo neoliberal e o “mau-desenvolvimento” Os países Africanos conquistaram a sua independência principalmente por meio de lutas de libertação nos anos 50 e 60. Mas os estados Africanos recém independentes aperceberam-se que não poderiam ser totalmente livres uma vez que estavam muito ligados às economias dos seus antigos colonizadores.16 A acrescentar a isto, muitos dos líderes dos países recém independentes permitiram activamente que os seus antigos mestres colonos continuassem com a exploração das economias e populações Africanas.17 Os líderes que eram vistos a desafiar os poderes coloniais foram depostos ou assassinados, como nos casos de Thomas Sankara em Burkina Faso e de Patrice Lumumba no Congo (actual RDC).

Após uma ou duas décadas de independência, muitos países Africanos adoptaram políticas económicas capitalistas neoliberais. Em muitos casos, os países foram forçados por agências como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) a adoptar estas políticas, que são, até hoje, controladas pelo antigos poderes coloniais e por países como os Estados Unidos.

O capitalismo neoliberal vê o estado como tendo um papel muito limitado na distribuição de bens e serviços. Com as políticas neoliberais, o principal distribuidor é o mercado. Isto significa que as companhias passam a ser os principais agentes que produzem e distribuem bens e serviços, e as pessoas de cada país passam a ser os consumidores que compram os serviços que necessitam destas companhias geradoras de lucro. Os serviços que são essenciais à vida e ao bem-estar humano – como a água, energia, saúde, habitação e educação – são comercializados pelas companhias privadas com fins lucrativos. O papel do governo é simplesmente o de criar reformas legais e providenciar um ambiente favorável para que as companhias lucrem facilmente. Os governos, neste papel, servem os interesses das companhias com fins lucrativos em vez de servir a população. Os governos ajudam alguns a enriquecer enquanto a maioria da população do país encontra cada vez mais dificuldades no acesso à água, educação, saúde e outras necessidades básicas porque simplesmente não possuem os meios financeiros para pagar por estes serviços essenciais.

Em África, o neoliberalismo inicialmente assumiu a forma de programas de ajustamento estrutural (PAE). Estes programas reduziram a função pública através de grandes reduções de gastos, transformaram funcionários permanentes em trabalhadores casuais ou a tempo parcial, privatizaram companhias públicas e introduziram taxas para as necessidades básicas que eram, anteriormente, gratuitas ou obtidas localmente a um custo mínimo.

https://scottlong1980.files.wordpress.com/2014/07/polyp_cartoon_imf_structural_adjustment11.jpg?w=584&h=340

16 Stephen Ocheni & Basil C Nwankwo (2012) Analysis of colonialism and its impact in Africa, Cross-Cultural Communication 8(3): 46–54

17 Stephen Ocheni & Basil C Nwankwo (2012) Analysis of colonialism and its impact in Africa, Cross-Cultural Communication 8(3): 46–54

21

Actualmente, África continua a ser uma fonte de matérias-primas e alimentos para as nações mais ricas do mundo no Norte Global. África continua a produzir combustíveis fósseis e várias outras matérias primas para exportação, enquanto a maioria da sua população continua a viver na mais extrema pobreza energética e alimentar.

As políticas neoliberais permanecem actualmente com as taxas de utilização, o mercado como principal distribuidor e o estado com um papel limitado. Sem meios de pagar pelos serviços, as pessoas têm de encontrar formas de suprir as suas necessidades básicas e as das suas famílias, e o fardo de procurar água, serviços de saúde, alimentos e energia recai sobre as mulheres. As mulheres têm de trabalhar mais arduamente e por um maior número de horas para ir buscar água ao rio, ou para cuidar dos doentes da família na falta de serviços de saúde economicamente acessíveis.

O fardo de compensar por esta falta de serviços recai sobre as mulheres devido à divisão do trabalho, que põe a responsabilidade do trabalho doméstico a pesar sobre as mulheres. Na maioria das sociedades, espera-se das mulheres que cozinhem, limpem e cuidem dos idosos e doentes da casa. Este trabalho não é remunerado e tanto as famílias como as corporações e o estado esperam que

as mulheres “assumam o papel” quando há lacunas nestes serviços. As companhias e o estado beneficiam deste trabalho “gratuito” prestado pelas mulheres, e as mulheres pagam o preço de diversas formas, incluindo através dos impactos negativos na sua saúde.

O presente modelo de desenvolvimento provoca impactos negativos nas pessoas, na sociedade e no meio ambiente. Aqueles que acreditam que o actual sistema de desenvolvimento económico é injusto e explorador inventaram o termo “mau desenvolvimento” como a melhor forma de compreender este modelo de desenvolvimento económico. A ênfase do “mau desenvolvimento” é nas formas de produção da cultura ocidental, numa maior utilização de tecnologia dispendiosa e inadequada, e em modelos de produção que apenas almejam os lucros para uma minoria.

No “mau desenvolvimento”, a agricultura de subsistência não é valorizada, e as mulheres também não o são. As perspectivas e o trabalho das mulheres Africanas em reproduzir e preservar a vida e garantir a harmonia com a natureza são

destruídos e subvertidos na lógica do “mau desenvolvimento”.

A crise de pobreza em África e no Sul Global em geral deriva da crescente escassez de água, alimentos e energia causada pelo “mau desenvolvimento”. Esta pobreza afecta as mulheres mais severamente, porque elas são as mais pobres e porque é seu trabalho garantir a sobrevivência das suas famílias em casa.

As políticas capitalistas neoliberais que resultam do “mau desenvolvimento” estão também a causar uma das maiores catástrofes do nosso tempo – as mudanças climáticas – conforme discutiremos na próxima secção.

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

22

SECÇÃO 4 Mudanças climáticas, a situação de emergência planetária e a experiência de África

Um grande desafio do nosso presente e do nosso futuro são as mudanças climáticas. As mudanças climáticas já provocaram desastres, principalmente no Sul Global. Estes resultaram num grande número de mortes, no aumento da fome e da disseminação de doenças, sendo as mulheres e crianças as mais afectadas. Aumentam os conflitos à medida que as pessoas lutam pelo controlo da água e da terra arável. Comunidades inteiras estão a ser desalojadas e a sobrevivência de nações inteiras, como os pequenos estados insulares, está sob ameaça.

As mudanças climáticas e os desastres mencionados acima estão intimamente relacionados com o capitalismo neoliberal. As mudanças climáticas são, em grande parte, resultado da poluição descontrolada, causada principalmente pelo excesso de produção e pelo excesso de consumo por parte da classe média e elites do Norte e do Sul Global.

O carbono e as demais emissões causadas por estas indústrias vão para a atmosfera e têm efeitos desastrosos no meio ambiente, nas economias e no bem-estar das pessoas. Os níveis crescentes destas emissões denominadas de GEE, e de outros gases captadores de calor na atmosfera, aquecem a terra. O aquecimento da terra é denominado de aquecimento global. Isto provoca mudanças rápidas e disruptivas como o aumento do nível do mar, derretimento do gelo e neve, calor extremo, incêndios, secas, tempestades extremas, precipitação e cheias.

O clima é a temperatura média de determinado lugar durante um certo período de tempo. São os padrões regulares de temperatura, precipitação, vento, neve, humidade e estações do ano. Os padrões do clima desempenham um papel importante na modelação dos ecossistemas naturais, das economias humanas e das culturas.

As mudanças climáticas afectam mais intensamente os menos responsáveis pela criação desta crise. São as nações industrializadas do Norte Global as que mais contribuem para as mudanças climáticas. Mas são as pessoas do Sul Global que enfrentam os seus piores impactos. Isto também pode ser visto como uma forma de racismo ambiental, uma vez que são as populações pobres do Sul Global e as populações de cor quem mais sofre.

23

Os chamados países do Anexo 1 (os 43 países mais ricos, a maioria dos quais na Europa, América do Norte e Austrália) emitiram ao longo do tempo até 80% dos GEE que impulsionaram as mudanças climáticas a nível global. São os que mais contribuíram para as mudanças climáticas, no entanto correspondem apenas a cerca de 20% da população mundial. Aqueles que estão no poder não questionam o actual modelo de produção industrial voltado para servir os interesses de lucro das corporações e o consumismo da classe média e das elites no Norte Global, que emitem a quota maior dos GEE. Estes países não estão dispostos a mudar os modelos existentes de capitalismo neoliberal e de “mau desenvolvimento”, uma vez que se beneficiam deles.

Contudo, estes modelos precisam de ser desafiados. As mudanças climáticas não poderão ser resolvidas pelas mesmas abordagens que puseram o mundo nesta crise. As soluções para as mudanças climáticas não podem ser impulsionadas pelo mercado, auto-centradas e do topo para a base. As solução devem ser centradas nas pessoas, de base comunitária, impulsionadas pelas mulheres e moldadas por processos descentralizados de resolução de problemas. As mulheres rurais e camponesas de África e de outras partes do planeta devem estar no centro das soluções climáticas.

24

Os impactos catastróficos das mudanças climáticasMundo afora, as populações pobres são as mais afectadas pelas mudanças climáticas e pela degradação do meio ambiente. Isto ocorre porque estas populações, de forma geral, dependem mais da terra e dos recursos naturais para a sua sobrevivência e têm menos meios de lidar com os impactos de catástrofes relacionadas com o clima. As mudanças climáticas afectam os seus meios de subsistência, a economia, a agricultura e a produção alimentar, os cuidados com os outros, a migração, o trabalho, as povoações, etc.

Devido às relações de poder desiguais em relação ao género, as mudanças climáticas têm efeitos mais adversos nas mulheres e raparigas em comparação com os homens e rapazes. Em quase todas as sociedades, as mulheres têm menos acesso aos recursos e menos poder de decisão que os homens, e espera-se das mulheres que desempenhem tarefas não remuneradas como cozinhar, limpar e cuidar da família. Ter menos acesso aos recursos significa que as mulheres pobres são, geralmente, ainda mais pobres que os homens pobres. Ter a responsabilidade de garantir a água, os alimentos e a energia para cozinhar e para aquecimento significa que quando estes recursos não estão facilmente disponíveis as mulheres têm de caminhar longas distâncias e enfrentar riscos consideráveis para ter acesso à água e a fontes de combustível. Ter menos autoridade de decisão limita a capacidade de resposta das mulheres.

As mudanças climáticas são reais e estão a acontecer mais rapidamente do que se esperava anteriormente. Podemos confirmar isto ao comparar as temperaturas médias ao longo do tempo. As temperaturas médias globais têm sido registadas desde 1850, quando havia muito pouca indústria. Ao compararmos a temperatura média mundial ao longo do tempo podemos perceber que, em 2015, a temperatura atingiu 1°C acima dos níveis de 1850 pela primeira vez. Podemos perceber também que a temperatura média mundial em 2015 foi 0,75°C mais elevada que a média de longo prazo entre 1961 e 1990, e é também muito mais elevada que os 0,57°C de 2014, que na época foi considerada uma temperatura recorde. No momento de redacção deste artigo, espera-se que 2016 bata mais um recorde de temperatura. Estes registos de temperatura são feitos pela Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) e pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA, bem como pelo Met Office Hadley Centre (Centro Hadley do Escritório de Meteorologia) do Reino Unido. A tabela abaixo mostra as leituras do Met Office18 do RU ao longo do tempo.

18 UK Met Office. 2015: the warmest year on record, say scientists. http://www.metoffice.gov.uk/news/releases/archive/2016/2015-global-temperature

Anomalia da temperatura média mundial

Dif

eren

ça a

par

tir

da

méd

ia d

e 19

61-1

990

(°C

)

Ano

25

As mudanças climáticas causam mortes, fome e doençasAs mudanças climáticas resultam no acesso reduzido à água potável, rendimentos menores nas culturas alimentares e nas fontes de lenha, e redução da quantidade de terra arável. As cheias e a contaminação das águas levam ao aumento da prevalência de doenças como malária e diarreia. Isto foi confirmado por um estudo encomendado por 20 governos19 (o Vulnerable Twenty Group – Grupo dos Vinte Vulneráveis) cujos países são os mais ameaçados pelas mudanças climáticas. O estudo reportou 400.000 mortes nestes países em um ano, devido às mudanças climáticas;20 90% destas mortes tendo ocorrido em países em desenvolvimento, e a maioria das quais em África onde mil crianças morrem todos os anos.

Outra principal causa de morte, de acordo com este estudo, foi a poluição do ar e os fumos de cozinha em áreas interiores – as mulheres, na maioria das vezes, cozinham com lenha em estruturas pouco ventiladas e a poluição causada por estes fumos é exacerbada pela degradação geral do meio ambiente resultante das mudanças climáticas.

A queima de combustíveis fósseis gera não só gases que provocam mudanças climáticas como também uma ampla gama de outros poluidores, que têm um impacto directo nas comunidades locais, nas suas terras, ar e água, causando ainda mais efeitos negativos na sua saúde e segurança alimentar e de água.

Espera-se que estes impactos aumentem à medida que o aquecimento global é intensificado, e o número de mortes por ano poderá atingir os 700.000, em 2030, nos 20 países envolvidos neste estudo.

19 Os membros originais do V20 são o Afeganistão, Bangladesh, Barbados, Butão, Costa Rica, Etiópia, Gana, Quénia, Kiribati, Madagáscar, Maldivas, Nepal, Filipinas, Ruanda, Santa Lúcia, Tanzânia, Timor-Leste, Tuvalu, Vanuatu e Vietname

20 CVF (2012). Climate Vulnerability Monitor: A Guide to the Cold Calculus of a Hot Planet, http://daraint.org/wp-content/uploads/2012/09/CVM2ndEd-FrontMatter.pdf

http://www.thecvf.org/web/publications-data/climate-impacts/

26

As mudanças climáticas provocam o deslocamento de milhões de pessoasCheias, rios a secar, secas, perda de colheitas e florestas em declínio têm levado ao deslocamento de comunidades. As mulheres rurais são as mais afectadas pelos deslocamentos, e estudos realizados pelas agências da ONU mostram que, dos 26 milhões de pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas desde 2010, 20 milhões são mulheres.21

Espera-se que as mudanças climáticas provoquem o deslocamento de muitos mais milhões de pessoas nos próximos anos. Espera-se que o aquecimento global provoque um aumento do nível do mar que deixará debaixo de água algumas terras e territórios que se encontram próximos do mar. O exílio climático já é uma realidade em algumas pequenas nações insulares. As Ilhas Carteret, que fazem parte da Papua-Nova Guiné, começaram a evacuar os seus 2.700 habitantes em 2009. O governo das Maldivas está a tentar encontrar um local adequado para realocar os seus 380.000 residentes antes que o aumento do nível do mar submerja os seus 26 atóis.22 O Bangladesh é outro país a enfrentar os desafios da subida dos oceanos.

Em outras regiões, espera-se que o aquecimento global impossibilite a prática da agricultura e de outras formas tradicionais de subsistência, e as populações serão provavelmente forçadas a deslocar-se destas regiões para conseguir sobreviver. O Corno de África, por exemplo, está a enfrentar secas e desertificação.

A maioria dos residentes rurais da Somália, Etiópia e Eritreia que praticam uma agricultura de subsistência já estão a ser gravemente afectados por uma redução no rendimento das colheitas.

Um estudo da ONU estima que 330 milhões de pessoas serão desalojadas se a temperatura global aumentar de 3°C a 4°C.23 Outros estudos conduzidos por inúmeras organizações não governamentais (ONG) prevêem números maiores de pessoas desalojadas. Actualmente, a lei internacional não protege refugiados ambientais, portanto a situação destas muitas centenas de milhões de pessoas é incerta.

As conclusões dos estudos da ONU sobre os deslocamentos deixam claro que as mulheres pobres representarão a maioria das pessoas desalojadas. Os estudos também deixam claro que as mulheres pobres terão de lidar com a insegurança alimentar e a violência, incluindo violência sexual, causadas pelos deslocamentos e pela vida precária nos campos e povoações de refugiados.

21 Gender and the Climate Change Agenda (2010) The Impacts of Climate Change on Women and Public Policy. London: Women’s Environmental Network; ver também Jennifer Hattam (2010) Global Warming Hits Women Hardest, Business /

Corporate Responsibility (3 March 3), http://206.41.125.21/showthread.php?p=1545940

22 Elliott Negin (2015) Think Today’s Refugee Crisis is Bad? Climate Change will Make it a Lot Worse, Huffington Post, http://www.huffingtonpost.com/elliott-negin/think-todays-refugee-cris_b_7691330.html

23 UNDP (2007) Human Development Report 2007/2008, Fighting Climate Change: Human Solidarity in a Divided World, http://hdr.undp.org/sites/default/files/reports/268/hdr_20072008_en_complete.pdf

http://www.wedo.org/wp-content/up-loads/GenderImpacts_Graph-WEDO.jpg

27

Grandes ameaças à saúde, aos meios de subsistência, ao bem-estar e à vidaO Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU concluiu que nenhum outro continente será tão gravemente afectado pelas mudanças climáticas como África. Isto ocorrerá apesar de África ser responsável por menos de 4% das emissões anuais de GEE responsáveis pelo aquecimento global.

África, enquanto continente, é extremamente vulnerável às mudanças climáticas devido à sua posição geográfica, pobreza generalizada, e níveis actuais muito reduzidos de desenvolvimento genuinamente sustentável. Estes factores significam também que os países Africanos têm uma capacidade de adaptação limitada à devastação causada pelas mudanças climáticas.

Sendo o continente mais quente, espera-se que o aquecimento em África ocorra até 1,5 vezes mais rapidamente em comparação com a média mundial, de acordo com o IPCC.24 Isto afectará drasticamente a produção alimentar, a precipitação e o relacionado acesso à água, os meios de subsistência e outras dimensões da vida, bem como transformar grandes áreas já vulneráveis em territórios inabitáveis.

Os dados do IPCC mostram que o aumento das temperaturas e as chuvas imprevisíveis vão tornar mais difícil, para os agricultores, o plantio de certas culturas como trigo, arroz e milho. O IPCC prevê que, até 2050, a produção do milho no Zimbabué e na África do Sul poderá diminuir mais de 30%. Outras culturas de subsistência para os Africanos também serão afectadas, principalmente aquelas cultivadas em condições de não irrigação (sequeiro).

Estima-se que, até 2050, entre 75 e 250 milhões de pessoas em África estarão a sofrer condições extremas de escassez de água e que, em alguns países, a produção agrícola será reduzida em 50%. Isto está a confirmar-se com a seca do El Nino na África austral, a mais grave dos últimos 35 anos. O fenómeno climático El Nino torna-se mais exacerbado, mais extenso e mais grave com as mudanças climáticas.

24 IPCC (2007) Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability, https://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg2/ar4_wg2_full_report.pdf

28

Um estudo publicado em 2000 previu que, até 2100, o Chade, o Níger e a Zâmbia poderão perder praticamente todo o seu sector agrícola devido às mudanças climáticas.25 Mesmo sem as mudanças climáticas, existem sérias preocupações relativamente à agricultura em África, onde vários países já enfrentam condições semi-áridas que fazem da agricultura um desafio.

O impacto das mudanças climáticas na agricultura traduz-se em sofrimento principalmente para as mulheres agricultoras que, actualmente, são as responsáveis por 45% a 80% de toda a produção alimentar dos países em desenvolvimento. As mulheres compõem cerca de dois terços da força de trabalho agrícola nos países em desenvolvimento, e de 70% a 90% em muitos países Africanos.26

O IPCC informa que, até 2025, prevê-se que 250.000 crianças do Mali sofram atrasos no crescimento ou malnutrição crónica, e que as “mudanças climáticas serão responsáveis por uma proporção estatisticamente significativa” desses casos. Até 2050, é previsto que a população da África Subsaariana aumente mais que o dobro, para 1,9 biliões, o que trará o desafio de alimentar um número ainda maior de pessoas enquanto a produção agrícola enfrenta sérias dificuldades.

África tem cerca de 320 cidades costeiras, com uma população estimada de 56 milhões de pessoas (estimativa de 2005) a viver em zonas costeiras de baixa elevação (menos de 10 metros acima do nível do mar). Perto do final do século 21, o aumento projectado do nível do mar afectará estas zonas costeiras baixas. Além disso, a poluição proveniente de fontes fósseis provoca também a acidificação dos oceanos, o que já começou a causar danos à vida marinha, afectando consequentemente as comunidades de pescadores em zonas costeiras marinhas.

Desta forma, as mudanças climáticas ameaçam o desenvolvimento económico de África, a sua prosperidade a longo prazo, e a sobrevivência da maior parte da sua população.

25 Robert Mendelsohn, Ariel Dinar & Arne Dalfelt (2000) Climate Change: Impact on African Agriculture, ipcc-wg2.gov/njlite_download.php?id=6504

26 UN Women Watch (2009) Women, Gender Equality and Climate Change, http://www.un.org/womenwatch/feature/climate_change/downloads/Women_and_Climate_Change_Factsheet.pdf

29

Recursos financeiros são necessários para abordar estes impactosOs países Africanos necessitarão de enormes volumes de recursos financeiros para lidar com a devastação causada pelas mudanças climáticas. E estes países simplesmente não os têm. De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, os países Africanos irão necessitar de US$20 a US$30 biliões para a adaptação climática, todos os anos durante as próximas duas décadas.27

O principal órgão intergovernamental a abordar a questão das mudanças climáticas é a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC), estabelecida em 1992 durante a Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, Brasil. A CQNUAC realiza todos os anos uma conferência de alto nível, a Conferência das Partes (COP), que conta com a participação de 196 estados-membros.

As discussões internacionais em torno das mudanças climáticas dentro da CQNUAC e da COP 21 não deixaram claro de que forma os países poderosos do Norte Global vão responder à crise enfrentada por África, nem sequer ficou claro nestas discussões como irá a comunidade internacional lidar com os deslocamentos de pessoas provocados pelo clima. Na COP 21, os negociadores Africanos fizeram pressão para que fossem feitos compromissos financeiros sérios bem como acordos de redução de emissões. No entanto, os acordos estabelecidos na COP 21 não deixam claro se e como os países em desenvolvimento serão apoiados financeiramente para que possam dar resposta às mudanças climáticas, e não houve qualquer compromisso em relação a uma compensação pelas perdas e danos resultantes dos impactos climáticos.

É já bastante claro que o Norte Global tem uma responsabilidade em lidar com a crise em África – foram as suas acções relacionadas com o colonialismo do passado, e o “mau desenvolvimento” neoliberal dos dias de hoje que contribuem para a crise em África, conforme ressaltámos na Secção 3. No entanto, a responsabilidade histórica e a obrigação que os países desenvolvidos têm de reduzir as suas emissões foram atenuadas na adopção dos compromissos voluntários, intitulados de Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas (INDC) na COP 22 em Paris. O foco voltou-se para as actuais emissões, ao invés das históricas, e isto transfere o fardo da acção para os países em desenvolvimento, principalmente a China e a Índia, deixando os países poderosos do Norte Global escapar ilesos.

27 Banco Africano de Desenvolvimento (2011) The Cost of Adaptation to Climate in Africa, http://www.afdb.org/fileadmin/uploads/afdb/Documents/Project-and-Operations/Cost%20of%20Adaptation%20in%20Africa.pdf

30

A responsabilidade dos países ricos perante África e o Sul Global é chamada de “dívida climática”. A dívida climática tem dois aspectos, uma dívida de emissões e uma dívida de adaptação. A dívida de emissões provém das enormes pegadas de carbono dos países ricos, que é o grande volume de dióxido de carbono que estes libertam para a atmosfera. O abuso da sua parte da atmosfera diminui substancialmente a capacidade do planeta em absorver os GEE. A dívida de adaptação dos países ricos provém dos efeitos negativos das suas emissões excessivas, que contribuem para perdas e danos crescentes e limitam as oportunidades de desenvolvimento dos países pobres. O somatório das dívidas de emissões e de adaptação constitui a “dívida climática” dos países ricos.28

Políticas do clima – a dominação do Norte Global e as grandes corporações As soluções trazidas pelos governos e grandes corporações não resolvem as causas profundas das mudanças climáticas que estão relacionadas com o padrão de “mau desenvolvimento” existente. Tanto os governos como as grandes corporações estão focados na geração de lucro por meio das formas de produção já existentes, que põem o lucro acima de tudo o resto, mesmo que isto resulte na destruição das pessoas e do planeta.

A solução real para a catástrofe das mudanças climáticas tem duas vertentes: a primeira, de impedir qualquer nova extracção de combustíveis fósseis; e a segunda, de fazer com que o Norte Global reduza o seu consumo excessivo. Isto resultará numa drástica redução de emissões, redução da poluição, e evitará um

aumento de temperatura descontrolado. Estas soluções exigem o afastamento de uma economia capitalista, consumista e centrada nos combustíveis fósseis. Requerem uma acção imediata por parte dos donos das empresas petrolíferas, centrais de carvão, companhias agro-químicas, linhas aéreas, e outras companhias responsáveis pela emissão da maioria dos GEE que provocam o aquecimento global. É necessário que estas corporações deixem “o petróleo no solo, o carvão no buraco, e o gás debaixo da relva”. Necessitamos de decisões firmes por parte dos nossos governos, incluindo do intergovernamental CQNUAC, e de acordos vinculativos e executórios para reduzir as emissões de carbono.

28 Matthew Stillwell (2012) Climate Debt: A Primer, Development Dialogue No. 61: Climate, Development and Equity, Uppsala: Dag Hammarskjöld Foundation

31

Porém, é evidente que os países ricos e as grandes corporações não estão interessados nestas soluções. As grandes corporações têm intervido nas discussões internacionais sobre o clima para garantir que as medidas adoptadas servirão os seus interesses. Estas corporações têm assegurado que as medidas são baseadas no mercado, e que elas sempre terão permissão para continuar com a exploração e com a mineração e a promover um contínuo e excessivo consumo por parte dos países do Norte.

Os países pobres e em desenvolvimento são, muitas vezes, subornados, coagidos e atraiçoados nos encontros e negociações internacionais da Organização Mundial do Comércio (OMC), na CQNUAC, e nas instituições financeiras internacionais (IFI). Os países ricos conseguem os resultados que pretendem nestes processos. Isto deve-se às relações de poder desiguais entre os países ricos e pobres, bem como entre a sociedade civil, os estados e as grandes corporações (monopólios nacionais e CTNs).

A hipocrisia das grandes corporações nas plataformas multilaterais internacionaisAs grandes corporações fazem lobbies poderosos na COP anual da CQNUAC para influenciar os resultados das negociações, e para impedir a todo o custo a adopção de políticas que prejudiquem os seus lucros. O sucesso das grandes corporações na influência dos resultados é evidente. Apesar da inclusão das mudanças climáticas nas políticas após a Cimeira da Terra em 1992, e apesar de 20 anos de negociações, o total mundial de emissões de GEE associadas à actividade humana continua a aumentar.29 Os processos da CQNUAC e da COP não têm sequer alcançado o seu objectivo básico de estabilizar as emissões de GEE que estão a provocar as mudanças climáticas.

http://www.commondreams.org/news/2015/05/27/meet-corporate-villains-sponsoring-cop21-climate-talks

29 Dados do 5o Relatório de Avaliação do IPCC mostram o aumento das emissões de GEE numa média de 1,0 gigatoneladas de equivalente de dióxido de carbono por ano entre 2000 e 2010, comparadas com 0,4 gigatoneladas por ano no período de 1970 a 2000.

32

As grandes corporações fazem lobby por meio de parcerias com os programas nacionais e da ONU que lidam com o clima e o meio ambiente, e ao financiarem estudos que minimizam os impactos ambientais nocivos das corporações. Grandes poluidoras como a Monsanto, a Shell, a BP e a Volkswagen – afiliadas ao Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) – apresentam-se a si mesmas como protagonistas na resolução das mudanças climáticas. A realidade, no entanto, é que estas mesmas companhias continuam a gerar uma poluição significativa que causa as mudanças climáticas.

Além de serem as mais afectadas pelas mudanças climáticas, as populações do Sul Global são também as mais afectadas pelas suas falsas soluções. As soluções trazidas pelos governos e grandes corporações, como os agro-combustíveis, as mega-barragens, a modificação genética, as plantações florestais, e os esquemas de compensação de carbono são todas esquemas lucrativos. Estas soluções, supostamente, abordam as mudanças climáticas, mas na realidade geram mais emissões.

Na COP 20, em 2014, o presidente Boliviano Evo Morales criticou os delegados por, depois de mais de duas décadas de negociações de mudanças climáticas, terem pouco mais para mostrar que “uma grande quantidade de hipocrisia”. Morales assinalou que as mudanças climáticas eram utilizadas pelos países ricos como uma válvula de escape para evitar discutir questões básicas como o modelo capitalista de desenvolvimento.30

Na COP 21, em 2015, os delegados reconheceram que a meta de Copenhaga de 2°C de aquecimento global é muito elevada e já perigosa.31 Em linha com esta preocupação, o Preâmbulo do Acordo de Paris da COP 21 estabeleceu a ambição de manter a temperatura mundial abaixo de “2°C ou não acima de 1,5°C”. Contudo, não foram acordadas acções para garantir isto e as metas quantificadas de emissões ficaram de fora da mesa de negociações. Em vez disso, o acordo permite e até encoraja que as grandes corporações continuem a queimar petróleo, carvão e gás, o que causará um aquecimento excessivo do planeta durante várias décadas.

De acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), se os governos cumprirem com os seus actuais compromissos nacionais conforme acordado nos INDC, isto implicará num aumento de 2,7°C da temperatura mundial acima dos níveis pré-industriais.32 Isto é muito acima do nível “aceitável”. Além disso, os mecanismos de revisão da implementação dos compromissos nacionais e respectivos efeitos deveriam ter uma frequência maior que o período de 5 anos estabelecido pelo presente acordo.

De ainda maior preocupação é o facto que estes mecanismos só entrarão em vigor em 2020. Enormes quantidades adicionais de carbono já terão sido libertadas para a atmosfera até lá, tornando assim impossível limitar o aquecimento global em 2°C, quanto mais 1,5°C.

30 Telesur (2014) Evo Morales Slams Richest Countries over Global Warming http://www.telesurtv.net/english/news/Evo-Morales-Slams-Richest-Countries-over-Global-Warming-20141209-0019.html

31 Os impactos das mudanças climáticas variam de país para país; um aumento de 3°C na média mundial poderia significar um aumento de mais de 6°C em África e um aumento em mais de seis vezes da frequência de calamidades climáticas que já devastam os países de grande vulnerabilidade climática.

32 UNEP (2015) The Emissions Gap Report 2015: A UNEP Synthesis Report, http://uneplive.unep.org/media/docs/theme/13/EGR_2015_301115_lores.pdf

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

33

SECÇÃO 5 Encontrando soluções justas para a pobreza energética e os impactos das mudanças climáticas

As soluções para a pobreza energética e para atenuar os problemas das mudanças climáticas devem ser assentes numa lógica diferente da do sistema económico explorador que causou estes problemas em primeiro lugar.

Nas secções anteriores destacámos a dimensão da pobreza energética em África. Esta falta de acesso a uma energia segura e limpa é um grande entrave ao desenvolvimento pessoal, social e económico. Solucionar a pobreza energética é, portanto, um passo fundamental para abordar a questão da pobreza em África. Contudo, é essencial que a pobreza energética seja solucionada por meio de uma produção e utilização de energia que sejam limpas, eficientes e democraticamente controladas.

É um enorme desafio encontrar uma forma de fornecer fontes seguras de energia a um grande número de pessoas que não têm acesso a uma energia adequada sem causar grandes danos às pessoas e ao meio ambiente. As formas pelas quais produzimos, distribuímos e consumimos energia actualmente são insustentáveis, injustas e trazem malefícios para as comunidades, trabalhadores, meio ambiente e clima. Precisamos também de pensar além da electricidade em relação a fontes de energia. Além da electricidade, deveríamos incluir também nas nossas soluções recursos energéticos seguros, gerados localmente e gratuitos para todos, principalmente para as mulheres.

Grande parte da discussão em torno do suprimento das necessidades do lar é focada no fornecimento de electricidade. Isto pressupõe um certo nível de acessibilidade financeira, e muitas vezes força as pessoas a entrar numa economia mais monetária. É essencial que a energia segura e limpa para todos, em particular para as mulheres, se baseie em múltiplas fontes de energia local e não apenas electricidade. As fontes não eléctricas devem ser utilizadas directamente como fonte de energia, e não convertidas em electricidade.

Ao buscarmos soluções para a pobreza energética precisamos de garantir a justiça energética – que é a democratização do planeamento e da tomada de decisões em torno da energia. Precisamos de encontrar formas de reverter o poder das corporações e dos seus amigos do governo, para que as comunidades e as mulheres rurais, e não as corporações e as elites do governo, estejam no controlo da tomada de decisões sobre energia e desenvolvimento, de forma geral.

Necessitamos de transformar as fontes de onde provém a maioria da nossa energia. A transição para as energias renováveis é essencial, uma vez que a produção e uso de energia proveniente

de combustíveis fósseis é responsável, actualmente, por cerca de dois terços das emissões de GEE.33 Necessitamos de transformar as condições nas quais a energia é produzida, para que sejam criados empregos decentes e os meios de subsistência das populações sejam fortalecidos. Necessitamos de garantir que o fornecimento de energia é mais democrático. Tudo isto significa que o sector de energia deve estar no cerne da acção global para enfrentar as mudanças climáticas que são fruto do actual sistema económico explorador.

33 Agência Internacional de Energia (2015) CO2 Emissions from Fuel Combustion, https://www.iea.org/publications/freepublications/publi-cation/CO2EmissionsFromFuelCombustionHighlights2015.pdf

Climate Our Future from People’s Climate March by Reuters.

34

Mini redes mantidas pela comunidade localEmbora tenhamos de pensar além da electricidade, temos também de pensar em formas através das quais o fornecimento de electricidade se torne mais eficiente e mais democrático. Necessitamos de mudar para redes eléctricas menores que possam ser geridas e mantidas pela comunidade local. As grandes redes não são muito eficientes, uma vez que a energia eléctrica é perdida ao longo do caminho devido a ineficiências na tecnologia de transmissão. Estima-se que 28 em cada 100 unidades de electricidade sejam perdidas pelos cabos eléctricos entre a central energética e as casas das pessoas, na África Subsaariana.34

Uma forma diferente e mais eficiente de utilizar a electricidade é instalar centrais eléctricas menores perto de onde a electricidade é necessária, para reduzir as perdas nos cabos durante o caminho. Os usuários dessa electricidade podem estar conectados a uma rede, denominada de “mini rede”. As mini redes são redes locais, e as centrais energéticas locais podem ser detidas, geridas e mantidas pela comunidades local. À medida que mais energia for sendo necessária, as mini redes podem ser conectadas umas às outras e à rede nacional.

Um fornecimento estável e seguro de electricidade pode ser alcançado por meio de inúmeras centrais energéticas descentralizadas. Ter várias centrais de menor produção é menos arriscado. Se ocorre algum problema com uma das pequenas centrais, alguma energia será perdida mas as outras centrais continuarão a gerar electricidade. No caso de haver apenas uma grande central energética, não haverá energia enquanto a central tiver algum problema.

Devido às perdas de energia ao longo dos cabos eléctricos conforme descrito acima, nem sempre é prudente depender da electricidade para suprir todas as nossas necessidades energéticas. Utilizar diferentes fontes de energia para as diferentes necessidades também aumenta a nossa segurança energética. Por exemplo, usar gás para aquecer a nossa casa e para cozinhar é extremamente eficiente. E se houver algum problema com o nosso fornecimento de electricidade, ainda assim conseguiremos cozinhar e ter uma casa aquecida. Projectar casas que sejam frescas no verão e quentes no inverno pode poupar energia e tornar a vida mais confortável, principalmente em famílias que tenham um orçamento limitado para gastar com energia. Utilizar a energia do vento e do sol directamente pode também diminuir o fardo diário das mulheres relativamente às necessidades de energia.

Veja os livretos informativos de Mulheres a Gerar Energia35 para exemplos de tecnologias solares simples que podem ser fabricadas para aquecer e purificar a água, refrigerar alimentos e cozinhar com menos energia.

34 T&D World Magazine (2015) Electricity distribution and power challenges create investment opportunities. http://tdworld.com/overhead-distribution/electricity-distribution-and-power-challenges-create-investment-opportunities

35 http://womin.org.za/

As redes eléctricas levam a electricidade dos projectos de produção de grande escala até onde a electricidade é necessária. As nossas cidades, vilas e paisagens rurais são, muitas vezes, entrecortadas por cabos de alta tensão que transportam a electricidade de onde é produzida até onde ela é necessária. Estas linhas de transmissão de electricidade são construídas para transportar grandes quantidades de electricidade para ser usada em indústrias como a mineração. Numa vila local, os cabos eléctricos são construídos para transportar quantidades bem menores de electricidade para uso doméstico. As torres que vemos espalhadas pelo país cheias de cabos e fios que conectam localidades e casas são parte do que habitualmente denominamos de rede eléctrica nacional. Esta é, normalmente, “detida” e administrada pelo governo central.

http://e4sv.org/transforming-rural-communities-through-mini-grids/

35

A questão do financiamentoEm muitos casos, a falta de financiamento é a justificativa dos governos para uma lenta transição para as energias renováveis, e para a dificuldade em cumprir com as metas estabelecidas nas instâncias intergovernamentais como o COP 21 ou a iniciativa SE4All.

Para enfrentar os impactos imediatos e a longo prazo das mudanças climáticas e para ajudar na sua mitigação e adaptação, os países em desenvolvimento necessitam de uma transferência de fundos e tecnologia das entidades nacionais, regionais e internacionais. É necessário financiamento, também, para conseguir alcançar o 7o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS7) da ONU, garantir o acesso de todos a uma energia financeiramente acessível, confiável, moderna e sustentável até 2030.

Uma parte destas necessidades deveria ter sido atendida por meio do Fundo Verde do Clima (GCF), criado como um sistema de ajuda climática no COP 16 em 2010. No entanto, apenas um pequeno grupo de países honrou os seus compromissos com o fundo. Deveria ter sido disponibilizado um total de US$100 biliões por ano desde 2010 para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir as emissões de GEE e a fazer face aos efeitos do aquecimento global até 2020. Durante a COP 21 em 2015, foi revelado que apenas US$62 biliões foram disponibilizados pelos governos dos países desenvolvidos, bancos de desenvolvimento como o Banco Mundial, e instituições do sector privado. Os EUA são o país doador mais importante a faltar com a sua contribuição prometida de US$3 biliões. Outros países desenvolvidos também estão relutantes em cumprir com os seus compromissos.

Em vez de canalizar o dinheiro directamente por meio do GCF, os países contribuidores preferem transferir os seus fundos através dos canais que controlam, como as suas próprias agências bilaterais (por exemplo, os EUA através da USAID; o Japão através da JICA, etc) ou por meio de fundos destinados ao Banco Mundial.

Além da falta de compromisso por parte dos países doadores, existe também o problema da falta de transparência. O fundo não tem uma política de divulgação de informações e tampouco um mecanismo de responsabilização para a aprovação de financiamentos. Por exemplo, as comunidades indígenas do Peru não foram adequadamente consultadas antes da aprovação dos US$6,2 milhões para o programa Peruano para as terras húmidas, que irá afectar os seus territórios. Não foram consultadas e não existiu nenhum mecanismo para obter a sua aprovação.

Embora o financiamento seja necessário, e como parte da dívida dos países ricos para com o Sul Global, a nosso ver, a principal razão para as lentas mudanças em atingir os objectivos estabelecidos por estes processos intergovernamentais e da ONU é que estes estão inseridos no âmbito do actual paradigma económico explorador. A noção de energia local gratuita (por exemplo) não é sequer discutida nestes processos. A ênfase continua a ser o lucro para as empresas, e as pessoas – principalmente as mulheres – têm de comprar energia que não conseguem pagar.

Nós defendemos que os fundos devem ser disponibilizados sem a exigência de que as soluções sejam baseadas do mercado e dentro da lógica de um sistema económico e energético injusto e inequitativo.

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

36

SECÇÃO 6 Sistemas energéticos transformados por uma perspectiva Africana ecofeminista

As mulheres Africanas devem estar na linha de frente do desenvolvimento de energias alternativas. As respostas existentes e potenciais à questão da energia numa perspectiva das mulheres Africanas incluem três abordagens: a abordagem Assistencialista, a abordagem das Mulheres Empreendedoras de Energias Renováveis, e a abordagem da Transformação Energética.

Neste secção, destacamos as limitações das primeiras duas abordagens – a Assistencialista e a das Mulheres Empreendedoras, uma vez que defendemos que a abordagem da Transformação Energética é a preferível para atender às necessidades e interesses das mulheres pobres.

A abordagem AssistencialistaAs intervenções no âmbito de uma abordagem Assistencialista apoiam as mulheres a desempenhar melhor as suas tarefas de energia. Melhoram a vida das mulheres no sentido prático. Ajudam a poupar o tempo e a energia das mulheres. Intervenções tais como subsídios para aquecedores solares de água e o uso de caixas térmicas para cozinhar poupam o tempo das mulheres na busca por combustíveis. Intervenções como os fogões de baixo consumo melhoram a qualidade e, consequentemente, a saúde das mulheres.

Embora estas intervenções sejam importantes, a abordagem Assistencialista não reconhece a dimensão do trabalho das mulheres e a contribuição destas para a economia de energia,

nem desafia a divisão de trabalho desigual e altamente exploradora dentro da família e da comunidade. Uma divisão justa do trabalho exigiria que os homens assumissem responsabilidades domésticas, incluindo tarefas de energia.

Mais importante ainda, a abordagem Assistencialista não reconhece o impacto que os sistemas energéticos baseados em combustíveis fósseis, dominantes e destrutivos, têm nas mulheres, seus corpos e seu trabalho. Não considera o volume de trabalho extra não-remunerado que as mulheres e raparigas têm de realizar para resolver os grandes prejuízos que a poluição da água, ar e solo têm na produção de alimentos, na produtividade do trabalho e na saúde. Estes impactos são todos suportados pelo trabalho não remunerado das mulheres. A abordagem Assistencialista não questiona quem beneficia e quem arca com os custos do sistema energético dominante. E não lida com as questões mais amplas relacionadas com a produção e controlo de energia.

Desta forma, embora as intervenções concebidas no âmbito da abordagem Assistencialista sejam importantes para poupar tempo e energia, elas devem estar conectadas com uma agenda que busque uma transformação mais ampla nos papeis e tarefas das mulheres, e uma transformação mais ampla também no injusto sistema energético actual.

37

A abordagem das Mulheres Empreendedoras de Energias RenováveisA abordagem das Mulheres Empreendedoras de Energias Renováveis baseia-se na ideia que apoiar as mulheres a tirar vantagem de oportunidades emergentes de micro-escala relacionadas com as energias renováveis irá “empoderar” as mulheres e mudar as suas vidas.

Os defensores desta abordagem empoderam as mulheres para que se tornem pequenas empresárias (empreendedoras) de tecnologias alternativas de energias renováveis de pequena escala. Os produtos que as mulheres vendem incluem fogões, lanternas solares, carregadores de telemóveis e digestores de biogás. As mulheres que vendem estas tecnologias ganham uma fonte de renda adicional, e as mulheres que conseguem comprar estas tecnologias básicas são “aliviadas” do fardo de algumas das suas tarefas de energia.

As organizações nacionais e internacionais que apoiam a abordagem das Mulheres Empreendedoras de Energias Renováveis prestam assistência às mulheres nas suas comunidades com a tecnologia, capacidades empresariais e apoio financeiro de que necessitam para gerir o seu negócio.38 As tecnologias simples de energias renováveis e o empreendedorismo ajudam a reduzir o fardo do trabalho sobre as mulheres e aumentam a renda familiar.

36 UN Womenwatch. The Multiplatform Project: A Multidimensional approach to reducing rural poverty. http://www.un.org/womenwatch/feature/ruralwomen/undp-good-practice.html

37 Ver http://self.org/benin/

38 Koclar, G and Carlson, B (2014). Empowering women through clean energy stretches from India to Africa. https://www.usaid.gov/news-information/frontlines/powertrade-africa/empowering-women-through-clean-energy-stretches-india

Alguns exemplos de intervenções da abordagem AssistencialistaEm Burkina Faso, a partir de 2000, o PNUD abordou os problemas de “pobreza de energia do género” por meio de um mecanismo de um simples motor a diesel (que funciona com biocombustíveis, como o óleo de Jatropha) que podia alimentar uma variedade de máquinas e ferramentas, gerar electricidade para iluminação e refrigeração, e bombear água. A instalação, gestão e manutenção destas máquinas eram feitas pelas comunidades, e associações registadas de mulheres eram responsáveis por estas actividades.36 Esta inovação reduziu o tempo que as mulheres dedicavam à agricultura doméstica e de subsistência e ao trabalho de processamento de duas a seis horas por dia.

O acesso a tecnologias de energia simples permite que as mulheres aumentem a sua renda e que as raparigas jovens, anteriormente sobrecarregadas com tarefas trabalhosas, frequentem a escola primária.37

38

No entanto, esta abordagem tem sérios problemas. Ela aceita o actual sistema económico desigual e explorador, e até o promove. Aceita a divisão do trabalho existente, na qual as mulheres são responsáveis por suprir as necessidades energéticas do lar, e não questiona as estruturas de poder, o que causa a pobreza energética da maioria dos Africanos. Esta abordagem também não lida com a questão do actual modelo energético e respectivos impactos nas pessoas, no ambiente e, por fim, no planeta. Esta abordagem busca alcançar pequenos benefícios para algumas pessoas, por meio de um sistema mais amplo de desigualdade e injustiça que não é criticado, exposto ou desafiado.

Alguns benefícios identificados no acesso das mulheres à energia em pequena escalaO acesso à energia, mesmo numa escala micro conforme temos vindo a discutir, permite que as mulheres cumpram, partilhem e atenuem algumas das suas tarefas de trabalho, e que tenham mais tempo para ir além dos seus papeis tradicionais. As mulheres podem assim envolver-se em actividades produtivas fora do lar, e as raparigas podem ir à escola.

Usando o seu conhecimento em questões de energia doméstica, as mulheres podem criar cooperativas para produzir, utilizar e até comercializar produtos energéticos como caixas térmicas, digestores de biogás, etc.

Iniciativas localizadas de energia de micro-escala que buscam atenuar a pobreza energética e fornecer uma plataforma para a organização das mulheres são importantes, mas devem estar conectadas a uma agenda mais ampla de transformação do sistema energético dominante, corrupto, prejudicial e nocivo, do qual apenas alguns se beneficiam. Este é o foco do que chamamos de abordagem da Transformação Energética.

A abordagem da Transformação EnergéticaA abordagem da Transformação Energética exige que as mulheres Africanas – a maioria das mulheres mais afectadas pela pobreza energética – sejam ouvidas, participem e assumam um papel de liderança na tomada de decisões, no controlo e na governança de questões de energia em todos os níveis – do local ao global. Esta abordagem exige que as mulheres participem de forma equitativa com os homens no planeamento de futuros sistemas energéticos.

Actualmente, são os interesses dos mais poderosos – as corporações, elites e cidadãos de classe média, e os homens em todas estas categorias – que dominam a tomada de decisões relativas às prioridades energéticas. As prioridades energéticas têm uma grande desigualdade de género (os homens tendo prioridade sobre as mulheres) e de classe (os mais ricos tendo prioridade sobre os mais pobres). O fardo da questão da energia sobre as mulheres e os altos riscos e impactos que elas sofrem provenientes dos sistemas energéticos baseados em combustíveis fósseis não são vistos como prioridades na maioria das discussões sobre energia. A segurança energética do lar não é abordada na maioria das discussões sobre energia.

Se as mulheres mais afectadas pela pobreza energética estiverem activamente envolvidas na tomada de decisões, isto irá garantir que as suas necessidades em torno da segurança energética doméstica recebem mais atenção do governo, ou pelo menos tanta atenção quanto a dada ao planeamento energético para a indústria.

No seu papel actual, as mulheres camponesas e da classe trabalhadora – mulheres pobres – carregam o fardo da pobreza energética. Elas possuem uma riqueza de conhecimentos baseados na experiência sobre como os combustíveis fósseis e nucleares causam problemas de saúde, poluem a água potável e destroem a terra tão necessária para a segurança alimentar. As mulheres salvaguardam, administram e utilizam estes valiosos recursos como suporte aos seus meios de subsistência e bem-estar, bem como ao das suas famílias e comunidades. É este conhecimento e esta perspectiva de desenvolvimento que torna as mulheres, e não os actuais tomadores de decisão, as “especialistas”.

39

Necessitamos de uma grande mudança no planeamento nacional de energia, rumo a um processo aberto, democratizado e transparente que permita que as mulheres participem significativamente, em vez do actual planeamento de energia movido pelos interesses das corporações, financiadores, e seus respectivos aliados nos nossos governos.

Tal sistema de governança de energia significa que o poder das corporações – aquelas que dominam o sector dos combustíveis fósseis e a nova arena emergente das energias renováveis – que estão interessadas somente no lucro deve ser desafiado e cerceado.

As ideias chave da abordagem da Transformação EnergéticaA abordagem da Transformação Energética vislumbra o acesso à energia como um direito fundamental e não um privilégio. Para que todas as pessoas mundo afora desfrutem deste direito é necessário mudar o sistema de produção e utilização de energia. Isto requer que o planeamento nacional desempenhe um papel mais importante. A energia, a mitigação das mudanças climáticas e a segurança nacional devem ser de responsabilidade do estado e não devem ser inteiramente resolvidas por meio do investimento estrangeiro.

Mudanças efectivas nos processos de concepção e implementação de projectos de geração de energia dependem da garantia de que os sectores excluídos e marginalizados tenham voz na governança energética. Os funcionários, os planificadores de desenvolvimento e o público em geral devem compreender a relação entre sistema climático, sociedade humana, meio ambiente, energia, alimentos, água, terra e desenvolvimento económico centrado nas pessoas. A natureza e os recursos energéticos são bens comuns nos quais todos temos interesses particulares. Não podem ser relegados à mecânica do mercado que serve apenas os interesses de alguns. Como parte da luta por um sistema energético justo, é fundamental que desafiemos a captura corporativa da elaboração de políticas e legislação.

Source: The Guardian: Too big and too scary, but the global fat cats can be chopped down to size, Nesrine Malik. Illustration by Andrzej Krauze.

40

Requisitos da abordagem da Transformação Energética • Uma transição dos combustíveis fósseis e na direcção de um novo sistema

energético que priorize o fim da pobreza energética para a maioria das mulheres Africanas e suas famílias, de uma forma que respeite e proteja as populações, o ambiente e o planeta.

• A priorização das necessidades e interesses das mulheres e homens nos lares e nas comunidades, e não os interesses de corporações privadas como a indústria mineira.

• Democracia energética, que garanta a participação dos pobres e principalmente das mulheres pobres no planeamento e supervisão da tomada de decisões sobre energia. Isto requer o apoio à organização e às acções das mulheres e uma sacudida no poder masculino a nível do lar, da comunidade e nacional.

• Participação das mulheres em todos os níveis do sector de energias renováveis, e não apenas de algumas mulheres da elite a defender os interesses das corporações ou dos partidos políticos.

• Transferência dos custos externos da produção energética para os produtores, retirando-os de cima das mulheres que actualmente são quem suporta este fardo.

• Abordar os abusos de direitos humanos e os conflitos relacionados com a injustiça energética, incluindo os conflitos relacionados com as mudanças climáticas, que intensificam as já existentes desigualdades de género e resultam em mais violência e insegurança para as mulheres e raparigas.

Mulheres pronunciam-se!As mulheres de mais de nove países Africanos, reunidas no Delta do Níger, na Nigéria, em Outubro de 2015, acordaram que justiça energética significa:

• Manter todas as reservas conhecidas de combustíveis fósseis no solo!

• Monitorar a poluição do ar e da água provenientes do impacto da energia a nível das comunidades, para expor os impactos ambientais e os impactos nas mulheres, e para exigir compensações dos governos e das corporações.

• Uma rápida transição global dos combustíveis fósseis enquanto fonte primária de energia na direcção de um sistema transformado de energias renováveis que:

• melhore a qualidade de vida das mulheres a nível do lar

• permita que as mulheres detenham, produzam e controlem os meios de produção de energia, em vez de serem apenas consumidoras passivas

• empodere as mulheres para que ingressem em carreiras tecnológicas e forneça orientação para que elas se tornem exemplos para outras mulheres.

• Que as mulheres desfrutam de plena igualdade com os homens em todos os processos do ciclo de energia incluindo no lar, na comunidade, em cooperativas e nos processos de tomada de decisões.

• Que as mulheres participam na tomada de decisões e as suas vozes são ouvidas em todas as áreas relacionadas com justiça energética, e na implementação e aplicação de declarações, leis, políticas e programas a nível local, nacional, sub-regional, regional e internacional.

• Que as mulheres constroem uma campanha Africana liderada por mulheres pela justiça climática, alimentar e energética que busque fortalecer uma irmandade Africana e aprofundar o nosso movimento regional pela transformação total do paradigma de desenvolvimento dominante.

41

SECÇÃO 7 Construir o movimento por uma transição justa quanto ao género

Neste artigo, exigimos a justiça energética e uma transformação total do sistema energético. Ressaltamos como o actual sistema energético é desigual, injusto, causador de pobreza energética e deve ser mudado.

Activistas de justiça climática referem-se a algumas das mudanças que exigimos chamando-as de “transição justa”. A WoMin traz uma orientação explicitamente feminista à transição de desenvolvimento necessária, exigindo uma transição justa quanto ao género.

A exigência da WoMin por uma transição justa quanto ao género tem sido ainda mais clarificada e desenvolvida por meio de uma campanha regional pelos direitos das mulheres que é liderada por mulheres e conduzida pela base. Esta campanha pretende apoiar a construção de movimentos de mulheres e a sua organização na direcção de um futuro no qual as mulheres Africanas gozem de justiça climática, energética, alimentar, de género e de desenvolvimento. Busca também colmatar a lacuna entre a teoria e a prática, e trabalhar numa gama de vários níveis.

A campanha inclui a clarificação das nossas ideias através de uma série de livretos e artigos intitulada Mulheres a Gerar Energia. Este artigo, focado na compreensão do actual sistema energético e possíveis alternativas, é parte integrante da série Mulheres a Gerar Energia.

A campanha inclui também pesquisa-acção participativa que permitirá que as mulheres realizem investigações sociais sobre as suas próprias questões e articulem os problemas a partir da sua própria perspectiva. A organização e a construção de movimentos das mulheres, apoiados pela pesquisa-acção participativa, contribuem para o envolvimento de mulheres de base numa análise crítica e organização para a acção com vista a melhorar a sua situação.

Conforme sublinhámos ao longo deste artigo, as mulheres, a classe trabalhadora, e as famílias e comunidades camponesas são os que sofrem os piores impactos das mudanças climáticas

e da pobreza energética. Ressaltámos que as mudanças climáticas afectam de forma mais severa aqueles que são os menos responsáveis por esta crise. Enquanto as nações industrializadas do Norte Global são as responsáveis pelas mudanças climáticas, com uma emissão histórica de até 80% dos GEE emitidos a nível global, são as populações do Sul Global que enfrentam os seus piores impactos.

Os catalisadores das mudanças climáticas não são apenas as emissões de GEE. As mudanças climáticas são também causadas por forças sociais como o patriarcado e o racismo, que marginalizam as mulheres, e particularmente as mulheres negras camponesas e da classe trabalhadora, e destroem as suas vozes e as suas soluções na tomada de decisões sobre energia, clima e desenvolvimento no geral.

As discussões em torno das mudanças climáticas são dominadas pelos governos, pelas corporações globais e pelas elites do Norte Global, e ignoram profundamente as mulheres pobres em África que sofrem com a pobreza energética. Estas elites ignoram a crise de pobreza energética que afecta as vidas de milhões de pessoas, principalmente mulheres, nos países Africanos.

A maioria dos grandes movimentos climáticos do norte têm exigido sonora e insistentemente o fim do uso dos combustíveis fósseis e o desenvolvimento de soluções de energias renováveis, de forma a enfrentar as mudanças climáticas. Contudo, estas exigências não abordam a questão mais ampla e inter-relacionada de justiça energética para a população mundial.

42

A justiça climática é uma exigência vazia se não incluir a justiça energética, de género e de desenvolvimento para as mulheres pobres. Poderíamos afirmar que o discurso proeminente, mesmo entre as ONGs, não está focado em soluções sistémicas, e sim num cenário normal embora com energias renováveis.

Não obstante o nosso apoio à substituição dos combustíveis fósseis por soluções de energias renováveis, a questão não é só esta. É também em relação ao uso da energia que é produzida. Mesmo se alcançarmos uma produção de energias 100% limpas e renováveis, se utilizarmos esta energia para o aumento da produção industrial de bens supérfluos que acabam em aterros sanitários pouco depois da sua produção nunca conseguiremos enfrentar os problemas associados às mudanças climáticas.

O que é necessário é uma transição para um sistema diferente de produção, apropriação e uso de energia. Necessitamos de mudar a forma como as decisões são tomadas em relação à energia que é necessária, onde ela é necessária, a forma e o formato dessa energia, e a necessidade de envidar grandes esforços para fornecer energia acessível ou gratuita para as pessoas.

Necessitamos de uma transformação total na forma como pensamos o desenvolvimento, e o motivo subjacente que molda os processos de desenvolvimento. Num sistema capitalista, o motivo impulsionador é o lucro para alguns. Esta lógica molda as nossas leis, políticas, planos e investimentos, incluindo os relacionados com energia. Naquilo que chamamos de capitalismo neoliberal, o mercado torna-se dominante. Isto significa que temos de comprar ou pagar pelo que necessitamos. Isto pressupõe que existem condições equitativas onde todos podem pagar. Isto não é verdadeiro. A maioria das pessoas não pode pagar por aquilo que necessita.

Num capitalismo neoliberal o estado foi enfraquecido, e foi forçado a afastar-se de um desenvolvimento centrado nas pessoas. As empresas passam a fornecer os serviços que, no passado, eram fornecidos pelos governos. Serviços que antes eram considerados parte do bem comum e essenciais ao bem-estar da população são agora vendidos pelas corporações que lucram com estes. A energia, tal como a saúde, a alimentação, a educação e a água são assim vendidos em prol do lucro.

Necessitamos de uma mudança radical para um paradigma que ponha as pessoas e a assistência no centro do desenvolvimento. Com esta nova lógica, o desenvolvimento – quem toma as decisões, que estratégias, planos, leis e políticas são desenvolvidos – terá outra cara. As pessoas envolvidas na tomada de decisões sobre desenvolvimento também serão muito diferentes. As pessoas comuns, principalmente mulheres, camponeses e a classe trabalhadora, e os seus respectivos representantes nomeados ou eleitos, tomarão as decisões em defesa dos seus interesses.

A menos que façamos isto, as mulheres Africanas e suas compatriotas por todo o mundo não poderão desfrutar de uma energia segura, limpa e adequada.

Source: Bobby Marie and Andrew Lindsey from Understanding our Economy and Society, 2004

43

Temos de garantir que:• A tomada de decisões relativas ao desenvolvimento será profundamente

democratizada e incluirá todas as vozes.

• Os bens comuns e públicos (terra, florestas, água, internet, etc) serão protegidos e devolvidos às pessoas.

• Os governos irão providenciar e gerir serviços públicos e sociais acessíveis, incluindo energias renováveis.

• Serão criados postos de trabalho decentes e seguros na produção e manutenção de equipamento no sector de energias renováveis que não sejam de combustíveis fósseis ou nucleares. Serão apoiados os meios de subsistência nas áreas de produção existentes. O consumo e a subsistência centrados nas necessidades terão o envolvimento da maioria das pessoas. Os exemplos neste aspecto incluem a agricultura agro-ecológica para a segurança alimentar local, a beneficiação local com os produtos agrícolas, o turismo de propriedade local, e demais serviços relacionados com infra-estruturas e financiamentos.

• Será dado total suporte e investimento àquilo que chamamos de sector de cuidados ou economia de cuidados, que é a vasta gama de trabalhos desempenhados pelas mulheres mundo afora, no seu dia-a-dia, para sustentar e reproduzir a vida e manter e restaurar os ecossistemas dos quais dependem os seres humanos. Este trabalho necessita de reconhecimento, apoio estatal, e redistribuição entre as famílias e comunidades.

44

Mais sobre a Campanha Africana de Energia de Combustíveis Fósseis e Justiça Climática liderada por mulheres pelos direitos das mulheres

• O intuito é construir uma campanha enraizada nas lutas de base e liderada pelas mulheres, que apoie a organização das mulheres e a construção de movimentos conforme definido em localidades específicas e a nível nacional e global, que unifique as lutas das mulheres em diferentes localidades e países por meio de um conjunto de exigências políticas comuns para serem alcançadas nos diferentes níveis da campanha.

• O principal objectivo da campanha é apoiar a construção de movimentos de mulheres e a sua organização na direcção de um futuro no qual as mulheres Africanas gozem de justiça climática, energética, alimentar, de género e de desenvolvimento. A declaração do encontro no Delta do Níger em Outubro de 201539 descreve o que estas diferentes formas de justiça significam na prática.

• Durante os próximos 18 meses a dois anos, a WoMin e seus aliados irão definir uma agenda política (as mudanças que queremos alcançar) para a campanha inteira que se baseia nas demandas das mulheres a nível local e nacional. Não iremos impor uma agenda política de cima para baixo, e sim construir esta a partir da base. A agenda política comum é essencial para fornecer um enquadramento unificado da nossa organização a nível local, regional, nacional e internacional.

• A campanha NÃO é para construir a identidade e o perfil de uma única organização. No entanto, a WoMin terá um papel de liderança na construção e sustentação da campanha, embora esta não seja uma campanha da WoMin. Uma vez que a campanha é para construir o movimento e fomentar a organização, incluindo a criação de novas intersecções entre diferentes organizações e lutas, tem de ser uma plataforma política de parcerias entre muitas organizações. Os parceiros serão diferentes entre si, de acordo com cada contexto, e a natureza da plataforma e suas relações será também, consequentemente, diferente, mas o princípio de ampla colaboração e apropriação será um ponto crítico que norteará a campanha em todos os momentos.

• Um foco específico da campanha são as alternativas energéticas vistas a partir da perspectiva da maioria das mulheres Africanas. Nos próximos anos, a campanha irá apoiar o visionamento local informado e as soluções por meio da pesquisa-acção participativa feminista sobre energia; análise sistémica da política nacional e alternativas para consideração a nível macro; e uma ampla organização das mulheres por meio de assembleias de mulheres em torno da questão da energia. Todos os elementos desta estratégia de organização sobre energia serão entrelaçados e devem apoiar-se mutuamente.

39 Ver http://womin.org.za/images/docs/energy-food-climate-justice-niger-delta-declaration.pdf

Uma nota sobre esta série de pesquisa – Mulheres a Gerar Energia

Sob alçada do centro de conhecimento da campanha Mulheres a Gerar Energia, estamos a produzir duas séries:

a) recursos práticos sobre energia para apoiar as mulheres de base tanto a enfrentar a pobreza energética como a organizarem-se para as mudanças sistémicas mais amplas que são necessárias para alcançarem justiça climática e energética; e

b) artigos populares, baseados em estudos aprofundados, que abordem a questão da energia para além do local e essencialmente orientados para apoiar o posicionamento e estratégia da campanha. Neste primeiro artigo trazemos uma análise geral da energia e clima em África a partir de uma perspectiva ecofeminista. Alguns dos artigos que serão publicados nesta série nos próximos um ou dois anos incluem: análises das políticas nacionais de energia ligadas à agenda de desenvolvimento macro, e trajectórias relacionadas com as indústrias extractivas num mínimo de quatro países; uma análise geopolítica ecofeminista sobre a política de energias renováveis e as estruturas chave de investimentos em África e estudar casos/histórias de sistemas de energias alternativas e respectivos financiamentos.

A WoMin é uma aliança Africana para questões de género e extractivismo.

Trabalhamos com mais de 50 aliados em 14 países da África Ocidental, Oriental e Austral.

WoMin – Aliança Africana para Questões de Género e Extractivismo

Postnet Suite 16, Private Bag X4, Braamfontein, 2017, Johannesburg, South AfricaTelefone: +27 (11) 339-1024Email: [email protected]

www.womin.org.za