mudanças epistemológicas - otávio velho

9
O T Á V I O V E L H O MAIS REALISTAS DO QUE O REI Ocidentalismo, religião e modernidades alternativas T O 1> B O O K S

Upload: chrys-madeira

Post on 18-Aug-2015

235 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Antropologia

TRANSCRIPT

O T V I OV E L H O MAISREALISTASDOQUE OREI Ocidentalismo,religio emodernidadesalternativas TO 1>BOOK S Copyright 2007 OtvioVelhoDireitos deedio da obraeml ngua portuguesa no Brasiladquiridos pela TOPBOOKS E DI TOR A .Todos osdireitos reservados.Nenhumapartedestaobra podeserapropriada e estocada emsistema de bancodedados ouprocesso similar,emqualquerforma ou meio,seja eletrnico,de fotocpia,gravaoetc, semapermissodo detentordo copyright. Editor J os MrioPereiraAssistente-editorial Christine A juz Reviso Clara Diament Capa Mi ri am Lerner Diagramao A rte das LetrasparaStelaeGabriel TODOS OS DI REI TOS RESERVADOSPOR Topbooks E ditora e Di stri bui dora de Livros Ltda. Rua Viscondede I nhama,58 /gr.203 -Centro R iode J aneiro-CEP: 20091 -000Telefax:(21) 2233-8718 e 2283-1039E -mail:[email protected]' Visiteo sitedaeditoraparamaisinformaes www. topbooks. com. br MUDA NA SE PI STE MOLGI CA S E OS ESTUDOS DARE LI GI O Minha experincia indica queh umatendncia deos estudiososquetrabalhamcomreligio manterem-se numgueto, o dos "estudosdareligio", pouco secomunicando comos demais cientistas sociais. Diz o Peter Berger dehoje, que fez a(auto)cr tica da"tesedasecularizao", que a academiaumdosredutos,excepcionais,dessasecularizao.Huma espcie derepdioreligio, at mesmo considerao destacomo objeto de estudo; comose, fingindoque elano temimportncia,pudssemos exorciz-la. E nto, permanecemosisolados, no nos comunicamos e, tambm,muitas vezes, no nos esforamospara noscomunicar. Creio queapergunta quesecoloca: haver defato, apartir do estudodareligio, algo demais geral adizer arespeito dequestes demetodologiaeteoria? Procurareiabordar, ouantes, margearessaquesto, que mepareceimportante, eque no diz respeito s religio como objeto deconhecimento, nemaseu conhecimento como (meta-)objeto, esimcomunicacionalidadequeperpassaigualmentetodos essesnodos. Penso queo centro daquesto, desseponto devista, apossibilidadedeestarmos emmeio aimportantesmudanasdenatureza epistemolgica nas cincias sociais. Por isso mesmo, por estarmosno meio, s vezesno temos a exata nooda direoemque caminhamos.Tais mudanas estopor |327| Suavez associadasaoutras, mais gerais, quealcanamno s as disciplinas acadmicas, mas tambm,creio, o quepoder amoschamarepistememais ampla danossapoca. Devemos, portanto, verificar at queponto o estudo dareligiopode revelaralgo arespeito dessasmudanas epistemolgicastomadas,sobretudo, nosentido quelhes deu Gregory Batesone referidas amodosdepensar, mais do quearegrasdo bomprocedercientficoesta-belecido pelos filsofos,muitas vezes distantedaprtica cientfica mesma. Ouseja, verificar seo estudo dareligio ou seseriada religio emsi mesma-se queexistealgumacoisaquesepossachamarassim-ou se tambmrepresente,uma abertura para interrogaesmaisgerais.Haveria outros pontosde partida, masvaleapena ver at onde estepode ser produtivo para os estudiososda religio, evitando, ao mesmotempo, o guetoa queme referi. H vriasmaneirasde efetuaressa abordagem.Partirei,aqui,deminha prpri a disciplina, aantropologia, ede algumas questesepis-temol gi casque nela detecto,masque suponhoteremconexescomquestesmaisgerais.Tentarei adiante indicar que conexesso essas. A hi ptese , de certa maneira,sistmica.Nosentidode que se supeexistiruma i nteraoque vai muito alm dessas nossas divisesdisci-plinares -razopelaqual ainterdisciplinaridademui to bem-vinda. E ahi ptese sistmica,inclusive, no sentido comunicacional eabdutivo: h relaesde comuni cao,de conexoque ns precisamostentar -identificar, Apartirdaantropologia, etentandolevar asrio essaideiade sistema,gostaria de chamara atenopara uma oposi oque,deum modoou de outro, norteou boa parte da produoacadmi ca nas l ti mas dcadasequefoi muito produtiva: afamosa oposi omoderna-j quaseumaespcie desenso comumantropol gi co-entre naturezaecultura. Essa uma pedra detoque, ora reconhecida, ora no, de boaparte daproduoda disciplina. Podemosver, hoje, queessaoposioentre natureza e cultura,queparecia constitutiva, carrega umbenefcioeummalefcio.Obenefcio |328 | que, ao fazermos essaoposioforte, eescolhendoficardoladoda cultura, conseguimos erigircertas defesas contra as pretenses imperialistadas chamadas hardsciences.Ns "ficamosna nossa", afirmamos nilo termos nada aver comessasquestesdanatureza, ecomisso conseguimoserigir certas defesas dentrodoterrenoque demarcamos.Adesvantagem,em certosentido, que comissoficamosna periferiade muitas discussestericas eepistemolgicas queso extremamenteimportantes hoje, quetmaver comas questesdacincia e, deumamaneirageral, comas questesdoterrenoda natureza,porassimdizer. E nto,tivemos uma vantagem, constru mosalgumas defesas; mas essas defesasnos amarraramdentrodesuasmuralhas. Essaoposio detectvel quasepor todapartenaantropologiaprodu-zidahoje, variando apenasanfase retrica. s vezes explicitamenteumponto departida, s vezes surgeapenasno plano daepisteme, no fazendo partedo queest sendo explicitado. E ganhasofisticaocrescente.Trata-se, com efeito, deumcaminho extremamente produtivo para aantropologianestasltimas dcadas, tendo conexes comorientaes seguidas tambmem outrasdisciplinas. Paraseteruma ideiadessasofisticao, possvel pensarnostermosdessaoposiotoda aatualdiscussocrtica sobre o essencialismoemnome do construcionismo-o que no temaver s comaantropologia, masque nelaseapresentade maneira forte.E mtrabalho anterior(Velho,2001), menciono, porexemplo, para sairdoterrenodaantropologia, umacrtica queo filsofoHans Jonas(1996) faz aHeidegger e aoexistencialismo. Essacrtica vai contra anegaoda capacidade danatureza de gerarvalor. Noconstrucionismo, essanegaose apresentanuma versoforte,segundoaqual ns que atri bu mosvalor, ns queconstru mos, porqueo queest "lfora", anatureza,no tempor si capa-cidadedegerar valor. Jonasatribui essaatitudeaoniilismo moderno, quecomcerteza ultra-passaadisciplina antropolgica.E, prxima tambm daideiado niilismo moderno, talvezpudssemosfalarde uma espcie de hybrismoderna, aI 329I crena dequens temos essepoder deatribuir valor ao que, emsi mesmo, no temvalor algum. Noquero nestemomento fazer juzosdevalor, masver essaposturacomo caracterstica de uma dmarcheque temprodutividadeinegvel. E estousugerindo que a quepodemosnotaros efeitos de transformaesqueesto sedando emalgo quechamo, por faltadeexpresso mais rigorosa, espritodotempoou espritodapoca.Aquesto, ento, que essetipodedmarche,essetipo depressuposioepistemolgica vai comeandoacriar problema, algumru do, no emtermos decerto eerrado, mas quanto suacapacidade deconvencimento. Na antropologia, ou melhor, entreosantroplogos, parece-me que, j h algumtempo, faz-seprosasemsab-lo, ou, pelo menos, semdiz-lo. Notam-semudanas que, perceptveis atravs dos trabalhos decampo, no chegamaganharestatuto terico. A ntroplogoscostumam, por exemplo, colocar na bocadeseusnativos aquilo queeles mesmos,antroplogos,gostariamdedizer. Sabemos quej houveo ndio funcionalista, o ndio estruturalista, etalvez agoraesteja surgindo umnovo ndio, um ndioecolgico. E aquilo que estamos atribuindo aos ndios,fazendocomque nosdigam, j estsugerindo algumamudana queno assumimos, propriamente, enquanto teoriaou, mesmo, linguagem. A s causas dessamudana edaprpria decalagemdapercepo-por assimdizer, alienada-aseu respeito no so claras.A lis, os antroplogos, atualmentepelo menos, tmmais capacidadededescrever do quedepropor explicaes. Talvez tudo isso estejadealgummodo relacionado comagloba-lizao. Muita tintatemcorrido discutindo seaglobalizao assunto novo, desdequando comeou, seremontaaosculoX VI , etc. Tenho argumentado (Velho, * 1997)que, comomito, aglobalizao recente,independentementedesua condiodefato socioeconmico,poltico, etc. E os antroplogosdomuita i mportnci a aosmitos; portanto, essaabordagem em nadasubestima,pelo contrrio, valoriza essaglobalizao.Os mitos s podemserreconhecidoscomotais quandodefatoinformam avida daspessoas |330 | edos agrupamentoshumanos. O mitodaglobalizao, considerado nessesentido, realmente seimpe:aideiadeumlugar comumque habitamos. Esse defato ummitoquetemganhado eficcia para muitas populaes, muitos agrupamentoshumanos, emborano todos. J untamente comisso, vemo sentimento deameaas globais, queparececonstitutivo domitodaglobalizao, eno seapresentademaneiraalgumas emsuaversoideolgica neoliberal, gerando-se da , por assimdizer, de-mandas por umaespciedereconciliao como cosmos. E tal reconciliao -como, por exemplo, no caso dacrticaqueJonasdirigeaHeidegger eao existencialismo -umachaveparaacrticaaoniilismo. Alinhaheideggerianaeexistencialistasignificariaumrompimento das relaes entreo indiv duo eo cosmos, o que, dealgummodo, seexpressano terreno daantropologiaporessaideiadeoposioforteentre natureza eculturaepor essa hybris moderna representada pelo construcionismo. Hoje, diantedas ameaas globais, o sentimento danecessidadedeumaespcie de reconciliaocsmica vai se apresentarpreferencialmente no terreno dasreligies, eeste outro ponto associado aelas, inclusiveos "novos movimentos religiosos", queso muito importantes nessesentido. H quemdigaqueseest gastandotempo demais comgrupos que, do ponto devistasociolgico, no representammuito. Mas parece-me que, muitas vezes, eles souma espcie de porta-vozagonsticode certas questesmaisgerais, testemunhasqueseexpressamemlinguagens muito variadas.Linguagens que dever amostentarentender,comoo fazemoscomaslinguagensdetodos os nativos. Entendero que estsendo dito.Tambm estemjogo, dentro dessacrtica ao niilismo,uma crtica hybrismoderna, tal comose manifestaprxi mo ans(E tudo isso temaver comaoposio entrenaturezaeculturanaantropologia, quefaz comqueaculturatenhasido predominantementetrabalhada,dentroda disciplina,comouma espcie de programao. como seaculturafosse umaprogramaocultural -eis como se poderiaformularo queacontece naantropologia. E valeapena mencionar ofalo deque, dentro dessaespcie degrande tratado, dedivisor entrenaturezaecultura, elavale-conformejfoi salientado peloantroplogo T i mI ngold(2001) -como osimtricoinverso daideiadeumaprogramao gentica, tal como apareceno terreno dabiologia; antropologiaebiologiamais umavez seapresentandocomo o espelhodeJ ano. Umpontoque me chama a atenoa analogiaentre essaideia deprogramaocultural euma outra, queremontaaos sculos X VIeX VI I-ai ideiade contrato,tal comoapareceemHobbes.Comissoprocuro, de novo, uma conexode sistema,pela qual sediria que aquilo que es-tamosfazendona antropologianoestdesligadodoque se temfeito em outros terrenos, evice-versa-pois essa umaviademo dupla. Nanoohobbesiana decontrato jest presentea ideiadeoposi oentrenatureza ecultura, entreumestado denatureza ea sociedade civil, o quedepois vai informartodaa filosofia pol tica e,a partir dela, boaparte daNM^atualcincia pol tica,que, portanto, estbemprxi ma, apesar detudo, daantropologia, emtermos dealgumaepisteme.' O contratohobbesiano tem parentescocoma ideiada programaocultural,justificando,decerta maneira, o Estadosoberano.OLeviatguardariaanalogiacomas versesfortesdo culturalismo. Contratualismoe, culturalismo,toda a teoriapoltica ea teoriaantro-polgica emque eles se desenvolvem, constituemums terreno.Equeterrenoseria esse? A parentemente seria, digamos assim, o da"parcela"damodernidade,uma espcie depacote noqual todasessasquestes esto includas deumaformaou deoutra.,Mas voltando, comoestratgia, nosso olharaos sculos X VIeX VI I , talvez possamos observar,noalvor da mo-dernidade, outras possibilidades queestavampresentesnapoca equeemcerto sentido aindapodemestar conosco, emboranoinclu das nopacote. Essemeu interesse temsemelhana como interesse quedetecto numtexto deGustavo Benavides, "Modernity" (Benavides, 1998). E st emjogo nessaespciederetornoa possibilidadederepensar amodernidade, no como pa-cotefechado querecebemos, no emfunodeumanostalgia pr-modema, I332 | mas embuscado quetenho chamadodemodernidadesalternativas,quedealgumaformapoder amosvislumbrar nesseincio da modernidade. OfilsofoEspinosa umveio dos mais ricos parasepensar essasques-tes, equetemsido retomado ultimamente, edemodosintomtico, atravs deautores como Deleuzee, mais recentemente ainda, A ntonio Negri. Muito resumidamente,pode-secontrastaraideiadeEspinosa comadeHobbes a respeitoda questodocontrato. Na imagemhobbesiana do Leviat, ocontratonosamarra totalmente;apontode que,se poracaso somos aprisionadosporumladroeassumimosdeterminadoscompromissos naquelasituao, ficamos amarradosa essescompromissos, mesmodepois denoslibertarmos. Espinosa, no seu TratadoTeolgico-poltico(Espinosa, 1988[1670]), semcitar explicitamenteaHobbes, toma o mesmoexemplo paradizer exatamente ocontrrio, ou seja, queos compromissosassumidos com oladro, umavez quenos livramos dele, no tmmais vigncia. Da sesegue-ehaveriamuitasmediaes, evidentemente-quepara Espinosanoexiste essaoposioabsolutaentreo estado denatureza ea sociedadecivil, esseltimo sendo olocus do contrato. Naverdade, existiriaminmerasconexes queprecisamser reconhecidas entre essasociedade civil eo estado denatureza.I sso temimplicaesmuitoimportantes, tericasepolticas, porque a partir dessaideiadas conexesentre osdois estados o Leviatdeixa de estarnocentroda reflexoe substitu do,porexemplo,entreoutras noes, pelademultido-asprprias pessoas, os agrupamentosdehumanos(e, quemsabe, tambmno-humanos)seorganizando, eapartir dessaorganizaodando-seanecessidadede uma passagem sociedadecivil, semquenuncasepercamasconexes anteriores. Umadiscusso como essa, aparentemente distantedo objetoantropolgico, talvez possa ajudar-nos arepensar essasquestesno terreno daantropologiae, quemsabe, no deoutrasdisciplinas tambm. interessante observarcomo determinados debatessoconstru dose, depois, durante muitos anos,alimentados por certasdivises acadmicas, ao mesmotempo quevotambm alimentando aproduousual. EicamI 333Ientflo, deumlado, os quefalamemnomedo determinismogentico; evmosantropl ogos,de outro, responderemnome dacultura. Faz parte do atual momento, aindaumpoucoindefinido,demudana epistemolgicaestarmos comeandoaquestionaraprogramaoculturalapartirdeste ladoda divisodasdisciplinas, justamente quandose estodetectando problemas tambmdo lado daprogramaogentica. Os primeiro resul-tados do Projeto Genomacolocaramemquesto aspretensesiniciais desechegaraummapa absolutamente determinista. Talvez defatoaideiadeprogramaoesteja fazendo gua, tanto deumlado quanto do outro. T i m I ngold,comojmencionei, temsalientadoissonos l ti mosanos. Mas precisoque nosreportemos tambm obra anteriorde Gregory Bateson, quedurantemuitos anosfoi esquecidopelaantropologia, equeaparentemente deixou deser antropl ogo, mas que-aos poucos comea-seareconhecer-nuncaesteveafastadodas questesqueso dointeressedaantropologia(Velho, 2001). Uma srie deoutras questes emerge da. Aideiadeconexesentre os estadosdenatureza edecivilizaotambmnoesttotalmente distantedecertas imagens pregnantes,como, por exemplo, as relativas ideiadeid esuperego.Essaimagem"hidrulica" deumid quedealgumaforma passaaser reprimido por umsuperego cultural esocial. E assimpor diante, vriasGestaltenrecorrentesvo sendo sacudidas.Bateson gostava decitar Pascal parafalar das "razesdo corao". O quesugereparaeleaideiadas razesdo corao?Sugere que, ao contrriodecerta noode id como locusdo irracional, equeprecisa, dealgummodo, ser domesticado, existemoutras razesou outras lgicasqueprecisamser reconhecidas.Nalinguagemdapsicanlise, por exemplo, h algica do chamadoprocesso pri mri o,queBateson associa aumacomunicaovital mais ampla. E nesseponto, tam-bm, elej rompiacomo divisor entreo terreno dabiologiaeo terreno dacultura.Porque para Bateson esseprocesso pri mri oseestendeatodoo mundo, dealgummodo. E st dentro do terreno dacomunicao, mas no deumacomunicaodo racionalismo, dalinguagemracional, da comuni-334caocomo transporte instrumental utilitriodeinformao.Trata-se deumacomunicaodo processo primrio, emquenoes como metfora es mbolosoaplicveis ao mundo dos seresvivos emgeral, eno apenasao terreno das linguagenshumanas. Bateson entorompeograndedivisorentre as cinciasda natureza eas cincias doesprito -mas comumadiferena.Do ponto devistadeumcientista social, de umantroplogo,eleo faz partindo para o ataque: diz quej no precisamos manter o divisor -ou melhor, formula o vocabulrio como qual diz-lo. Pois, segundo ele, acumulamos no trabalho das cinciassocioculturais algo que temaplicaomais amplaequetemaver comas questesda comunicao,comoreconhecimentode muitasformasdecomunicao.E a partirdessevparadigma comunicacional, issopode ser levado para o terrenomais amplo dos seresvivos emgeral, dabiologia. E justamente no meio desseprocesso primrioestaria, juntocomaarteeo sonho, osagrado. Arespeito dessaconexo -aindapor ser explorada-do sagradocomo processo pri mri o, comessaespciedecriatividadeassociadaaumacomu-nicaovital mais ampla, Bateson deu algumas indicaes, noltimolivro queescreveu(Bateson & Bateson,1987). E nesseterreno, edessamaneira, evendo aquesto do sagradoassim, eu diria queno h secularizao.No h secularizao quealcanceumsagrado nesseplano dacomunicao vital, nesseplano do processo primrio. Bateson faz todauma crtica ideiadeque as paralinguagens,as linguagens do corao, tudoissoque estmais associadoao processo pri mri oseriasubstitu dopelalinguagemracional, escritaou falada, no decorrer dealgumtipo deprocessoevolutivo. E aprovadisso quenodi mi nui uoespaodaarte, nemdeixamos desonhar. No h substituiodeumacoisapor outra-as palavrasnosubstitu ram os gestos,que se conservarameasacompanham.R aciocnio,conscincia einstrumentalidade no expulsaramintuieseafetos,que no so meros resduos. E nfim, no h nenhumtipo de"secularizao" quetenhaocorrido ou estejaemprocesso -etambmnenhuma"racionalizao", secompreen-I3 3 51demos que"ocorao temrazes", queintuies eafetos no so irracionais no sentido de residuais. Houtrascoisasque se podemmencionar,tambm,nocampoco-municacional,nocampodasdisciplinas socioculturais, eque devemser revalorizadas,pois jestavampresentes.Porexemplo, fazia parte desseparadigmadaabsolutaseparao entrenaturezaeculturaumanfase, quaseexclusiva, no s mbolocomo forma porexcelncia do signo lingustico,naarbitrariedadedo signo linguistico. Hoje, emvrios terrenos,comeam-sea redescobrir,porexemplo atravsda obra de CharlesSandersPeirce, noescomo as deconeedendice,signos lingusticosque nopossuema arbitrariedade dos s mbolos.No vigora to absolutamente aquela ar-bitrariedade que aprendemosnosmanuais, desdeagraduao,eque eraoque distinguiaacultura, que distinguiao serhumanodetudomais. J comea ahaver algumacomplexificao, dessefamoso arbitrriocultural, reaproximando-nos dos demais seresvivos. A bre-secomisso apossibilidadedeumreencontro entredois veios dereflexoquetmestado separadosnos estudos dareligio. Um areligio como tradioeoutro areligiocomo experincia.Parece-mequetemhavido separaoexcessiva entreessesdoisterrenos,quaseque redupli-cando, dentro do terreno do religioso, aoposiocannica entreracional eirracional (emparalelo comsecular -religioso). Penso que essarediscusso do campo, como aqueestou propondo, talvez ajude adesfazertal separa-o, equeisso sei mpe hoje, porqueacorrentedareligiocomo tradio, que defato eraamais forte(amais tradicional...), hojecontestada pelas chamadasreligiosidadesda experincia -desdeopentecostalismoat aNova Era, passando pelo neoxamanismoetodas "aquelas coisasmalucas", irracionais, do ponto devistadeumparadigmaque tematradiocomo referncia principal. Por outro lado, areferncia aEspinosaes modernidadesalternativas no apenasumaquesto decuriosidadehistrica. H sinais fortes dequeo pacotedamodernidadequens compramosest sedesfazendoecomisso 336(re)aparecemoutras possibilidades. Essarelao necessria, essaamarrao entre asrie deelementosdo pacote, dealgummodoestseafrouxando. E a tambm,talvez, areligioocupe umlugar estratgico]Proponhoque visualizar amodernidadeapartir das religiosidadesdonossotempopode sercrucialpara tentardesfazerinclusiveo pacote conceitual-analticoda modernidade,conforme compradopelosestudiososda religioepelas religiestradicionais, eassimpensar modernidadesalternativas eoutras possibilidades.A ssim,estar amosnos ant podasde qualquerguetode estudiososda religio. Retornamos,comisso, famosa teseda secularizao.Pois tudo isso tem aver comela, deummodo ou deoutro. No apenas, mais uma vez, emtermos decerto ou errado. Mas no sentido dequeelaparece, emfuno do queest acontecendohoje, ter mais dificuldadeemser convincente. Elanoest"errada",maspara permanecertemde se tornarcada vezmais complicada, mais difcildemanejar.Talvez comparvel, nessesentido, ao sistema ptolomaico, que durante muitotempoconviveu comosistemacopernicano,masque para conseguirdarconta das exceestornou-semuitocomplicado, aponto derealmenteter reduzido o seu poderdecon-vencimento. Cresceemcomplicao, enessamesmamedidacai emtermos deaplicao ereplicao. O afastamentodatesedasecularizao, portanto, no sed, insisto, nos termos absolutos do certo ou errado, mas emfuno deuma espcie deespritodepoca, quemuitas vezes mais responsvel pormudanasdeparadigma, como j nos ensinou Thomas Kuhn. Existem,ainda,outrosaspectos dessadiscussosobre modernidadeem que areligioestenvolvida. Espinosa substituiu anootradicional deumDeustranscendente pela ideiade umDeussivenatura,imanente. Essasubstituiocorriaparalelaao deslocamentoda figura doLeviat pelada mul ti doeda democracia.Correspondia aoDeustranscendente umEstado soberanotranscendente.Decertamaneira, corresponde aumDeus sivenaturaouimanente, o primado da multidoeda democracia. Creio que hoje, denovo, nossostrabalhosdecampo, nossas pesquisasparecemI3 3 71tpontarpara tendnciasimanentistas.E preciso verificar at que ponto isso tambmest apontandoparaumaoutramodernidade, diversa daqueladopacote.Quemsabese essastendnciasimanentistasdonossotempo, que se expressam,querna crise das instituies,queremcerta tendncia contestaoda autoridade,masque tambm se manifestamemmuitas dasnovasreligiosidades,quemsabeelasno estoapontandopara umamodernidade que no ada secularizao?Modernidade de umsagrado difuso,emque acrise das instituiesreligiosas -que,alis, no gene-ralizada -no leva necessariamenteaofimda religio.A final,porquasetodo o mundo, no so s as igrejas queesto vazias. Osestdios defutebol tambm estovazios,e issono significanecessariamenteque ofutebol esteja nofim.H uma crise institucional, que no apenasuma questo decrisedainstituioreligiosa. Elasemanifesta, no menos, no terrenodapoltica. A tambmh menospossibilidadedas grandesmanifestaesdemassaquetanto marcaramvriasgeraes. Talvez, portanto, faa igualmenteparte das mudanas epistemolgicasreconheceruma socialidade queno dependetanto das instituies, como asociologianos acostumouapensar. Por exemplo, o deslocamentoemdetrimento darepresentao no significanecessariamenteo fimdapoltica, mas, talvez, uma poltica tambm mais "imanentista", mais difusa eparticipativa. Seo que slidosedesmanchanoar, ao desmanchar-seno deixa deexistir, mas,pelo contrrio,pode impregnaretomarconta de todooar que respiramos. 338A"PE RSI STNCI A " DOCR I STI A NI SMO E ADOSA NTR OPLOGOS MarilynStrathern iniciouumartigo publicadoemMana,em 1998, dizendo: Tantoos que sejulgamexemplos donovocomoos que sejulgamexemplos dovelhopodemseragentes radicais de mudana,pelo prpri ofatode perseguiremessadistino. Seexiste aqui umtipo decongrunci a ou i nterdependnci a deesforos, isso talvez se devaao que Otvi o Velho descreveucomofaitaccomplida globalizao. Desta, o autor colocauma imagemconcreta diantedenossosolhos: para o antropl ogo, aexperincia seriaanloga viso depovos do mundo inteiro virando pentecostais.Abatalhaentre Deus eo Diabo queo neopentecostalismopregaumdualismo paradesfazeroutrosdualismos.De resto,embora tenha sidoumpastorde Hagen tido como luterano quemmeabordou em1995comuma mensagem quedesejavatransmitir I nglaterra, tambmecoaemHagen ocomen-triodeVelho sobreo pentecostalismoseespalhandono Brasilpor todoo camporeligioso. A s reunies pblicasda bem estabelecidaI greja Luterana,assim comoda I greja Catlica R omana,agorapodemparecer comaquelasda muito maisrecenteA ssembleia deDeus, comsuapromessadecarismaefraternidade eseu trabalho emnome das semelhanas.Comodisseo pastor,agora a Papua-NovaGui n umdos pasesmais cristosdomundo,eeudeviavoltar para aI nglaterra, onde elesabia que haviapoucoscrenteselevar o povo devoltaaDeus.(Strathern 1998:109) 339