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1 Mudança tecnológica Sumário: Conceito de tecnologia Taxonomias das tecnologias Ciclo de vida das tecnologias Invenção, inovação e difusão Modos de acesso às tecnologias Tecnologia “Tecnologia é um conjunto de conhecimentos aplicável à produção de bens” Tecnologia: É um conjunto complexo de conhecimentos, meios e de saberes, necessários à produção, comercialização e/ou utilização de bens e serviços. Nelson e Winter (1982) definem tecnologia “A tecnologia é um conhecimento específico face a um determinado contexto em que foi desenvolvido (empresa e localização) e cuja configuração depende da aprendizagem e da capacidade daqueles que arrancaram com o seu desenvolvimento”. A essência da tecnologia resulta da conjugação de: Os conhecimentos, por si só, pertencem a uma disciplina científica, mas não constituem uma tecnologia, nem mesma na área do cálculo ou da concepção; Os meios (bens de equipamento, materiais, energia, informação), concretizam a tecnologia, mas esta não se reduz a eles, em mãos não especializadas, qualquer máquina representa um desperdício de investimentos; O know how, sem meios é uma especialização, mas não pode obter qualquer resultado e, o que é mais grave, cai rapidamente em desuso por falta de aplicação. (um método não é tecnologia). Existe ainda um conjunto de outros factores adjacentes que caracterizam a tecnologia: Processo iterativo, resultado de um conjunto sistemático de tentativas e noutra perspectiva e da contribuição de elementos de diferentes origens e naturezas; Processo acumulativo e ampliado pela aprendizagem, o reverso da medalha é que limita o processo de transferência tecnológica . Simbiose de elementos codificáveis e não codificáveis, John Cantwell (1991), considera que a tecnologia é a simbiose de duas componentes: A

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Mudança tecnológica

Sumário:

Conceito de tecnologia Taxonomias das tecnologias Ciclo de vida das tecnologias Invenção, inovação e difusão Modos de acesso às tecnologias

Tecnologia “Tecnologia é um conjunto de conhecimentos aplicável à produção de bens”

Tecnologia: É um conjunto complexo de conhecimentos, meios e de saberes, necessários à produção, comercialização e/ou utilização de bens e serviços.

Nelson e Winter (1982) definem tecnologia “A tecnologia é um conhecimento específico face a um determinado contexto em que foi desenvolvido (empresa e localização) e cuja configuração depende da aprendizagem e da capacidade daqueles que arrancaram com o seu desenvolvimento”.

A essência da tecnologia resulta da conjugação de:

� Os conhecimentos, por si só, pertencem a uma disciplina científica, mas não constituem uma tecnologia, nem mesma na área do cálculo ou da concepção;

� Os meios (bens de equipamento, materiais, energia, informação), concretizam a tecnologia, mas esta não se reduz a eles, em mãos não especializadas, qualquer máquina representa um desperdício de investimentos;

� O know how, sem meios é uma especialização, mas não pode obter qualquer resultado e, o que é mais grave, cai rapidamente em desuso por falta de aplicação. (um método não é tecnologia).

Existe ainda um conjunto de outros factores adjacentes que caracterizam a tecnologia:

� Processo iterativo, resultado de um conjunto sistemático de tentativas e noutra perspectiva e da contribuição de elementos de diferentes origens e naturezas;

� Processo acumulativo e ampliado pela aprendizagem, o reverso da medalha é que limita o processo de transferência tecnológica.

� Simbiose de elementos codificáveis e não codificáveis, John Cantwell (1991), considera que a tecnologia é a simbiose de duas componentes: A

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componente codificável – projectos patenteados, informação standard, e os equipamentos1; descodificável – conjunto de capacidades intangíveis, subjacentes aos processos de aprendizagem.

� Evolução contingente e parcialmente irreversível, irreversibilidade significa

que quando se efectua um determinado desenvolvimento tecnológico, as alternativas esquecem, e a sua reentrada exige um esforço suplementar, que é pouco atractivo.

Comente a seguinte frase:

Uma dada tecnologia não é escolhida porque é eficiente, mas, pelo contrário, ela torna-se eficiente porque é escolhida.

Por outro lado a questão do mercado poder ser conquistado por tecnologias menos eficientes é explicado em 4 pontos:

1. Aprendizagem pela utilização; 2. Economias de escala na produção; 3. Apetência crescente para a sua difusão; 4. Externalidades positivas:

Taxonomia das tecnologias São diferentes as taxonomias de tecnologias, e resultam de diferentes abordagens e objectivos de análise. Arthur De Little apresenta a seguinte classificação: Tecnologias2 emergentes - tecnologias que estão sendo investigadas e cujo potencial competitivo é promissor; têm elevado nível de incerteza, embora correspondam a inovações aparentemente bem sucedidas. São a expressão de uma dada opção tecnológica e apresentam um elevado potencial de crescimento. Tecnologias chave - são tecnologias embutidas nos produtos/serviços e /ou processo de produção, com impacto competitivo significante via diferenciação; são muitas vezes determinantes na posição concorrencial das empresas. Tecnologias básicas - são tecnologias cujo domínio é essencial para a empresa permanecer no negócio e que são largamente exploradas pelos competidores. Estas tecnologias podem ser comuns a todos os produtos de uma dada actividade, acessível para todas as empresas do sector.

1 Um dos indicadores para avaliar o Potencial Tecnológico dos Países é a taxa de cobertura das compras de tecnologias pelas receitas originadas pela venda de tecnologia. 2 Exemplos de tecnologias: Sistemas mecânicos; Materiais; Semicondutores; Lasers; Reactores, etc.,..

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Uma segunda tipologia, difundida pela EACRO (European Association of Contract Research) apresenta 4 categorias: Tecnologias genéricas, comuns a vários sectores industriais; Tecnologias sectoriais, utilizadas pela maioria das empresas do mesmo sector; Tecnologias específicas do grupo, oriundas de outros sectores, susceptíveis de uma fertilização cruzada de conhecimentos; Tecnologias específicas, desenvolvidas no interior dos grupos empresariais, protegidas por direito de propriedade.

O ciclo de vida das tecnologias A investigação e aquisição de tecnologia deve ser norteada tendo em visto os tipos de tecnologias que garantirão a sobrevivência e o crescimento da empresa no negócio: Uma tecnologia nasce, vive e morre, seguindo uma curva idêntica ao do ciclo de vida dos produtos. Quando atingimos o domínio de uma determinada tecnologia, surgem novas tecnologias, que apesar de serem mais dispendiosos, possibilitam maior rentabilidade. A substituição de uma tecnologia pode incidir no material, na técnica de produção, na automatização, na junção de software, na combinação nova de tecnologias desconhecidas, etc. O ciclo de vida das tecnologias exprime o dinamismo do sistema tecnológico, que é alimentado essencialmente por duas forças motrizes:

� Emergentes do mercado; � Emergentes das próprias tecnologias

Como vimos na figura anterior, quando é atingido o domínio de uma determinada tecnologia, surgem novas, que apesar de exigirem maior investimento, tendem a assegurar maiores lucros e a manutenção da posição competitiva.

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Tendo em conta que a maioria da tecnologia é adquirida ao exterior, importa reter o ciclo de vida tendo em conta a relação produtor – consumidor.

Ciclo de vida da tecnologia Produtor

Consumidor

Investigação pura Investigação aplicada Desenvolvimento Prospecção Comercialização Experimentação Assistência técnica Aperfeiçoamentos

Avaliação

Aquisição Disseminação Substituição Desactivação

Hippel (1988) classifica a origem da inovação em função de: produtores, utilizadores e produtores/utilizadores. Analisando os passos do desenvolvimento e difusão das inovações nos equipamentos científicos, traça um perfil evolutivo, verificando-se que ao longo do ciclo de desenvolvimento de um produto os diferentes intervenientes no processo (utilizadores, produtores especializados) têm papéis definidos e cooperantes, conforme pode ser visualizado na figura seguinte:

Passos dominadospelo utilizador Papel do fabricante

Instrumentosmelhorados,inventados,

construídos eutilizados pelo

utilizador

O utilizador difunderesultados, através

de publicações,visitas e

conferências, etc

Algunsutilizadores

constroem osseus própriosinstrumentos

Empresas produtorasequipamentos

introduzem a versãocomercial

Utilizadorinventivo

Outros utilizadoresquestionam sobre adisponibilidade deversões comerciais

Empresas produtorasde instrumentos

comercializam as suasversões

Invenção protótipo Difusão da informação Imitação pré-comercial e uso Produção comercial e venda

Fonte: Hippel(1988), p.19.

Kaplinsky (1983) analisou a indústria do CAD verificou que ao longo das diferentes fases da sua evolução o papel desempenhado pelas pequenas e médias empresas é diferente:

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• 1ªfase - Origem da indústria na aeronáutica e defesa onde as grandes empresas produziam para uso próprio;

• 2ª fase- As pequenas empresas desempenharam um papel central na produção de sistemas para outras indústrias;

• 3ª fase - Corresponde ao crescimento quer do mercado quer das empresas;

• 4ª fase - Atraídas pelos elevados lucros, as grandes empresas entram no mercado acompanhadas de novas pequenas empresas.

Quadro II 1 - Ciclo de vida da indústria do CAD

Até 1975 1969 - 19774 1974- 1980 após 1980

Origem industrial Dinâmica de novas empresas

Tendência para a concentração

Maturidade

Difusão da produção

Aeroespacial e defesa

Electrónica Engenharia mecânica Engenharia mecânica e civil, Civil, computação gráfica

Origem da inovação

Uso próprio Venda e uso próprio

Venda e uso próprio Venda e uso próprio

Empresas inovadoras

Grandes empresas

Novas pequenas empresas

Médias empresas Grandes empresas e novas pequenas empresas

Fonte: Kaplinsky (1983)

Conceitos de inovação, invenção e difusão Quando se fala em tecnologia ou no impacto tecnológico, a palavra inovação surge associada. As inovações tecnológicas são apenas um dos aspectos de um fenómeno mais vasto cuja designação geral é inovação. Neste campo importa discutir um conjunto de conceito básicos, importantes para a compreensão do fenómeno:

� O que distingue invenção de inovação; � Discutir os conceitos de inovação e difusão; � Qual a origem das inovação; � Quais os determinantes da inovação.

A importância da inovação no desenvolvimento económico foi realçada por Schumpeter (1934), distinguindo 5 tipos diferentes:

• A introdução de um novo produto; • A introdução de um novo método de produção; • A abertura de um novo mercado; • A conquista de uma nova fonte de aprovisionamento em matérias-primas ou

em bens semi-acabados; • A implementação de uma nova organização na indústria.

A duas primeiras categorias correspondem às inovações tecnológicas.

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Podemos então definir inovação tecnológica como sendo aquelas que se constituem em:

• Novos produtos: • Novos processos

Ou • Modificações tecnológicas dos produtos e processos existentes.

Wald define inovação como “a primeira aplicação da ciência e da tecnologia numa nova direcção, com um sucesso comercial”.

Designação Descrição Natureza e/ou impacte

D - Incrementais Produzem-se de forma mais ou menos sequencial, tendo isoladamente efeitos pouco significativos, embora o seu efeito cumulativo seja importante

Melhoria gradual dos produtos

C - Radicais Autênticas clivagens face às situações anteriores

Modificação completa do processo de fabrico num dado sector

B - Novos subsistemas tecnológicos

Constelações de inovações técnicas e economicamente relacionadas.

Emergência de novos sectores de actividade ou de novos produtos e/ou novos processos

A - Novos paradigmas tecnoeconómicos

B+C+D Alteração total da estrutura produtiva da sociedade

Quando se fala em inovação dois outros conceitos surgem imediatamente associados, os conceitos de invenção e difusão. Estes fenómenos são conceptualmente distintos, já analiticamente separados na trilogia de Schumpeter (invenção, inovação e difusão). Inventar é conceber e produzir algo de novo. E têm as seguintes características: � As invenções são independentes dos utilizadores; � As invenções podem estar apenas confinadas ao domínio estritamente

científico; � As invenções são neutras em relação ao mercado.

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Inovar é satisfazer melhor as necessidades de um dado cliente, ou do mercado em geral. Os elementos constitutivos da inovação emergem de três áreas interdependentes: � Os utilizadores (quando tiverem) � A tecnologia (aplicação da tecnologia) � O mercado (alimentam-se do mercado).

Exemplos: A calculadora de bolso é o resultado da aplicação da tecnologia dos circuitos integrados ao instrumento de cálculo pessoal; o walkman é o resultado da aplicação de do processo de “montagem à superficie”a uma função já antiga (o receptor de rádio) para fazer dele um produto novo, dados os seus modos de utilização. O conceito de difusão surge na maioria dos investigadores associado ao conceito de inovação. Assim, Pavitt (1984) define inovação como:

“Innovation is defined as a new or better product or production process successfully comercialised or used in the United Kingdom, whether first developed in the UK or in any other country”.

Stonemam (1995) distingue entre Inovação global, como sendo a primeira ocorrência na economia (mundo), enquanto inovação local é a primeira ocorrência do evento na unidade que se observa. Esta associação realça o facto do conceito de difusão não se limitar à simples propagação passiva da inovação, mas pelo contrário dá-lhe força, sendo para Silverberg et al (1988) “o aspecto central de crescimento e transformação das economias contemporâneas”, facto comprovado pelo facto do debate em torno do declínio tecnológico dos Estados Unidos face ao Japão estar, em parte, centrado no processo da difusão, a que muitos chamam “imitação criativa”, levada a cabo pela indústria nipónica. No entanto, O manual de Oslo define a inovação como “la manière dont les innovations se répandent, par l´intermédiaire des mécanismes du marché ou autrement” (OCDE, 1992, pp10), ou de uma forma mais explícita na definição de Mansfield (1981):

“By imitation cost we mean all costs of developing and introducing the imitative product, including applied research, product specification, pilot plant or prototype construction, investment in plant and equipment, and manufacturing and marketing startup”.

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As origens da inovação As origens da inovação é um tema que tem interessado muitos investigadores ao longo das ultimas décadas. A inovação tendo como base os conhecimentos científicos - Technology push - é claramente assumida por Schumpeter3, tendo como principal determinante a I&D.4

Technology push

Fonte: Rothwell (1994)

Esta hipótese baseia-se nos seguintes pressupostos: • Uma empresa com uma equipa de investigadores detecta mais facilmente as

possibilidades oferecidas pelos conhecimentos científicos, em possíveis aplicações comerciais;

• A actividade inovadora depende em muito da base de conhecimentos de uma empresa.

Este cenário implica que uma empresa que tenha capacidades financeiras para manter um bom quadro de investigadores tem mais hipóteses de inovar do que outra. Ou, segundo Rothwell(1994 p.40), “´ ...more R&D in equalled ‘more innovation out”. Em trabalhos empíricos subsequentes, no sentido de provar as ideias avançadas por Schumpeter, Schmooler(1966)5 mostrou a existência de uma correlação entre compras de equipamentos ferroviários e actividades de inovação expressas no depósito de patentes relativas àqueles produtos, dando assim ênfase ao conjunto de oportunidades de mercado que favorecem a inovação - “demand-pull”.

Demand - pull

Fonte: Rothwell (1994)

Nesta hipótese, a relação entre o “staff” produtivo e de marketing constitui a chave do problema, pois condiciona a capacidade para responder às necessidades e solicitações do mercado, na procura de soluções e oportunidades de negócio. Nos anos 50 a 80 prevaleceu o modelo linear, onde as actividades de I&D não é a fonte privilegiada de inovação. Na década de 70 os sistemáticos estudos empíricos sobre o tema da inovação vieram mostrar que os modelos lineares de technology-push e demand-pull eram 3 Hipótese associada em muita literatura a Phillips(1966) e a Nelson (1959). 4 O Debate entre a capacidade de indução da inovação da procura e da tecnologia encontra-se desenvolvida na obra de Walsh, Economics and Technological Change. 5 A tese de Schmookler´s de que a procura só por si determina a evolução e a direcção da mudança tecnológica não sobreviveu a estudos empíricos.(Cohen, 1995)

Necessidades Desenvolvimento Produção Vendas

Ciência de

base

Design e

engenharia

Fabrico

Comercialização

Vendas

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simplificações da realidade, pois não reflectiam os diferentes factores e natureza das inovações reveladas por esses estudos (Nelson, 1981). Mostraram que na origem das inovações residiam características das empresas, do mercado, da ciência e tecnologia. Os evolucionistas deram forma a essas evidências estatísticas, realçando os seguintes aspectos: • A interacção entre as estratégias tecnológicas das empresas e os mecanismos de

selectividade do mercado6. Esta relação constitui o ponto central do modelo evolucionista de Nelson e Winter (1982), que procura explicitar os diversos aspectos de mudança tecnológica;

Figura I. 1 - Modelo de inovação ligada em cadeia

Conhecimentos científicos e técnicos

Mercado Potêncial

Invento e/ou desenho do modelo

Detalhe do modelo e teste

Revisão do modelo

produção

Distribuição e

Comercialização

Fonte: Kline e Rosenberg, in OCDE (1992)

Este modelo considera o processo de inovação como uma interacção entre as oportunidades, meios e estratégias, podendo ser resumido em quatro pontos fundamentais: • Assume uma atitude dinâmica perante o mercado, interpreta as suas necessidades

e procura satisfaze-las; • Realça a relação entre competência técnica e conhecimento científico existente na

empresa com a estrutura de vendas e estratégia, dando assim importância à estrutura organizacional;

• Assume de uma forma clara o carácter incremental e cumulativo do processo de inovação;

• A investigação não é considerada como a origem do processo de inovação, mas como um meio de resolver problemas. (OCDE 1992)

6 Mudança tecnológica puxada pela tecnologia e orientada pela procura.

Investigação

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A vantagem das indústrias Japonesas constitui para Rothwell (1994) uma estratégia de inovação baseada na organização, onde o modelo de inovação em paralelo, observado na NISSAN por Graves(1987), permite integrar as funções empresariais, desde o Marketing até à produção em tempo real.

Figura 1 – Modelo em paralelo da Inovação

Marketing I&D

Desenvolvimento de produto Engenharia da produção

Componentes a serem fornecidas Produção

M a rk e t in g

Fonte: Rothwell (1994,pp.42)

Um outro aspecto relevante da experiência Japonesa é mostrar que a Inovação é cada vez mais um processo de cooperação realizado através de alianças estratégicas, colaboração em I&D, consórcios, redes de subcontratação, etc. Um dos grandes factores de sucesso da competitividade Japonesa reside para IMAI (1986) no Kaizen, processo contínuo de efeitos acumulados e que permite um incremento permanente e estável das inovações introduzidas. O termo Kaizen surge como um complemento importante da inovação tecnológica, facilitando não só a sua plena utilização e uso mas também a sua própria evolução.

Figura I. 2 – Padrões de evolução da inovação com e sem Kaizen

tempo Fonte: Imai (1986,p.26) A diferença entre o esperado e o alcançado é devido ao facto do sistema uma vez instalado como resultado de novas inovações (a-b), estar sujeito a contínua deterioração, a não ser que esforços permanentes sejam feitos, primeiro para manter (c-d) e depois para melhorar (d-e) através de inovações incrementais, permitindo assim atingir níveis de desempenho superiores àqueles que a própria inovação introduziu (d).

Lançamento

Reuniões de grupo (engenheiros e gestores)

Inovação

manutenção

Patamar esperado pela inovação

Patamar alcançado

Patamar alcançado pelo Kaizen

Kaizen

e

d

c

b

a

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O Kaisen constitui um esforço de todas as pessoas envolvidas e esse esforço só é possível com uma política de investimento no factor trabalho e na organização, o que implica um grande esforço de inovação organizacional, em que os grandes efeitos desta mudança residem na necessidade de aumento da flexibilidade, diversificação, redução de ciclos de produção, redução de custos de produção e comercialização de produção e comercialização e redes de cooperação. O factor custo, tempo e cooperação estão hoje entre os principais factores de competitividade das estratégias globais. A inovação tecnológica – síntese entre oferta tecnológica e procura de mercado A inovação tecnológica é a maior parte das vezes a síntese entre a oferta tecnológica e a procura de mercado. Para se adaptar/lançar um novo produto ou processo não é necessário lançar grandes estudos de investigação fundamental. Mesmo em pequenos países como Portugal é possível a inovação.

Modos de aparecimento das novas tecnologias (Ribault. P.84

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Graus e modalidades de apropriação tecnológica Quando nos apropriamos de uma tecnologia, estamo-nos a apropriar das suas componentes: conhecimentos, meios e Know how. Neste campo importa analisar o grau de apropriação e a forma ou a origem da apropriação tecnológica. Quanto ao grau: • Quase nulo, sabe utilizar/incorporar componentes; • Fraca, sabe escolher e especificar componentes/produtos ou materiais (saber

escolher um modem); • Teórica, ao nível do saber, e não do saber fazer, adquirido através do ensino e

formação; • Nível médio, é atingido quando se possui o equipamento, saber usar e adaptar os

processos de produção à tecnologia considerada; • Nível superior, é equilibrada nos três planos (conhecimentos, equipamentos e

know how práticos). Adapta-se a tecnologias a novos produtos. Exige a integração em redes de investigação ou a presença de peritos;

• Apropriação completa, é o nível do domínio completo da tecnologia.

Exemplo : Calberson

Competitividade

O caso da transportadora Calberson é exemplar e representativo de muitas das áreas de actividade: com efeito, não é com certeza sobre o instrumento de base da sua actividade, os camiões, que uma transportadora pode elaborar uma política tecnológica (ela não domina de modo algum as tecnologias dos veículos).

Esta transportadora debruçou-se sobre as suas funções, isto é, sobre a sua cadeia de valor, e pôde concluir que era capaz de construir uma vantagem concorrencial se explorasse, para os seus clientes, informações de controlo e de gestão que detinha, pelo menos em parte, uma vez que elas lhe eram de alguma forma necessárias internamente para gerir a sua actividade. Ora, até à expressão desta nova orientação, essa função permaneceu «passiva» não contribuindo para a cadeia de valor.

Inovação

A Calberson inovou ao levar a cabo, pela primeira vez entre as transportadoras, um

sistema de informação completo que visava um duplo objectivo: o sistema de informação deve servir simultaneamente para uso interno (gestão dos movimentos dos veículos e das mercadorias) e para uso externo junto dos clientes, prestando-lhes assim a estes informações (atrasos, localização) e novos serviços (gestão de stocks).

Tecnologia

O sistema de informação de Calberson assenta inteiramente em tecnologias

acessíveis a todas as empresas: redes de telecomunicações públicas, terminais com normas internacionais (Permutas de Dados Informatizados). Todavia, a própria concepção do sistema, a sua adaptação à actividade, o seu dimensionamento em relação ao número de clientes e às suas necessidades precisaram de um esforço importante e perfeitamente específico no caso da Calberson.

Conclusão

As consequências desta escolha estratégica são muito importantes para a Calberson:

por um lado, este desenvolvimento estratégico levou a uma verdadeira mudança de área profissional, tendo a Calberson passado de transportadora a transitário europeu; por outro lado, provocou uma verdadeira especialização de função, em favor da função «serviços aos clientes» e em detrimento da função «transporte», a qual depende do

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domínio tecnológico que mais escapa a uma transportadora, ou seja, os veículos: é assim que a Calberson sub-contrata agora uma forte maioria da sua frota de camiões (a função «transporte» sai deste modo da cadeia de valor e transforma-se numa prestação comprada).

Trata-se pois de um exemplo notável de ganho de competitividade, através do domínio de aplicações de novas tecnologias de forma selectiva na cadeia de valor.

In Ribault. P. 37

Modos de acesso às tecnologias A capacidade de uma empresa em levar a cabo a sua estratégia assenta na capacidade de dominar um conjunto diversificado de acessos à informação. Existem dois grandes eixos orientadores: o fazer em casa e o comprar feito. Entre estes dois extremos, as possibilidade de aceso às tecnologias são bastante diversificadas, como se pode observar na figura seguinte, que indica um leque possível de acesso às tecnologias.

Leque dos modos de acesso às tecnologias (Ribault Pág 99)

• De um modo global podemos referir que é sempre mais barato adquirir uma

licença do que investigar. • reverse enginnering e a vigilância tecnológica custa duas vezes mais barato que o

I&D (no Japão gastam 1,5% do seu do seu orçamento em vigilância e 3% em I&D;

• As colaborações com universidades são dispendiosas ) • As compras de empresas, tomadas de participação maioritária, com o objectivo

exclusivo de adquirir tecnologia, são modalidades de aceso mais dispendiosas.

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Escalonamento dos custos das diferentes modalidades de acesso (Ribault. P. 259)

Vigilância tecnológica, é um meio essencial de previsão das tecnologias futuras, decompõe-se em quatro fases: 1. Definir o que se quer saber e afectar os meios de investigação suficientes; 2. Seleccionar as boas fontes de informação e explorá-las inteligentemente; 3. Atribuir valor acrescentado às informações brutas; 4. Fazer circular a informação a assegurar a sua memorização. Inconvenientes: � Só se tem acesso a tecnologias existentes; � Não há exclusividade; � É difícil de praticar nas empresas ocidentais (o medo de ser posto em causa7);

Vantagens: � Não é cara8; � É rápida; � Consegue-se obter uma boa apropriação tecnológica.

Reverse engineering, é a designação nobre da cópia. O princípio é simples, parte-se de um produto do concorrente, copia-se e melhora-se. Na informática isso é muito comum ao nível da programação. Têm-se acesso ao código, rescreve-se sem plagiar mas alcança o mesmo resultado do plagiado. Outro exemplo é o do Macintosh inventado pela Xerox e que a Aple se apoderou com o desvio de especialistas e o reverse engineering. Vantagens: pouco dispendioso e rápido Inconvenientes: nunca provoca ruptura tecnológica e uma outra de ordem “psicológica” – prática de difícil aceitação.

7 O síndroma do NIH (not invented here) 8 Uma monografia personalizada sobre uma empresa, pode custar muito dinheiro.

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Estudo de caso Uma empresa europeia tem vontade de se implantar no mercado japonês. Como se informou antes, sabe que não o conseguirá se não se associar com um parceiro japonês. Procura um, encontra-o, funda-se uma empresa 50/50 no Japão. Os europeus contribuem com o seu conhecimento do mercado e com a mão-de-obra. Os investimentos são partilhados. A filial começa a funcionar. Os europeus transferem o seu know how aos quadros japoneses colocados na filial a partir da casa mãe japonesa. À medida que são formados, são repatriados para a casa mãe. Na pior das hipóteses são colocados numa outra filial desta, que como por acaso se põe a fabricar produtos concorrentes da filial comum. Em qualquer dos casos esta última funciona mal. Os resultados são decepcionantes. As perdas acumulam-se. Os europeus acabam por perceber que investiram pesadamente numa casca vazia. E dão-se por felizes, a fim de limitar os prejuízos, por revender a baixo preço o que resta dessa filial ao seu parceiro japonês. Este fica assim de posse de uma nova tecnologia que não possuía, com todas as despesas pagas pelo seu parceiro.

Ribault, 1995 Questão: Quais os modos de acesso às tecnologias levadas a cabo pela empresa Japonesa? Bibliografia:

Hippel, E. V., (1988), The source of innovation, Oxford University Press, 1988.

Martins, António G., (1999), Os determinantes da inovação na indústria transformadora portuguesa, Tese de Doutoramento, ISCTE, 1999.

Rodrigues, Eduardo Lopes, (1992), Tecnologia e Empresa, Banco de Fomento de Exterior

Ribault, Jean-Michel, Martinet B., Lebidous, D., (1995), A Gestão das tecnologias, Publicações Dom Quixote, 1995.

Walsh, Vivien, (1988) “Technology and the competitiveness of small countries: Review”, Small countries facing the technological revolution, Pinter Publishers, London and New York, 1988.