mpla- da fundação ao reconhevimento - lat n°282

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11 n° 28 - décembre 2006 L A T I T U D E S Partido Comunista Angolano (PCA), fundado em Luanda em 1955, ou com o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA), cuja fundação remonta ao ano de 1956. Por outras palavras, a acima refe- rida citação do Memorando de Dezembro de 1959 não confirma necessariamente a existência do MPLA como uma organização polí- tica formal. Por vezes tentou-se servir do seguinte testemunho de Amílcar Cabral na tentativa de dar maior credibilidade à tese defendida pela historiografia oficial segundo a qual o MPLA teria sido fundado em 1956: Nós mesmos, PAIGC, ajudamos a formar o MPLA em Angola. Não é nenhuma vaidade, não, publica- mente mesmo é sabido, os filhos de Angola sabem-no. Para servir os interesses do nosso povo, camara- das. Nós mesmos corremos riscos em Angola, em reuniões clandesti- nas. No momento em que vários angolanos estavam já presos pela PIDE, foi preciso ir a Angola fazer reuniões. Arranjamos contrato nacionais (PAI/PAIGC 6 , no caso da Guiné e Cabo Verde, e MPLA 7 , no que se refere a Angola). Cingindo-nos ao caso concreto de Angola, pode dizer-se que hoje não restam as menores dúvidas quanto a fundação do MPLA, em finais de Janeiro de 1960 8 , isto é, depois da Conferência de Tunes, embora já se fizesse oficiosa refe- rência àquele movimento, no sentido de aglutinador de todas as organizações políticas angolanas, num Memorando dirigido por Lúcio Lara ao Bureau Político do Neo- Destour (partido tunisino), datado de 26 de Dezembro de 1959 9 . Ainda que no referido Memorando se afir- masse que aquele movimento de libertação lutava “há cinco anos” (o que apontava o ano da sua funda- ção para 1954 ou 1955) pela inde- pendência de Angola, essa afirma- ção deve ser contextualizada, pois, a nosso ver, simplesmente revela uma tentativa de associação histó- rica do MPLA com os partidos então existentes em Angola, como o Do movimento unitário à funda- ção do MPLA Como já defendemos num outro estudo 1 a tendência para a consti- tuição de organizações unitárias entre a diáspora africana residente em Portugal começou a desenhar- se nos primeiros anos da década de 50 do século passado. Por um lado, através da institucionalização do Centro de Estudos Africanos (CEA), em 1951, e, por outro, da criação de organizações de carácter polí- tico, tais como o MDCP 2 , MLNCP 3 e o MAC 4 , cujos objectivos eram, para além da denúncia do colonia- lismo português e da divulgação, no exterior, da luta levada a cabo no interior dos seus territórios, a conquista da independência de todas as colónias portuguesas de África. Mais tarde, a tomada de consciên- cia da impossibilidade de concreti- zar o objectivo a que se propunham (libertar todas as colónias portugue- sas), no âmbito de um único orga- nismo unitário, fez com que no seio do MAC houvesse quem, como Viriato da Cruz, defendesse o incen- tivo à criação de organizações polí- ticas nacionais e frentes de luta comuns, ou então a concentração da acção numa única colónia (nomeadamente Angola). Viriato acreditava então, nas suas próprias palavras e numa visão quase profé- tica, que “o sistema colonial portu- guês” não ia ceder ao mesmo tempo em todas as colónias africanas de Portugal, “mas por partes 5” . A opção por qualquer uma das soluções atrás apontadas faria com que os movimentos unitários passassem a funcionar como orga- nismos de coordenação dos parti- dos e/ou frentes nacionais. Deste modo, a pouco e pouco, as organi- zações políticas unitárias foram cedendo lugar aos movimentos MPLA: Da Fundação ao Reconhecimento por Parte da OUA (1960-1968) Julião Soares Sousa* Viteix, “‘ février 1961-1981 Luanda, 1982 Paris”

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11n° 28 - décembre 2006 LATITUDES

Partido Comunista Angolano (PCA),fundado em Luanda em 1955, oucom o Partido da Luta Unida dosAfricanos de Angola (PLUAA), cujafundação remonta ao ano de 1956.Por outras palavras, a acima refe-rida citação do Memorando deDezembro de 1959 não confirmanecessariamente a existência doMPLA como uma organização polí-tica formal.

Por vezes tentou-se servir doseguinte testemunho de AmílcarCabral na tentativa de dar maiorcredibilidade à tese defendida pelahistoriografia oficial segundo a qualo MPLA teria sido fundado em1956:

Nós mesmos, PAIGC, ajudamos aformar o MPLA em Angola. Não énenhuma vaidade, não, publica-mente mesmo é sabido, os filhosde Angola sabem-no. Para servir osinteresses do nosso povo, camara-das. Nós mesmos corremos riscosem Angola, em reuniões clandesti-nas. No momento em que váriosangolanos estavam já presos pelaPIDE, foi preciso ir a Angola fazerreuniões. Arranjamos contrato

nacionais (PAI/PAIGC6, no caso daGuiné e Cabo Verde, e MPLA7, noque se refere a Angola).

Cingindo-nos ao caso concretode Angola, pode dizer-se que hojenão restam as menores dúvidasquanto a fundação do MPLA, emfinais de Janeiro de 19608, isto é,depois da Conferência de Tunes,embora já se fizesse oficiosa refe-rência àquele movimento, nosentido de aglutinador de todas asorganizações políticas angolanas,num Memorando dirigido por LúcioLara ao Bureau Político do Neo-Destour (partido tunisino), datadode 26 de Dezembro de 19599. Aindaque no referido Memorando se afir-masse que aquele movimento delibertação lutava “há cinco anos” (oque apontava o ano da sua funda-ção para 1954 ou 1955) pela inde-pendência de Angola, essa afirma-ção deve ser contextualizada, pois,a nosso ver, simplesmente revelauma tentativa de associação histó-rica do MPLA com os partidos entãoexistentes em Angola, como o

Do movimento unitário à funda-

ção do MPLA

Como já defendemos num outroestudo1 a tendência para a consti-tuição de organizações unitáriasentre a diáspora africana residenteem Portugal começou a desenhar-se nos primeiros anos da década de50 do século passado. Por um lado,através da institucionalização doCentro de Estudos Africanos (CEA),em 1951, e, por outro, da criaçãode organizações de carácter polí-tico, tais como o MDCP2, MLNCP3

e o MAC4, cujos objectivos eram,para além da denúncia do colonia-lismo português e da divulgação,no exterior, da luta levada a cabono interior dos seus territórios, aconquista da independência detodas as colónias portuguesas deÁfrica.

Mais tarde, a tomada de consciên-cia da impossibilidade de concreti-zar o objectivo a que se propunham(libertar todas as colónias portugue-sas), no âmbito de um único orga-nismo unitário, fez com que no seiodo MAC houvesse quem, comoViriato da Cruz, defendesse o incen-tivo à criação de organizações polí-ticas nacionais e frentes de lutacomuns, ou então a concentraçãoda acção numa única colónia(nomeadamente Angola). Viriatoacreditava então, nas suas própriaspalavras e numa visão quase profé-tica, que “o sistema colonial portu-guês” não ia ceder ao mesmo tempoem todas as colónias africanas dePortugal, “mas por partes5”.

A opção por qualquer uma dassoluções atrás apontadas faria comque os movimentos unitáriospassassem a funcionar como orga-nismos de coordenação dos parti-dos e/ou frentes nacionais. Destemodo, a pouco e pouco, as organi-zações políticas unitárias foramcedendo lugar aos movimentos

MPLA: Da Fundação aoReconhecimento por Parte da OUA

(1960-1968)

Julião Soares Sousa*

Viteix, “‘ février 1961-1981 Luanda, 1982 Paris”

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como agrónomo e fomos paraAngola e aproveitamos para reunircamaradas, para discutir com eleso novo caminho que devíamosseguir todos na luta pelas nossasterras10.

No entanto, nas palavras deCabral estão patentes váriosmomentos relacionados com assuas lides profissionais em Angola,entre 1956 e 1959, e que incluiamainda a participação em activida-des políticas clandestinas, designa-damente na fundação e organiza-ção do PLUAA, em Dezembro de1956, cujo Manifesto seria adop-tado posteriormente (em 1960)pelo MPLA.

A “nacionalização” do movimento

de libertação da diáspora

Desde 1959 que os africanosdas colónias portuguesas na diás-pora, ainda no âmbito do movi-mento de libertação unitário(MAC), chegaram à conclusão deque não fazia mais sentido conti-nuar na Europa com tantas coisasque havia para fazer nos seusrespectivos territórios, onde as suasausências, nas palavras de AmílcarCabral, representavam “uma lacunaprejudicial à luta”11. Era necessá-rio, pois, que todas as secções doMAC (Berlim, Frankfurt, Paris e odirectório de Lisboa) e os respecti-

vos elementos (Viriato da Cruz,Lúcio Lara, Mário de Andrade,Marcelino dos Santos e Guilhermedo Espírito Santo, Amílcar Cabral eAgostinho Neto, entre outros)regressassem a África e aí se prepa-rassem para iniciar um grandeprojecto político-revolucionário delibertação dos seus territórios deorigem.

Três países foram eleitos para afixação não só devido à ideologia eao carácter revolucionário dos seusdirigentes, mas também por causada proximidade geográfica com assuas colónias de origem e ainda poroferecerem melhores garantias emtermos de apoio políticos, morais efinanceiros. Eram eles, a Guiné-Conakry, para os guineenses ecabo-verdianos, e o Ghana ou oCongo-Leopoldeville, para os ango-lanos. Recorda-se que num périplorealizado por várias capitais africa-nas, em Setembro de 1959, noâmbito dos preparativos para oregresso a África, Amilcar Cabralhavia estado em Leopoldeville e emAccra (capital do Ghana), com ofirme propósito de solicitar apoiose trabalho para os elementos doMAC junto dos dirigentes doMovimento Nacional congolês(MNC), dirigido por Lumumba, edo Presidente Nkrumah para a insta-lação do Bureau e de representan-tes do MAC naquela cidade, atempo de poderem presenciar aConferência dos Povos Africanos, ater lugar no mês de Outubro, e auma reunião da Assembleia Geraldas Nações Unidas que aí deveriarealizar-se em Dezembro12.

O MAC tentava aproveitar apresença em Accra de países quehaviam participado na Conferênciade Bandung em 1955, na Conferênciade Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos realizada no Cairo em 1957,na I e II Conferências dos Povos deAccra, realizados, respectivamente,em 15 de Abril13 e em Dezembro14

de 1958, e que haviam assumido osolene compromisso “de ajudartodos os povos que lutam contra ocolonialismo”15.

Idêntico objectivo havia sidotraçado em relação à Guiné-Conakry, mas por uma questão deprudência Cabral acabou por nãoViteix, “La chute d’un camarade”, 1972, Paris.

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destinas. Em Abril de 1960, já naliderança do movimento de interiorde Angola (MINA), Neto enviouManuel Pedro Pacavira, como emis-sário, para se reunir com os elemen-tos angolanos do FRAIN e do MPLArecentemente fundados em Tunes.Para esse encontro, que teve lugarem Brazzaville, foi indigitado LúcioLara. No decurso da reunião entreambos, Lúcio Lara teria sugerido aPacavira, de acordo com EdmundoRocha, a “mudança do nome MINApara MPLA”22, para que o movi-mento que já era conhecido noexterior existisse também emAngola. Surgia assim o MPLA dointerior, sob a liderança de Neto. Omovimento não desenvolverianenhuma acção relevante uma vezque o seu dirigente principal serianovamente detido pelas autorida-des portuguesas, em Junho de 1960,e deportado para Cabo Verde (SantoAntão e Santiago) e, mais tarde,para Portugal.

A luta pela afirmação do MPLA e

pelo reconhecimento da OUA

A prisão de Neto em Luanda eas dificuldades enfrentadas peloselementos da diáspora na sua tenta-tiva para se instalarem emLeopoldeville, contribuiria para umrelativo atraso do MPLA relativa-mente à sua rival (UPA/FNLA),numa altura em que ambos preten-diam assegurar a “conquista” daliderança do movimento de liberta-ção angolano. Recorda-se que,desde há muito, a União dos Povosdo Norte de Angola (UPNA)23, quese transformaria em União dosPovos de Angola em 1958, encon-trava-se estabelecida no Congo-Lepoldeville, onde contava cominúmeros adeptos e gozava, alémdo mais, de relativa influência juntodas autoridades daquele país.

Apesar das dificuldades iniciais, oMPLA do exterior lograria, finalmente,transferir-se para Leopoldeville, emOutubro de 1961. Contudo, osfrequentes problemas que começa-ram a surgir entre os partidários doMPLA e da UPA e a proliferação dosmovimentos de libertação angola-nos no seu território, as autoridades

cionados com as suas respectivascolónias. Como sustenta NorrieMacQueen, a ideia de uma lutaunificada não passava de um“discurso ideológico e do objectivopolítico”20.

Na Guiné-Conakry, os angola-nos deveriam aguardar a autoriza-ção dos dirigentes do Ghana. Mas,a transferência solicitada jamais seconcretizaria por vários motivos.Em primeiro lugar, deve assinalar-se a repentina morte (em Setembrode 1959) de George Padmore, queera quem dirigia o Bureau ofAfrican Affairs21, na AdministraçãoNkrumah. Diríamos, inclusiva-mente, que esta situação veiomesmo atrasar a resposta positivaque os elementos do MAC, comalguma ansiedade, aguardavam. Emsegundo lugar, a influência que aUPA de Holden Roberto tinha juntodas autoridades do Ghana.

A demora das autoridades doGhana em corresponderem à solici-tação do MAC e a independênciado Congo-Leopoldeville, ocorrida a30 de Junho de 1960, devem terlevado os angolanos a desistir dainstalação no Ghana e a optarempor aguardar a evolução da situa-ção política naquele país vizinhode Angola para depois solicitarem aautorização e o apoio para a fixa-ção dos quadros e de um bureaudo MPLA. Porém, a grave crise emque este país se mergulhou e queconduziu à prisão e o posteriorassassinato do então primeiro-minis-tro, Patrice Lumumba, veio dificultara situação e adiar instalação dosangolanos em Leopoldeville.

Um outro acontecimento marcouum ponto de viragem na descoor-denação até aqui existente entre oMPLA, criado na diáspora, e o movi-mento de libertação do interior deAngola. Trata-se do regresso aAngola de Agostinho Neto, membrodo directório de Lisboa do MAC, a30 de Dezembro de 1959, depoisde terminar a licenciatura emMedicina. Uma vez naquela colóniaNeto envolveu-se, com o carismaconquistado (tinha sido preso emPortugal por duas vezes), activa-mente na dinamização do naciona-lismo angolano que contava já comvárias organizações políticas clan-

seguir para aquele país com receiode que “se o fizesse o visto quedepois no passaporte passasse aexistir comprometer-lhe-ia a suaviagem para Portugal”16.

Anteriormente a secção deFrankfurt e de Berlim do MAChaviam solicitado ao ConventionPeoples Party (partido de Nkrumah),a instalação de um Bureau e a auto-rização para que todos os seuselementos emigrassem para oGhana e aí trabalhassem politica-mente17. A ideia dos elementos doMAC era evitar que o dirigente daUnião das Populações de Angola(UPA), Holden Roberto, os repre-sentasse na Assembleia-geral daONU. A finalidade das diligênciasde Amílcar Cabral no Ghana era,conforme se escrevia num docu-mento da Polícia Política de Salazar,“convencer as várias nações afro-asiáticas a tomarem uma posiçãocontra Portugal”18.

Mas, quer a Guiné-Conakry,quer o Ghana colocavam aindagrandes obstáculos para essa fixa-ção. No entanto, o primeiro país aresponder favoravelmente aopedido dos africanos das colóniasportuguesas acabou por ser aRepública da Guiné-Conakry, ondejá se encontrava instalado, desdefinais de Agosto de 1959, o médicoangolano, Hugo de Menezes.

Em finais de Janeiro de 1960,iniciavam o projecto do regresso aÁfrica, depois de terminada aConferência de Tunes. Com efeito,poucos dias antes, num memorandodatado de 23 ou 24 de Janeiro de1960, propunha-se que Lúcio Lara eViriato da Cruz partissem imediata-mente para a República da Guinéonde deveriam coordenar os movi-mentos de libertação da Guinéportuguesa que ai existiam19, até achegada de Amílcar Cabral. Efecti-vamente, em Fevereiro, Viriato daCruz abandonava Tunes comdestino a Guiné-Conakry, seguindo-se-lhe Lúcio Lara, Amílcar Cabral eMário de Andrade. Iniciava-seassim, a “nacionalização” dos movi-mentos de libertação (PAI/PAIGC eMPLA) que compunham a organi-zação de coordenação supranacio-nal (o FRAIN), no sentido em quepassaram a tratar de assuntos rela-

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congolesas passaram a condicionara ajuda à realização da unidade noseio do movimento de libertaçãode Angola.

A ideia de unir, em torno doMPLA, todos os movimentos deAngola, era muita antiga. Pelomenos, desde Novembro de 1960,na sequência de um “Apelo” àunião de todos os movimentosangolanos lançado em Conakry,que o Comité Director do MPLA24

vinha propondo a realização, emFevereiro de 1961, de uma confe-rência que deveria ter lugar numpaís africano independente25, mas

que por diversos motivos acaboupor não se realizar.

Em Abril de 1961, numa reuniãorealizada em Casablanca (Marrocos),em que foi constituída a Conferênciadas Organizações Nacionalistas dasColónias Portuguesas (CONCP), emsubstituição da FRAIN, os represen-tantes do MPLA, do PAIGC e da Ligade Goa, incentivavam as organiza-ções políticas existentes a unirem-se em frentes de luta comuns26.

Em Leopoldeville não havia sinaispositivos de que um acordo deunidade entre os principais movi-mentos de Angola pudesse concreti-

zar-se. Antes pelo contrário, as riva-lidades ameaçavam eternizar-se. Atentativa de domínio da situação nointerior de Angola levou mesmo aque em finais de 1961, um grupo de20 combatentes do MPLA, quetentava infiltrar-se naquela entãocolónia, tivesse sido liquidada alega-damente por forças afectas à UPA.

Mas, ainda assim, várias tentati-vas de união, da iniciativa dospróprios movimentos de libertaçãoe dos países vizinhos que davamguarida aos movimentos de liberta-ção de Angola (Congo-Leopoldevillee Congo-Brazzaville) foram ensaia-das sem que nenhuma delas tivesseproduzido os resultados desejados.

A situação prevalecente, quer noCongo-Leopoldeville, quer mesmono interior de Angola, era franca-mente favorável a UPA que, a 27 deMarço de 1962, se aliaria ao PartidoDemocrático de Angola (PDA) daqual resultaria a formação da FrenteNacional de Libertação de Angola(FNLA).

Agostinho Neto, que dois anosantes havia sido preso em Luanda edeportado, como já se disse, paraSanto Antão e Santiago (CaboVerde) e subsequentemente paraLisboa, foge de Portugal em direc-ção a Marrocos e, em meados de1962, numa altura em que a FNLAtinha criado o Governo daRepública de Angola no Exílio(Abril), chegava a Leopoldevillecom uma importante missão nabagagem: (re)organizar o MPLA e“conquistar” a liderança do movi-mento de libertação de Angola. Foi-lhe conferida a presidência doMPLA que, até ai estava a ser diri-gido por Mário de Andrade. EmDezembro de 1962, reuniu a IConferência Nacional do MPLA emLeopoldeville. Mas, as graves cisõesinternas vieram ao de cima pondoa descoberto a fragilidade daquelemovimento. Um dos problemas quedespoletou profundas divisões noseio daquele movimento, entreAgostinho Neto e Viriato da Cruz,foi justamente a união estratégica ealargada que este defendia com aFNLA. Para a necessidade da efecti-vação dessa união de forças concor-riam, nas palavras de Mário deAndrade, duas realidades: “a exis-Illustration de Viteix

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Estrangeiros da OUA o reconheci-mento de um movimento deAngola, A FNLA e o MPLA inicia-ram as suas movimentações com oobjectivo de assegurar uma posiçãode supremacia antes da chegada damissão. Por exemplo, face à iminentevisita, tentando antecipar-se ao seurival, a 29 de Junho de 1963, a FNLAproclamaria o Governo Revolucionáriode Angola no Exílio (GRAE), quefoi reconhecido, no mesmo dia,pelo Governo congolês (Congo-Leopoldeville). Esta medida veioabrir uma grave crise entre os doispaíses vizinhos de Angola: o Congo-Brazzaville (apoiante do MPLA) e oCongo-Leopoldeville (apoiante daFNLA).

Efectivamente, a 10 de Julho de1963, a missão de “Bons Ofícios”presidida pelo Ministro de NegóciosEstrangeiros nigeriano, Jaja Wachuku,chegava a capital do ex-Congobelga. Na sequência de váriasreuniões e ao constatar a existênciade graves desinteligências no seiodo MPLA e a evidente supremaciada FNLA, quer no que diz respeitoà sua projecção em Angola, quer anível da coesão e da eficácia orga-nizacional, a missão acabou porrecomendar o reconhecimento doGRAE/FNLA, como o único movi-mento legítimo que combatia verda-deiramente pela autodeterminaçãoe independência de Angola.

Na realidade, desde 15 de Marçode 1961, a UPA havia iniciado a lutano interior de Angola, numa extensaárea que abarcava a então provín-cia do Zaire, do Kuanza-Norte, deMalange, do Uige e do Bengo, situa-ção que rapidamente a colocou àcabeça da resistência contra o colo-nialismo português.

Perante o reconhecimento daUPA/FNLA e face ainda à nova situa-ção que se criou, o Governo doCongo-Leopoldeville não podiacontinuar a tolerar a presença doMPLA, profundamente dividido, noseu território. Daí que, a 2 deNovembro de 1963, decidiu proibiras actividades daquele partido emtodo o país, o que fez com que osseus quadros e militantes se refu-giassem em Brazzaville, onde inicia-riam uma tímida reorganização, nãosó politicamente, como militarmente.

angolanas (MPLA e FNLA) nãopermitiam o avanço da luta no inter-ior. Por causa do impasse insusten-tável provocado pela desunião noseio do movimento de libertaçãode Angola a OUA criou, em meadosde 1963, uma missão de “BonsOfícios”, constituída por represen-tantes da Argélia, da República daGuiné, da Nigéria, do Senegal, doCongo-Leopoldeville e do Uganda,cujo objectivo seria o de avaliar osmovimentos de libertação deAngola, a fim de decidir qual delesestaria em condições de beneficiardos apoios do Comité de Libertação.A escolha foi condicionada à cria-ção “de uma Frente de AcçãoComum” em cada território, mas,no caso de não ser possível amissão deveria “reconhecer o movi-mento mais apto a receber a suaassistência”28. Na sequência domandato outorgado pelo Comité àmissão dos “Bons Ofícios”, a 1 deJulho de 1963, numa reunião patro-cinada pelo Presidente do Congo-Brazzaville, Fulbert Youlou, o MPLAreunido em Brazzaville logrou, comoutros quatro pequenos partidos (oMNA, a UNTA, o NGWIZAKO e oMDIA29), a criação da FrenteDemocrática de Libertação deAngola (FDLA). Quando nada ofazia esperar eis que surgiu, no seiodo MPLA, uma nova dissidência.Desta feita a de Mário de Andradeque se demitiu do cargo queocupava na direcção do movimentoalegando nunca ter sido consultadoacerca do processo. Era mais umabaixa de vulto no partido deAgostinho Neto. Num comunicadodifundido no Cairo, Andrade decla-rava:

Por consequência, eu não poderiade qualquer forma dar a minhaaprovação a uma associação demovimentos ditos nacionalistas, nãotendo base política comum. O meunome foi, pois, abusivamente utili-zado na lista do comité executivoda FDLA30.

Em Leopoldeville, ao tomaremconhecimento de que, em finais deJunho, a missão de “Bons Ofícios”do Comité de Libertação iniciariacontactos a fim de recomendar aoConselho de Ministros dos Negócios

tência de uma situação expressiva”que as massas populares poderiamaproveitar para passar à acçãoarmada, e, em segundo lugar, ofacto da União das Populações deAngola (UPA) ter influência notóriajunto dos “trabalhadores forçados”,das regiões setentrionais e junto dadiáspora angolana do Congo27.

Mas, em virtude dos desentendi-mentos internos que este assuntoprovocou em Leopoldeville, o entãosecretário-geral, Viriato da Cruz,Manuel Santos Lima, Matias Miguéise quase meia-centena de outroscorreligionários, excluído das listasdos órgãos dirigentes eleitos naconferência acima referida, pordiscordância com Agostinho Neto,abandonariam o MPLA. Entre 1962e 1963, o MPLA atravessou, de facto,uma profunda crise com AgostinhoNeto a enfrentar uma forte oposi-ção interna por parte de antigoscompanheiros, como Viriato daCruz e seus correligionários. Nacapital da República do Congo(Leopoldeville) chegou mesmo ahaver cenas de tiroteio entre as duasfacções. Viriato e Matias Miguéisseriam acusados pelo MPLA, em1965, de terem criado uma cisão noseio do MPLA ou de terem integradoo GRAE de Holden Roberto.Perseguido, Viriato refugiar-se-ia naChina, onde acabou por falecer, eMatias Miguéis seria fuzilado peloMPLA em Novembro de 1965.

Uma das organizações que reve-lou, desde a sua fundação em Maiode 1963, grande interesse na uniãodos movimentos de libertação deAngola foi justamente a OUA emcujo projecto se empenhou deno-dadamente, através do seu Comitédos Nove (transformado poucodepois em Comité de Libertação).Servindo-se da estratégia daunidade, aquela organização conti-nental procurava evitar a prolifera-ção dos movimentos de libertaçãoe a dispersão de forças prejudicialao aproveitamento racional dasajudas. No quadro da OUA e do seuComité passou-se a defender queos apoios deveriam ser atribuídosem função da eficácia.

Do ponto de vista político e mili-tar as rivalidades entre as duas maisimportantes formações políticas

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16

Tanto é assim que, no anoseguinte (1964), o MPLA abria aFrente de Cabinda e com a inde-pendência da Zâmbia, iniciou amobilização no Leste (província doMoxico e Cuando-Cubango). Estefacto coincidiu, curiosamente, como declínio da UPA, que, pouco apouco, também se viu mergulhadoem graves divisões internas, queacabaram por conduzir à saída devários elementos da organização,como por exemplo Jonas Savimbi,que em 1964 fundou a sua própriaorganização política (a UNITA), ede Viriato da Cruz, e externas(chegada de Moisés Tshombé aopoder e o apoio que dava aosopositores internos de HoldenRoberto na FNLA).

Não completamente satisfeita coma decisão da OUA, a Conferência dasOrganizações Nacionalistas dasColónias Portuguesas (CONCP) tudofaria para que a OUA retirasse o apoiodado ao GRAE em detrimento doMPLA. Por exemplo, nas resoluçõesda conferência realizada emOutubro de 1965, em Dar-es-Salaam, exigia-se que a OUA revissea sua posição relativamente aoprecipitado reconhecimento doGoverno Provisório de HoldenRoberto31. Amílcar Cabral, na quali-dade de Presidente em exercício daCONCP, teria sido indigitado para,na conferência de OUA, a ter lugarem Accra, em Outubro de 1965, afim de pressionar os paísesmembros desta organização a reti-rarem o apoio ao movimento deHolden Roberto. Mas, só na confe-rência do Comité de Libertação daOUA realizada em Argel em Julhode 1968, o MPLA foi, finalmente,reconhecido �

* Guineense, Mestre em História Modernae doutorando em HistóriaContemporânea pela Faculdade deLetras da Universidade de Coimbra,colaborador do Centro de EstudosInterdisciplinares do Século XX daUniversidade de Coimbra (Portugal).

1 Julião Soares Sousa, “Os movimentosunitários anticolonialistas (1954-1960). Ocontributo de Amílcar Cabral”, inColonialismo, Anticolonialismo eIdentidades Nacionais, Estudos doSéculo XX, nº 3, Quarteto Editora,Coimbra, 2003, pp. 336 e segs.

2 O Movimento Democrático das ColóniasPortuguesas (MDCP) foi fundado, emLisboa, em 1954, e chegou a ser lide-rado por Agostinho Neto.

3 O Movimento de Libertação Nacionaldas Colónias Portuguesas (MLNCP) foifundado em Paris, em Novembro de1957, por Viriato da Cruz, Mário deAndrade, Amílcar Cabral, Marcelino dosSantos e Guilherme do Espírito Santo.

4 O Movimento Anticolonialista (MAC), foifundado em Lisboa em 1958 como resul-tado da fusão do MDCP e do MLNCP.

5 Carta de Viriato da Cruz para Lúcio Larae Amílcar Cabral [dactilografada],Conakry, 7 de Março de 1960, in LúcioLara, Documentos e comentários para aHistória do MPLA até Fevereiro de 1961.Com um prefácio à Edição Portuguesa.Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999,p. 405.

6 Partido Africano da Independência/Partido Africano da Independência daGuiné e Cabo Verde.

7 Movimento Popular de Libertação deAngola.

8 Este ponto de vista já foi defendido,entre outros, por Carlos Pacheco, MPLA.Um nascimento polémico, Lisboa, ed.Vega, 1997. Há, no entanto, outros auto-res como Franz-Wilhelm Heimer queapontam o ano de 1958, como sendo oda fundação do MPLA (“Obras emLíngua alemã sobre a África de línguaoficial portuguesa...”, Lisboa, Centro dosEstudos Africanos, Instituto Superior deCiências de Trabalho e da Empresa, n.º 2,Revista Internacional de EstudosAfricanos, p. 189).

9 Excerto da Carta de Lúcio Lara a Viriatoda Cruz, Tunes, 26 de Dezembro de1959, in Lúcio Lara, Documentos ecomentários para a História do MPLAaté Fevereiro de 1961. Com um prefá-cio à Edição Portuguesa. Lisboa,Publicações Dom Quixote, 1999, nota 1à p. 300.

10 Citado por Dalila Cabrita Mateus, Aluta pela independência. A formaçãodas elites fundadoras da FRELIMO,MPLA e PAIGC, Lisboa, EditorialInquérito, 1999, p. 57.

11 Relatório de Amílcar Cabral, África,Setembro de 1959, in Lúcio Lara, ob.cit., p. 153.

12 “Relatório de Amílcar Cabral [manus-crito], Bons Amigos, África, Setembro1959, in Lúcio Lara, ob. cit., p. 153.

13 São eles: Marrocos, Egipto, Tunísia,Líbia, Sudão, Ghana, Etiópia e Libéria.

14 São eles: Ghana, Argélia, Camarões,Togo, Mauritânia, Daomé, Senegal,Guiné-Conakry, Egipto, Angola (UPA),União Sul Africana e o Congo Belga(Vide Phillipe Decraene, ob. cit., p. 63).

15 Carta de Lúcio Lara a Hugo deMenezes [dactilografada], Frankfurt, 3 de Junho de 1959, in Lúcio Lara, ob. cit., p. 100.

16 IAN/TT - PIDE/DGS, processo 12/62,Rafael Barbosa, NT 5434, 2º vol. Fl. 50;Carta de Amílcar Cabral [manuscrita]dirigida aos Amigos, 24/9/59, in LúcioLara, ob. cit., p. 162.

17 Vide Julião Soares Sousa, “Os movi-mentos Unitários...”, [separata], p. 343.

18 IAN/TT - PIDE/DGS, processo 19 -E/GT, Amílcar Cabral, fl. 27.

19 Memorandum de Amílcar Cabral eMário de Andrade [manuscrito porAmílcar], in Lúcio Lara, ob. cit., p. 329.

20 Norrie MacQueen, A descolonizaçãoda África portuguesa. A revoluçãometropolitana e a dissolução doImpério, Lisboa, Editorial Inquérito,1998, p. 43.

21 Carta de Barden [dactilografada - origi-nal em inglês] do Bureau of AfricanAffairs (Accra), 27 de Outubro de 1959,in Lúcio Lara, Documentos e comentá-

rios para a História do MPLA atéFevereiro de 1961. Com um prefácio àEdição Portuguesa. Publicações DomQuixote, 1999, p. 211.

22 Edmundo Rocha, Angola: Contribuiçãoao estudo da Génese do nacionalismoModerno Angolano (período de 1950-1964), Edição do autor, Lisboa, 2003,p. 134.

23 A UPNA foi fundada por HoldenRoberto em 1954.

24 “Segundo apelo do MPLA à unidade[policopiado], in Lúcio Lara, ob. cit.,pp. 561-565.

25 Idem, ibidem.26 AMS, Conférence des Organisations

Nationalistes des Colonies Portugaises”,Casablanca 18-20 avril 1961, SecrétariatPermanent de la Conférence desOrganisations Nationalistes desColonies Portugaises (CONCP), Rabat-Maroc, pasta 4357.009, im. 57.

27 Mário de Andrade, “Angola: Agonie del’empire et crise du nationalisme”,Remarques Congolaises & Africaines, nº14 du 11-0-1964, p. 330.

28 IAN/TT - PIDE/DGS, processo nº1915/50, Amílcar Cabral, SR,Informação n.º 271/SC/CI (2). Assunto:Actividades da “FLING”, datada de25/7/63, pasta 3. fl. 323.

29 Respectivamente, Movimento Nacionalde Angola, União Nacional dosTrabalhadores de Angola, Nigwizani áKongo e Movimento de Defesa dosInteresses de Angola.

30 IAN/TT - PIDE, processo 1915/50,Amílcar Cabral.

31 AHDMNE, processo 940, 1 (5) D,CONCP - 2.ª Conferência dasOrganizações Nacionalistas dasColónias Portuguesas, Dar-es-Salaam,3-8 de Outubro de 1965, Resoluções.Secretariado Permanente da CONCP,março 458, pasta 1.

Résumé

Dans les colonies portugaisesd’Afrique, le nationalisme modernea obéi à une logique évolutive où ilest possible de repérer deux impor-tantes contributions : celle de ladiaspora africaine qui fréquentaitles universités portugaises durantles années 1940/50 et celle des éliteslocalement émergentes. Portant surle cas concret de l´Angola et duMPLA, le présent article insiste sur lerôle de la diaspora dans la créationdu MPLA en exil ainsi que sur leschocs et les confrontations politi-ques et idéologiques (parfois armés)qui accompagnent les mouvementsd’origine locale, et concrètementl’UPA/FNLA, dans la phase du combatpour leur affirmation dans le cadredu mouvement de libération angolaiset aussi pour leur reconnaissance dela part de l’Organisation d’UnitéAfricaine (OUA).