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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRAUDAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA Movimento Neopentecostal e Religiosidades Neoesotéricas: um estudo comparado sobre comportamento religioso em Goiânia Autora: Janete Rodrigues da Silva Orientador: Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabelo GOIÂNIA MAR/2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRAUDAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Movimento Neopentecostal e Religiosidades Neoesotéricas: um

estudo comparado sobre comportamento religioso em Goiânia

Autora: Janete Rodrigues da Silva

Orientador: Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabelo

GOIÂNIA

MAR/2010

2

JANETE RODRIGUES DA SILVA

Movimento Neopentecostal e Religiosidades Neoesotéricas: um

estudo comparado sobre comportamento religioso em Goiânia

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Sociologia da Faculdade de Ciências

Humanas e Filosofia da Universidade

Federal de Goiás como um dos

requisitos para obtenção do título de

Mestre em Sociologia, sob orientação do

Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista

Rabelo.

GOIÂNIA

MAR /2010

3

JANETE RODRIGUES DA SILVA

Movimento Neopentecostal e Religiosidades Neoesotéricas: um estudo comparado sobre comportamento religioso em Goiânia

Dissertação defendida e aprovada em _____ de ____________ de 2010, pela banca

examinadora constituída pelos professores:

______________________________________________

Prof. Dr. Francisco Chagas Evangelista Rabelo/UFG

Presidente da Banca

______________________________________________

Profa. Dra. Carolina Teles Lemos/PUC-GO

______________________________________________

Profa. Dra. Maria da Conceição Silva/UFG

_______________________________________________

Prof. Dr. Jordão Horta Nunes/UFG (Suplente)

4

Dedicatória

À memória de minha mãe, Terezinha

Ferreira Guimarães (1933*- 2005+),

cuja ausência só pode ser suportada

por causa da esperança de um

reencontro.

5

Agradecimentos

Agradeço ao meu querido mestre e orientador Francisco Chagas Evangelista

Rabelo: que privilégio conviver com o senhor durante todo o tempo da

graduação e do mestrado! Se não fiz melhor, certamente não foi por falta de

exemplo.

Agradeço à minha orientadora da graduação, Ivanilde Gonçalves Moura: acima

de qualquer coisa, você se tornou uma amiga valiosa.

Agradeço ao Professor Anderson Clayton Pires: conhecê-lo foi um divisor de

águas em minha vida acadêmica. Certamente não estaria aqui se não tivesse

acreditado em mim. Sua confiança me motivou.

Agradeço a todos os professores do curso de Ciências Sociais da UFG,

especialmente a Professora Dalva Maria Borges. L. Dias de Souza e ao

Professor Jordão Horta Nunes: não podem imaginar o quanto a dedicação de

vocês me inspira.

Agradeço aos meus generosos irmãos: Maria Madalena Carneiro Vaz, Maria de

Fátima Ferreira Assis, Joana Dark Silva Souza, Luis Carlos Silva, Roberto

Rodrigues da Silva, Paulo Rodrigues da Silva, Adriana Rodrigues da Silva e

Humberto Rodrigues da Silva: a existência de cada um de vocês me conforta.

Agradeço à minha querida cunhada Ivone Pacheco da Silva: sua amizade é um

refúgio seguro.

Agradeço ao meu querido cunhado Rogério Presciliano Souza: que bom que faz

parte da minha família! Sua presença, além de enriquecedora, é reconfortante.

6

Agradeço a todos os amigos e colegas da graduação e do mestrado: vocês

fizeram com que meus dias na universidade fossem muito felizes.

Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior): os vinte quatro meses de bolsa fizeram com que a realização deste

trabalho não se tornasse um fardo.

Por fim, agradeço a Deus que tem feito infinitamente mais do que um dia pude

almejar para minha vida.

7

Resumo

Segundo Campbell (1997), o Ocidente sofre um processo de orientalização que se traduz

em uma gradativa substituição da teodiceia judaico-cristã, com base na concepção de um

Deus pessoal e transcendente que impõe sua vontade e exige obediência, por outra oriental

fundada em uma representação imanentista da divindade, que, por sua vez, é mais

apropriada a uma sociedade marcadamente antropocêntrica. O objetivo deste trabalho é

mostrar que o movimento neopentecostal, com a ressignificação dos conteúdos cristãos,

emerge como produto típico desse contexto histórico-cultural e, portanto, está mais apto a

trazer respostas às demandas existenciais próprias desse tempo, de onde advém seu êxito

na disputa por consumidores de bens e serviços religiosos. Nesse sentido, ele se afasta da

ortodoxia do protestantismo tradicional e se aproxima da heterodoxia das tradições

religiosas do Oriente. Assim, partindo do pressuposto de que existem similaridades que

evidenciam essa aproximação, propõe-se um estudo comparativo entre uma denominação

neopentecostal, Igreja Universal do Reino de Deus, e uma instância religiosa que seja

representativa das religiosidades de cunho oriental; no caso, a instituição religiosa Perfect

Liberty, com a finalidade última de delinear o perfil do sujeito religioso na

contemporaneidade.

Palavras-chave Orientalização; neopentecostalismo; teodiceia; ortodoxia; heterodoxia

8

Abstract

According to Campbell (1997), the West undergoes an easternalization process that

translates to a gradual substitution of the jewish-christian theodicy, based on the

conception of a personal and transcendent God that imposes its will and demands

obedience, by an eastern one founded on an immanentist representation of divinity which,

in its turn, is more appropriated to a markedly anthropocentric society. The goal here is to

show that the neopentecoastal moviment, with its resignification of the christian subjects,

emerges as a typical product of this historical-cultural context and, therefore, is apter to

bring answers to the existential demands proper of this time, hence its success in the

dispute for consumers of religious goods and services. In this manner, it drives away from

the traditional protestantism’s orthodoxy and approximates the heterodoxy of eastern

religious traditions. In accordance, being preestablished that there are similarities that

evidence this approximation, we propose a comparative study between a neopentecoastal

denomination, Universal Church of the Kingdom of God, and a religious instance that is

representative of eastern-oriented religiosities; in the case, the religious institution Perfect

Liberty, with the ultimate purpose of delimiting the religious subject’s profile in the

contemporanity.

Keywords: Easternalization; neopentecoastal; theodicy; orthodoxy; heterodoxy.

9

Sumário

GLOSSÁRIO DE TERMOS DA PERFECT LIBERTY ................................................................. 10

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

2. CAPITULO I ............................................................................................................. 19

2.RELIGIÃO E MODERNIDADE ................................................................................... 19

2.1. PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO: UM NOVO LUGAR PARA O FENÔMENO RELIGIOSO NO

MUNDO MODERNO ............................................................................................................ 19

2.2. DA TRANSCENDÊNCIA À IMANÊNCIA ......................................................................... 22

2.3. DA RELIGIÃO À RELIGIOSIDADE ................................................................................ 25

2.4. O INDIVÍDUO CONTEMPORÂNEO E O LUGAR DA RELIGIÃO NA MODERNIDADE TARDIA

........................................................................................................................................ 27

2.5. MOVIMENTO NEOPENTECOSTAL, RELIGIOSIDADES NEOESOTÉRICAS E A

RECONFIGURAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO .................................................... 34

2.6. CONFISSÃO POSITIVA E TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS

........................................................................................................................................ 42

CAPITULO II ............................................................................................................... 49

3. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E INSTITUIÇÃO RELIGIOSA

PERFECT LIBERTY: O COMPORTAMENTO RELIGIOSO EM GOIÂNIA NUMA

PERSPECTIVA COMPARADA ........................................................................................ 49

3.1. NOTA METODOLÓGICA ............................................................................................. 50

3.2. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: GÊNESE, ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA ...... 51

3.2. 1. PARE DE SOFRER - FUNDAMENTO DE UMA NOVA TEODICEIA ............................. 57

3.3. INSTITUIÇÃO RELIGIOSA PERFECT LIBERTY : GÊNESE, ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA

........................................................................................................................................ 63

3.3.1. A VIDA É ARTE - O MUNDO COMO ÚNICO PALCO DA EXISTÊNCIA HUMANA ........ 68

3.4. IURD E PL: CARACTERÍSTICAS SIMILARES ............................................................... 71

3.4.1. HETERONOMIA VERSUS AUTONOMIA ................................................................. 71

3.4.2. IURD E PL: APROXIMAÇÕES DOUTRINÁRIAS ..................................................... 75

3.5. IURD E PL: UM PERFIL PARA O SUJEITO RELIGIOSO NA CONTEMPORANEIDADE....... 78

CAPÍTULO III .............................................................................................................. 83

4. O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO SOB UMA ANÁLISE PROSPECTIVA............ 83

4.1. SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA “NEOPENTECOSTALIZAÇÃO” DO CAMPO RELIGIOSO

BRASILEIRO ...................................................................................................................... 83

4.2. SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA “NOVAERIZAÇÃO” DO CAMPO RELIGIOSO

BRASILEIRO ...................................................................................................................... 89

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 94

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 97

7. ANEXO ...................................................................................................................... 104

7.1 PRECEITOS DA PL .................................................................................................. 104

10

GLOSSÁRIO DE TERMOS DA PERFECT LIBERTY

Aramitamá

Símbolo temporário da PL entregue ao recém-

ingressado peelista até a solicitação do

Omitamá Familiar.

Artina Divulgar a PL ingressando novos adeptos. Cada pessoa

que você ingressa é uma artina.

Doshi Oficiante que lidera a cerimônia

DS (diês)

Nome dado a jovem que se dedica fazendo missassaguê

na PL, na Central do Japão em tempo integral. Muitas

têm oportunidade de se casarem com Mestres da PL.

Himorogui

Árvore sagrada. Na PL refere-se a árvore chamada

sakaki protegida pelo Primeiro Kyosso por cinco anos

antes de receber os três últimos preceitos da PL.

Hito-no-michi

Caminho da humanidade, organização que precedeu a

PL e dissolvida pelo governo militar japonês na época

da Segunda Guerra Mundial.

Hokyoshi Peelista que ajuda o Mestre da Igreja. Deve possuir

Omitamá familiar e três artinas.

Hoshi-in Departamento que organiza o setor financeiro da PL

Hoshô

Significa: “Um tesouro surgirá”. O peelista oferece

espontaneamente o Hoshô num desprendimento para

alcançar alguma graça. Trata-se de um envelope em que

o peelista oferece qualquer quantia, e o entrega todo dia

21 de cada mês. Tratando-se de um significado bastante

profundo, o novo peelista recebe orientação sobre o

Hoshô através do Mestre da Igreja

Kagemi-oya

Título dado à esposa do Segundo Fundador. Também

chamada de Kagemioya-Samá.

Kakuri-oya Pai Espiritual. Titulo dado ao Mestre Tokumitsu

Kanada.

Kenkin Forma de donativo à PL.

11

Kyosso

O Fundador da religião. (Na PL usado para o patriarca

da Igreja em cada época).

Kyosso-sai

Festa celebrada todo dia 1° de Agosto com fogos de

artifícios na Terra Sagrada do Japão

Lensei

Retiro espiritual realizado na Terra Sagrada do Japão e

do Brasil.

Makoto Toda ação realizada com dedicação e carinho.

Mioshiê Instrução divina de Deus para ajudar-nos a melhorar de

doenças e desventuras que possamos estar sofrendo.

Mioyaookami Deus, Criador do Universo.

Missassaguê Esforço físico no propósito de ajudar ao próximo, sem a

expectativa de retorno de favores ou remuneração.

Mishirassê Aviso Divino, através de doenças, desventuras,

acidentes, dores ou qualquer situação incomum

Omitamá Símbolo de Oração na PL

Oshieoyá-Samá Patriarca da PL. Responsável pela PL no Japão e no

mundo.

Oyá-Samá Nome dado aos mestres que concedem o Mioshiê.

Oyashikiri

Prece que os peelistas recebem para solução de seus

sofrimentos.

Oyashikiri Senshô

Forma de oração em que se repetem várias vezes a

palavra Oyashikiri para obter um estado de papel em

branco, sem pensamentos desconexos.

Saishi Oficiante que realiza a cerimônia.

Seiti Terra Sagrada no Brasil e Japão.

Shikiri

Promessa a Deus através da oração que o peelista faz

em se esforçar para alcançar seus objetivos de acordo

com a vontade de Deus.

Shikirikin Contribuição dada pelo peelista para Igreja quando

participa de algum seminário, atividades, etc.

12

INTRODUÇÃO

As indisfarçáveis transformações percebidas em todos os âmbitos da realidade

social contemporânea evidenciam que a modernidade e seus postulados, veiculados

sobretudo pelo iluminismo, padecem de uma crise de credibilidade que teve seu início

ainda no final do século XIX. À frente do projeto iluminista está a supremacia da razão.

Esta, inevitavelmente, conduziria a humanidade a um futuro glorioso. Entre as

conseqüências mais relevantes desse fato estão o processo de secularização e a

reivindicação de autonomia por parte do ser humano que, a partir de então, é concebido

como indivíduo, sujeito de si mesmo e da história.

Se na pré-modernidade as explicações acerca do mundo que nos cerca eram

provenientes de categorias religiosas ou mágico-míticas, na modernidade, segundo Weber

(1991), constata-se um gradativo processo de desencantamento do mundo. Nesse sentido,

começa-se a buscar repostas para a crescente demanda de argüições dentro da própria

história humana e em causas naturais. O relativo sucesso desse empreendimento gerou um

clima de otimismo em relação ao ser humano e, conseqüentemente, ao futuro da

humanidade. No entanto, a modernidade não conseguiu cumprir suas promessas e as

expectativas que foram por ela alimentadas resultaram em uma grande frustração que, por

sua vez, infundiu certo pessimismo, acentuado posteriormente com o impacto das duas

grandes guerras.

O clima de frustração, que começou a ganhar força no fim do século XIX, coincide

com o revigoramento da fé protestante por meio do movimento revivalista1 na Europa, e

com a emergência do pentecostalismo nos Estados Unidos2. Tais fatos evidenciam que o

processo de secularização não significou o aniquilamento da religião, mesmo porque se ela

é um elemento primordial e permanente, como assinala Durkheim (1996), nunca houve um

tempo em que não estivesse presente, ainda que relegada a uma esfera própria e, por

1O movimento revivalista, do século XIX, herdeiro dos ensinamentos de John Wesley, fundador do

metodismo, se caracteriza por um chamado dos cristãos à santificação, que se traduz na rejeição do valores

mundanos. Possuía um forte apelo emocional e está na gênese do desenvolvimento do pentecostalismo.

2 O pentecostalismo se caracteriza pela crença nos dons do Espírito Santo, dentre os quais se destaca a

glossolalia. Chegou aos Estados Unidos, no início do século XX, por meio dos pregadores revivalistas

europeus, cresceu e se expandiu por várias partes do mundo, inclusive no Brasil. A denominação mais

representativa desse movimento é a Igreja Assembléia de Deus.

13

conseguinte, com influência bem mais limitada. Portanto, seria um equívoco falar em

renascimento da religião3 porque ela nunca morreu ou desapareceu como havia sido

previsto pelos denominados mestres da suspeita: Marx, Freud e Nietzsche. No entanto, a

ciência assumiu posição de absoluta primazia por um bom período em detrimento da

religião que passou a ser associada ao infantilismo da humanidade por Freud (1974), à

ideia de alienação em Marx (2005) e a outras concepções antropocêntricas cujo ápice foi o

decreto da morte de Deus por Nietzsche (1997).

Assim, contrariando os prognósticos que enunciavam o seu ocaso, a religião passa

por uma fase de revigoramento na atual configuração histórica, mas isso ocorre sobre bases

específicas. Entre elas, está o fato de que vivemos em mundo, como afirma Pierucci

(1997), que permanece secularizado. Nesse sentido, a forma que o fenômeno religioso

assume é bem distinta daquela que prevalecia antes do processo de modernização. A força

da religião outrora se erguia sob o poder da instituição, no caso, da Igreja Católica Romana

que reivindicava para si a autoridade exclusiva para mediar a relação entre homem e Deus.

Com a Reforma Protestante, a autoridade do catolicismo é posta em xeque, dando início ao

processo que culmina com a valorização da crença individual em detrimento da

formalidade institucional.

Não sem razão, entre os europeus, o tipo de adesão religiosa que mais cresce tem

como principal característica o fato de estar centralizada no indivíduo, prescindindo, desse

modo, de mediação institucional. Colin Campbell (1997) interpreta as mudanças que

ocorrem no Ocidente como uma revolução cultural que se manifesta, especialmente, por

meio de uma gradativa substituição dos postulados judaico-cristãos, fundamentados em

uma teodiceia sustentada na concepção de um Deus transcendente, por outra tipicamente

oriental que se sustenta numa concepção imanentista da divindade.

O Brasil aparentemente vai em direção contrária à Europa, já que o que se verifica

aqui é o crescimento de denominações cristãs que parece indicar que as instituições

religiosas permanecem muito fortes. Contudo, o tipo de cristianismo que se expande possui

peculiaridades que evidenciam que, assim como na Europa, a religião na sociedade

brasileira também sofre as conseqüências radicalizadas das transformações que traçaram o

3 Jacques Derrida é um dos autores que defendem a perspectiva de que a religião renasce na atual

configuração e isso seria um dos indicativos da superação e da ruptura com os postulados da modernidade.

Cf. DERRIDA, Jacques; VATTIMO, Gianni. A Religião: o seminário de Capri. [1996]. Trad. port.

Guilherme João de Freitas Teixeira, Roberta Barni, Cláudia Cavalcanti e Tadeu Mazzola Verza, São Paulo:

Estação liberdade, 2000

14

contorno do mundo moderno. Os efeitos radicais dessas mudanças, no campo religioso

podem ser percebidos, particularmente, por meio da emergência do movimento

neopentecostal.

O neopentecostalismo, com sua ressignificação dos conteúdos da fé cristã, é

apontado por estudiosos (Freston, 1994, Velho, 1997, Sanchis, 1997) como o fenômeno

que mais tem contribuído com a reconfiguração do campo religioso brasileiro. Para

explicar o avanço das igrejas neopentecostais, pesquisadores ressaltam alguns aspectos que

fazem com que esse movimento seja tão atrativo na disputa por consumidores de bens de

salvação. Entre esses aspectos estão: a adequação de seus conteúdos à lógica do mercado;

o utilitarismo, que conferiria a estas igrejas características das religiões de magia; e a

espetacularização dos cultos (Mariano, 1995; Prandi, 1996; Campos, 1999). Todos esses

aspectos são facilmente observados em um trabalho de campo, todavia, acredita-se que eles

resultam principalmente da mudança, enunciada por Campbell (1997), que ocorre na

própria essência da teodiceia cristã dentro de um processo de orientalização do Ocidente.

Nesse sentido, o neopentecostalismo estaria se afastando da ortodoxia cristã tradicional e

assimilando conteúdos das tradições religiosas do Oriente. A Confissão Positiva e seus

desdobramentos seriam os sinais mais explícitos dessa transformação que Fonseca (1998,

p. 7) denomina de “Nova Era evangélica”.

Ao se afastar da ortodoxia do protestantismo dos reformadores, o

neopentecostalismo segue a tendência de uma vivência religiosa que, segundo Simmel

(1997), é mais apropriada ao processo de individualização que emerge com o mundo

moderno e se acentua na contemporaneidade. Tendo em vista que a individualização

traduz-se, entre outras coisas, em autonomia e emancipação, é de se esperar que a vivência

religiosa pautada pela crença em um Deus transcendente e soberano, cuja vontade

sobrepõe-se a todas as outras, perca espaço para uma concepção de divindade que não

ameaça a posição de centralidade conquistada pelo homem, agora sujeito de si e da

história.

Se a emergência do movimento neopentecostal evidencia uma tendência religiosa

antropocêntrica, em contraposição ao teocentrismo do cristianismo tradicional, a chegada e

o avanço de religiosidades de cunho oriental confirmariam tal tendência. Embora pareçam

incipientes no ranking das religiões fornecido pelo IBGE, Deis Siqueira (2003) argumenta

que essas religiosidades, cuja expressão mais popular é o multifacetado movimento New

15

Age4, vêm obtendo um êxito significativo no campo religioso brasileiro, o que evidenciaria

que o Brasil não passou incólume pela onda de orientalização religiosa verificada

primeiramente em países da Europa.

Desse modo, tendo como ponto de partida a tese de Campbell (1997) de que o

Ocidente está sendo orientalizado, propõe-se um estudo comparativo com o objetivo de

trazer indicativos de que o neopentecostalismo e as religiosidades de cunho oriental,

doravante denominadas também de neoesotéricas5, possuem similaridades que evidenciam

que ambos estão em total conformidade com as demandas existenciais típicas da sociedade

contemporânea, daí o êxito na disputa por consumidores de bens e serviços religiosos.

Dentre as conseqüências mais relevantes desse fato está o surgimento de uma orientação

ética, no protestantismo, bem diferente daquela das seitas protestantes estudadas por Max

Weber (2000) e, também, distinta da postura ético-moral do pentecostalismo clássico.

Assim, surge um novo tipo de cristão protestante, cujo ethos não entra em confronto com o

ethos da sociedade como um todo.

A proposta de um estudo comparativo entre neopentecostalismo e religiosidades

neoesotéricas tem como finalidade delinear, do melhor modo possível, um perfil para o

sujeito religioso na atual configuração histórico-social. Nessa direção, a abordagem

metodológica que sustenta este trabalho é de cunho qualitativo, exigindo, portanto, uma

imersão no universo dos sujeitos pesquisados. Esta é a proposta da sociologia

compreensiva de Weber (1991) que acima de tudo procura apreender as experiências dos

indivíduos na sociedade, como esses indivíduos se comportam, como estabelecem

relações. A expectativa que motiva esta investigação é a de contribuir com uma perspectiva

ainda pouco explorada pela Sociologia da Religião no Brasil, a perspectiva da demanda e

não da oferta. É isto que Pierucci (1999) nos instiga a fazer, privilegiar a visão do fiel,

porque, desse modo, mesmo que essa não seja a prioridade, pode-se ter um pouco mais de

clareza

4 Magnani (1999:10) afirma ainda que, o movimento New Age, que ele prefere denominar de movimentos

neo-esotéricos, compreende orientações religiosas não oriundas apenas de tradições orientais, mas também

do “encontro da ciência contemporânea e antigas cosmologias, das tradições indígenas e novas propostas

ecológicas”

5 Utiliza-se aqui a terminologia que se considera mais adequada. Existe uma grande variedade de conceitos

para referir-se ao mesmo fenômeno social. Magnani (1999) opta por “neoesoterismo” para aludir às

religiosidades heterodoxas que, entre outras influências, sustentam-se nas cosmologias orientais

16

sobre os motivos pelos quais algumas instâncias religiosas têm obtido mais êxito do que

outras.

Como casos representativos das vertentes citadas, privilegiou-se, como locus do

trabalho de campo, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Instituição Religiosa Perfect

Liberty. A opção pela IURD foi determinada não só porque é a denominação

neopentecostal que mais cresce, mas, também, por possuir algumas especificidades que a

torna bastante representativa do gênero. Entre tais especificidades, chama a atenção o

sincretismo evidenciado por intermédio da apropriação e ressignificação de elementos

simbólicos de outras religiões e de superstições populares. No caso da PL, a opção foi

motivada pelo fato de que em um tempo relativamente curto esta instituição religiosa tem

atraído muitos adeptos e se tornado referência para praticantes e simpatizantes dos

ensinamentos e dos estilos de vida advindos do Oriente. A partir do fundamento

metodológico citado, os dados foram colhidos por meio de participação nas reuniões da

Catedral da Fé (maior templo da Igreja Universal em Goiânia) e da igreja local da

Instituição Religiosa Perfect Liberty. A freqüência nos reuniões, rituais e nas demais

atividades desses grupos forneceu os elementos empíricos desta investigação. Contudo, a

principal fonte de dados são as entrevistas semi-estruturadas e os relatos de histórias de

vida, pois foi a partir deles que se obteve acesso às informações sobre como estes membros

foram atraídos e porque permanecem nestas instâncias religiosas.

. O suporte teórico deste estudo, além do fundamento trazido por Colin Campbell,

sustenta-se, ainda, na concepção de religião de Durkheim (1996). Com a pretensão de

elaborar uma teoria geral da religião, o fundador da sociologia busca na forma que ele

considera mais simples e mais primitiva de instituição religiosa, o totemismo, a estrutura

da qual deriva todas as formas de manifestação do fenômeno religioso. Para ele, todas as

religiões possuem elementos essenciais que lhes são comuns. Sob essa perspectiva, de que

todas as instâncias religiosas compartilham de elementos comuns, todas seriam também

comparáveis. Portanto, não seria um despropósito buscar similaridades entre a heterodoxia

das religiosidades neoesotéricas e a suposta ortodoxia do cristianismo neopentecostal. Sua

investigação é, ainda, particularmente útil para se compreender a força agregadora da

religião e sua função moral que são, segundo o autor, de fundamental importância para a

estabelecimento e manutenção da ordem.

Embora a contribuição de Durkheim seja de grande relevância, é Max Weber, com

seu mais renomado empreendimento sociológico, A ética protestante e o espírito do

17

capitalismo, o referencial mais profícuo para o que se deseja mostrar por meio deste

trabalho. Ainda que o sociólogo alemão não tenha se proposto elaborar uma história desse

fenômeno religioso, é ele que, ao desejar encontrar um exemplo histórico da existência de

um vínculo entre o comportamento ético-religioso e transformações na esfera econômica,

oferece-nos uma visão mais abrangente do protestantismo. Além da obra citada, merece

destaque, também, neste estudo, a investigação weberiana sobre as religiões mundiais,

sobretudo, do hinduísmo e do budismo.

Entre os contemporâneos, destaca-se Bourdieu (2005). O conceito de campo

religioso é instrumento necessário para compreender as relações de sentido que se

estabelecem e se mantêm graças à capacidade mediadora dos símbolos religiosos. Desse

modo, é o ponto de partida para uma análise dos motivos pelos quais um indivíduo opta

por uma instância ou prática religiosa e não por outra. Para trazer luz sobre os aspectos

distintivos da atual configuração histórica, elegeu-se aqueles que poderiam ser mais

produtivos para a análise específica do fenômeno religioso e para a abordagem aqui

proposta. Sob esse aspecto, utilizou-se o aporte teórico de Giddens, Habermas, Bauman e

Peter Berger. Em Giddens (1991), é particularmente relevante sua interpretação da

realidade atual como limiar de uma época, ou seja, a ideia de ainda não houve uma

transição para uma próxima fase da história humana. Os acontecimentos e tendências que

caracterizam o tempo presente nada mais são do que as conseqüências radicalizadas dos

fatores sociais que delinearam o contorno do mundo moderno. O conceito de reflexividade,

proposto pelo autor, faz-se necessário para esclarecer como os indivíduos agem e reagem

diante das novas circunstâncias que estão sempre requerendo que façam escolhas e tomem

decisões.

De Habermas (1987), a percepção de que a contemporaneidade caracteriza-se,

entre outras coisas, por um esgotamento das energias utópicas. Sua análise do novo papel

da religião, nesse contexto de desilusão com os grandes projetos da modernidade, é

pertinente no sentido de elucidar de que modo as instituições religiosas podem auxiliar no

debate público que visa oferecer propostas alternativas para um mundo em crise.

Bauman (2001), com sua descrição da sociedade moderna e globalizada, ajuda-nos

na difícil tarefa de desvendar quais são as demandas existenciais dos sujeitos em uma

configuração social marcada por uma crescente individualidade.

Berger (1985), por sua vez, trata especificamente do fenômeno religioso e sua

contribuição na construção da realidade social. Assim, ele aponta o caminho para perceber

18

a religião não só como produto, mas também como fator condicionante das mudanças em

curso.

Para a análise do campo religioso brasileiro, recorreu-se a vários estudiosos das

ciências sociais no Brasil e áreas afins. Dentre eles merecem ênfase, Cândido Procópio F.

de Camargo, Antônio Flávio Pierucci, Reginaldo Prandi, Paul Freston, Deis Siqueira e

Anthony D’Andrea.

Essa dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro, intitulado “Religião e

Modernidade”, expõe a fundamentação teórica dessa investigação. É um debate sobre o

lugar da religião no mundo moderno. Para isso, focou-se nas conseqüências do processo de

secularização, tais como, a gradativa perda de influência das instituições religiosas sobre a

vida dos indivíduos e, como resultado, a emergência de uma vivência religiosa mais

subjetivada. Nas noções de transcendência e imanência como meio de entender como os

sujeitos religiosos se relacionam com a divindade num contexto histórico-cultural

marcadamente antropocêntrico. Fecha-se o capítulo tratando da reconfiguração do campo

religioso brasileiro com sob o impacto movimento neopentecostal e do movimento New

Age.

O segundo capítulo, fundamentalmente empírico, é uma imersão no

neopentecostalismo, cristalizado na Igreja Universal do Reino de Deus, e no orientalismo

da Instituição religiosa Perfect Liberty. Em um primeiro momento, apresenta-se um

panorama histórico dessas instituições no Brasil, forma de organização e a teodiceia que

lhes é subjacente. Em seguida, uma análise das duas sob uma perspectiva comparada e, por

fim, um perfil para o sujeito religioso na contemporaneidade.

No último capítulo, acessa-se novamente os dados coletados para uma análise

prospectiva do campo religioso brasileiro com base no avanço do pentecostalismo, com

suas distintas modalidades, e na propagação da influência do movimento New Age. Nesse

sentido, a questão para a qual se busca resposta é: o campo religioso brasileiro caminha

rumo a uma “neopentecostalização” ou para uma inevitável “novaerização” como

consequência do processo de orientalização diagnosticado por Campbell?

19

2. CAPITULO I

2.RELIGIÃO E MODERNIDADE

2.1. PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO: UM NOVO LUGAR PARA O

FENÔMENO RELIGIOSO NO MUNDO MODERNO

A emergência da modernidade, capitaneada pelo modo de produção capitalista,

traz como característica mais distintiva de outras épocas e de outras sociedades, o primado

da razão. Os arautos da modernidade são os pensadores iluministas, cujo programa,

segundo Adorno e Horkheimer (1985), era o desencantamento do mundo. Ou seja, sua

meta era superar os mitos, libertar o homem das superstições, enfim, resgatá-lo das trevas

do pensamento medieval-escolástico e conduzi-lo ao esclarecimento. A ciência torna-se o

fio condutor das transformações que levariam a humanidade a um estágio de convivência

no qual todos seriam iguais, livres e fraternos. As necessidades humanas de segurança e

bem estar seriam supridas por meio do controle total da natureza. O domínio não estava

mais nas mãos dos deuses, ou mesmo de um Deus transcendente, mas nas mãos dos

homens dotados de saber. Assim, verifica-se uma gradativa secularização em todas as

esferas da vida. As repostas para todas as argüições passam a ser buscadas em causas

naturais ou na própria história humana.

Pode parecer paradoxal, mas um dos principais sustentáculos dessa nova ordem é,

de acordo com Weber (2000), de cunho religioso. O sentido encontrado por muitos na

teodiceia protestante foi o ponto de partida para a formação de um ethos que teve peso

determinante no desencantamento do mundo e, por conseguinte, no processo de

secularização. O protestantismo aparece como condição, mas também como produto de um

período conturbado, de profundas e irreversíveis transformações sociais.

Se na Idade Média o fenômeno religioso regia de modo totalizante todas as

esferas da vida, na dinâmica do mundo moderno, ele opera em uma esfera específica,

relativamente autônoma. Bourdieu assinala que:

20

O processo conducente à constituição de instâncias especificamente

organizadas com vista à produção, à reprodução e à difusão dos bens

religiosos, bem como a evolução (relativamente autônoma no que respeita às condições econômicas) do sistema destas instâncias no sentido

de uma estrutura diferenciada e mais complexa, ou seja, em direção a um

campo religioso relativamente autônomo, se fazem acompanhar de por

um processo de sistematização e de moralização das práticas e das representações religiosas que vai do mito como (quase) sistema

objetivamente sistemático à ideologia religiosa como (quase) sistema

expressamente sistematizado (Bourdieu, 2005, p. 37).

Nesse sentido, fica evidente que a racionalização das ações, espírito da sociedade

capitalista, se traduz, no campo religioso, como “moralização das práticas e das

representações religiosas” que, para Weber (2000), assume forma concreta na conduta

ascética intramundana dos protestantes, sobretudo, dos seguidores das doutrinas de

Calvino. Contudo, no último capítulo de A ética protestante e o espírito do capitalismo, o

autor indica uma tendência de esfriamento do fervor religioso. A motivação totalmente

secularizada para a busca da prosperidade se fortalece, em detrimento da motivação

religiosa. Embora não tenha feito uma previsão categórica sobre a extinção da crença

religiosa, vemos, em Weber, um prognóstico pessimista quanto ao seu futuro.

Peter Berger (1985), indo contra os pressupostos de que a secularização

representaria o fim da religião, afirma que, embora as instituições religiosas tenham

perdido muito do seu potencial de influência, a crença em algum tipo de prática ou

instância de cunho religioso continuou no mundo moderno a fazer parte do cotidiano dos

indivíduos. Assim, secularização e religião não seriam realidades incompatíveis e

mutuamente excludentes. Para Berger, o próprio cristianismo traz em si as sementes da

secularização, já que herda do judaísmo a noção de transcendência radical de Deus. A ideia

de um Deus fora do mundo seria o primeiro passo em direção ao desencantamento.

Por outro lado, é preciso reassaltar que a doutrina da encarnação, Deus entrando na

história humana como homem, é a contrapartida cristã a essa transcendentalização radical.

O Deus totalmente outro é, a partir de então, o totalmente próximo. Isso evidencia que a

Igreja cristã emerge sob o paradoxo da transcendência de Deus, cuja expressão máxima é a

Lei de Moisés, e a imanência desse mesmo Deus, cuja expressão é o próprio Jesus.

Ainda que possamos afirmar, como Berger, que as sementes da secularização já se

encontram no cristianismo, vale lembrar que este também comporta, como nos informa a

21

narrativa da Tradição Sinótica6, os elementos de um mundo encantado, como anjos e

demônios. Elementos estes que já faziam parte do judaísmo tardio, período na história de

Israel no qual Iaweh, era, com efeito, o Deus cujo nome nem poderia ser pronunciado,

tamanha sua distância em relação aos homens.

O fato é que no desenvolvimento do cristianismo que culminou com a hegemonia

do catolicismo romano, prevaleceu a tendência de um mundo encantado. Conforme

Berger:

“O católico vive em um mundo no qual o sagrado é mediado por uma

série de canais – os sacramentos da Igreja, a intercessão dos santos, a

erupção recorrente do ‘sobrenatural’ em milagres – uma vasta continuidade de ser entre o que se vê e o que não se vê.” . “O

protestantismo aboliu a maior parte dessas mediações. Ele rompeu a

continuidade, cortou o cordão umbilical entre o céu e a terra, e assim atirou o homem de volta a si mesmo de uma maneira sem precedentes

na história (Berger, 1985, p. 124, 125).

O protestantismo seria, conforme Berger, a reação oposta à tendência católica que

predominou na Idade Média, daí sua vocação secularizante que, entre outros fatores,

contribuiu com o processo de racionalização. Entre as conseqüências dessa ruptura, destaca-

se a relativização da autoridade, antes incontestada, da instituição religiosa e sua

hierarquia. Ao questionar o poder de Roma, Lutero ofereceu o precedente necessário para

o surgimento, sem fim, de denominações oriundas do protestantismo e, posteriormente,

para uma maior aceitação de tradições religiosas não cristãs. Nesse sentido, pode-se

afirmar que a Reforma é responsável, na esfera religiosa, por um relativismo que, por sua

vez, ganha força na sociedade contemporânea.

Assim, o processo de secularização não só elevou a ciência ao topo, pondo fim ao

monopólio do pensamento pela Igreja, mas, também possibilitou o advento de novas

cosmologias no Ocidente e, por conseguinte, tornou possível o pluralismo. Dessa maneira,

a proliferação de novas formas religiosas seria conseqüência da própria secularização, não

sinalizando, portanto, seu arrefecimento, ao contrário, anuncia todo seu vigor. Pierucci

(1997) argumenta:

6 A Tradição Sinótica é compostas pelos três primeiros evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, que se

caracterizam por possuírem narrativas semelhantes acerca da vida de Jesus.

22

Se no ambiente cultural de hoje diversas e heteróclitas estruturas religiosas produtoras de sentido podem coexistir competindo, coabitar

crescendo umas sobre as outras ou contra as outras, se conseguem até

mesmo ser tolerantes a maior parte do tempo não obstante os surtos de conflito mais agudo, é precisamente porque uma secularização onívora

perpassa a sociedade de cabo a rabo, ainda que em ritmos desiguais,

reduzindo os sistemas espirituais e as experiências sobrenaturais a ofertas

de serviços pessoais ao alcance da mão de qualquer um que se sinta interessado, necessitado ou simplesmente curioso (Pierucci, 1997, p.

113).

Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que a Reforma, como um dos fomentadores

da secularização, deu o ponta pé inicial para a formação de um mercado religioso cada vez

mais diversificado e, conseqüentemente, mais competitivo. Entre outras razões, alia-se a

isso a crise de plausibilidade do cristianismo, decorrente da desvalorização de sua teodiceia

que vem sofrendo golpes sucessivos, como destaca Berger (1985), desde o terremoto de

Lisboa em 1755 até a Primeira Guerra Mundial. O resultado é que além da fragmentação

do cristianismo, outras formas de conceber a divindade ganham espaço na sociedade

ocidental, em especial, aquelas advindas de tradições religiosas do Oriente. Conforme

Troelstch (1967) não é por acaso que isso acontece.

2.2. DA TRANSCENDÊNCIA À IMANÊNCIA

Ernst Troeltsch (1967) assinala que, o misticismo e o espiritualismo são as formas

de expressão religiosa que mais convergem com o espírito da cultura moderna, justamente

porque não tem uma ética social própria, permitindo, desse modo, a formação de grupos

fluidos, já que propõem uma vivência religiosa mais pessoal e privatizada. Sob esse

aspecto, a religião estaria sofrendo uma importante transformação no mundo ocidental. O

autor delineou uma tendência no fim do século XIX e início do XX que se confirma e se

fortalece na atualidade.

Campbell, confirmando o prognóstico de Troeltsch, afirma que

paulatinamente os postulados judaico-cristãos vêm sendo substituídos por um paradigma

religioso característico do Oriente. Segundo observação do autor:

23

[...] ocorre atualmente no Ocidente um processo de orientalização caracterizado pelo deslocamento da teodiceia tradicional por uma que é

essencialmente oriental na sua natureza [...] e que qualquer que seja a

ética a guiar nossa conduta no século XXI, provavelmente será algo congruente com esta nova teodiceia emergente (Campbell,1997, p. 5).

Nesse sentido, o Deus pessoal e transcendente da tradição judaico-cristã, estaria sendo

substituído por uma concepção panteísta e, portanto, imanentista da divindade. As

transformações, indicadas por Campbell, põem em xeque a ortodoxia cristã em prol de

uma orientação mais heterodoxa. Segundo ou autor, esta nova orientação percebe a

experiência religiosa:

[...] como expressão verdadeira daquela consciência religiosa universal que está baseada em um fundamento divino último; uma visão que leva à

aceitação de um relativismo religioso em relação a todas as formas

específicas de crenças e à doutrina do polimorfismo, na qual a verdade de todas as religiões é reconhecida. Daí, não apenas são toleradas visões

largamente diferentes das verdades centrais do Cristianismo, mas todas

as formas de religião são vistas como idênticas (Campbell, 1997, p. 12).

Para Silva (2000), o que ocorre é o retorno de uma forma de religiosidade que se

fazia presente nos cultos pagãos, foi sufocada no processo de cristianização do Ocidente,

permaneceu oculta na ortodoxia dos reformadores protestantes, mas agora retorna via

tradições religiosas do Oriente. A autora afirma que:

O novo paradigma emergente é aquele que tradicionalmente caracterizou o Oriente [...] Quer dizer, aquele que é predominante no Oriente, mas

não do 'domínio do Oriente'. Pois, o misticismo existia também na

tradição "pagã" européia e no judaísmo, antes da dominação cristã. Porém, após dois séculos e meio de intensa perseguição, a tradição

mística foi quase completamente dizimada. Seu retorno se deu via

Oriente, porque lá, a tradição mística estava preservada. Essa teria sido a

razão que levou os esotéricos ocidentais a tomar o Oriente como modelo. Hoje, acompanhado a atual tendência à reflexividade e à globalização

cultural, essa tradição vai, pouco a pouco, retomando seu espaço (Silva,

2000, on-line).

24

Assim, percebe-se uma afinidade dos ensinamentos das tradições religiosas do

Oriente, com sua proposta de deus imanente e impessoal, com a exigência antropocêntrica

da modernidade. Não sem razão, as raízes desse processo podem ser encontradas na gênese

do próprio mundo moderno. Os pensadores iluministas, representantes por excelência da

nova ordem, expulsaram a divindade da terra. Devia-se abandonar a postura ingênua do

teísmo, com seu Deus pessoal e interventor, em prol de outra, deísta, na qual a deidade

ocupa a posição imutável de causa primeira. Entretanto, se em Kant (2003), por exemplo,

ainda subsiste a noção de total transcendentalidade do Ser supremo, em Hegel, com sua

Fenomenologia do Espírito (1992), vemos a proposta de um panteísmo e, por conseguinte,

de um imanentismo, que fez escola entre os teólogos cristãos, sobretudo, os mais liberais.

Apesar de o racionalismo hegeliano fundamentar-se na noção do Absoluto, este não

existe independente do sujeito, aliás, o Absoluto é a síntese dialética entre o ser que busca

conhecer e o objeto do seu conhecimento. Para entender melhor o processo pelo qual

Hegel formula sua concepção de religião e, por conseguinte, de Deus, deve-se recorrer aos

seus escritos teológicos que constitui uma série de ensaios que elaborou na sua juventude.

No ensaio História de Jesus (1975), o filósofo alemão condena o judaísmo e toda religião

que impõe um sistema de normas arbitrário. Para ele, a ortodoxia cristã protestante havia se

tornado autoritária, pondo-se, desse modo, em contraposição aos ensinamentos de Jesus

que eram racionalistas e não autoritários. A essência do desenvolvimento do homem é, de

acordo com Hegel (1975), a consolidação da autonomia moral do sujeito, é a ele que cabe a

decisão final sobre como deve proceder em todos os âmbitos de sua vida. A crítica

hegeliana à ortodoxia reflete a tendência moderna de rejeitar a heteronomia prevalecente

no cristianismo católico medieval e que subsistiu na proposta dos reformadores.

Hegel é o precursor da teologia liberal que tem em Friedrich Schleiermacher (1768-

1834), teólogo e filósofo alemão, seu mais renomado representante. É liberal porque

enfatiza o direito do indivíduo de forjar os próprios termos de sua fé, não precisando

submeter-se a nenhuma autoridade. No entanto, parece que não foi só o cristianismo

confessadamente liberal que se curvou diante dessa tendência. Os movimentos neo-

carismáticos que pipocam por toda América emergem com um discurso que invoca Deus

não para sentar novamente no trono, mas, como disse Prandi (1997), para garantir que o

interesse dos homens seja soberano. Isso revela um paradoxo que não foi difícil perceber

nas incursões feitas à Igreja Universal do Reino de Deus: de um lado tem-se a manutenção

25

de uma teologia fundamentalista centrada na crença de que a Bíblia é a Palavra inequívoca

de Deus e, de outro, prevalece uma tendência teológica liberal na vivência prática da fé.

2.3. DA RELIGIÃO À RELIGIOSIDADE

A passagem de uma percepção, na qual prevalece uma concepção transcendental

da divindade para outra imanentista, implica, necessariamente, numa nova forma de

vivenciar a espiritualidade7. Nesse sentido, então, a sociedade estaria passando de um

modelo altamente institucionalizado, para outro mais individualizado. Para compreender

melhor a dimensão dessa mudança, faz-se necessário elucidar o que distingue,

conceitualmente, religião de religiosidade. Nessa direção, Marchi define que:

[...] pode-se considerar a religião como o conjunto das atitudes e atos

pelos quais o homem se prende e se liga ao divino ou manifesta sua

dependência em relação a seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Por

sua vez, a religiosidade é vista como um comportamento pessoal e intransmissível, alheia ao debate, às igrejas, às instituições religiosas

(Marchi, 2005, p. 47).

Para Durkheim (1996), a religião seria o elemento primordial da cultura, já que

seu aparecimento ocorre concomitantemente com o surgimento do homo sapiens que, de

acordo com Mircea Eliade (1995) é também homo religiosus. Evitando uma noção

essencialista e, portanto, universalista, Siqueira afirma que:

Uma problemática antiga dos estudos de religião diz respeito a se a religião seria, ou não, um fenômeno universalmente humano (homo

religiosus). Apenas se pode afirmar que todas as civilizações passadas e

atuais das quais se dispõe de documentação confiável apresentaram ou apresentam algum tipo de manifestação religiosa, mas isso não nos

permite elaborar conclusões universalistas quanto a sociedades antigas

sobre as quais pouco se sabe ou quanto a sociedades futuras (Siqueira, 2008, p. 425).

7 Cf. Deis Siqueira (2008), “Espiritualidade refere-se, especialmente, a uma questão de natureza pessoal:

resposta a aspectos fundamentais da vida, relacionamento com o sagrado ou com o transcendente, o qual

pode (ou não) levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de comunidades.

26

A religião, segundo esta mesma autora, refere-se especialmente à dimensão

institucional do religioso. É o aspecto objetivo, percebido nos dogmas, hierarquias,

estruturas, templos, rituais e outros elementos que a torna um fato social, portanto, passível

de ser estudado. A religiosidade, por sua vez, teria a ver com o aspecto subjetivo, estaria

vinculada a um modo de cultivar a espiritualidade que prescinde de uma organização

religiosa institucionalizada.

O catolicismo romano e, até mesmo, as primeiras igrejas protestantes

caracterizam-se por uma mediação institucional bastante acentuada, ou seja, a experiência

religiosa só poderia ser considerada legítima dentro do contexto eclesiástico. Contudo,

Lutero com a doutrina do “sacerdócio universal”8, deu o primeiro passo em direção ao que

Berger (1985) denominou de psicologização da religião. Nessa mesma direção, Siqueira

argumenta:

[...] a vivência ou a experiência do sagrado e do religioso se concentra, crescentemente, no indivíduo. É ele quem vai se

constituindo em centro nas novas religiosidades, assim como é

símbolo da sociabilidade na modernidade. [...] O esforço para

construir um novo estilo de vida, que integre corpo e espírito, homem e natureza, reforça a postura crítica em relação às religiões

cristãs, “controladoras” e “repressoras” do corpo (Siqueira, 2003,

p. 107, 108).

Para Parker (1997), a conseqüência mais relevante do enfraquecimento da

religião, em especial, da fragmentação religiosa é que sem um elemento hegemônico

integrador, papel outrora cumprido pela cristandade tradicional, instala-se uma crise ética

decorrente do relativismo, do pragmatismo e da “ênfase que a cultura do mercado propõe

de uma moral hedonista e subjetivista” (p.144). Diante desse quadro, o autor declara:

A tendência para o futuro parece orientar-se mais para uma

intensificação das crenças difusas e sincréticas, embora não seja

menos provável que as religiões instituídas do campo religioso, por uma necessidade imperiosa de adaptar-se a estas mudanças

8 Doutrina segundo a qual cada cristão é um sacerdote diante de Deus, ficando assim, dispensado de qualquer

mediação terrena, como, por exemplo, do sacramento católico da confissão que outorga ao clérigo a

autoridade para perdoar pecados

27

advenientes, vejam transformados seus perfis, rituais e crenças de

uma forma que, aos olhos contemporâneos, apareça como inédita

(Parker, 1997, p. 144).

Nesse contexto, a base sobre a qual são construídos os modos de cultivar a espiritualidade

no mundo contemporâneo é a cultura do mercado que, por sua vez, torna-se condição

necessária para a emergência de um ‘sujeito experimentante’, ou seja, de um sujeito

sempre ávido por experimentar novas sensações, como observou Bauman (1999). No

capitalismo de consumo vigente, ser feliz torna-se imperativo, portanto, é o desejo

hedonista de uma vida sem sofrimento um dos principais determinantes dessa conduta que

faz com que tudo se torne consumível.

2.4. O INDIVÍDUO CONTEMPORÂNEO E O LUGAR DA RELIGIÃO NA

MODERNIDADE TARDIA

Segundo Anthony Giddens (1991), a sociedade atual vive sob as conseqüências

radicalizadas e universalizadas das transformações sociais que fomentaram o

desenvolvimento do mundo moderno. Contrapondo-se às correntes pós-modernistas, o

autor afirma que os elementos, que tais correntes apontam como evidências de instauração

de uma nova etapa na história humana não podem ser interpretadas como superação das

grandes instituições que caracterizam a modernidade. O autor não nega as

descontinuidades que aparentemente sugerem o estabelecimento de uma nova ordem,

contudo, argumenta que tais descontinuidades permeiam várias fases do desenvolvimento

histórico. Mais do que descontinuidades, defende que, “há episódios precisos de transição

histórica, por exemplo, cujo caráter pode ser identificado e sobre os quais podem ser feitas

generalizações”. (Giddens, 1991, p.15).

Recorrendo a Weber, que percebe o capitalismo como a força preponderante do

processo de modernização, Giddens fala que o advento de uma nova era requer, entre

outras coisas, a emergência de uma organização social pós-capitalista. Ainda que se possa

falar de uma sociedade pós-industrial, o capitalismo continua, com sua impressionante

capacidade de adaptação, ditando os rumos do mundo contemporâneo. Assim, seria

equivocada a ideia, encabeçada por Lyotard (1998) de que a condição moderna foi

28

suplantada por uma condição pós-moderna. Beck (1997), cuja análise converge com a de

Giddens (1997), propõe que o processo de modernização pode ser percebido em duas

fases. A primeira, na qual prevalece o autoconceito de sociedade industrial, caracterizada

pela produção dos efeitos e auto-ameaças que eram percebidos apenas como riscos

residuais.

Nesse sentido, o estágio do desenvolvimento industrial caracteriza-se pela

prevalência da perspectiva dos benefícios do progresso. Os males eram apenas residuais,

portanto, eram menosprezados. Todavia, na análise de Beck, os resultados indesejados do

desenvolvimento traçam o contorno da segunda fase da modernização. Assim, afirma que:

[...] uma situação completamente diferente surge quando os perigos da

sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos, tanto políticos como privados. Nesse caso, as instituições da sociedade

industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças que não

conseguem controlar (1997 p. 15-16).

Na segunda fase da modernização, os perigos acarretados pela industrialização

ficam evidentes. O lado sombrio do desenvolvimento técnico-científico torna-se explícito

com a produção armamentista. Giddens (1991) enfatiza o fato de que as esperanças,

postuladas, sobretudo, pelo iluminismo, deram lugar à insegurança, efeito colateral da

sociedade de risco que é, segundo o autor, a forma que a sociedade atual assume. A

possibilidade, criada pela ciência, demonstrada nas duas grandes guerras, de dizimar

populações inteiras por meio das armas de destruição em massa, nos colocou sob risco

iminente que, por sua vez, gerou uma espécie de incerteza na sociedade contemporânea. O

autor assinala que:

O mundo que vivemos hoje é um mundo carregado e perigoso. Isto tem

servido para fazer mais do que simplesmente enfraquecer ou nos forçar a provar a suposição de que a emergência da modernidade levaria à

formação de uma ordem social mais feliz e mais segura (Giddens, 1991,

p. 19).

Ao revelar seu lado sombrio, a ciência jogou por terra a crença de que o ser

humano, guiado pela razão, poderia construir uma sociedade perfeita. Contudo, para

Giddens, a sociedade de risco é também reflexiva. O conceito de reflexividade, defendido

29

pelo autor, refere-se à capacidade que os indivíduos aprimoraram, tanto na esfera

institucional como na privada, de examinar e reformar incessantemente as práticas sociais

a partir da informação adquirida sobre tais práticas. O potencial reflexivo acentua-se numa

sociedade que superou a polaridade, capitalismo versus socialismo, e se torna cada vez

mais heterogênea e que, justamente por isso, exige uma gama infinita de sentidos.

Norbert Elias (1994) afirma que cada configuração histórica produz o tipo de

religião que lhe é específica. Sob essa perspectiva, a forma que o fenômeno religioso

assume nos dias atuais tem uma complexidade singular, já que ele deve estar apto a

oferecer respostas em um tempo marcado, segundo Bauman (2001), pela fluidez que, por

seu turno, é reflexo de uma individualidade levada às últimas conseqüências. As certezas

próprias da modernidade sólida/pesada9 evaporaram-se na modernidade líquida/leve. O

insucesso dos grandes projetos da iluminada cosmovisão moderna redundou numa sempre

crescente individualização. Sobre os efeitos psicológicos desse processo, Bauman (2001, p.

73) observa que “nas novas circunstâncias, o mais provável é que a maior parte da vida

humana e a maioria das vidas humanas consuma-se na agonia quanto às escolhas e

objetivos.”

Impulsionando o processo de individualização está o capitalismo de consumo. É

através do consumo que os sujeitos constroem sua individualidade e, por conseguinte,

manifestam sua condição de seres livres. No entanto, tal liberdade se torna relativa, já que

o próprio consumo lhe impõe limites, no sentido de que a permissão para consumir não é

concedida a todas as pessoas indiscriminadamente. E, aos que tem permissão, é o mercado

que determina tanto as necessidades quanto os produtos para satisfazê-las, como assinalam

Adorno e Horkheimer (1985). Mas, a ilusão da total emancipação e autonomia colocou

sobre cada um a responsabilidade pelos êxitos ou fracassos de sua vida. Desse modo, as

instituições sociais, particularmente, as de cunho político-econômico se vêem, de certa

maneira, livres das acusações que outrora pesavam sobre elas. Bauman explica:

Na terra da liberdade individual de escolher, a opção de escapar à

individualização e de se recusar a participar do jogo da individualização está decididamente fora da jogada. A autocontenção e a auto-suficiência

do individuo pode ser outra ilusão: que homens e mulheres não tenham

nada a culpar por suas frustrações e problemas não precisa agora significar, não mais que no passado, que possam se proteger contra a

9 Para explicar as distinções entre a sociedade contemporânea e a modernidade clássica, Bauman lança mão

da dualidade sólido/líquido. A modernidade sólida/pesada é caracterizada pelas certezas, pela ordem. A

modernidade líquida/leve caracteriza-se por uma fluidez decorrente da falta de diretrizes fixas

30

frustração, utilizando suas próprias estratégias, ou que escapem de seus

problemas puxando-se, como o Barão de Munchausen, pelas próprias

botas (Bauman, 2001, p. 43).

Segundo Prandi (1997), é precisamente por esse estado de coisas que a religião

encontra lugar no mundo de hoje. Ao explicar porque as religiões crescem num mundo

desencantado, o autor argumenta que:

De um lado, porque a sociedade desse mundo desencantado é uma

sociedade problemática, descontínua, heterogênea, fragmentada e

fragmentária. As vantagens das descobertas políticas capazes de propiciarem o bem-estar não chegam a todos igualmente. [...] As

mudanças sociais e culturais carregam rastros de um passado vivo, de

tradições superadas que convivem com aquilo que se pode chamar de ‘progresso’ [...] que não atinge a todos igualmente, nem ao mesmo

tempo, nem com o mesmo sentido (Prandi, 1997, p. 64).

Neste contexto de desamparo, crise de identidade e incertezas, a esfera religiosa

faz-se presente como uma alternativa a mais, não única, segundo Pierucci (1997) nem

mesmo a principal. Esse lugar ainda está reservado à ciência. Bauman (1998, p. 227)

argumenta que indivíduos na contemporaneidade “precisam do alquimista que possa, ou

sustente que possa, transformar a incerteza de base em preciosa auto-segurança, e a

autoridade da aprovação (em nome do conhecimento superior ou do acesso à sabedoria

fechado aos outros) é a pedra filosofal que os alquimistas se gabam de possuir.”

Philip Jenkins (2004) afirma que na atual configuração histórica qualquer religião

que não dispuser, ao mesmo tempo, de alimento tanto para a alma como para o corpo, está

fadada ao declínio. O autor ressalta a expansão do cristianismo na Ásia, América Latina e

África. Contudo, o crescimento ocorre exatamente porque as denominações cristãs de

êxito, nessas regiões, adaptam seus discursos e suas práticas aos anseios daqueles que

desejam evangelizar. A religião seria, então, em um contexto de secularização, uma forma

alternativa de tentar conseguir aquilo que não se consegue pelos meios laicos.

Para Prandi (1997), o fervor religioso não significa, primordialmente, a busca do

sagrado pelo sagrado, mas a busca do sagrado para se obter satisfações imediatas. Assim,

as igrejas especializam-se em oferecer serviços, sendo que Deus não é o fim, mas o meio

para alcançar dádivas que se traduzem em saúde física, emocional, vida sentimental

31

resolvida, bens materiais, sensações prazerosas, enfim, uma vida sem sofrimento, na qual,

não há razões para se ter medo. O autor observa que:

[...] religiões prosperam com a pobreza das populações que ficam social

e culturalmente para trás. Há dados inquestionáveis para tal

demonstração. Enfrentando-se com uma lista homogênea de problemas que marcam o cotidiano infeliz das populações pobres – saúde precária,

dificuldades materiais, carência de auto-estima – muitas e muitas

religiões especializam-se como solucionadoras de problemas (em geral de origem social), cada uma com seu método e mérito, oferecendo

alternativas de cura e estratégias financeiras que funcionam com

serviços, nos quais Deus é apenas o meio (Prandi, 1997, p. 64).

Se, para Prandi, a pobreza e as mazelas sociais são os principais fatores condicionantes do

crescimento dos movimentos religiosos, para Berger (1985) as religiões crescem,

sobretudo, porque as pessoas necessitam de uma teodiceia que confira sentido às suas

vidas. Ele propõe que:

Não é a felicidade que a teodiceia proporciona antes de tudo, mas

significado. E é provável [...] que, nas situações de intenso sofrimento, a

necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade, ou talvez maior. Não resta dúvida de que o indivíduo que padece,

digamos, de uma moléstia que o atormenta, ou de opressão e exploração

às mãos de seus semelhantes, deseja alívio desses infortúnios. Mas deseja igualmente saber por que lhe sobrevieram esses sofrimentos em

primeiro lugar. Se uma teodiceia responde, de qualquer maneira, a essa

indagação de sentido, serve a um objetivo de suma importância para o indivíduo que sofre, mesmo que não envolva uma promessa de que o

resultado final dos seus sofrimentos é a felicidade neste mundo ou no

outro (Berger, 1985, p. 70).

Ainda que, na passagem citada, Berger descreva sofrimentos concretos, a ânsia por

sentido ultrapassa os males físicos e sociais. Daí, o fato da busca religiosa não se restringir

apenas aos que padecem de moléstias ou vivem em situação de pobreza. A própria

existência exige uma justificativa, por isso, pode-se falar de uma inclinação, em âmbito

mundial, para o cultivo de algum tipo de prática religiosa.

Associar o crescimento do neopentecostalismo à pobreza constitui, hoje, um

reducionismo. Algumas denominações atraem, particularmente, pessoas das camadas

médias e altas da população. Vale também ressaltar a adesão de pessoas famosas. É

32

verdade que grande parte delas com a carreira em decadência. No entanto, algumas com

status artístico mais consolidado como Baby Consuelo (agora Baby do Brasil)10

que

fundou sua própria denominação. Se o exemplo de Baby é fraco, pode-se citar, ainda, o

cantor Rodolfo, ex-vocalista da banda “Raimundos” que se converteu no auge da carreira

na Igreja Sara Nossa Terra e atualmente é membro, junto com outros artistas, da Igreja

Bola de Neve. A conversão de inúmeros jogadores de futebol pode ser fruto do desejo de

ascensão social, mas a mesma justificativa não pode ser usada para Íris Abravanel, esposa

do empresário e apresentador Silvio Santos, que é adepta da Igreja Vida Nova.

Em síntese, ainda que os atores sociais, na atual configuração histórica, possuam,

como afirma Giddens (1991) uma competência reflexiva singular, ou seja, mesmo que

tenham aprimorado sua capacidade, tanto na esfera institucional como na privada, de

examinar e reformar incessantemente as práticas sociais a partir da informação adquirida

sobre tais práticas, estão incertos quanto ao futuro que, diante da ambigüidade do

progresso científico, se mostra assustador. Órfãos, segundo Habermas (1987), de um

projeto utópico, submetidos a um progressivo processo de individualização, cujo efeito

mais imediato é o consumismo. Afinal, é no consumo que expressam sua liberdade, como

atesta Bauman (2001). No entanto, o preço dessa liberdade é o sentimento de estar só no

mundo, pois sobre cada um pesa a sentença de se responsabilizar por frustrações que, em

grande parte dos casos, não são resultados de escolhas individuais, mas, sim de problemas

estruturais.

Nesse sentido, verifica-se que o crescimento do interesse propriamente religioso,

deve-se, principalmente, a um desapontamento em relação aos postulados da modernidade.

Perde-se a fé na ciência, nas utopias e o que resta ao homem é o presente no qual se

encontra sozinho. A religião, na forma que assume na contemporaneidade, se apresenta,

então, como a possibilidade de encontrar bem estar e segurança, sem abrir mão da

autonomia.

Contudo, em um contexto de radicalização da modernidade, parece improvável que

o retorno da religião ao centro dos interesses se dê de forma irracional, como propõem os

teóricos da pós-modernidade, como se tudo o que aconteceu com a história humana desde

o começo do processo de modernização pudesse ser abruptamente apagado. Para Prandi,

Deus é apenas um recurso entre outros para os sujeitos em crise. Ele afirma que:

10 Baby , que se auto-denomina “popstora” fundou a igreja Ministério do Espírito Santo de Deus em nome de

Jesus, situada no Bairro de Botafogo, Rio de Janeiro.

33

Onde o homem tudo pode, Deus é inútil. Se a sociedade, através das suas instituições e instâncias profanas, pode prover todo o essencial à vida,

das coisas materiais aos significados, passando pela justiça e pela

moralidade. Nessa sociedade, Deus é descartável. Quando, porém, a conquista profana falha e põe em risco a segurança, a felicidade e o

conforto material, cada individuo atingido pela tragédia pessoal do

inusitado pode se sentir compelido a socorrer-se momentaneamente de

Deus e da religião e da magia...(Prandi, 1997, p. 65).

As instâncias religiosas, além de apreender as demandas, interpretá-las e oferecer

respostas que conferem algum sentido a existência, devem, nesse contexto de alta

secularização, articular seu conteúdo doutrinário de tal forma que não fira a centralidade e

a liberdade dos sujeitos que as buscam. Portanto, tendem a ser mais bem sucedidas, na

disputa por consumidores de bens e serviços religiosos, as religiões ou práticas religiosas

que melhor se adequarem às constantes mudanças das estruturas sociais e,

concomitantemente, às novas possibilidades de escolhas individuais que aumentam dia a

dia. De acordo com Berger e Luckman:

Se quiserem sobreviver, as igrejas devem atender sempre mais aos

desejos de seus membros. A oferta das igrejas deve comprovar-se num

mercado livre. As pessoas que aceitam a oferta tornam-se um grupo de consumidores. Por mais que os teólogos se ericem, a sabedoria do velho

ditado comercial – ‘o freguês tem sempre razão’ – impõe-se também às

igrejas. Elas nem sempre seguem o ditado, mas freqüentemente o fazem

(Berger; Luckman, 2004, p. 61).

Daí pode-se afirmar que, no embate entre ortodoxos e heterodoxos no interior do

campo religioso, a vantagem pende para os segundos que, por sua natureza mais aberta,

estão sempre dispostos a rever seu conteúdo, adequando-o às demandas próprias de cada

configuração social.

Acredita-se que, no campo religioso brasileiro, o movimento neopentecostal é o

exemplo mais profícuo dessa capacidade de adequação, sendo, por conseguinte, produto do

atual momento histórico. Considerando que o Deus da cultura judaico-cristã, que

reivindica o lugar de soberano, não tem lugar num mundo onde o homem continua a reinar,

a adequação que o neopentecostalismo faz, inclui, necessariamente, uma nova

representação da divindade e, conseqüentemente, um novo modo de se relacionar com ela.

34

É justamente essa nova percepção, e as relações que dela derivam, que aproxima o

movimento neopentecostal das religiosidades de cunho oriental que, por sua vez, também

se expandem, segundo Deis Siqueira (2006), por todo Brasil. Sobre o neopentecostalismo,

as religiosidades advindas o Oriente e a contribuição de ambos na reconfiguração do

campo religioso brasileiro é o que se tratará a seguir.

2.5. MOVIMENTO NEOPENTECOSTAL, RELIGIOSIDADES

NEOESOTÉRICAS E A RECONFIGURAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO

BRASILEIRO

Se a contribuição de Weber é imprescindível para se entender a gênese e o

desenvolvimento do protestantismo na Europa, o clássico estudo de Cândido Procópio F.

Camargo, Católicos, protestantes, espíritas (1973), é de grande valia para a compreensão

dos aspectos sócio-históricos que envolvem a chegada e o avanço do protestantismo no

Brasil. Camargo (1973) nos apresenta um panorama histórico do protestantismo no campo

religioso brasileiro desde o seu aparecimento em solo nacional nos primórdios do século

XIX até início da década de 1970. O autor trabalha com dois pólos: protestantismo de

imigração e protestantismo de conversão.

O primeiro pólo remete ao protestantismo trazido por imigrantes europeus que se

instalaram principalmente na Região Sul do país. Suas funções eram a de manter a coesão

e preservar a cultura destes povos no novo território. A igreja luterana é a mais

representativa deste contexto. De origem germânica, constituiu-se em um grupo fechado e

homogêneo por um longo período, graças à conservação da língua alemã na sua liturgia.

Esses imigrantes eram movidos por um forte sentimento nacionalista e pela necessidade de

se manterem integrados em terra estrangeira. Portanto, não havia entre eles o empenho

proselitista que é tão característico do protestantismo atual.

Com o tempo e a interferência de missões norte-americanas, estas igrejas de

imigrantes foram se tornando mais abertas e mais autônomas em relação aos seus países de

origem. Todavia, o protestantismo que mais avançou no Brasil foi o protestantismo de

conversão. Isso porque provavelmente conseguiu responder melhor às transformações

35

sociais que ocorreram a partir dos anos 1930, caracterizadas, sobretudo, pelo intenso

processo de urbanização. É como se a modernidade enfim tivesse penetrado chegado ao

Brasil e, como aconteceu na Europa, a religião tradicional se tornou insuficiente para

responder as questões que emergiam junto com o novo tempo. Assim, ela abre espaço para

novas instâncias religiosas, dentre as quais se destaca o protestantismo pentecostal com seu

rigor ético, sua postura ascética e forte apelo emocional.

Enquanto alguns representantes da classe média eram atraídos pelas igrejas

protestantes históricas, cujo ethos e corpo doutrinário atendiam bem as exigências da

burguesia, os desfavorecidos das periferias se identificavam com a mensagem e as práticas

cúlticas do pentecostalismo. É importante ressaltar que o protestantismo das igrejas

históricas e o pentecostalismo, em nenhum momento, se constituíram como uma ameaça à

dominação vigente que ainda andava de mãos dadas com o catolicismo tradicional. Ao

contrário, eles auxiliaram na manutenção da ordem num momento em que os recursos da

fé católica não foram suficientes. Apenas com o surgimento recente de um novo tipo de

protestantismo, denominado pelos estudiosos de neopentecostalismo é que se percebe,

mais nitidamente, uma redefinição do campo religioso brasileiro. Sobre isto Pierre Sanchis

declara:

A Igreja Católica está perdendo seu caráter definidor hegemônico da verdade e da identidade institucional no campo religioso brasileiro. [...]

Em termos de prática religiosa efetiva, já não é mais majoritária, e em

termos de identidade declarada o prolongamento das curvas permite

entrever e prever [...] uma próxima inversão de maioria (Sanchis, 1994, p.36-37).

Os estudiosos do fenômeno neopentecostal tendem a classificá-lo como uma

modalidade do pentecostalismo. É o que faz, por exemplo, Paul Freston (1994) ao afirmar

que o pentecostalismo brasileiro pode ser interpretado como a história de três ondas de

implantação de igrejas. A primeira onda teria ocorrido no início do século XX com a

chegada da Congregação Cristã do Brasil e da Assembléia de Deus, esta, se tornou a maior

expressão do pentecostalismo nacional. A segunda onda coincidiria com o projeto

desenvolvimentista de governo. Surgem denominações genuinamente brasileiras como a

Igreja Brasil para Cristo e a Igreja Deus é Amor. A terceira onda teria se iniciado nos anos

36

de 1970 e ganhado expressão na década de 1980. A Igreja Universal do Reino de Deus e a

Igreja Internacional da Graça fazem parte deste contingente de novas igrejas.

O problema que este esquema apresenta é o perigo de se compreender a história do

protestantismo brasileiro de forma linear, desenhando um continuísmo quase que absoluto,

negligenciando, assim, as idiossincrasias que revelam as bruscas rupturas que tornam

inadequado o próprio conceito de neopentecostalismo.

O protestantismo brasileiro possui distintas facetas, sendo, portanto, necessário

ressaltar que existem diferentes posturas teológicas que são responsáveis por um embate

interno, no qual, representantes de igrejas históricas e representantes do pentecostalismo

clássico opõem-se categoricamente à interpretação peculiar que as denominações

neopentacostais fazem dos ensinamentos bíblicos. Trata-se de uma reação ortodoxa à

tendência heterodoxa do neopentecostalismo. Os defensores da ortodoxia cristã há algum

tempo acusam as igrejas neopentecostais de utilizarem elementos de outras tradições

religiosas, inclusive, elementos de tradições religiosas do Oriente. Entre esses defensores,

vale destacar o pastor e teólogo da Assembléia de Deus, Ricardo Gondim, e o teólogo,

doutor em Ciências da Religião e, também, pastor da Assembléia de Deus, Paulo Romeiro.

O livro de Gondim, O Evangelho da Nova Era (1994), alerta que, com a

emergência do neopentecostalismo, a forma de se interpretar o evangelho sofreu uma

transformação radical, passando de uma concepção teocêntrica para outra antropocêntrica.

Na mesma direção e não poupando críticas a expoentes do movimento neopentecostal dos

Estados Unidos e do Brasil, Paulo Romeiro, nos livros Super Crentes (1993) e

Evangélicos em crise (1995), procura evidenciar “os desvios doutrinários” (Romeiro, 1995,

p. 11), dos quais derivam a Confissão Positiva e o Evangelho da Saúde e da Prosperidade.

Expor as diferenças teológicas no interior do protestantismo e, particularmente, as

distinções entre pentecostais e neopentecostais é importante porque evita generalizações

equivocadas. Lacerda faz uma demarcação distintiva entre o pentecostalismo clássico (da

primeira e segunda onda) e o neopentecostalismo. Ele aponta os seguintes fatores:

1. Presença da lógica da moderna administração capitalista no

empreendimento religioso, sobretudo o marketing;

2. A “Guerra Santa”, com o combate sistemático das “Forças do Mal”, demônios, entidades das religiões de origem africana, maldições

hereditárias, etc...

37

3. Ausência dos sinais externos de santidade, característicos dos

pentecostais, como as vestes recatadas, o cabelo comprido (nas

mulheres), a ausência de maquiagem, brincos, etc.;

4. A utilização de elementos mundanos, retomados em significado,

para transmitir a mensagem cristã, tais como música dos mais variados

estilos, Reggae, Samba e Rock, com direito a tatuagens, piercings e

abuso de adornos de metal;

5. A Teologia da Prosperidade, que pressupõe que toda prosperidade

pode ser alcançada com a fé em Deus. E é evidente que nesta lógica, a fé

é afirmada com vultosas doações financeiras à Igreja (Lacerda, 2007, on-line).

Entretanto, vale dizer que mesmo no interior de uma mesma denominação não há

homogeneidade, sendo cada vez maior o número de pentecostais que se dobram diante das

bem sucedidas estratégias neopentecostais para atrair seguidores.

Deus garante, no discurso neopentecostal, a felicidade plena a seus filhos e esta

felicidade só é possível por meio de uma participação efetiva no mercado. Esse tipo de

discurso que ficou conhecido como teologia da prosperidade é uma das características que

marcam a ruptura entre pentecostalismo tradicional e neopentecostalismo. Otávio Velho

verifica que “No caso do pentecostalismo [...] sua presença inicial caracteriza-se pelo

ascetismo e pela desvalorização do mundo, justo o oposto do que vem se revelando agora”

(Velho, 1997, p. 53). Assim, no pentecostalismo não há uma negação do sofrimento que é

percebido como algo inerente à condição humana em um mundo que “jaz no maligno”11

.

Daí a prevalência de uma expectativa escatológica que foi abandonada pelo

neopentecostalismo. É preciso esclarecer que a prosperidade a que se referem os

neopentecostais não se limita ao êxito financeiro, mas ao êxito em todas as áreas da vida

do fiel: saúde física e mental, cura emocional, vida sentimental, etc. Daí a difusão de cultos

temáticos12

que torna possível atrair um maior número de pessoas.

Além do movimento neopentecostal, as religiosidades oriundas das tradições

orientais também ganham espaço no campo religioso brasileiro a partir dos anos de 1960

com a chegada do movimento New Age. Desde então, sua influência tem se expandido,

podendo ser facilmente percebida através da adesão de muitos brasileiros às práticas que

são características desse movimento, tais como a yoga, terapias alternativas como a

11 Cf. Primeira Epístola de João 5:19.

12 São cultos direcionados à busca de bênçãos específicas. Por exemplo: libertação, prosperidade financeira,

resolver problemas sentimentais, etc.

38

acupuntura, que tem brigado pelo status de conhecimento científico, a dieta naturalista e

outros hábitos que não faziam parte do modo de vida ocidental. A dimensão dessa

influência é revelada também nos milhões exemplares de livros de auto-ajuda que são

vendidos, nas novelas que tratam do tema e na difusão de diversos grupos esotéricos por

todo Brasil, tendo destaque a região central onde fica Brasília, com sua história envolta em

misticismo, e a Chapada dos Veadeiros em Goiás, local escolhido por vários grupos por

acreditarem que se trata de um lugar especial.

A origem da sacralização do território da Chapada dos Veadeiros encontra-se no

padre italiano João Bosco que afirmou ter tido um sonho que mostrava que o Planalto

Central e, especialmente, a região de Alto Paraíso, onde fica a Chapada, estava destinada a

ser a nova Terra Prometida. Na década de 1950, começa-se a dar ênfase à sacralidade do

lugar, sendo que, de acordo com Lima (2008), o local caracteriza-se por ser sempre um

lugar de novos “chegantes”, adeptos, segundo Siqueira, de religiosidades não

convencionais. A autora os define da seguinte forma:

. [...]são pessoas que buscam uma forma de vivenciar uma religiosidade

que seja anti-hierárquica, antidogmática, anti, extra ou para-eclesical. Tanto assim que se autodenominam centro, escola, grupo, legião,

filosofia. Isto porque não se admitem como religião (Siqueira, 2006, p.

23).

O movimento New Age, em suas várias manifestações, é difícil de ser

caracterizado porque engloba um aparato de crenças, práticas, produtos e serviços diversos.

Medeiros procura delinear o fenômeno listando uma série de características:

Exigência de transformação, de mudança ao nível individual e coletivo, como preparação para uma Nova Era.

Um otimismo radical que acredita que a humanidade está sendo introduzida numa convivência baseada na harmonia, respeito às pessoas,

ao planeta Terra.

O movimento é desculpabilizador: isto é, tende a retirar as culpas

pessoais, atribuindo-as a agentes externos, sejam terrestres, sejam de

outros mundos, sejam agentes do plano espiritual.

A existência de constantes desterritorializações sígnicas e simbólicas:

reordenam, transferem e reinterpretam os significados dos símbolos

religiosos (MEDEIROS, 1998, on-line).

39

Para Magnani, o movimento New Age, que ele prefere denominar de neoesoterismo,

é:

[...] um fenômeno de proporções, consolidado na cidade, que mobiliza recursos, envolve pessoas, modifica comportamentos, inventa ritos e

propõe novas modalidades de uso do tempo livre. Diversificado,

apresenta uma série de nuances que impedem que seja tomado como um bloco, sob pena de colocar num mesmo caldeirão realidades bastante

diversas. [...] compreende orientações religiosas não oriundas

apenas de tradições orientais, mas também do “encontro da ciência

contemporânea e antigas cosmologias, das tradições indígenas e

novas propostas ecológicas” (Magnani, 1999, p. 10).

Embora haja o risco de generalização, optou-se por enfatizar os aspectos

‘orientalizantes’ dos conteúdos e práticas dessas religiosidades, isto porque se entende que

eles são, por sua natureza cultural tão distinta, mais representativos dos novos estilos de

vida assumidos por inúmeros indivíduos na sociedade brasileira.

Na cultura religiosa judaico-cristã, Deus é concebido como um ser pessoal,

soberano, que cria todas as coisas e as mantêm sob seu total controle. A Bíblia mostra esse

Deus como um ser que se relaciona com suas criaturas, impõe suas normas e exige

obediência, demonstra amor, pune, redime, enfim, é um ser moral. Por outro lado, nas

religiões do Extremo Oriente, deus não é um ser pessoal e moral. Numa concepção

panteísta, tudo que existe é uma extensão da divindade. Assim, deus é o cosmos, a natureza

e tudo que ela abrange: vegetação, homens e animais. Daí, serem também religiões

monistas, pois crêem que todas as coisas se ligam por uma única substância, “Tudo é Deus

e Tudo é Um” (D’Andrea, 2000, p. 76) Nesse sentido, a radical oposição entre bem e mal,

própria da cultura judaico-cristã ocidental, é suprimida nas religiões orientais, para as

quais, bem e mal são realidades complementares e não excludentes.

A forma como as religiões concebem a ideia de divindade é a essência da ética que

os participantes vão desenvolver. Tradicionalmente, a ética das religiões orientais se

caracteriza por uma passividade diante da vida e do mundo, é uma ética da contemplação.

O conteúdo doutrinário das religiões de cunho místico-contemplativo não induz o fiel a

uma inserção no mundo, pelo contrário, seu desejo é fugir do mundo. Tal ética é sustentada

40

pela crença de que cada homem, individualmente, está preso a um processo cíclico de

morte e renascimento, o Karma, segundo o qual, ações do presente determinam como será

a vida numa próxima reencarnação. Segundo Weber (1979), a teodiceia das religiões

orientais está fundamentada na doutrina do Karma que, por sua vez, é originária do

hinduísmo. É a libertação desse ciclo, morte e renascimento, e a união com o divino, por

meio da iluminação e do conhecimento, que os seguidores dessas religiões concebem como

salvação. Weber afirma ainda que essa teodiceia:

Destaca-se em virtude de sua coerência, bem como sua extraordinária

realização metafísica: une a auto-redenção do homem, semelhante à do

virtuoso, com a acessibilidade universal à salvação, a mais rigorosa rejeição do mundo com sua ética orgânica social, e a contemplação

como o caminho mais destacado para a salvação com uma ética

vocacional do mundo interior (Weber, 1979, p. 410).

Campbell enfatiza que no imanentismo, que gradualmente vem ganhando espaço no

Ocidente cristão, o sujeito busca, acima de tudo, uma união com o divino, eliminando,

assim, a distância derivada da noção de transcendência. Como conseqüência, a postura

ascética perde força. O autor sustenta que, “Essa forma de religião é também sincrética.

Por causa de sua rejeição ao dualismo e sua indiferença à verdade literal, uma religião

espiritual e mística não leva necessariamente a uma posição de hostilidade em relação à

cultura secular” (Campbell, 1997, p.12).

Segundo D’Andreia (2000, p. 65), considerando o potencial reflexivo dos

indivíduos na modernidade, é de se esperar que “as grandes religiões tradicionais,

especialmente as ocidentais, se reflexivizem (isto é, se “novaerizem”), assumindo formas

de religiosidades destradicionalizadas, individualizadas e individualizantes, que tendem a

se autonomizar de organizações eclesiais”. As transformações evidenciadas no

cristianismo neopentecostal parecem confirmar essa proposição.

O movimento neopentecostal conserva toda uma estrutura que remete a uma forma

altamente institucionalizada de religião, entretanto, o modo como os conversos relacionam-

se com o seu Deus evidencia que se distanciaram da concepção cristã tradicional de um

Deus transcendente, ‘Totalmente Outro” (Otto, 2007, p. 58) . Em princípio, o discurso

neopentecostal mantém a ideia de um Deus pessoal, um ser soberano, volitivo e moral,

contudo, a vivência prática da fé parece não estar centralizada no desejo de glorificar a

41

Deus, mas de obter benefícios para o tempo presente. Nesse sentido, Deus não é o fim

último e, portanto, não é a crença em uma vida eterna em sua presença que estimula o

cristão neopentecostal que, em última instância, centraliza sua fé em si mesmo, à

semelhança do misticismo esotérico das religiosidades de cunho oriental. É uma inversão

de posições, no sentido de que não é o fiel que existe para a glória de Deus, Deus é que

existe para abençoá-lo aqui e agora13

.

A salvação é historicizada, daí podermos falar não em dessecularização, decorrente

do revigoramento do fenômeno religioso, mas de uma secularização radicalizada, já que

todos os conteúdos da fé e todo o aparato utilizado para expressá-la são votados para este

mundo. Supostamente, os adeptos das religiosidades neoesotéricas fazem o caminho

inverso. Deis Siqueira (2006) defende que, ao contrário dos conversos do

neopentecostalismo, que buscam uma inserção no mundo, os adeptos das novas

religiosidades são motivados por um desejo de fuga desse mundo. No entanto, a extensa

produção de literatura de auto-ajuda, fundamentada nas práticas religiosas orientais, parece

apontar em outra direção. Seus ensinamentos estimulam as pessoas a assumirem posturas

que, segundo elas, podem fazê-las alcançar benefícios concretos que, geralmente, se

voltam para a realização de anseios que são comuns a toda sociedade.

Os grupos esotéricos que vivem em comunidades e optaram por um modo de vida

que anda na contramão da sociedade de consumo vigente, constituem uma minoria diante

dos inúmeros grupos esotéricos que emergem na zona urbana e, estes, propõem que seus

participantes devem buscar sucesso e felicidade (Amaral, 2000). É importante ressaltar que

não há uma reinterpretação dos conceitos de sucesso e felicidade que, grosso modo, estão

sempre vinculados ao êxito financeiro, à vida sentimental e a saúde física20

, ficando, desse

modo, evidente que o movimento neopentecostal e as religiosidades neoesotéricas

assimilam os valores da sociedade secular. O neopentecostalismo também abriu mão do

rigor ético-moral e dos usos e costumes próprios pentecostalismo clássico. Assim, embora

conserve, de certa maneira, um discurso fundamentalista, esse discurso não tem força para

orientar a conduta de tal forma que faça com que o ethos dos participantes seja distinto

daquele assumido pela sociedade como um todo.

13

Vale lembrar o famoso slogan da Igreja Universal do Reino de Deus: “Pare de sofrer”

42

Sem a ortodoxia do cristianismo tradicional, o neopentecostalismo pende para a

heterodoxia. Otávio Velho detecta que as transformações que se verificam na narrativa

cristã:

[...]possivelmente, estão em relação oculta “sincrética” com outras

tradições, inclusive orientais, por via da crença no poder do pensamento, e seu desdobramento no poder da palavra, que no Brasil encontrou terreno

fértil para se desenvolver. Isso lhe emprestaria surpreendente parentesco

com a “Nova Era” e com a literatura dita “esotérica” e a de auto-ajuda (Velho, 1997, p. 53)

Portanto, se, por um lado, temos o neopentecostalismo como a forma cristã que

emerge condicionada pelos fatores sociais que tipificam a realidade social contemporânea,

por outro, temos as religiosidades neoesotéricas que encontram no Ocidente lugar propício

para sua expansão. Dentre elas, destaco as provenientes de correntes budistas, cuja postura

não ascética possui, pretende-se mostrar neste trabalho, grande afinidade com o discurso

religioso do movimento neopentecostal. Tal afinidade não é fruto do acaso, uma vez que o

neopentecostalismo surge nos Estados Unidos tendo como fundamento as experiências de

um médico psiquiatra que buscou no esoterismo formas alternativas para curar neuroses. O

próximo tópico tratará especificamente acerca das raízes históricas e dos aspectos sociais

que envolvem a emergência do movimento neopentecostal, com o objetivo de evidenciar

que seu surgimento, entre outras coisas, caracteriza-se por um afastamento da ortodoxia do

protestantismo clássico, seja ele reformado ou pentecostal, e se aproxima da heterodoxia

das práticas religiosas de cunho oriental.

2.6. CONFISSÃO POSITIVA E TEOLOGIA DA PROSPERIDADE:

ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS

Segundo Fonseca (1998), embora a origem da Confissão Positiva seja comumente

remetida à Kenneth Hagin, pastor estadunidense que fundou o movimento Word of Faith,

na verdade quem deu o ponta-pé inicial, em meados do século XIX, foi Phineas Parkhurst

Quimby, na cidade de Boston. Quimby, buscando soluções para tratar de neuroses,

procurou nas leituras esotéricas e na prática da meditação um caminho para a cura através

43

do poder da mente. Depois de ser tratado pelo médico, o reverendo Warren Evans publica

em 1869 The Mental Cure. Contudo, o nome mais expressivo desse primeiro momento é o

de Mary Baker Eddy, que também havia sido paciente de Quimby e foi a responsável por

“desenvolver os ensinamentos e fundar uma nova religião, a Ciência Cristã” (Fonseca,

1998, p. 5). A partir de então, vários livros foram publicados por seus seguidores sempre

ressaltando o poder que o ser humano tem para mudar sua realidade através da força da

mente.

Em 1925, Vicent Peale publica The Power of Positive Thinking que acabou se

tornando a principal referência para todos que aderiram à doutrina. A obra vendeu milhões

de exemplares nos Estados Unidos, permanecendo na lista dos mais vendidos durante dois

anos. A doutrina se popularizou rapidamente graças a adesão de líderes evangélicos com

grande alcance entre o público por intermédio dos meios de comunicação. No entanto, foi

Kenneth Hagin que depois de ler e plagiar livros de Essek William Kenyon, outro que fora

tratado por Quimby, que se transformou no maior difusor da Confissão Positiva e, por

conseguinte, da teologia da prosperidade (Mariano, 1999).

De acordo com Diana Lima (2007), essa corrente teológica que chega ao Brasil na

década de 1970, tem como característica o fato de subverter a antinomia histórica entre

religião e fortuna. Evocando Weber, a autora sinaliza para uma mudança significativa na

essência da teologia cristã que sempre fora marcada pela oposição sagrado e profano.

Assim, segundo ela, a teologia da prosperidade fundamenta-se na pregação de que:

[...] se confiarem incondicionalmente em Deus, os crentes estão destinados

a serem "prósperos", "saudáveis", "felizes" e "vitoriosos" em todos os seus

empreendimentos terrenos. De acordo com essa doutrina, por meio da

confissão positiva o fiel terá acesso a tudo de bom que a vida pode oferecer (saúde perfeita, harmonia conjugal, riqueza material, poder para

subjugar o Demônio etc.), e a relação entre o cristão e Deus se mantém nos

termos da reciprocidade: para receber a graça do Senhor ele deve "viver de acordo com a fé", entregar regularmente o dízimo e fazer suas ofertas. A

mensagem da Prosperidade liberta os fiéis das exigências ascéticas

determinadas pelo protestantismo histórico e pelas denominações

pentecostais tradicionais, e não apenas legitima como estimula uma vida aqui e agora de plenitude (Lima, 2007, p. 144,145).

Desse modo, a subversão que a teologia da prosperidade promove exprime-se num

olhar para baixo, ou seja, o céu deixa de ser contemplado e desejado como lugar de

redenção e, concomitantemente, o mundo, agora sacralizado, passa a ser percebido como o

44

lugar das possibilidades. Como relatou uma fiel da Igreja Universal: A vida eterna começa

aqui, Deus já me salvou e já me deu tudo, só preciso tomar posse das bênçãos.

Para Fonseca, o que se verifica é assimilação de elementos do movimento New Age

por parte das igrejas neopentecostais. Em uma pesquisa, constatou que a preferência

literária dos evangélicos sinaliza que ocorre, de fato, um processo de novaerização da fé

cristã. Ele observa que:

Um primeiro elemento que parece confirmar a adoção por parte dos

evangélicos de elementos da Nova Era se refere ao hábito de leitura dos fiéis no Rio de Janeiro. Livros relacionados a doutrina da Confissão

Positiva ocupam destaque nas preferências dos leitores evangélicos

(Fonseca, 1998, p. 2).

Fonseca diz ainda que a Confissão Positiva é uma corrente teológica voltada para a

pregação de incentivo à transformação da vida material. Ele explica que “a preocupação

com saúde, prosperidade e a valorização do eu são elementos que caracterizam a Nova Era

e que são perceptíveis em vários espaços religiosos e seculares” (Fonseca, 1998, p. 2)

Entre os autores evangélicos citados por Fonseca, que trabalham com essa perspectiva e

que influenciam os fiéis das igrejas brasileiras, estão dois pastores orientais: Watchman

Nee e Paul Yonggi Cho. As obras desses líderes são bem representativas da transformação

que ocorre no cristianismo contemporâneo.

Nee Shu-Tsu nasceu em 1903 numa província ao Sul da China. Converteu-se ao

cristianismo aos dezessete anos e mais tarde mudou seu nome para “Duo Sheng”, em

inglês “Watchman”, cujo significado tem a ver com o ministério de “sentinela” para o qual,

segundo ele, fora chamado por Deus para exercer. Watchman Nee, como ficou

mundialmente conhecido, tem uma vasta publicação com traduções em diversos idiomas,

inclusive o português. Sua influência sobre o pentecostalismo brasileiro teve inicio na

década de setenta, sendo ele um dos fomentadores de uma nova visão para as igrejas

evangélicas que teve grande peso no conteúdo doutrinário do neopentecostalismo. Vale

ressaltar que a própria vida do pastor chinês, que ficou preso durante vinte um anos e

morreu sob o regime de Mao Tse-Tung, é um fator importante para o crescimento de sua

popularidade no Ocidente. Sua carreira de líder espiritual teve início em uma igreja

metodista, nos anos de 1920. Algum tempo depois ele abandona o metodismo para formar

um ministério independente, cujo propósito era um retorno aos moldes da Igreja Primitiva,

45

ou seja, à igreja fundada pelos apóstolos. Para ele, a volta ao modelo da igreja apostólica

significava jogar por terra todo o sistema institucionalizado das denominações protestantes,

que evidenciava uma fragmentação da Igreja, em prol de um modelo que ele denominou de

igreja local.

Desse modo, Nee enfatizava a autonomia das igrejas e procurava quebrar a rígida

hierarquia que era própria do catolicismo romano e que as igrejas protestantes reformadas

haviam mantido. O número de seus seguidores cresceu de forma relativamente rápida e

chegou a três mil membros. Estrategicamente, ele dividiu os membros em quinzes grupos

que denominou de “pequenos rebanhos”. No começo dos anos 1940, Watchman Nee era o

líder de cerca de quinhentos pequenos rebanhos, sendo que cada um deles chegava a ter até

duzentas pessoas. Sua forma de trabalho foi imitada por protestantes em todo mundo,

especialmente pelos carismáticos ou pentecostais com seus grupos familiares ou igrejas em

células. Uma das características marcantes da teologia de Nee é a ênfase posta na

experiência de cada individuo com Deus. Em seu livro A vida cristã normal ele proclama

“Oxalá fossem abertos os nossos olhos para vermos a grandeza do dom de Deus! Oxalá

pudéssemos compreender a vastidão dos recursos ocultos em nossos próprios corações!”

(Nee, 1957, p. 94)

Os ensinamentos contidos em suas obras foram grandemente difundidos pelos

ministros evangélicos adeptos da Confissão Positiva. O que ele ensinou como doutrina

cristã ajudou a legitimar, primeiramente nos Estados Unidos, depois no Brasil e toda

América Latina, um modo tipicamente oriental de vivência religiosa. No livro O poder

latente da alma (publicado em 1933 na China, com o título original de “O poder oculto da

mente”), ele propõe que o homem tem um poder latente que é impedido de se manifestar

por causa do pecado. No entanto, esse poder divino no ser humano pode ser liberado para

realização de milagres, ler pensamentos e revelar o futuro, caso haja uma mortificação da

carne.

Segundo Nee (2001, p. 9), o homem, antes da queda14

, possuía capacidade

constitutiva para se tornar igual a Deus. Ele declara que, “[…] concluímos que antes da

queda, Adão tinha nele o poder de tornar-se como Deus. Ele possuía uma habilidade oculta

que lhe tornava possível tornar-se como Deus.” Apesar de o pecado impor limites a

atuação do poder da alma, o líder espiritual informa que várias religiões trabalham para

14 Cf. Livro de Gênesis, capítulo 3.

46

liberar esse poder, cita, em especial, as religiões orientais, tais como o budismo. Ele

explica que:

Tome como exemplo as práticas ascéticas e os exercícios do taoísmo, ou

até mesmo a forma mais simples de meditação abstrata. Tudo isso é

executado segundo o princípio de subjugação do corpo sob a alma, visando a liberação do seu poder. Não é de se admirar que muitas coisas

miraculosas têm acontecido, as quais não podemos rejeitar como

superstições. Sidartha Gautama foi um ateísta. Este é um consenso entre muitos eruditos e críticos com relação ao budismo. Ele cria na

transmigração da alma e no nirvana (esse é um estado […] de ‘absoluta

ventura’ caracterizado pela liberação do ciclo de reencarnações e conquistas, através da extinção do Ego-Tradutor). Não tenho a mínima

intenção de dissertar sobre o budismo; só quero explicar porque e como

muitas maravilhas têm sido realizadas nessa religião (Nee, 2001, p. 11).

Embora Nee exalte o poder latente do ser humano, ele afirma que o crente deve se

abster de usar tal energia e esperar o Espírito Santo agir através dele, essa é a única forma

lícita de força que se manifesta nos cristãos. O fato é que no modo que o pastor chinês

interpreta as Escrituras percebe-se uma orientação religiosa nitidamente imanentista.

Assim, sua proposta é absolutamente compatível com a noção de uma divindade no ser

humano, potencializando-o para realizar grandes feitos, como ensinam os livros de auto-

ajuda evangélicos.

Paul Yonggi Cho, por sua vez, nasceu na Coréia do Sul em 1936. Proveniente de

um lar budista, converteu-se ao cristianismo aos dezenove anos quando, segundo ele, fora

curado por Deus de uma tuberculose. O prenome “Paul” foi acrescentado posteriormente

para facilitar sua relação com o Ocidente. Em 1992, já com um trabalho conhecido

mundialmente, muda de nome. De acordo com seu próprio relato, por ordem do Espírito

Santo, deveria charmar-se “David”15

. Seu livro, A quarta dimensão16

, figura entre as obras

mais importantes para o neopentecostalismo brasileiro. O autor, por meio de testemunho

pessoal, ensina um modo novo de lidar com Deus e obter resultados eficazes para as

orações. Seus ensinamentos produziram controvérsias entre os cristãos protestantes, sendo

que os teólogos mais ortodoxos denunciam o caráter herético das doutrinas contidas na

15

O nome “David” ou “Davi significa “ amado”, na interpretação dos evangélicos é “amado de Deus”,

remetendo à relação do rei Davi com Iahweh. Ver em I e II Samuel.

16 Quarta dimensão” é um termo utilizado pelos adeptos do neoesoterismo para referirem-se à “Era de

Aquário” que delimitaria um novo começo para a humanidade. Ver em: LIMA; SIQUEIRA (2003)

47

obra. Isso levou à suspensão, por algum tempo, do ministério de Cho por parte da

Assembléia de Deus, denominação a qual está ligado. Entretanto, os líderes responsáveis

concluíram que aquilo que o pastor sul-coreano ensina não é incompatível com a verdade

bíblica.

Suas doutrinas ganharam legitimidade devido ao bem sucedido trabalho que ele

desenvolveu, tornando-se líder da maior igreja evangélica do mundo,

“Igreja do Evangelho Pleno”, cujo número de membros, de acordo como os relatos do

próprio pastor, congregando em um só lugar, varia entre oitocentos mil a um milhão. O

templo comporta trezentas mil pessoas e são realizados nove cultos diários. O próprio Cho

atribui o seu êxito à prática dos princípios que ensina. Ele declara, “Tenho revolucionado

meu ministério com a descoberta da quarta dimensão e você pode revolucionar sua vida

com ela”. (Cho, 1989, p. 24). Mas, segundo o sul-coreano, no que consiste a quarta

dimensão?

O pastor testemunha, no primeiro capítulo, que era muito pobre e orava para que

Deus lhe desse uma escrivaninha, uma cadeira e uma bicicleta. Passou dias orando sem

obter nenhum resultado, até que teve a revelação de que se ele não especificasse como

deveriam ser as coisas que estava pedindo, Deus não poderia saber o que ele queria. Então,

em suas orações, passa a descrever os bens que deseja tão detalhadamente que Deus não

correria o risco de errar na entrega. (Cho, 1989, p. 12). Essa experiência resultou na

descoberta da quarta dimensão. O líder espiritual explica que a terceira dimensão é o

mundo material e quarta é o mundo espiritual. O crente pode modificar a realidade material

por meio de uma imersão no mundo espiritual. Para isso é preciso aprender a mentalizar e

visualizar nitidamente aquilo que se deseja. A esse processo ele dá o nome de “incubação”

e afirma que é como estar “grávido” da benção ansiada.

O testemunho do pastor Cho põe em evidência a tendência antropocêntrica que

prevalece no neopentecostalismo. Para Ricardo Gondim, teólogo da Assembléia de Deus,

esse antropocentrismo é verificado numa inversão de posições:

Sabem o que é que vem acontecendo nestes últimos dias? Uma

acomodação ao espírito da época. Que nós podemos chamar de "Lair

Ribeirização" da fé. As palavras passaram a ter autonomia de produzir realidades em si mesmas. A fé deixou de ser uma dependência do caráter

de Deus e passou a ser um poder dirigido a Deus. As orações passaram a

ser decretações do que Deus tem que fazer. A submissão inverteu-se: é a de Deus ao que ele já prometeu e não de mim à vontade Dele. O dar

48

deixou de ser um sinal de despojamento econômico e sim um

investimento para se receber cem vezes mais (Gondim, 1994, p. 88).

Diante do que foi posto, percebe-se indícios que corroboram a hipótese de que

ocorre um processo orientalização no conteúdo e nas práticas das igrejas neopentencostais.

A fim de esclarecer como isso se manifesta no cotidiano dos fieis, optou-se por um

trabalho etnográfico, complementado posteriormente com depoimentos de “história de

vida” de membros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e da Instituição Religiosa

Perfect Liberty (PL). A PL é uma das inúmeras correntes religiosas originárias do

budismo que se espalham pelo Brasil. A escolha das duas, IURD e PL, tornou possível

estabelecer parâmetros comparativos.

49

CAPITULO II

3. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E INSTITUIÇÃO

RELIGIOSA PERFECT LIBERTY: O COMPORTAMENTO RELIGIOSO

EM GOIÂNIA NUMA PERSPECTIVA COMPARADA

Considerando, como atesta Campbell (1997), que a sociedade ocidental passa por

um processo de orientalização que causa um abalo nas bases da cultura judaico-cristã, a

sobrevivência do cristianismo como religião majoritária no Ocidente dependeria de uma

adequação ao espírito desse tempo. Nesse sentido, Bourdieu explica:

[...] em cada formação social e em cada época, toda visão do mundo e

todos os dogmas cristãos dependem das condições sociais características dos diferentes grupos ou classes, na medida em que devem adaptar-se a

estas condições para manejá-las. As crenças e práticas comumente

designadas como cristãs [...] devem sua sobrevivência no curso do tempo à sua capacidade de transformação à medida que se modificam as

funções que cumprem em favor dos grupos sucessivos que as adotam

(Bourdieu, 2005, p. 52).

Seguindo esta lógica, acredita-se que o movimento neopentecostal é uma das formas

tipicamente contemporâneas que o cristianismo assume para atender as demandas próprias

dessa configuração histórica. No campo religioso brasileiro, a Igreja Universal do Reino de

Deus destaca-se como um dos maiores expoentes desse fenômeno.

A tese de Campbell encontra sustentação na afirmação de Simmel (1997) de que o

tipo de vivência religiosa mais convergente com o processo de individualização que

caracteriza o mundo moderno é o misticismo, pois este possui, por um lado, a

característica intrínseca de ser uma forma de vivência religiosa sempre aberta a novos

conteúdos e, por outro, permite que o sujeito religioso determine sob quais parâmetros

exercerá a sua fé.

50

Partindo deste pressuposto, a questão que norteia esta pesquisa é: de que modo tal

tendência se revela na liturgia, no conteúdo doutrinário e no ethos dos freqüentadores da

IURD?

Não é tarefa fácil detectar, entre as inúmeras referências religiosas que compõem o

mosaico sincrético da IURD, indícios claros de orientalização. Ademais, este trabalho

seria ainda mais difícil se sua sustentação empírica se restringisse apenas à realidade

neopentecostal. Entende-se que, para detectar tais indícios no cristianismo iurdiano, seria

preciso, além disso, uma imersão no universo de uma religiosidade advinda do Oriente.

Isso ofereceria o subsídio necessário para a definição do que é tipicamente oriental e só,

então, estabelecer parâmetros de comparação. Com esse propósito, elegeu-se a Instituição

Religiosa Perfect Liberty. A escolha foi motivada pelo fato de que em um tempo

relativamente curto, esta instituição religiosa tem atraído muitos adeptos e se tornado

referência para praticantes e simpatizantes dos ensinamentos e dos estilos de vida trazidos

do Oriente

3.1. NOTA METODOLÓGICA

Pela própria natureza dos objetivos almejados, decidiu-se por uma abordagem

metodológica de cunho qualitativo. Em sua proposta de sociologia compreensiva, Weber

(1991) defende que é por meio das ações dos indivíduos, que são dotadas de sentido, que

podemos compreender os fenômenos sociais. Sob essa perspectiva, a sociologia tem como

objetivo principal, entender como “os homens avaliam e apreciam, utilizam, criam e

destroem as diversas relações sociais” (Freund, 1987, p. 28). Nesta proposta não há um

menosprezo em relação às metodologias quantitativas, o que o autor deseja mostrar é que é

possível ter acesso científico aos fenômenos sócio-culturais de dentro para fora, ou seja,

procurando compreender o sentido que os sujeitos imprimem às suas ações. A noção de

sentido é central na análise compreensiva. É o sentido manifesto, e, portanto, passível de

ser apreendido pelo pesquisador, que revela a natureza da ação, quer seja ela política,

econômica ou religiosa.

51

Para conseguir esse “olhar de dentro”, foi feita uma imersão no universo iurdiano e

peelista17

. Durante quatro meses, foi realizado um trabalho etnográfico e de observação

participante nas reuniões e outras atividades das instâncias religiosas pesquisadas. Foram

realizadas, ainda, entrevistas semi-estruturadas com freqüentadores e esses dados foram

complementados com narrativas histórias de vida de duas pessoas em cada uma das

instituições.

A aproximação com os membros da Igreja Universal não ocorreu sem resistência.

Certa desconfiança por causa dos recorrentes ataques que a denominação sofre, dificultou,

especialmente, as narrativas de história de vida. Os discursos, em princípio, focaram muito

na defesa da igreja e, por vezes, os informantes hesitaram sem saber o que dizer.

Entretanto, passados os primeiros momentos, se sentiram mais livres para falar. Em relação

à Instituição Religiosa Perfect Liberty, desde o princípio os adeptos se mostraram

dispostos a colaborar. Todos os domingos, depois da missa dominical, eles se reúnem para

tomar o café da manhã no refeitório situado na parte de trás do prédio. Aproveitamos esses

momentos para as entrevistas informais.

Por fim, com o propósito de conhecer melhor a estrutura e o conteúdo doutrinário,

utilizou-se, como fonte documental, algumas obras da extensa bibliografia produzida pelo

corpo de especialistas das IURD e da PL. Páginas das instituições e páginas pessoais de

alguns dos seus líderes na web também serviram como fonte de dados. A expectativa

subjacente ao empreendimento é a compreender como estas instâncias religiosas

funcionam e como constroem simbolicamente uma percepção de si mesmas.

3.2. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS: GÊNESE, ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA

Conforme a tipologia proposta por Freston (1994), a Igreja Universal do Reino de

Deus faz parte de um contingente de denominações que surgem no Brasil no fim do

período desenvolvimentista. São as igrejas que, segundo ele, fazem parte da terceira onda

17

O contato com a IURD começou no ano de 2005. Na época estávamos pesquisando trânsito religioso em

Goiânia. Retornamos no segundo semestre de 2009 para coletar dados para essa dissertação. As primeiras

aproximações com o universo da PL ocorreram em 2007 por meio de uma pessoa próxima que é peelista. Foi através dessa pessoa que tivemos uma primeira aproximação com a produção bibliográfica dessa instituição

52

pentecostal caracterizadas pela adaptação “às mudanças do período militar: inchamento

urbano [...]; a estrutura moderna de comunicações de massa [...]; a crise da Igreja Católica

e o crescimento da umbanda; e a estagnação econômica dos anos 80” (Freston, 1994, p.

131). Além da IURD, a Igreja Internacional da Graça seria outra forte expressão da

tendência que, a partir de então, consolidou-se no campo religioso brasileiro. Freston

observa que a nomenclatura dessas igrejas evidencia que elas emergem sob o ‘espírito’

expansionista que imperava na década de 1970.

As igrejas fundadas nesse período distinguem-se das denominações pentecostais

que, conforme a classificação de Freston, fazem parte da segunda onda, tais como a Igreja

Brasil para Cristo. Entre as diferenças mais relevantes, está o fato de terem como líderes

fundadores “pessoas citadinas de nível cultural um pouco mais elevado e pele mais clara”

(Freston, 1984, p. 131). Até a eclosão das denominações da terceira onda, as igrejas

pentecostais eram constituídas, liderança e membresia, por pessoas simples provenientes

da zona rural.

Freston aponta a Igreja Universal do Reino de Deus como o produto institucional

mais famoso do surto de crescimento econômico que ocorreu no fim do período

desenvolvimentista. Ela tem sua gênese no ano de 1977 no Bairro da Abolição no Rio de

Janeiro. Os primeiros cultos foram realizados em um local que havia sido uma funerária.

Seu fundador é o, hoje, conhecido e controverso Bispo Edir Macedo. Com uma retórica

admirável e carisma inquestionável conseguiu construir, em pouco tempo, um império que

abrange poder midiático, político, econômico, fundamentado numa influência religiosa que

não pára de crescer.

Edir Macedo chegou à cidade do Rio de Janeiro aos dezessete anos, tornou-se

funcionário da loteria do Estado. Ingressou em um curso universitário, mas não o

concluiu. Criado em lar católico, freqüentou a umbanda por um breve tempo e começou a

participar, ainda adolescente, da Igreja de Nova Vida. Esta denominação, tipicamente

urbana, atraia um público de classe média, distinguindo-se, portanto, do pentecostalismo

mais clássico. Seu corpo de especialistas era composto por líderes com melhor instrução do

que aqueles que normalmente se via nas igrejas pentecostais. Foi nesse ambiente que

Macedo recebeu as primeiras orientações para se transformar no grande empreendedor que

hoje conhecemos. Em entrevista à Folha de São Paulo, o bispo relata sua conversão:

53

Eu era uma pessoa triste, deprimida, angustiada. No fundo do poço

busquei a igreja católica e só encontrei um Cristo morto. Aquilo não

satisfez o meu coração e parti para o espiritismo, mas as ideias que aí encontrei não se coadunavam com as minhas. Então, um dia, tive um

encontro pessoal com Deus. Estava em uma reunião pública de

evangelistas, na sede da Associação Brasileira de Imprensa no Rio. As

pessoas cantavam e, de repente, desceu uma coisa sobre nossa cabeça, nosso corpo, como se estivéssemos sendo jogados debaixo de um

chuveiro. Foi algo ao mesmo tempo físico e espiritual, abstrato e

concreto. Pude ver como realmente era, e eu me via como se estivesse descendo ao inferno. Caí em prantos e, então, a mesma presença e me

apontou Jesus. Foi quando nos convertemos, nos entregamos de corpo,

alma e espírito (Folha de São Paulo 20.06.91 p.13).

Em 1975, com alguns colaboradores, entre eles, Romildo Ribeiro Soares18

, fundou

a Igreja da Cruzada do Caminho Eterno. Em julho de 1977, aos 33 anos, Edir Macedo deu

início ao que veio a ser o mais bem sucedido empreendimento religioso nos últimos

quarenta anos no Brasil.

É praticamente impossível saber seu tamanho real, mas o fato é que a Igreja

Universal possui milhares de templos espalhados por todo território brasileiro, com

milhões de membros concentrados principalmente nas grandes cidades e está presente,

conforme Rocha (2006), em noventa e oito países. Mas, segundo informação da própria

igreja, esse número está desatualizado, os dados internos da instituição registram,

atualmente, presença em cento e setenta e dois países19

. Embora esteja em países europeus

como Inglaterra, França, Ucrânia, Rússia, tem tido êxito significativo, segundo Mafra

(2004), em Portugal, sucesso que a autora atribui ao parentesco linguístico-cultural que,

por sua vez, torna mais fácil a assimilação do discurso iurdiano pelos portugueses. Isso

explicaria também o êxito em países africanos de língua portuguesa.

Entretanto, vale sublinhar que, conforme Campos (2006), a internacionalização da

IURD, no contexto europeu, ocorre mais pela adesão de imigrantes brasileiros do que

necessariamente pela conversão dos próprios europeus. Em suma, a Igreja Universal do

Reino de Deus segue bem sucedida em seu projeto de expansão mundial. Campos aponta

algumas conseqüências desse rápido crescimento:

18 Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como R. R. Soares, é cunhado de Edir Macedo, após uma

ruptura entre os dois, fundou outra denominação neopentecostal bem sucedida: Igreja Internacional da Graça

de Deus.

19

Disponível em: http://www.igrejauniversal.org.br/histiurd-mundo.jsp Acesso em 20 de novembro de 2009.

54

Entretanto, tamanho sucesso provocou uma crescente visibilidade do

empreendimento na mídia, especialmente após a aquisição, no final de

1989, de uma rede de televisão, o que permitiu que inimigos e adversários de todas as espécies também formassem uma colisão anti-

iurdiana. Hoje eles estão na mídia, nos grupos de intermediários

culturais que monopolizavam o campo cultural, religioso e simbólico do

país, tais como a Igreja católica, as várias denominações pertencentes ao protestantismo histórico, ao pentecostalismo clássico, as religiões afro-

brasileiras e kardecistas, assim como em instâncias do campo cultural e

político brasileiro (Campos, 1999, p. 356).

É importante salientar que nenhum dos escândalos que envolveram a IURD chegou

a ser uma ameaça ao seu sucesso, ao contrário, para Edir Macedo esses escândalos

acabaram fomentando, de algum modo, seu progresso. Ao ser questionado a respeito o

bispo responde que a Universal é a ‘igreja omelete, quanto mais batem nela, mais ela

cresce’ (Bonfatti, 1999).

Não se deve desconsiderar as particularidades que impedem que a Igreja Universal

seja simplesmente listada como mais uma denominação neopentecostal brasileira. A opção

pela IURD foi motivada precisamente por causa das peculiaridades que apresenta e que,

por seu turno, evidenciam que, mais do que qualquer outra, possui uma vocação

heterodoxa que a torna, embora alimente um discurso fundamentalista sob muitos

aspectos20

, bastante flexível nas suas estratégias evangelísticas. Flexibilidade essa indicada

por Mafra (2003) ao tratar da atuação iurdiana em Portugal. Nessa mesma direção, falando

da expansão na Europa como um todo, Freston (1999, p. 386) afirma que a ‘‘IURD é [...]

(pela constante inovação metodológica facilitada pelo controle centralizado) uma

bricolagem de práticas oriundas de diversas fontes, adequada aos tempos de globalização’’.

Sobre a capacidade de adequação e da utilização do aparato simbólico de outras religiões e

de superstições populares, Mariano argumenta que:

[...] para tirar proveito evangelístico da mentalidade e do simbolismo

religiosos brasileiros, a Universal sincretiza crenças, ritos e práticas das religiões concorrentes. Faz isso de diferentes modos e em distintas

ocasiões. Realiza "sessão espiritual de descarrego", "fechamento de

corpo", "corrente da mesa branca", retira "encostos", desfaz "mau-olhado", asperge os fiéis com galhos de arruda molhados em bacias com

água benta e sal grosso, substitui fitas do Senhor do Bonfim por fitas

20

Como exemplo desse fundamentalismo está a leitura literalista da Bíblia e sua pretensa superioridade em

relação às outras religiões e até mesmo a outras vertentes cristãs.

55

com dizeres bíblicos, evangeliza em cemitérios durante o Finados,

oferece balas e doces aos adeptos no dia de Cosme e Damião (Mariano,

2004, p. 132-133).

Além de oferecer essa variedade de bens e serviços religiosos, é preciso considerar

ainda, como causa do êxito iurdiano, a forma eficaz com que o Bispo Macedo organiza e

administra a denominação fundada por ele. A IURD cresce alicerçada em uma visão

empresarial. Segundo Mariano, de todas as denominações, consideradas por ele como

pentecostais, o empreendimento religioso de Edir Macedo é o mais bem sucedido em

relação aos resultados obtidos através da assimilação da lógica de mercado. Como relata o

autor:

A Igreja Universal, sem dúvida, é o caso pentecostal mais emblemático

da opção denominacional pelas estratégias de mercado e o mais bem-sucedido. Para granjear tamanho sucesso religioso, financeiro,

patrimonial, midiático e político, conta com governo eclesiástico

verticalizado, gestão de tipo empresarial, quadros eclesiástico e administrativo profissionalizados, adota estratégias de marketing,

estabelece metas de produtividade para os pastores, provê seus fiéis e

clientes de oferta sistemática de serviços mágico-religiosos, possui

grande disciplina eleitoral (para eleger suas bancadas políticas), arrecada recursos com eficiência e os investe no evangelismo eletrônico, em

empresas de comunicação (gravadora, editora, redes de rádio e TV), na

contratação de pastores, na abertura de novas congregações e de novos campos missionários (Mariano, 2008 p. 72-73).

Macedo quer mais do que poder eclesiástico. Seus diversificados investimentos

atestam tal afirmativa. A compra da Rede Record de televisão talvez seja o melhor

exemplo do empreendedorismo do bispo. Com uma programação conformada ao gosto

popular, a emissora tem, cada vez mais, sua imagem desvinculada da imagem da Igreja

Universal. Evidência desse fato é que, com exceção de alguns programas na alta

madrugada, a tendência que prevalece é a de comprar horários em outras emissoras para o

tele-evangelismo21

, recurso expansionista muito utilizado pelos dirigentes da igreja.

Durante a pesquisa de campo foi possível ver de perto as razões pelas quais a Igreja

Universal tornou-se tão eficiente na disputa por consumidores de bens e serviços

21 Entre as emissoras em que a IURD tem horários comprados está a TV Bandeirantes e na TV Gazeta.

56

religiosos. A aproximação com os freqüentadores possibilitou uma ideia mais precisa sobre

o significado que a igreja tem em suas vidas e, conseqüentemente, o modo como

respondem ao apelo dos líderes. Vitimar o fiel, afirmando que ele está sendo manipulado

com o propósito de arrecadar dízimos e ofertas, é uma explicação simplista. Obviamente

há um uso planejado de várias técnicas de persuasão para convencer o ouvinte de que tudo

que está sendo dito é verdade irrefutável. Os elementos litúrgicos são direcionados no

sentido de tirar o máximo em doações dos participantes. Contudo, nas entrevistas

realizadas com alguns deles, fizeram questão de deixar transparecer que se sentem

recompensados, mesmo que ainda não tenham alcançado a benção almejada.

O que se verifica é uma relação de troca. As pessoas oferecem o “sacrifício”22

e

crêem que receberão, como contrapartida, bem mais do que aquilo que estão dando. Não

raras vezes, quando percebem que não há uma correspondência, ou seja, quando a

contrapartida esperada não ocorre, elas não permanecem na igreja. Isso põe em evidência a

dimensão de autonomia do sujeito. Bonfatti explica que a fidelidade é limitada:

Um fenômeno interessante e muito comum entre os neopentecostais, que também deparamos na IURD, foi a existência de uma população

flutuante de outras igrejas neopentecostais bem como de pessoas ditas atéias ou de outras denominações afro-brasileiras, católicas e espíritas.

Estas pessoas procuram a IURD numa dimensão bem utilitarista ou até

mesmo desesperadora em que "só a Universal pode resolver". Ao mesmo tempo, esta dimensão de exclusividade salvífica reforça uma supremacia

no campo religioso onde a IURD adquire a marca de uma "igreja forte"

[...] As pessoas vão nesta igreja buscando uma cura de uma doença bem específica: um emprego, o marido alcóolatra, o sofrimento da alma, um

problema de saúde. Assim que estas pessoas obtém alguma cura (ou

não), elas param de freqüentar a IURD (Bonfatti, 1999, on-line)

Em última instância, é o consumidor religioso quem decide se os bens e serviços

que estão sendo ofertados por determinada instituição atendem ou não suas demandas.

Toda estrutura religiosa, particularmente na sociedade contemporânea, está fundada em

relações de interesse ou, como define Bourdieu (2005, p. 50), em “relações de transação

que se estabelecem com base em interesses distintos”.

22

Usam a simbologia do sacrifício tendo como referência a disposição de Abraão de sacrificar Isaque, seu

filho, a Deus (Gênesis 22) e como exemplo maior o próprio sacrifício de Cristo em favor da humanidade.

Assim, o fiel deve doar mesmo que isso lhe custe tudo que tem.

57

O aspecto utilitarista da teologia difundida pelo neopentecostalismo encontra sua

máxima expressão no discurso da Igreja Universal do Reino de Deus e revela o caráter

mágico que permeia todo simbolismo manifesto nos seus rituais. Estudiosos apontam tal

aspecto como relevante para a construção da sua identidade (Mariano, 2004; Bonfatti,

1999), mas esse é apenas uma característica entre muitas. É importante considerar ainda o

modelo episcopal23

que remete à organização hierárquica da Igreja Católica e os elementos

de tradições religiosas do Oriente que está na gênese do neopentecostalismo, como foi

mostrado no capítulo anterior, e que, por conseguinte, contribuem com a riqueza

heterodoxa que constitui o universo iurdiano.

3.2. 1. PARE DE SOFRER - FUNDAMENTO DE UMA NOVA TEODICEIA

“Pare de Sofrer”, slogan amplamente difundindo pela Igreja Universal põe em

evidência o fundamento sobre o qual está estabelecido todo seu conteúdo doutrinário e,

conseqüentemente, o meio pelo qual concorre no mercado religioso pelo “monopólio da

gestão dos bens de salvação e do exercício legítimo do poder religioso” (Bourdieu, 2005,

p. 57). O esforço empreendido pelos especialistas visa atingir, por meio do discurso e de

todo aparato simbólico, o maior número de pessoas possível. Os cultos temáticos são um

bom exemplo disso. Cada dia da semana é reservado para uma reunião com propósito

específico, contemplando, dessa forma, diferentes demandas, atraindo, assim, um público

diversificado. A jornada da semana está organizada da seguinte forma:

Segunda-feira: Reunião dos Empresários (Nação dos 318)24

Terça-feira Reunião do Descarrego

Quarta-feira Busca do Espírito Santo

23 Com poder centralizado na mão do Bispo Edir Macedo e com bispos subalternos em cada país ou região,

conta ainda com pastores e obreiros locais

24

A Nação dos 318 é uma reunião com 318 pastores e centenas de obreiros, que, juntos, clamam a Deus pela

prosperidade financeira de todos os presentes. Acontece às segundas-feiras nos principais templos da IURD.

O nome da reunião é inspirado no relato de Gênesis 14:14, que diz que Abraão convocou trezentos de

dezoitos homens para irem salvar Ló, seu sobrinho que havia sido levado cativo por Quedorlaomer, rei de

Elão, e por outros reis que com ele estavam.

58

Quinta-feira: Corrente da Família

Sexta-feira Corrente da Libertação

Sábado Terapia do Amor

Domingo As reuniões de domingo são relativamente indefinidas,

podendo ter temas variados

Durante os cultos, ainda que o pastor, ou bispo, deseje passar uma impressão de

espontaneidade, dizendo sempre que tudo está sob a direção do Espírito Santo, há uma

estrutura por trás que se manifesta, sobretudo, na padronização dos próprios dirigentes.

Assim, apesar de estar em reuniões diferentes, com pastores distintos, a sensação que

prevalece é que é sempre o mesmo. A voz, a entonação, o entusiasmo de animador de

auditório são características comuns a todos. A orientação que os aspirantes ao pastorado

recebem é que devem reproduzir aquilo que vêem os lideres fazendo. Entre as reuniões,

destacam-se como mais emblemáticas, no que se refere à construção da identidade da

IURD, a Reunião dos Empresários, a Reunião do Descarrego e a Corrente da Libertação.

A Reunião dos Empresários é dedicada à busca de prosperidade material. O pastor

inicia com uma oração, mantendo sempre o tom de autoridade, ordena que todos os males

que assolam a vida financeira das pessoas ali presentes sejam destruídos. Durante todo o

culto é enfatizada a necessidade de demonstrar fé através dos dízimos e das ofertas. Quanto

maior o sacrifício, maior é a fé e, consequentemente, maior a dádiva. É comum um valor

inicial para a oferta. Em uma das reuniões, o primeiro valor proposto foi de R$ 10.000, 00

(Dez mil reais). As pessoas que estão dispostas a doar a quantia se manifestam. Depois, de

forma decrescente o dirigente vai sugerindo outros valores e outras pessoas vão se

manifestando.

Uma freqüentadora, empresária do ramo de confecções em Goiânia, começou a

participar das reuniões dos empresários em um período de crise nos negócios. Já participou

de várias campanhas da igreja, levando para suas lojas objetos que, segundo o ensinamento

dos pastores, são elementos que não têm nenhum poder em si mesmos, mas que servem

para fortalecer a fé das pessoas. Entre esses elementos, a empresária citou cristais, cajado e

sal grosso. A apropriação de símbolos de outras religiões é uma das características mais

59

peculiares da IURD e tem sido imitada, em menor grau, por outras denominações

neopentecostais25

.

Dentre todas as reuniões, a Reunião do Descarrego e a Corrente da Libertação são,

sem dúvida, as que melhor explicitam a ideia de espetacularização trabalhada por Campos

(1999) ao propor, de forma ideal-típica, a noção de teatro, além da de templo e mercado,

para compreender os mecanismos de funcionamento da igreja. Tudo é feito para atrair o

máximo de atenção. Primeiro, o dirigente lista uma série de sintomas que podem ter como

causa a opressão demoníaca – dores de cabeça, insônia, medo, vontade de suicidar-se,

depressão e outros. Depois, atribui a origem desses males à vida pregressa das vítimas, ou

de seus familiares, que podem ter “dado lugar” para os demônios agirem ao participarem

de outras religiões, especialmente, a umbanda e o candomblé. No seu livro Orixás,

Caboclos e guias, Macedo afirma:

Pode parecer incrível, entretanto, acontece! Muitas pessoas após a oração da fé, quando o espírito demoníaco se manifesta, afirmam

estupefatas: "Pastor, eu nunca freqüentei o espiritismo, como pode ser o

meu sofrimento? Desde criança sinto uma opressão demoníaca." O fato de nunca ter ido a uma reunião espírita e de professar uma religião cristã

não impede que os demônios se apoderem das pessoas. Em muitos casos,

um espírito foi o "senhor" do corpo do pai ou da mãe que faleceu e procura agora se apossar do filho ou da filha para continuar a sua obra

maligna. Há casos de demônios que perseguem várias gerações. Por essa

razão, quando estou libertando pessoas possessas, sempre pergunto se

tem alguém na família que freqüenta ou freqüentou centros espíritas (Macedo, 1987, p. 23).

Ao mesmo tempo em que identifica o mal com as entidades que compõem o

panteão das religiões afro, apropria-se simbolicamente dos seus conteúdos. A roupa

branca utilizada, o sal grosso, a arruda, o fato de usarem a mesma nomenclatura que os

espíritos recebem nos terreiros, são exemplos dessa apropriação. De acordo com Bonfatti,

a IURD, ao elaborar um sistema religioso trazendo elementos bem conhecidos de outras

religiões ou práticas religiosas, minimiza possíveis traumas decorrentes de uma ruptura. O

autor atesta que:

25

A Igreja Apostólica Fonte da Vida também aderiu, por exemplo, às sessões do descarrego e, assim como a

IURD, identifica os espíritos malignos com os deuses do panteão das religiões afro.

60

Não existe uma inauguração de um novo sistema simbólico, mas sim, um re-arranjo e uma re-significação de elementos já re-conhecidos pelos fiéis dentro do campo religioso brasileiro. O que nos remete

novamente a uma vivência de sensação de totalidade e não uma

construção, mas de re-construção de sentido muito grande (Bonfatti,

1999, on-line).

A apoteose, nos cultos de libertação e descarrego, ocorre quando o pastor e os

obreiros impõem as mãos sobre as pessoas, exigem que o mal se manifeste. Então, algumas

delas caem, se contorcem, gritam. A entrevista com os “espíritos malignos” é o passo

seguinte. “Quem é; De onde veio; O que ganhou para oprimir aquela vida” são as

perguntas mais freqüentes. O espetáculo do exorcismo se encerra com a ordem para que os

demônios saiam. A absoluta personificação do mal, representado pelo diabo e seus

demônios, oferece um inimigo que pode ser objetivamente combatido. Nas palavras de

Macedo (1987, p. 103), “Tudo o que existe de ruim neste mundo tem origem em satanás e

seus demônios. São eles os causadores de todos os infortúnios que atingem o homem direta

ou indiretamente".

Nesse sentido, a doença, os vícios, os maus sentimentos e tudo que dificulta a vida

do ser humano, são resultantes da ação demoníaca. Assim, por exemplo, quem se prostitui

o faz porque um “espírito de prostituição” o está induzindo. Daí a necessidade de

intervenção divina, mediada por “homens e mulheres de Deus”, para que haja libertação.

Segundo Oro (1997), a ênfase que a IURD põe na sua vocação “libertadora” tem como

propósito demarcar sua diferenciação de outras igrejas. De acordo com o Edir Macedo:

Temos ministrado o Evangelho de Jesus Cristo na sua pureza e

integridade, e por obra do Espírito Santo, nossa igreja foi levantada para um trabalho especial, o qual se salienta pela libertação de pessoas

endemoninhadas. Dessa maneira, nossa experiência tem sido muito vasta

nesse campo e grande é o número de pessoas que nos procuram pedindo esclarecimento a respeito de tão discutido assunto (Macedo, 1987, p. 6).

Além dos cultos temáticos, a igreja promove uma série de campanhas, como a já

tradicional Fogueira Santa de Israel. O fiel que fizer voto de participar de uma campanha

deverá cumprir as obrigações referentes a ela. E a mais importante dessas obrigações, para

61

que o votante alcance a dádiva almejada, é o sacrifício da oferta que pode ter um valor

mínimo determinado. Segundo as palavras do Bispo Macedo é a oferta que nos torna

merecedores da benção:

Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim;

pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus

quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala.” (Hebreus 11.4) Abel foi justificado por Deus por causa de

sua oferta de fé. Por isso, ele se tornou merecedor diante do Senhor.

Assim também acontece conosco. Quando apresentamos uma oferta

diante de Deus, nos tornamos merecedores (Macedo, 2009, on-line)

Embora as reuniões tenham temas distintos, a questão do dinheiro permeia todas

elas. É em torno dele que a igreja constrói todo seu simbolismo. A começar pela concepção

dualista que opõe Deus e Diabo, sendo que o homem é o alvo maior dessa disputa. Ofertar

e dizimar com desprendimento seriam o único meio de provar que o crente está do lado de

Deus e que, por conseguinte, merece receber suas recompensas:

Os dízimos e as ofertas são tão sagrados e tão santos quanto a Palavra de

Deus. Os dízimos significam fidelidade, e as ofertas, o amor do servo para com o Senhor. Não se pode dissociar os dízimos e as ofertas, o

amor do servo para com o Senhor Jesus, uma vez que eles significam, na

verdade, o sangue daqueles que foram salvos em favor daqueles que precisam ser salvos (www.igrejauniversal.org.br/doutrinas.jsp).

Acontece, também, uma ressignificação simbólica do dinheiro que outrora era

visto, como afirma Oro (2002), como algo impuro. É nesse sentido que podemos falar de

uma secularização levada às últimas conseqüências, pois, a fé propagada pelo

neopentecostalismo assume o mundo como principal lugar da existência, contrapondo-se,

dessa maneira, aos protestantes analisados por Weber (2000) que tinham como objetivo

último a eterna felicidade no paraíso celestial, verdadeira morada do crente. Sobre isso,

Mariano (1996, p. 27) observa que “[...] Diferentemente de outrora, agora muitos crentes,

além de desejosos, reuniam condições econômicas de desfrutar das boas coisas que o

mundo podia oferecer”.

62

O “Pare de sofrer” da Igreja Universal acena com a possibilidade de uma existência

terrena livre de qualquer angústia. Macedo, falando sobre a importância da fé para vencer

os males, afirma:

[...] quando Deus criou a vida, criou-a com três grandes propósitos. O

primeiro, que ela fosse vivida em abundância, isto é, com todos os seus

direitos e privilégios, sem nenhuma forma de aflição, angústia ou preocupação. No plano da criação de Deus, "viver a vida" significava

automaticamente viver a felicidade, pois o próprio Senhor Jesus afirmou:

"...eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." João

10.10). O segundo grande propósito foi que ela não tivesse nenhum tipo de interrupção provocada por doenças, enfermidades, dores, enfim,

qualquer tipo de sofrimento ou morte. [...] Finalmente, o terceiro grande

propósito da vida, e o principal, foi o de, através dela, manifestarmos a Sua glória por toda a eternidade, a começar aqui pela Terra [...] É por

intermédio da fé sobrenatural que os filhos de Deus tomam posse de toda

a plenitude da vida (Macedo, 2000, p. 49).

Vê-se, assim, a proposta de uma nova teodiceia, na qual o sofrimento deixa de ser

uma realidade inevitável. Há um incentivo permanente à reação diante das circunstâncias

ruins. Nas palavras do Bispo Romualdo Panceiro, o cristão não pode aceitar nenhum tipo

de derrota:

[...] você precisa despertar e, sobretudo, se revoltar contra esta situação

de derrota que tem vivido. Enquanto você se lamenta, murmura e coloca

a culpa nos outros pelo seu fracasso, os filhos das trevas estão aí,

conquistando, comendo do bom e do melhor, morando na melhor casa, vestindo a melhor roupa, ou seja, desfrutando de uma vida bem-sucedida

em todos os aspectos. E por que isso acontece, já que eles em nada

temem a Deus, tampouco obedecem à Sua Palavra? Na verdade, eles são corajosos, buscam resultados, não aceitam fracassos, a palavra “não”

está excluída do seu dia-a-dia. Eles traçam objetivos e “partem para

cima” e, porque são destemidos, vencem. É exatamente o que está faltando em muita gente: coragem. É preciso se revoltar, porque os

verdadeiros cristãos, os da fé mesmo, estão sempre prontos para o tudo

ou nada, são revoltados, valentes; eles acreditam que o fracasso não

coaduna com a sua crença. Quem é de Deus não aceita o fracasso em nenhuma área da vida (Panceiro, 2009, on-line ).

Para tentar fundamentar biblicamente os ensinamentos, torna-se necessária uma

forma de interpretar as Escrituras distinta daquela feita pelo cristianismo tradicional. É o

que explica Mariano (1996, p.27) ao afirmar que “era preciso substituir suas concepções

teológicas que diziam que os verdadeiros cristãos seriam, se não materialmente pobres,

63

radicalmente desinteressados de coisas e valores terrenos. A demonização da pobreza é o

melhor exemplo dessas novas concepções teológicas. O pobre não é mais o “bem-

aventurado, ao contrário, é aquele que se encontra sob maldição, daí a necessidade

primordial que tem de ser liberto. Sobre isso, Jungblut observa:

[...] ensina-se, entre outras coisas, que não é errado ao crente desejar a riqueza neste mundo já que, sendo filho de Deus e “ressuscitado em

Jesus”, que é “dono de todo ouro e de toda a prata”, tem-se o direito de

usufruir de todas as riquezas desse mundo. A pobreza, longe de ser percebida como algo positivo para a justificação dos cristãos, é apontada

como maldição satânica que precisa ser “rejeitada em nome de Jesus”

(Jungblut, 2006, p. 115).

Procurou-se mostrar até aqui os aspectos mais explícitos na composição da

identidade da Igreja Universal do Reino de Deus. Toda a construção do universo simbólico

iurdiano evidencia uma luta aguerrida, cujo objetivo não é nada menos do que a hegemonia

no mercado religioso. Para isto, lança mão de diversas estratégias. Seu ponto de partida é a

teologia da prosperidade. Não há nada mais atrativo para uma sociedade que alia a

possibilidade do consumo irrestrito à noção de felicidade do que um discurso triunfalista

fundado em promessas de ascensão econômica e social. Diversificando sua oferta por

meio do uso de elementos de outras religiões, a IURD seduz pessoas de outros credos,

promovendo, dessa forma, uma identificação mais rápida com seu sistema simbólico. E,

finalmente, tudo elaborado sob uma concepção dualista, Deus e diabo em guerra constante,

que fornece a objetivação do mal que, agora conhecido, pode ser derrotado.

3.3. INSTITUIÇÃO RELIGIOSA PERFECT LIBERTY : GÊNESE, ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA

Segundo Castilho e Godoy (2007), surgiu no Japão, início do século XIX até

meados do século XX, como contrapartida ao processo de modernização e a perspectiva

materialista do conhecimento, um conjunto de religiões com discurso pautado pelo desejo

de revigoramento das tradições e da espiritualidade. Estas religiões começam a se

estabelecer no Brasil na primeira década do século XX e continuaram a chegar nos anos

64

subsequentes. Os autores designam quatro períodos do seu desenvolvimento em território

brasileiro.

O primeiro período refere-se aos anos da imigração japonesa que compreende de

1908 até 1920. Fase em que os japoneses eram colonos e não podiam praticar ativamente

sua religião. Daí ser caracterizado por Koichi Mori (1998) de período de “ausência de

religião”. O segundo período vai de 1920 até a década de 1930 e foi denominado como

“atividades religiosas na colônia”. Os japoneses, nessa época, passaram de colonos a

arrendatários (Godoy e Castilho, 2007). O terceiro período compreende metade da década

de 1930 e início da década de 1950 e ficou conhecido como “hibernação das religiões”. A

razão disso foi seu cerceamento pelo governo brasileiro com sua política nacionalista e a

eclosão da Segunda Guerra Mundial. O quarto e último período, desta classificação,

ocorre a partir da década de 1950 e é conhecido como fase de “ressurreição das religiões

japonesas e seu desenvolvimento posterior”. Progressivamente, essas religiões começam a

se expandir nos centros urbanos, sobretudo, com a adesão de participantes não-japoneses.

Mas o crescimento mais expressivo coincide com a emergência, nos anos de 1960, do

movimento New Age que Birchal descreve como:

Altamente poroso e dinâmico, o fenômeno espiritual da Nova Era torna- se também um fenômeno de mercado, uma oportunidade ímpar de

consolidação de um novo modo de viver baseado no consumo e no

descartável, na experiência e valorização do novo e imediato (Birchal, 2006, p. 101).

Portanto, ainda que o advento das religiões japonesas lhe seja anterior, o

movimento New Age chega abarcando todas as formas de vivência religiosa caracterizadas

por um misticismo panteísta. Nesse sentido, as religiões e/ou religiosidades de cunho

oriental entram nesse bojo e seus ensinamentos ganham destaque na heterodoxia que

caracteriza o movimento.

Em razão da dificuldade de definir o fenômeno, Magnani (1999) propõe um quadro

analítico para distinguir as diferentes instâncias e práticas que constituem o universo New

Age, ou neoesoterismo, como ele prefere conceituá-lo. Assim, classifica os segmentos em

cinco grupos: Sociedades Iniciáticas; Centros Integrados; Centros Especializados; Espaços

Individualizados; Pontos de Venda.

65

As Sociedades Iniciáticas são as formas de vivência religiosa mais

institucionalizadas no circuito neo-esotérico. Os Centros Integrados são lugares que

ofertam num mesmo espaço vários serviços e atividades como consultas, palestras e

vendas de produtos. Os Centros Especializados, por sua vez, incluem todas as instituições

que visam à formação de pessoas, tais como escolas, academias e institutos. Os Espaços

Individualizados são aqueles que oferecem alguma modalidade de prática neo-esotérica,

mas sem grandes agrupamentos.

A classificação proposta por Magnani fornece a sistematização necessária para a

localização das religiosidades orientais, especificamente da Instituição Religiosa Perfect

Liberty, instituição, essa, que é referência entre as religiosidades de raízes orientais que

têm contribuído com a reconfiguração do campo religioso brasileiro nas últimas décadas.

A PL, segundo a tipologia de Magnini, estaria circunscrita ao âmbito das Sociedades

Iniciáticas porque cumpre os requisitos delimitados na caracterização do autor:

[...] apresentar um sistema doutrinário com base em princípios filosófico-religiosos definidos, com um corpo de rituais próprios e níveis

de iniciação codificados; possuem graus de hierarquia interna que

permitem estabelecer, ao menos, a distinção entre o conjunto de

seguidores e os mestres/dirigentes (Magnani, 1999, p.27).

A aproximação com o universo peelista fortaleceu a convicção de que, na sociedade

contemporânea, nenhuma realidade pode ser razoavelmente compreendida se não se abrir

mão dos absolutismos teóricos. A síntese parece ser o melhor caminho para tentar

desvendar um mundo marcado pela complexidade e, porque não dizer, pela incoerência.

Se, por um lado, encontramos na PL todas as características de uma religião

institucionalizada, com a heteronomia que lhe é subjacente, por outro, verificou-se,

também, características de religiosidade privatizada, com toda autonomia individual que

isto implica.

Segundo Albuquerque e Souza e (2002), a Perfect Liberty26

tem sua gênese no

Japão no início do século XX, seu fundador foi Tokumitsu Kanada. Antes de criar uma

26 dissolvida pelo governo militar por ser popular e orientar a paz. Nosso patriarca, na época o Segundo

Fundador, juntamente com alguns adeptos foram presos. Mas em 1945, no final da Segunda Guerra todos

foram libertados e absolvidos. Em setembro de 1946 , o Segundo Fundador fundou novamente a instituição

nomeando-a em inglês e explicou: "O inglês será de agora em diante a língua internacional mais popular do

mundo

66

seita própria, Kanada foi adepto da seita27

budista Shingon e de uma outra seita, Mitake-

Kyo. Seus supostos poderes de clarividência e cura atraíram um monge do budismo,

Tokuharu Miki, que relata ter recebido a revelação para estabelecer dezoitos preceitos

doutrinários, tornando-se o primeiro patriarca. Posteriormente, foram acrescentados mais

três preceitos pelo segundo patriarca, num total de vinte e três que sintetizam a fé

peelista28

. Originalmente, a nova instância religiosa foi denominada Hitomiti, (Caminho

do homem) Em 1937, mesmo sob forte repressão em seu país de origem, a igreja já

contava com um milhão de seguidores, mas firmou-se apenas em 1946, já com a

denominação de Instituição Religiosa Perfect Liberty. Em 1953, a organização constrói sua

"Sede Eterna" em Tondabayashi, Osaka, também chamada de "Terra Sagrada" da PL. A

“Sede Eterna” é um grande espaço que tem como finalidade principal abrigar os adeptos

que estão em peregrinação. Possui hospital, escolas, dormitórios e um campo de golfe. De

acordo com os ensinos da PL, todo adepto deve, pelo menos uma vez na vida, participar da

caravana anual que é realizada em memória do primeiro patriarca.

A Perfect Liberty chega à América Latina na década de 1950, por intermédio de um

projeto missionário, particularmente bem sucedido no Brasil. Estabelecem uma “Terra

Sagrada” em Arujá, São Paulo, seguindo o modelo da que existe no Japão. O número de

igrejas brasileiras perfaz um total de cento e noventa, sendo que cem apenas no Estado de

São Paulo. A instituição faz o registro de seus filiados e, segundo informações internas, o

número de adeptos é de aproximadamente trezentos e sessenta mil. Desse total, cento e

sessenta mil encontram-se em São Paulo. Em Goiânia, a Perfect Liberty estabelece-se em

meados da década de 60 no centro da cidade. Atualmente, possui cerca de noventa

membros que se reúnem todos os domingos de manhã para a celebração do que eles

denominam de missa do dominical (La-Hai). Cada templo possui um mestre e os

assistentes de mestre que são os responsáveis por orientar os adeptos. Um dado

interessante apontado por Albuquerque e Souza (2002), que evidencia o caráter proselitista

da PL, é o fato de 95% dos membros no Brasil não terem ascendência japonesa, ou seja, é

quase que totalmente constituída de brasileiros. Segundo dados do IBGE, a instituição é a

terceira maior em números de adeptos, entre as religiões japonesas no país. A primeira é a

Igreja Messiânica Mundial e a segunda é Seicho-no-iê.

27 As autoras utilizam a terminologia “seita” para se referirem também à PL, No entanto, optei por fazer uso

do termo igreja, já que é assim que os membros a reconhecem.

28 Os vinte um preceitos estão listados no anexo .

67

A fé peelista é centrada na pessoa do fundador, denominado, Oshieoya-samá, que

significa literalmente “Pai dos Ensinamentos”. Comumente os adeptos se referem a ele

como o Patriarca. É venerado como mediador divino para o qual as preces são

dirigidas, pedindo especialmente por orientação (mioshiê). A principal de todas as preces

é a oyashikiri, “é um ato sagrado no qual Oshieoyá-Samá imbui um juramento especial”.

Uma assistente de mestre explicou que sempre que o fiel for fazer algo, deve antes fazer

uma oração (shikiri), a fim receber a orientação necessária para que possa ser bem

sucedido. Embora afirmem sempre a humanidade do líder supremo, ele transcende a todos

porque é Uno com Deus. Em todos os templos há uma foto sua que é reverenciada. O

atual patriarca é o terceiro na linha sucessória, no entanto, ele não é visto como sucessor,

mas como fundador. Isto porque, para cada época tem-se uma revelação específica, então

sua palavra é resultante da iluminação recebida para o tempo presente:

A peculiaridade da PL é que em cada época surge um novo fundador que prega os Ensinamentos adequados à época em que se vive. O Terceiro

Fundador, o Mestre Takahito Miki (a quem chamamos Oshieoyá-Samá)

nos orienta sempre para que sejamos seguidores exemplares desta fé religiosa. Ele transmite para que cada de um de nós se torne, em

primeiro lugar, praticante da vida religiosa PL (Jornal Perfeita

Liberdade, junho de 2009).

É difícil não comparar o significado de Oshieoya-samá para os peelistas com o

que Jesus representa para os cristãos. Ambos são reconhecidos por seus seguidores como

humanos e divinos concomitantemente e, na simbologia religiosa das duas religiões,

possuem funções equivalentes, são mediadores entre o homem e Deus. Um cântico

entoado em uma das missas dominicais revela a centralidade da figura Oshieoya-samá na

construção da identidade da Perfect Liberty. A canção, intitulada “Com quem contar”, fala

da peregrinação de alguém em busca de ajuda até se encontrar com aquele que pode lhe

revelar o caminho certo: “Andei, andei e encontrei Oshieoya-samá, Oshieoya-samá,” diz o

refrão. Além da foto do líder, outro símbolo importante nos templos da PL é omitamá,

forma circular com um sol no centro de onde emanam vinte e um raios, que representam os

vinte e um preceitos, é perante ele que são feitas as preces. São realizadas as seguintes

cerimônias no decorrer do ano:

68

1º de janeiro Ano Novo

1º de agosto Cerimônia em memória dos fundadores (Kyosso-

Sai)

29 de setembro Aniversário da PL

02 de dezembro Aniversário de Oshieoyá-Samá,

Todo dia primeiro de cada mês Cerimônia do Dia da Paz

Todo 11º dia de cada mês Cerimônia do Dia dos Antepassados

Todo 21º dia de cada mês Cerimônia do Dia do Agradecimento

Todos os domingos Missa dominical (La-Hai)

A liturgia é basicamente a mesma em todas as cerimônias, dividida em duas

partes, sendo que a primeira tem um caráter bem formal. Os oficiantes usam roupas pretas

que lembram o vestuário dos clérigos católicos. De maneira solene uma pessoa anuncia

tudo que vai acontecer no ritual. A entrada dos oficiantes, a oração da PL, tudo é feito com

o máximo de reverência. A segunda parte, denominada de atividades pós-cerimoniais, é

composta por um momento de entoação de cânticos, relatos de vivências de fé e palestra do

mestre, sempre baseada na diretriz do dia grafada em um calendário elaborado pela

instituição. A palestra dura entre dez e quinze minutos. O tempo gasto em toda cerimônia é

de cerca de uma hora.

3.3.1. A VIDA É ARTE - O MUNDO COMO ÚNICO PALCO DA EXISTÊNCIA HUMANA

Diferentemente do cristianismo, a PL não tem um livro sagrado, todos os seus

ensinamentos estão resumidos nos vinte um preceitos que, segundo crêem, foram revelados

por Deus à Oshieoya-samá. De acordo com Albuquerque e Souza (2002), merecem

destaque, para a compreensão de sua teodiceia, os princípios de que a “Vida é arte”, que é

o primeiro e o mais enfatizado nas reuniões, e “A vida do homem é auto-expressão”. De

acordo com as autoras:

Os preceitos da P.L. levam o adepto a atribuir transcendência ao

histórico e a considerar que o Bem é aquilo que é bom aqui e agora, e o Mal é aquilo que desagrada aqui e agora, resultando, enfim, na aceitação

69

da sua situação material. [...] Entendem ainda os mestres que todas as

coisas têm sua origem em Deus e se movem em direção ao progresso e

ao desenvolvimento, transformando o mal em verdade, a infelicidade em felicidade. Pode-se afirmar que a maioria das atividades da PL. acha-se

relacionada com a solução de problemas, sobretudo a cura de doenças

(Albuquerque e Souza, 2002, p. 39).

Os fundamentos doutrinários da Perfect Liberty revelam certo distanciamento de

algumas características muito enfatizadas em tradicionais religiões do Oriente como o

budismo e o hinduísmo. A crença na reencarnação, dogma central nessas duas grandes

religiões, não é compartilhada pelos peelistas. E, opondo-se, sobretudo ao hinduísmo,

declaram-se monoteístas, crendo em um só Deus, Mioyaookami, como Criador, de todas as

coisas. Contudo, seu monoteísmo não deve ser confundido com o monoteísmo da

tradicional concepção judaico-cristã. Sua noção de divindade é mais próxima do

panteísmo, “Na PL vemos Deus como um todo e infinito. Acreditamos que o ser humano é

a manifestação de Deus. Viemos de Deus e quando nossos corpos morrerem nossas almas

para Deus retornarão”(www.perfectliberty.ca). Sobre a morte, os peelistas dizem “somos

ensinados que nossas almas retornarão a Deus após a morte. Devemos ser o que somos

aqui e agora não havendo uma outra vida (www.perfectliberty.ca)

. A sentença “Vida é arte” é o ponto de partida de toda a filosofia peelista que é

focada primordialmente em orientações para o cotidiano:

Só ao levar a vida artística pode o homem conhecer o significado e o

profundo sabor da vida. Em que consiste a vida artística? Consiste em cada qual expressar livremente a sua personalidade, em seu campo de

trabalho. Caso o homem não vise ao bem-estar social, nem se coloque no

estado de objetividade, afastado do ego, sem se deixar dominar pelas vantagens e desejos egoísticos, sua personalidade não poderá ser

expressada em grau elevado (Declaração do Peelista, 2003, on-line)

A “Declaração do Peelista”, feita em uníssono pelos participantes ao fim da missa, é a

reafirmação constante do compromisso de viver de acordo com os preceitos recebidos:

Nós, peelistas, pretendemos aqui, livres do ego, expressar o mais

naturalmente, o mais livremente possível, nossas personalidades, ao

mesmo tempo, difundir essa filosofia e implantá-la em todos os homens, para juntos, dedicarmo-nos à cultura e civilização do gênero humano

(Declaração do Peelista, 2003, on-line).

70

Os livros escritos por mestres, os livretos distribuídos nos templos, as preces e as

canções revelam que a preocupação que norteia todo conteúdo doutrinário da igreja é

ensinar aos peelistas a postura correta diante de cada circunstância que se apresenta. A

ideia de salvação vincula-se à noção de transformação. Para cada dia do ano há uma

diretriz que tem como finalidade fazer com que o adepto tenha atitudes que o levem a ter

paz. Aliás, concretizar a Paz Mundial é o que a PL enuncia como sendo seu objetivo maior,

mas tal objetivo só pode ser alcançado se cada pessoa conseguir chegar a um estado de paz

interior. Os preceitos são o percurso para a liberdade e, em consequência, para a felicidade.

Vale dizer que a concepção de felicidade é a mesma compartilhada pela sociedade secular.

O livro Você ainda pode e deve ser feliz!, escrito pelo mestre Kaor Tanida, orienta os

leitores sobre os caminhos que precisam percorrer para ter sucesso em todas as áreas de

sua vida. O trecho a seguir diz respeito à postura correta para ser bem sucedido

financeiramente:

Se temos problemas financeiros, é porque não seguimos o caminho correto no que se refere ao dinheiro e à matéria. [...] Qual é, então, o

caminho para o sucesso financeiro? Em primeiro lugar, precisamos ter

vontade e prazer de utilizar o dinheiro. Isso é fundamental, mas também é algo que precisa ser sentido. O processo de melhora

financeira, fundamentado na vontade de se utilizar o dinheiro, inclui a

facilidade que se tem de pagar as coisas e o prazer do ato de pagar (Tanida, 2006, p. 34).

É importante reiterar que, na teodiceia peelista, a salvação não é supra-histórica.

Viver em plenitude é uma realidade possível aqui e agora.:

Deus deseja que você seja feliz, jovial e livre, Deus deseja que você

tenha vida gloriosa e triunfante, cheia de prosperidade. Para ir de

encontro, concretizar e viver dentro desta obra divina é preciso pensar e ter atitudes positivas, ações construtivas que levam a paz (Livro “Vida,

isto é arte”, p. 349).

À medida que o ser humano evolui, por meio da transformação interior, com

emoções positivas, pensamentos positivos, atitudes certas, vivendo com criatividade e

sendo útil ao próximo (missassaguê), consegue tudo que almeja. É relevante dizer que,

71

ainda que não acreditem em karma, os peelistas crêem que coisas negativas podem ser

fruto de uma herança espiritual ruim, é o que chamam de “correntes de desvirtudes” que

são passadas de uma geração para a outra até que alguém se esforce, por meio de

mudanças efetivas no modo de ser, pensar e agir, para limpar a corrente que rege a família,

para que seus descendentes não sejam atingidos. Os antepassados são reverenciados

porque unidos a Mioyaookami são responsáveis por auxiliar os vivos na sua trajetória

terrena. “Minha mãe morreu há 5 anos, mas toda vez que eu preciso, quando estou com

dificuldades, peço orientação a ela” afirma M. L, assistente de mestre.

Outro importante aspecto dos ensinamentos peelistas tem a ver com a questão das

doações que os adeptos devem fazer à igreja. Em nenhuma das cerimônias assistidas

houve um momento especial dedicado ao recolhimento de ofertas, no entanto, uma

assistente de mestre nos explicou que quando uma pessoa recebe a prece que marca sua

adesão, é instruída, entre outras coisas, sobre a obrigação de contribuir. Existem três tipos

de contribuições financeiras: uma contribuição mensal para manutenção da igreja (hoshi-

in), há também contribuições anuais ou de acordo com as necessidades que vão surgindo

(kenkin) e, por último, vêm as doações voluntárias e mais freqüentes (Hoshô). “Os

seguidores praticam Hoshô sempre que sentem necessidade de orar a Deus, seja para

suplicar ou agradecer. A dedicação espontânea que se oferece é a materialização da nossa

gratidão por poder orar” (palavras do mestre Alexandre Levorato da PL de Santo André-

SP, on-line).

3.4. IURD E PL: CARACTERÍSTICAS SIMILARES

3.4.1. HETERONOMIA VERSUS AUTONOMIA

Conseguir obediência, inculcar nos seguidores um habitus determinado, são

mostras do poder coercitivo que determinada instância religiosa exerce sobre seus

membros. Essa autoridade externa molda o comportamento, sua força normatizadora é

inegável. É o caso do catolicismo medieval e do protestantismo analisado por Weber.

Ambos sustentados na crença em um Deus transcendente e num ascetismo decorrente da

72

aceitação do mundo como lugar de sofrimento. Essa heteronomia gradativamente vai

perdendo espaço com o processo de modernização marcado pelo desejo de emancipação e,

conseqüentemente, de autonomia. Segundo Teixeira:

Ocorre um processo de desinstitucionalização religiosa, expressa no

desligamento de parte dos fiéis tradicionais de sua identidade religiosa

particular. As crenças tendem a se disseminar, conformando-se cada vez menos a modelos estabelecidos. Exemplos concretos, como os que

ocorrem no campo da moral comportamental e sexual, sinalizam as

dificuldades reais das instituições neste momento atual de prescrever aos

indivíduos e à sociedade como um todo, códigos unificados de sentido. Como um dado caracteristicamente moderno, a crença e participação

religiosas passam agora pelo crivo da consciência individual, tornam-se

matéria de opção. Os sujeitos tendem a resistir a quaisquer imposições advindas das instituições religiosas (Teixeira, 2000, p. 19).

A teodiceia das religiões orientais, baseada numa concepção imanentista de

divindade, possui incrível convergência com esse “espírito moderno”. Portanto, o que foi

relatado por membros da Perfect Liberty é bem característico de uma vivência religiosa

que não é construída sob a noção de “pecado”. Tal noção só faz sentido em religiões para

as quais Deus é um ser pessoal, que pode ser ofendido com atos dos homens. “Na PL eu

recebo orientação para viver, é uma filosofia de vida que eu sigo para que as coisas corram

bem”. São palavras de uma médica, cuja confissão religiosa oficial é kardecista. Sair do

caminho e não seguir os preceitos produzem sofrimentos desnecessários e retardam o

acesso aos benefícios. Assim, a crença em uma divindade não pessoal condicionaria a

formação de uma ética mais frouxa, mais permissiva, de um relativismo moral, seria uma

ética de conveniência. Por outro lado, a crença em Deus como ser pessoal desenvolveria

uma ética mais rígida que produz absolutos morais inflexíveis. Seria uma ética resultante

do temor do juízo e do desejo de salvação eterna.

D’Andrea (2000) diagnostica um processo de destradicionalização religiosa, ou

seja, as religiões tradicionais estariam perdendo força porque não são mais capazes de

atender as demandas do sujeito contemporâneo. Sob essa perspectiva, a tendência de uma

vivência religiosa centralizada no indivíduo se sobressai. Essa centralidade é radical no

imanentismo que oferece a oportunidade ímpar da “auto-deificação”. Nessa direção,

Jungblut afirma:

73

Isso ocorre, em parte, como fruto das modificações na forma como passa

a ser concebida a relação homem-Deus (reencantamento da religião, imanentismo, quebra da dualidade Deus-homem, gnose etc.), o que leva

o indivíduo a conceber-se, através de exercícios subjetivos e

internalizados, como detentor de uma divindade que não é mais exclusiva de um único Deus separado deste mundo (Jungblut, 2006, p.

108).

É interessante notar que nesse processo há uma inversão de posições, à medida que

a divindade é imanentizada, o ser humano é transcendentalizado. O neopentecoslismo

parece, de fato, ser a adequação cristã para esse novo momento histórico, pois também

joga por terra a contraposição Deus/homem. Um dos sintomas disso é que, embora

mantenha a concepção de Deus como um ser pessoal, a noção de pecado perdeu a força

que tinha no cristianismo tradicional, no qual Deus não é concebido apenas pai amoroso,

mas é, principalmente, aquele que está pronto a punir aqueles que transgridem suas leis.

Yamada (2004, p. 46), discorrendo especificamente sobre a Igreja Universal, afirma: “Na

IURD, os seres humanos não carregam mais o fardo do pecado, porque o pecado é

atribuído ao Diabo”. Vale lembrar que a “desculpabilização” do ser humano é uma das

características listadas por Medeiros (1998)29

, para se referir à Nova Era. Ao isentar, de

certo modo, o ser humano da responsabilidade sobre seus erros, o neopentecostalismo

contribui para um afrouxamento moral. De acordo com Pierucci (1999), as denominações

neopentecostais “estão deixando de propor pautas de conduta, de dizer o que é certo, o que

é errado e estão oferecendo serviços que na linguagem de sociologia da religião se chamam

de serviços mágicos.”

Quando os demônios são culpabilizados pelos males, o único grande pecado do ser

humano passa a ser a falta de fé. Mais do que qualquer outra coisa, é sobre o argumento da

necessidade de se ter fé que os líderes neopentecostais focam seus discursos. Na IURD,

isso é levado ao extremo. Durante todo o tempo os dirigentes procuram promover a igreja

como a que mais põe a fé em prática e os freqüentadores reproduzem com convicção o que

ouvem:

[...] só que a minha fé foi movida foi lá, entendeu? A Universal é uma

igreja que abre a mente das pessoas, para as pessoas não aceitar ser humilhadas... não aceitar ser pisado, não aceitar viver de aluguel, não

29 Citação feita na página 36 desta dissertação.

74

aceitar viver pedindo emprestado, entendeu? Lá é assim, eles abrem a

visão das pessoas, é melhor você ser cabeça de sardinha que rabo de

baleia, é isso que eles ensinam (Lu, micro-empresária, oito anos de IURD).

Mas, a mudança mais significativa é evidenciada no modo paradoxal como os

cristãos iurdianos se relacionam com Deus. Ao mesmo tempo em que Cristo é tido como

soberano,“Jesus é o Senhor da minha vida”, confissão recorrentemente feita pelos

membros, sua razão de existir é a felicidade dos seus “filhos”. E como ocorre sob a ótica

de uma concepção imanentista, a divindade também pode ser movida por meio da fé. É

importante salientar, porém, que é o ser humano, em última instância, que recebe a glória

pelo êxito ou o opróbrio pelo fracasso: se conseguiu é porque é uma pessoa de fé, se não, é

porque não teve fé suficiente.

A adequação do conteúdo religioso às demandas evidencia a fragilidade

institucional. Isto porque numa sociedade tão dinâmica, que está sempre fazendo novas

exigências, as religiões dependem também de constantes inovações para manter sua

competitividade no mercado religioso. Essa constante inovação é explícita na Igreja

Universal. Desse modo, apesar de ter todas as características que parecem indicar uma

estrutura forte, indo além do que é aparente, o que se percebe é que é o freqüentador

quem decide se o que é ensinado tem validade para sua vida. Paul Freston (1994) mostra

que os membros não acatam cegamente os apelos dos líderes, fazendo uma absorção que

lhes é conveniente daquilo que está sendo pregado. Ademais, as doações, que seriam a

prova mais gritante da força da instituição sobre os participantes, segundo Freston, são

feitas partindo de um princípio racional:

Para o membro comum, as doações muitas vezes substituem os gastos

com remédios, bebida ou drogas. Mesmo quando a conversão não trouxe

uma economia direta, pode ter suscitado novas atitudes que resultam em vantagens financeiras. Para muitos membros, a doação à igreja e a

racionalização do comportamento são inseparáveis. Vieram juntas e

fazem parte de um pacote de transformações; um pacote precário

constantemente ameaçado pelos padrões antigos. A doação encarna o compromisso com o padrão novo e, como tal, não é necessariamente

contraproducente da perspectiva da economia doméstica (Freston, 1994,

p. 153).

75

A IURD possui, como toda instituição religiosa, um grau de normatividade,

todavia, está bem distante do legalismo que caracteriza o pentecostalismo clássico.

Prevalece, de acordo com Freston (1994, p. 138), “uma ideologia da interioridade como a

única base para a vida transformada”. As palavras do Bispo Macedo em seu blog pessoal

confirmam tal proposição:

Problemas com o casamento, sexo, vinho e outros tantos são de ordem pessoal. Quem deve dizer para mim como deve ser o meu relacionamento conjugal? Quem deve ditar normas de conduta no meu

casamento? Quem deve dizer o que devo ou não beber ou comer?

Obviamente, estas são questões puramente individuais e ninguém tem o direito de conduzir minha vida, salvo a Palavra de Deus. Mas, e quando

a Palavra não é clara com respeito a assuntos de fórum (sic) íntimo? Ora,

o Espírito Santo opera em nós instruindo segundo Sua vontade. E

quando Ele instrui, é pela fé que Ele o faz. Logo, a fé é o caminho a seguir. O que para alguns é pecado, para outros não é. E vice-versa

(Macedo, 2008, on-line)

Em suma, a conformação do conteúdo doutrinário iurdiano ao espírito da época,

expressa-se por meio da assimilação de uma postura religiosa mais convergente com o

processo de individualização que se acentua na contemporaneidade. Tomando como eixo a

dicotomia institucionalização versus privatização da religião, tão debatida hoje pelos

estudiosos do fenômeno religioso, conclui-se que prevalece a tendência de uma fé mais

privatizada, todavia, isso não significa que o crente prescinda da filiação institucional, mas

que sua fidelidade é limitada pelo sentido encontrado que, por sua vez, pode ser tão

efêmero quanto quase todas as certezas dessa realidade tão fluida.

3.4.2. IURD E PL: APROXIMAÇÕES DOUTRINÁRIAS

Numa sociedade antropocêntrica não há mais lugar para um Deus autoritário e

punitivo. Como foi dito, o que se verifica é a disseminação de uma forma de vivência

religiosa na qual a divindade está a serviço dos homens. “Você pode mover Deus para

conseguir o que você quer, só precisa saber os mecanismos”, tal afirmativa foi feita por

M.L, membro da Perfect liberty, peelista há trinta e cinco anos. Na IURD, expressões

como “eu determino”, “eu reivindico”, “tomo posse”, dão a tônica da relação entre o fiel e

Deus. Embora existam diferenças doutrinárias no que tange à concepção da divindade, no

76

neopentecostalismo ainda prevalece a crença em um Deus pessoal, enquanto que as

religiosidades de cunho oriental ancoram-se numa representação panteísta, na vivência

prática da fé, o modo como os cristãos neopentecostais e os adeptos de religiosidades

vindas do Oriente se relacionam com o divino é muito semelhante.

“O ato de fazer shikiri é muito importante porque eu relato para Deus o que eu

pretendo fazer e falo exatamente o que eu preciso, para não ter erro” (Dona L., trinta e

quatro anos de PL). Esta fala chama a atenção porque remete a uma prática que se tornou

corrente no neopencostalismo. Tal prática, já citada na página 45, consiste em sempre

especificar para Deus aquilo que deseja receber, descrevendo sempre, com todos os

detalhes para que não haja erro na entrega. Esta doutrina, propagada pelo pastor sul-

coreano Paul Yonggi Cho, mexe com a dogmática cristã erigida sobre a concepção de um

Deus que é onipotente, onisciente e onipresente.

Aliada a essa nova forma de conceber a divindade está a crença no poder da

palavra. É provável que essa seja uma das similaridades mais explícitas entre o movimento

neopentecostal e as religiosidades orientais. Acreditar que as palavras podem influenciar

nos acontecimentos é o fundamento da “Confissão Positiva”, característica constituinte do

neopentecostalismo. Contudo, a fé no poder das declarações é muito mais coerente com o

monismo oriental - todas as coisas interconectadas, mundo material e espiritual numa

influência mútua - do que com a transcendentalidade do Deus cristão que aliena divino e

humano. Mas como coerência não é uma preocupação para o sujeito religioso

contemporâneo, pode-se ouvir o Bispo Macedo proferir as seguintes palavras:

A mãe diz para o filho: “Você faz isto comigo, seu filho irá fazer pior contigo.” Os anos passam e chega a vez deste filho se deparar com

situações difíceis com seus próprios filhos. E então vivencia aquela

“praga” da mãe. Pouca gente sabe que a palavra tem espírito. Se ela é

má, produz tristeza, dor e morte. Mas, se é boa, traz alegria, saúde e vida (Macedo, 2010, on-line).

Outra aproximação que não deve passar despercebida diz respeito à doutrina do

karma que ganha nova roupagem no neopentecostalismo através da crença em maldições

hereditárias. A lei do Karma implica, conforme é ensinado em religiões como budismo, na

crença em reencarnação. Esta última, veementemente negada pelos neopentecostais.

Todavia, quando se trata de ciclo cármico e maldições hereditárias, a lógica é parecida, aí

novamente a desculpabilização do sujeito. Se no primeiro a pessoas carregam sobre si as

conseqüências dos seus atos em vidas passadas, no segundo, as pessoas carregam as

77

conseqüências dos atos dos seus antepassados. Em uma comparação direta entre IURD e

PL, a doutrina que compartilham é mais similar. Para os peelistas, que não crêem em

reencarnação, uma família pode estar sujeita a uma “corrente de desvirtudes”, ou seja,

males espirituais, físicos e emocionais que são transmitidos de geração em geração. Para os

iurdianos, são maldições decorrentes da atuação maligna passadas dos pais para os filhos

até que o ciclo se rompa com uma intervenção libertadora de Jesus, mediada, obviamente,

pela igreja.

Além das similaridades já citadas, vale lembrar que o neopentecostalismo adere a

uma concepção mais vitalista da salvação, ou seja, abandona a expectativa escatológica,

típica do pentecostalismo clássico, e enfatiza a salvação neste mundo. Acerca dessa

proposição o relato de uma fiel da IURD é emblemático:

Porque tem igreja que prega só a salvação, mas ninguém se salva com a luz cortada, com telefone bloqueado, com aluguel atrasado, com

cobrador na sua porta. Não tem ninguém que se salva, porque a palavra

de Deus diz assim que no dia em que Ele voltar o seu coração deve estar igual ao coração de um recém-nascido, e não tem ninguém que é

humilhado, que é cobrado, se Jesus voltar, ganha a salvação. Porque todo

mundo que é cobrado, ele é frustrado e envergonhado (Lu, micro-empresária , oito anos de IURD).

Masanobu Yamada (2004) observa que essa é uma concepção inerente às novas

religiões japonesas. Não sem razão o movimento neopentecostal privilegia a ideia de

libertação em detrimento da noção de salvação que, por sua vez, está vinculada à ideia de

pecado. O resultado dessas transformações é o desenvolvimento de um novo ethos mais

conformado aos padrões da sociedade secular do que aquele do “crente” do

pentecostalismo clássico, com seus usos e costumes que evidenciavam uma rejeição

categórica do mundo.

78

3.5. IURD E PL: UM PERFIL PARA O SUJEITO RELIGIOSO NA

CONTEMPORANEIDADE

Na decisão de fazer esta pesquisa estava implícito o desejo de dar primazia à

perspectiva da demanda e não da oferta. Conhecer a construção simbólica das instâncias

religiosas (os bens e serviços que oferecem) é imprescindível, todavia, é apenas a primeira

parte de um trabalho que visa particularmente compreender o sentido encontrado pelos

fiéis e, conseqüentemente, de que modo isso contribui para formar e/ou legitimar

determinado ethos. Entre as hipóteses que serviram de ponto de partida, estava a

suposição de que o homem religioso contemporâneo seria um “sujeito experimentante”.

Desse modo, a motivação para a busca religiosa derivaria de seu desejo de satisfazer

necessidades imediatas, quer sejam de ordem material, física ou emocional. As entrevistas

com os adeptos da PL e com freqüentadores da IURD, corroboram esta suposição,

evidenciando que a adesão, ou conversão, tem como principal motivação a vontade de

encontrar soluções rápidas para problemas que podem ser circunscritos sob dois ângulos:

problemas objetivos e problemas subjetivos. Em relação aos problemas objetivos, o que

mais enfatizam nos depoimentos como razão para a adesão ou conversão são relacionados

às finanças, à cura de alguma enfermidade e à libertação de algum vício próprio ou de

alguém próximo:

Aí, eu me lembro que estava com uma dor terrível no meu braço quando

entrei no ônibus, comecei a ler o jornal, quando desci do ônibus não sentia mais nada, a dor tinha passado. Então resolvi vir conhecer, isso foi

em 1976, estou aqui até hoje. [...] Uma coisa interessante que aconteceu

era que eu tinha problemas e tomava remédio que o psiquiatra passou, um dia vim receber orientação do mestre e contei pra ele. Ele pediu pra

ver meu remédio, eu entreguei, ele olhou, leu o que estava escrito e

disse, “Você não vai mais precisar disso” e despejou tudo no lixo. Na

hora eu fiquei preocupada e pensei, “Vou ter que comprar tudo de novo”, mas não comprei e nunca mais precisei (Dona L, aposentada,

trinta e quatro anos de PL).

O que me trouxe à igreja PL foi principalmente quando eu tive um

acidente, eu quebrei essa junta (mostra algumas marcas), tenho marca para todo lado, a minha junta está toda esbagaçada. [...] Tinha muitos

problemas com a família, com o marido, bebia muito, sabe? Meus filhos,

os dois filhos homens que eu tinha, os mais velhos, bebiam muito. Aí,

isso tudo me fez vir à igreja e tô aqui até hoje e acho que Deus vai me

79

abençoar que eu fique até o final da minha vida. Me trouxe a igreja,

fazer missassaguê , sempre ta recebendo orientação, recebendo prece,

fazendo solicitação pra eles, pra mim, poder resistir ao que estava passando. Tudo isso fez eu vir à igreja PL, estou até hoje, nunca me

arrependi. Foi ótimo, hoje em dia, a natureza de cada um mudou tanto,

hoje em dia [...] E graças a Deus, foi tudo bem, meu marido foi

diminuindo a bebida, meus filhos foram diminuindo a bebida. Aí os meninos, graças a Deus, pararam de beber, até meu genro que bebia

também, não bebe mais (Dona I, do lar, catorze anos de PL)

O que me levou para a Universal foi a doença mesmo sabe?! Problema

de saúde grande, que os médicos falaram que não tinha cura, aí eu vi o

testemunho de uma mulher que estava com o mesmo problema que tava em mim. Aí eu cheguei até a igreja e recebi o que eu tinha ido buscar, a

cura. Aí depois da cura, a primeira vez que eu fui, eu gostei, voltei e

continuo até hoje. [...] Eu fui curada, a primeira coisa, eu fui curada, eu tinha hérnia de disco, tava caminhando para ficar paraplégica, a minha

vida sentimental foi restaurada, a minha vida financeira mudou da água

para o vinho (Lu, micro-empresária, oito anos de IURD).

Não é que eu tô rica, sabe?!, Mas aquela miséria daquela coisinha

contada, regrada, migalha, graças a Deus, acabou, sabe?! Eu andava de a pé, hoje eu não ando mais, eu vivia morando de aluguel, não moro mais,

então tudo isso foi através da minha fé, assim, aquilo que eu pedi pra

Deus, apresentei, Ele me honrou. Eu quero dizer que eu visto a camisa da igreja, eu não tenho vergonha, porque tem gente que se esconde

(A.,costureira, sete anos de IURD).

Entre os problemas subjetivos, ganham destaque nos depoimentos, problemas com

auto-estima, sentimentais e necessidade de acolhimento:

[...] Eu me achava feia, não gostava de sair na rua porque imaginava que

todos estavam olhando pra mim, depois que me tornei peelista, mudei muito (Dona L, aposentada, trinta e quatro anos de PL).

Porque eu acho que na igreja PL, a gente recebe mais carinho dos

peelistas, assistentes de mestres, por Deus e por Osheioya-Samá. A gente

recebe aquela benção especial...muito bom...recebe aquela amizade

profunda que a gente tem por uns aos outros né?! Cada domingo tem um grupo para fazer o café da manhã, arrumar lanche aqui, isso é muito

importante, né, porque é difícil ir numa igreja católica que tem lanche,

num tem né?! Aqui tem o lanche, as pessoas vêm fazem a cerimônia pela manhã, depois vai lá pro salão, vai tomar seu cafezinho, depois recebe

prece pra você ir embora, né?! É maravilhoso! (Dona I, do lar, catorze

anos de PL).

80

Eu sou kardecista, mas aqui há uma comunhão que não tem lá. Gosto do

kardecismo, foi a religião que mais me satisfez, tem filosofia, tem

ciência, mas, aqui, tenho orientação para o dia a dia, tem o mestre que aconselha, é uma comunidade ( R., médica pediatra, dois meses que

freqüenta a PL).

Na Universal não tem muito aquela comunhão que tinha na outra Igreja,

mas quando a gente precisa o pastor e os obreiros vêm, oram pela gente,

unge a casa, ora no trabalho da gente, nos dá conselho. É muito bom mesmo! (A., costureira, sete anos de IURD).

[...] é melhor pegar uma sacola de laranja, geladinho, sair vendendo do que ser gritado numa empresa, ter o horário marcado de chegar, ter que

pegar chuva pra ir pro ponto do ônibus, se chegar dez minutos atrasado

você não entra mais ou então é descontado no seu salário, você não tem horário para tomar café, não tem horário para ir no banheiro. Então, isso

aí, eu achei que a minha vida mudou nesse ponto. Porque quando eu fui

pra lá minha vida era essa, e hoje não é, eu era mandada e hoje eu mando, não mandando para humilhar, entendeu? (Lu, micro-empresária,

oito anos de IURD).

Os depoimentos acima testificam a tendência de intramundanização, ou seja, de

uma fé que não olha para cima, mas para baixo. Nesse sentido, a experiência religiosa

caracteriza-se por uma postura típica de consumidores. Sob essa perspectiva, ainda que as

instituições usem artifícios para manter a fidelidade dos freqüentadores, a disposição para

permanecer em determinada instituição é limitada pela capacidade de atração da sua oferta.

Por isso, não é incomum pessoas que freqüentam diferentes religiões e assumem práticas

religiosas distintas. No caso da IURD, é mais recorrente encontrar pessoas que vão a outras

denominações evangélicas, como é o caso de uma entrevistada que disse o seguinte:

Eu vou em outras igrejas, vou nessa aqui (aponta o rumo da igreja),

Dupla Honra, eu vou numa Assembléia que tem ali embaixo, tem uma colega minha que me convida, de vez em quando eu vou lá. Antes de eu

ser da Universal, eu congregava na Igreja de Cristo, assim, eu já passei

por muitas igrejas (A, costureira, sete anos de IURD).

É o caso também de M, advogada, que se assume como membro da Igreja

Apostólica Fonte da Vida, mas faz campanhas na Igreja Universal. Em relação à Perfect

Liberty, a abertura é maior. O fato de ser peelista há catorze anos, não impede Dona I de

81

frequentar, às vezes, a igreja católica e de participar de procissões. Segundo ela, “não tem

nada a ver, você pode vir na PL e também ir a outras igrejas”. Todos os entrevistados

peelistas compartilham essa opinião que, na verdade, está fundamentada no próprio

discurso da instituição que se apresenta como ecumênica:

Ecumênica, a igreja PL, que prega também uma filosofia de vida, reúne pessoas de várias crenças religiosas. Nela os problemas se tornam

excelentes oportunidades de crescimento e desenvolvimento para o ser

humano. Esse exercício prático é apoiado pela oração e por outros atos sagrados, acionados por Mestres ou Assistentes que transmitem a força

espiritual de Oshieoyá-Samá, representado nesta geração por S. Ema.

Takahito Miki, Patriarca da Instituição Religiosa "Perfeita Liberdade"

(Folheto da PL).

Apesar dessa abertura, a PL como qualquer outra instituição religiosa, procura

reforçar sempre sua superioridade sobre as demais, “A PL é o caminho da verdade, da

felicidade e da liberdade”, sentencia uma de suas canções.

O sujeito religioso experimentante parece estar sempre em busca de novas

fórmulas, haja vista o expressivo consumo de livros que têm como característica principal

ensinar determinados padrões de comportamento que levariam o leitor a uma vida de êxito.

Tanto na IURD como na PL, há um cultura da auto-ajuda: “Você precisa determinar o

sucesso na sua vida”, diz o pastor durante o culto. “Eu aprendi a me posicionar diante de

algumas coisas, não aceitar uma vida fracassada”, testemunhou uma jovem senhora na

Igreja Universal. Na PL, os adeptos cantam “O peelista é uma pessoa forte especial que

supera crise financeira e emocional”. A possibilidade, apresentada pelas instituições

pesquisadas, de ser bem sucedido, de alcançar um estado de bem estar superando

problemas, aparece nas narrativas dos seguidores como principal fator que os atraíram,

entretanto, em relação à permanência, destaca-se o fato de terem encontrado acolhimento,

de se sentir parte de uma comunidade.

A partir dos relatos dos entrevistados, pode-se elencar alguns traços marcantes que

ajudam a delinear o perfil do sujeito religioso na contemporaneidade. Em primeiro lugar,

os dados indicam que, no campo religioso brasileiro, as motivações para a adesão, ou

conversão, são secularizadas: o principal objetivo do fiel não é alcançar o céu, mas fazer da

terra o seu paraíso. Tal fato é bem coerente com o “apego ao visível” que tanto caracteriza

a racionalidade técnico-científica da modernidade, afinal, a terra é o que se tem de mais

82

tangível. Se houver Deus ou deuses, que eles trabalhem para fazer do aqui e agora o local

e o tempo da salvação.

O segundo aspecto, ligado ao primeiro, é que, ainda que busque na religião meios

para superar seus problemas, dilemas e todo tipo de demanda existencial, o indivíduo toma

para si a responsabilidade pela transformação da sua realidade. Essa postura é reforçada

pelo discurso religioso impregnado pela cultura da auto-ajuda: se sua vida não está bem, se

não está conseguindo ter êxito, ser bem sucedido, é porque não está tendo fé ou não está

seguindo corretamente as orientações. O fato é que essa postura está calcada na

expectativa de que a satisfação plena é possível, isso faz com que o indivíduo esteja

sempre disposto a experimentar uma nova receita espiritual.

E, finalmente, os depoimentos dos participantes põem a lume os anseios que

emergem condicionados por uma situação social de crise. Nesse mundo das coisas “fora

do lugar” (Bauman, 2008, p. 14) que paradoxalmente oferece múltiplos sentidos e sentido

nenhum, o indivíduo se vê à deriva. Assim, a busca religiosa é uma tentativa de ordenar

novamente o mundo, fora e dentro de si mesmo e, por conseguinte, de encontrar segurança.

A comunidade religiosa possibilita a aproximação com o outro sob o mesmo sentimento de

pertença, produzindo uma integração que, por sua vez, tem uma importante função

terapêutica - resgate da auto-estima, revitalização da esperança e, como conseqüência, a

superação, como os fiéis mesmo testificam, de muitas dificuldades.

83

CAPÍTULO III

4. O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO SOB UMA ANÁLISE

PROSPECTIVA

Tendo em vista a contribuição do movimento neopentecostal e das religiosidades

neoesotéricas para a reconfiguração do campo religioso brasileiro nas últimas décadas, é de

se esperar que essas vertentes sejam utilizadas como ponto de partida para alguns

prognósticos sobre o futuro desse campo. O mais debatido diz respeito a uma suposta

hegemonia evangélica como conseqüência do crescimento acelerado dos neopentecostais.

Outra possibilidade seria a ocorrência de uma “novaerização” provocada pela influência do

movimento New Age que, segundo Sanchis (1997), manifesta-se por meio de um

comportamento religioso idiossincrético30

. O crescimento dos “sem religião”, evidenciado

no censo do IBGE de 1991, devido ao salto quantitativo em relação ao censo anterior, em

1980, é apontado como efeito colateral do desenraizamento provocado pela adesão ou

conversão aos novos movimentos religiosos.

4.1. SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA

“NEOPENTECOSTALIZAÇÃO” DO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO

O primeiro prognóstico, que defende que o campo religioso brasileiro caminha para

uma supremacia protestante, encontra sustentação nos dados trazidos pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo, “Tendências Demográficas: Uma

Análise da População com Base nos Resultados dos Censos Demográficos de 1940 e

2000” (2007), revela um crescimento no número de evangélicos em todos os estados do

país, um salto de 2,6% na década de 1940 para 15,4% no censo 2000. Os dados mostram

30

Conforme Pierre Sanchis (1997) a religiosidade, que ele designa de “pós-moderna”, é marcada pela

liberdade que o indivíduo tem de criar um sistema de crença próprio, utilizando elementos de várias instâncias ou práticas religiosas.

84

também que à medida que o número de evangélicos avança, o catolicismo perde parcela

significativa dos seus seguidores.

Tabela 1 - Católicos Apostólicos Romanos (Tendência ao declínio)

Região 1940 (%) 2000 (%)

Norte 97,8 71,3

Nordeste 98,9 79,9

Sudeste 93,8 69,2

Sul 88,4 77,4

Centro-oeste 94,9 69,1

Fonte: Censos demográficos do IBGE

Tabela 2 - Evangélicos (ascensão)

Região 1940 (%) 2000 (%)

Norte 1,1 19,8

Nordeste 0,7 10,3

Sudeste 2,3 17,5

Sul 8,9 15,3

Centro-oeste 1,5 18,9

Fonte: Censos demográficos do IBGE

Leonildo Silveira Campos (2008), procurando atualizar os dados do IBGE,

acrescenta os dados colhidos pela Fundação Getúlio Vargas em 2003 e pelo Instituto

DataFolha no ano de 2007. O quadro que ele apresenta mostra que o catolicismo encolheu

9,9% entre 2000 e 2007.

85

Tabela 3 - O declínio católico entre 2000 e 2007

2000 (%) 2003 (%) 2007 (%)

73,9 73,8 64

Fonte: FGV -2003; DataFolha-2007

Em relação ao crescimento dos protestantes, entre 2000 e 2007, saltaram de 15,6%

da população para 22%.

Tabela 4 - Crescimento protestante entre 2000 e 2007

2000 (%) 2003 (%) 2007 (%)

15,6 17,9 22

Fonte: FGV -2003; DataFolha-2000

É importante salientar que o protestantismo não é homogêneo e não são todas as

ramificações que crescem. As igrejas históricas ou tradicionais, derivadas de missões

estrangeiras, detinham a maior parcela entre os protestantes, todavia, a partir da década de

1950 houve uma reviravolta e o pentecostalismo, em suas distintas modalidades (inclusive

o neopentecostalismo), saltou de 9,5% do total dos evangélicos, para 77,86% em 2000,

enquanto que os evangélicos de missão caíram para 22, 14% (Campos, 2008).

Os dados censitários estão na base do discurso triunfalista que se ouve em igrejas

neopentecostais que sentenciam que, em breve, a maior parte da população brasileira será

composta por evangélicos. Para que isso ocorra há uma competição ferrenha por filiações.

Entre as estratégias, está o ataque à Igreja Católica e às religiões afro-brasileiras. Sobre

isso, Fonseca sintetiza:

No maior País católico do mundo presenciamos uma beligerante disputa

por fiéis. A Igreja Católica "perde" adeptos para os pentecostais, que por sua vez satanizam os deuses do candomblé e umbanda. Em meio a tudo

isso a Nova Era se torna cada vez mais evidente. As religiões brasileiras

se encontram de forma acirrada na disputa desse "mercado de bens simbólicos" (Fonseca, 1998, p. 15).

86

A grande matriz religiosa brasileira é o catolicismo, portanto, não surpreende o fato de que,

nas entrevistas realizadas com freqüentadores da IURD, ele tenha se destacado como

religião de origem da grande maioria. No entanto, nos testemunhos que dão tendem a

desvalorizar essa pertença anterior e valorizar a atual, enfatizando o fato de que embora se

apresentassem como católicos, não eram praticantes. O depoimento abaixo exemplifica

bem isso:

Antes de eu ser da Universal, eu congregava na Igreja de Cristo, assim,

eu já passei por muitas igrejas, mas eu tava na Igreja de Cristo. Antes de

eu ser evangélica, eu não era nada. Eu ia na Igreja Católica era pra batizar um filho ou ser madrinha duma criança, missa de sétimo dia, um

velório tinha na igreja, do contrário, não. Mas eu dizia que era católica

(A, costureira, sete anos de IURD).

A debandada para o protestantismo, particularmente para o neopentecostalismo,

acontece, segundo Pierucci, porque esta religião oferece algumas possibilidades que não

são encontradas em religiões tradicionais como o catolicismo e a umbanda. O autor

argumenta que:

[...] saem-se melhor aquelas de cunho conseqüentemente individualista e militantemente missionário. Ou seja, as congregações protestantes levam

vantagem numa estrutura de campos culturais que é cada vez mais

concorrencial, assim como se torna concorrencial a estrutura interna de cada campo, tal como hoje ocorre com o campo religioso. Toda a teoria

sociológica, da mais clássica à mais contemporânea, está aí para nos

entregar a chave da explicação dessa notória vantagem comparativa de que goza o protestantismo de modo especialíssimo: o protestantismo é

por excelência,e radicalmente,uma religião de conversão individual

(Pierucci, 2006, p. 120).

Para Sanchis (1994), todos os indicativos parecem corroborar a previsão de que os

evangélicos caminham em direção à hegemonia, todavia, é necessário ter cuidado para

evitar equívocos decorrentes de uma leitura superficial. Antes de se delinear qualquer

tendência é preciso considerar diversos fatores. Os dados ‘frios’ do IBGE, ou de qualquer

outra agência de pesquisa, podem oferecer um quadro descritivo do fenômeno no que tange

ao passado e ao presente, entretanto, por sua própria natureza, não são suficientes para uma

análise prospectiva.

87

Que o número de evangélicos cresce não há dúvida, todavia, o trabalho de campo

trouxe indicativos que mostram certa fragilidade nesse crescimento. Foram recorrentes nas

falas dos informantes afirmações de que conhecem pessoas que já freqüentaram, fizeram

campanhas, mas não permaneceram. Afirmou uma entrevistada: “conheço um monte de

gente que vem recebe a benção e não volta nunca mais, têm outros também que não

recebem porque não perseveram” (F, cabeleireira, seis anos de IURD).

Freston (2009), numa leitura que privilegia vários fatores, é categórico ao afirmar

que o Brasil nunca será majoritariamente protestante. Para o autor, o avanço evangélico

será limitado por uma série de contingências:

Pelas tendências atuais, o futuro previsível da religião no Brasil vai

depender de três fatores. Em primeiro lugar, o catolicismo continua a declinar (perde cerca de 1% da população anualmente), mas haverá um

limite nesse declínio. Há um núcleo sólido de católicos praticantes, pelo

menos 25% da população, que dificilmente vai ser erodido. Além disso, se a Igreja Católica conseguir se organizar melhor e fazer frente à

concorrência, é improvável que fique abaixo de 40%. Em segundo lugar,

atualmente, de cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas uma passa a ser evangélica. A outra adere a uma outra religião,

ou se torna ‘sem religião’. Em terceiro lugar, o resto do campo religioso

está muito pulverizado, e não há sinais de uma ‘terceira força’ religiosa

(Freston, 2009, p. 316).

Sobre o limite do declínio católico, apontado por Freston (idem), deve-se ressaltar a

importância da Renovação Carismática Católica como meio de fechar a porta de saída para

o pentecostalismo. Ao contrário da retração que atinge o segmento mais conservador da

igreja, a RCC, de acordo com Valle (2004) está em franca expansão. Não por acaso, a

renovação carismática foi inicialmente denominada de pentecostalismo católico. Trata-se

uma reação ao avanço protestante, usando as mesmas estratégias do concorrente.

Em relação ao fato de que nem todas as pessoas que abandonam o catolicismo

aderem ao protestantismo, é preciso levar em conta as inúmeras instâncias religiosas que

emergem continuamente no campo religioso brasileiro acirrando a competição por

consumidores de bens e serviços religiosos. Freston lembra que há, ainda, um contingente

de pessoas que abandona o catolicismo não para se filiar a outra instituição e,

consequentemente, acaba engrossando o coro dos “sem religião”. Tudo isso contribui para

o estabelecimento de um teto máximo para o crescimento evangélico. Segundo Freston, na

melhor das hipóteses, os evangélicos chegariam a ser apenas 35% da população. Soma-se

88

aos fatores demonstrados pelo autor, o fato de que a conversão à fé protestante pode

significar uma primeira ruptura que seria o ponto inicial para outras rupturas. É o que

Pierucci denomina de processo de desfiliação:

Desencadeia-se nelas um processo de desfiliação em que as pertenças

sociais e culturais dos indivíduos, inclusive as religiosas, tornam-se

opcionais e, mais que isso, revisáveis, e os vínculos, quase só experimentais, de baixa consistência (Pierucci, 2004, p. 19).

Ora, ao abrir mão da herança religiosa familiar e aderir a uma outra religião, o

sujeito põe em prática uma autonomia que lhe foi negada pela tradição e, partir disso, não

há mais limites para o exercício dessa autonomia. Conforme Pierucci:

[...] na conversão religiosa se passa de um status (religioso) adscrito

para um status (religioso) adquirido. A conversão, posto que mudança de uma religião de origem para uma religião de escolha, descreve um

movimento propriamente dito de mobilidade social” (Pierucci, 2006, p.

115).

Assim sendo, da mesma maneira que abandonou sua religião de origem, o indivíduo pode

sucessivamente deixar as outras. Isso implicaria, por um lado, um trânsito religioso cada

vez mais intenso e, por outro, no aumento do número de indivíduos que se declaram sem

religião. Em relação ao trânsito, a IURD tem, de fato, o que Bonfatti (1999) denomina de

população flutuante que é composta por pessoas que participam das reuniões (fazem

campanhas ou correntes) sem serem oficialmente filiadas e, também, por pessoas filiadas

mas que vão a outras igrejas, geralmente evangélicas.

Em síntese, o esforço proselitista protestante depara-se com dificuldades que são

inerentes à própria constituição de um mercado religioso do qual ele mesmo é o precursor.

Assim, a pressuposição de que o Brasil caminha para uma protestantização, ou mais

especificamente, para uma “nepentecostalização” (Cunha, 2008, p. 23) dificilmente se

confirmará. Outra hipótese, seria uma “novaerização” do campo religioso brasileiro como

evidência maior do processo de orientalização pelo qual passa o Ocidente.

89

4.2. SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA “NOVAERIZAÇÃO” DO

CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO

Além do crescimento protestante, como já mencionado, ganha visibilidade no

campo religioso brasileiro o avanço das religiosidades neoesotéricas. O movimento New

Age abrange todas essas religiosidades e, também, formas de vivência religiosa

marcadamente heterodoxas. A razão pela qual coloca-se no mesmo bojo religiões orientais

e grupos místico-esotéricos é porque a essência doutrinária de ambas as vertentes é a

mesma. Aliás, vale reforçar que o alicerce sobre o qual se ergue o misticismo

contemporâneo é oriental.

Se levarmos em conta apenas o critério quantitativo para fazer um prognóstico

sobre o futuro das religiões no Brasil, dificilmente o movimento New Age seria

considerado como algo significativo. No Estudo, já citado, “Tendências Demográficas:

Uma Análise da População com Base nos Resultados dos Censos Demográficos de 1940 e

2000”, o total de pessoas que se declararam adeptas de religiões orientais (incluindo o

budismo e o hinduísmo) e de grupos esotéricos, no censo 2000, é de 497.716 (quatrocentos

e noventa e sete mil setecentos e dezesseis), isso corresponde à 0,3% da população. Na

pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, 2003 e na do Instituto DataFolha as religiões

minoritárias são apresentadas em conjunto, portanto, não existem dados exatos sobre as

religiosidades neoesotéricas, já que estas encontram na categoria “outras religiões” que

somam um total de 3%.

É impossível não comparar a multidão de pessoas que assiste as reuniões na

Catedral da Fé com a média de 30 pessoas que participam das cerimônias na Perfect

Liberty, embora a secretária tenha informado que a instituição, em Goiânia, possui cerca

de noventa membros. A ilustração serve para exemplificar a distância quantitativa entre as

duas vertentes pesquisadas. Entretanto, apesar de não ser tão expressivo numericamente, o

movimento possui uma incrível força de influência e seu conteúdo simbólico, segundo

D’Andrea, (2000) penetra até mesmo em religiões mais ortodoxas. O autor compara a

Nova Era a um iceberg, cuja parte submersa é muito maior do que a parte que fica visível.

Desse modo, não há como mensurar quantitativamente sua presença porque ela vai bem

além do que aquilo que está explícito.

É uma revolução que não produz estardalhaço, mas que gradativamente promove

mudanças profundas na cultura ocidental. Seu foco está na totalidade, portanto, sua ação

90

não se restringe à esfera religiosa, se faz presente nas variadas formas de manifestação

artística (literatura, música, cinema, artes plásticas), na medicina e, conseqüentemente,

marca presença também no dia a dia das pessoas que assumem novos estilos de vida

baseadas nos ensinamentos que elas, muitas vezes, nem sabem que são de cunho místico-

esotérico. Cristina Vital Cunha, falando sobre o fenômeno da Nova Era no campo

religioso brasileiro, observa que:

O repertório de crenças e práticas conhecidas como esotéricas,

alternativas, da Nova Era, etc., identificadas também como uma espécie de religião [...] compõe um quadro expressivo dos "ventos pós-modernos

que então bafejam" [...] esse conjunto de crenças seria caracterizado

como uma nova forma de consciência religiosa marcada pela

reflexividade, pelo cultivo do eu e pelo movimento de "destradicionalização". Ao longe, esse universo esotérico apresenta uma

enorme fragmentação e amplitude. Entretanto, nas condições atuais de

sua implantação na cidade, os circuitos "neo-esotéricos" mostram um intenso poder de mobilização e de promoção de rotinas/estilo de vida, de

construção de vínculos fortes no interior dos grupos, também chamados

de "comunidades efêmeras" (Cunha, 2007, p. 203-204)

De acordo com Velho (1997, p. 56), A Nova Era possui “a propriedade isomórfica

de atravessar diversos campos”. Propõe uma nova cosmologia totalmente condizente com

a “cultura de nossa época” (Valle, 1994 p. 161). É importante ressaltar que a pretensão não

é a formação de grupos religiosos institucionalizados, o que enunciam como objetivo é o

desenvolvimento de uma nova consciência que resgata “tradições e práticas das mais

diversas. É a marca do holismo, que representa o desejo humano para a integração de todas

as coisas, valor coerente com o contexto globalizado” (Birchal, 2006, p. 99)31

.

A eficácia do movimento New Age reside justamente no fato de não entrar em

confronto, mas agregar até mesmo elementos contraditórios. O modo como a PL doutrina

seus adeptos para uma “cultura da paz” é um exemplo disso: nenhuma religião é ruim,

todas existem para a evolução do ser humano. Daí não impor restrições a seus filiados em

relação à participação em outras instituições religiosas, mesmo exigindo que estes façam

31

D’Andrea (2000), referindo-se ao movimento New Age, afirma que dizer que ele é “holístico” é mais

preciso do que dizer que é “holista”. Porque o holismo é um “coletivismo totalizante e totalitário no qual

indivíduo desaparece. “Holístico”, por sua vez, mantém o indivíduo como o todo ou parte desse todo, é que

ele denomina de “hipersubjetivismo autista. (p. 77)

91

missassaguê no templo, ou seja, precisam participar das cerimônias e ajudar nos afazeres

(limpeza, cozinha, auxiliar os demais membros).

Instâncias religiosas como a Perfect Liberty oferecem ao indivíduo a liberdade de

criar um sistema próprio de crença com ingredientes de várias religiões ou práticas

religiosas: “Eu sou peelista, mas também tenho minha Nossa Senhora lá em casa” (Dona L.

trinta e quatro anos de PL). Em nenhum momento os informantes se referiram a práticas de

outras religiões como conflitantes com as doutrinas da PL. O que realmente interessa é o

modo como o indivíduo conduz a sua vida. A Oração da PL (principal prece coletiva da

instituição) revela o caráter prático dos seus ensinamentos:

Não contrariamos as leis prescritas por Deus e pelo homem, agimos ao

perceber, somos humildes e respeitamos o próximo. Nada de ira, nada de pressa, nada de receio, nada de tristeza, fazendo atuar a nossa verdadeira

personalidade, sem nos apegarmos nem nos afastarmos em demasia.

Trilhando esse caminho, somos agraciados com a liberdade e a felicidade (Trecho de Oração da PL).

Não é, de modo algum, surpreendente o fato do subjetivismo religioso, que

caracteriza o modo new age de ser no mundo, encontrar boa acolhida entre os brasileiros.

Afinal, sempre houve aqui uma vocação sincretista (Sanchis, 1994). A proposta da Nova

Era, guardando as devidas ressalvas, casa-se perfeitamente com nossa cultura, pois ela vem

não para romper, senão para legitimar e incrementar uma forma de vivência religiosa já

estabelecida. Conforme Oliveira:

Trata-se, portanto, de um país em cuja gênese encontramos, desde o

início, um forte viés místico-esotérico fortemente alimentado pelo

misticismo cristão. Com efeito, já nos primórdios da colonização do Brasil, no primeiro século, aflora um fenômeno conhecido como

“santidades”, no qual se mesclavam elementos de práticas indígenas e

católicas (Oliveira, 2009, p. 32).

Diante do que foi colocado, parece mais plausível o prognóstico de uma

“novaerização” do que o de uma neopentecostalização do campo religioso brasileiro. A

Nova Era não é apenas condizente com o “espírito da época”, é também bem afinada com

o “espírito” da sociedade brasileira.

Não é só o grande avanço do protestantismo e a crescente influência das

religiosidades neoesotéricas que chamam a atenção. O aumento no número daqueles que se

92

declaram sem religião desperta interesse, tornando-se um fenômeno digno de ser

investigado. Para Fonseca, trata-se de um fato é mais expressivo que a expansão

protestante. Ele explica:

O crescimento dos evangélicos se deve a ação dos pentecostais que

aumentaram 114% na última década, mas mesmo com esse desempenho

bem superior ao crescimento populacional não é esse o grupo religioso que mais cresceu. Curiosamente em meio a todo o "reencantamento"

experimentado nos últimos anos o censo indica que o número de pessoas

que se definem como "sem religião" cresceu de dois (1980) para quase

sete milhões (1991), o que significa um aumento de 250% (Fonseca, 1998, p. 15).

Os dados sinalizam uma mudança significativa no comportamento religioso do

brasileiro. Um salto de 0,2% da população, em 1940, para 7,4% no ano 2000.

Tabela 5 - Os “sem religião” entre 1940-2000

Fonte: Censos demográficos do IBGE

Entre as causas apontadas para explicar o fenômeno, está o processo de

secularização que acompanha o tardio desenvolvimento do país. Buscando elucidar o que

está acontecendo, Fonseca afirma que :

Encontra-se pujante no seio da sociedade brasileira um processo de

secularização, que tem dois movimentos. O lento e gradual estabelecimento de uma visão de mundo ausente da noção religiosa, o

Ano %

1940 0,2

1950 0,3

1960 ---

1970 0,8

1980 1,6

1991 4,7

2000 7,4

93

que ainda tomará um longo tempo, e a definição dos indivíduos em

direção a auto-afirmação e compreensão de que podem viver "sem

religião". O que não precisa ser necessariamente lido como uma negação de Deus, mas que deve ser interpretado como diminuição da religião-de-

Igreja e da interferência da religião no Estado (Fonseca, 1998, p. 16).

É como se o Brasil estivesse finalmente passando pelo que ocorreu na Europa.

Assim, o aumento no número de pessoas que não são adeptas de nenhuma instituição

religiosa seria evidência de que o processo de modernização, com todas as transformações

subjacentes a ele, atingiu um estágio mais avançado no desenvolvimento da sociedade

brasileira. Sob uma perspectiva linear, a próxima fase seria a do esfriamento religioso.

Mas a história não segue em linha reta, o Brasil não é a Europa e, soma-se a isso, o fato de

sermos testemunhas do que aconteceu com o continente europeu e com o mundo depois do

surto ateísta desencadeado, entre outros fatores, pelo desenvolvimento técnico-científico.

A categoria “sem religião” utilizada pelo IBGE não é homogenia. Nela, estão

inclusos religiosos em trânsito, ou seja, indivíduos que possuem crença, mas estão

temporariamente desfiliados de instituições religiosas; há aqueles que dizem acreditar em

Deus, mas nega o valor da religião e, também, os declaradamente ateus e agnósticos.

Recorrendo novamente as observações de campo, não é incomum as pessoas dizerem “Eu

não era nada, antes de ser evangélica”, como é o caso da cabeleireira entrevistada . Esse

“não era nada” pode muito bem ser interpretado como “eu não tinha religião”. Deve-se

levar conta também que entre o período de abandono de uma confissão e a adesão ou

conversão à outra, encontram-se muitos daqueles que se declaram sem religião. O caso

dos iurdianos é emblemático porque parece haver entre eles certa disposição para a

mudança de filiação religiosa. Esse é um indicativo que deriva dos relatos coletados e

precisa ser melhor investigado.

Na Perfect Liberty, por sua vez, os relatos mostram que, embora tenham mais

liberdade para transitar por outras religiões, o vínculo com a instituição parece ser

duradouro. Nenhum dentre os entrevistados que se apresentaram como peelistas tinha

menos de dez anos de adesão. Apenas uma médica (citada na página 71), cuja confissão

religiosa é kardecista, disse frequentar a instituição há apenas dois meses. Esse fato, além

de evidenciar a longa duração das adesões, mostra também que apesar da PL crescer em

um ritmo mas lento, a constância dos seus filiados parece ser maior do que a dos iurdianos.

A criatividade, o marketing e todos os recursos utilizados pela IURD demonstram o

94

esforço despendido não só para atrair, mas também para manter o interesse dos

participantes.

Fonseca (1998) insinua que possa existir uma relação direta entre o crescimento do

neopentecostalismo e o aumento de pessoas sem vínculo institucional. Evocando Pierucci,

o autor enfatiza a questão do desenraizamento provocado pelo abandono da matriz

religiosa tradicional. Para ele, embora tenha entre os sem religião um grande número de

ex-católicos, a maior parte não era de católicos praticantes. No caso dos ex-evangélicos,

somente uma ínfima parcela disse que não ia freqüentemente à igreja. Isso revelaria uma

propensão mais forte, por parte dos evangélicos, para a evasão. Como esta pesquisa é de

cunho qualitativo e restringe-se apenas a indivíduos com vínculo institucional, no

momento, não há como haver um aprofundamento acerca da hipótese levantada pelo

sociólogo.

Constata-se, portanto, que o aumento do número de pessoas que não fazem parte de

uma instituição religiosa é apenas mais uma conseqüência das transformações culturais e

sociais que atingem a sociedade brasileira contemporânea. A emergência do

neopentecostalismo e a expansão do movimento New Age, como já observado, resultam do

mesmo processo. Independente do poder de alcance de cada uma das possibilidades que

foram apresentadas, o que se pode esperar é um mundo cada vez mais heterogêneo, com

forças sociais distintas competindo e, por conseguinte, tornando o futuro mais

imprevisível.

95

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A confiança em propor um estudo comparativo entre o movimento neopentecostal e

religiosidades neoesotéricas não derivou apenas do estudo bibliográfico que deu o suporte

necessário para garantir a pertinência desta investigação. Ela é decorrente, sobretudo, de

um conhecimento prévio do protestantismo e das mudanças que vêm sofrendo nas últimas

décadas. Contudo, foi somente com o trabalho de campo, realizado na Igreja Universal e

na Instituição Religiosa Perfect Liberty, que uma ideia mais precisa do alcance dessas

transformações pode ser formulada.

Os dados mostram que existem motivações pragmáticas para a busca religiosa, no

entanto, é necessário enfatizar, como atesta Berger (1985), que há algo mais. É a teodiceia

apresentada que confere sentido e põe ordem nos sentimentos. Mas, para isto, é preciso

que ela esteja sintonizada com as demandas existenciais dos sujeitos. Campbell (1997)

mostra que a teodiceia das tradições religiosas do Oriente é mais convergente com as

necessidades do indivíduo contemporâneo, logo, as instâncias religiosas para terem êxito

precisam reelaborar suas propostas. O neopentecostalismo emerge como produto de uma

reelaboração cristã. Portanto, defende-se que as proximidades, descritas no capítulo 2, com

as religiosidades de cunho oriental não são frutos do acaso.

Procurou-se mostrar que, por meio do movimento neopentecostal, o cristianismo

sofre uma transformação essencial em sua teodiceia sob influência das práticas e

ensinamentos de tradições religiosas cuja base está assentada no Oriente, Tratando

particularmente da Igreja Universal do Reino de Deus, não são apenas as influências

orientais que podem ser vistas na sua produção simbólica. É uma denominação forjada sob

o vigor do sincretismo. Porém, ainda que não sejam somente elas, as influências orientais

ganham destaque no discurso que põe a divindade para trabalhar em favor dos homens; na

crença no poder das palavras; na convicção de que tudo depende da fé e, desse modo, já

não é mais Deus, mas a fé que faz a diferença.

Numa sociedade hedonista, voltada para o consumo e receosa quanto ao futuro, não

é difícil que o “Pare de sofrer” da IURD encontre eco. Ao mesmo tempo em que oferece

solução para os males da vida, permite que o indivíduo exerça sua autonomia. É

necessário ressaltar ainda que o “Pare de sofrer” não deve ser visto apenas como mero

recurso de retórica. Se não para todos, pelo menos para uma parcela significativa a frase de

96

efeito traduz-se em libertação de vícios, na construção de uma nova identidade, na

determinação de lutar para melhorar o status social e numa série de outros benefícios

enfatizados nos testemunhos dos participantes.

A continuidade do sucesso iurdiano depende basicamente de dois fatores: a

disposição do fiel para seguir crendo que um dia alcançará as bênçãos almejadas e a

capacidade da igreja de continuamente produzir sentido e atrair novos conversos.

Entretanto, como Weber disse (1991), o carisma tende a se rotinizar, portanto, nenhuma

instituição erguida sobre o fundamento do carisma pode estar segura quanto a seu futuro.

A impressão que se tem é que os líderes da Igreja Universal são conscientes disso, daí,

usarem todos os recursos possíveis para manter sua força de atração.

No caso da Perfect Liberty, não há toda essa preocupação em inovar sempre. Pelo

contrário, a liturgia repetitiva das cerimônias, sempre observando o mesmo programa,

revela que, mesmo com postura religiosa tipicamente heterodoxa, nos rituais prevalece o

peso da tradição. Tudo é feito exatamente como foi ensinado pelo patriarca. O fato de

preservarem os principais conceitos em japonês exemplifica esse apego ao tradicional.

Para concluir, é bom que se diga que a relação Ocidente e Oriente não é uma via de

mão única. Opto-se por enfatizar a influência das tradições religiosas orientais na

ressignificação dos conteúdos cristãos realizada pelo neopentecostalismo, contudo, o

contrário também poderia ser feito. Elementos tipicamente ocidentais podem ser

percebidos na Perfect Liberty, a começar pelo próprio nome da instituição. As vestes

usadas pelos oficiantes são semelhantes às batinas e hábitos dos sacerdotes e das freiras do

catolicismo. Não deve ser por acaso que o La-Hai, cerimônia que ocorre nas manhãs de

domingo, seja também chamada de missa dominical. Mas isso deve ser objeto específico

de outra investigação.

97

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7. ANEXO

7.1 PRECEITOS DA PL

1. Vida é Arte

2. A vida do homem é auto-expressão.

3. O Eu é a manifestação de Deus.

4. Há sofrimento se não se expressar.

5. Ao se deixar levar pela emoção, perde-se o Eu.

6. Você existe na ausência do ego.

7. Tudo existe em relatividade.

8. Viva radiante como o sol.

9. Todos os homens são iguais.

10. Felicite a si e aos outros.

11. Faça tudo confiando em Deus.

12. Há uma função conforme o nome.

13. Há um caminho para o homem e um para a mulher.

14. Tudo é e existe para a Paz Mundial.

15. Tudo é espelho.

16. Tudo progride e se desenvolve.

17. Capte o ponto central.

18. Postamo-nos sempre na bifurcação entre o bem e o mal.

19. Faça ao perceber.

20 Viva no estado de perfeita união material-espiritual.

21. Viva na Verdadeira Liberdade.

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