movimento estudantil, gestão democrática e autonomia na universidade

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  • 7/30/2019 Movimento estudantil, gesto democrtica e autonomia na universidade

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    KARINA PERIN FERRARO

    MOVIMENTO ESTUDANTIL,GESTO DEMOCRTICA E AUTONOMIA NA

    UNIVERSIDADE

    Universidade Estadual PaulistaFaculdade de Filosofia e Cincias

    Campus de MarliaPrograma de Ps-Graduao em Educao

    Marlia - SP14 de setembro de 2011

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    KARINA PERIN FERRARO

    MOVIMENTO ESTUDANTIL,GESTO DEMOCRTICA E AUTONOMIA NA

    UNIVERSIDADE

    Dissertao apresentada banca examinadorado Programa de Ps-Graduao em Educaoda FFC-Unesp - Campus de Marlia, comorequisito parcial para a obteno do ttulo demestre em Educao.rea de Concentrao: Polticas Pblicas eAdministrao da Educao Brasileira.Linha de Pesquisa: Polticas Educacionais,Gesto de Sistemas e OrganizaesEducacionais.

    Orientadora: Prof. Dr. Neusa Maria Dal Ri

    Marlia - SP14 de setembro de 2011

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    Ficha catalogrfica elaborada peloServio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESPCampus de Marlia

    Ferraro, Karina Perin.F376m Movimento estudantil, gesto democrtica e autonomia

    na universidade / Karina Perin Ferraro. - Marlia, 2011209 f. ; 30 cm.

    Dissertao (mestrado - Educao)Universidade

    Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias 2011

    Bibliografia: f. 195-204Orientador: Neusa Maria Dal Ri

    1. Movimento estudantil. 2. Gesto democrtica.3. Autonomia universitria. 4. Universidade Estadual Paulista.I. Autor. II. Ttulo.

    CDD 371.1

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    KARINA PERIN FERRARO

    MOVIMENTO ESTUDANTIL,GESTO DEMOCRTICA E AUTONOMIA NA

    UNIVERSIDADE

    Dissertao apresentada banca examinadorado Programa de Ps-Graduao em Educaoda FFC-Unesp - Campus de Marlia, comorequisito parcial para a obteno do ttulo demestre em Educao.rea de Concentrao: Polticas Pblicas eAdministrao da Educao Brasileira.Linha de Pesquisa: Polticas Educacionais,Gesto de Sistemas e OrganizaesEducacionais.

    Banca Examinadora

    Orientadora: Profa. Dra. Neusa Maria Dal RiFaculdade de Filosofia e Cincias - UNESP-Marlia

    2. Examinador: Dr. Candido Giraldez VieitezFaculdade de Filosofia e Cincias - UNESP-Marlia

    3. Examinador: Dr. Carlos Bauer de SouzaUniversidade Nove de JulhoUNINOVE

    MarliaSP, 14 de setembro de 2011

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    Ao movimento estudantil, que continua lutando por

    outra sociedade e pelo controle de seu trabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    minha famlia que vende sua fora de trabalho para que eu possa estudar. Sem

    o sacrifcio de vocs eu no estaria aqui hoje.

    Ao Herbert que esteve ao meu lado em todos os momentos e vivenciou comigotodo meu percalo. Aquele a quem eu corria quando precisava de carinho para

    conseguir acalmar as idias. Amo voc.

    Aos meus amigos que contriburam para que eu conseguisse chegar ao final

    dessa etapa, seja pelas conversas, pelas leituras, pelas correes ou pelas transcries.

    Em especial Carol, Camila, Glalce, Lisa, Ingrid, Alessandro e Anglica. Sem vocs eu

    no teria conseguido.

    minha orientadora Neusa, que alm de amiga foi a melhor parceira maisexperiente que eu poderia ter tido durante todos os anos que estudei na UNESP. Aquilo

    que eu aprendi com voc, pode no estar quantificado nesse texto, por motivos de

    tempo, mas eu levarei comigo por toda a vida. Um especial agradecimento, por ter

    compreendido que a minha vida acadmica est indissociada da minha militncia

    poltica, coisa to rara de ser compreendida na universidade atualmente.

    Aos estudantes que militaram comigo e concederam os dados para esta pesquisa.

    Sem vocs no existiria a pesquisa e, muito menos, o movimento estudantil. Suas lutas

    entraram na histria...

    s professoras Maria Valria e Solange Tola por me concederem um pouco da

    histria do movimento estudantil na UNESP e de suas prprias.

    Aos professores da Banca de Qualificao, Candido e Marcos, pela contribuio

    e compreenso do meu (conturbado) processo de formao. Especialmente por tudo

    aquilo que aprendi e vivi com vocs durante os anos que convivemos na universidade.

    Aos professores da Banca de Defesa, Carlos e novamente Candido, por

    acompanharem (e encerrarem) mais essa etapa da minha vida acadmica.

    Ao Grupo de Pesquisa Organizaes e Democracia pelas discusses

    aprofundadas. Em especial a Valria, Marasa e Heyde por termos trilhado juntas o

    mestrado.

    queles que contriburam para a minha formao e para esse trabalho, sintam-se

    prestigiados. Especialmente a Anna Maria Martinez Corra, do Centro de

    Documentao e Memria da UNESP (CEDEM), pela contribuio na coleta de dados.

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    Aos professores que compem a casta do meu Programa de Ps, por me

    fortificarem e me fazerem continuar lutando no movimento estudantil e, especialmente,

    pela participao dos estudantes na gesto da universidade. No existe represso que me

    faa parar. Isso eu s pude aprender com vocs.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq)

    pelo financiamento da pesquisa.

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    FERRARO, Karina Perin. Movimento Estudantil, Gesto Democrtica e Autonomiada Universidade. 2011. 209 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade deFilosofia e Cincias, UNESPUniversidade Estadual Paulista, Marlia, 2011.

    RESUMO

    Este trabalho procura discutir a interveno e contribuio do movimento estudantil(ME) para a construo da autonomia e gesto democrtica da Universidade EstadualPaulista (UNESP). O movimento de democratizao da gesto foi desencadeado em1984 pelas entidades representativas dos trs segmentos da comunidade universitria,isto , estudantes, docentes e funcionrios, o qual resultou na primeira reformademocrtica desta instituio. A autonomia outorgada pelo Governo Estadual em 1989s Universidades Estaduais Paulistas, a saber: Universidade de So Paulo (USP),Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e UNESP, consolidou-se como umaspecto da gesto democrtica. Esse movimento de democratizao foi retomado, de

    forma explcita, em 2007 pelas Universidades Estaduais Paulistas, em resposta aoconjunto de decretos promulgados pelo Governador Jos Serra. Neste contexto, otrabalho tem como objetivo geralverificar a interveno e contribuio do ME para aconstruo da autonomia e gesto democrtica da UNESP. Os objetivos especficos soanalisar a literatura e documentao disponvel sobre a temtica; verificar odesenvolvimento da autonomia e da gesto democrtica na UNESP no perododeterminado, bem como seu estgio atual, no que diz respeito participao discente;identificar as expresses partidrias e independentes no ME e compreender quais os

    principais desdobramentos dos conceitos e prticas das mesmas com relao autonomia e gesto democrtica. Os procedimentos de coleta de dados da pesquisaguiaram-se pela pesquisa bibliogrfica; pesquisa documental; aplicao de entrevistassemi-estruturadas com estudantes que participaram desse processo e observao diretasistemtica nos fruns estudantis. A partir destes objetivos e procedimentos conclui-seque os estudantes, os quais realizam um processo de trabalho intelectual, se colocaramdurante o processo de transformao histrica da universidade e demonstraram,dependendo da conjuntura, sua capacidade de decidir sobre seu processo de trabalho esobre a produo de conhecimento. A partir da dcada de 2000 o ME inicia um processode recusa de delegao de poder a formas institucionalizadas de representao. Dessemodo, o ME de 2007 na UNESP buscou novas formas de organizao, mediante a

    participao e a democracia diretas. A atuao do ME foi imprescindvel para arealizao do movimento que conseguiu reverter substancialmente o contedo dos

    decretos que interferiam na autonomia universitria. Contudo, o ME vem atuando emsentido defensivo, quando o segmento atacado, no conseguindo expressar e proporde antemo seu projeto de gesto e autonomia universitria. Mesmo assim, a luta dosestudantes pela autonomia, associada a formas de participao direta, constitui-se comouma retomada dos estudantes em direo ao poder de gerir a universidade e por um

    projeto que tenha como finalidade atender queles que a financiam: os trabalhadores.

    Palavras-chave: Movimento Estudantil. Gesto Democrtica. Autonomia Universitria.Universidade Estadual Paulista.

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    ABSTRACT

    This paper discusses the involvement and contribution of the student movement (ME) tothe construction of autonomy and democratic management of the Universidade EstadualPaulista (UNESP). The movement for the democratization of management was initiated

    in 1984 by representative organizations of the three segments of the universitycommunity, ie, students, teachers and employees, which resulted in the first democraticreform of this institution. The autonomy granted by the State Government in 1989 to thestate universities, namely Universidade de So Paulo (USP), Universidade Estadual deCampinas (UNICAMP) and UNESP, has established itself as an aspect of democraticmanagement. This democratization movement was taken up explicitly in 2007 by stateuniversities, in response to a series of decrees issued by the Governor Jos Serra. In thiscontext, this paper aims to verify the overall intervention and the ME contribution to theconstruction of autonomy and democratic management of Unesp. The specificobjectives are to analyze the literature and documentation available on the subject;check the development of autonomy and democratic management of Unesp in the

    specified period, as well as its current stage, with regard to student participation;identifying the party and independent expressions of ME and understand what are themain developments of the concepts and practices related to autonomy and democraticmanagement. The procedures for data collection were guided by the research literature,documentary research, application of semi-structured interviews with students who

    participated in this process, and systematic and direct observation of the studentforums. From these objectives and procedures it will be concluded that students, who gothrough a process of intellectual work, put themselves in the process of historicaltransformation of the university and demonstrated, depending on the situation, theirability to decide on its working process and on the production of knowledge. From the2000s, the ME starts a process of refusal of delegation of power to institutionalizedforms of representation. Thus, the UNESPs ME in 2007 sought new forms oforganization, through participation and direct democracy. The activity of ME wasessential for the realization of the movement that managed to reverse substantial contentof the decrees that interfered with university autonomy. However, the ME acts has beenchanged in a defensive sense, when the segment is attacked, unable to express and to

    propose in advance your management and autonomy project. Even so, the students'struggle for autonomy, associated with forms of direct participation, constitute itself asa resumption of the students towards the power to manage it and for a university projectthat has as purpose to assist those who finance it: the workers.

    Keywords: Student movement. Democratic management. University autonomy.Universidade Estadual Paulista.

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    SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................................... 10

    Cap. I POLTICAS EDUCACIONAIS, GESTO DEMOCRTICA E

    AUTONOMIA PARA A UNIVERSIDADE .........................................................20

    1.AS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES E O GERME DA AUTONOMIA E ORGANIZAO

    DEMOCRTICA ......................................................................................................... 20

    2.A ORGANIZAO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL ................................................ 28

    2.1. Reforma Rivadvia Correa (1911): a autonomia na forma legal .............. 29

    2.2. Reforma Carlos Maximiliano (1915): o cerceamento da autonomia e a

    criao da Primeira Universidade..................................................................... 302.3. Reforma Rocha Vaz (1925): regulamentao e controle das

    universidades .................................................................................................... 32

    2.4. Da Reforma Francisco Campos e o Estatuto das Universidades

    Brasileiras (1931) discusso em torno da primeira Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional: fortalecimento do controle do Estado sobre as

    Universidades ................................................................................................... 33

    2.5. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN)Lei n 4.024/61: disputa entre a liberdade de ensino e a defesa da escola

    pblica ..............................................................................................................37

    2.6. Do Golpe de 1964 abertura poltica no pas: a Lei n. 5.540/68 e a

    legislao autoritria como modernizao das universidades ......................... 42

    2.7. A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988: autonomia e

    gesto democrtica na forma da lei .................................................................. 48

    2.8. Do Governo Collor ao Governo FHC e a Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional (LDBEN) Lei n. 9394/96: as reformas neoliberais na

    educao ...........................................................................................................50

    2.9. Reforma universitria do Governo Lula ................................................... 58

    CAP. II UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA: DA FUNDAO

    DECRETADA DEMOCRATIZAO............................................................. 721. DO MOVIMENTO PELA DEMOCRATIZAO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL

    PAULISTA DEMOCRATIZAO DO PAS .................................................................. 72

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    2.A ADEQUAO DA UNESP LDBEN NA DCADA DE 1990: RETROCESSOS NA

    DEMOCRATIZAO.................................................................................................... 82

    3.OS DECRETOS SERRA E A LUTA PELA AUTONOMIA .............................................. 85

    Cap. III MOVIMENTO ESTUDANTIL E A DEMOCRATIZAO DA

    UNIVERSIDADE................................................................................................... 1081.CONSTRUO HISTRICA DO CONCEITO DE MOVIMENTO ESTUDANTIL ............ 108

    2. A TRADIO DAS LUTAS ESTUDANTIS PELA DEMOCRATIZAO DAS

    UNIVERSIDADES NA AMRICA LATINA .....................................................................112

    3. A REIVINDICAO PELA AUTONOMIA E GESTO DEMOCRTICA NO

    MOVIMENTO ESTUDANTIL BRASILEIRO ................................................................... 117

    3.1. O surgimento do novo (ou velho) movimento estudantil ........................... 127

    Cap. IV CONCEP ES E PR TICAS DO MOVIMENTO

    ESTUDANTIL EM TORNO DA GESTO DEMOCRTICA E

    AUTONOMIA NA UNESP.....................................................................................130

    1.A CARACTERIZAO DA AMOSTRA PARA A PESQUISA.......................................... 130

    2.CARACTERIZAO DOS SUJEITOS DA PESQUISA...................................................

    3.AUTONOMIA DA UNIVERSIDADE............................................................................

    133

    1354.ORGANIZAO ADMINISTRATIVA DA UNIVERSIDADE...........................................

    4.1.PARTICIPAO NOS RGOS COLEGIADOS DA UNESP...........................................

    4.2.A ATUAO NAS ENTIDADES ESTUDANTIS............................................................

    5.A DINMICA DA UNIVERSIDADE.............................................................................

    6.EFEITOS DIDTICO- PEDAGGICOS DA GESTO DEMOCRTICA.........................

    7.DECRETOS DO GOVERNO SERRA E O MOVIMENTO ESTUDANTIL.......................

    8.OMOVIMENTO ESTUDANTIL A PARTIR DE 2007..................................................9.IDEOLOGIA.............................................................................................................

    CONCLUSO..........................................................................................................

    139

    145

    152159

    165169

    176179

    190

    REFERNCIAS .................................................................................................... 195

    APNDICE ........................................................................................................... 205

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    INTRODUO

    Como estudante do curso de graduao em Pedagogia da Faculdade de Filosofia

    e Cincias, Universidade Estadual Paulista "Jlio de Mesquita Filho", campus de

    Marlia, ingressamos, no incio de 2005, no Grupo de Pesquisa Organizaes e

    Democracia1coordenado pela Prof. Dr. Neusa Maria Dal Ri e no Movimento

    Estudantil (ME), participaes que foram determinantes para as reflexes que

    apresentamos neste texto.

    No Movimento Estudantil, vivemos a experincia de sermos representante e

    representada, participando das discusses e deliberaes realizadas por meio das

    assembleias, rgos colegiados e fruns das instncias deliberativas em nvel local,

    regional e nacional. Fomos diretora do Centro Acadmico de Pedagogia e

    representantes em rgos colegiados, como nos Conselhos do Curso de Pedagogia, do

    Programa de Ps-graduao em Educao e do Departamento de Administrao e

    Superviso Escolar, Congregao e comisses temporrias destas instncias.

    A partir dessa experincia, levantamos vrias questes acerca dos processos

    decisrios da universidade e, principalmente, da participao dos estudantes.

    Preocupamo-nos com a pequena participao dos estudantes e em como isso incide no

    fato de que as reivindicaes discutidas, deliberadas e encaminhadas no so aprovadas

    nas instncias da universidade.

    Ao mesmo tempo, no ano de 2006, o Grupo de Pesquisa iniciou o

    desenvolvimento do Projeto Integrado de Pesquisa denominado Gesto democrtica nas

    escolas pblicas de educao bsica do municpio de Marlia , do qual viemos

    participando.

    Como bolsista (PIBIC-CNPq) desenvolvemos, sob a orientao da Prof. Dr.

    Neusa Maria Dal Ri, trabalho de iniciao cientfica intitulado Gesto democrtica nas

    escolas pblicas de ensino fundamental e mdio do municpio de Marlia: participao

    dos alunos, que teve como objetivo estudar a gesto democrtica na escola pblica, em

    especial a participao dos estudantes no Conselho de Escola (CE) e no Grmio

    Estudantil (GE). No ano de 2009 essa pesquisa resultou em nosso Trabalho de

    Concluso de Curso intitulado Participao dos alunos na gesto democrtica da

    escola pblica em Marlia (FERRARO, 2009).

    1 Cadastrado no Diretrio dos Grupos de Pesquisa do BrasilCNPq e certificado pela UNESP.

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    Mediante o desenvolvimento dessa pesquisa, pudemos observar que as

    discusses referentes gesto educacional possuem trs abordagens (DAL RI, 2008;

    PARO, 1990). A primeira abordagem denominada administrao empresarial advm

    do paradigma da empresa capitalista e parte da gerncia cientfica ao planejamento e

    gesto estratgica, com conceitos como eficincia, eficcia e produtividade. Na

    atualidade, essa abordagem significa a incorporao dos preceitos neoliberais da

    administrao de empresas e sua influncia na educao, com a qualidade total e a

    racionalizao dos recursos. Sob influncia dos organismos internacionais, essa poltica

    vem sendo implantada por meio das polticas pblicas brasileiras, e esse tipo de gesto

    preconiza a participao da comunidade acadmica e escolar por meio da representao

    e da ajuda material e financeira.

    A segunda abordagem denominada gesto democrtica se contrape primeira

    por levar em conta as especificidades educacionais. Nesse caso, as especificidades se

    devem ao fato de que diferentemente de uma empresa, o produto, isto , o estudante,

    tambm o co-produtor de seu processo de formao e o seu resultado de difcil

    mensurao. Essa abordagem advm, do ponto de vista terico, principalmente, da

    pedagogia histrico-crtica e como proposio dos movimentos sociais organizados e

    apresenta a gesto por meio da eleio de dirigentes e a participao nos rgos

    colegiados. Entende que a finalidade educacional pblica atual deveria ter o objetivo de

    desenvolvimento da conscincia crtica para a transformao social. Entretanto, de

    acordo com Dal Ri (2008, p. 2-4) esse enfoque deixa lacunas, por isso seria necessria a

    realizao de mais pesquisas para a compreenso de seu processo e de suas

    possibilidades.

    Por ltimo, de acordo com Dal Ri (2008) a autogesto ou auto-organizao que

    tambm reconhece a especificidade educacional, mas, acima de tudo, reconhece que no

    capitalismo a escola capitalista. Contudo, diferentemente da segunda, essa abordagemadvm da teoria marxista e da experincia histria dos educadores soviticos

    desenvolvida aps a Revoluo Russa de 1917. A gesto se d mediante assembleias e

    participao direta da comunidade acadmica e escolar.

    Em nossa trajetria poltica, percebemos que a terceira abordagem seria a

    melhor para o desenvolvimento da democracia e era essa que procurvamos vivenciar e

    defender na universidade pblica, mas no era a abordagem praticada na escola pblica

    de educao bsica.

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    Por meio da anlise dos dados empricos, constatamos que a denominada gesto

    democrtica na escola pblica mais formal do que real e parece no atender aos reais

    anseios das comunidades escolar e externa. A participao dos estudantes na gesto, em

    geral, apenas protocolar. Porm, constatamos que isso ocorre no porque os estudantes

    sejam incapazes de participar, mas porque existe uma relao de poder coercitiva

    exercida pelo diretor e pelos professores e um currculo oculto, que faz parte da

    organizao escolar, o qual demonstra que a funo do estudante a de submisso.

    Conforme Enguita (1989, p. 173-174),

    Dados o horrio, o calendrio e os perodos obrigatrio e habitual deescolarizao, esta perda do controle sobre o prprio processo deaprendizagem implica mais ou menos, durante o perodo de anos que sepermanece na escola, colocar a metade da prpria vida consciente disposio de um poder alheio, o do professor e da organizao que atua por

    seu intermdio. Durante este tempo no contam os interesses subjetivos nema vontade do aluno, mas to somente os supostos interesses da sociedade,cujo representante legtimo a esse respeito a instituio escolar, e a vontadedo professor.

    Contudo, no possvel compreender a prtica da gesto democrtica na escola

    pblica sem contextualiz-la no modo de produo capitalista em sua fase neoliberal, na

    medida em que a educao permeada por uma concepo de homem e mulher, de

    trabalho e de sociedade advinda de nossa sociabilidade.

    O capitalismo se fundamenta principalmente na propriedade privada dos meiosde produo, ou seja, quando a produo da vida material composta daqueles que

    detm os meios de produo e daqueles que no o detendo necessitam vender sua fora

    de trabalho. Em suas vrias fases o capitalismo foi se transformando, sem, contudo,

    perder a qualidade daquilo que o fundamenta. Assim, em sua fase liberal, desenvolveu

    aquilo que nunca antes um modo de produo havia concebido: deu uma aparncia

    democrtica ao autoritarismo e desigualdade. A partir da constituio do Estado

    Liberal, denominado Estado de Direito, constituiu teoricamente a existncia de direitos

    inalienveis para as classes sociais, inclusive o direito propriedade privada, e

    democracia representativa. Em sua fase atual, neoliberal, constituiu, ainda, a

    deregulamentao do mercado pelo Estado e a diminuio das polticas sociais.

    Como afirma Macpherson (1977, p. 17), o conceito de democracia liberal s se

    tornou possvel quando os tericos descobriram razes para acreditar que cada homem

    um voto no seria arriscado para a propriedade ou para a continuidade das sociedades

    divididas em classes.

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    Dessa forma, a educao no poderia ser fundamentada de outra maneira, ou

    seja, por uma gesto representativa e esvaziada de uma participao poltica e social

    real. Alm disso, apesar de vivermos globalmente sob a gide do capitalismo, a

    sociedade brasileira possui marcas da sociedade colonial escravista.

    Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, ou da chamadacultura senhorial, a sociedade brasileira marcada pelo predomnio doespao privado sobre o pblico e, tendo o centro na hierarquia familiar, fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relaes sociaise intersubjetivas so sempre realizadas como relao entre um superior, quemanda, e um inferior, que obedece. (CHAU, 2001, p. 13).

    Barbosa (2002, p.12) afirma que desde a dcada de 1980, as novas geraes

    assumiram princpios baseados no individualismo, como conseqncia da globalizao

    e da poltica neoliberal. O afastamento das questes polticas indica um conformismo euma passividade de quem j no se v mais como sujeito da histria, mas, sim, como

    objeto passivo dela.

    [...] para poderem recuperar minimamente a condio de sujeitos, os jovensassumiram uma ideologia subjetivista expressa atravs de questesindividuais de comportamentos, como as ideologias de bem estar do corpo,do sexo, do psiquismo, tpicas das sociedades de consumo, busca de prticasalternativas, histeria consumista, abandono do espao pblico e desinteresseda luta poltica organizada. Tudo isso, portanto, indica as novascaractersticas de uma juventude que no mais se identificava com a geraoque a antecedeu. (BARBOSA, 2002, p.12).

    Para no perder o movimento do real, devemos nos atentar contradio e a luta

    de classes, isto , mesmo com a aparente passividade que constatamos nos movimentos

    sociais, em alguns mais do que em outros, devemos apreender as foras que ainda se

    colocam como na construo de uma contra hegemonia. por essa via que analisamos

    como os segmentos e foras, principalmente no ME, se colocam e se opem

    conjuntura atual.

    Marx e Engels (1998) afirmam que o primeiro passo na revoluo operria aconstituio do proletariado em classe dominante, que seria a conquista da democracia.

    Os autores no estavam se referindo democracia burguesa representativa, mas

    democracia real, constituda por meio da revoluo, no qual no mais o ser cidado

    seria separado do sertrabalhador.

    Coloca Engels (2008), sobre a democracia burguesa, que particularmente o

    sufrgio universal, deve ser utilizado como forma de se chegar classe trabalhadora,

    como instrumento de emancipao. As instituies estatais em que a dominao da

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    burguesia se organiza ainda oferecem mais possibilidades atravs das quais a classe

    operria pode lutar contra essas mesmas instituies estatais. (ENGELS, 2008, p. 52).

    Compreendemos que o Movimento Estudantil configura-se, na maior parte de

    suas lutas e de suas reivindicaes, como um movimento social contra-hegemnico.

    Mas, de qualquer modo, a luta pela democratizao da universidade alavanca e

    instrumentaliza a conscincia dos estudantes sobre a sociedade que vivemos e pode dar-

    lhes a oportunidade nica de exercerem-se como sujeitos de seu prprio trabalho.

    nessa perspectiva que colocamos a discusso sobre o Movimento Estudantil, na

    perspectiva do movimento como educador.

    Pela pesquisa realizada, observamos uma lacuna nos estudos da histria das

    lutas pela democratizao da sociedade e das instituies, pela falta de documentos e

    literatura a respeito das entrelinhas dos movimentos sociais, principalmente do ME.

    Mas, os sujeitos participantes desse processo existiram e ainda existem (LIMA, 2003;

    SANTOS, 2005; BARBOSA, 2002).

    Dentre as vrias leituras que nos auxiliaram nesta pesquisa, destacamos as dos

    textos de Barbosa (2002), Paro (1987; 2000; 2004), Pistrak (2000); Poerner (1979); Dal

    Ri (1997; 2004); Bastos (2005); Lima (1988), Barroso (1995), Groppo (2006) e Furtado

    (2005), que contriburam para que pudssemos sistematizar nossas reflexes sobre a

    gesto democrtica educacional e para situar a relevncia de um estudo sobre o ME.

    Pudemos perceber que pesquisar somente a gesto democrtica sem relacionar

    com a autonomia da instituio torna-se insuficiente para compreender seus limites e

    suas possibilidades, na medida em que no h o que gerir se no houver autonomia para

    elaborar e decidir sobre um projeto de universidade. Torna-se invivel discutir o modo

    como ser organizada a gesto, j que a sua funo seria, neste caso, de execuo e no

    de discusso e deciso. Entretanto,

    Nos quase mil anos de histria da universidade, poucos conceitos foram alvode tanta controvrsia como o de autonomia. Ele tem servido para justificarprojetos e aes de governos, partidos, comunidades e corporaes visandoconformar de mltiplas e diferentes/divergentes formas a estrutura e ofuncionamento da instituio universitria ou de ensino superior atravs dossculos, desde Bolonha, Paris, Oxford e Salamanca. (SGUISSARDI, 1998, p.29).

    Por conseguinte, a questo norteadora deste trabalho est centrada na

    participao e contribuio do ME para a construo e implementao da autonomia e

    da gesto democrtica na Universidade Estadual Paulista (UNESP), j que esta

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    universidade obteve um avano democrtico significativo na dcada de 1980, quando

    comparada com outras instituies pblicas.

    Na dcada de 1980, e na esteira do movimento dos trabalhadores contra a

    ditadura militar e contra a carestia, em algumas universidades, como na UNESP,

    estabeleceram-se processos de democratizao interna com a participao dos trs

    segmentos. Dal Ri (1997) defende a tese de que o movimento de democratizao das

    estruturas de poder da UNESP, desencadeado em 1984 pelas entidades representativas

    dos trs segmentos da comunidade universitria, que resultou na primeira reforma

    democrtica desta instituio e a autonomia outorgada pelo Governo Estadual s

    universidades estaduais paulistas, em 1989, consolidaram-se, nesta universidade, como

    um aspecto do autogoverno.

    Partimos da hiptese de que esse movimento pela democratizao da sociedade e

    da UNESP que aconteceu na dcada de 1980 foi retomado, de forma explcita, em 2007

    pelas Universidades Estaduais Paulistas, a saber: Universidade de So Paulo (USP),

    Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e UNESP.

    Neste contexto, temos como objetivo geralverificar a interveno e contribuio

    do ME para a construo da autonomia e gesto democrtica da UNESP. Os objetivos

    especficos so analisar a literatura e documentao disponvel sobre a temtica;

    verificar o desenvolvimento da autonomia e da gesto democrtica na UNESP no

    perodo determinado, bem como seu estgio atual, no que diz respeito participao

    discente; identificar as expresses partidrias e independentes no ME e compreender

    quais os principais desdobramentos dos conceitos e prticas das mesmas com relao

    autonomia e gesto democrtica.

    Utilizamos os seguintes procedimentos de coleta de dados: a pesquisa

    bibliogrfica; a pesquisa documental; aplicao de entrevistas semi-estruturadas; e

    observao direta sistemtica.Desenvolvemos a pesquisa bibliogrfica a partir de material j elaborado,

    constitudo principalmente de livros, artigos cientficos, dissertaes e teses sobre os

    temas gesto democrtica, autonomia universitria e ME.

    Apesar de a pesquisa bibliogrfica se assemelhar pesquisa documental, a

    diferena essencial entre ambas est na natureza das fontes. Enquanto a primeira se

    utiliza das contribuies dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa

    documental vale-se de materiais que no receberam ainda tratamento analtico, ou queainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2006, p. 51).

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    Realizamos a pesquisa documental com levantamento, consulta e leitura de

    documentos, como legislao, estatutos, textos, documentos oficiais, jornais, boletins

    informativos, revistas, etc. publicados pelas entidades estudantis e pela UNESP, em

    especial os documentos publicados pelo movimento de democratizao da dcada de

    1980 e entre 2007 e 2009.

    O levantamento de dados empricos se d por meio de entrevistas, pois

    Essas tcnicas mostram-se bastante teis para a obteno de informaesacerca do que a pessoa sente, cr ou espera, sente ou deseja, pretende fazer,faz ou fez, bem como a respeito de suas explicaes ou razes para quaisquer das coisas precedentes (SELLTIZ, 1967, p.273 apud GIL, 2006,p.115).

    Dentre os tipos de entrevistas escolhemos a semi-estruturada, que combina

    perguntas abertas e fechadas, e [...] guiada por relao de pontos de interesse que oentrevistador vai explorando ao longo de seu curso (GIL, 2006, p.117). Para Gil (2006,

    p.118), o entrevistador[...] dever ter a preocupao de registrar exatamente o que foi

    dito. Dever, ainda, garantir que a resposta seja completa e suficiente. Portanto, nos

    apoiamos no uso de um gravador.

    Ao que se refere UNESP2, instituio escolhida para a realizao da coleta de

    dados, esta possui atualmente Unidades Universitrias em 23 cidades do Estado de So

    Paulo, tem 32 faculdades e institutos, totalizando 168 opes de cursos de graduao,com 34.425 mil alunos, e 112 programas de ps-graduao lato e stricto sensu, cursados

    por 12.031 mil alunos, sendo 108 mestrados acadmicos, 4 mestrados profissionais e 85

    doutorados. Tem 3.354 professores e 6.984 funcionrios. Seu ltimo campus construdo

    foi o da Barra Funda, em 2009, que compe o Instituto de Artes e o Instituto de Fsica

    Terica.

    Sua estrutura administrativa compreende os seguintes rgos colegiados

    superiores: Conselho Universitrio (CO), que o rgo mximo de deliberao;

    Conselho de Administrao e Desenvolvimento (CADE); e o Conselho de Ensino,

    Pesquisa e Extenso (CEPE). Possui, ainda, a Cmara Central de Pesquisa (CCPe), a

    Cmara Central de Ps-Graduao (CCPG), a Cmara Central de Graduao (CCG) e a

    Cmara Central de Extenso Universitria (CCEU). Os estudantes possuem uma

    representao de 15% nesses rgos. As Unidades Universitrias tm a Congregao

    como rgo mximo com a mesma proporo de representantes discentes, ou seja, 15%.

    Todos os demais rgos, como as Comisses de Ensino, de Pesquisa e de Extenso

    2 Dados informados no site da instituio

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    Universitria, bem como os Conselhos de Curso, Conselhos Departamentais e de Ps-

    graduao possuem representao discente.

    A organizao estudantil tem a seguinte estrutura:

    a) O Diretrio Central dos Estudantes (DCE) a entidade mxima na qual,desde final de 2007, os diretores so delegados eleitos em campus da

    UNESP por meio de assembleia geral, com mandato revogvel.

    b) H Diretrios Acadmicos (DAs) em cada campus ou Unidade querepresenta os estudantes, nos quais as diretorias so eleitas por chapas

    com mandato de um ano.

    c) Por fim, os Centros Acadmicos (CAs) que representam os estudantes decada curso, possuem diretorias tambm eleitas por chapas com mandato

    de um ano.

    d) Alm dessas entidades, os estudantes tm representantes nos rgoscolegiados permanentes da universidade, como descrito, e em rgos

    colegiados temporrios, como Comisso de Reestruturao de cursos,

    Comisso de Oramento, Comisso de bolsas, entre outros. A maioria

    dos rgos colegiados segue a proporcionalidade de composio com

    setenta por cento de docentes, quinze de estudantes e quinze de

    funcionrios, assim como para a eleio de dirigentes. Entretanto, os

    conselhos de curso e algumas comisses so paritrias, ou seja, possuem

    o mesmo nmero de docentes e de estudantes.

    A partir do que foi explicitado referente gesto e organizao estudantil da

    UNESP, pode-se perceber que existe uma grande quantidade de informantes que

    poderiam ser entrevistados. Dessa forma, definimos a amostra para as entrevistas pelas

    entidades estudantis de organizao mxima, como o DCE e os DAs e, portanto,

    entrevistamos os delegados eleitos para os anos de 2007-2008, alm dos representanteseleitos para representar a estudantes da UNESP no Conselho Universitrio durante os

    aos de 2007-2008. Entrevistamos quinze pessoas que em 2007 eram estudantes da

    UNESP e participaram do movimento, como explicado. Alm disso, entrevistamos duas

    professoras que nos anos de 1980 eram estudantes da UNESP e participaram do

    movimento naquela poca.

    Para alcanar a captao mais precisa do objeto estudado na atualidade,

    utilizamos a tcnica da observao direta sistemtica em reunies, plenrias,assembleias do ME na UNESP que tinham como tema a gesto democrtica e a

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    autonomia da Universidade. Para tanto, estabelecemos um conjunto de categorias

    definido de acordo com os objetivos da pesquisa: a dinmica das relaes de poder, as

    foras mais atuantes em relao gesto democrtica e autonomia, oposies e conflitos

    na universidade, efeitos nas relaes de produo pedaggicas e sua percepo pelos

    sujeitos, efeitos na organizao pedaggica da universidade em decorrncia da presena

    da gesto democrtica e autonomia e nvel de atuao do ME em prol da gesto

    democrtica e autonomia da UNESP ps 2007.

    No h maiores preocupaes com quantificao visando medir o nvel de

    generalizao dos fenmenos. O estudo emprico na universidade teve por finalidade

    colher subsdios in vitro que contriburam para a tentativa de formulao de padres e

    tendncias da organizao da gesto democrtica e da autonomia, sobretudo a partir da

    discusso e participao do ME. A anlise interpretativa apoiou-se nos seguintes

    aspectos principais: no estudo terico; na anlise documental e nos resultados

    alcanados como respostas aos instrumentos de coletas de dados empricos.

    Para melhor compreenso do texto definimos os seguintes conceitos bsicos.

    Autonomia universitria: direo daquilo que prprio. Um espao onde a

    comunidade possa elaborar, discutir e decidir um projeto de universidade. Para isso,

    necessria a autonomia em todos os seus aspectos, isto , didtico-cientfica,

    administrativa e de gesto financeira e patrimonial.

    Administrao, gesto, governo e organizao: ato de elaborar, organizar,

    decidir e executar a vida institucional em todos os seus aspectos, isto , didtico-

    cientfico, financeiro e patrimonial.

    Autogesto, gesto democrtica, autogoverno, gesto participativa e co-

    governo: possibilidade de auto-organizao dos envolvidos na vida institucional, sem

    tutela de qualquer poder, seja religioso, estatal ou de hierarquia tcnica.

    Compreendemos estes termos como sinnimos, contudo priorizamos no texto o termogesto democrtica por se tratar do termo utilizado nos documentos legais. Durante

    nosso percurso de pesquisa procuramos tambm compreender como este conceito

    entendido pela poltica educacional, que diferente de como compreendemos.

    Alienao do trabalho: Alienao do humano, de seu ser prprio em relao a

    si mesmo (s suas possibilidades humanas), por meio dele prprio (pela sua prpria

    atividade).

    Ideologia: Conjunto de valores, idias e prticas das classes sociais. Contudo,uma ideologia pode exercer hegemonia sobre outra classe, como acontece com a classe

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    burguesa que dissemina sua ideologia classe trabalhadora como se fosse sua, por meio

    da educao, dos meios de comunicao, das necessidades, dos intelectuais.

    Participao: se apresenta como um processo no qual o ser humano descobre-se

    como sujeito histrico capaz de desenvolver a conscincia de si e da organizao do

    trabalho que realiza, partindo do princpio da direo coletivamente organizada. uma

    participao contra a alienao social e do trabalho.

    Afirmamos como Dal Ri (1997, p. 24) que,

    No tivemos a preocupao de caracterizar os termos segundo uma teoria ououtra. No pretendemos, com isso, esvaziar os conceitos de seus sentidoshistricos ou desconhecer que est abrigado debaixo de certos rtulos umcontingente de realidades. Mas, tivemos a liberdade de utilizao dos termos,sem a preocupao de circunscrev-los nos limites de teorias fechadas.

    Essa dissertao est assim organizada.

    No captulo I, analisamos a construo dos conceitos gesto democrtica e

    autonomia universitrias, levando-se em considerao o modo de produo e a

    conjuntura em cada momento correspondente, para demonstrar que os conceitos citados

    possuem uma longa tradio na histria e, principalmente, nas lutas das universidades

    pblicas.

    No captulo II, contextualizamos a luta pela gesto democrtica e autonomia

    universitrias na UNESP. Para a consecuo deste objetivo descrevemos e analisamosas lutas pela democratizao da UNESP, focando principalmente a contribuio e

    participao do Movimento Estudantil.

    No captulo III, discutimos a contribuio e participao do ME na luta pela

    autonomia e gesto democrtica para as universidades.

    Por fim, no captulo IV, apresentamos a concepo terico-prtica do

    Movimento Estudantil da UNESP referentes gesto democrtica e autonomia

    universitria. Para alcanar esse objetivo analisamos os dados empricos recolhidos apartir das observaes e entrevistas semi-estruturadas realizadas com estudantes e

    militantes que participaram do ME da UNESP durante os anos de 2007 a 2009.

    Em seguida, apresentamos a concluso, as referncias dos textos citados e o

    apndice contendo o roteiro de entrevista, base da coleta de dados empricos.

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    CAPTULO I

    POLTICAS EDUCACIONAIS, GESTO DEMOCRTICA E AUTONOMIA

    NA UNIVERSIDADE

    O objetivo deste captulo apresentar a construo dos conceitos gesto

    democrtica e autonomia universitrias, levando-se em considerao o modo de

    produo e a conjuntura em cada momento correspondente, para demonstrar que os

    conceitos citados possuem uma longa tradio na histria e, principalmente, nas lutas

    das universidades pblicas.

    No primeiro item, discutimos a organizao das primeiras universidades do

    Ocidente na Idade Mdia, para mostrar que elas representaram o germe da autonomia e

    organizao democrtica, principalmente a Universidade de Bolonha e a Universidade

    de Paris.

    No item dois, passamos para a anlise da poltica educacional universitria no

    Brasil, para analisar o processo de organizao da universidade brasileira e os limites e

    possibilidades que a legislao apresenta referente temtica abordada.

    Embora tenhamos abordado em vrios momentos do texto o movimento

    estudantil e a representao discente na universidade, por fins didticos e de

    sistematizao, neste item nos atentamos mais anlise da poltica e legislao

    educacional. A discusso mais aprofundada referente luta do movimento estudantil

    nesse mesmo perodo ser apresentada nos outros captulos.

    1. As primeiras universidades e o germe da autonomia e organizaodemocrtica

    As universidades ocidentais datam do incio do sculo XIII que, de acordo comJacques Le Goff (1973, p. 73), a poca de criao e desenvolvimento das

    universidades porque tambm o perodo das corporaes. a fase institucional do

    desenvolvimento urbano que materializa em comunas as liberdades polticas

    conquistadas, em corporaes as posies adquiridas no domnio econmico. (LE

    GOFF, 1973, p. 73).

    A universidade o que melhor caracteriza a Idade Mdia, a alma europia,matriz do Ocidente. Obra dos grupos urbanos que se constituam, universitas

    magistrorum et scholarium, como sabiamente a chamou o grande PapaInocncio III, teve sua origem ex consuetudine, isto , espontaneamente, dasescolas catedrais preexistentes, formando, professores e alunos, uma nica

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    societas, semelhana do que ocorria naquele momento com os demaisofcios urbanos. E representava o novo mundo que surgia, a conscincia deliberdade e a valorizao do saber pelo que ele representa por si mesmo.Tornava-se, ento, necessrio instaurar centros de saber que correspondessema tal exigncia, bem como para apoiar e qualificar uma nova classe dehomens capazes de produzir, transmitir e administrar o saber: a classe dos

    magistri, a corporao dos profissionais do saber. (BELTRO, 1997, p.1)

    O termo universitas foi utilizado com o sentido de associao ou corporao de

    ofcio antes do sculo XIII, mas somente nesse sculo ele passou a designar as

    corporaes de mestres e estudantes que se consagravam de modo organizado ao estudo

    das artes liberais, do direito, da medicina e da teologia (NUNES, 1979, p. 211).

    [...] no tempo antigo, na Idade Mdia oriental e no mundo muulmano houveescolas elementares e superiores que hoje, por figura de linguagem, sochamadas de universidades nos livros de histria, o que constitui evidente

    impreciso de linguagem e anacronismo, uma vez que as universidades comos seus estatutos, a sua organizao jurdica e os graus acadmicos surgiramespontaneamente no seio da cristandade medieval e foram uma das suasldimas e originais criaes. (NUNES, 1979, p. 212).

    Sendo assim, as primeiras universidades europias foram corporaes de

    estudantes e professores que buscavam o direito ao trabalho intelectual independente e a

    autonomia administrativa em relao s autoridades eclesisticas e polticas da poca

    (SCHWARTZMAN, 1983). Assim como as demais corporaes da poca, as

    universidades ocuparam reas e bairros determinados, gozaram de direito de

    recrutamento, estabeleceram sistema hierrquico e de controle de seus membros,

    organizaram suas atividades e outorgaram-se estatutos (LE GOFF, 1973). Beneficiaram-

    se de iseno de servio militar e de taxas locais, e seus membros, mesmo os

    estrangeiros, encontravam abrigo nas jurisdies locais. Alm da autonomia

    administrativa, era privilgio das corporaes universitrias o direito de greve e

    secesso, e o monoplio na colao dos graus universitrios. (RANIERI, 1994, p.38).

    As universidades eram geridas, de modo geral, por funcionrios eleitos e

    assembleias gerais. Todos os funcionrios administrativos ocupavam cargos eletivos,

    sendo o reitor o principal deles. Embora detentor de um mandato de trs meses, o reitor

    tinha amplos poderes, administrava as finanas, possua jurisdio civil sobre os

    membros da universidade, convocava e presidia assembleias, representava a

    universidade e intervinha na justia para fazer respeitar os privilgios universitrios e

    defender seus membros. Porm, no exerccio de seu mandato, sujeitava-se ao controle

    das assembleias (DAL RI, 1997, p. 30).

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    Dada a fragmentao do poder e as prprias condies da poca, a autonomia de

    um microcosmo social, como as universidades, no pode, segundo Dal Ri (1997, p. 31),

    ser considerado um fenmeno to diverso, mesmo porque no determinava nenhuma

    modificao na estrutura de poder social. No entanto, a universidade nasceu autnoma

    e, este fenmeno, traz em si, de forma embrionria, elementos democrticos.

    As principais e mais antigas universidades da Idade Mdia, a Universidade de

    Bolonha e a Universidade de Paris, mostram a organizao das universidades nessa

    poca, sendo a primeira uma corporao de estudantes e a segunda de professores.

    A origem da Universidade de Bolonha liga-se ao renascimento dos estudos

    jurdicos no Ocidente. Por volta de 1120, a Escola de Direito de Bolonha era

    universalmente conhecida na Itlia e era nominada douta, por ser a sede natural das leis

    (NUNES, 1979, p. 215).

    As escolas de Direito em Bolonha, no sculo XII, antes de se tornarem uma

    corporao universitria, conquistaram sua autonomia em 1158. O documento

    denominado Authentica habita, elaborado pelo imperador do Sacro Imprio Romano

    Germnico, Frederico Barbarossa (1122-1190), outorgava aos professores e alunos suas

    liberdades acadmicas (MACEDO, 1996).

    De acordo com Charle e Verger (1996, p. 16), em 1190 iniciou-se a mudana em

    Bolonha.

    Subtraindo-se autoridade individual dos doutores, os estudantes comearama se reagrupar, de acordo com sua origem geogrfica, por naes (ingleses,alemes, provenais, lombardos, toscanos etc). Enquanto os mestresaceitavam prestar juramento de obedincia Comuna, os estudantesorganizavam-se entre eles para se proteger das cobranas da populao local,regrar seus conflitos internos, assinar contrato com os professores edeterminar eles mesmos os ensinamentos de que tivessem necessidade. Poucoa pouco, as naes estudantis reagruparam-se em universidades (houve duasdelas, a dos italianos ou citramontanos e a dos estrangeiros ouultramontanos); na direo de cada universidade surgiu um reitor eleitoanualmente.

    A Universidade emancipa-se definitivamente logo que a cidade, em 1278,

    reconhece o papa como senhor de Bolonha (LE GOFF, 1973, p. 79).

    Os professores de Bolonha deveriam prestar juramento ao reitor da corporao

    de estudantes, reconhecido como chefe da universidade, e com ele estabelecer seu

    contrato acadmico (DAL RI, 1997, p. 33).

    Na organizao da Universidade de Bolonha, cada nao podia escolher um

    conselheiro. O dever mais importante dos conselheiros era eleger o reitor que devia serestudante, clrigo, solteiro, de vinte e cinco anos, ter estudado leis durante cinco anos,

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    ser membro da universidade que o escolheu e adornado das virtudes da prudncia e da

    honestidade. Ainda, devido os encargos de sua funo, o reitor deveria ser um homem

    rico3 (NUNES, 1979, p. 221-222).

    J a Universidade de Paris nasceu pouco depois de 1200, quando os mestres

    independentes que ensinavam principalmente artes liberais comearam a se associar.

    Logo depois seguiram os professores de direito cannico e teologia (CHARLE;

    VERGER, 1996, p. 17).

    Sua autonomia foi adquirida aps sangrentos acontecimentos em 1229 que

    colocaram frente a frente os estudantes e a polcia real, o que teve como resultado vrios

    estudantes mortos. A grande maioria da Universidade entra em greve e retira-se para

    Orleans e por dois anos quase no h aulas. Em 1231, Luis e Branca de Castela

    reconhecem solenemente a independncia da Universidade, renovando e ampliando os

    direitos outorgados por Felipe Augusto em 1200 (LE GOFF, 1973, p. 76).

    Entretanto, de acordo com Beltro (1997), para retornar, os mestres

    apresentaram vrias exigncias, contempladas na Parens scientiarum pela Santa S e

    pelo rei francs, e que seriam tambm institudas para toda e qualquer corporao de

    ensino nos mesmos moldes, para todos os tempos. As clusulas da bula eram:

    1) confirmao de que a licentia, isto , a graduao do estudante, eraoutorgada pelo colgio dos magistri, sem qualquer interferncia externa,fosse do poder temporal ou espiritual;2) confirmao de que seriam, ad eternum, os mestres que elaborariam osestatutos para o funcionamento interno da universidade e de seus curricula deestudos;3) confirmao do direito de greve e retirada, em caso de ab-rogao dequalquer uma das clusulas superiores por parte do poder temporal ouespiritual. (BELTRO, 1997, p. 1).

    Conforme Nunes (1979, p. 225-226),

    [...] gradativamente o reitor passou a dirigir toda a universidade. De 1231 a1251 ele presidia o conselho dos mestres, reclamava polcia os estudantespresos, estabelecia o preo para o aluguel dos alojamentos, assim como o doslivros que serviam de exemplares oficiais.

    Podemos citar, ainda, de acordo com Le Goff (1973, p. 76), a Universidade de

    Oxford, na qual uma srie de conflitos em 1232, 1238 e 1240 entre os universitrios e o

    rei acaba com a capitulao de Henrique III. Em 1214, aps os burgueses enforcarem

    arbitrariamente dois estudantes, a Universidade obteve suas primeiras liberdades.

    Segundo Charle e Verger (1996, p. 18), a Universidade de Oxford detinha uma

    3 Quando Napoleo invadiu Bolonha, em junho de 1796, e as naes e os oficiais foram dispersados, em1798 a universidade de Bolonha pela primeira vez teve um professor reitor (NUNES, 1979, p. 223).

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    autonomia relativa, pois tinha o controle distante do bispo de Lincoln, representado ali

    por um chanceler escolhido entre os doutores.

    Na Espanha, a Universidade de Salamanca teve em seu nascimento em 1218, sua

    autonomia reconhecida pelas autoridades papal e real.

    Sendo assim,

    [...] a liberdade acadmica e jurdica das universidades foi, sem dvida, apedra de toque para o florescimento da cincia, da cultura e da liberdade decrtica em termos universais, ao mesmo tempo em que contribuiudecisivamente para o desenvolvimento tecnolgico e, portanto, econmicodas naes que nela acreditaram. Em contrapartida, seu cerceamento, quandoocorreu, resultou em perodos obscuros para o pensamento crtico e para ainventividade cientfica. (MACEDO, 1996, p. 1).

    O sculo XIII foi a poca de ouro das universidades, pois nele se organizaram as

    primeiras e mais importantes. Durante os sculos XIV e XV as universidades

    multiplicaram-se atravs da Europa, mas comearam a perder as suas caractersticas.

    Primeiro, foram sendo despojadas da sua autonomia, assim como de suas outras

    conquistas e agregadas ao Estado. Depois, as universidades comearam a perder seu

    carter internacional, na medida em que os pases foram criando suas prprias

    instituies (NUNES, 1979).

    No antigo modo de produo, a economia era predominantemente agrcola.

    Assim, o comrcio estava limitado aos produtos bsicos de necessidades primrias. Aexpanso comercial possibilitou a consolidao do novo modo de produo, com a

    organizao dos Estados nacionais e a Revoluo Industrial. Esses trs elementos so as

    bases para a educao e para a formao ideolgica do homem burgus. Formar

    indivduos aptos para a competio no mercado, esse foi o ideal da burguesia

    triunfadora. (PONCE, 2000, p. 136).

    A educao fica sob a responsabilidade do Estado e este se organiza sob a gide

    da economia de mercado. Por essa razo, o ser humano passa a ser educado para aceitarpacificamente a nova ordem como um fenmeno natural (GONALVES, 2008, p. 84).

    As novas universidades foram atos de fundao de autoridades polticas, pelo

    prncipe ou pela cidade, e confirmada pelo papado. O Estado esperava que se

    formassem os letrados e os juristas competentes e necessrios administrao em

    desenvolvimento, bem como elaborao da ideologia nacional e monrquica que

    acompanhava o nascimento do Estado Moderno (CHARLE; VERGER, 1996, p. 22-25).

    [...] as condies de inscrio e as duraes dos estudos, assim como asmodalidades de exame, foram fixadas com mincia. O prprio contedo dosensinamentos foi algumas vezes especificado e o exerccio dos privilgios

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    pessoais dos estudantes cuidadosamente limitado; as antigas naesestudantis perderam sua importncia. O recurso eleio foi suprimido emtodos os lugares ou estritamente controlado e os oficiais do prncipe puderamcontar com a docilidade das autoridades universitrias reduzidas a umaestreita oligarquia de professores ou de diretores de colgios. A ortodoxiareligiosa dos estudantes era verificada desde o juramento de matrcula e raras

    foram as universidades que, como Pdua ou rleans, puderam demonstrar,pelo menos durante algum tempo, alguma tolerncia. (CHARLE; VERGER,1996, p. 45).

    A interferncia do Estado nas universidades foi facilitada pelo fato deste tomar

    para si o pagamento dos salrios dos professores e a construo dos prdios, por vezes

    suntuosos. Alm disso, reservando um determinado nmero de empregos no clero ou na

    judicatura, o Estado controlava uma grande parte dos egressos.

    Le Goff (1973, p. 136) afirma que se constituiu uma oligarquia universitria, que

    ao mesmo tempo em que contribua para baixar singularmente o nvel intelectual,

    conferia ao meio universitrio uma das caractersticas essenciais da nobreza: a

    hereditariedade. O Estado convert-lo-ia numa casta. As roupas de mestres e estudantes,

    as jias, como o anel de formatura, os ritos, as casas dos estudantes e at seus tmulos

    se tornaram luxuosos4.

    Com o advento do capitalismo, os intelectuais comeam a tratar o trabalho

    manual com profundo desprezo, conseqncia da diviso entre a teoria e a prtica, entre

    a cincia e a tcnica. Essa diviso se aprofunda pelo prprio processo de produo

    material em ascenso, daqueles que detm os meios de produo e por isso controlam o

    processo de trabalho e daqueles que necessitam vender sua fora de trabalho e, portanto,

    apenas executam5. Gramsci (2004) aponta ainda a necessidade de esclarecer que no

    existe uma ciso completa, como se o trabalho manual fosse unicamente prtico, porque

    todo trabalho manual advm de um esforo humano de elaborao individual do

    executor, portanto o que existe a separao entre a atividade essencialmente

    intelectual e aquela que no essencialmente. Mas, Assim se mede o enorme entraveque constituir para os progressos da cincia esta diviso estabelecida entre o mundo

    4Antes do sculo XIV as universidades no possuam prdios prprios e as aulas eram ministradas emsalas, em claustros e at ao ar livre. Muitos professores davam aulas na sua prpria casa e os alunossentavam no cho coberto de palha. O professor falava, tendo diante de si uma estante para o livro, eensinava de cima de um estrado. A sua roupa era, de regra, um traje escuro de compridas pregas e comcapuz de pele (NUNES, 1979, p. 227).

    5

    O trabalho e os trabalhadores se transformaram em mercadorias para serem comercializadas nomercado. Assim, a sociedade de classe se caracteriza pelas relaes antagnicas de interesses entre ocapital e o trabalho (GONALVES, 2008, p. 86).

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    dos sbios e o mundo dos prticos, o mundo cientfico e o mundo tcnico. (LE GOFF,

    1973, p. 139).

    Vale ressaltar que no sculo XVI os filhos de camponeses ricos, de plebeus dos

    burgos e das cidades, de comerciantes, de notrios, de barbeiros etc. entravam nas

    universidades. Os filhos de plebeus, assim como na Idade Mdia, formavam grandes

    fileiras nas universidades. A partir do sculo XVI chegou s universidades uma poro

    de jovens nobres, da pequena, mdia ou mesmo alta nobreza. No sculo XVIII, se

    tornariam maioria as classes mais abastadas (CHARLE; VERGER, 1996, p. 52-53).

    Entre o sculo XV e XVI prevaleceu a Universidade renascentista que se

    estendeu para os principais pases da Europa, influenciada, principalmente, pelas

    transformaes comerciais do capitalismo e do humanismo literrio e artstico. Aps o

    sculo XVI ocorreram as grandes descobertas cientficas, do Iluminismo e da revoluo

    industrial inglesa, que serviram de transio para a Universidade moderna que surgiu no

    sculo XIX e prevalece at hoje (SILVA, 2003).

    Se antes a produo intelectual e a formao universitria no continham em si

    uma influncia direta na organizao econmica, a partir da organizao do Estado e do

    desenvolvimento das foras produtivas se torna necessrio utilizar a educao escolar

    para formar os quadros intelectuais e a fora de trabalho necessria para a nova

    organizao social em ascenso. Deste modo, enquanto algumas organizaes

    universitrias, como a de Bolonha, dotavam os estudantes de poder total e se

    organizavam democraticamente, em um sistema no hierrquico e autnomo, os quais

    podiam contratar e demitir seus professores, a universidade tpica do sculo XIX, como

    a inglesa e alem, daria poder absoluto ao professor (GROPPO, 2006, p. 31).

    Segundo Ranieri (1994, p. 48), [...] a progressiva centralizao estatal e seu

    correspondente processo de burocratizao solaparam em grande medida a autonomia

    das antigas universidades, submetendo-as superviso pblica, ou seja, ao Estado.Quando as universidades passaram para o controle do Estado perderam grande parte da

    autonomia que tinham, no a recuperando totalmente nem mesmo com o advento do

    Estado Liberal (ALVIM, 1995, p. 43).

    Para Gramsci (2004), o Estado moderno teve como elemento constitutivo de sua

    base fundante a produo de uma nova camada de intelectuais que assegurou o

    desenvolvimento da nova ordem social, retirando a centralidade da Igreja na produo

    terica, subalternizando de vez a ordem feudalista. O autor afirma que cada classe queemerge ao poder necessita constituir uma nova camada de tericos, lanando bases para

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    a constituio de uma nova moral, de novas leis, direitos e deveres etc. A partir destes

    elementos podemos pensar o interesse do Estado em buscar subsidiar, direcionar e

    controlar a formao universitria que produziria os novos quadros intelectuais. Como

    afirma Le Goff (1973, p. 138) a cincia se torna possesso e tesouro, instrumento de

    poder e no j fim desinteressado.

    Contudo, foram as idias liberais do sculo XIX que favoreceram o resgate da

    autonomia universitria como princpio inerente natureza do trabalho acadmico,

    afinal consagrado definitivamente no sculo XX. Todavia, a grande marca medieval

    [...] h de ser atribuda construo do postulado universal acerca da significao

    social do trabalho acadmico, de sua natureza autnoma e de sua legitimidade em face

    do saber que produz e transmite. (RANIERI, 1994, p. 48).

    necessrio ressaltar que a gesto democrtica e a autonomia universitrias

    praticadas no perodo medieval no tm uma continuidade linear e, portanto, no so as

    mesmas encontradas no sculo XX. No capitalismo essas questes tomaram uma outra

    dimenso que pincelamos no decorrer do final deste item, mas que discutiremos em

    profundidade a seguir. O intuito dessa anlise foi demonstrar que a ideia embrionria de

    uma organizao horizontal na universidade, praticada e reivindicada pela luta dos

    estudantes pelo poder de geri-la estava presente na Idade Mdia, possuindo, portanto,

    uma longa tradio na histria das universidades. Desse modo, a universidade nasceu

    assim e mesmo com as transformaes advindas do novo modo de produo que muda

    fundamentalmente as relaes na e da universidade, no podemos deixar de analis-la

    como um pressuposto e como uma prtica j realizada de experincia de luta estudantil

    por controle de seu prprio trabalho.

    Podemos concluir desse processo de transformao da universidade que ela est

    diretamente envolvida com os interesses do poder vigente em cada poca histrica,

    porque seu controle essencial para a disseminao e fundamentao da ideologia quese queira difundir. Entretanto, assim como por vezes ocorre nos demais locais de

    trabalho, os trabalhadores exigem o controle de seu prprio trabalho, seja contra

    influncias externas da Igreja, do Estado ou do mercado, seja contra a prpria casta que

    est no topo hierrquico da organizao. Mesmo que os estudantes defendam em uma

    ltima instncia os interesses de suas classes, estes realizam um processo de trabalho

    intelectual, e por isso, tambm se colocaram durante o processo de transformao da

    universidade e demonstraram, dependendo da conjuntura em que ocorreu, sua

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    capacidade de decidir sobre seu processo de trabalho e sobre a produo de

    conhecimento.

    2. A organizao da universidade no Brasil

    As primeiras universidades criadas na Amrica Latina foram a de So

    Domingos, em 1538, e a do Mxico, em 1551, no sculo XVI. Depois vieram as

    universidades de So Marcos, no Peru, de So Felipe, no Chile, de Crdoba, na

    Argentina, entre outras. Somavam por volta de 27 universidades na Amrica espanhola,

    na poca da independncia do Brasil, em 1822, no sculo XIX (CUNHA, 2007a, p. 15).

    Entretanto, no Brasil, o surgimento de universidades, em comparao com

    outros pases da Amrica Latina, foi muito tardio. Os argumentos explicativos para essa

    questo so diversos na literatura. Segundo Fvero (2000), em trs sculos de

    colonizao, houve o impedimento legal por parte do governo portugus, que no

    permitia a instalao de universidades em suas colnias porque [...] sempre pareceu

    poltica da Metrpole conveniente, seno necessrio, mant-los centralizados em sua

    antiga universidade, para onde comeam a afluir, desde o incio do sculo XVII,

    estudantes brasileiros, representantes das classes mais abastadas (FVERO, 2000, p.

    30). Outros autores, como Faria (1952 apud CUNHA, 2007a, p. 16), afirmam que

    Portugal dispunha de apenas duas universidades, sendo uma de pequeno porte, o que as

    prejudicaria caso enviassem seus professores s colnias.

    De qualquer modo, o Brasil apenas implantou uma universidade quase um

    sculo depois de sua emancipao poltica ocorrida em 1822 (LIMA, 2003, p.63).

    Alguns autores, como Lima (2003, p. 64), afirmam que o objetivo foi [...] outorgar o

    ttulo deDoctor Honoris Causa ao Rei da Blgica Alberto I, que veio em misso oficial

    ao Pas. Cunha (2007a, p. 190) afirma que embora no se possa alegar isso comcerteza, o decreto de criao foi assinado cinco dias aps o navio com o Rei ter deixado

    a Blgica.

    Destarte, da Colnia Repblica o sistema de ensino superior foi centralizado

    pelo Estado, com carter repressivo e com objetivos poltico-estratgicos: [...] controle

    social e formao de elites nativas. (MATTOS, 1985, p. 1).

    Para Lima (2007, p. 126-127), se a educao superior no Brasil nasce como

    privilgio social, cuja democratizao comeava e terminava na burguesia,

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    [...] com o desenvolvimento do capitalismo monopolista a ampliao doacesso educao passou a ser uma exigncia do capital, seja dequalificao da fora de trabalho para o entendimento das alteraesprodutivas, seja para difuso da concepo de mundo burguesa, sob aimagem de uma poltica inclusiva.

    Estes elementos de controle social e formao de elites nativas indicam a

    possibilidade de configurao de um colonialismo educacional (FERNANDES, 1975b,

    p. 80), isto , a permanncia de um padro dependente de educao superior, que [...]

    seria historicamente confrontado pela presso de professores e estudantes para a

    destruio da monopolizao do conhecimento pela burguesia e pela democratizao

    interna das universidades. (LIMA, 2007, p.127).

    nesse contexto de colonialismo educacional versus a presso exercida pelos

    atores acima citados no que concerne democratizao e luta pela autonomia dauniversidade pblica que discutimos a organizao da universidade pblica no Brasil.

    2.1. Reforma Rivadvia Correa (1911): a autonomia na forma legal

    Em 5 de abril de 1911, o Presidente da Repblica Marechal Hermes da Fonseca,

    promulgou a Lei Orgnica do Ensino Superior e Fundamental da Repblica, pelo

    decreto n 8659, conhecida como a Reforma Rivadvia Correa, que concedia autonomiadidtica, administrativa e financeira aos institutos de ensino superior.

    A autonomia didtica era relativa, na medida em que o diretor da instituio

    deveria enviar ao Conselho Superior do Ensino um relatrio anual circunstanciado sobre

    o desenvolvimento do ensino, cabendo a este rgo promover reformas e

    melhoramentos que achasse necessrios (DAL RI, 1997, p. 39).

    A autonomia administrativa era restrita, pois embora as instituies pudessem

    elaborar e aprovar estatutos e regimentos, o corpo docente era nomeado pelo Governo,

    com base em proposta da Congregao rgo colegiado das instituies. A admisso

    do pessoal administrativo ficava a cargo do diretor, mas sua funo estava totalmente

    explicitada em lei. Entretanto, a autonomia administrativa incentivava a autonomia

    financeira, pois as instituies poderiam cobrar taxas dos estudantes (RANIERI, 1994,

    p. 70).

    Para Dal Ri (1997, p. 39) [...] o cerne de toda a questo relativa autonomia

    das instituies mantidas pelo Estado se resumia no seguinte: sem independncia

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    financeira no haveria efetiva autonomia. As instituies que no precisassem de

    subsidio do governo ficariam isentas de fiscalizao (RANIERI, 1994, p. 70).

    Nesse sentido, a autonomia financeira provocou reaes desfavorveis, como a

    de diretores que afirmavam que essa medida exonerava o Estado de sua

    responsabilidade no funcionamento e na organizao das instituies (RANIERI, 1994,

    p. 71)

    Entretanto, foi a primeira vez que se organizou um Conselho Superior do

    Ensino. Este Conselho foi composto por diretores dos institutos superiores federais e do

    Colgio Pedro II, e de um docente de cada um dos estabelecimentos, eleitos pelas

    respectivas congregaes. Alm disso, nas instituies, os diretores das faculdades

    passaram a ser eleitos pela Congregao (RANIERI, 1994, p. 70-71).

    A autonomia na forma legal, segundo Ranieri (1994, p. 68) [...] foi mais uma

    resposta positiva do governo ao movimento de conteno de matrculas nas faculdades,

    do que, propriamente, o reconhecimento de sua importncia no que concerne ao

    desempenho das atividades acadmicas. Isso porque alimentado pela poltica vigente,

    pela crescente demanda escolar e por determinaes ideolgicas de cunho liberal e

    positivista, que clamavam pelo ensino livre e contra os privilgios ocupacionais

    conferidos pelos diplomas, o ensino superior expandiu-se desordenadamente.

    Paralelamente desenvolveu-se forte crtica qualidade do ensino que era considerada

    medocre por facilitar a entrada e a aprovao de qualquer tipo de estudante nas

    faculdades. Portanto, se por um lado apoiava a desoficializao do ensino, de outro

    pretendia conter a invaso de alunos considerados inabilitados nas faculdades

    (RANIERI, 1994, p. 67). Para Cunha (2007a, p. 117) essa medida [...] seria a

    reconduo da escola, especificamente a superior, ao desempenho da sua funo

    social/cultural, a servio das classes dominantes, comprometida pela facilitao do

    acesso aos seus cursos de alunos sem o preparo tido como adequado.De qualquer modo, a primeira vez que se trata da autonomia das instituies de

    ensino superior em documento legal brasileiro.

    2.2. Reforma Carlos Maximiliano (1915): o cerceamento da autonomia e a criao

    da Primeira Universidade

    Em 1915, no Governo Federal de Venceslau Brs, os ensinos secundrio esuperior foram novamente reformados pelo decreto n. 11.530, conhecido por Reforma

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    Carlos Maximiliano. As mudanas foram desastrosas para o principio da autonomia

    universitria no pas. A nica parcela real de autonomia era a dos professores

    catedrticos, a quem cabia a regncia efetiva das correspondentes cadeiras (RANIERI,

    1994, p. 73).

    Segundo Dal Ri (1997, p. 40; RANIERI, 1994, p. 72-74) as principais

    modificaes para as instituies de ensino superior foram:

    a) O Conselho Superior de Ensino fora investido agora de rgo fiscalizadorpermanente de todos os institutos oficiais;

    b) O oramento elaborado pela Congregao deveria ser aprovado pelo Conselho ehomologado pelo Ministro da Justia e Negcios Interiores e as verbas deveriam

    ser aplicadas ao fim a que se destinavam;

    c) O regimento interno elaborado pela Congregao deveria ser aprovado peloConselho e este poderia alterar os pontos que estivessem em desacordo com as

    disposies legais; as emendas s seriam permitidas a cada dois anos e caberia o

    mesmo procedimento acima citado;

    d) A aprovao dos programas dos professores catedrticos era de competncia daCongregao, bem como a distribuio das matrias; cabia ao Conselho aprovar

    a seriao das matrias;

    e) A grande prerrogativa perdida pelos institutos foi o direito de eleger seusdirigentes; os diretores passaram a ser nomeados livremente pelo Presidente da

    Repblica.

    No bojo dessa Reforma, em 1920, criada a Universidade do Rio de Janeiro.

    Sua organizao se deu mediante um Conselho Universitrio composto por dez

    membros: [...] alm do reitor, os diretores das trs unidades e seis professores

    catedrticos, dois de cada congregao, eleitos por seus pares (CUNHA, 2007a, p.

    190). Alm disso, seu reitor agora seria o presidente do Conselho Superior do Ensino(RANIERI, 1994, p. 74).

    Entretanto, a criao da Universidade do Rio de Janeiro foi a agremiao de trs

    faculdades, sob uma direo comum, e isto no satisfez muitos educadores. Surgiram

    constantes crticas que a partir de 1925 comearam a se expressar de modo organizado,

    o que ser abordado nos prximos itens (CUNHA, 2007a, p. 198).

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    2.3. Reforma Rocha Vaz (1925): regulamentao e controle das Universidades

    No Governo Federal de Artur Bernardes foi realizada a ltima reforma do ensino

    superior na Primeira Repblica, denominada Reforma Rocha Vaz, pelo decreto n.

    16.782-A, de 13 de janeiro de 1925 (RANIERI, 1994, p. 75).

    Essa Reforma visava reforar o controle do governo federal sobre o aparato

    escolar, numa tentativa de estabelecer o controle ideolgico das crises polticas e sociais

    que provocaram o Golpe de 1930, para, dessa forma, impedir a entrada da poltica e da

    ideologia no oficiais no ensino superior (RANIERI, 1994, p. 75; DAL RI, 1997, p. 41).

    Foi criado o Departamento Nacional de Ensino diretamente subordinado ao

    Ministrio da Justia e Negcios Interiores. Ao seu diretor geral, nomeado livremente

    pelo Presidente da Repblica, subordinavam-se os diretores dos institutos e os reitores

    das universidades (RANIERI, 1994, p. 75).

    Sob o aspecto da autonomia administrativa, introduziu-se a fixao de um limite

    anual para a matrcula no primeiro ano do curso (RANIERI, 1994, p. 76).

    Para Cunha (2007a, p. 167)

    Alm da funo de produzir (em parte) e dissimular a discriminao social, oensino, em particular o ensino superior, o processo de produzir agentesdotados do saber dominante, em diversos campos, capazes de produzir e

    reproduzir as prticas que correspondem aos interesses (materiais eideolgicos) das classes dominantes. Da os privilgios ocupacionais. Mas,para que esses agentes sejam capazes de produzir e reproduzir aquelasprticas, necessrio que o ensino seja eficaz. No s que seja capaz deselecionar os destinatrios dotados da formao prvia que assegure umaprendizado satisfatrio, mas tambm, e principalmente, que o ensino sejacapaz de produzir nos destinatrios as transformaes esperadas.

    Em 1927 fundada a Universidade de Minas Gerais nos moldes da

    Universidade do Rio de Janeiro. O Governo Federal procurando controlar a criao e

    organizao das universidades nos estados institui o decreto n. 5.616, de 28 de

    dezembro de 1928, e uma regulamentao em abril de 1929, os quais prescreviam que

    as universidades criadas nos estados gozariam de perfeita autonomia administrativa,

    econmica e didtica. Entretanto, prescreviam que as admisses dos estudantes

    deveriam seguir os moldes federais; a fiscalizao seria feita pelo Departamento

    Nacional de Ensino e estabeleciam marcos limitadores para a multiplicao de

    universidades (CUNHA, 2007a, p. 191).

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    2.4. Da Reforma Francisco Campos e o Estatuto das Universidades Brasileiras

    (1931) discusso em torno da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional: fortalecimento do controle do Estado sobre as Universidades

    Somente a partir de 1930, quando Getlio Vargas nomeado Presidente da

    Repblica no Governo Provisrio, que foram processadas reformas de cunho nacional,

    tratando de forma mais aprofundada os temas educacionais. Segundo Brito (2006, p.12)

    [...] o perodo que vai dos anos 30 aos anos 60 foi importante tanto para aconsolidao do capitalismo no Brasil, com a industrializao, como tambmpara a penetrao efetiva de uma nova ideologia educacional, que proclamavaa importncia da escola como via de reconstruo da sociedade brasileira,advogando para tal a necessidade de reorganizao do ensino.

    Assim, de 1930 a 1945 o perodo marcado pela atuao, no campo poltico, doGoverno Provisrio e as lutas ideolgicas sobre a forma que deveria assumir o regime,

    que possua como meta promover rompimento com a velha ordem social oligrquica e

    desenvolver definitivamente o capitalismo no pas; a atuao do Governo no setor

    econmico para sair da crise de superproduo do caf; e na rea educacional pelas

    Reformas de Francisco Campos, paralelamente luta ideolgica irrompida entre

    pioneiros e conservadores (ROMANELLI, 1985, p. 128).

    No mbito da Reforma Francisco Campos, implementada por seis decretos

    nos anos de 1931 e 1932, os decretos de n 19.851/31 e n 19.852/31dispuseram acerca da organizao do ensino superior e adoo do regimeuniversitrio e sobre a organizao da Universidade do Rio de Janeiro,respectivamente. (LIMA, 2003, p.19).

    Pelo decreto 19.851/31 foi criado o Estatuto das Universidades Brasileiras. Para

    Dal Ri (1997, p. 43) as principais questes colocadas no Estatuto foram:

    a) Os estatutos das universidades deviam ser aprovados pelo Ministrio daEducao e Sade Pblica, assim como suas modificaes, ou ouvindo-se ainda

    o recm-criado Conselho Nacional de Educao.

    b) As Universidades, por meio dos Conselhos Universitrios, deveriam elaboraruma lista com trs nomes docentes para que o Ministro da Educao escolhesse

    o reitor. Enquanto os diretores seriam indicados pelos seus respectivos governos

    pelo mesmo mecanismo.

    c) Os Conselhos Universitrios, presididos pelo reitor, seriam compostos pelosdiretores dos institutos, um representante dos livres-docentes, um da Associao

    dos Diplomados (ex-alunos) e um do Diretrio Central dos Estudantes.

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    d) Cada Instituto das universidades deveria ter um Conselho Tcnico-Administrativo, seu rgo deliberativo, composto por professores catedrticos

    em exerccio na instituio, escolhidos diretamente pelo ministro da educao.

    e) Ao Conselho Tcnico-Administrativo foi transferida a maioria das atribuiesat ento exercida pela Congregao.

    Com relao organizao estudantil, o Estatuto das Universidades Brasileiras

    colocava a criao de diretrios dos estudantes em cada Instituto, constitudo por no

    mnimo nove estudantes. Entretanto, deixava a aprovao de seu estatuto ao cargo do

    Conselho Tcnico-Administrativo, assim como as modificaes que estes julgassem

    necessrias. Ainda previa a organizao de comisses permanentes desde que descritas

    em seus estatutos, mas era obrigatria a criao da comisso de beneficncia e

    previdncia, da comisso cientfica e da comisso social. Para a autonomia de gesto

    financeira das entidades estudantis, era reservada uma quota das taxas de admisso dos

    novos estudantes. O Decreto previa ainda a criao do Diretrio Central dos Estudantes,

    composto de dois estudantes de cada diretrio dos institutos. O estatuto do Diretrio

    Central dos Estudantes deveria ser elaborado juntamente com o Reitor e aprovado pelo

    Conselho Universitrio (BRASIL, 1931).

    De acordo com Ranieri (1994, p. 79) [...] os limites estabelecidos no estatuto

    foram estreitos demais para que realmente se manifestasse a autonomia universitria.

    Nesse sentido, o prprio Francisco Campos explicitou sua preferncia pela

    orientao prudente e segura da autonomia relativa, pois a autonomia integral requeria

    esprito universitrio amadurecido, experiente e dotado de seguro sentido de direo e

    responsabilidade. Essa suposio era similar quela que a ideologia autoritria tinha a

    respeito do povo como incapaz de dirigir-se, necessitando assim de elites dirigentes que

    lhe apontassem o caminho (DAL RI, 1997, p. 44).Em 1933, por meio do Decreto 22.579 o Estado reafirmou sua interferncia

    sobre as universidades estaduais e as livres6 j sujeitas fiscalizao: atribuiu ao

    ministro da Educao e Sade Pblica a aprovao de seus estatutos e regime didtico e

    escolar, bem como suas modificaes, e revogou a possibilidade de lista trplice na

    escolha de dirigentes, passando a ser de livre escolha do Presidente (DAL RI, 1997, p.

    45).

    6 Universidades no mantidas pelo Estado.

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    O Decreto n 6283/34 institucionalizou a criao da Universidade de So Paulo

    (USP) sob um regime menos rgido do que o determinado pelo Estatuto das

    Universidades Brasileiras. Por meio de suas disposies, instituiu universidade

    personalidade jurdica e autonomia cientfica, didtica e administrativa, nos limites

    expostos no decreto, e a possibilidade de completa autonomia financeira, caso tivesse

    um patrimnio com renda suficiente para se manter. Enquanto o Estado mantivesse a

    universidade haveria um representante seu no Conselho Universitrio (RANEIRI, 1994,

    p. 83).

    Entretanto, quando os Estatutos da USP foram aprovados, o Decreto n. 39,

    assinado pelo Ministro da Educao e Sade Pblica, introduziu modificaes

    significativas: no mais permitia sua auto-regulamentao e muito menos a escolha

    indireta de seus dirigentes. Portanto, a autonomia na prtica voltava a ser bastante

    limitada (DAL RI, 1997, p. 46; RANIERI, 1994, p. 85).

    Para Brito (2006, p. 13), outro marco importante no perodo do governo

    provisrio foi a Constituio de 1934.

    Esta, alm de reafirmar alguns princpios anteriormente expostos como aproposta acerca do Conselho Nacional de Educao, que foi confirmado emsua funo de traar um Plano Nacional de Educao para o Pas, a seraprovado pelo Poder Legislativo determinou aos estados federativos aorganizao de seus respectivos sistemas de ensino, facultando Unio a

    fiscalizao dos ensinos superior e secundrio. Para a organizao emanuteno de suas escolas, estados e municpios deveriam investir 10,0%de seus tributos, enquanto ao governo federal caberia o investimento de20,0% deste mesmo tipo de receita.

    O perodo que se seguiu marcou outra etapa da histria brasileira, com o advento

    do Estado Novo de 1937 a 1945, quando o Ministrio da Educao e Sade j era

    ocupado por Gustavo Capanema, desde 1934. Refletindo as adequaes necessrias

    nova fase atravessada desde ento pelo pas, abriu-se um novo conjunto de reformas

    educativas, que ficaram conhecidas como Leis Orgnicas de Ensino ou Reforma

    Capanema (BRITO, 2006, p. 14).

    Quanto ao ensino superior, a preocupao fundamental do Estado Novo foi ofortalecimento do regime universitrio, acoplado fiscalizao do governofederal sobre estas instituies. Assim, o Decreto-Lei n 421, de 11 de maiode 1938, estabelecia o controle federal sobre o processo de abertura de cursossuperiores, bem como a fiscalizao das instituies j existentes,principalmente quando de sua equiparao s instituies federais. (BRITO,2006, p. 18).

    A Lei n. 452 de 1937 transforma a Universidade do Rio de Janeiro em

    Universidade do Brasil, que se torna o padro do ensino superior no pas,

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    desconsiderando a autonomia enquanto condio inerente existncia de qualquer

    universidade (RANIERI, 1994, p. 86-87).

    A USP foi subordinada Interventoria Federal, pelo decreto-lei n.13.855 de

    1944, tornando-se uma autarquia sob tutela administrativa do governo do Estado e sob

    controle financeiro da Secretaria da Fazenda (RANIERI, 1994, p. 87).

    Nesse perodo foi criada, em 1937, a Unio Nacional dos Estudantes (UNE).

    Fruto do Congresso Nacional dos Estudantes, a UNE foi resultado da tentativa de

    cooptao pelo Estado dos opositores ao autoritarismo. Entretanto, a UNE caracterizou-

    se por orientaes democrticas, conseguindo razovel espao poltico, mesmo nesse

    perodo7 (CUNHA, 2007a, p. 206).

    Para Cruz (2006, p. 1),

    No plano nacional, os anos 40 foram marcados pelo fim da ditadura Vargas,o que levou a redemocratizao institucional do Pas, sobretudo, com arealizao das eleies em que o General Eurico Gaspar Dutra, candidato dacoligao PSD/PTB foi eleito Presidente da Repblica. A partir dasprioridades estabelecidas pelo seu governo, a poltica econmica brasileirafoi se moldando associao com o capital financeiro internacional,consoante com o plano do ps-guerra de imposio de uma nova ordemmundial. Nesse contexto, os resultados apresentados pela misso ABBINK(Comisso Tcnica Mista Brasil/Estados Unidos) indicam que para o Brasilaquecer a sua economia e elevar o nvel de produo seria necessrioformular uma poltica que objetivasse a conteno do nvel de inflao eprimasse pelo desenvolvimento da indstria petrolfera.

    Na rea educacional O Governo Provisrio restitui Universidade do Brasil, de

    forma falaciosa, a limitada autonomia perdida durante o Estado Novo (RANIERI,

    1994, p. 87). Desse modo, a autonomia administrativa, didtica e disciplinar, prevista no

    art. 9 do Decreto n. 19.851, de 1931, ganhou maior dimenso institucional com o

    Decreto-lei n. 8.389/45