moral e carater nacional - bateson, gregory
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Artigo de 1942 a propósito da noção de caráter ou personalidade nacional, descrita em termos de temas das relações entre nações.TRANSCRIPT
BATESON, Gregory. “PASSOS PARA UMA ECOLOGIA DA MENTE” (1972)[PARTE II: FORMA E PADRÃO NA ANTROPOLOGIA]
MORAL E CARÁTER NACIONAL (1942)*
Nós procederemos da seguinte forma: (1) Examinaremos algumas das
críticas que podem ser incitadas contra nosso interesse em um conceito de “caráter
nacional”. (2) Esse exame irá nos permitir estabelecer alguns limites conceituais
em que a expressão “caráter nacional” é plausível. (3) Prosseguiremos, dentro
desses limites, delineando as ordens de diferenças que podemos esperar encontrar
entre as nações ocidentais, tentando, a título de ilustração, supor mais
concretamente algumas dessas diferenças. (4) Por último, consideraremos de que
forma os problemas da moral e das relações internacionais são afetados por
diferenças dessa ordem.
Barreiras a Qualquer Conceito de “Caráter Nacional”
A investigação científica tem desviado das questões desse tipo através de
uma série de linhas de pensamento, que levam os cientistas a tratá-las todas como
improdutivas ou infundadas. Antes, contudo, que nos aventuremos a emitir
qualquer opinião construtiva sobre as ordens de diferenças que podemos vir a
encontrar entre as populações europeias, devemos examinar essas linhas desviantes
de pensamento.
Em primeiro lugar, sustenta-se que, não são as pessoas, mas sim as
circunstâncias nas quais vivem que diferem de uma comunidade para outra; que
temos de lidar com diferenças de bases históricas ou das condições atuais, e que
esses fatores são suficientes para dar conta de todas as diferenças de
comportamento, sem que seja necessário invocar qualquer diferença de caráter nos
indivíduos em questão. Tal argumento é essencialmente um recurso à Navalha de
Ockham1 – a afirmação de que não devemos multiplicar entidades para além do
* Esse ensaio foi publicado pela primeira vez em Civilian Morale, editado por Goodwin Watson, direitos autorais da Sociedade dosEstudos Psicológicos das Questões Sociais, 1942. É aqui reimpresso com a permissão da editora. Parte do material introdutório foiretirado.
1 “A navalha de Ockam é tambem chamada o principio da parcimônia. Hoje em dia é interpretada como 'a explicação mais simplesé a melhor' ou 'não multiplique hipóteses desnecessariamente'. Em qualquer caso, a navalha de Ockam é o princípio que éfrequentemente usado fora da ontologia, isto é, por filósofos da ciência num esforço de estabelecer critérios para escolher entrevárias teorias com igual valor explicatório” (extraído de http://brazil.skepdic.com/occam.htm l). (N.T.)
necessário. O argumento é o de que onde existem diferenças observáveis na
circunstância, devemos fazer menção a estas ao invés de invocar meras diferenças
inferidas pelo caráter, as quais não podemos observar.
O argumento pode ser encontrado em parte através das citações de dados
experimentais, como os experimentos de Lewin (material não publicado), que
demonstraram que há grandes diferenças entre os modos como alemães e
americanos respondem ao fracasso em um cenário experimental. Os americanos
trataram o fracasso como um desafio para aumentar o esforço; os alemães
responderam ao mesmo fracasso com desencorajamento. Mas aqueles que
argumentam a favor da eficácia das condições ao invés do caráter ainda podem
responder que as condições experimentais não são, de fato, as mesmas para ambos
os grupos; que o valor do estímulo de qualquer circunstância depende de como
essa circunstância se destaca contra o fundo de outras circunstâncias na vida do
sujeito, e que esse contraste pode não ser o mesmo para ambos os grupos.
É possível, de fato, argumentar que já que as mesmas circunstâncias nunca
ocorrem para indivíduos de contextos culturais diferentes, é portanto desnecessário
invocar abstrações tais como como “caráter nacional”. Esse argumento se desfaz,
eu acredito, quando se aponta que, ao realçar as circunstâncias no lugar do caráter,
estamos ignorando os fatos conhecidos sobre o aprendizado. Talvez a
generalização mais bem documentada no campo da psicologia é a de que, a
qualquer momento, as características comportamentais de qualquer mamífero, e
especialmento do homem, dependem de comportamentos e experiências prévios
àquele indivíduo. Assim, ao presumir que o caráter, como a circunstância, deve ser
levado em conta, não estamos multiplicando entidades para além do necessário;
nós sabemos da importância do caráter aprendido, a partir de outros tipos de
dados, e é esse conhecimento que nos compele a considerar essa “entidade”
adicional.
Uma segunda barreira a qualquer aceitação da noção de “caráter nacional”
surge após a primeira ter sido sobrepujada. Aqueles que admitem que o caráter
deve ser considerado, ainda podem duvidar sobre a possibilidade de se obter
qualquer uniformidade ou regularidade de uma amostra de seres humanos
constituindo uma nação. Podemos admitir logo que a uniformidade obviamente não
ocorre, e assim, passamos à questão dos tipos de regularidade que poderão ser
esperados.
A crítica que estamos tentando conhecer pode assumir cinco formas. (1) O
crítico pode apontar para a ocorrência de diferenciação subcultural, para diferenças
entre sexos, entre classes, ou entre grupos profissionais dentro da comunidade. (2)
Ele pode apontar para a extrema heterogeneidade e confusão de normas culturais
que podem ser cumpridas em comunidades do tipo “mistura cultural”. (3) Ele pode
apontar para o desviante acidental, o indivíduo que passou por alguma experiência
traumática “acidental” incomum entre aqueles de seu ambiente social. (4) Ele pode
apontar para o fenômeno da mudança cultural, e especialmente para o tipo de
diferenciação que resulta de quando uma parte da comunidade está aquém de
alguma outra na taxa de variação. (5) Por último, ele pode apontar para a natureza
arbitrária das fronteiras nacionais.
Essas objeções estão intimamente relacionadas, e as respostas a todas elas
derivam basicamente de dois postulados: primeiro, o de que o indivíduo, tanto de
um ponto de vista fisiológico como psicológico, é uma entidade única e
organizada, tal que todas as suas “partes” ou “aspectos” são mutuamente
modificáveis e mutuamente interativas; e segundo, que a comunidade é igualmente
organizada nesse sentido.
Se olharmos para a diferenciação social em uma comunidade estável –
digamos, para a diferenciação dos sexos numa tribo da Nova Guiné 2 – percebemos
que não é suficiente dizer que o sistema de hábitos ou que a estrutura de caráter de
um sexo é diferente do outro. O ponto significativo é que o sistema de hábitos de
cada sexo está engrenado com o sistema de hábitos do outro; que o comportamento
de cada um promove os hábitos do outro3. Encontramos, por exemplo, entre os
sexos, padrões complementares como espectadorismo-exibicionismo, dominação-
submissão, e auxílio-dependência, ou suas misturas. Nunca encontramos
irrelevância mútua entre tais grupos.
Entretanto, infelizmente é verdade que sabemos pouquíssimo sobre os
termos de diferenciação de hábitos entre classes, sexos, grupos profissionais, etc.,
nas nações ocidentais; mas não há, eu acredito, perigo em aplicar essa conclusão
geral a todos os casos de diferenciação estável entre grupos que estejam vivendo
em contato mútuo. Para mim é inconcebível que dois grupos diferentes possam
existir lado a lado em uma comunidade, sem algum tipo de relevância mútua entre
as características especiais de um grupo e as do outro. Tal ocorrência seria2Cf. M. Mead (Sexo e temperamento, New York, 1935), especialmente a terceira parte para uma análise da diferenciação dos sexosentre os Tchambuli; também ver G. Bateson (Naven, Cambridge, 1936) para uma análise da diferenciação dos sexos entre os adultos emIatmul, Nova Guiné.3Consideramos aqui apenas os casos em que a diferenciação etológica segue a dicotomia sexual. É também provável que, onde o ethosdos dois sexos não é marcadamente diferenciado, ainda assim seja correto dizer que o ethos de cada um promove o do outro, p.ex.,através de mecanismos como competição e mútua imitação. Cf. M. Mead (op. cit.).
contrária ao postulado de que a comunidade é uma entidade organizada. Nós
devemos, então, presumir que essa generalização se aplica a toda diferenciação
social estável.
Então, tudo o que sabemos sobre a mecânica de formação do caráter –
especialmente os processos de projeção, formação de reação, compensação, entre
outros –, força-nos a considerar esses padrões bipolares como unitários no
indivíduo. Se sabemos que um indivíduo é treinado na expressão explícita de uma
metade desses padrões, p. ex., no comportamento dominador, podemos prever com
certeza (ainda que não em uma linguagem precisa), que as sementes da outra
metade – submissão – estão simultaneamente semeadas em sua personalidade.
Temos de pensar no indivíduo, de fato, como treinado na dominação-submissão,
não em dominação ou submissão. Disso se segue que, onde estamos lidando com
diferenciação estável dentro de uma comunidade, somos legítimos ao atibuir um
caráter comum aos seus membros, desde que tomemos a precaução de descrever tal
caráter comum nos termos de temas das relações entre as seções diferenciadas da
comunidade.
O mesmo tipo de consideração irá nos orientar enquanto estivermos
lidando com nossa segunda crítica – os extremos da heterogeneidade, tal como
ocorrem nas comunidades de “mistura cultural”. Suponhamos que nos
arriscássemos a descrever todos os temas das relações entre indivíduos e grupos,
em uma comunidade como a cidade de Nova Iorque; se não terminarmos em um
hospício após o fim desse estudo, devemos chegar a um quadro de caráter comum
que seria quase infinitamente complexo – certamente contendo as mais finas
diferenciações, que a psique humana é incapaz de resolver por si só. Nesse ponto,
então, tanto nós quanto os indivíduos, os quais estamos estudando, somos
forçados a tomar um atalho: tratar a heterogeneidade como uma característica
positiva do ambiente comum, sui generis. Quando, com tal hipótese, começamos a
procurar por temas comuns de comportamento, notamos as tendências mais claras
em direção à glorificação da heterogeneidade por si só (como em “Baladas para
americanos” de Robinson Latouche), e em direção à consideração do mundo como
formado por uma infinidade de quiz-bits desconectados (como em “Acredite ou
não” de Ripley).
A terceira objeção, o caso do indivíduo desviante, cai no mesmo quadro
referencial que a da diferenciação de grupos estáveis. O menino que a educação
pública inglesa não consegue domar, mesmo que as raízes primeiras de seu desvio
tenham-se apoiado em algum incidente traumático “acidental”, está reagindo ao
sistema público de ensino. Os hábitos comportamentais que ele adquire podem não
seguir as normas que a escola pública pretende implantar, mas eles são adquiridos
em reação a essas próprias normas. Ele pode (e frequentemente o faz) adquirir
padrões exatamente opostos ao normal; mas, ele não pode concebivelmente
adquirir padrões irrelevantes. Ele pode se tornar um “mau” aluno do sistema
público de educação inglês, pode se tornar insano, mas ainda assim suas
características desviantes estarão sistematicamente relacionadas ao padrão de
caráter da escola pública, como o caráter dos nativos Iatmul de um sexo estão
relacionados ao caráter do outro sexo. Seu caráter é orientado pelos temas e
padrões das relações da sociedade em que ele vive.
O mesmo quadro referencial se aplica à quarta consideração, a que diz
respeito às comunidades em mudança, e o tipo de diferenciação que ocorre quando
uma seção da comunidade fica aquém da outra, em mudança. Já que a direção em
que uma mudança ocorre irá necessariamente ser condicionada pelo status quo
ante, os novos padrões, sendo reações ao antigo, estarão sistematicamente
relacionados ao antigo. Enquanto estivermos confinados aos termos e temas dessa
relação sistemática, estamos autorizados a esperar regularidade de caráter nos
indivíduos. Além disso, a expectativa e experiência da mudança podem, em alguns
casos, ser tão importantes a ponto de se tornarem um fator comum, sui generis4 de
determinação do caráter, do mesmo modo que a “heterogeneidade” pode ter efeitos
positivos.
Por último, devemos considerar os casos de deslocamento de fronteiras
nacionais, nossa quinta crítica. Aqui, é claro, não podemos esperar que a
assinatura de um diplomata em um tratado modifique imediatamente os caracteres
dos indivíduos cuja aliança nacional é, deste modo, transformada. Até pode
acontecer – por exemplo, em casos em que uma população nativa tradicional é
posta pela primeira vez em contato com os europeus – que, algum tempo após o
deslocamento, as duas partes de tal situação se comportem de uma maneira
exploratória, ou quase aleatória, cada uma retendo suas próprias normas e ainda
não desenvolvendo qualquer ajustamento especial à situação do contato. Durante
esse período, não deveríamos esperar ainda que qualquer generalização possa ser4 Para uma discussão do papel desempenhado pela “mudança” e “heterogeneidade” em comunidades de mistura cultural, cf. M.
Mead (“Efeitos educativos do ambiente social revelados por estudos de sociedades primitivas .” Artigo lido no Simpósio sobreAmbiente e Educação, Universidade de Chicago, 22 de Setembro, 1941). Também cf. F. Alexander (“Influência educativa dosfatores da personalidade no ambiente.” Artigo lido no Simpósio sobre Ambiente e Educação, Universidade de Chicago, 22 deSetembro, 1941).
aplicada a ambos os grupos. Contudo, muito em breve sabemos que cada lado de
fato desenvolve padrões especiais de comportamento a serem usados no contato
com o outro5. A esse ponto, torna-se significativo perguntar que termos
sistemáticos das relações irão descrever os caracteres comuns dos dois grupos; e a
partir disso, o grau da estrutura de caráter comum irá crescer até que os dois
grupos estejam relacionados um ao outro, assim como duas classes ou sexos em
uma sociedade estável e diferenciada6.
Em suma, àqueles que argumentam que as comunidades humanas mostram
diferenciações internas muito grandes ou contêm elementos aleatórios em tal
grande escala para que seja possível aplicar-lhes qualquer noção de caráter
comum, nossa resposta seria que, supomos que essa abordagem é útil (a) dado que
descrevemos o caráter comum em termos dos temas das relações entre grupos e
indivíduos dentro da comunidade, e (b) dado que permitimos que transcorra tempo
suficiente para que a comunidade alcance um grau de equilíbrio, ou para aceitar
tanto a heterogeneidade como a mudança, como características do ambiente social.
Diferenças Que Podemos Encontrar Entre Grupos Nacionais
O exame feito acima dos “homens de palha 7” no caso contra o “caráter
nacional” limitou rigorosamente o escopo desse conceito. Mas as conclusões desse
exame são, de toda forma, simplesmente negativas. Limitar o escopo de um
conceito é quase o sinônimo de defini-lo.
Acrescentamos uma ferramenta muito importante ao nosso material – a
técnica de descrição do caráter comum (ou o “fator mais comum” do caráter) de
indivíduos em uma comunidade humana, em termos de adjetivos bipolares. Em vez
de desesperar-nos frente ao fato de que as nações são altamente diferenciadas,
devemos tomar as dimensões dessa diferenciação como pistas que levam ao caráter
nacional. Não mais satisfeitos em dizer “alemães são submissos”, ou “ingleses são
esnobes”, deveríamos utilizar expressões como “dominantes-submissos” quando
5 Nos Mares do Sul, esses modos especiais de comportamento que os europeus adotam com relação aos povos nativos, e os modosde comportamento que os nativos adotam com relação aos europeus são muito óbvios. À parte as análises a partir das línguas“pidgin”, não dispomos, contudo, de dados psicológicos sobre esses padrões. Para uma descrição de padrões análogos em relaçõesnegros-brancos, cf. J. Dollard (Casta e Classe em uma Cidade do Sul, New Haven, 1937), especialmente o capítulo XII, Atitudesde Acomodação dos Negros.
6 Cf. G. Bateson, “Contato Cultural e Cismogênese”, Man, 1935, 8: 199. (Reimpresso nesse volume.)7 No original, “straw men”. Tal expressão é definida pelo dicionário Merriam-Webster como uma figura de retórica, em que o
argumento dá a impressão de opor-se ao argumento sustentado pelo adversário, enquanto na verdade apenas refuta um argumentoimaginário, isto é, que não foi o realmente oferecido pelo adversário. Dado que o argumento é fraco e fantasioso, é como umapilha de gravetos, ou um “homem feito de palha”. (N.T.)
relações desse tipo ocorrerem. Do mesmo modo, não devemos nos referir ao
“elemento paranoico no caráter alemão”, a não ser que possamos demonstrar que
por “paranoico” queremos nos referir a características bipolares de relações entre
alemães-alemães, ou alemães-estrangeiros. Não devemos descrever as variedades
de caráter pela definição de um caráter dado em termos de sua posição em um
continuum entre a dominação extrema e a submissão extrema, mas devemos, pelo
contrário, tentar usar em nossas descrições tal continuum como um “grau de
interesse em, ou orientação para, a dominação-submissão.”
Até agora, mencionamos apenas uma breve lista de características
bipolares: dominação-submissão, auxílio-dependência e espectadorismo-
exibicionismo. Uma crítica certamente se faz mais presente na mente do leitor: a
de que, em resumo, todas essas três características estão claramente presentes nas
culturas ocidentais. Antes que nosso método se mostre útil, portanto, devemos
tentar expandi-lo para que possa nos oferecer escopo e poder de discernimento
suficientes para que possamos diferenciar uma cultura ocidental da outra.
À medida que esse quadro conceitual se desenvolve, sem dúvida, muitas
expansões e discriminações posteriores serão introduzidas. O presente artigo irá
lidar apenas com três desses tipos de expansão.
Alternativas à Bipolaridade
Quando invocamos a bipolaridade como um recurso para lidar com a
diferenciação na sociedade, sem anteceder a ela alguma noção de estrutura de
caráter comum, consideramos apenas a possibilidade da diferenciação bipolar
simples. Certamente esse padrão é bem comum nas culturas ocidentais; tomemos,
por exemplo, republicanos-democratas, esquerda-direita na política, diferenciação
de sexos, Deus e o diabo, e por aí vai. Chega-se a tentar impôr um padrão binário
sobre fenômenos que não são duais por natureza – juventude versus maturidade,
trabalho versus capital, espírito versus matéria – mas, em geral, que carece de
dispositivos organizacionais para lidar com sistemas triangulares; a inserção de
qualquer “terceira” parte é sempre considerada, por exemplo, como uma ameaça à
nossa organização política. Essa clara tendência em direção aos sistemas duais não
deve, contudo, cegar-nos à ocorrência de outros padrões 8.
8 O sistema social balinês nas comunidades das montanhas é quase inteiramente devotado a esses dualismos. A diferenciaçãoetológica dos sexos é mais suave; facções políticas estão completamente ausentes. Nas planícies, há um dualismo que resultou doimportuno sistema de castas hindu, aqueles com casta sendo discriminados daqueles sem casta. A nível simbólico (em parte como
Há, por exemplo, uma tendência muito interessante nas comunidades
inglesas em direção à formação de sistemas ternários, como pais-babás-crianças,
rei-ministros-povo, oficiais-suboficiais-soldados rasos9. Enquanto os temas precisos das
relações nesses sistemas ternários ainda devem ser investigados, é importante notar que
esses sistemas, aos quais eu me refiro como “ternários”, não são nem “simples
hierarquias”, nem mesmo “triângulos”. Por uma pura hierarquia deveríamos pensar em um
sistema serial nos quais as relações cara-a-cara não ocorrem entre membros que estão
separados por um membro intermediário; em outras palavras, sistemas nos quais a única
comunicação entre A e C passa por B. Por um triângulo deveríamos pensar em um sistema
triplo sem propriedades seriais. O sistema ternário pais-babás-crianças, por outro lado, é
bem diferente de todas as outras formas. Ele contém elementos seriais, mas o contato cara-
a-cara de fato ocorre entre o primeiro e o terceiro membros. Essencialmente, a função do
membro intermediário é instruir e disciplinar o terceiro membro nas formas de
comportamento que ele deveria adotar no contato com o primeiro. A babá ensina a criança
a se comportar diante de seus pais, assim como o suboficial ensina e disciplina os soldados
rasos a se comportarem diante dos oficiais. Na terminologia psicanalítica, o processo de
introjeção é feito indiretamente, e não pelo impacto direto da personalidade paterna sobre
a criança10. Os contatos cara-a-cara entre o primeiro e o terceiro membros são, contudo,
muito importantes. Podemos nos referir, a esse respeito, ao ritual diário vital no exército
inglês, no qual o oficial do dia pergunta aos suboficiais e aos soldados rasos em reunião se
há alguma queixa a ser feita.
Certamente, qualquer discussão completa sobre o caráter inglês deve assumir a
existência tanto de padrões ternários como bipolares.
Temas Simétricos
Até então, temos considerado apenas o que chamamos de padrões das relações
“complementares”, nas quais os padrões de comportamento no extremo de uma relação
são diferentes de, mas se encaixam com, os padrões de comportamento do outro extremo
(dominação-submissão, etc.). Existe, contudo, toda uma categoria de comportamento
humano interpessoal que não se conforma a essa descrição. Em acréscimo aos padrões
resultado da influência hindu) os dualismos são muito mais frequentes, entretanto, do que são na estrutra social (p.ex. Nordeste vs.Sudeste, Deuses vs. demônios, Esquerda vs. Direita simbólico, Masculino vs. Feminino simbólio, etc.).
9 Uma quarta instância desse padrão triplo ocorre em algumas das grandes escolas públicas (como em Charterhouse), onde aautoridade é dividida entre os mais quietos e mais educados líderes intelectuais, e os mais violentos, barulhentos, líderes atléticos(capitães de futebol americano, etc.), que têm o dever de ver os “maricas” correndo quando os intelectuais chamam.
10 Para uma discussão geral das variantes culturais do complexo de Édipo e os sistemas relativos de sanções culturais, cf. M. Mead(“Mudança social e substitutos culturais”, publicado pela Associação Americana de Sociologia, 1940).
complementares contrastantes, temos de reconhecer a existência de uma série de padrões
simétricos, nos quais as pessoas respondem ao que os outros estão fazendo, fazendo algo
similar. Em particular, temos de considerar os padrões competitivos11, nos quais o
indivíduo ou o grupo A é estimulado a mais em qualquer tipo de comportamento, através
de uma maior percepção desse mesmo tipo de comportamento (ou um grande sucesso
nesse tipo de comportamento) no indivíduo ou grupo B.
Há um contraste muito profundo entre tais sistemas de comportamento
competitivos e os sistemas complementares do tipo dominação-submissão – um contraste
altamente significativo para qualquer discussão sobre o caráter nacional. No esforço
complementar, o estímulo que provoca maiores esforços em A é a fraqueza relativa em B;
se queremos submeter ou rebaixar A, devemos mostrar a ele que B é mais forte. De fato, a
estrutra de caráter complementar pode ser resumida pela expressão “valentão-covarde”,
implicando a combinação dessas características na personalidade. Os sistemas simétricos
competitivos, por outro lado, são quase precisamente o oposto funcional do complementar.
Aqui, o estímulo que evoca maior esforço em A é a visão de uma força maior em B; e,
inversamente, se demonstramos a A que B é, na verdade fraco, A irá afrouxar seus
esforços.
É provável que esses dois padrões contrastantes estejam também disponíveis
como potencialidades em todos os seres humanos; mas claramente, qualquer indivíduo a
se comportar de ambas as formas, de uma só vez, estará se arriscando à confusão interna e
ao conflito. Nos vários grupos nacionais, consequentemente, métodos diferentes para
resolver essa discrepância têm se desenvolvido. Na Inglaterra e na América, onde as
crianças e os adultos são sujeitados a uma barragem quase contínua de reprovação quando
quer que exibam os padrões complementares, eles inevitavelmente passam a aceitar a ética
do “jogo limpo”. Ao responderem aos desafios das dificuldades, eles não podem, sem
culpa, chutar os perdedores12. Para a moral inglesa, Dunquerque13 foi um estimulante, e
não um sedativo.
Na Alemanha, por outro lado, faltam aparentemente os mesmos clichês, e a
comunidade é principalmente organizada sob a base de uma hierarquia complementar em
11O termo “cooperação”, que é algumas vezes usado como o oposto de “competição”, cobre uma grande variedade de padrões, algunsdeles simétricos e outros complementares, alguns bipolares e outros em que os indivíduos em cooperação são orientados principalmentea algum objetivo, pessoal ou impessoal. Podemos esperar que algumas análises cuidadosas desses padrões ofereçam-nos umvocabulário para a descrição de outros tipos de características nacionais. Tal análise não pode ser alcançada nesse artigo.12É, contudo, possível que em certas seções dessas nações, padrões complementares ocorram com alguma frequência—particularlmenteentre grupos que sofreram prolongada insegurança e incerteza psicológicas, p.ex., minorias raciais, áreas desfavorecidas, bolsa devalores, círculos políticos, etc.13“Em 27 de maio de 1940, unidades da divisão das SS nazistas, cuja efígie era uma caveira, combatiam tropas inglesas a cerca de 80quilômetros do porto de Dunquerque, no norte francês, enquanto a força expedicionária britânica prosseguia em sua tentativadesesperada de evacuar a França, inscrita na história da Segunda Guerra Mundial como a Retirada de Dunquerque” (extraído de:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/4259/hoje+na+historia+1940+britanicos+efetuam+a+retirada+de+dunquerque.shtml).(N. T.)
termos de dominação-submissão. O comportamento dominante é clara e bruscamente
desenvolvido; ainda que o quadro não esteja perfeitamente claro e necessite de maiores
investigações. Ainda assim, a possibilidade de existência de uma pura hierarquia
dominação-submissão é duvidosa. Parece que no caso da Alemanha, a ponta “submissão”
do padrão é mascarada, de modo que o comportamento submisso explícito é quase um
tabu, como é na América ou na Inglaterra. No lugar de submissão, encontramos uma
espécie de impassividade marcial.
A alusão ao processo pelo qual o papel submisso é modificado e executado de
maneira tolerável chega a nós pelas entrevistas de um estudo recente sobre as histórias de
vida dos alemães14. Numa delas, um sujeito alemão descreve como foi diferente o
tratamento que ele, como garoto, recebeu num lar do sul da Alemanha, comparado àquele
que sua irmã recebeu. Ele declarou que muito mais era exigido dele; e que à sua irmã foi
permitido fugir da disciplina; que, enquanto sempre se esperava dele que batesse
continência e obedecesse com precisão, à sua irmã era permitido liberdade muito maior. O
entrevistador imediatamente começou a procurar por ciúme entre os irmãos, mas o sujeito
declarou que era uma grande honra para o garoto, ter de obedecer. “Não se espera muito
das garotas”, disse ele. “O que se esperaria que eles (os garotos) fizessem e conseguissem
era muito sério, porque eles tinham que ser preparados para a vida.” Uma inversão
interessante da noblesse oblige.
Combinações de Temas
Entre os temas complementares mencionamos apenas três – dominação-
submissão, espectadorismo-exibicionismo, e auxílio-dependência –, mas esses três serão
suficientes para ilustrar o tipo de hipóteses verificáveis a que podemos chegar através da
descrição do caráter nacional nessa terminologia hifenizada15.
À medida que todos esses três temas aparecem claramente nas culturas
ocidentais, as possibilidades de diferença internacional estão limitadas às proporções e
maneiras em que os temas são combinados. Provavelmente será muito difícil determinar
as proporções, exceto onde as diferenças forem muito grandes. Podemos ter certeza de que
os alemães são mais orientados à dominação-submissão que os americanos, mas
demonstrar essa certeza é difícil. Estimar as diferenças nos graus de desenvolvimento de
espectadorismo-exibicionismo ou auxílio-dependência nas várias nações será, de fato,
14 Cf. G. Bateson, pesquisa ainda não publicada realizada para o Conselho de Relações Humanas.15 Para um estudo mais completo, devemos levar em conta outros temas como aggressividade-passividade, posse-possuído, agente-
ferramenta, etc. E todos esses temas exigirão alguma definição crítica maior do que pode ser alcançada nesse artigo.
certamente bem impossível.
Se, contudo, considerarmos os modos possíveis como esses temas podem ser
combinados simultaneamente, encontramos diferenças qualitativas agudas, as quais são
passíveis de fácil verificação. Podemos assumir que todos esses três temas são
desenvolvidos em todas as relações nas culturas ocidentais, e a partir dessa assunção
podemos passar a considerar que indivíduo atua em qual papel.
É logicamente possível que em um ambiente cultural, A seja dominador e
exibicionista, enquanto B é submisso e espectador; enquanto numa outra cultura, X pode
ser dominador e espectador, enquanto Y é submisso e exibicionista.
Exemplos desse tipo de contraste vêm à mente com facilidade. Assim, podemos
perceber que enquanto os nazistas dominadores adornavam-se diante do povo, o czar da
Rússia mantinha seu balé particular, e Stálin emerge de seu isolamento apenas para rever
suas tropas. Poderíamos, talvez, apresentar a relação entre o Partido Nazista e o povo
assim:
Partido Povo
Dominação Submissão
Exibicionismo Espectadorismo
Enquanto o czar e seu balé seriam assim representados:
Czar Balé
Dominação Submissão
Espectadorismo Exibicionismo
À medida que esses exemplos europeus são comparativamente
incomprovados, é válido nesse momento demonstrar a ocorrência de tais
diferenças através da descrição de uma diferença etnográfica marcante que foi
documentada de modo mais completo. Na Europa, onde tendemos a associar o
comportamento de auxílio à superioridade social, construímos os símbolos de
nossos pais em conformidade a essa associação. Nosso Deus, ou nosso rei, é o
“pai” de seu povo. Em Bali, por outro lado, os deuses são “as crianças” do povo, e
quando um deus fala através da boca de uma pessoa em transe, ele se dirige a
quem quiser ouvi-lo como “pai”. Da mesma forma, o rajá é sajanganga (“mimado”
como uma criança) pelo seu povo. Os balineses, ainda gostam muito de colocar as
crianças nos papéis combinados de deus e dançarino; na mitologia, o príncipe
perfeito é educado e narcisista. Assim, o padrão balinês pode ser resumido da
seguinte forma:
Status Elevado Status Baixo
Dependência Auxílio
Exibicionismo Espectadorismo
E esse diagrama implicaria não apenas que os balineses valorizam a
dependência e o exibicionismo, que naturalmente andam juntos como status
superior, mas também que um balinês não irá combinar prontamente auxílio e
exibicionismo (isto é, Bali é completamente desprovida da oferta de dádivas
característica de muitos povos primitivos), ou ficará envergonhado caso seja
forçado pelo contexto a recorrer a tal combinação.
Apesar de os diagramas análogos para nossas culturas ocidentais não
poderem ser delineados com a mesma certeza, é válido atentar para eles no que diz
respeito à relação pais-filhos nas culturas inglesa, americana e alemã. Uma
complicação extra deve, contudo, ser encarada; quando olhamos para a relação pai-
filho em vez das relações entre o príncipe e seu povo, temos de fazer concessões
específicas para as mudanças no padrão que ocorrem à medida que a criança
cresce. Auxílio-dependência é indubitavelmente um tema dominante na primeira
infância, mas vários mecanismos posteriores modificam essa extrema dependência,
trazendo algum grau de independência psicológica.
O sistema de classe alta/média inglês seria representado
diagramaticamente assim:
Pais Filhos
Dominação Submissão (modificada pela babá do sistema “ternário”)
Auxílio Dependência (hábitos de dependência rompidos pela
separação – as crianças vão para a escola)
Exibicionismo Espectadorismo (as crianças ouvem silenciosamente
durante as refeições)
Em contraste com esse, o padrão americano parece ser:
Pais Filhos
Dominação (leve) Submissão (leve)
Auxílio Dependência
Espectadorismo Exibicionismo
E esse padrão difere do inglês não apenas pela inversão dos papéis
espectadorismo-exibicionismo, mas também no conteúdo do que é exibido. A
criança americana é encorajada por seus pais a demonstrar sua independência.
Usualmente, o processo psicológico de ablactação não é alcançado ao enviar a
criança para um colégio interno; em vez disso, o exibicionismo da criança é
praticado contra a sua independência, até que esta última seja neutralizada. Mais
tarde, a partir deste início de exposição da independência, o indivíduo pode, por
vezes, na vida adulta passar a manifestar “auxílio”, tornando-se tanto sua esposa
como a família, em algum grau, os “objetos em exposição”.
A despeito de o padrão alemão análogo provavelmente parecer-se com o
americano no arranjo dos papéis complementares emparelhados, certamente ele
difere do americano no fato de que a dominação do pai é muito mais forte e muito
mais consistente, e especialmente no que diz respeito à diferença do exibicionismo
do menino. Ele é, de fato, dominado em uma espécie de exibicionismo em bater
continência, que assume o lugar do comportamento submisso explícito. Assim,
enquanto no caráter americano o exibicionismo é encorajado pelos pais como um
método de ablactação psicológica, tanto a sua função como seu conteúdo são
inteiramente diferentes para os alemães.
Diferenças dessa ordem, que podem ser encontradas em todas as nações
europeias, são provavelmente a base de muitas de nossos comentários
internacionais, ingênuos e frequentemente descorteses. Eles podem, de fato, ser de
importância considerável na mecânica das relações internacionais, tanto quanto seu
entendimento pode dissipar algumas de nossas más compreensões. Aos olhos do
americano, o inglês muitas vezes pode parecer “arrogante”, enquanto aos olhos do
inglês, o americano parece ser “presunçoso”. Se pudéssemos demonstrar
precisamente o quanto de verdade e de distorsão está presente nessas impressões,
faríamos uma contribuição real à cooperação interaliada.
Nos termos do diagrama acima, a “arrogância” do inglês estaria ligada à
combinação de dominação e exibicionismo. Ao performar um papel (o pai no café
da manhã, o editor do jornal, o porta-voz político, o professor, ou o que seja), o
inglês assume que ele também está em um papel dominante – que ele pode decidir
a partir de padrões abstratos, vagos, que tipo de performance oferecer – e o
público pode “aceitar ou deixá-lo”. Ele vê sua própria arrogância como “natural”,
ou atenuada pela sua humildade diante dos padrões abstratos. Desavisado de que
seu comportamento poderia concebivelmente tornar-se comentário em meio ao
público, ele está, pelo contrário, ciente de que se comporta como o ator de um
papel, do modo como entende esse papel. Mas, o americano não o enxerga assim.
Para ele, o comportamento “arrogante” do inglês parece ser dirigido contra o
público, caso em que a invocação implícita de algum padrão abstrato aparece
apenas para acrescentar tons de insulto ao que já era tido como injúria.
Do mesmo modo, o comportamento que o inglês interpreta como
“presunçoso” no americano, não é agressivo, apesar de o inglês poder se sentir
sujeitado a uma espécie de comparação hostil. Ele não sabe que, na verdade, os
americanos apenas se comportam dessa forma diante de pessoas que respeitam, e
de quem gostam. De acordo com a hipótese acima, o padrão “presunçoso” é
resultado de uma ligação curiosa em que a exibição de auto-suficiência e
independência é reproduzida contra a superdependência. O americano, quando se
gaba, está buscando a aprovação de sua honrada independência; mas, o ingênuo
inglês interpreta esse comportamento como uma tentativa de dominação ou de
superioridade.
Desse modo, podemos supor que todo o sabor de uma cultura nacional
pode diferir do de uma outra, e que tais diferenças podem ser consideradas
suficientes para levar-nos a sérios desentendimentos. É provável, contudo, que
essas diferenças não sejam tão complexas em sua natureza a ponto de estarem fora
do alcance da investigação. Hipóteses do tipo que temos proposto podem ser
facilmente testadas, e pesquisas nessas linhas são urgentemente necessárias.
Caráter Nacional e Moral Americanas
Utlizando os temas das relações interpessoais e intergrupais como nossas pistas
para o caráter nacional, temos sido capazes de indicar certas ordens de diferenças
regulares que podemos esperar encontrar entre os povos que compartilham a nossa
civilização ocidental. Pela necessidade, nossas declarações têm sido mais teóricas que
empíricas; ainda assim, a partir da estrutra teórica que construímos, é possível extrair
algumas fórmulas que podem ser úteis à elaboração da moral.
Todas essas fórmulas se baseiam na assunção geral de que as pessoas respondem
mais energicamente quando o contexto é estrutrado para recorrer aos seus padrões
habituais de reação. Não faz sentido encorajar um burro a subir a colina oferendo-lhe
carne, assim como um leão não reagiria se lhe ofertassem grama.
(1) Já que todas as nações ocidentais tendem a pensar e se comportar em termos
bipolares, faremos bem, se na construção da moral americana, considerarmos todos os
nossos inimigos como uma entidade única e hostil. As distinções e gradações que os
intelectuais podem preferir são motivos de preocupação.
(2) Já que tanto os americanos como os ingleses respondem mais energicamente
aos estímulos simétricos, seremos muito imprudentes se suavizarmos os desastres da
guerra. Se os nossos inimigos nos derrotam em algum ponto, esse fato será usado como
um máximo desafio e um estímulo para novos esforços. Quando nossas forças tiverem
sofrido algum reverso, nossos jornais não deveriam se apressar para nos dizer que
“verificaram-se avanços inimigos”. O progresso militar é sempre intermitente, e o
momento de atacar, o momento em que se exige a máxima moral ocorre quando o inimigo
está consolidando sua posição e preparando o próximo golpe. Nesse momento, não faz
sentido reduzir a energia agressiva de nossos líderes através de uma garantia presunçosa.
(3) Existe, contudo, uma discrepância superficial entre o hábito da motivação
simétrica e a necessidade de demonstrar auto-suficiência. Nós sugerimos que os meninos
americanos aprendem a se manter firme nessas ocasiões na infância, enquanto seus pais
são espectadores que aprovam a sua auto-suficiência. Se esse diagnóstico está correto, se
segue que uma certa auto-apreciação é normal e saudável entre os americanos, e talvez
seja um ingrediente essencial da independência e força americanas.
Um entendimento demasiado literal da fórmula acima, portanto, aliado a uma
grande insistência nos desastres e dificuldades, pode levar a alguma perda de energia
através da contenção desta exuberância espontânea. Uma dieta mais concentrada em
“sangue, suor e lágrimas” pode ser boa para os ingleses; mas os americanos, enquanto
também dependentes da motivação simétrica, não podem saborear seu mingau sem que
sejam alimentados com nada, que não o desastre. Nossos porta-vozes públicos e editores
de jornais nunca deveriam suavizar o fato de que temos um trabalho formidável para o
homem em nossas mãos, mas eles farão bem ao insistir também no fato de que a América
é uma nação formidável para o homem. Qualquer tipo de tentativa de tranquilizar os
americanos, minimizando a força do inimigo deve ser evitada, mas um orgulho franco a
respeito do verdadeiro sucesso é positivo.
(4) Visto que a nossa visão da paz é um fator em nossa moral propensa a fazer a
guerra, vale a pena perguntar ao mesmo tempo que luz o estudo das diferenças nacionais
pode lançar sobre os problemas da paz.
Temos de elaborar um tratado de paz (a) de tal forma que americanos e ingleses
irão lutar para alcançá-lo, e (b) de tal forma que ele possa trazer à tona as melhores, ao
invés das piores, características de nossos inimigos. Se o abordarmos cientificamente, tal
problema não está de forma alguma, além de nossas habilidades.
O obstáculo psicológico mais conspícuo a ser negociado, ao imaginar tal tratado de
paz, é o contraste entre os padrões simétricos americano e inglês, e o padrão
complementar alemão, com o seu tabu quanto ao comportamento submisso explícito. As
nações aliadas não são psicologicamente equipadas para fazer valer um tratado cruel; eles
podem até elaborá-lo, mas em seis meses estariam cansados de manter o perdedor em uma
posição submissa. Os alemães, por outro lado, caso se percebam em um papel “submisso”,
não ficaram por baixo sem um tratamento severo. Vimos que tais considerações se
aplicaram até aos tratamentos punitivos suaves, como foi exigido em Versalhes; os aliados
omissos para aplicá-lo, enquanto os alemães recusaram-se a aceitá-lo. É inútil portanto
sonhar com tal tratado, e mais do que inútil é repetir esses sonhos como um modo de
elevar nossa moral, quando estamos furiosos com a Alemanha. Fazer isso apenas
eclipsaria as questões do acordo final.
Essa incompatibilidade entre a motivação nos padrões simétrico e complementar
significa, de fato, que o tratado não pode ser organizado em torno de meros temas como
dominação-submissão; assim, somos forçados a procurar por soluções alternativas.
Devemos examinar, por exemplo, o tema exibicionismo-espectadorismo – que digno papel
serve melhor à atuação de cada uma das nações? –, e também o auxílio-dependência – no
esfaimado mundo do pós-guerra, quais os padrões motivacionais que devemos evocar
entre aqueles que ofertam e aqueles que recebem a comida? E, como alternativa a essas
soluções, temos a possibilidade de uma estrutra tríplice, dentro da qual tanto os aliados
como a Alemanha se submeteriam, não uns aos outros, mas a algum princípio abstrato.