lívia alves dos santos macedo, usp/são paulo; ufpb/paraíba. · 2020-03-15 · como no trabalho...

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1 Caminhos cruzados: Etnografia do povo cigano na umbanda 1 Lívia Alves dos Santos Macedo, USP/São Paulo; UFPB/Paraíba. Resumo: Entre palavras e imagens se formam muitas etnografias, como a que foi construída durante a pesquisa “Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda” e revisitada diante o encontro com a antropologia visual. A pesquisa faz um breve levantamento bibliográfico sobre a antropologia visual, dialogando com a Etnopsicologia. Campo ousado e inovador, que trabalha sobre processos de subjetividade e cultura, como a linha de ciganos na umbanda. O objetivo foi evidenciar a contribuição da fotografia durante o trabalho de campo, dando diferentes perspectivas às imagens e relatos das entidades ciganas, entrevistadas e fotografadas abertamente nas festas rituais deste povo, no terreiro Pai Benedito. A análise de dados foi feita a partir da confluência e da identificação dos pontos entre a antropologia visual e da caracterização do povo cigano na umbanda recapitulada nesta pesquisa. Nota-se que a fotografia é uma ferramenta que tem a potencialidade de representação, de problematizar o olhar sobre as relações transculturais, realçando o grupo social. Ela executa um poder „atemporal‟, envolve o imediatismo e o congelamento da cena efêmera, sendo belo e poético. Com potências assimétricas a serem exploradas, a imagem circula em distintos âmbitos, inclusive no campo científico, podendo carregar emoção e intelectualidade, ao mesmo tempo. Nesta pesquisa, as fotografias feitas para „fins científicos‟, deixaram registrado a existência da linha dos ciganos nos cultos umbandistas, que por sua vez, pede que o fiel se implique em suas próprias escolhas, convidando-os a uma formulação clara do seu querer. Além de „performáticas‟ e falarem „espontaneamente por si‟, auxiliaram na elaboração de uma análise substancial ao pensamento teórico. Palavras-chave: etnopsicologia, umbanda, linha de ciganos, fotografia. _____________________________________________________________________________________ Este artigo busca, primeiramente, situar o leitor sobre a história e método da antropologia visual fotográfica; serão trabalhados diversos autores, como Mead e Bateson (1942), Malinowski (1967), Samain (1995 e 2004), Edwards (2016), Ribeiro (2004). Será exemplificado também, por meio de fotografias, tiradas por mim e pela pesquisadora e fotógrafa Raquel Rotta da pesquisa “Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda” realizada por mim na graduação de Psicologia, na USP Ribeirão Preto (SP), sobre a linha de ciganos nos terreiros de umbanda em 2014. Ambas fotografas pertenciam ao laboratório de Etnopsicologia do Departamento de Psicologia da USP Ribeirão Preto na época. Além de explorar alguns conceitos da antropologia visual, este trabalho dialoga com a Etnopsicologia2, trabalha com processos de subjetividade e cultura, área que tange a psicologia e antropologia. A etnopsicologia, assim como a antropologia usa a imagem como recurso para complementar a etnografia, refletindo diretamente na análise da pesquisa. Por fim, será feita uma discussão da relação destes campos de pesquisa e a interdisciplinaridade da antropologia visual. Vale ressaltar que este trabalho possui diálogo rico e direto com o campo da etnopsicologia, já que foi por meio deste laboratório que a etnografia da pesquisa 1 “Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembr o de 2018, Belém/PA 2 Para mais informações: http://sites.usp.br/etnopsicologia/. Será brevemente explicado no item a seguir.

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Caminhos cruzados: Etnografia do povo cigano na umbanda1

Lívia Alves dos Santos Macedo, USP/São Paulo; UFPB/Paraíba.

Resumo: Entre palavras e imagens se formam muitas etnografias, como a que foi construída durante a

pesquisa “Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda” e revisitada diante o

encontro com a antropologia visual. A pesquisa faz um breve levantamento bibliográfico sobre a

antropologia visual, dialogando com a Etnopsicologia. Campo ousado e inovador, que trabalha sobre

processos de subjetividade e cultura, como a linha de ciganos na umbanda. O objetivo foi evidenciar a

contribuição da fotografia durante o trabalho de campo, dando diferentes perspectivas às imagens e

relatos das entidades ciganas, entrevistadas e fotografadas abertamente nas festas rituais deste povo, no

terreiro Pai Benedito. A análise de dados foi feita a partir da confluência e da identificação dos pontos

entre a antropologia visual e da caracterização do povo cigano na umbanda recapitulada nesta pesquisa.

Nota-se que a fotografia é uma ferramenta que tem a potencialidade de representação, de problematizar o

olhar sobre as relações transculturais, realçando o grupo social. Ela executa um poder „atemporal‟,

envolve o imediatismo e o congelamento da cena efêmera, sendo belo e poético. Com potências

assimétricas a serem exploradas, a imagem circula em distintos âmbitos, inclusive no campo científico,

podendo carregar emoção e intelectualidade, ao mesmo tempo. Nesta pesquisa, as fotografias feitas para

„fins científicos‟, deixaram registrado a existência da linha dos ciganos nos cultos umbandistas, que por

sua vez, pede que o fiel se implique em suas próprias escolhas, convidando-os a uma formulação clara do

seu querer. Além de „performáticas‟ e falarem „espontaneamente por si‟, auxiliaram na elaboração de uma

análise substancial ao pensamento teórico.

Palavras-chave: etnopsicologia, umbanda, linha de ciganos, fotografia.

_____________________________________________________________________________________

Este artigo busca, primeiramente, situar o leitor sobre a história e método da

antropologia visual fotográfica; serão trabalhados diversos autores, como Mead e

Bateson (1942), Malinowski (1967), Samain (1995 e 2004), Edwards (2016), Ribeiro

(2004). Será exemplificado também, por meio de fotografias, tiradas por mim e pela

pesquisadora e fotógrafa Raquel Rotta da pesquisa “Estradas sem fim: a linha do

Oriente e o povo cigano na umbanda” realizada por mim na graduação de Psicologia, na

USP Ribeirão Preto (SP), sobre a linha de ciganos nos terreiros de umbanda em 2014.

Ambas fotografas pertenciam ao laboratório de Etnopsicologia do Departamento de

Psicologia da USP Ribeirão Preto na época. Além de explorar alguns conceitos da

antropologia visual, este trabalho dialoga com a Etnopsicologia2, trabalha

com processos de subjetividade e cultura, área que tange a psicologia e antropologia. A

etnopsicologia, assim como a antropologia usa a imagem como recurso para

complementar a etnografia, refletindo diretamente na análise da pesquisa. Por fim, será

feita uma discussão da relação destes campos de pesquisa e a interdisciplinaridade da

antropologia visual.

Vale ressaltar que este trabalho possui diálogo rico e direto com o campo da

etnopsicologia, já que foi por meio deste laboratório que a etnografia da pesquisa

1 “Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA

2 Para mais informações: http://sites.usp.br/etnopsicologia/. Será brevemente explicado no item a seguir.

2

“Estradas sem fim: linha do oriente e o povo cigano na umbanda” foi realizada, sendo a

fotografia uma das ferramentas exploradas. Além disso, não visa aprofundar ou refazer

a análise das fotografias ou dos resultados já obtidos, apenas evidenciar sua

contribuição delas para a escrita, na etnografia construída e no campo diversificado da

antropologia visual.

Sobre a história e método da antropologia visual fotográfica:

A imagem na antropologia e na área de humanas, em geral, ainda parece mostrar

um campo em exploração e definição. Muitas vezes, a uso dela está associado como

uma forma analítica para complementar o texto escrito, que por sua vez, são

indispensáveis para a realização de qualquer pesquisa no campo acadêmico. Para este

trabalho a utilização da fotografia não será diferente.

José Ribeiro (2004) em seu livro “Antropologia Visual: Da minúcia do olhar ao

olhar distanciado” traz uma reflexão sobre a evolução da antropologia, diferenciando

em três momentos: o primeiro, na segunda metade do século XIX, se deu com a criação

a fotografia e do cinema juntos também com o nascimento da antropologia, marcado

pela funcionalidade de documentar, isto é, registrar algo da realidade que seja

„observável e verificável‟ (p. 8); o segundo momento, durante a década de 20, com

Flaherty, Malinowski, Dziga Vertov que trabalham com metodologias semelhantes que

envolvem a imagem na antropologia e de experiências vividas no plano social e político

também; e por fim, os anos 60, com a presença do cineasta inovador e antropólogo Jean

Rouch que mesclou o „exótico‟ com o cotidiano, e a publicação de Claudine France.

Enfim, nota-se uma época em que houveram mudanças radicais na antropologia e no

cinema.

Edwards (2016) fortalece a “(...)história da fotografia na prática antropológica,

interpretando- a enquanto uma série de interações transculturais, agências,

engajamentos e potenciais de evidência”. (p.153); em sua obra ela relembra de autores

importantes no campo antropológico, como Malinowski, Mead e Bateson, que

sustentaram suas pesquisas em fotografias também.

Em primeiro momento, Edwards lembra que as fotografias têm sido usadas em

direção ao realismo e aos valores de „verdade‟, dialogando também com Ribeiro (2004).

Sendo que tais ideias estão, diretamente, associadas ao campo de evidências, integridade

3

cultural, observação e verdade. A partir desta perspectiva, a inserção da fotografia em

diversos campos da ciência, como na etnopsicologia.

Num segundo momento, a fotografia está associada ao passado, da importância

de estar registrado e ser objeto de exploração do conhecimento antropológico. Vista por

este ângulo, reforço a importância também o uso da imagem em outros campos de

conhecimento e interdisciplinar.

Na história da antropologia, em 1936 até 1939, Mead e Bateson, se uniram para

fazer uma pesquisa em Bali, para analisar o comportamento dos indivíduos pertencentes

a aldeia Bajoeng Gede e seus arredores. Esta imersão etnográfica resultou no livro

“Balinese Character: A Photographic analysis,” (1942). Esta obra tem relevância na área

da antropologia visual, pois criou acesso para sua formalização; já que os autores

defendem o uso da imagem, como documento „irrefutável‟ para análise aprofundada do

estudo do caráter balinês; através da observação de ações, gestos, olhares e movimentos

que não são vistos na escrita. Ou como relata Samain (1995):

“(...) que Margaret Mead, dessa maneira, pressentia e intuía na época, é que chegava o momento

onde não bastaria “falar e discursar” em torno do homem, apenas “descrevendo-o”. Haver-se-ía

de “mostrá-lo”, “expô-lo”, “torná-lo visível” para melhor conhecê-lo, sendo a objetividade de

tal empreendimento não mais ameaçada pelo “visor” da câmara do que pelo “caderno de

campo” do antropólogo.” (p. 25)

Samain (1995) argumenta da importância e aproximação do antropólogo e do

fotógrafo, considerando que ambos tentam através da imagem e do ato fotográfico o

dizer e fazer. E José Ribeiro (2005) fortalece em sua obra, reflexiva e teórica, a análise

dos sistemas visuais e as metodologias discursivas, relacionando-se com os processos

sociais e políticos da época.

Lembrando também que Malinowski, em 1914, desembarca em Nova Guiné

para realizar sua pesquisa com seu equipamento., mesmo que o pesquisador relate que

não tenha proximidade para manusear a câmera fotográfica, não abandonou as

fotografias, que inclusive corroboraram com sua etnografia. Ou seja, além de estar

relacionada com a construção do vínculo entre ele e os nativos, também serviu para

análise do trabalho. Como relata o próprio autor em seu Diário (1967):

“ Vou na aldeia com a esperança de fotografar várias fases do bara [dança]. Distribuo meias

barras de fumo, e olho algumas danças; depois, começo a fotografar – com péssimos resultados.

Falta de luz para instantâneos; mais ainda: eles se recusam em manter a pose o tempo suficiente

para que eu possa tomar os clichês(p.80)” “(...) Carrego as câmaras […] Em Kaaulaka, olho um

pouco em torno de mim, anotando as coisas a serem fotografadas” (p. 251)

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E Samain (1995) reforça:

“(...) fica patente que, para Malinowski, o verbal e o pictórico (desenhos, esquemas e

fotografias) são cúmplices necessários para a elaboração de uma antropologia descritiva

aprofundada. Tal osmose é capital para ele. O texto não basta por si só. A fotografia, também

não. Acoplados, inter-relacionados constantemente, então sim, ambos proporcionarão o sentido

e a significação.” (p.33)

A imagem, muitas, vezes, fala por si, não está inscrita no olhar automático. Mas

não podemos negar de como a fotografia dá, certa, autoridade na comprovação da

etnografia e do campo observado. Como no trabalho de Margaret Mead e Gregory

Bateson, que apesar de muitas das fotografias terem sido posadas e ser motivo de

discussões, discordâncias, ainda sim, são reconhecidos enquanto antropólogos

importantes.

Além de Malinowski, Evans Pritchard, em sua etnografia, “Bruxaria, oráculos e

magia entre os Azande (1937) fez igualmente o uso de fotografias, mesmo que este

carregue uma „marca‟ visual própria.

Estas etnografias comprovam que é possível para análise do trabalho de campo,

considerar tanto o diário de campo, teorias como as fotografias, sendo estas, legendadas.

Como cita Edwards (2016) “(...) os valores dominantes de tradução imediata da visão e

da experiência moldaram tanto a metodologia fotográfica quanto a análise

subsequente” (p.157). Apesar das fotos tiradas no terreiro não terem sido encenadas,

elas me auxiliaram e foram fundamentais para a análise da pesquisa.

Ainda assim, Ribeiro (2005) traz uma discussão rica sobre a imagem.

Desenvolve e reforça em sua obra que as imagens constituem excelentes instrumentos

de trabalho e de investigação em ciências sociais, “na compreensão das atividades

humana e dos processos de relações sociais e com a natureza, além da educação e

formação” (p.183).

Ribeiro (2004) inova dialogando com Geerts sobre descrição densa, isto é,

„aquilo‟ que não é dito é resgatado através do observável. Segundo Ribeiro, o aspecto

visual está assim relacionado com as diferentes formas de reprodução do “ver” (p.12),

veiculando inclusive “aos diferentes gêneros que podem utilizar as mesmas linguagens

ou inventar novas” (p.12)

Mesmo depois de várias décadas, Ribeiro (2005) aponta que, ainda hoje, a

imagem é pouco creditada em meios científicos, o que resiste é o modelo pedagógico

5

tradicional da escrita e da valorização extrema do modo, eurocêntrico, clássico

científico de se fazer pesquisa e trabalhos acadêmicos.

Neste sentido, a antropologia visual surge a partir de uma demanda e da „falha‟

que a escrita possui; já que não oferece ao leitor/pesquisador vários sentidos que

perpassam sob olhar. Ao mesmo tempo, torna-se uma ferramenta de grande valor para a

compreensão do texto.

Brevemente sobre etnopsicologia e da pesquisa “Estradas sem fim: linha do oriente e o

povo cigano na umbanda”3:

O trabalho de conclusão de curso foi realizado junto ao grupo de pesquisa em

Etnopsicologia, que trabalha sobre processos de subjetividade e cultura do

Departamento de Psicologia – FFCLRP, sob orientação do Prof. Miguel Bairrão. A

etnopsicologia é um campo ousado e inovador, surge do encontro da antropologia com a

psicologia. A forma de trabalhar do laboratório se dá através de pesquisa de campo, que

por sua vez, conta com fotos e vídeos arquivadas no banco de dados do Laboratório de

Etnopsicologia, podendo ser (re)visitas para complementar ou dar seguimento a novas

pesquisas. Além do diário de campo.

Neste sentido, o objetivo da pesquisa foi caracterizar a representação dos

ciganos no panteão umbandista, sendo o método utilizado foi o etnográfico (pesquisa de

campo em terreiros e consulta a entrevistas e registros audiovisuais de festas rituais de

espíritos ciganos arquivadas no banco de dados do Laboratório de Etnopsicologia) e

pesquisa bibliográfica referente à etnia cigana. Participaram seis guias espirituais da

linha de ciganos (ou seja, seis médiuns em estado alterado de consciência- em estado de

“transe”), sendo cinco guias ciganas e um cigano por meio de entrevistas abertas em

cultos umbandistas. Dentre os quais estão: Lola, Marguerita, Lagartira e outros três que

não se identificaram por nomes. Participaram do estudo também Cleuza (médim do

terreiro Tenda de Umbanda Soldados da Mata-TUSMA); Joana e Meire (dirigentes do

terreiro Pai Benedito) e Orestes (médium do terreiro Pai Benedito). Os locais das

entrevistas dos guias ciganos foram durante a festa ritual nos terreiros Tenda de

Umbanda Soldados da Mata e Tenda do Cacique Vermelha em São Paulo; e terreiro Pai

Benedito em Jardinópolis (S.P.).

3 Para mais informações sobre a pesquisa, buscar a referência colocado na bibliografia. Acessível em

https://pt.slideshare.net/cbusa/estrada-sem-fimlivia-alvesdossantos

6

As entrevistas foram realizadas e gravadas após o esclarecimento aos

colaboradores sobre o estudo mediante a apresentação de Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido. A análise de dados foi feita a partir da identificação dos pontos de

convergência, isto é, dos elementos que se repetiram do material audiovisual, narrativas

transcritas e no diário de campo. Em seguida foi feito uma comparação com o que a

literatura refere relativamente a outras categorias de espíritos, buscando encontrar as

especificidades da representação do cigano na umbanda. Com base neste levantamento,

estabeleceram-se tópicos no intuito de identificar sentidos explícita ou implicitamente

associados regularmente a esse povo, que fornecessem pistas a respeito do papel da

representação cigana neste imaginário. Dentre eles encontraram-se as sete linhas e a

linha do oriente; autonomia e o pertencer ao grupo; relação de troca e a valorização de

bens materiais; amor; liberdade; verdade; caminhos; cores vivas; festa; ouro; técnicas

divinatórias; querer e mistério. Concluiu-se que a linha dos ciganos, aparentemente, não

acrescenta novos sentidos à umbanda. Diferentemente dos demais grupos

marginalizados existentes no panteão umbandista, ela reorienta significados já presentes

no culto, numa perspectiva de futuro. Os espíritos ciganos interpelam os seus fiéis

convidando-os a uma formulação clara do seu querer. Ao requerer que a pessoa se

implique em suas próprias escolhas, o culto aos ciganos na umbanda também contraria a

posição subjetiva de vítima do destino. A relação com o porvir permite também certo

devaneio, favorece o otimismo com o amanhã e alivia angústias e sofrimentos com o

presente.

O encontro: sobre imagem, fotografia e ciganos...

“O futuro é nossa vontade se realizando, o futuro que eu vejo pode não ser o que ela vê”.

Cigana Marguerita, Tenda de Umbanda Soldados da Mata, SP.(TUSMA)

C

om o

enriq

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ment

o do

cine

Figura 1 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP), maio/2013

7

ma, e a substituição da pintura pela fotografia, ocorre uma ampliação da percepção ótica

e poética, o que influenciou e promoveu a penetração mutua entre arte e ciência.

Colocar as imagens apenas na instância antropológica pode limitar o uso delas,

ao mesmo tempo que não utiliza seu potencial todo. Assim Edwards (2016) aponta que

elas podem ser usadas em outras áreas de conhecimento.

“A natureza mecânica e indicial das fotografias, enquanto inscrições aparentemente não

mediadas, fez com que elas se tornassem centrais para o estabelecimento e articulação do

método objetivo e do desejo de objetividade por uma ampla gama de disciplina” (p.155)

Ribeiro (2004) associa a natureza da imagem com representações que podem ser

mentais, estarem ligado ao pensamento ou externamente. Ou seja, diferenciando- se

entre dois processos, que ele chama de intra subjetivos de pensamento e memória; e

intersubjetivos por meio das modificações dos ambientes comum. Logo, percebe-se que

existe um número infinito de imagens ao nosso redor.

A fotografia é uma categoria de „imagem fixa e animada, signo, prática,

dispositivo, médium‟ (Ribeiro, 2004, p.23), capaz de congelar diversos simbologias e

corpos em performance4.

A figura 1, 2 e 3 trazem diversos

elementos que tangem a festa da linha dos

ciganos no terreiro de Jardinópolis. Dentre

aqueles que se destacam encontra-se a taça,

o vestido vermelho, a vela branca e

amarela, a toalha dourada, as pulseiras

brilhantes. Símbolos que foram trabalhados

durante a análise da pesquisa. E que foram

categorizados nas cores vivas, festa e ouro.

4 As performances artísticas revelam identidades, reorientam o tempo, modulam e recompõem o corpo, ressignificando histórias e

vivências. Tais intervenções, nada mais são, que comportamentos restaurados e/ou duas vezes experienciados seja na vida cotidiana,

na cura, nos ritos, em ações, e nas artes; que acontece enquanto ação, interação e relação. (Schechner, 2006).

Figura 2 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis

(SP), maio/2013.

Cigana A*:“Gosto muito de dançar, de vermelho, dourado (...))

gosto também de muita jóia, muita pulseira, brinco, muito

ouro””

8

Claro que para esta análise, foram consideradas também as narrativas que coincidem

com tais elementos, como:

Cores vivas: representam muita cor nos rituais, traz o simbolismo do sol e da

intensidade. Visto também nas roupas das ciganas e utensílios. Como lembra a Cigana

Lola: “(...) assim pedimos ao fogo que ilumine novas paixões, que ilumine todos os

inimigos, para que ele nunca mais nos atrapalhe, para que nunca mais nos queira mal.

Que fiquem com

a força do

fogo...” (Terreiro

Cacique Pele

Vermelha, SP).

Festa: A música

é algo sempre

presente nesta

festa também, o

viver o „aqui e

agora‟ é valorizado. Além da alegria. A cigana Marguerita relatou durante a festa do

terreiro Tenda de Umbanda Soldados da Mata (TUSMA): “Os ciganos vivem em festa,

eu gosto de tocar castanholas. Tem ciganos que tocam pandeiro, outros violinos. Cada

cigano gosta do seu instrumento... não é? E quando nós nos reunimos, fazemos uma

grande festa. Gostamos muito de comer, de dançar de festejar”

Ouro: Existe nitidamente fartura nas festas ciganas, os médiuns usam joias, as mesas

enfeitadas, todos os fiéis comem e bebem a vontade. O ouro por si só brilha, não precisa

de outros elementos para brilhar. A cigana Marguerita fortalece: “Eu gosto do meu

cigarro, do meu baralho e do meu brilho”

Figura 3: Mesa de comida da

Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito,

Jardinópolis (SP),

maio/2014

Figura 4 Dona Joana e sua irmã Meire, incorporada na cigana. Terreiro Pai Benedito, Festa de ciganos. Maio/2013.

Cigana Dulce: “Vamos trazer para terra, coisas que são tão corriqueiras na vida de vocês, e que passam despercebidas, para nós que não tivemos o direito de ter escolhas foi sofrido. Eu tenho o livre arbítrio, nós

tivemos o livre arbítrio de fazer escolhas, depois das

escolhas. Para que percebam que a felicidade está diante de vocês, e que nós não podemos colocar para vocês, você tem que entender isso. Trabalhamos para isso, para que as nossas frustações não sejam a de vocês também.”

9

(TUSMA).

Ademais

Ribeiro considera

a fotografia em

três dimensões,

que são elas:

como dispositivo

e ato fotográfico;

como imagem

fotográfica

(semelhança com

o real) e por fim

como uso 4

processo social

Figura 5 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP), maio/2014.

“O cigano tem em sua grande maioria uma essência de frustação. Porque no seu traçar

de caminhos, não pude seguir um caminho de escolhas, porque as escolhas foram

predestinadas, são feitas por ti antes de ti. A frustação do amor é uma grande barreira,

uma pedra que carregamos nas costas, todos nós, vivemos um amor escondido ao lado

de alguém que não amávamos” – Cigana Dulce

10

. Na primeira

dimensão, a

fotografia

transmite

informações

com

aconteciment

o real, num

tempo

determinado,

constituindo

assim prova de

existência do

ocorrido, como

visto das figuras

4, 5 e 6. Além

de constituir

prova de existência de diversos signos, que Peirce chamou de índice (apud Ribeiro,

2004), englobando conceitos de singularidade (que aconteceu em um tempo

determinado), designação (traço demonstrativo e sintético que aponta uma situação de

referencial determinado) e testemunho (certifica, ratifica e autentica).

Já a figura 8,

carregado de diversos

símbolos da linha de

Ciganos na Umbanda.

Despertando curiosa para

quem o leigo,

evidenciando o mistério

que a umbanda apresenta

enquanto religião afro-

brasileira.

Considero a

existência do diálogo com Figura 8 Altar do Terreiro Pai Benedito, Festa Ciganos, maio/2013. As sete linhas carregam características da ancestralidade brasileira. Os guias ciganos entram na linha do oriente

que não são das sete linhas. É uma linha a parte.

Figura 6 Convidada da festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP), maio/2013

Figura 7 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP), maio/2013

11

a fotografia como forma de dar certa orientação às imagens e as narrativas dentro do

universo científico; formas de articulação e de construção entre diversas imagens,

palavras e grupos.

No segundo âmbito, Ribeiro (2004) atribui para fotografia a questão do símbolo,

como sendo simultaneamente „motivado e construído‟; ou seja, inferindo ao sentido da

própria coisa e não apenas por alguma convenção. O que permite o reconhecimento do

mesmo em culturas em que os „estereótipos não estão implantados‟ (p.30) e pode ser, ao

mesmo tempo, ambíguo e bivalente. Como figura 7 e 9.

E por fim, a terceira dimensão da fotografia explorado por Ribeiro consiste no

sistema de escolha que precede o ato fotográfico, ou seja, a intenção de fotografas,

escolha do tema, qual câmera usou e depois o tratamento das fotos. Enfim, neste caso,

todas as fotos apresentadas

neste ensaio foram feitas

livremente, por mim e por

Raquel Rotta (etnopsicóloga

e fotógrafa), durante a festa

dos Ciganos em maio de

2013 no Terreiro de Pai

Benedito, no munícipio de

Jardinópolis (SP). Sem

objetivos concretos, tendo

em vista que na época o uso

de fotografias era feito por nós, por termos prazer nesta arte. No entanto, coincidiu que

o laboratório de etnopsicologia considera tais imagens corroboram com a análise.

Figura 9 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis. Maio/2013.

12

Assim, nota-se que, a fotografia apresenta várias perspectivas, tornando-se uma

ferramenta útil do real; bem como na identificação do mundo subjetivo, através da

projeção e representações mentais; permitindo

identificar intenções e razões de escolha da

imagem. Além de seu uso social, a fotografia torna-

se parte da vida e do processo social, fortalecendo

também a visibilidade do grupo pesquisado. Em

relação a função da imagem no sentido de método e

análise no âmbito científico, Ribeiro (2004) reforça

a democratização das tecnologias e a ramificação

desta ferramenta em vários outros âmbitos, não só

da antropologia.

O aspecto funcional (Ribeiro, 2004) da

fotografia serve para tornar o mundo visível, tendo

um valor de testemunho; também, para a

exploração do aspecto interior e exterior, como

método de descoberta; para esquematizar; e por

fim, torna a fotografia como documento de

memória.

A função da imagem durante a história estabelece a relação com o mundo, sendo

separadas em função simbólica, predominante nas sociedades religiosas (como fica

nítido noss ícones distribuídos no altar dos ciganos na figura 10 e 16); de função de

conhecimento, assegurando, fortalecendo, consolidando e tornando-se preciso a relação

com o mundo visual (esta função também foi usado durante a pesquisa, por estar

associado a USP uma Instituição de Pesquisa); e também como função estética, que

mostra grande variedade de

sentidos, como na figura

11, associadas as emoções e

sentimentos produzidos no

espectador pela arte

fotográfica. Neste último

como em outros, vemos que

não temos controle sobre a

Figura 10: Imagem de Cigano no altar do Terreiro Pai Benedito, Jardinopólis, SP.

Maio/2013

Figura 11 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP), maio/2013

13

interpretação que cada pessoa ou o que causa ao ver a fotografia.

Em geral, o que estes estudos relatam é um cenário em que a fotografia é uma

ferramenta que tem a potencialidade de problematizar o olhar sobre as relações

transculturais. Vemos também que a autoconsciência da cultura através também do

audiovisual em tribos indígenas e demais comunidades tradicionais. No entanto, está

discussão não será aprofundada neste ensaio.

Partindo destes pressupostos, fica evidente como estas perspectivas abrem

campo para o uso da fotografia não só em etnopsicologia, como também em demais

áreas.

Considerações finais:

O que tange as duas

áreas abordadas, é possível

perceber que vários

trabalhos etnográficos,

inclusive a pesquisa

realizada com os guias

ciganos, traduzem a

experiência da observação

participante para objetivos

inter-relacionados de

registros, foto-entrevista,

síntese e analise. O que se

torna também um valor

Figura 12 " O que você deseja?" pergunta da cigana ao fiel. Terreiro Pai Benedito, maio/2013.

Cigana Lola: “Tem que ter calma, tem que ir buscar, tem que querer.

Porque se não queremos as coisas ruins ou boas, nada acontece.”

14

assumido da fotografia (Edwards, 2016), sendo que ela pode ser vista por diversas

interpretações.

Nesta perspectiva, Ruby (1976) Beker (1981), Edwards (1997) e Grimshaw

(2001) (apud Edwards, 2016), apontam a existência de fronteiras fluidas entre a

antropologia e outras práticas visuais, não sendo possível haver um isolamento

interdisciplinar.

Mead (1942) foi uma pensadora que mudou através de seu trabalho a forma de

se ver a imagem, a maneira que a fotografia era posta em cena; tornando-se ponto

central na „mudança do visual enquanto metodologia e análise de dados para uma

antropologia dos sistemas visuais” (p. 166). Concomitantemente, a fotografia começa a

ser usada como metáfora de pensamento.

Esta perspectiva vai de encontro com a etnopsicologia, que apoia também ideia

de Edward (2016) em que afirma que a própria natureza da fotografia, enquanto traço

mecânico e químico do corpo do sujeito, a transformou num instrumento poderoso, em

metáfora e uma força retórica .

A fotografia executa um poder „atemporal‟, envolve o imediatismo e o

congelamento da cena efêmera. Sendo belo e poético. Bem como mostra-se com grande

potência assimétricas a serem exploradas, podendo ser dialogado em distintos âmbitos.

Importante também salientar a

importância dos detalhes da fotografia,

como visto na foto 13, em que mostra a

vela por detrás da mulher com a mão na

testa, além também evidenciar de como a

imagem no campo científico é carregada

de emoção e intelectualidade. Agora,

sempre me pergunto, por que, mesmo na

área de antropologia visual, a imagem em

si, ainda fica à „margem‟ do discurso

teórico intelectual? Ocupando, muitas

vezes, os anexos do trabalho, sendo posto

como complementação junto aos discursos

Figura 13 Convidada da festa dos Ciganos, Terreiro Pai Benedito, maio/2016.

Cigana A*: “(...) Você quer que eu diga qual é sua missão? O que você mais gosta é sua missão.”

15

e escrita.

Nós, enquanto, pesquisadores que trabalham com imagens, estamos em

constante desafio com a academia cientifica, que insiste em manter a tradição

educacional das palavras. No entanto, ela ainda consegue „ser‟ um espaço produtivo

para repensar as maneiras particulares de “presença, incertezas e contingência que

caracterizam tanto os relatos etnográficos quanto os relatos visuais do mundo” (Poole,

2005, p.159 apud Edwards, 2016, p. 170).

Claro, que este debate, permite reaver o outro enquanto presença, negando

qualquer passividade ou impotência dos indivíduos participante, isto é, dando

autonomia aos grupos. A fotografia, neste sentido, como lembra Edwards (2016) produz

uma leitura complexa e dinâmica dos encontros transculturais.

Assim, a fotografia mostra um grande poder de representação bem como

simbólico nas relações transculturais; exemplificados em vários trabalhos etnográfico

sendo eles que „permitem elaborar uma contribuição substancial ao pensamento

teórico dentro da antropologia‟ (Edward, 2016, p. 173).

Outro ponto importante é a semelhança que ambos campos apresentam em

relação a seu uso. Como lembra Ribeiro (2004), a antropologia visual utiliza da

fotografia como meio para conduzir entrevistas, debates ou diálogos com informantes

ou com as pessoas fotografadas (para a recolha de informação complementar ao

processo fotografado) (p.

26). Ou mesmo

Malinowski (1966, apud

Samain, 1995) em seus

relatos:

“(...)Redigindo meus dados

materiais sobre os jardins [se

refere ao Coral Gardens],

constato que a verificação (o

controle) de meus

apontamentos de campo me

conduziu, graças às

fotografias, a reformular

minhas declarações sobre inúmeros pontos…” p. 461-462.

Figura 14 “Cada um sabe o que quer nesta vida mulher, ao longo desta vida, muitas coisas pode ser verdade para um, mas não ser verdade para muitos outros. Onde há verdade, sempre há força (...)” fala da cigana, durante a festa. Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP). Maio/2013.

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A legenda explicativa da fotografia foi também usada por Mead e Bateson em Bali

(1947), com a finalidade de elucidar tanto ao leitor quanto ao próprio pesquisador para

aprofundar a análise da pesquisa. Neste sentido, a etnopsicologia também parte deste

pressuposto e a usa como processo de aprendizagem na utilização durante o processo de

estudo.

A função da imagem é múltipla e nunca

vem sem nenhuma intenção, ou seja, nunca é

gratuita. Em todas as sociedades elas

foram produzidas visando um fim

determinado: intenção de comunicar,

umas de natureza subjetivas enquanto outras mais objetivamente orientada para

finalidades determinadas implícitos ou explícitos, sendo direcionadas para públicos

específicos (Ribeiro, 2004, p. 36).

Na pesquisa “Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda”

as fotografias foram para fins didáticos, deixando registrado a existência da linha dos

ciganos nos cultos umbandistas, além de

trazerem algumas características desta linha.

Na pesquisa realizada fica evidente que

as funções ocupadas pela fotografia colocadas

por Ribeiro (2004) foram: Sinal, testemunho,

rememoração, apresentação e demonstração.

Neste sentido vemos, mais uma vez, os modos e funções diferentes de explorar

a fotografia já exemplificado acima, dialogando entre os autores escolhidos para este

ensaio. Sendo assim, mais um desafio da antropologia visual, em estar em constante

diálogo com demais áreas de conhecimento.

Figura 15 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP). Maio/2013

Cigana A: “Não posso contar, mas eu posso saber

teu... não vou contar a ninguém...a minha missão

também não é contar segredo de quem me

pede...se me pedem segredo é segredo...ninguém

interessa saber o que tu pede...isso fica entre nós

duas...”

Figura 16 Festa de Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis (SP). Maio/2013. Cigano B*:“Cada um sabe o que quer nesta vida mulher, ao longo desta vida, muitas coisas pode ser verdade para um, mas não ser verdade para muitos outros. Onde há verdade, sempre há força (...) O trilhar do caminho e a sua volta têm muito mais coisa que os olhos possam ver ou onde o pensamento alcança, muitas coisas pode não ser dita ou faladas, ou até mesmo escritas. Traz em seu pensamento mais do que vê ou que acredita. Siga sempre o melhor, busque aquilo que traz a verdade naquilo que pensa, quando acredita em algo, os caminhos serão melhores. Quando trilha um caminho daquilo que não acredita ou até mesmo para buscar conhecer, será pior.”

17

Partindo da falta de controle do que imagem também pode produzir sobre o

espectador; corroboro com as ideias de Ribeiro (2004), fortalecendo que as imagens são

capazes de criar um mundo de ficção em que o espectador consegue alienar-se, ou

também se reinventar do mundo a sua volta apresentando novos valores. A pesquisa

apresentada, evidencia fotografias que vão além de fins didáticos, mostram-se bem

artísticas e falam por si.

Entramos, assim, na percepção visual, como lembra Aumont, 1991 “(...)na

nossa apreensão de imagens, antecipamos, agarrando ideias feitas a partir da nossa

percepção (...)” ou seja, como Ribeiro relata que nunca há, pois um “olhar inocente”

(apud R ibeiro, 2004, p.43).

O olhar do espectador pode ser projetiva e esta tendência pode por vezes, tornar-

se excessiva, com predomínio da identificação; podendo conduzir a uma interpretação

fantasiosa, abusiva ou errônea da imagem ou mesmo ser regulado pela nossa percepção,

vivências passadas e a capacidade de organizar a realidade.

Ou mesmo como Baggio (2013) cita “(...) Etienne Samain enxerga a imagem

como coisa viva”, defendendo a ideia que a imagem oferece algo para nós pensar,

ligado ao real ou imaginário são „mensageiras‟ de pensamentos porque veiculam

pensamentos de quem as produziu e absorvem pensamentos daqueles que as

observaram; e „configurando-se como um lugar de memória coletiva‟; e de que as

imagens „são formas que pensam, dialogam e se comunicam, independentemente de

nós‟. (p.213). Como demonstra a figura 14.

Assim como Malinowski também não fiz a maioria das fotografias expostas

neste trabalho, no entanto quando se vê o conjunto não se perde autenticidade; pois

nelas mostram características interessantes. Independentemente de quem as tirou, a

fotografia por si perde-se também „o dono‟ já que pode haver várias interpretações.

É interessante ver a fotografia como facilitadora de processos de aprendizado ou

como também „uma personalidade estendida‟ (Edwards, p.181); sendo a soma das

relações durante o tempo. Como lembra Smith (2003 apud Edwards, 2016, p.181) elas

mesmas podem imitar e agir, diretamente, nas relações sociais.

Neste sentido, este ensaio mostrou que diversos pensadores importantes dos

últimos séculos; que consideram, assim como eu, a fotografia como uma ferramenta que

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possibilita o diálogo com demais áreas. Os trabalhos que utilizam a fotografia têm sido

também distribuídos e alcançando mais acesso no campo das humanas, não sendo

confinadas somente na área de antropologia. Sendo ela, apenas mais uma área que se

utiliza da imagem para a pesquisa.

Apesar das imagens ainda sofrerem intensa retaliação no campo das ciências no

Brasil, fica evidente assim o uso interdisciplinar da fotografia, com inúmeros usos e

significados colaborando para a compreensão de interação social transcultural.

Bibliografia:

Baggio, A. T. Imagens que pensam, que sonham, que sentem. Uma proposta ousada? Galaxia.

(São Paulo, Online), n. 25, p. 211-216, jun. 2013.

Bateson, G.; Mead, M. Balinese character: a photographic analysis. New York: New York

Academy of Sciences, 1942.

Edwards, Elizabeth. “Rastreando a fotografia” In Barbosa, Andrea [et al.]. A experiência da

imagem na etnografia. São Paulo: Terceiro Nome, p. 153-190. 2016.

Malinowski, B. Diário no sentido estrito do termo, 1967

Macedo, L.A.S. Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda. TCC, USP.

Ribeirão Preto, 2014

Figura 17 Altar dos Ciganos no Terreiro Pai Benedito, Jardinópolis, maio/2013. A umbanda como um todo é bastante misteriosa, faz parte do imaginário dos brasileiros ao mesmo tempo em que se distancia. Assim como as

narrativas dos ciganos. Parece que sabem dos consulentes, daqueles que participam das giras, sem saber. Guardam segredos, mas não contam os deles. Tal marco parece ser também remanescem da cultura da etnia, uma vez que, o romani não se aprende, como lembra Fonseca (1996) é uma arte, uma brincadeira entre eles que dentre

as finalidades é unir os indivíduos ciganos e afastar os gadjes.

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1. Ribeiro, José da Silva. Antropologia visual: da minúcia do olhar ao olhar distanciado.

Porto: Edições Afrontamento, 2004.

Samain, E. “„Ver‟ e „dizer‟ na tradição etnográfica: Bronislaw Malinowski e a fotografia”. In

Eckert, Cornélia e Godolphin, Nuno. (orgs.) Horizontes Antropológicos. Antropologia

Visual,Porto Alegre, PPGAS/UFRGS, nº 2, p. 19-48, l995.

_____________. “Balinese Character re-visitado” In Alves, Andre. Os argonautas do

mangue.Campinas: UNICAMP/Imprensa Oficial, p. 17-72. 2004.

Schechner, R.. “O que é performance?”, em Performance studies: an introduccion,

second edition. New York & London: Routledge, p. 28-51. 2006