antropologia, arte e gregory bateson na visão de massimo canevacci

22
Antropologia, Arte e Gregory Bateson na visão de Massimo Canevacci Anthropology, Art and Gregory Bateson by Massimo Canevacci Resumo: Entrevista realizada com o Professor Doutor Massimo Canevacci, da Facoltà di Scienze di Scienze della Comunicazione, da Universidade de Roma, um pensador que não economiza pesquisa e reflexão sobre a comunicação visual, para tal percorre desde o virtual, as webculturas e os mix-media até a política, o esporte e a arte. Esperamos que a entrevista a seguir seja um convite tanto a obra Naven de Gregory Bateson, recentemente traduzida para o português, além de ser um convite ao pensamento deste autor - pouco conhecido nos meios brasileiros - e as conexões entre arte e antropologia, nas palavras deste expoente antropólogo. Palavras chave: Antropologia. Arte. Gregory Bateson. Abstract: Interview conducted with Professor Massimo Canevacci of the Facoltà di Scienze di Scienze della Comunicazione, University of Rome, a thinker who does not save research and reflection on the visual communication, for that has traveled from the virtual, the webculturas and mix-media to politics, sports and art. We hope the following interview is an invitation both the work of Gregory Bateson's Naven, recently translated into Portuguese, and is an invitation to the author thought of this - little known to the Brazilians - and the connections between art and anthropology, in the words of this exponent anthropologist. Key Words: Anthropology. Art. Gregory Bateson. Massimo Canevacci é professor de Antropologia Cultural na 1

Upload: jailmaoliveira

Post on 28-Sep-2015

224 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Antropologia, Arte e Gregory Bateson na viso de Massimo Canevacci

Anthropology, Art and Gregory Bateson by Massimo Canevacci

Resumo: Entrevista realizada com o Professor Doutor Massimo Canevacci, da Facolt di Scienze di Scienze della Comunicazione, da Universidade de Roma, um pensador que no economiza pesquisa e reflexo sobre a comunicao visual, para tal percorre desde o virtual, as webculturas e os mix-media at a poltica, o esporte e a arte. Esperamos que a entrevista a seguir seja um convite tanto a obra Naven de Gregory Bateson, recentemente traduzida para o portugus, alm de ser um convite ao pensamento deste autor - pouco conhecido nos meios brasileiros - e as conexes entre arte e antropologia, nas palavras deste expoente antroplogo.

Palavras chave: Antropologia. Arte. Gregory Bateson.

Abstract: Interview conducted with Professor Massimo Canevacci of the Facolt di Scienze di Scienze della Comunicazione, University of Rome, a thinker who does not save research and reflection on the visual communication, for that has traveled from the virtual, the webculturas and mix-media to politics, sports and art. We hope the following interview is an invitation both the work of Gregory Bateson's Naven, recently translated into Portuguese, and is an invitation to the author thought of this - little known to the Brazilians - and the connections between art and anthropology, in the words of this exponent anthropologist.

Key Words: Anthropology. Art. Gregory Bateson.

Massimo Canevacci professor de Antropologia Cultural na Facolt di Scienze della Comunicazione, da Universit di Roma, "La Sapienza". Seu vnculo com o Brasil vai alm de ser casado com a coregrafa paulista Sheila Ribeiro, Canevacci costuma vir como professor convidado de muitas universidades e instituies de pesquisa, por todo o pas, ministrar cursos e palestras.

Autor de importantes obras de referncia como: Comunicao Visual (2009), Fetichismos Visuais Corpos Erpticos e Metrpole Comunicacional (2008), Culturas Extremas: Mutaes Juvenis nos Corpos das Metrpoles (2005), A Cidade Polifnica (2000), Sincretismos: Explorao das Hibridaes Culturais (1996) e Antropologia da Comunicao Visual (1990 reeditado em 2001). Realiza etnogrficas sobre vrias reas: cultura indgena, movimento juvenil, metrpole, comunicao, cultura e o visual.

J foi classificado como interprete da metrpole ps-moderna por um jornal brasileiro. Canevacci um pensador que no economiza pesquisa e reflexo sobre a comunicao visual, para tal percorre desde o virtual, as webculturas e os mix-media at a poltica, o esporte e a arte.

Graas as facilidades do correio eletrnico pudemos conversar ultrapassando as distancias entre Brasil e Itlia com Massimo Canevacci. Os diversos e-mails e conversas online, sempre em lngua italiana, resultaram na presente entrevista, a qual teve como ponto de partida a recente traduo, para o portugus, da obra Naven de Gregory Bateson. A qual trata do estudo de uma cerimnia homnima ao ttulo praticada pelos Iatmul, tribo da Nova Guin, em meados dos anos 1930, destinada a congratular o filho de uma irm por um feito considerado adulto. Em Naven, aps trezentas pginas com uma analise tripla do ritual (etolgica, sociolgica e estrutural), Bateson apresenta 28 pranchas fotogrficas totalizando 49 fotografias, compreendendo diversos aspectos culturais dos Iatmul.

Naven foi um livro mal compreendido na ocasio de seu lanamento: Radcliffe-Brown escreveu uma dura crtica em The American Journal of Sociology afirmando que esta monografia como se destina a ser, sugestiva e no conclusiva, e ser apreciada por aqueles que esto procurando estimular sugestes em vez de concluses resolvidas. (Radcliffe-Brown, 1937, p. 173), Brown, continuava afirmando que o argumento utilizado por Bateson ao longo de Naven, ao mesmo tempo sua autobiografia intelectual.

Enquanto que Malinowski ao prefaciar o livro Ns os Tikopias, de autoria de seu discpulo, Raymond Firth, elogia Firth caracterizando este trabalho como algo primoroso que surge em meio a um cenrio, caracterizado pelo prefaciador, como recorrente ao aparecimento de teorias antropolgicas indigestas. Tais teorias so exemplificadas por Malinowski como aquelas que tentam analisar cada sociedade especfica em termos de cismognese ou que buscam definir o gnio individual. De forma a criticar, ao mesmo tempo, Bateson e Ruth Benedict:

Vrias vezes ao ano surgem novas normas, e a realidade da vida humana v-se submetida a manipulaes estrambticas e alarmantes () Fica-se tentando a analisar as culturas em funo da cismognese, ou definir o gnio individual e singular de cada sociedade em particular como apolneo, dionisaco, paranico e coisas assim. Sob a hbil pena de outro escritos, as mulheres de uma tribo se vem masculinas enquanto os vares adquirem caractersticas femininas que quase os permitem dar a luz. Em contraste com o anterior, o presente livro uma obra sem afetaes, genuinamente sbia, baseada na experincia real de uma cultura e no na hipostatizao de umas quantas impresses. O antroplogo que considera cientifico o trabalho que realiza pode respirar tranqilo e agradecido (MALINOWSKI, 1998, p. 16).

At hoje Naven uma obra pouco lida e estudada no Brasil (talvez devido a falta de uma verso em lngua portuguesa), restando a Bateson ser mais conhecido, na comunidade antropolgica brasileira, devido sua parceria com Margaret Mead, que alm de ter se casado com a antroploga estado-unidense, escreveram juntos o livro Balinese Character, considerada como marco inicial da antropologia visual. Contudo, a produo de Gregory Bateson vai alm da antropologia, atravessando diversas reas do conhecimento como a biologia, a comunicao, a epistemologia e a psicologia.

Esperamos que a entrevista a seguir seja um convite tanto a obra Naven, como ao pensamento de Bateson, nas palavras do expoente antroplogo Massimo Canevacci.

***

1) Qual sua trajetria na Antropologia? E, dentro desta, o que o senhor tem pesquisado atualmente? Tem se utilizado de imagens em suas pesquisas?

O meu itinerrio na Antropologia Cultural obliquo. Me formei na Escola de Frankfort, em particular sobre a dialtica do Iluminismo. Neste sentido o conceito de cultura, no qual me iniciei, aquele de Kultur, isto a cultura humanstica, diria eurocntrica, aquela que inicia-se com a filosofia grega e chega catstrofe do nazi-fascismo. Uma cultura que tem necessidade de misturar diversas disciplinas. Mas, que tinha no centro a reflexo filosfica aplicada na pesquisa emprica. Uma filosofia de pesquisa social que tinha como telos o escopo de transformar o mundo segundo a celebre tese XI de Marx, sobre Feuerbach. Depois, por um acaso, logo que me formei, um professor de Antropologia Cultural me chamou para colaborar na sociologia, ele queria conhecer a nossa cultura antes de estudar as culturas dos outros. Neste comeo, por outro acaso, fui convidado a ensinar no Brasil, em 1984, e, meu ponto de vista comeou a mudar profundamente. Eu descentralizei a grande cultura ocidental como uma das culturas ocidentais e filosofias possveis. Deixei dolorosamente, diria traumaticamente, minha formao clssica. E, foi um presente precioso que o Brasil me deu. Assim comecei a fazer primeiro uma pesquisa espontnea e depois sempre mais metodologicamente fundada sobre So Paulo.

Sempre tive uma paixo irrefrevel pelo cinema e em geral para com o visual e as artes. Por isso, decidi fazer uma pesquisa emprica sobre a comunicao visual sobre a enorme metrpole de So Paulo, utilizando diversos mtodos, devido a isso, utilizei o conceito de polifonia, o qual decidi colocar no ttulo final de minha pesquisa: A cidade polifnica. Foi um mix de escrita ensasta, narrativa, etno-potica e de imagens. Comecei esta pesquisa fotografando alguns lugares de So Paulo, seguindo a hiptese de quatro centros: A Faria Lima chegando a Berrini era uma possibilidade distante e, para mim, ali estava nascendo um centro ps-industrial emergente. E depois de fotografar alegorias, esttuas de pedra , seringeira, trabalhadores da construo suspensa em estranhas andaimes, evanglicos de rua, os grandes edifcios modernistas, aqueles de Lina Bo Bardi - que amo. Desmistificando a pirmide da Fiesp na Paulista. Em suma, os trabalhos sobre e com as imagens eram dialgicos com a escrita.

'Posteriormente, e sempre por acaso, encontrei um cacique Xavante Domingos Mahoro'e'o que me convidou para sua aldeia. Ento, finalmente comecei a fazer pesquisa "indgenas" no Mato Grosso, entre o primeiro e, em seguida, entre os Xavante e depois entre os Bororo. A participao nos rituais de furao das orelhas e ainda mais para o funeral Bororo foram as experincias da minha vida. As imagens foram sempre decisivas, mas para minha grande surpresa, no comeo erma como um desafio e, no final, transformaram-se em um prazer, entre estas duas culturas, havia pessoas como Divino e Paulinho que usaram o vdeo. Da a minha posio atual com base na auto-representao, ou melhor, uma tenso dialgica e at conflitos entre auto e hetero representao. No fim de meu projeto atual, que marcou no tempo e isso para mim um pressuposto fundamental para muitos pontos de vista, a relao aldeia-metrpole. Ou seja, uma etnografia que transita entre a aldeia e cidades para encontrar pontos de contacto de diferena, de conflito, de sincretismo na qual comunicao- cultura -consumo desempenham um papel sempre mais importante na sociedade que est em evidente declnio.

2) Como o senhor v o desenvolvimento dos estudos das imagens na Antropologia Visual na contemporaneidade?

Os processos globais que esto remodelando o mundo contemporneo, nas ltimas dcadas encontram nas imagens um campo de pesquisa cada vez mais decisivo. como se, o que foi concebido como poltica ou sociedade, esteja cada vez mais, concentrados em algumas imagens de um corpo-de imagens fundamentais para a interpretao e a transformao do mundo, se no, pelo menos, das partes significativas. Neste sentido, a Antropologia Visual, tem uma tarefa especfica, que no pode adiar ou delegar a outras disciplinas, enquanto deve favorecer o cruzamento inter-disciplinar adequado ao desafio mutante diante dos nossos olhos maravilhados. A crescente proliferao de cdigos por unidade de imagem, que a comunicao digital, transmite de modo crescentes e inditos, projeta para uma abordagem etnogrfica em cada frame (moldura) da comunicao. Ao mesmo tempo, a etnografia o instrumento metodolgico flexvel que penetra dentro do digital como se fosse - e realmente o - um campo de pesquisa emprico para explorar os processos de uma metamorfose continua que as imagens digitais incorporam. A minha sensao que diante desta obrigao imensa, que redefine a poltica e as mudanas, os estudos aplicativos da Antropologia Visual sejam inadequados. Em grande parte usam conceitos, mtodos, paradigmas analgicos, isto , plasmados pela comunicao analgica e ento incapazes de entrar dentro da comunicao digital. Enfim, porque as modalidades da representao ou como prefiro definir pela composio no podem ser exauridas na forma-escrita do ensaio; a composio define-se para se adequar multiplicao das linguagens que as imagens comunicam, para poder-los ultrapassar, elaborando polifonas multi-textuais expressivas de sincretismos digitais.

3) O senhor acredita que o aspecto esttico deve ser um fator de importncia para as anlises dentro da Antropologia Visual?

Certamente. A esttica novamente envia - sempre - a sua vontade de entrar dentro do sentir, de escorrer na profundidade da superfcie que as imagens comunicam. Alm da mais banal homologao, a esttica da Antropologia Visual esclarece aquilo que apaixona cada pessoa: descobrir o sentido da vida conectado beleza, uma beleza que tem como escopo a mudana de quem observa ou a possui, uma beleza por sorte no mais eurocntrica, mas difusa e desarticulada nas muitas variantes, no somente das culturas quanto das pessoas que se maravilham frente esttica, se abrem na maravilha como uma esponja que absorve o escorrer das guas e depois as expele em sua inimitvel maneira. A esttica costuma refletir sobre cada minimo detalhe do visual, observando os significados implcitos e explcitos e, at prever o transito atravs de novos horizontes estticos ainda invisveis.

4) Como o senhor o analise o crescente nmero de estudos sobre a Antropologia da Arte hoje?

A arte um conceito difcil de definir. Sabemos que algumas culturas nem mesmo possuem este conceito, o qual mesmo sendo vivido a cada momento de sua vida.

Por arte eu entendo: um objeto que se coloca em frente ao observador e que o coloca em transformao, saindo de seus costumes conceituais ou emotivos, desejando que sua identidade no permanea fixa e imutvel. De fato, a obra de arte por sua vez observa o observador e, este no permanece esttico. Mas, a relao de duplos olhares deseja uma reciproca mudana. Neste processo prprio da arte, a Antropologia descobre que o objeto no feito somente de coisa, mas se move e se comunica como um sujeito. este o tema que me apaixona: os novos fetichismos visuais, os quais a arte contempornea totalmente imersa. Enfim, a arte se conecta sempre mais ao corpo. Torna-se corpo. Uso o termo ingls Body-Corpse, no sentido que o corpo todo vivo (body) e do todo morto (corpse): que em meio ao hfen transitam os fetichismos visuais. Ento descobre-se que quanto mais se estuda muitos artistas contemporneos refazem a Antropologia, a estudam e a aplicam em suas obras (como Orlan, Sophie Calle, Gomez Penha ou Coco Fusco, somente para assinalar alguns nomes). Arte e Antropologia so conectadas por uma intimidade perturbante. Desenvolver a Arte de um ponto de vista Antropolgico, no quer disser somente fazer etnografia: para mim significa que no corpo mesmo da pesquisa, na sua composio, afirmar a imanente interconexo entre Arte e Antropologia. Assim, a Arte perde sua viso histrica ligada ainda muito frequentemente a viso de Histria da Arte Ocidental, uma arte singular-universal: a aproximao antropolgica favorece a multiplicao hibrida dissonante daquilo que se pode entender por Arte. E a Arte Antropolgica dissonante porque oferece ainda mais a falsa harmonia conciliatria muitas vezes ainda no poder.

5) H alguma influencia direta das ideias de Gregory Bateson em seu trabalho?

Adoro Bateson e, ao mesmo tempo, tentando identificar algumas limitaes em seu contexto histrico e cultural. O livro que mais me impressionou o Balinese Character, que na minha opinio o melhor da pesquisa etnogrfica com uma cmara de filmar e fotografar, de sempre. Insupervel. O conceito de uma seqncia que define um trao cultural (como, por exemplo, aleitamento ou o transe) so a base para minha pesquisa e meu ensino. Sempre que o mostro na sala de aula se forma um silncio atento para o processo de investigao, do qual posteriormente desenvolveram conceitos fundamentais, como o duplo vinculo (double bind) e ecologia da mente. Especialmente o primeiro conceito, duplo vinculo, que foi aplicada comunicao visual: publicidade, cinema e poltica. um conceito que perpassa a psicologia, a etnografia, a comunicao, com um projeto de libertao. Todos os alunos (inclusive eu) esto cheios de duplos vnculos. Fixa-los e tentar dissolve-los criativamente a grande lio do Gregory Bateson.

J o Ecologia da mente mais articulado: h muitas limitaes genricas que tornam-se estilos comuns, como o filme Avatar, de Cameron, que tanta gente conseguiu enxergar a ecologia de Bateson nele. E talvez tenham razo. A trama-que-liga, patterns which connects, sem dvida importante. Mas desliza facilmente em um hippie mstico zen, ayuasca e coisas deste tipo. De modo que me deixa desconfiado como o seu conceito de holstico, o qual para mim perigosssimo: a de que o todo esconde a parte.

Em todo caso, reivindico a subjetividade (de um novo tipo que eu chamo de multi-indivduo) como no unificvel em uma totalidade ecolgica. Este um erro de Gregory Bateson. Essa ansiedade de perder a si mesmo. Enfim, Gregory Bateson me influenciou na ligao etnografia e cultura digital: a sua participao no nascimento da ciberntica com Wiener foi muito importante. Da a minha pesquisa desde o incio, sobre a internet e o digital.

6) Como o senhor diferenciaria as vises tericas entre Bateson e Margaret Mead?

So muitas as diferenas entre eles. Talvez possamos separa-los por suas diferenas tericas, bem como sentimentais e altura!

Margaret nasceu com a escola de cultura e personalidade, e l permaneceu. Mead busca conetar a Antropologia Cultural com a psicologia. Defendendo uma viso aberta de mulher e sexualidade. Na dcada de 1950 a liberdade pedaggica era muito importante.

J Gregory Bateson est sempre em trnsito trans-disciplinar, este um aspecto que eu, particularmente, amo. Partindo da Antropologia Cultura e do nico texto que ele escreveu, Naven, depois de experincias na pesquisa visual, da ciberntica, da etologia, da pragmtica da comunicao, em Palo Alto e, dos metalogos realmente belos e doces com a filha e, em seguida, ou melhor juntos, a ecologia da mente.

Outra diferena que Margaret escreve, escreve, escreve, enquanto, Gregory, em Bali fotografava e filmava, em seguida, falava, s vezes como um orculo.

7) Como o senhor pensa a Antropologia Visual frente a uma antropologia vigente no perodo de Bateson (dcada de 1940)?

Era a Antropologia Cultural clssica, dividido em diferentes escolas que tm vindo a ser objecto da histria da disciplina. Quero dizer que ningum hoje se definiria como estrutural, funcional, um seguidor da cultura e da personalidade, ou um incerto dialtico marxista. Foi um momento de enorme conflito com a guerra ao redor do mundo. O mesmo marxismo da poca era maniquesta e de uma escola dialtica. Aos poucos o revitalizamos e ser descoberto muito tempo depois, na dcada de 1960: Gramsci e seu conceito crtico de cultura no-determinstica e parcialmente autnoma, da Escola de Frankfurt com uma crtica de sntese dialtica e com ateno experimentao artstica.

8) Na sua opinio, porque os trabalhos de Bateson comearam a ganhar notoriedade no atual debate antropolgico?

Alguns dizem que Gregory Bateson sempre esteve no centro das discusses. Mas, isso no verdade. A nova Antropologia Cultural foi muito influenciado por ele. E por isto est em crise. Refiro-me ao grupo writing culture, coordenado por Clifford e Marcus. Era um grupo fenomenal, que tentou renovar a Antropologia Cultural, mas que mostrou, j no incio, algumas deficincias graves. Em suma, o grupo Writing Culture foi criado em meados dos anos 1980 quando a cultura digital est nascendo, porm eles nunca compreenderam a importncia da mudana que envolve no somente a cultura escrita: a comunicao uma mistura de linguagens multi seqenciais. Depois, a arte foi vista como significativa apenas na dcada de 1930, na Frana, enquanto os contemporneos avant-gardes eram ignorados, quando na verdade apenas quando as avant-garde tronam-se na histria da arte so interessantes, mas no quando esto porto dos antroplogos. Mas devo dizer que esta crtica no se aplica a George Marcus, ele foi o nico a continuar a pesquisa sobre a arte.

Finalmente, a escrita s ignora a importncia do visual: Clifford nunca se encontraria com Cameron e esta uma tragdia para a comunicao visual e para muitas outras coisas na mdia para poltica. Para voltar ao Marcus, acredito que ele seja o melhor intrprete da Gregory Bateson. Portanto, de Marcus que se desenvolve um interesse atual sobre Gregory.

Ento: Gregory Bateson atravessou as disciplinas e se conectou a ciberntica nascente a etnografia: quem est atento s mudanas da comunicao digital tem nele uma referncia para alm das diferenas possveis (como as minhas). Nesse sentido, aqueles que desejam fazer uma pesquisa sobre o visual, sobre a comunicao, sobre digital, tem Gregory Bateson como ncia referencia no panorama antropolgico mundial. Da a sua determinante presena hoje. Pode-se pensar que Geertz "envelheu" prematuramente com sua interpretao hermenutica ...

9) Quando o senhor leu a obra Naven pela primeira vez? Acredita que ela o tenha influenciado?

Devo dizer que, devido a isso, se desenvolveu em mim a necessidade de ver a dimenso subjetiva do objeto, para dar voz individualidade que a Antropologia Cultural, mesmo que batesoniana, silencia, ignora ou at mesmo remove. Minha inteno encontrar a individualidade no trabalho de campo, ainda que sem nome e voz. Neste sentido, o excesso de "objetivismo" ligado ao excesso de gerao de "transcendncia" o seu limite.

Eu sempre achei o sublime e, talvez um pouco janota, o fato de que Bateson tentou uma etnografia (Naven) e, em seguida, decidiu que no valia a pena o esforo, que era desnecessrio ou impossvel fazer etnografia. Enfim, o seu conceito de ethos, de que forma as emoes so produzidas, fixadas e modificadas. Tendo estudado as emoes um de seus grandes mritos, como conhecido, fato que fez empalidecer de raiva Malinowski.

10) A que o senhor atribui a localizao das fotografias no final do livro Naven?

Devo rev-las e, infelizmente para mim, mudei de Roma a So Paulo e muitos dos meus livros ainda esto l. As fotos so como eu me lembro e como eu disse, objetivas. Gregory pensou que a cmara podia fazer pesquisa objetiva, cientfica, no sentido de que era apenas um mtodo cientfico clssico com base em ensaios e erros (trials and errors). Essa o aspecto positivista do sculo e um pouco oitocentista de Gregory Bateson.

s vezes me pergunto por que Gregory Bateson no deu a camara a um Balins ou a um Iatmul. So comuns fotos unitrias, diria separadas, que se unem a pesquisa e, que no fazem pesquisa; o conceito metodolgico decisivo da seqncia de fotos por unidade cultural (transe) ser elaborado em Bali. Em suma, so fotos iniciantes, talvez influenciadas por Malinowski, que, em seguida, criticou o livro.

11) Na sua opinio, qual a maior contribuio do livro Naven para a Antropologia? Ela pode ter influenciado outros autores?

Alm de Gregory Bateson, Naven contribui para a crise da objetividade na pesquisa, a aproximao constante a um ncleo de verdade etnogrfica que sempre foge, que ir mover cada vez mais alm, enquanto o mesmo ritual e o sujeito que o praticam mudam, assim como o sujeito que faz a pesquisa sempre diferente.

Enfim, a etnografia acabvel e inacabvel, como diria Freud para a anlise, Einstein sobre a relatividade e o principio da indeterminao de Heisenberg. Como dito anteriormente, acredito que, George Marcus foi muito influenciado por ele e os seus ensaios sobre Gregory Bateson so os melhores.

Talvez, Gregory Bateson, esteja limitado na disciplina e assim tenha influenciado muitas pessoas que no tornaram-se antroplogos no sentido restrito. Na minha humildade, posso disser, que me influenciou profundamente, que a leitura e a viso atenta de Naven, de Balinese Character e de Ecologia da Mente me formaram. Depois, junto a um autor contemporneo de Bateson, totalmente diferente, os quais nunca se encontraram, nem tocam-se cientificamente, me refiro a Walter Benjamin. Aqui sinalizo outro aspecto metodolgico que tocava ambos alm de um certo misticismo. Gregory Bateson diz na celebre posfcio de Naven que o mtodo est no colocar junto os dados. Genial e, diria, fundamental, de cada pesquisa contempornea. Enquanto que, Benjamin, mais sensvel ao cinema, algo reproduzvel, afirmava que o mtodo est na montagem. A composio o conceito para mim adequado ao lugar da escrita, a fim de dar sentido a pesquisa de campo: uma montagem de fragmentos a qual a articulao mvel consegue dar um sentido parcial e contemporneo. A mesma pesquisa de baixo do olhar mvel e diferente de cada pesquisador ou leitor.

12) Recentemente Naven foi traduzido em lngua portuguesa, como v o fato desta obra etnogrfica ser acessvel aos brasileiros somente ano de 2008?

Para mim claro, a Antropologia Cultural brasileira tem tido uma nica referencia: o estruturalismo. Todos os antroplogos formaram-se com ele ou com a escola francesa. So poucos aqueles que se enveredaram para o Antropologia Cultural Estado-unidense, por um prejuzo poltico bizarro e comumente datado. A crise do estruturalismo de dez anos atrs, mas, a academia brasileira manteve seu poder, infelizmente muito limitado e impermevel ao resto. Mesmo James Clifford, sempre foi tratado mal, tambm quando tentava tornar mais jovem a disciplina. Enquanto George Marcus foi ainda totalmente ignorado.

Evidentemente uma nova gerao de doutorandos est entendendo que precisa colocar novamente em movimento a disciplina, reduzida a cnone, que no se deve repetir as noes dos seus professores mestres, mas procurar novas vias, assim como fez Gregory Bateson a respeito de Malinowski.

Ento posso disser, no sei se erro, que esta traduo um evento, uma pedra milenar, que atesta, no Brasil, a fuga da disciplina embasada no franco-estruturalismo. O prprio passo, ao meu ver, traduzir Balinese Character.

13) Na sua opinio, faz sentido hoje fazer como Naven? Em uma era digital com imagem em movimento e todos tendo a possibilidade de produzir e modificar imagens facilmente?

Claro que no, o livro, para situa-lo historicamente e voc pode fazer isso conceitualmente, creio que o mtodo adequado para o digital foi antecipada por Gregory Bateson, mas no somente quando colaborou com Wiener, tambm, mesmo com Naven, especialmente, como eu assinalei, em seu lindo posfcio de 1958, uma verdadeira virada metodolgica e uma liberao pela crtica. mesmo a crtica no curso processual da pesquisa que rende e a sua obra em geral decisiva: a nica que conseguiu antecipar a internet. Lembro que o feedback, no somente aqui no Brasil, mas tambm na Itlia e na Europa, talvez tambm nos Estados Unidos, foi elaborado tambm graas a ele, que a ciberntica a me da intenet e da web, que ento penetrando naquelas pginas se desenvolve uma liberdade de pensamento que se adaptar facilmente ao novo contexto.

Ler agora Levi-Strauss, com o respeito por sua morte, e pela sua vida, significa manter-se longe do hoje e tambm a virada interpretativa de Geertz ajuda pouco. Gregory Bateson, ao contrrio, contemporneo na medida que antecipou uma sensibilidade e um posicionamento perceptivo e cognitivo, talvez tambm esttico, sobre o digital, mais do que qualquer outro antroplogo. E no s isso. No por acaso que o chamado desafio da complexidade que envolve vrios epistemlogos tenham como ponto de partida Gregrory Bateson.

14) A que o senhor atribui o fato que no fim de sua carreira Bateson renega a utilizao de imagens na pesquisa antropolgica? J que este fato foi muito presente no comeo de sua carreira.

Creio que este faro depende de uma virada mistica, que se torna claro em Gregory Bateson quanto mais profetisa a sua ecologia da mente e a relao entre mente e natureza. Um misticismo William Blake, que nele se misturava os modos surpreendentes com Wiener e com uma tradio cientifica e objetiva ao qual eu dizia anteriormente (e o pai da gentica etc), depois com Darwin e incrivelmente as vezes mais ainda com Linneo.

No final de sua vida, talvez, a causa de sua doena com a qual conviveu por muito tempo, mas tempo que Margeret Mead, no aceitando as curas dos mdicos envolvendo-se da nascente comunidade Hippie Californiana, favoreceu, contra sua vontade, uma certa santificao proftica. Neste momento as imagens estavam atrapalhando. No fim, a crescente influencia do zen, j nos anos 1940 informo-o para a ecologia no ambiental mas mental, e lembro alguns escritos significativos que a filha de Bateson e Mead, Mary Catherine Bateson, conta em seu lindo livro Con occhio di figlia. Gregory Bateson livra-se progressivamente de tudo aquilo que no sejam palavras. A palavra se transforma em um veiculo para entrar no mundo e travessa-lo. Talvez a reao protestante iconoclasta penetrou em Bateson e chegou as iluminaes solares abstratas que se podem ver nos quadros de Blake. E Gregory entrou docemente nos alucingenos, morrendo socraticamente em respeito a viso das leis que esto em outro mundo...

Referncias

BATESON, Gregory e MEAD, Margaret. Balinese Character. A Photographic Analysis, New York (Special Publications of the New York Academy of Sciences, vol. II), 1942, reimpresso em 1962.

BATESON, Gregory. Naven: Um exame dos problemas sugeridos por um retrato compsito da cultura de uma tribo da Nova Guin, desenhado a partir de trs perspectivas. So Paulo: Edusp, 2008.

BATESON, Mary Catherine. Con occhi di figlia, Feltrinelli: Milano, 1985.

BATESON, GREGORY. Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine, 1972.

MALINOWSKI, Bronislaw. Prefcio. In: Firth, Raymond. Ns os Tikopias um estudo sociolgico do parentesco na polinsia primitiva. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1998, pp. 15 20.

RADCLIFFE-BROWN, A. R. Review Naven: A Survey of the Problems Suggested by a Composite Picture of the Culture of a New Guinea Tribe Drawn from Three Points of View. by Gregory Bateson. The American Journal of Sociology, Vol. 43, No. 1, Jul., 1937, pp. 172-174.

BATESON, Gregory. Naven: Um exame dos problemas sugeridos por um retrato compsito da cultura de uma tribo da Nova Guin, desenhado a partir de trs perspectivas. So Paulo: Edusp, 2008. Verso inglesa: ____________. Naven; a survey of the problems suggested by a composite picture of the culture of a New Guinea tribe drawn from three points of view. 2. ed. Stanford: Stanford University Press, 1958 [1936].

RADCLIFFE-BROWN, A. R. Review Naven: A Survey of the Problems Suggested by a Composite Picture of the Culture of a New Guinea Tribe Drawn from Three Points of View. by Gregory Bateson. The American Journal of Sociology, Vol. 43, No. 1, Jul., 1937, pp. 172-174.

As it intended to be, suggestive and not conclusive, and will be appreciated by those who are looking for stimulating suggestions rather than settled conclusions. (Traduo minha)

MALINOWSKI, Bronislaw. Prefcio. In: Firth, Raymond. Ns os Tikopias um estudo sociolgico do parentesco na polinsia primitiva. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1998, pp. 15 20.

BATESON, Gregory e MEAD, Margaret. Balinese Character. A Photographic Analysis, New York (Special Publications of the New York Academy of Sciences, vol. II), 1942, reimpresso em 1962.

BATESON, Gregory. Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine, 1972.

BATESON, Mary Catherine. Con occhi di figlia, Feltrinelli: Milano, 1985. Verso inglesa: _____________. With a Daughters Eye, New York, William Morrow and Company, 1984.

1