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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO P ARANÁ
PRISCILA PROPST
OS PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO
E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLI CIAL
BRASILEIRO
CURITIBA
2007
PRISCILA PROPST
OS PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO
E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLI CIAL
BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Processo Penal, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil.
Orientador: Prof. Dr./Ms. Fábio da Silva Bozza
CURITIBA
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
PRISCILA PROPST
OS PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL BRASILEIRO
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no curso
de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito, Fundação Escola
do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil,
examinada pelo Professor Orientador Fábio da Silva Bozza.
_____________________________
Prof. Dr./Ms Fábio da Silva Bozza
Orientador
Curitiba, ______ de ____________ de 2009.
RESUMO
Este estudo procura evidenciar os Princípios, os Direitos e as Garantias, constantes na Constituição Federal do Brasil de 1988, inerentes ao Indiciado - sujeito passivo do Inquérito Policial - no sistema Processual Penal nacional, demonstrando as especificidades de tais cláusulas constitucionais e a participação do Ministério Publico. Palavras-chave: Inquérito Policial; Indiciado; Princípios, Direitos e Garantias Constitucionais; Ministério Público.
SUMÁRIO
RESUMO ....................................................................................................................02 1. INTRODUÇÃO. ..................................................................................................05
2. INQUERITO POLICIAL
2.1 Considerações preliminares..................................................................................08
2.2 Terminologia, Definição Doutrinária e Legal.......................................................09
2.3 Características ......................................................................................................12
2.4 Competência..........................................................................................................14
2.5 Formas de Instauração do Inquérito Policial e análise dos autos..........................16
2.6 Nulidades ..............................................................................................................25
3. O INDICIAMENTO
3.1 Considerações preliminares .................................................................................27
3.2 O ato de indiciar e as conseqüências do indiciamento .........................................28
3.3 O Sujeito Passivo do Inquérito Policial - Sujeito ou parte ...................................31
3.4 Capacidade e Legitimidade do Sujeito Passivo....................................................31
3.5 Sistemas processuais ............................................................................................32
4. PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
4.1 Considerações Preliminares .................................................................................34
4.2 Interpretação constitucional .................................................................................36
4.3 Definição de Princípios, Direitos e Garantias Constitucionais no Brasil .............37
4.4 Princípios Constitucionais do Indiciado no Processo Penal Brasileiro ................39
4.5 Direito e Garantias Constitucionais do Indiciado no Processo Penal Brasileiro .41
4.5.1 Considerações Preliminares .................................................................................42
4.5.2 São Direitos e Garantias Constitucionais do Indiciado:
I. Igualdade perante a lei ........................................................................................43 II. A Legalidade ......................................................................................................46 III. Proibição da tortura e tratamento desumano ou degradante .............................48
IV. O devido processo legal ...................................................................................51
V. Das medidas de supressão da liberdade ...........................................................52
VI. O Direito ao silêncio .........................................................................................55
VII. A assistência jurídica ......................................................................................58
5. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL 5.1 Considerações preliminares ................................................................................59
5.2 O arquivamento do Inquérito Policial ................................................................61 5.3 O controle externo e o poder investigatório do Ministério Público ...................62 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................67 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ..................................................................71
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história a humanidade sofre consecutivas mudanças, pois o homem
acostumou-se a criar normas para organizar a vida em sociedade e a lutar por
dignidade e liberdade.
Essas normas passam a ter um alto valor formal e aplicativo em estruturas
políticas democráticas, onde o indivíduo apreende valores morais e sociais, tornando-
se sujeito de direitos, desde o seu nascimento, pautando suas atitudes nas formas
legais, ajustando seus atos a princípios imperativos constitucionalizados,
independentemente da condição em que se encontre.
Muitas normas foram criadas para que a ordem social fosse mantida e como tal
tarefa é grandemente abstrata, os princípios, direitos e garantias embutidos em uma
constituição executaram tal função e passaram a regular todas as demais normas.
Mas, assim como na natureza criadora, o homem é um ser mutante por essência,
o que torna comum o rompimento e mudança das normas e do próprio sistema.
A necessidade de um procedimento que investigue as circunstâncias
consideradas pelo ordenamento como crime é sentida desde os primórdios, de modo
que tais situações passaram a ser trazidas e determinadas pelo Direito Penal.
Determinado-se quais situações são tipificadas pelo Direito Penal como crime,
há a indigência de efetivar um meio da investigação das circunstancias de tal fato
típico. Os métodos investigativos são os mais diversos e com o passar do tempo foram
sendo modificados, a luz do Direito Constitucional.
As nações modernas adotaram o procedimento chamado de Inquérito Policial
para averiguar a ocorrência de certa situação delituosa e buscar a autoria daquele
delito. O Inquérito Policial pode ser o início de uma ação penal, tem caráter altamente
inquisitivo e é gerido pelas autoridades estatais judiciárias.
A partir disso, torna-se imprescindível à aplicação de um sistema Processual
Penal, em suma, é um aglomerado de normas e princípios constitucionais, de acordo
com a política de cada Estado, onde se estabelece as diretrizes que devem ser seguidas
para a aplicação do Direito Penal em cada situação.
É dever do Estado efetivar a ordem normativa penal e assegurar a aplicação de
suas regras. Esta aplicação será feita via processo, que a princípio se descreve de
forma: inquisitiva, acusatória ou mista.
Mas o poder estatal pode muitas vezes causar lesões ao cidadão, devido a sua
atuação onipotente e discricionária, então, progressivamente, foram produzidas
legislações que aparavam o indivíduo frente à tirania estatal, bem como instituições
protetoras da justiça, tal qual o Ministério Público.
Um marco no ordenamento brasileiro foi a Constituição Federal de 1988, que
tornou mais efetiva a democratização e humanização do sistema jurídico formal.
Contudo, é notório que não há um pleno reconhecimento dos reflexos da norma
constitucional sobre os procedimentos processuais penais.
De modo que o presente estudo procura enfatizar a situação jurídica do sujeito
passivo do Inquérito Policial – o Indiciado – frente as pertinentes considerações postas
na Constituição Federal de 1998, com a relevante participação e importância do
Ministério Público.
No capítulo que compõe a história da Ação Penal, a primeira de varias etapas é
o Inquérito Policial. É um complexo de atos que conectados visam a buscar indícios
congruentes de materialidade e autoria de um delito, através de investigações.
A prática ensina que não raro o caderno investigatório é sim utilizado como
meio de prova quando do processo servindo de base para a atividade jurisdicional.
Oferecer a este procedimento o merecimento valor, respeito, atenção e
importância são, antes de qualquer objetivo, a procura do justo merecimento, da justiça
e da lei com fidelidade aos fatos.
O respeito a preceitos constitucionais e legais, critérios de humanidade e
solidariedade devem ser ingredientes indispensáveis ao procedimento.
O resgate das funções do Inquérito Policial passa necessariamente por uma
revisão de toda política criminal, controlada pelo Ministério Público e efetivada por
todo o Poder Judiciário.
Com enfoque no Direito Constitucional e no Processo Penal, nos permitimos a
estudar o Inquérito Policial em toda sua dimensão, incluindo a atuação do Ministério
Público no procedimento.
A possibilidade de investigação e o controle exercido pelo Ministério Público,
seriam subsídios para um trabalho de pesquisa, mas o que buscamos neste esboço que
iniciamos agora, foi aprofundar o conhecimento referente ao Inquérito Policial,
destacando a atividade Ministerial, de forma globalizada.
Entendemos ser relevante um estudo que observe o problema na sua totalidade
e que a investigação preliminar de forma ordenada, a partir do objeto e dos atos mas
também, e principalmente, o sujeito de direitos, o Indiciado.
2. INQUERITO POLICIAL
Considerações preliminares
Para que o aparato estatal movimente a sua “máquina” a fim de apurar alguma
infração penal e sua autoria, é necessário um mínimo de conhecimento sobre a
existência do delito e a presença de fortes indícios de autoria. Seria um abuso, uma
arbitrariedade e um ato inconstitucional denunciar sem estes requisitos, tendo-se em
vista um Estado Democrático de Direito.
Ensina Tourinho Filho que:
“Para que seja possível o exercício do direito de ação penal, é indispensável que haja, nos autos do Inquérito, ou nas peças de informação, ou na representação, elementos sérios, idôneos, a mostrar que houve uma infração penal, e indícios, mais ou menos razoáveis, de que o seu autor foi à pessoa apontada no procedimento informativo ou nos elementos de convicção”.1
Busca-se uma justa causa da acusação, é essa a verdadeira condição da ação,
talhada pela polícia judiciária e apresentada ao Ministério Público. A justa causa
formará um sustentáculo probatório mínimo com a finalidade de comprovação da
autoria e materialidade do delito, para que haja uma denúncia2.
A justa causa é o fornecimento de um mínimo razoável de provas, as quais
servirão de alicerce à instauração da investigação preliminar, a fim de estabelecer um
procedimento imparcial e equânime3.
A necessidade de procedimentos, modos, meios pelos quais, se possam garantir
a acusação proposta fez surgir, então, a Investigação Preparatória que se constitui
justamente nesta colheita de elementos sobre o fato, de sorte a possibilitar a formação
de plexo suficiente a permitir o recebimento da denúncia.
O Inquérito Policial consiste, então, em um complexo de atos administrativos e
executórios com o fito de apurar a veracidade de um fato.
1 TOURINHO F. Fernando da Costa. Processo penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 445 2 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8. ed. RJ: Lúmen Júris, 2004. p. 263 3 TASSE, Adel El. Investigação preparatória. Curitiba: Juruá, 2000. p. 23
A denúncia está para a ação penal, como está a petição inicial na ação civil, ou
seja, será o inicio da ação penal, a qual conjuntamente ao Inquérito Policial, será
autuada em cartório judicial.
“ Dentre os procedimentos desenvolvidos pela Polícia Judiciária, o Inquérito
Policial é o mais importante.”4
Terminologia, Definição Doutrinária e Legal
A atividade prévia necessitava ser batizada de forma adequada então, nesta
busca, surgiram algumas nomenclaturas e definições.
Para Aury Lopes Junior,5 o termo que melhor se adaptaria a atividade prévia
seria de Instrução Preliminar, haja vista os termos advirem do Latim, tendo o primeiro
termo (instruere) o significado de ato de ensinar/informar e a segunda expressão
(prefixo pré e vocábulo liminares), algo que antecede, porta de entrada.
Compostos os termos estaríamos diante da designação ideal, posto deixaria em
evidencia sua função de delinear as primeiras informações a comporem uma ação
penal.
A Investigação Preliminar pode ser designada como um procedimento que
inicia com a notícia-crime ou com uma atividade de ofício. Tal procedimento é
composto por um complexo de atos desempenhados por organismos estatais, com
aspecto de antecessor a uma ação maior, assim possui essência preparatória, que
almeja apurar a autoria e a materialidade de um acontecimento juridicamente
relevante.6
Voltando ao objeto terminologia, outro termo a que nos remete o estudo é
Persecução Penal (persecutio criminis) a qual caracteriza-se como o conjunto de atos
tendentes ao exercício punitivo pelo estado. A chamada Persecução se divide em dois
4 FRANCO, Paulo Alves. Inquérito Policial . 2ª ed. SP: Agá Júris, 1999. p. 37 5 LOPES JR. Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2ª ed. RJ: Lúmen Júis, 2003. p. 33 6 LOPES JR. Aury., op. cit., p. 36
atos, o primeiro ato é a investigação preliminar, exercida pela Polícia Judiciária e o
segundo, é a ação penal, então exercida pelo Ministério Público7.
No ordenamento jurídico pátrio a Investigação Preliminar, é denominada
Inquérito Policial, que é desenvolvida pela Polícia Judiciária, a qual utiliza-se de um
complexo de atos investigatórios e outros procedimentos para a colheita do material
inicial necessário ao oferecimento da Denúncia.
O Inquérito Policial surgiu, no Brasil, mediante a Lei 2.033, de 20 de setembro
de 1.871, regulamentada pelo Decreto-Lei nº4.824, de 22 de novembro de 1.871,
definido no artigo 42 daquela8.
Atualmente, o conceito de Inquérito Policial tornou-se mais complexo, mas não
perdeu a essência disposta no artigo acima. O procedimento é estudado por muitos
doutrinadores, de qualquer modo há vários conceitos, muitos deles semelhantes, senão
vejamos:
Antonio de Matos assegura que o Inquérito Policial foi conservado na
legislação processual em vigor, mas teve sua conceituação ampliada e também
valorizada, tornar-se a apoio da Ação Penal.9
Para o autor Paulo Rangel o Inquérito Policial traduze-se na atuação do Estado,
em sua função executiva com a premissa de apurar a autoria e materialidade “nos
crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis de uma infração penal”10,
oferecendo ao Ministério Público, subsídios que possibilitem a instauração de uma
ação penal.
O autor Augusto Modim conceitua o Inquérito Policial como um instrumento
legal, formal e escrito, executado pelo Estado através do trabalho da Polícia Judiciária
ou de entes legalmente constituídos, com o desígnio de investigar crimes comuns e
7 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 9. ed. RJ: Lúmen Júris, 2005. p. 68 8 Art. 42. O Inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito. 9 FRANCO, Paulo Alves., op. cit., p.40 10 RANGEL, Paulo, op. cit., p. 69
transgressões previstas em legislação especial, buscando as circunstâncias e os autores
de determinado fato delituoso.11
De modo semelhante, Romeu de Almeida Salles Junior afirma que o Inquérito
Policial destina-se a agrupar elementos referentes a uma Infração Penal, para que o
titular da Ação seja capaz de buscar a tutela jurisdicional, exigindo o bom emprego da
lei ao acontecimento concreto.12
No mesmo sentido Fernando Tourinho Filho instrui que o “Inquérito Policial, é
pois, o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de
uma Infração Penal e sua autoria, a fim de que o titular da Ação Penal possa ingressar
em juízo.”13
Com efeito, o escopo de um Inquérito Policial é ser sustentáculo para a futura
propositura de uma Ação Penal, deste modo, José Geraldo da Silva assevera que na
maioria dos casos as premissas do artigo 312 do Código de Processo Penal, somente
serão alcançadas através do Inquérito Policial14.
Na legislação, tem-se a definição legal de Inquérito Policial no Livro I, Título
II, do Código de Processo Penal, onde está assim posto no artigo 4º, caput.15
Na Constituição Federal de 1988 encontram-se algumas referências ao
Inquérito Policial, mas não quanto a sua conceituação e sim algumas menções
referentes a competência do processamento da investigação preliminar, tal como o
artigo 5º inciso LIII16 e quanto a possibilidade de transmissão dos poderes
11 FRANCO, Paulo Alves., op. cit., p. 38/39 12 FRANCO, ibid., p. 39 13 FRANCO, ibid., p.40 14 FRANCO, ibid., p.39 15 Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades políciais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 16 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ( ...)LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
investigatórios, próprios da polícia judiciária, no caso da averiguação efetuada pela
Comissões Parlamentares de Inquérito17.
Características
O Inquérito Policial no Brasil, nos termos da Constituição Federal de 1988,
pode ser classificado como:
a) Inquérito Policial Civil de competência da Polícia Civil, incumbida,
ressalvada a competência da União, de atuar como polícia judiciária e apurar as
infrações penais.
b) Inquérito Policial Militar, exposto em legislações especiais como o Código
Penal Militar (Decreto –Lei nº1001/1969) e Código Processual Militar (Decreto –Lei
nº1002/1969), enquanto como peça informativa que visa apurar infrações penais
militares e a sua autoria.
c) O Inquérito Legislativo está disposto na Constituição Federal, artigo 58, §3º,
e é presidido por autoridades do Poder Legislativo em Comissões Parlamentares de
Inquérito.
d) Inquérito Judicial, ou Juizado de Instrução, presidido por um Juiz, cabendo
ao Magistrado a colheita de elementos probatórios a instrução penal.
No ordenamento brasileiro o Inquérito Policial pode ser descrito como
inquisitorial, determinado como “instrução provisória, de caráter inquisitivo”18, pois a
autoridade Policial pode inquirir, no sentido de indagar, investigar, pesquisar o local,
objetos, provas, testemunhas e envolvidos do fato, tendo em vista o esclarecimento das
circunstâncias em que estes fatos ocorreram, tal assunto será melhor exposto em tópico
próprio mais adiante.
A autoridade Policial, condutora do Inquérito, possui um caráter discricionário
marcante, pois a mesma detém o poder de direção do caderno inquisitorial, tendo
17 Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.(...) § 3º - As comissões parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (...). 18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. SP: Atlas, 2002. p. 79
liberdade para investigar da forma que lhe aprouver e liberdade para agir, dentro dos
limites estabelecidos em lei.
Tal particularidade é reconhecida pela legislação processual por força do artigo
14 do Código de Processo Penal, que preconizada que autoridade tem a
discricionariedade necessária para indeferir diligências requeridas pelo ofendido ou
pelo suspeito, se verificar que são desnecessárias ou poderão prejudicar o curso das
investigações. A cláusula processual penal assim determina:
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Ressalta-se, porém, que não poderá a autoridade Policial arquivar os autos de
Inquérito de forma discricionária, esta é à disposição do artigo 17 do Código de
Processo Penal19.
A legislação determina a forma e o sistema a ser seguido para a consecução do
Inquérito Policial, a sistemática a ser seguida está descrita nos artigos 4º ao 23 do
codex processual.
O rito a ser seguido não é rígido, mas deve ser lógico e ordenado, lembramos,
aqui, palavras de Paulo Rangel, o “Inquérito é um livro que conta uma história,
história esta que deve ter início, meio e fim”.20
Existe, porem, formalidade que não podem ser deixadas ao léu, como a
necessidade estrita do cumprimento do artigo 9º do Código de Processo Penal, onde
consta a determinação da colocação de todas as peças do Inquérito Policial na forma
escrita ou datilografada – atualmente é aceita a forma digitada – contendo a rubrica da
autoridade Policial.
Outra formalidade é a necessidade do sigilo para a elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da sociedade, é uma determinação de caráter prático e
operacional que o Código de Processo Penal21 traz em seu artigo 20.
19 Código de Processo Penal: Art. 17. A autoridade Policial não poderá mandar arquivar autos de Inquérito 20 RANGEL, Paulo., op.cit., p.90 21 Código de processo penal Art. 20 A autoridade assegurará no Inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Todavia, o sigilo procedimental tem ressalvas, o autor Julio Fabbrini Mirabete
adverte que o sigilo não se estende ao Judiciário como um todo, tampouco ao
Ministério Público que pode acompanhar os procedimentos investigatórios.22
Cabe ao Ministério Público a conduta de exigir que a investigação seja feita
pela autoridade Policial a qual de colher informações necessárias e fidedignas, agindo
como um filtro das informações e limitador de denúncias. As funções dos
representantes do parquet referentes ao Inquérito Policial estão dispostas na
Constituição Federal23 e na Lei Orgânica do Ministério Público.24
Ressaltamos que embora o Inquérito Policial seja dispensado nas funções
penais abrangidas pelo Juizado Especial Criminal, conforme artigo 77, §1º da Lei
9.099/9525 e alterações posteriores, quando se tratar de infrações com menor potencial
ofensivo, nos casos em que a autoridade Policial tiver conhecimento do cometimento
de crime de ação penal pública condicionada, deve instaurar o Inquérito Policial.26
Competência
Temos que competência é o poder dado pela Lei a determinado sujeito a fim de
exercer certa atividade.
Conforme o disposto no caput do artigo 4º, do Código de Processo Penal,
compete à polícia judiciária, que será exercida pelas autoridades policiais no território
de suas respectivas circunscrições, a apuração das infrações penais e da sua autoria.
22 MIRABETE, op. cit., p. 78 23 Constituição Federal de 1988. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:(...)III - promover o Inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;(...)VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito Policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
24 BRASIL, Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre Normas Gerais para a Organização do Ministério Público dos Estados, e dá outras Providências. DJ. 15.02.1993.Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incube, ainda, ao Ministério Público: (...) III. promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei: IV. promover o Inquérito e a ação civil pública, na forma da lei. 25 BRASIL. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União de 27.9.1995.
26 Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.
Autoridades Políciais27 que presidem os Inquéritos Políciais são os Delegados
de Polícia Federais ou Estaduais, nos termos do artigo 144, §4º da Constituição
Federal.
Estas autoridades possuem parcela de responsabilidade em relação à segurança
pública e devem atuar de modo a preservar a ordem pública, mesmo não possuindo
jurisdição, posto que tal característica é inerente ao Poder Judiciário. 28 A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara:
“PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. AUTORIDADE POLICIAL COM ATUAÇÃO FORA DO LOCAL DO CRIME. COMUNICAÇÃO. NULIDADE. INEXISTENCIA. - A Autoridade Policial, no exercício da função de polícia judiciária, não exerce jurisdição, não lhe sendo vedado lavrar auto de prisão em flagrante relativamente à infração penal ocorrida em local diverso de sua sede funcional. - o Inquérito Policial, inclusive o auto de prisão em flagrante, É um procedimento de natureza administrativa, não implicando nulidade a circunstancia de haver sua lavratura ter sido comunicada a juízo sem jurisdição no local do crime.(STJ – HC 5735/SP – 6ª Turma, Min. Vicente Leal, DJ 30.09.196 P. 36654 – grifo nosso)
A esfera de atuação de cada autoridade Policial divide-se, inicialmente, entre
União e Estados, dentro dos últimos se dá através da divisão de circunscrição,
referente à área da unidade Policial em Município ou Distrito.
A competência também tem origem, de acordo com o local onde se consumou a
infração - ratione loci – obedecendo à norma penal que faz referencia ao território,
como disposto nos artigo 5º e 6º do Código Penal29.
Essa competência é indelegável e exclusiva, mas poderá ser distribuída pela
natureza da infração, como no caso de Delegacias especializadas em determinada
matéria (ratione materiae).
Além das autoridades políciais a tarefa de investigação pode ser realizada por
outras autoridades administrativas, que possuam competência legal para tal feito,
conforme exposto no parágrafo único, do artigo 4º, do Código de Processo Penal.
27 Código de Processo Penal Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade Policial: I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público; III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; IV - representar acerca da prisão preventiva.
28 FRANCO, Paulo Alves., op. cit., p. 173 29 Código Penal: Art. 5º. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. Art. 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Temos como exemplos às sindicâncias e os processos administrativos dos
delitos cometidos por políciais militares, bem como, as investigações realizadas por
membros do Poder Legislativo, no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito30.
Essa possibilidade de investigação por outros órgãos aquém a polícia judiciária
gera discussões acerca da possibilidade do Ministério Público investigar e instruir o
seu procedimento administrativo pré-processual, tal analise será melhor assinalada em
capítulo vindouro.
Formas de Instauração do Inquérito Policial e análise dos atos
O Inquérito Policial tem sua origem com a “notitia criminis”, brocado latino
que significa notícia do crime31.
Essa notícia é o conhecimento que a autoridade Policial tem da ocorrência de
determinada ação delituosa, a ciência do crime pode ocorrer de duas formas:
espontânea, “aquela em que o conhecimento da infração penal (...) ocorre direta e
imediatamente (...) como no caso de encontro de corpo de delito.”32
Ou provocada, quando a notícia chega ao destinatário por uma das diversas
formas instituídas em lei, como a explanação da vítima ou requisição do Ministério
Público.
A forma espontânea tem referência com a atuação de ofício da autoridade
Policial, que ocorre em caso de prisão em flagrante delito33 ou mesmo pela
notoriedade do fato delitivo nos casos de ação penal pública incondicionada, agindo a
autoridade ex officio.
Pois bem, nos casos de ação penal pública condicionada, como anteriormente
exposto tem-se a forma de conhecimento provocada, onde caberá ao Ministério
Público a sua promoção ou a representação do ofendido.
30 Código de Processo Penal: Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades políciais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida à mesma função. 31 SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro . BH: Del Rey, 2001. p. 307 32 MIRABETE, op. cit., p. 81 33 “É a única prisão que pode ser executada pela autoridade Policial, sem autorização judicial” – FRANCO, op cit., p. 191
Quando a lei exigir far-se-á necessária à requisição Ministro da Justiça, para
início do caderno investigatório, como expõe o artigo 5º, inciso II e artigo 24, ambos
do Código de Processo Penal.34 Por quanto, em se tratando de crime de ação privada,
apenas iniciará o caderno com o requerimento do ofendido, ou a requerimento de
quem tenha capacidade para representa-lo, o qual expressará sua vontade de
instauração do Inquérito Policial, nos termos do artigo 30 do Código de Processo
Penal35.
Observando que o direito de queixa, se não exercido, decaí em um prazo de 06
(seis) meses, como exposto no artigo 38 do mesmo codex.
Nota-se a possibilidade de outra forma de inicio do caderno processual, na qual
há dispensa do Inquérito Policial, desde que a ação intentada pelo Ministério Público
seja pública incondicionada36.
Poderá o representante do Ministério Público requerer a autoridade Policial
diligências que facilitem a elucidação do caso, desta forma o processo criminal terá
inicio sem a participação ativa Policial.
No momento, breve explanação do que se trata a ação penal pública, nas formas
incondicionada e condicionada, e ação penal privada.
De forma genérica toda ação penal é pública, posto que consiste em um direito
subjetivo do homem perante o Estado.
O que distingue uma ação entre ser pública ou privada versa sobre a
legitimidade para agir do proponente. Desta forma, se a ação tiver como agente o
próprio Estado, através do Ministério Público, ação penal será pública, se o direito de
agir for da vítima, tal ação será privada37.
34 Art. 5 o. Nos crimes de ação pública o Inquérito Policial será iniciado:(...) II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (...) e Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (....) 35 Código de Processo Penal Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada 36 Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade Policial.(...) § 5o O órgão do Ministério Público dispensará o Inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias. 37 MIRABETE, op. cit., p. 110
Desta forma, ainda que o direito de processar seja um atributo intrínseco do
Estado, este consente tal predicado ao particular, dando-lhe o direito de acusar e agir
em certas circunstâncias. Esse consentimento ocorre quando o interesse da vítima é
maior ou ao menos é proeminente ao interesse público. A vítima é o titular do direito
de agir na ação penal privada, operando através da queixa-crime.38
Cabe ressaltar que a legislação prevê a possibilidade, em se tratando de alguns
tipos de delitos penais, que a ação penal pública fique dependente de uma
representação do ofendido ou de uma requisição do Ministro da Justiça, são condições
que vinculam a atuação do Ministério Público, tem-se então a ação penal pública
condicionada.39
Voltando ao tema central, o Inquérito Policial, convém lembrar que este poderá
iniciar com o Auto de Prisão em Flagrante Delito. O flagrante ocorre quando o agente
está cometendo a infração ou acabou de comete-la, chamado de flagrante próprio;
ocorre também quando o agente é perseguido, momentos após ter cometido o delito
em situação que faça presumir o autor da infração, este é o chamado flagrante
impróprio; ainda quando o agente é capturado logo depois de cometer a ação delituosa
e estando com ele instrumentos, armas, objetos ou papéis que faça presumir ser autor
da infração, a tal flagrante chamar-se-á de presumido, como ensina Fernando Capez40.
Se não existir a prisão neste moldes, não surgirá o Auto de referida prisão,
então, a peça inaugural do caderno investigatório será a Portaria41.
A Portaria é um documento que contém a descrição dos atos praticados pela
autoridade Policial, onde se justificam a continuação dos procedimentos políciais e a
posterior abertura de Inquérito Policial.
A partir de então passa a autoridade a praticar todos os atos necessários que
levem a apuração da infração penal e a elucidação da autoria, conforme elenca o artigo
6º do Código de Processo Penal.42
38 MIRABETE, ibid., p. 120 39 MIRABETE, ibid., p. 113 40 CAPEZ, Fernando., op. cit., p. 230 41 Código de Processo Penal: Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou Policial.
Faz-se necessário, agora, a análise de cada inciso do artigo referido.
A conservação do local do crime é indispensável, pois é lá onde se encontram,
normalmente, os indícios43 e as principais fontes de informação para se reconstruir a
história de delito.
O Código de Processo Penal retoma a matéria quanto ao levantamento de local
em outros artigos a fim de evidenciar a importância da preservação do local do
crime44.
Depois de tomadas as medidas cabíveis pela perícia técnica, cabe a autoridade
Policial efetuar a busca e apreensão de objetos relacionados com o crime, nos limites
legais, instituídos pela norma processual penal, tendo neste sentido ao artigo 240
determinado que a busca será domiciliar ou pessoal só poderá ocorre se as razões a tal
prática forem fundadas e a autorizem. De tal modo, ocorrendo a apreensão deverá ser
lavrado um termo no qual deve ser postas as assinaturas de duas testemunhas e a
descrição dos itens apreendidos, termo este que fará parte integrante do Inquérito
Policial.45
A colheita de provas pode ser posta como a função maior do trabalho da
autoridade Policial, posto que as substâncias, a materialidade e autoria do delito só
poderão ser consideradas se devidamente comprovadas, ponderando circunstâncias
subjetivas e objetivas.
42 Art. 6 o. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade Policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. 43 Código de Processo Penal Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. 44 Código de Processo Penal: Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Art. 164. Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime. 45 Código de Processo Penal: Art. 530-C. Na ocasião da apreensão será lavrado termo, assinado por 2 (duas) ou mais testemunhas, com a descrição de todos os bens apreendidos e informações sobre suas origens, o qual deverá integrar o Inquérito Policial ou o processo.
Tal comprovação ocorre das mais diversas formas, tendo intima ligação com a
natureza do delito, assim, cabe ressaltar que são válidas, no direito processual pena,l os
meios de provas admitidos em lei, devendo a autoridade Policial ter a cautela de na
busca incessante da elucidação do caso não ultrajar valores constitucionais e morais,
devendo ser objeto de prova inclusive os fatos incontroversos – aqueles fatos
reconhecidamente admitidos pelas partes.
Independem de prova, apenas, os fatos chamados axiomáticos ou intuitivos,
explica Mirabete, que são os “fatos evidentes por si mesmos”46.
Também não precisam de comprovação os fatos notórios – notória non egent
probatione – o autor citado refere-se, na mesma obra, como exemplo ao conhecimento
notório de que o Natal ocorre sempre em 25 de dezembro.
O ofendido é o possuidor do direito tutelado e lesado por outrem: “é a pessoa
natural, titular do direito lesado ou posto em perigo na infração penal”47.
Suas declarações constituem meios de prova, das quais não presta compromisso
de dizer a verdade, não incidindo sobre si o crime de falso testemunho.48
O Interrogatório da pessoa apontada como autora do delito, durante a fase
Policial da ação penal, seguirá os moldes da inquisição em juízo, devendo sempre
ocorrer observado o disposto nos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal49,
consideradas as alterações legislativas da Lei 10.792 de 1º/12/2003.
O rito a ser adotado é muito importante, apesar de não ser rígido, pois se
cumprido possibilita um melhor proveito e maior eficácia nos atos da polícia
judiciária.
46 MIRABETE., op. cit., p. 257 47 MIRABETE, ibid.,p. 290 48 Código de Processo Penal Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. Parágrafo único. Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. 49Código de Processo Penal: Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1o O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal. § 2o Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
Cabe a ressalva que após a ouvida do sujeito, duas testemunhas deverão assinar
o Auto de Qualificação, Interrogatório e Vida Pregressa.
O reconhecimento de pessoas e/ou coisas a autoridade Policial deverá
considerar o rito descrito nos artigos 226 a 228, todos do Código de Processo Penal50,
a fim de evitar vícios na consecução do ato e melhor aproveitamento da ocasião. O
procedimento tem a finalidade de permitir a averiguação física do que é mostrado,
exibindo maior cautela na investigação preliminar.
Neste sentido:
PENAL – CONDENAÇÃO – APELAÇÃO ARGUMENTANDO INSUFICIÊNCIA DE PROVA – APELO IMPROVIDO – Toda a prova acolhida não deixa dúvida da autoria do crime por parte do apelante, especialmente o reconhecimento do mesmo pela vítima. (TJPE – ACr 77429-4 – Rel. Des. Rafael Neto – DJPE 11.12.2002)
Quanto à acareação visa o confronto entre declarações desconexas das partes da
ação desde que já tenham sido ouvidas pela autoridade e esta tenha detectado
divergências e desarmonia, versões distintas sobre pontos relevantes à investigação
dos fatos. A doutrina pátria é quase unânime quanto a duvidar do valor probatório de
tal método, bem como, não é corriqueiro o artifício na prática Policial, haja vista os
resultados objetivos poucas vezes serem alcançados, posto que as partes raras vezes
desdizem o anteriormente afirmado, todavia, o procedimento tem o respaldo legal e
encontra-se descrito na norma processual penal, nos artigo 229 e 230.
Continuando, obrigatoriamente e legalmente deverão ser realizadas as perícias
que forem possíveis, tais como, exames de corpo de delito e afins, a regra processual
50 Código de Processo Penal: Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável. Art. 228. Se várias forem às pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
penal é incisiva posto que quando a ação delituosa deixar vestígios, é indispensável o
exame de corpo de delito, direto ou indireto51.
O exame de corpo de delito consiste na analise técnica dos vestígios deixados
quando da ocorrência de um crime, concebe a materialidade do delito.
Pode ser classificado como direto se for realizado o exame sobre algo corpóreo
e materializado, por quanto, será considerado indireto se pautado em concepções
imateriais, como as provas testemunhais52.
Quanto à identificação do indiciado a mesma poderá ser realizada pelo processo
datiloscópico, procedimento que será adotado apenas se sujeito não possuir
identificação civil. Essa regra é trazida no artigo 5º, inciso LVIII da Constituição
Federal e no bojo do artigo 1º da Lei 10.054 de 07.12.200053.
Considera-se suficiente à identificação civil, nos termos da citada lei, a
apresentação de documento de identidade reconhecido pela legislação nacional.
O legislador cuidou de excetuar alguns casos quanto à possibilidade de
identificação criminal pelo possuidor de identificação civil, a Lei 10.054/00 traz a
reserva54.
Mas o Supremo Tribunal Federal já se manifestou quando a impossibilidade de
alegação de constrangimento ilegal do civilmente identificado, então, trouxe-nos a
Súmula 568 com o seguinte texto: “ A identificação criminal não constitui
constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.
No mesmo diapasão, segue julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 298 DO CP. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. NECESSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. Não é ilegal a
51 Código de Processo Penal: Art. 525. No caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito.
52 CAPEZ, op. cit., p. 278 53 BRASIL. Lei 10.054, de 07 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências. Diário Oficial da União de 08.12.2000. 54 Lei 10.054/00: Art. 3º O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; IV – constar de registros políciais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V – houver registro de extravio do documento de identidade; VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em 48 (quarenta e oito) horas, sua identificação civil.
decisão que, em sede de Inquérito Policial, defere pedido da acusação de que nova perícia grafotécnica, em princípio, pertinente, seja realizada.”(STJ - RHC 17157 / SP, 5ª Turma, Min. Felix Fischer. DJ. 11.04.2005 p. 335)
A folha de antecedentes criminais deverá ser juntada ao Inquérito Policial a fim
de demonstrar se o suspeito da ação ora investigada possuí condenação em sentença
transitado em julgado ou se ao mesmo foi lhe expedido anterior mandado de prisão
que ainda não foi cumprido.
Lembramos que não constará nesta folha de antecedentes possíveis Inquéritos
Policiais nos quais o sujeito esteja sendo indiciado, como consta no parágrafo único do
artigo 20 do Código de Processo Penal.55
Consideramos a celebre passagem da obra de Cesare Beccaria, que classifica o
indiciado, aquele que ainda não foi julgado, como inocente: “Inocente é aquele cujo o
crime não se provou.”56
O último inciso do artigo 6º do Código de Processo Penal determina que a
autoridade Policial averigúe a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista
individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo
antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem
para a apreciação do seu temperamento e caráter.
É o levantamento de questões objetivas e principalmente subjetivas que servirão
de pilar para um melhor conhecimento do individuo suspeito da ação delituosa.
Essa averiguação ocorre na primeira fase da construção do Auto de
Qualificação, Interrogatório e Vida Pregressa realizado pela autoridade Policial, de
modo que o sistema processual penal a trouxe no artigo 187 do codex, onde consta que
o interrogatório será edificado por duas partes, a primeira tratará da pessoa do acusado
e a segunda cuidará os fatos inerentes ao caderno investigatório57.
55 Art. 20. (...) Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade Policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de Inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior. 56 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. SP: MartinClaret, 2003. p.75 57 Código de Processo Penal: Art. 187 (...) § 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.(...)
É possível que haja, durante as investigações, necessidade de se efetuar a
reconstituição, ou seja, a reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a
moralidade ou a ordem pública, nos termos do artigo 7º do Código de Processo Penal.
Por fim, tendo sido colocadas na forma escrita todas as peças possíveis de
serem feito, deverá a autoridade Policial elaborar o Relatório, o qual deverá conter
todas as etapas em que o caderno foi realizado, escrito, numerado e rubricado, com a
referência de todas as provas colhidas de modo claro e minucioso, enviando ao Juízo
competente o caderno inquisitorial acompanhado dos objetos apreendidos, seguindo o
exposto no artigo 10 e cumprindo o artigo 23, ambos do Código de Processo Penal58.
O prazo, nas condições descritas no parágrafo 3º do artigo 10 citado, poderá ser
prorrogado, comumente o novo prazo será de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias; e
havendo novo pedido poderá ser novamente prorrogado.
Cabe, ainda, a autoridade Policial, oficializar ao órgão competente, dados
relativos à infração penal, remetendo os autos de Inquérito Policial ao Juiz competente,
bem como oficiar ao Instituto de Identificação e Estatística, comunicando a remessa
dos autos e a quem estes forma dirigidos, ao mesmo tempo dando detalhes relativos à
violação penal e identificação do indiciado.
Nulidades
Nulidade significa que um ato jurídico é ineficaz, devida a ausência de uma das
condições necessárias para a sua validade59. Na legislação processo penal consta
58 Código de Processo Penal : Art. 10. O Inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. § 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. § 2o No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas. § 3o Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz. 59 SANTOS, Washington dos., op. cit., p.169
que nenhum ato será declarado nulo se a nulidade não resultar prejuízo para a acusação
ou para a defesa.
Também não será declarada a nulidade de ato processual que não houver
influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. No Inquérito
Policial há a possibilidade de considera-lo passível de nulidade, se algum dos atos que
lhe compõe estiver viciado.
O Código de Processo Penal elenca situações diversas que causam nulidade
dos atos com referência ao Inquérito Policial.
O artigo 564 assevera que ocorrerá a nulidade, entre outros casos, quando a
parte for ilegítima ou pela carência de alguns procedimentos ou termos tais como a
ausência ou deficiência da denúncia, da queixa, da representação e nos processos de
contravenções penais, da portaria ou o auto de prisão em flagrante.
Do mesmo modo, a falta do exame do corpo de delito nos crimes que deixam
vestígios, com a devida ressalva do exposto no artigo 167 do Código de Processo
Penal; a não a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele
intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação
pública, assim como por omissão de formalidade que constitua elemento essencial dos
atos, ocorrerá a nulidade.
Ocorre que não é pacífica a afirmativa de tais vícios do Inquérito contaminem o
processo, o que gera discussões doutrinárias. Para alguns autores, o Inquérito Policial
não faz parte do Processo judicial, assim, mesmo que haja nulidades no Inquérito tal
vício não contaminará a ação penal.
Deste modo, José Frederico Marques, citado na obra de Paulo Alves Franco,
afirma que não há nenhuma possibilidade do Inquérito Policial ser considerado nulo,
posto que, o Inquérito é apenas peça informativa da denuncia60.
Então, poderá ocorrer ilegalidade nos atos intrínsecos ao Inquérito Policial,
podendo ser necessário o desfazimento do ato e outros atos a ele interligado, mas tal
60 FRANCO., op. cit., p. 91
fato não incidirá diretamente na contaminação do Processo como um todo, tendo em
vista o caráter informativo do Inquérito Policial.61
O autor Paulo Alves Franco traz em sua obra exemplos de julgados nos quais as
nulidades dos Inquéritos Políciais são desconsideradas frente a ação Penal, vejamos:
“O Inquérito Policial é mera peça informativa, destinada à formação de opinião delicti do parquet, simples investigação criminal, de natureza inquisitiva, sem natureza de processo judicial, mesmo que existisse irregularidade nos Inquéritos Políciais, tais falhas não contaminam a Ação Penal. (...)” (STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, DJU 18.04.94, p. 8525)62
No mesmo sentido:
“Eventuais vícios formais concernentes ao Inquérito Policial não têm condão de infirmar a validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. As nulidades processuais concernem, tão-somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da Ação Penal condenatória. Precedentes” (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 04.10.96, P. 37100)63 Por outro lado, se o Inquérito Policial tiver alguma carência de formalidade
essencial poderá ser considerado nulo, bem como serão nulos os atos decorridos
daquele ato viciado64.
Da tal forma, há doutrinadores que asseguram que se o ato viciado do Inquérito
for repetindo no processo, poderá contaminar a ação e a sentença que considerar este
ato nulo, ensina Aury Lopes Junior.65
De modo razoável, pode-se ultimar que cabe ao Magistrado competente efetuar
um exame do Inquérito Policial e da Denúncia, a fim de verificar se foram praticadas
diligências sem observação dos ritos determinados pelo Código de Processo Penal, da
mesma forma que deverá apurar se os direitos e das garantias do Indiciado foram
cumpridas.
Se constatar a nulidade do ato, deverá decretar a nulidade daquele e determinar
a sua exclusão do caderno processual.
Bem como, compete ao Juiz da causa verificar se outros atos não se tornaram
nulos, em caso afirmativo, os mesmos deverão, igualmente, ser retirados dos autos.
61 RANGEL, op. cit.,p. 87 62 FANCO, op. cit.,p.128 63 FRANCO., Ibid, p. 128 64 MIRABETE, op. cit.,p. 600 65 LOPES JR., op. cit.,p.214
Algumas irregularidades podem ser sanadas a posteriori, tal como as omissões
da denuncia, da queixa, da representação, da portaria ou auto de prisão em flagrante,
tal saneamento poderá acontecer a qualquer tempo, antes da sentença final66.
3. O INDICIAMENTO
Considerações preliminares
Indiciar, etimologicamente, significa mostrar por vários indícios, permitindo a
acusação.
O indiciamento é ato de conseqüência da colheita de indícios que apontam
determinado sujeito como agente ativo da infração penal, dentro do procedimento
Inquérito Policial.67
Rogério Lauria Tucci ensina que o Indiciamento é o efeito da junção de
indicativos que assinalam um indivíduo, ou vários indivíduos, como perpetrantes de
fatos criminosos.68
O ato de indiciar e as conseqüências do indiciamento
O Indiciamento é o método no qual a autoridade Policial, utilizando-se de toda
substância, elementos probatórios positivos e coerentes, colhidas no Inquérito Policial,
indica determinado sujeito como autor da infração penal.69
66 Código de Processo Penal: Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final.
67 PITOMBO, Sérgio Marcos de M. Inquérito Policial: novas tendências. Belém: CEJUP, 1987. p. 37 68 TUCCI, Rogério Lauria. Indiciamento e qualificação indireta. RT 571/291-294 69 QUEIJO, Maria Elizabeth. Estudos em processo penal. SP: Siciliano Jurídico, 2004. p. 07
Pode ocorrer de forma direta, se o individuo estiver presente; bem como, poderá
ocorrer de forma indireta, quando da ausência do sujeito a ser indiciado.
Segundo Aury Lopes Junior, perduram inseguranças quanto ao Indiciamento,
provocando dúvidas, consentindo excesso e iniqüidades, diante da ausência de uma
norma mais clara, a qual verse sobre o procedimento e as possibilidades de um
Indiciamento, de maneira especial a aludir a comunicação e direitos do sujeito
passivo.70
O Indiciamento não se trata de ação discricionária da autoridade Policial é, pois,
uma conseqüência direta do trabalho de averiguação anteriormente realizado. Assim,
não é permitido à Autoridade Policial escolher entre indiciar ou não, posto que em tal
ato deve imperar os fundamentos da legalidade, a qual exige à existência de indícios
congruentes e não simples suspeitas quanto à autoria e materialidade da transgressão
penal.71
De modo que o indiciamento não é ação arbitrária, tampouco plenamente
discricionária, haja vista que não há possibilidade de escolha, pois se o suspeito sobre
o qual se agrupou provas da autoria do delito, tem que ser este indiciado; conquanto,
sobre aquele que contra si há apenas sutis indícios, não pode ser o mesmo indiciado,
uma vez que é um mero suspeito72.
Acrescentem-se as explanações de Adel El Tasse, o qual assegura que é
indispensável que exista um complexo lógico de provas que indiquem a autoria de
quem se almeja indiciar.
O autor ainda exprime a preocupação quanto a não exigência de motivação dos
atos da autoridade Policial, tal medida reivindicaria da autoridade Policial o
esclarecimento e os fundamentos de sua decisão de indiciar certo sujeito, constituindo
tal cometimento em uma forma de controle social sobre tal a atuação administrativa.73
É latente a necessidade de motivação da autoridade Policial, a fim de promover
maior controle da atuação Policial. O ato de Indiciar, após o apontamento do sujeito a
ser indiciado, acarreta determinadas conseqüências processuais e procedimentais. 70 LOPES Jr., op. cit.,p.288 71 QUEIJO, op. cit.,p. 08 72 PITOMBO, Sergio M. de M. O indiciamento como ato de polícia judiciária. Rt 577/313-6; RT 702/363 73 TASSE, op. cit.,p. 52/53
O Indiciado deverá ser interrogado, como já explanado em tópico anterior, nos
moldes dos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal, consideradas as alterações
legislativas da Lei 10.792 de 1º/12/2003.
Deve ser efetuada a qualificação da vida pregressa, como indica o artigo 187 do
Código de Processo Penal, e procedida à devida identificação pessoal. Ademais, serão
tomas outras medidas que as autoridades acreditem serem necessárias e o Inquérito
Policial continuará em seu rito.
Ocorre que além das conseqüências processuais citadas, o Inquérito Policial
produz conseqüências jurídicas, explica de Aury Lopes Junior:
“A situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõe o Inquérito Policial. Também representa uma concreção da autoria, que será de grande importância para o exercício da ação penal. Logo, é inegável que o indiciamento produz relevantes conseqüências jurídicas” 74.
Ainda, há conseqüências extraprocessuais, após o apontamento de determinado
sujeito como autor de uma conduta delituosa, logo o mesmo será exposto frente à
sociedade, até mesmo porque o sigilo exposto no caput do artigo 20 do Código de
Processo Penal,75 que evitaria possíveis constrangimentos no procedimento
inquisitorial nem sempre é cumprido, devido a ampla participação e atuação dos meios
de comunicação e a prática da chamada liberdade de imprensa.
Alerta-se para o fato de que o sujeito indiciado hoje, não será, essencialmente o
réu do amanhã. Lembramos, contudo, que a instauração do Inquérito Policial, oriundo
de justa causa e devidamente apurado, findando no indiciamento de um individuo, não
ocasiona, em regra e perante a lei constrangimento ilegal. Vejamos:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDICIAMENTO FORMAL EM INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAÇÃO DE CONDUTA QUE EM TESE CONFIGURA ILÍCITO PENAL. INDÍCIOS DE AUTORIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. Havendo indícios suficientes de autoria de ilícito penal, deve a autoridade Policial determinar o indiciamento do suspeito da prática delituosa para a devida investigação. 2. Com efeito, existindo indícios de crime, mesmo que de forma embrionária, a justificar as investigações, a concessão da ordem para impedir o indiciamento do paciente implicaria indevido cerceamento das atividades políciais.”(STJ - HC 38589 / SP. 5ª Turma, Min Arnaldo Esteves Lima, DJ 22.08.2005 p. 308)
74 LOPES Jr., op. cit.,p.302/303 75 Art. 20. A autoridade assegurará no Inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Entretanto, a problemática do estigma colocado pela sociedade sobre o
Indiciado é uma apreensão latente, que pode ser sanada com a limitação da publicidade
dos atos e fatos intrínsecos ao Inquérito Policial.76
Na mesma idéia, assentam-se as lições de Fauzi Hassan Choukr, com referência
ao sigilo necessário descrito no artigo 20, caput do Código de Processo Penal, o autor
afirma que tal dispositivo tornou-se letra morta e que o cotidiano modificou as linhas
das investigações criminais, transformando-as em “verdadeiro palco para o estrelato de
agentes públicos e alimentando toda uma industria jornalística que vive em torno do
tema”. De modo que se referir a sigilo, em termos de investigação criminal, simboliza
enfatizar um descompasso entre a realidade dos fatos e o direito positivado, posto que
como define o autor “existe um confronto explicito entre uma parcela da mídia, que se
alimenta da invasão do direito à intimidade do indiciado” - afirmativas buscadas na
obra de Choukr.77
Francesco Carnelutti, em sua obra As misérias do processo penal, demonstra
sua insatisfação pelo método publicistico das investigações criminais e afirma que:
“Cada delito desencadeia uma serie de investigações, conjecturas, informações, indiscrições. Políciais e magistrados, de vigilantes, convertesse em vigiados por grupos de voluntários dispostos a apontar cada um dos seus movimentos, interpretar cada um dos seus gestos e publicar cada uma das suas palavras. As testemunhas são acuadas como a lebre pelo cão de caça. Todos, não raro, terminam explorados, induzidos, comprados. Os advogados são alvo dos fotógrafos e jornalistas. Freqüentemente nem os magistrados conseguem opor, a esse frenesi, a resistência que o oficio exige.”E: “Quando recai sobre um homem a suspeita de haver cometido um delito, ele é entregue ad bestias, como se dizia no tempo em que os condenados eram oferecidos como pasto às feras. A fera, a indomável, a insaciável fera, é a multidão.”78 Fica nítido que efeitos do Indiciamento vão mui além do simples procedimento,
chegando as feridas da dignidade do sujeito.
3.3 O Sujeito Passivo do Inquérito Policial - sujeito ou parte
Os termos sujeito e/ou parte são utilizados de forma indiscriminada, como
forma de denominação genérica.
76 LOPES, Jr., op. cit.,p.302 77 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. 2ª ed. RJ: Lúmen Júris, 2001. p. 34/35
78 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Edicamp, 2002. p. 48
Contudo, com uma leitura mais cuidadosa da própria norma processual penal e
com base nos ensinamentos de Aury Lopes Junior79 pode se afirmar que parte é aquela
pessoa que no processo formula contra outra uma pretensão acusatória.
Os sujeitos, por sua vez, são pessoas entre as quais constitui-se a relação
processual, tais como o acusado, o representante do Ministério Público, a vítima ou
lesado.
O autor acima citado assegura que na fase inquisitorial não existe parte, mas tão
somente sujeitos, por não se tratar de um processo penal em sentido estrito, de forma
que trataremos como sujeito o individuo a que buscamos neste estudo.
3.4 Capacidade e Legitimidade do Sujeito Passivo
O conceito capacidade, no direito processual penal, está intimamente ligado a
imputabilidade penal, ou seja, sujeita-se aos limites estabelecido no Código Penal.
Destarte, somente podem ser parte passiva no processo penal os imputáveis,
considerados com aptidão para ser culpável.
Os sujeitos passivos do Inquérito Policial podem ser pessoas físicas, com 18
(dezoito) anos de idade completos no momento da ação ou omissão delitiva, e neste
mesmo momento ser inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Nos termos do Código Penal, são inimputáveis, ou seja, são isentos de pena os
sujeitos que no tempo da ação ou omissão eram inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato, em decorrência de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado80.
Quando o individuo autor do delito contar com idade inferior a 18 (dezoito)
anos, ao tempo da ação ou omissão, a autoridade Policial deverá designar um curador a
79 LOPES Jr., op. cit.,p.218 80 Código de Processo Penal: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
este indiciado.81 O curador é a pessoa que possuí, por determinação legal ou judicial, a
obrigação de zelar pelos bens e interesses dos que, por si mesmos, não o podem fazer.
Quanto à possibilidade do sujeito agente da ação possuir doença mental não
reconhecida, a norma processual penal cuidou de respaldar a matéria a partir do artigo
149 ao 154 de modo a determinar que em caso de dúvida quanto a integridade mental
do acusado, ser este submetido a exame médico-legal, que poderá ser ordenado
durante o Inquérito Policial, não sendo necessária a suspensão do Inquérito, tendo a
autoridade Policial que solicitar ao Juiz competente a instauração de Incidente de
Sanidade, o qual será autuado em apartado.
Por fim, será legitimo o sujeito passivo que ocupou o pólo ativo na ação
delitiva, assim apurado no Inquérito Policial. É, pois, o responsável pela conduta
típica, antijurídica e culpável.
3.5 Sistemas processuais
Sistema processual penal é um complexo de normas, princípios e regras
constitucionais que determinam as linhas jurídicas a serem seguidas em determinada
situação fática82.
Este conjunto de cláusulas é instituído pelo Estado e pode ser caracterizado
como inquisitivo ou acusatório.
O sistema processual inquisitivo advém do Direito Romano, posteriormente,
presente nos Estados Monárquicos, da Europa na Idade Média. Tem como
característica elementar à concentração das funções de acusar, defender e julgar ao
Estado-juiz, incidindo na ausência de imparcialidade, posto que não há divisão de
funções, mas sim a monopolização delas. O processo sempre terá seu curso guardado
pelo sigilo e não haverá possibilidade de contraditório, tampouco há espaço para uma
ampla defesa, tendo como prova cabal de qualquer situação a simples confissão do
acusado. É um sistema que faz o caminho contrário a um Estado Democrático de
81 Código de Processo Penal: Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. 82 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9 ed. RJ: Lúmen Júris, 2005. p. 45
Direito, mesmo porquê não considera qualquer Direito ou Garantia ao acusado, como
assevera Paulo Rangel83.
Na narrativa de Fernando Capez ficam bem demarcadas as características do
sistema inquisitivo:
“É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto como mero objeto da persecução, motivo pelo qual praticas como a tortura eram freqüentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão.”84
O sistema penal acusatório, por sua vez, nasceu na Grécia e tinha como
embasamento à acusação oficial, ganhando amplitude após a Revolução francesa. Na
atualidade, este sistema determina a efetiva construção de uma dinâmica processual,
composta por dois pólos de igual relevância – autor e réu – tendo como ponto de
equilíbrio a presença de um Juiz imparcial, ficando evidente a separação de funções85.
“No sistema acusatório cria-se o actum trium personarum, ou seja, o ato de três
personagens: juiz, autor e réu.”86
Este sistema preconiza a presença de vários Direitos e Garantias
constitucionais, tais com o devido processo legal, o contraditório, a publicidade dos
atos, a ampla defesa, o tratamento igualitário entre as partes e a motivação dos atos
decisórios.
Tal sistema está em vigor no Brasil, onde a função de acusar compete aos
representantes do Ministério Público ou ao particular; a defesa é executada de forma
técnica, por profissional representante da parte e o Magistrado ocupa o lugar de
“arbitro do conflito”87.
Ocorre que há um terceiro sistema penal, então chamado pela doutrina de
sistema misto, que consiste em uma forma composta por características dos sistemas
acima expostos.
O sistema misto, como explica o autor Paulo Rangel, pode ser dividido em duas
fases procedimentais: uma é a fase da instrução, tendo como executor da fase
83 RANGEL, op. cit., p. 46 84 CAPEZ, op. cit., p. 41 85 MIRABETE, op. cit., p. 41 86 RANGEL, op. cit., p.49 87 RAMOS, João G. G. Audiência processual penal. BH: Del Rey, 1996. p. 141
preliminar uma autoridade Policial, a qual preside o Inquérito Policial, com alguns
traços do sistema inquisitivo, mas agora o acusado possui Direitos e Garantias, nem
sempre coincidentes com as inerentes a próxima fase do procedimento. A segunda
fase, então judicial, tem-se as características do sistema acusatório.
De modo que este sistema misto possui aspectos peculiares como a
formalização de uma acusação a qual parte do princípio do estado de inocência do
acusado, pertencendo ao órgão acusador o ônus da prova; há o sigilo de alguns atos,
principalmente os referentes à investigação, sendo a fase judicial, normalmente,
iniciada pelo Ministério Público.
Diante do exposto pode ser considerada a assertiva de Paulo Rangel que afirma
não termos no Brasil um sistema acusatório puro, pois exprime fortes indícios do
sistema inquisitório, tendo em vista as peculiaridades referentes ao Inquérito Policial.
Assim, determinou-se no tema do presente trabalho acadêmico a terminologia de
sistema misto.
4. PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO FRENTE À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
4.1 Considerações Preliminares
A Constituição Federal, no Estado Democrático, é a Lei maior e fundamental de
um país, o alicerce do Direito, o norte ordenador das demais normas.
O Direito Constitucional é fruto da evolução histórica de diversos
ordenamentos remotos as civilizações antigas; o constitucionalismo moderno
desvenda-se em Constituições escritas do século XVIII, em países como Inglaterra,
França e Estados Unidos estabeleceram modelos diversificados para este ramo do
Direito, tendo-se hoje, vestígios marcantes daquelas codificações.
No Brasil, como explica o autor Ives Gandra88, a técnica constitucional
inaugurou-se com a promulgação de uma Constituição Monárquica, por D. Pedro I, no
ano de 1824; a primeira Constituição Republicana data de 1891, nascida da queda do
Império. Decorridos mais de trinta anos, promulga-se a Carta de 1934, a qual teve
vigência até 1937, quando o Presidente da República da época, Getúlio Vargas, após
um golpe de Estado, estabeleceu uma nova Constituição.
Posteriormente, no ano de 1946 foi promulgada uma Constituição, então
elaborada por juristas, a qual sofreu diversas modificações em 1964 em decorrência do
movimento militar.
Em 1967 foi instituída uma nova Carta Magna que vigorou até 1969, quando a
Emenda Constitucional número 01 entrou em vigor e redimensionou aquela Norma.
Com a queda do regime militar, instituiu-se uma Assembléia Nacional
Constituinte; após dois anos de trabalho de elaboração foi promulgada a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, a qual deu novos contornos a todo
complexo jurídico nacional.
Atualmente não há Lei Ordinária ou Complementar, Decreto, Portaria ou
qualquer instituto legal superior á Constituição Federal, desta forma se estabelece à
supremacia jurídica da Carta Magna.
A nação que possuí uma Constituição democrática permite aos seus cidadãos o
amplo acesso, conhecimento e proveito do que ela dispõe, mesmo porque nessas
nações o conteúdo da Norma Suprema, comumente, nasce de um processo legislativo
participativo, onde os representantes escolhidos e eleitos pelo povo tendem a buscar e
atender as necessidades individuais e coletivas.
A Constituição Federal de 1988 é composta de normas referentes a
Fundamentos e Princípios, Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, Organização
da Federação e da Administração Pública, a Divisão de Poderes, Instrumentos de
Defesa da Nação, a Ordem Econômica e Social, bem como, Normas Gerais e
Disposições Transitórias.
88 MARTINS, Ives Granda da S. Conheça a constituição: comentários à constituição brasileira. 01 v. SP: Manole, 2005. p. 09
No presente estudo far-se-á uso das normas atinentes aos Princípios, Direitos e
Garantias Constitucionais, no âmbito do Direito Processual Penal, referente ao sujeito
passivo do Inquérito Policial, ao qual usaremos a designação de Indiciado.
4.2 Interpretação constitucional
A interpretação jurídica é uma forma de revelar o conteúdo, o significado e o
alcance de uma norma, escolhendo o método mais pertinente, frente a um caso
concreto.
Segundo Roberto Barroso: “a aplicação de uma norma jurídica é o momento
final do processo interpretativo, sua concretização, pela efetiva incidência do preceito
sobre a realidade de fato.”89
A interpretação constitucional apresenta peculiar importância dentro do sistema
de interpretação jurídica, tendo em vista a supremacia, especificidade e complexidade
da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão que possuí a função precípua de guardar
a Constituição Federal, nos termos do artigo 102, caput, da Carta, a exemplo de sua
competência originária tem-se o controle da constitucionalidade das leis e atos
normativos do Poder Público.
Ocorre que tal função não é exclusiva daquele Egrégio Tribunal, em verdade,
compete a todos os órgãos do judiciário o desempenho da interpretação de leis e
demais institutos sob a luz da Constituição Federal.
Entretanto, os métodos utilizados para realizar a interpretação constitucional,
comumente, não são equânimes, produzindo discordâncias que poderão ser elucidadas
através da utilização de institutos como ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos
da Lei 9.868 de 10 de novembro de 199990.
89 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 3 ed. SP: Saraiva, 1999. p. 104 90 BRASIL, Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.Diário Oficial da União de 11.11.1999.
A interpretação constitucional, então, busca efetivar os versos genéricos da
Constituição e aplica-los ao evento real, garantindo efetividade a Lei Maior, bom
emprego de suas diretrizes e ampla integração do ordenamento jurídico.
“A questão central da interpretação constitucional, portanto é a concretização
de suas normas gerais, principalmente os princípios e direitos fundamentais.”91
Pois bem, no presente trabalho acadêmico a interpretação da Constituição
Federal de 1988, será efetuada pelo método da reunião do escrito texto constitucional,
buscando a finalidade da norma, e a situação jurídica do Indiciado no Direito
Processual Penal brasileiro.
4.3 Definição de Princípios, Direitos e Garantias Constitucionais no
Brasil
Juridicamente, princípios constitucionais são conceitos basilares que orientam
todo um ordenamento jurídico que tenha a Constituição Federal como pilar do sistema.
Os princípios jurídicos são uma forma de representação da vontade de um povo;
dão início de qualquer interpretação constitucional, buscando uma melhor concepção
do sistema de normas legais; estando interligados entre si, podendo o interprete
organizá-los focalizado o caso concreto para a devida aplicação, podem estar postos ao
ordenamento de forma expressa ou implícita, tendo ambas as formas a mesma
relevância no sistema como ensina Arianna Stagni Guimarães92.
Os princípios são muito mais abstratos que outras normas, fazem parte da
estruturação do sistema jurídico, mas carecem de analise da possibilidade de aplicação
frente ao caso concreto, exprimindo por si aspectos de direito e justiça. As demais
normas jurídicas são consideravelmente mais concretas e de aplicabilidade direta a
situação fática, desde que confirmada sua validade.
91 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2 ed. SP: Atlas, 2003. 103 p. Com referência a obra: Hoyos, A. La interpretacion constitucional. Bogotá: Themis, 1998. p. 14 92 GUIMARÃES, Arianna Stagni. A importância dos princípios jurídicos no processo de interpretação constitucional. SP: LTr, 2003. p. 85
“Os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.”93
Ademais, frente a uma lacuna do ordenamento, na ausência de norma que
regule determinada situação, ou duvida no método de interpretação, deverá ser
observado os princípios mais coincidentes naquela circunstância94.
Lembramos que princípios não são meras intenções, mas são também cláusulas
de emprego obrigatório diante de um sistema constitucional de um Estado
Democrático de Direito, no Brasil são colocados como fundamentos deste Estado e
estão dispostos no artigo 1º da Constituição Federal de 198895.
Os Direitos e as Garantias Constitucionais, como ensina Alexandre de
Moraes,96 além de significarem a positivação de Princípios Jurídicos, também
formalizam uma variada gama de elementos que ficam disponibilizados a qualquer
cidadão, para que este busque a tutela que se faz necessária.
O referido autor explica que Direitos e Garantias constitucionais, são chamados
de fundamentais posto que são inerentes ao ser humano e constituem premissas
mínimas de existência, consagrando-se na dignidade da pessoa humana e na proteção
do individuo frente ao Poder Estatal.
Tendo como características o fato de não prescreverem, não serem passíveis de
alienação ou renúncia, bem como, não podem ser violados por normas
infraconstitucionais; todo aparato estatal deve agir a fim de torna-los efetivos, já que
estão postos na Constituição; são autônomos, mas interdependentes e devem ser
aplicados de forma complementar e harmônica, formando um arcabouço de proteção a
qualquer individuo residente em território nacional, acolhendo brasileiros e
estrangeiros.
93 BONAVIDES, Paulo Curso de direito constitucional 12 ed. SP: Malheiros Editores, 2002. p. 259 94 FERRAZ, Sergio et all. Processo administrativo. SP: Malheiros Editores, 2001 . p. 49 95 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
96 MORAES, Alexandre de., op. cit., p.. 167
Pode-se afirmar que ao existir o homem apreende os direitos constitucionais, os
quais lhe autorizam a prática da autonomia de seus atos, com respeito à soberania
estatal, mas impõe ao Estado limites a sua atuação97.
É comum que doutrinadores façam a diferenciação entre Direitos e Garantias,
tratando-os como institutos distintos.
Enquanto os Direitos são prerrogativas do homem frente ao Estado,
considerado como tal e membro da sociedade, fazem parte de sua natureza e
identidade, alusivos “à pessoa, inerentes ao homem e qualificam a sua natureza,
enquanto coexistem socialmente dentro do Estado”, conforme ensinamentos de
Alfredo Buzaid98.
As Garantias são determinações que vedam determinados atos do poder Público
que violem Direitos reconhecidos e já constitucionalmente consagrados,
diferenciando-se de outras medidas assecuratórias posto que tendem a prevenir as
possíveis violações.
Com efeito, as Garantias são como instrumentos jurídicos, ações judiciais,
disponibilizados ao individuo para que seja dada eficácia os Direitos constitucionais,
assim, sem as Garantias os Direitos não teriam legitimidade prática99.
Em suma, Princípios, Direitos e Garantias, formam um conjunto de
ferramentas, tão intimamente interligadas que chegam a beira de confundir-nos,
estabelecidos constitucionalmente, devendo ser respeitados em sua totalidade.
O estudo busca tais ferramentas inerentes a pessoa do Indiciado, sujeito passivo
do Inquérito Policial.
4.4 Princípios Constitucionais do Indiciado no Processo Penal
Brasileiro
97 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 8 ed. SP: Malheiros, 1992. p. 166 98 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. SP: Saraiva, 1993. p. 50 99 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. SP: Celso Bastos Editora, 2002. p. 274
Os Princípios Jurídicos constitucionais estão disseminados por todo contexto da
Constituição Federal de 1988, em forma de Direitos, Garantias e demais
determinações, mas estão especificados no artigo 1º da Carta.
Este artigo expõe os fundamentos do Estado Brasileiro, mas com relação ao
Indiciado não há nenhuma especificação, no entanto, convém ressaltar que tais
Princípios são inerentes a um Estado Democrático de Direito e são relevantes a
qualquer cidadão no território desta nação, assim, a soberania, a cidadania e a
dignidade da pessoa humana são intrínsecos a qualquer homem que receba a proteção
da Constituição Federal, inclusive o Indiciado.
Quanto à soberania interessa-nos o fato de cabe ao país definir os limites do
Direito impostos ao seu povo, determinando a legislação aplicável a cada situação,
bem como aceitando possíveis tratados, pactos, acordos e convenções com outras
nações100.
Destarte, ao Indiciado brasileiro interessa a determinação da soberania do
Estado posto que apenas poderá estar sujeito a normas estabelecidas na Constituição e
nas Leis estabelecidas na ordem jurídica nacional.
A cidadania é um aspecto do ser humano, verdadeira finalidade de existir de
uma Constituição,101 é uma prerrogativa ligada a participação política, exercida no
Brasil através do voto, mediante alistamento eleitoral, que possibilita o desempenho
da soberania popular, cabendo ao Estado disponibilizar meios para sua consecução.
Deste modo, cabe ao Indiciado, mesmo que se encontre na situação de preso
provisório, o pleno gozo do direito de votar, eleger e ser eleito, posto que não pode
deixar de ser cidadão por estar no pólo passivo de um Inquérito Policial.
O direito ao sufrágio é fundamento do direito político, exercido pela capacidade
de eleger e ser eleito, participando da organização política estatal102.
Ressaltamos as palavras de Maria da Graça Diniz Costa Belov: “Preocupa-nos, sobremodo, a questão ligada aos presos provisórios no Brasil, os quais, sem terem recebido nenhuma sentença, ficam, do mesmo modo que os sentenciados, impedidos de exercitar seus direitos políticos, que, na prática, contraria dispositivo constitucional, pois,
100MARTINS, Ives Granda da S. Conheça a constituição: comentários à constituição brasileira. 01 v. SP: Manole, 2005. p. 16 101 MARTINS, op. cit., p. 16 102 MORAES, A., op. cit., p. 536
neste caso, deveriam eles votar e inclusive poderiam também ser eleitos, já que nenhum impedimento existe.”103 Contudo, podem ocorrer a perda ou suspensão dos direitos políticos, na forma
estabelecida no artigo 15 da Constituição Federal,104 mas nenhuma dessas
possibilidades refere-se ao Indiciado que fica impedido de exercer seus direitos
políticos, até mesmo pela falta de estrutura da Justiça Eleitoral, que não possuí formas
de físicas de possibilitar o acesso de presos temporários às urnas de votação,
entretanto, vale ressaltar que o Tribunal Superior Eleitoral recebeu pedido de consulta
quanto a possibilidade de instalação de seções eleitorais em estabelecimento penal,
permitindo ao preso provisório votar, cabendo ao Tribunal Regional as
providências105.
A dignidade da pessoa humana é um princípio composto de uma carga forte de
moral, enquanto valor e sentimento, colocado no ordenamento constitucional como
conjunto de valores que proporcionam um mínimo de condições de uma existência
digna.
Condições essas relativas a conceitos morais, como vida, intimidade, honra,
bem como, concernente à situação familiar, econômica e física, ao mesmo tempo em
que busca impedir tratamentos desumanos como tortura, racismos e outras situações
desonras106 que nenhum sujeito pode ser submetido, tampouco o Indiciado.
4.5 Direito e Garantias Constitucionais do Indiciado no
Processo Penal Brasileiro
103 BELOV, Maria da Graça D. C. Voto – uma questão de cidadania. O direito do voto do presidiário. Paraná Eleitoral, Curitiba/PR, nº32, p. 33/51, abr/jun de 1999. 104 Constituição Federal: Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
105 Expediente. Presidência. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Sugestão. Juízes eleitorais. Instalação. Seções eleitorais. Garantia. Voto. Preso provisório. Precedentes da Casa. Recomendação. Adoção. Providências. Competência. Tribunais Regionais Eleitorais. (Acórdão proferido em petição protocolada sob nº 14.201/2005 Resol. 22.190 de 18/04/06. Juiz Rel. M.M. Carlos Eduardo Caputo Bastos. DJ – vol.1, de 26/05/2006, p. 100) 106 BASTOS, C. R., op. cit., p. 248
4.5.1 Considerações Preliminares
Os Direitos e as Garantias constitucionais com o transcorrer da histórica
sofreram modificações acompanhando a evolução da sociedade e as modificações do
sistema jurídico. Nas primeiras organizações sociais não havia limitação para a
atuação do Estado, posto que a idéia de individuo enquanto sujeito ativo de foi uma
conquista lenta da coletividade, com a colaboração do Cristianismo e vagarosa
evolução do pensamento medieval. Mas, a verdadeira nascente das liberdades
individuais foi à novação do pensamento iluminista francês e a Independência
Americana. As Constituições escritas, então, trouxeram meios eficazes de garantir a
aplicação de alguns princípios e direitos fundamentais que norteavam as sociedades,
passando por modificações com o Liberalismo onde já era buscada a proteção da vida,
direito de locomoção e liberdades conta o Estado, como esclarece Celso Ribeiro
Bastos107.
Atualmente os Direitos e Garantias fundamentais tornaram-se mais complexos,
tendo absorvido certos limites, posto que o individuo deve posto no contexto de uma
sociedade, respeitando os Direitos e as Garantias do próximo, passou-se, assim, a
proteger não só os indivíduos, mas sim a coletividade.
A Constituição Federal de 1988 traz no Titulo II os Direitos e as Garantias
Fundamentais inerentes ao Estado brasileiro. O Capítulo I trata dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos e será sobre este capitulo que debruçamos nosso estudo,
buscando os Direitos e as Garantias do Indiciado.
Por quanto, lembramos que anteriormente foi estabelecida a diferenciação entre
Direito e Garantia, ocorre que a Carta Magna de onde se tira o substrato para a
concretização deste trabalho acadêmico disponibiliza-nos ambos em um mesmo artigo,
deste modo, utilizaremos a ordem posta na Lei Maior, com a descrição do referente
Direito ou Garantia e a explanação de seu conteúdo, com o foco no sujeito passivo do
Inquérito Policial.
107 BASTOS, C. R., op. cit., p. 297
4.5.2 São Direitos e Garantias Constitucionais do Indiciado
I. A Igualdade perante a lei.
A igualdade perante a lei é trazida no caput do artigo 5º da Constituição Federal
de 1988, onde consta expressamente que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza.108
A observação da igualdade está presente em nosso ordenamento desde a
Constituição Federal de 1946, mas ganhou maior destaque e abrangência na Lei Maior
de 1988.
Desde que a Carta de 1988 entrou em vigor pretendeu-se eliminar do
ordenamento toda e qualquer norma que possuía sentido oposto à igualdade entre os
sujeitos na relação processual, haja vista a lei ser, em regra, igual para todos.
A igualdade perante a lei é direito inerente ao conceito comum de Justiça; tem
por função conceber ao cidadão o direito de ser tratado de forma igual em situações
jurídicas semelhantes, não sendo possível qualquer distinção entre os sujeitos, que não
seja a diferenciação estipulada pelo legislador, perpetrada previamente através das
normas de modo formal e razoável, como ensina Alexandre de Moraes.
Tal cláusula pretende ordenar duas frentes distintas: uma em relação ao próprio
legislador que, em regra, não poderá emitir nenhuma norma, pareceres ou demais atos
que crie ou permita qualquer forma de desigualdade entre os sujeitos. A outra medida
é em relação à autoridade que aplica o Direito, a qual não poderá de maneira alguma
impor a lei de forma arbitraria e com diferenciações aos indivíduos frente a uma
mesma circunstância.109
A igualdade perante a lei permite que os sujeitos tenham as mesmas
oportunidades nas ações, conservando as posições eqüidistantes da questão central,
determinando-lhes direitos e deveres correlatos, mas nunca díspares, permitindo um
maior controle sobre atos atentatórios, discriminatórios, decisões injustificadas,
arbitrarias e por isso ilegais.
108 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 109 MORAES, op.cit,.p. 180
Com efeito, a igualdade, também chamada de isonomia, não é um conceito
exato, pois é necessário o respeito à individualidade e as desigualdades preexistentes
na realidade, nos campos socioeconômicos. Mas é formal, legal e exige a aplicação
generalizada sobre todo e qualquer ato do Poder Público, quer seja no exercício da
função de legislar ou executando a lei.110
De modo que o Poder Público, no exercício de sua função jurisdicional, deve
promover em todos os seus atos, em nome da ordem, da justiça e do benefício comum,
a eqüidade de tratamento dos sujeitos processuais.
Rogério Lauria Tucci afirma que a igualdade perante a lei, ou a isonomia,
concede aos sujeitos das ações judiciais em pólos opostos “as mesmas armas, a fim de
que, paritariamente tratadas, tenham idênticas chances de reconhecimento, satisfação
ou assecuração do direito que constitui o objeto material do processo.”111
Em acórdão do Supremo Tribunal Federal, foi didaticamente assentado o
Direito de igualdade perante a lei, ali definido como princípio da isonomia, vejamos:
“O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Publico – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.”(STF – Pleno – MI nº 58/DF – Rel p. Acórdão Min. Celso de Mello, D.J. Seção I, 19/04/1991, p.4580) No âmbito do Inquérito Policial a isonomia refere-se principalmente no dueto
vítima ou lesado e Indiciado, que devem ser tratados de forma isonômica, o que
significa que devem as mesmas chances de fazer valer seus direitos durante a
investigação criminal.
Importante lembrar do exposto por Fernando Capez quanto aos sujeitos no
procedimento “devem ter as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser
110 SZNICK, Valdir. Princípios de defesa na Constituição. SP: Iglu, 2002. p. 114 111 TUCCI, op.cit., p. 164
tratadas igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente, na
proporção de suas desigualdades.”112
Ou seja, na medida em que a posição dos sujeitos no Inquérito Policial é oposta,
tal oposição insere medidas diversas, mas nunca desiguais, ao passo que o respeito, a
ordem, o direito de falar, queixar ou defender, deve ser eqüitativo para um perfeito
provimento do que concebemos como Justiça.
Não há porquê se falar em situação desvantajosa para o Indiciado, pois este é
um sujeito com inúmeros direitos a si inerente, não tendo que se comportar de forma
inferior na persecução penal, em verdade deverá estar em igualdade de direitos.
Sobre o Indiciado não poderá recair nenhuma forma de distinção de tratamento,
de modo que a autoridade Policial não poderá inserir sobre estes sujeitos atos
discriminatórios, imorais, tampouco ilegais, referentes a status social, cor, raça,
crenças religiosas ou afins.
A Constituição Federal ainda re-afirma a Igualdade inciso XLI, do artigo 5º que
determina que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades.
Uma forma latente de discriminação é a conhecida como Racismo que significa: “uma
doutrina que sustenta a superioridade de determinada raça. É a segregação, separação,
marginalização de uma raça por outra que se declara superior. É um fenômeno
universal.”113
Além disso, em se tratando de Inquérito Policial onde figuram vários indivíduos
como sujeitos passivos em uma mesma situação, qualquer que seja o número destes,
devem ser tratados de forma análoga, na medida que não poderá haver qualquer
distinção de tratamento que não seja as previstas em lei.
112 CAPEZ, op. cit., p. 19 113 SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva. O racismo, a cidadania e os direitos humanos - Publicada no Juris Síntese nº 28 - MAR/ABR de 2001
II. A Legalidade
Um Estado só poderá der considerado como uma República se for regido por
leis, assim já ensinava Rousseau.114
No Brasil tal signo é seguido, toda a regência do país acompanha o
recomendado na legislação e principalmente o exposto na Carta Magna.
A Constituição Federal de 1988 traz no bojo do inciso II do artigo 5º, a
disposição que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei, ou seja, é informado expressamente que a única forma de compelir
um sujeito a agir ou não agir é através da estrita existência de norma, ao que se chama
de Legalidade.115
De modo que as obrigações para o individuo apenas poderão ser impostas
através de atos oriundos do processo legislativo, reflexo da vontade do povo, em
consonância com o preconizado pelo regramento constitucional, não sendo válidas
como formas reguladoras às ações impostas pela vontade de outrem.
“A legalidade é, portanto, alicerce de todo regime democrático de Direito.”116
É uma garantia, tendo em vista que afirma ao sujeito a capacidade de oposição
a prescrições que não estejam dispostas no sistema jurídico que se subordina.117
Sobre a determinação legal não cabem exceções, pois é uma resolução
imperativa, como afirma o autor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes118.
Assim, deve ser cumprida a cabo de qualquer conseqüência, não sendo
autorizado a nenhum representante do Poder Público atribuir crime que não haja
previsão legal, ou compelir alguém a fazer algo que não conste na Lei, tampouco, criar
norma processual ou procedimental posterior a certa situação.
A Constituição Federal faz alusão a questão da retroatividade119 da lei que só
pode ocorrer em caso de beneficio ao réu, por quanto, não há referência ao Indiciado.
114 MORAES, op. cit., p. 197 115 MORAES, op. cit., p. 197 116 MARTINS, ob. cit. p. 42 117 LOPES, Mauricio A. R., Princípios políticos do direito penal. 2 ed. SP: Editora RT, 1999. p. 39 118 LOPES, op. cit., p. 77 119 Constituição Federal: art. 5º - XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
De qualquer modo, por semelhança, na entrada em vigor de Lei que beneficie o
Indiciado, poderá ser a aquele estendido o benefício.
O conceito de Legalidade é amplo e forma um arcabouço que engloba tudo o
que foi dito até o presente momento em relação ao Inquérito Policial e o Indiciado,
pois só o que está na lei pode ser aplicado, cobrado, impelido e proposto.
No Direito Processual Penal, em suma, a Legalidade insere limites ao poder de
processar do Estado, pois determina através da lei os ritos, meios, formas que devem
ser seguidos para uma persecução processual penal.
Com alusão ao Inquérito Policial a legalidade se exprime em todos os atos
praticados durante a investigação criminal, desde o início da averiguação, coleta de
indícios, indiciamento, determinação do tipo penal até o relatório final, devem ser
todos pautados na norma legal.
De tal modo que o Indiciado não precisa se sujeitar a nada que tenha forma
diversa do prescrito em lei, quer seja na legislação especial, penal ou processual,
sempre em conformidade com a Constituição Federal.
Ainda, o inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal revela mais um
aspecto da Legalidade, quando determina que não há crime sem lei anterior que o
defina, nem sem prévia cominação legal, que se traduz na chamada Tipicidade do
Direito Penal, ou seja, para que certa conduta seja considerada um delito deverá haver
sua previsão no ordenamento antes da ocorrência do fato. De modo que chamar de
“tipicidade fechada” a aplicada no sistema jurídico brasileiro seria o ideal, pois não há
como enquadrar a conduta por semelhança ou analogia como ensina o autor Ives
Granda da Silva Martins120.
Em suma, são garantias do Indiciado, o qual não pode ser violentado pela
discricionariedade e decisões pautadas no bel-prazer de órgãos responsáveis pela
investigação criminal, os quais tem como obrigação conduzir seus trabalhos pela
ordem legal, fundamentado, lógico, coerente.
120 MARTINS, Ives. op. cit., p. 49
III. Proibição da tortura e tratamento desumano ou degradante
Tortura pode ser traduzido como o suplicio que se faz a alguém. Tratamento
desumano ou degradante tem-se como meios de causar grande mágoa ou aflição.121
Impelidos de forma física ou psíquica.
Tais práticas têm origem histórica que remota aos primórdios, tempos como na
Roma antiga onde em colunas de pedra, erguidas em praça pública, os cidadãos a
quem havia a pendência de uma acusação eram pendurados pelos braços e açoitados
até que se obtivesse uma confissão.
A chamada tortura judiciária, do século XII, tinha a supervisão do Juiz e era
utilizada quando havia indícios contra determinado sujeito, mas não uma prova plena,
buscava-se, então, a considerada prova maior, qual seja a confissão.122
Além de meio de prova, a tortura também foi utilizada como forma de punição.
As fogueiras da “Santa” Inquisição e as máscaras de ferro dos Impérios foram métodos
de cumprimento de pena. Através da forca, também se executavam as penas! 123
No Brasil o uso da palmatória, do anavalhamento do corpo, marcas de ferro em
brasa, mutilações e fraturas compuseram uma vasta gama de meios requintados de
crueldade, que entre muitas supostas justificativas incluíam a chamada busca da
verdade.
Outro artifício torturante, utilizado mais recentemente foi o exílio de presos
políticos, que além do maltrato físico, feriram a alma e a dignidade.
A Constituição Federal Brasileira de 1824 já determinava em seu artigo 179,
inciso XIX que a partir da vigência daquela Norma ficavam abolidos os açoites, a
tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis.
Desde então o banimento da tortura esteve presente no ordenamento nacional.
Na Constituição Federal de 1988, o artigo 5º, inciso III, está prescrito que
ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. A
121 SANTOS W., op. cit., p. 240 122 SZINCK, op. cit.,p. 173 123 CARNEIRO, Edson. Antologia do negro brasileiro. SP: Tecnoprint S.A., 1996. p. 93
Norma Constitucional também dita que a lei considerará crime inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia a prática de tortura.
A legislação infraconstitucional complementou o dispositivo e trouxe o tema na
Lei 9.455 de 07 de abril de 1997124, traz a matéria no bojo do artigo 2º e determina
procedimentos específicos para o processar o delito de tortura.
Ocorre que a referida lei alterou o dispositivo da Lei 8.072125 de 25 de julho de
1990, permitindo ao condenado pelo crime de tortura a progressão de regime, ressalte-
se que tal vantagem apenas abarcou o delito de tortura126. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL – CRIME HEDIONDO – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – REGIME PRISIONAL – PROGRESSÃO – IMPOSSIBILIDADE – LEI Nº 8.072/90, ART. 2º, § 1º. CONSTITUCIONALIDADE – DECLARAÇÃO – COMPETÊNCIA – TRIBUNAL PLENO OU ÓRGÃO ESPECIAL – Nos chamados crimes hediondos ou a estes equiparados, pela Lei nº 8.072/90, o regime previsto é o integralmente fechado, descabendo a progressão. Preceito legal declarado compatível com a atual Constituição Federal pelo Excelso Pretório (HC 69.603). Prevendo a Lei nº 9.455/97 a possibilidade de progressão de regime especificamente para o crime de tortura, não há falar-se em derrogação tácita do art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90 para se estender aquela possibilidade de progressão aos outros delitos elencados neste diploma legal. A declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de Lei Federal foi decidida pelo acórdão recorrido com base na jurisprudência do STF. A via eleita é inadequada para analisar matéria de índole constitucional. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ – RESP 612390 – RS – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 28.06.2004 – p. 00411)
Além destas previsões, o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais
que estabelecem o respeito à integridade física e psicológica dos brasileiros, a exemplo
da Convenção Americana dos Direitos Humanos e o Pacto São José da Costa Rica127
(Decreto 678 de 06 de novembro de 1992).
A Constituição Federal de 1988 ainda prevê que é assegurado ao preso o
respeito à integridade física e moral, no artigo 5º, inciso XLIX, que determina a
relação entre a administração penitenciaria e o encarcerado. A referencia não é apenas
ao preso condenado em sentença com trânsito em julgado, mas também o preso
provisório, o Indiciado em ação penal. Tal normativo se refere à preservação da
124 BRASIL. Lei 9.455 de 07 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Diário Oficial da União de 08.04.1997.
125 BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Diário Oficial da União de 26.07.1990.
126 Ver Súmula 698/STF: Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.
127 Pacto de São José da Costa Rica – art.5º Direito à integridade pessoal. I. Toda pessoa tem direito de que respeite sua integridade física, psíquica e moral; II. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
qualidade da vida do detento, que deverá estar isento de ultrajes e ter a disposição seus
demais Direitos e Garantias Constitucionais.
Ademias, ao Indiciado não pode ser aplicada qualquer forma de tortura ou
tratamento degradante e desumano, de modo que nenhum dos atos da investigação
criminal pode molestar esse sujeito.
Ocorre que o Brasil, assim como em outros países, ainda não está acima dessas
falhas e ainda há notícias de tratamentos desumanos.
É comum verificar a forma áspera que um suspeito é abordado para uma
simples averiguação rotineira ou quando é conduzido a uma viatura Policial, bem
como, o desprezo que é tratado o Indiciado nas dependências das Delegacias de
Polícia.
Que Deus permitisse que fossem apenas mitos os chamados meios de confissão
utilizados em certos setores políciais como afogamentos, choques elétricos e térmicos,
espancamentos com métodos para não deixar marcas e vestígios.
Tudo isso deve ser banido do cotidiano inquisitorial, afinal, o Inquérito Policial
é um ato administrativo que visa a busca de indícios da ocorrência do delito e a
autoria, mas isso não pode ser forçado, tem que ser uma busca, uma investigação, uma
procura sólida e legal, fiel a princípios humanitários. Sobre o tema:
“Os problemas jurídicos atinentes à inadmissibilidade processual e as conseqüências da admissão indevida, no processo, das provas ilícitas – da barbárie primitiva da tortura física à sofisticação tecnológica da interceptação telefônica – ainda geram controvérsias doutrinárias e vacilações jurisprudenciais nos ordenamentos de maior tradição cultural. No Brasil, porem – sobretudo, a partir da Constituição – o direito positivo deu resposta explicita as questões fundamentais do tema, antes que elas se tornassem objeto de sedimentação doutrinária e da preocupação freqüente dos Tribunais. Não é que, nessas bandas, a persecução penal, algum dia, tivesse sido imune à utilização das provas ilícitas. Pelo contrario, a tortura, desde tempos imemoriais, continua sendo a pratica rotineira da investigação Policial da criminalidade das classes marginalizadas, mas evidencia da sua realidade geralmente só choca as elites, quando, nos tempos de ditadura, de certo modo se democratizava e violentava os inimigos do regime, sem discriminação de classe.” (STF – HC 69.912-0/RS, Trecho do voto do Min. Rel. Sepúlveda Pertence do Informativo do STF, nº36)128
128 MORAES, op. cit., p. 205
IV. O Devido Processo Legal
O Devido Processo Legal brotou na Constituição Inglesa de 1215 e germinou
no Direito Norte Americano, com a Constituição de 1787, due process of law, que foi
complementado pela Declaração dos Direitos Fundamentais dos Americanos.129 Termo
que foi adotado pelo legislador brasileiro tomando a forma de garantia
constitucional.130
Trazido a lume no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, consta
que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
“Devido processo legal significa que se devem respeitar todas as formalidades
previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade – seja ela qual for – ou pra
que alguém seja privado de seus bens.”131
O devido processo trata-se de procedimento desenvolvido de maneira aceitável
e coesa, de modo a alcançar a finalidade precípua de descobrir a verdade, impedindo
transgressões ao mesmo, resguardando de um lado o iuris puniendi do Estado e de
outro lado às garantias individuais.
“O devido processo penal configura dupla proteção ao individuo, atuando tanto
no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto ao âmbito
formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor.”132
De modo que o trâmite adequado dos procedimentos, incluindo o Inquérito
Policial, revela-se em garantia de respeito aos direitos do interessado e acatamento dos
ritos e meios processuais.
Assim, qualquer ato processual que ultraje de alguma forma o Direito, a
Garantia, o Processo, a Legalidade estará ultrajando o devido processo. A exemplo:
PENAL – PROCESSO PENAL – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU PARA CONSTITUIÇÃO DE NOVO ADVOGADO – PREJUÍZO À AMPLA DEFESA – SUPRESSÃO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL – 1) a não intimação pessoal do réu para constituir novo advogado para o patrocínio da sua defesa, só deve ser substituída pela intimação editalícia, uma vez frustradas as tentativas de sua localização. Em não sendo assim, padece de nulidade o processo, em manifesto prejuízo à defesa, realizar o
129 Declaração Universal dos Direitos do Homem: art. XI, nº 01 – Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provocada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 130 MORAES, op. cit., p. 361 131 RANGEL, op. cit., p. 02 132 MORAES, ibid, p. 361
referido via edital, apesar de constar dos autos endereço certo do destinatário da comunicação. 2) ofende o devido processo legal o juiz que, ao retomar a marcha processual, pela quebra do benefício de suspensão condicional do processo, paralisada logo após o interrogatório, suprime a instrução criminal, ordenando às partes a apresentação de alegações finais. 3) nulidade processual manifesta. 4) recurso provido. (TJAP – ACr 149902 – C.Ún. – Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 19.04.2004 – p. 12 )
Cabe lembrar do direito que todo cidadão tem de peticionar em caso
necessidade de defesa de seus direitos, contra ilegalidade ou abuso de poder, bem
como, obter certidões de repartições públicas a fim de obter esclarecimentos de
interesse pessoal, independentemente do pagamento de taxas. É uma tentativa do
Direito Constitucional de proporcionar ao individuo o pleno exercício da cidadania e
controle de abusos de poder.133
Ademais, não é demais lembrar que a Norma Constitucional estabele que não
haverá juízo ou tribunal de exceção, “isso significa que configurado o conflito de
interesses e invocada a tutela jurisdicional, essa deve ser prestada por tribunais pré-
constituídos. Não se pode criar tribunais após verificado o fato que motivou a busca da
prestação jurisdicional do Estado. Ou seja, objetivou-se erradicar o chamado tribunal
de exceção, juízos ad hoc ou tribunais de segurança nacional.”134
V. Das medidas de supressão da liberdade
A liberdade é um dos bens maiores tutelados pela Constituição Federal, é, pois,
a regra posta a todo cidadão, de modo que as restrições a ela formam um complexo de
exceções.
O Indiciado poderá ser desprovido de sua liberdade através das formas de
prisões provisórias,135que constituem em medidas cautelares de privação da liberdade
do indicado como autor do delito, decretada pelo Juízo competente, durante o
Inquérito Policial, quando se fizer necessário e diante de hipóteses legais, para
proteger interesses sociais de segurança.
133 Constituição Federal: Art. 5º - XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; 134 ANDRADE, Dárcio Guimarães de. Do juízo natural - Publicada no Juris Síntese nº 20 - NOV/DEZ de 1999. 135 Código Penal: Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior
Os ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete, elucidam a conceituação da prisão
provisória, também chamada de preventiva em sentido amplo:
“Embora se façam criticas ao instituto da prisão preventiva, já que suprime a liberdade do individuo antes do transito em julgado da sentença condenatória, causando ao eventualmente inocente a desmoralização e a depressão aos seus sentimentos de dignidade, é ele previsto tradicionalmente em nossa ordem jurídica como em todos os paises civilizados. Considerada um mal necessário, uma fatal necessidade, uma dolorosa necessidade social perante a qual todos devem se inclinar, justifica-se a prisão preventiva por ter como objetivo a garantia da ordem pública, a preservação da instrução criminal e a fiel execução da pena.”136 As prisões provisórias podem ocorrer através da prisão em flagrante, à prisão
preventiva, a temporária, a resultante de pronúncia.
Os requisitos gerais das medidas restritivas estão dispostos na Constituição
Federal de 1988. No artigo 5º, inciso LXI, está disposto que ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei. Ademais, outros requisitos estão depositados no artigo 312 do
Código de Processo Penal.137
Desta forma, o Indiciado em Inquérito Policial apenas poderá ser custodiado se
for preso em flagrante delito, nos termos dos artigos 301 a 310 do Código de Processo
Penal, ou através de determinação judicial, mediante ordem escrita e fundamentada
pela autoridade competente como dispõe o artigo 282 do codex processual penal,138 a
fim de que tais medidas não sejam meros desígnios discricionários, mas sim legítimos
e juridicamente tutelados. Vejamos:
“A Carta de 1988 jungiu a perda da liberdade a certos pressupostos, revelando, assim, que esta se constitui em verdadeira exceção. Indispensável para que ocorra é que se faça presente situação enquadravel no disposto no inciso LXI do rol das garantias constitucionais, devendo, se possuidora de contornos preventivos, residir em elementos concretos que sejam passiveis fr exame e, portanto, enquadráveis no artigo 312 do Código de Processo Penal”(STF – HC nº 71.361/RS, 2ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 23.09.1994, p. 25.330 ) A Constituição Federal ainda determina que a prisão de qualquer pessoa e o
local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à
136 MIRABETE, op.cit., p. 384 137 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 138 Art. 282. À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente.
família do preso ou à pessoa por ele indicada.139 Compete à autoridade Policial
providenciar o cumprimento do preconizado na Norma Constitucional, a fim de não
causar invalidação da possível prisão, sobre o assunto:
“PROCESSUAL PENAL – RECURSO DE HABEAS CORPUS – PRISÃO EM FLAGRANTE – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO JUIZ COMPETENTE – HABEAS CORPUS CONCEDIDO NA ORIGEM – CONFIRMAÇÃO I – Evidenciado o descumprimento do artigo 5º-lxii da CF/1988, correta a concessão do habeas corpus, para invalidar a prisão em flagrante, violadora de tal garantia. II – Recurso oficial improvido.” (TJMA – RHC 023999/2003 – (47.522/2003) – São Luís – 2ª C.Crim. – Relª Desª Nelma Celeste Sousa Silva Sarney Costa – J. 04.12.2003)
Outro direito inerente ao preso é à identificação dos responsáveis por sua prisão
ou por seu interrogatório Policial, que terá como meio de execução a emissão pela
autoridade Policial da Nota de Culpa, prevista no Código de Processo Penal.140
A Nota de Culpa deve ser emitida no prazo de vinte e quatro horas da prisão,
tendo sido assinada pela autoridade, onde constará o motivo da prisão, o nome do
condutor, o nome das testemunhas e um resumo dos fatos imputados a determinado
individuo, e deverá ser entregue a este.
A falta de cumprimento desta cláusula pode acarretar o relaxamento da
prisão.141
Ocorrerá o imediato relaxamento da prisão desde que esta seja ilegal, como
exprime o inciso LXV do artigo 5º da Constituição Federal.142 Tal ilegalidade pode
ser ocasionada por inúmeros motivos, dentre eles o excesso de prazo na manutenção
da custódia.
A Constituição Federal determina que ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.143
O autor Fernando Capez ensina que a liberdade provisória é instituto
processual que garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o transcorrer do
139 Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. 140 Código de Processo Penal: Art. 306. Dentro em 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. 141 MIRABETE, ibid, p. 384 142 Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; 143 Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
processo até o trânsito em julgado, vinculado ou não a certas obrigações, podendo ser
revogado a qualquer tempo, diante do descumprimento das condições impostas.
Encerra-se que a liberdade provisória pode ser conferida quando o réu se livre
solto (art. 321, Código de Processo Penal), quando cabível fiança, quando o juiz
verificar que o acusado praticou o fato amparado por excludente de ilicitude (art. 310,
Código de Processo Penal) e quando verificar que não é caso de prisão preventiva (art.
310, parágrafo único, Código de Processo Penal).
A prisão preventiva deve ser revogada e ceder lugar à liberdade provisória, tão
logo desapareça o motivo que lhe deu causa.
“PROCESSUAL PENAL – LIBERDADE PROVISÓRIA – PRESTAÇÃO DE FIANÇA – 1. " Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a Lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI - CF). Não havendo, na espécie, contra-indicação legal à concessão de fiança, e não estando presentes os motivos que autorizem a prisão preventiva, impõe-se concessão do habeas corpus. 2. Concessão do habeas corpus.” (TRF 1ª R. – HC 01000349856 – MG – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Olindo Menezes – DJU 27.02.2004 – p. 52)
VI. O Direito ao silêncio
O Direito ao silêncio, oriundo da Convenção Americana dos Direitos Humanos,
está constitucionalmente previsto144 no ordenamento jurídico brasileiro, com previsão,
igualmente, no Código de Processo Penal, no artigo 186, caput e parágrafo único145.
Determina-se na opção do sujeito, a quem é imputado à autoria de um delito,
manter-se calado e não responder as perguntas proferidas pela Autoridade Policial ou
Judiciária.
É direito é inerente ao preceito de autodefesa e preservação, de modo que o
Indiciado poderá abster-se de falar, se assim lhe convir, sendo aplicável a indivíduos
que estejam em liberdade ou recolhidos ao cárcere em conseqüência de uma das
formas de prisão preventiva já outrora comentada.
144 Constituição Federal de 1988. art. 5º, inciso LXIII - preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado
145 Código de Processo Penal. Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Falar sobre os fatos, responder as perguntas e esclarecer as dúvidas da
autoridade, através na normatização constitucional, tornam-se atos discricionários do
sujeito. Configura-se na manifestação da vontade individual.
“O direito ao silêncio, em especial nos interrogatórios, tem por objetivo
resguardar a personalidade humana, como amplamente considerada, ou seja, em sua
liberdade, segurança, saúde e intimidade.”146
O brocardo latino nemo tenetur se detegere, é traduzido por Fernando da Costa
Tourinho Filho - “ninguém é obrigado a acusar a si próprio” – o autor ainda afirma que
tal expressão deve ser utilizada na sua forma mais pura, não podendo de modo algum a
autoridade Policial ou judicial considerar tal silêncio como um indício de culpa.147
Em artigo específico sobre a matéria o autor René Ariel Dotti adverte que tal
direito pertencer tanto ao indiciado quanto ao réu da ação penal:
“São inúmeros os precedentes nos quais a garantia do direito de calar é reconhecida em favor dos acusados que estão em liberdade. O silêncio do réu não poderá mais ser interpretado em prejuízo da própria defesa e nem constituirá elemento para a formação do convencimento, favorável ou desfavorável do Juiz.”148
Ou seja, o preconizado na Constituição Federal deve ser alargado e abranger
todos os sujeitos a que oponha a autoridade Policial ou judicial, indiciado ou réu.
O direito de permanecer em silêncio e não se auto-incriminar estabelece um
obstáculo na formação da prova de autoria, mas tal barreira não pode de nenhum modo
ser ultrapassada, mesmo que de forma singela, pois poderá afetar o aspecto ético do
procedimento inquisitorial.149
Com efeito, na ocasião do Interrogatório ou quando da expedição do auto de
prisão em flagrante delito, esse direito deve ser comunicado pela autoridade ao
Indiciado. Tal advertência deve constar expressamente no texto dos autos.
Além do direito de calar-se, compete ao imputado o exercício de não dizer a
verdade, a fim de não se auto-incriminar.
146 SZNICK, op. cit., p. 145 147 TOURINHO F. Fernando da Costa. Processo penal. 2º vol. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 456 148 DOTTI, René Ariel. Garantia do direito ao silêncio e a dispensa do interrogatório. Publicada na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 04 - out-nov/2000, pág. 16 149 GOMES FILHO, Antonio M. Direito a prova no processo penal. SP: RT, 1997. p. 114
Alexandre de Moraes é categórico ao afirmar que cabe “ao acusado não só o
direito ao silêncio puro, mas também o direito de prestar declarações falsas e
inverídicas, sem que por elas possa ser responsabilizado, uma vez que não se conhece
em nosso ordenamento jurídico o crime de perjúrio.”150
É oportuna a invocação dos seguintes precedentes:
“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – DIREITO AO SILÊNCIO – Pedido deferido para que, caso reconvocado a depor, não seja o paciente preso ou ameaçado de prisão pela recusa de responder a pergunta cujas respostas entendam poderem vir a incriminá-lo”. (STF – HC 79589 – TP – Rel. Min. Octavio Gallotti – DJU 06.10.2000 – p. 81) Na mesma cláusula constitucional onde consta o direito ao silêncio, está
disposto que ao preso será concedido o direito de assistência da família.
Procura-se aqui permitir à família do preso, cabendo tal implicação ao Indiciado
preso provisoriamente, a ciência da localização do sujeito e a situação em que se
encontra, a fim de propiciar-lhe apoio e assistência, edificando o modelo humanitário
da Constituição Federal.
Mencionando as palavras enfáticas de Celso Ribeiro Bastos, compreende-se
melhor a intenção do legislador quando da propositura desta cláusula:
“Tendo em vista as precárias condições do nosso sistema penitenciário, é de toda justiça que o preso possa valer-se do socorro ofertado por seus familiares, os quais poderão assegurar-lhe conforto moral e material, inclusive condições a contratação de advogado para sua defesa.”151 Em que pese o preso provisório estar comumente condicionado ao sistema
carcerário desestruturado.
Todavia, o descumprimento desta previsão não acarretará a nulidade da
investigação, mas certamente ocasionará danos a dignidade do preso, voltando assim
ao ultraje de outra norma preconizada na Constituição, o respeito a dignidade humana.
Sobre o tema:
“HABEAS CORPUS – COMUNICAÇÃO A FAMILIA DO PRESO – CF ART. 5º, INCISO LXII – NÃO CUMPRIMENTO - ILICITO ADMINISTRATICO – A Constituição da República, dentre as garantias individuais, registra o direito de a prisão ser comunicada ao Juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII). A inobservância é idônea para ilícito administrativo. Por si só, entretanto, não prejudica a validade da investigação” (STJ - HC nº 6210-0/GO, 6ª Turma. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. DJ. 07.07.2000, p. 1612)
150 MORAES, op.cit., p. 400 151 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a constituição do Brasil. 2º vol. SP: Saraiva, 1989. p. 376
VII. A assistência jurídica
O ordenamento jurídico brasileiro desde a primeira Constituição Federal
sempre preconizou o direito de defesa. Na Constituição Federal de 1988 há várias
cláusulas indicando o direito de defesa dos cidadãos e sujeitos processuais.152
Defesa no Processo Penal153, de forma genérica, compõe-se de todas as ações
que buscam a aplicabilidade de todos os Direitos e Garantias inerentes ao sujeito sobre
o qual recaí uma acusação de pratica de ato ilícito e comporta outros direitos como o
da citação, ciência dos atos, acesso ao processo, clara e fundamentada acusação.154
Ocorre que no Inquérito Policial não há a aplicação do conceito de defesa, posto
que enquanto ato investigativo não lhe compete o contraditório e em decorrência disto,
não há o lastro da ampla defesa.
Paulo Rangel leciona que: “durante o Inquérito, o indiciado não passa de mero
objeto de investigação, mas possuidor de direitos e garantias fundamentais, não se
admitindo o contraditório, pois não há acusação e, como conseqüência, não pode haver
defesa.” Sobre a matéria:
“HABEAS CORPUS – PROCESSO PENAL – USURA PECUNIÁRIA – INQUERITO POLICIAL – CONTRADITÓRIO – INEXISTENCIA. 1. a natureza inquisitorial do Inquérito Policial não se ajusta à ampla defesa e ao contraditório, próprios do processo, ate porque visa preparar e instruir a ação penal. 2. O sigilo do Inquérito Policial, diversamente da incomunicabilidade do individuo, foi recepcionado pela vigente Constituição da República. 3. A eventual e temporária infrigencias das prerrogativas do advogado de consulta dos autos reclama imediata ação corretiva, sem que se possa invoca-la para atribuir a nulidade ao feito inquisitorial. 4. Precedentes. Recurso improvido.”(STJ – RHC 8412-1/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 19.06.2001)
Mas, o Indiciado tem o direito de ser acompanhado durante o Interrogatório e
demais procedimentos da investigação por um advogado, que tem, normalmente, o
152 Constituição Federal: art. 5º - inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada à assistência da família e de advogado; 153 Código de Processo Penal: art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada
154 SZNICK, op. cit., p. 121
necessário preparo técnico para zelar pelo cumprimento das formalidades jurídicas e
respeito aos demais direitos inerentes ao Indiciado, evitando erros do judiciário.
A marca maior da possibilidade fática de atuação da assistência jurídica ocorre
quando há necessidade de impetrar medidas restritivas ao Poder do Estado, como a
impetração de pedidos de revogação de prisões preventivas e a proteção de Direitos e
Garantias constitucionalmente tutelados e por hora ultrajados pela autoridade coatora.
A Carta Magna traz no artigo 133 a importância do advogado na administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão,
nos limites da lei.
No entanto, percebe-se, muitas vezes, quando da assistência de excluídos,
indivíduos sem possibilidade de pagar os honorários de um advogado, incumbindo ao
Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos.155
5. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL 5.1 Considerações preliminares.
Destacamos, neste momento, as características da atuação do Ministério
Público na investigação preliminar, com o advento da Constituição Federal de 1988 e
diante das alterações impostas por esta.
A Carta reservou um capítulo para determinar as funções essenciais à justiça.
Expõe na primeira Seção o Ministério Público e no artigo 121, caput, designa-o como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado e incumbida da
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
As incumbências do órgão ministerial foram delineadas em linhas gerais no
artigo 129 da Constituição Federal de 1988. Bem como, foram elencadas na Lei 8.625
155 Constituição Federal: art. 5º, inciso LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
de 12 de fevereiro de 1993 – Lei Orgânica do Ministério Público –e na Lei
Complementar 75 de 20 de maio de 1993 – Estatuto do Ministério Público da União.
Com as características adquiridas por este conjunto normativo o Ministério
Público se afastou do antigo modelo institucional vinculado ao Poder executivo,
explicito nas Constituições anteriores.
O parquet passou a assumir diversas novas missões, principalmente a de ser
provedor da justiça constitucional, para a efetivação do Estado Democrático de
Direito, em bases sólidas de respeito à democracia e aos direitos e garantias
fundamentais.
Com referencia as funções constitucionais estabelecidas ao Ministério Público,
o Excelentíssimo Senhor Celso de Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal,
proclamou com sabedoria: “o Ministério Público tornou-se, por destinação
constitucional, o defensor do povo.”156
No mesmo seguimento, expôs o também Ministro do Supremo Tribunal
Federal Senhor Sepúlvida Pertence:
“O Ministério Público da União, em particular, desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais, que o prendiam necessariamente aos laços da confiança do Executivo, está agora cercado de contrafortes de independência e autonomia, que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania.”157
O Ministério Público passa a admitir a condição de potencial transformador,
uma “esperança social”158 na expectativa de que sejam alcançados os valores
constitucionalmente preconizados e a eficaz defesa dos interesses sociais coletivos.
Age utilizando-se dos preceitos estabelecidos na Constituição Federal,
aplicando-os em todas as esferas – políticas e sociais.
Especificamente sobre o Inquérito Policial, o Ministério Público brasileiro
opera de distintos meios, vejamos: quando do início da ação penal pública e a
intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada, bem
156 Voto proferido no Mandado de Segurança nº 21.239 – DF RTJ 147/161 157 Voto proferido no Mandado de Segurança nº 21.239 – DF RTJ 147/129-130 158 STRECK, Lenio Luiz. Crime e constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 06
como nos da intentada pela parte ofendida; quando adota medidas cautelares e
preventivas protetivas de direito; quando da determinação de suficiência ou não dos
subsídios para a instauração de uma ação penal; realizando o acompanhamento dos
procedimentos investigatórios; atuando de forma decisiva nos arquivamentos de
Inquéritos Policiais; no controle externo da atividade polícia judiciária e na proteção
dos princípios, direitos e garantias constitucionais do Indiciado.
Algumas destas atuações já receberam merecido cuidado no teor da presente
pesquisa, outros receberão apontamento adiante.
5.2 O arquivamento do Inquérito Policial
O desempenho da função do Ministério Público é regido pela
indisponibilidade da persecutio criminis159 ou seja, havendo prova de fto criminoso e
suspeita da autoria, impõem-se a denuncia, desde que excluídas as possibilidades do
artigo 43 do Código de Processo Penal.
Esta é a chamada “visão tradicional”160 que trata de forma objetiva a
indisponibilidade, torneando de obrigatoriedade o agir do Ministério Público.
Ocorre que em determinada situação esta indisponibilidade torna-se relativa,
segundo o Mestre Frederico Marques: “torna-se uma obrigação mitigada.”161
A obrigação é afastada quando o agente do Ministério Público percebe a falta
de justa causa ou a ausência de interessa de agir, ausência de necessidade e adequação,
no Processo Penal.
Não se trata de uma atitude arbitrária do Promotor de Justiça, mas sim um
efeito lógico da aplicação da legalidade da ação penal. Há um exame da significância
social da conduta e da utilidade do provimento jurisdicional.
De modo que, como explica José Burle, em obra já citada, além das hipóteses
tradicionais postas no ordenamento, poderia o Ministério Público requerer e o Poder
Judiciário consentir o arquivamento do Inquérito Policial, que contenha os 159 SANTOS, Washington dos. op cit. p.311. A expressão no âmbito jurídico, significa: perseguição judiciária ao crime. 160 BURLE, Filho, José Emmanuel. O arquivamento do Inquérito Policial. SP: Fiúza Editores, 1996. p. 27 161 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2 ed. Vol II. SP: Ed. Forense, 1965. p. 171
pressupostos básicos de ação processual penal, mas seja irrelevante socialmente, pela
pouca significância das lesões jurídicas observadas, ao que temos como Princípio da
Insignificância. Podendo causar o provimento jurisdicional inútil e o descrédito das
instituições jurisdicionais.
O professor Frederico Marques, com propriedade, complementa a explicação:
“A falta de base para a denúncia, ao Ministério Público é que cabe examinar, expondo, para isso, no pedido de arquivamento, as razões em que se funda para deixar de acusar. Há falta de base para a denúncia quando a prova colhida no inquérito não autoriza qualquer acusação, ou por não haver indícios de autoria, ou por não demonstrar, ao de leve que seja, a a prática do crime. Além disso, em se tratando de infração de pouca monta, pode o Ministério Público, em face de circunstâncias próprias de caso, entender que não deve acusar.”162
De certo modo, a consagração de tal modo operacional, ressaltando a
significação e a afetação provocada pela ação, busca a agilidade dos procedimentos
processuais, “a tendência do direito processual moderno é também no sentido de
conferir maior utilidade aos provimentos jurisdicionais.”163
É evidente que esta visão ainda encontra diversos opositores, mas temos está
nova posição como um avanço para a agilidade de inúmeros processos e
procedimentos judiciais, celeridade na Justiça, além de ser uma postura mais humana,
posta a disposição do representante do Ministério Público.
5.3 O controle externo e o poder investigatório do Ministério
Público
O controle externo e o poder investigatório do Ministério Público já causaram
inúmeras discussões doutrinárias, inquietações jurídicas, controvérsias jurisprudenciais
e modificações legislativas. Temos como veremos a seguir, posicionamentos
divergentes dos maiores Tribunais nacionais.
O Superior Tribunal de Justiça traz a possibiliade de investigação promovida
pelo Ministério Público, inferindo-se pela sua legalidade, tem-se:
162 MARQUES, José Frederico. op cit. p. 172 163 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 2 ed. SP: RT, 2002 P.426
“INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSÃO DE NULIDADE.INCOMPETÊNCIA DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MÚNUS DA ATIVIDADE POLICIAL.INOCORRÊNCIA. TITULARIDADE PLENA DO DOMINUS LITIS. ART. 129 DA CF.A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade investigatória, bem como o material probatório produzido. A promoção investigatória do órgão acusatório, nos termos do comando constitucional, reveste-se de legalidade, sobretudo porque lhe é conferida, a partir dela, a indicação necessária à formação da opinião sobre o delito(...).” (STJ – HC 38230 / SP – 5ª Turma, Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 01.02.2005 p. 589)
A questão, do mesmo modo, foi amplamente debatida nos Tribunais locais,
ressaltamos um julgado que se faz pertinente neste momento:
“HC. INVESTIGAÇÃO PROCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. 1. O inquérito policial é, em regra, atribuição d autoridade policial. 2. O parquet pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta aplicação da lei. 3. Se o conjunto de elementos e informações colhidos são suficientes para consubstanciar o fumus boni júris, no que diz respeito à materialidade e autoria do crime, impõe-se o recebimento da denúncia. 4. Tal poder do órgão ministerial mais avulta, quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do Ministério Público. 5. (...). 6. Ordem de Hábeas corpus denegada, sendo cassada a liminar concedida.” (HC. 97.04.26750-9/PR 1ª T. Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa – DJU 16.07.1997)
Por outro lado, tal posicionamento não prevalecia no Supremo Tribunal
Federal, que pautava suas decisões, comumente, em aspectos históricos, haja vista ser
uma inovação a possibilidade aqui engendrada; ainda afirmava se houvesse a intenção
de possibilitar a investigação efetuada pelo Ministério Público, o legislador
constitucional teria registrado nas “entranhas” da Constituição Federal.
A questão tornou-se mais pacífica com o advento da Resolução número 20, de
28 de maio de 2007, oriunda do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou o
artigo 9º da Lei Complementar 75 de 20 de maio de 1993 e o artigo 80 da Lei Federal
8.625 de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando o controle externo exercido pelo
Ministério Público sobre a atividade policial.
Em leitura singela da Resolução citada, percebe-se que o referido regulamento
traz a determinação detalhada dos órgãos que se sujeitam ao controle do Ministério
Público, a forma e os procedimentos a serem seguidos para a execução desta atribuição
ministerial, qual seja o controle externo sobre a atividade policial, com a finalidade de
proteção da segurança nacional, amparo aos sujeitos do Inquérito Policial, a exaltação
do interesse público e a assistência geral à persecução criminal.
Pautando-se nos princípios constitucionais – anteriormente enumerados – e
sob reflexo das políticas públicas de proteção ao cidadão e do cumprimento das
normas penais, processuais penais e administrativas.
A Resolução número 20, de 28 de maio de 2007, busca, sem dúvidas,
dignificar a função exercida pelas Polícias Judiciárias e demais organismos com
funções investigativas. Certamente, se bem aplicada, traga maior segurança jurídica e
fidelidade dos fatos aos referidos procedimentos.
Cabe aos representantes do Ministério Público e ao órgão ministerial em
colegiado cuidar, fiscalizar, observar, detectar irregularidades, acompanhar os
processos investigatórios e os procedimentos que os compõem a fim de ser localizada
alguma irregularidade ou deficiência proceder para estas sejam sanadas.
Ressaltemos que outro questionamento está na possibilidade da condução
propriamente dita, do Inquérito Policial pelo Ministério Público, a distinção da
problemática fica a cargo do professor Lenio Streck.
“A questão de fundo é, sensivelmente distinta: reside em saber se, à luz do ordenamento jurídico vigente, o Ministério Público te – ou não – legitimidade para, no âmbito de seus próprios procedimentos, realizar “diligências investigatórias” no intuito de subsidiar a proposição de futura ação penal pública. ”164
A legitimidade de investigar criminalmente, não encontra respaldo legal
específico, o legislador nacional não detalhou tal matéria. A expectativa de que esta
possibilidade viesse elencada na Resolução número 20, de 28 de maio de 2007, do
Conselho Nacional de Justiça, restou frustrada. De tal modo a matéria continua sendo
cuidada nas doutrinas e nas jurisprudências.
Estudamos amiúde a obra de Mauro Fonseca Andrade, intitulada Ministério
Público e sua investigação criminal para formar um pensamento globalizado sobre o
tema, assim, a partir destes momentos tomamos a liberdade de usar tal obra para
fundamentar o raciocínio abaixo descrito abaixo.
Há os que defendem a ilegitimidade, propondo como fundamento a falta de
previsão constitucional ou leis infra constitucionais regulando o assunto; pautando-se
no teórico monopólio do poder investigativo das policias judiciais; o suposto
retrocesso ao Sistema Inquisitivo, no qual, como já explicitado, a mesma autoridade
que investiga, preside o julgamento; o receio ao ultraje de Princípios como o da
Igualdade das Armas, onde o órgão que investiga também acusa, ou a aafronta ao
164 STRECK, Lenio Luiz. op. cit. p. 80
Princípio da Imparcialidade e Impessoalidade e a desobediência ao Devido Processo
Legal; além da imparcialidade nas investigações, acumulo de funções, falta de
estrutura e de controle – problemática do autocontrole do parquet.
Por outro lado, há a parcela que defende a legitimidade da investigação
criminal presidida pelo Ministério Público.
Um dos pontos que chama a atenção nessa esfera seria quanto a forma de
entendimento do sistema processual penal, anteriormente debatido neste estudo
acadêmico, no qual o parquet não se encaixa como autoridade judicial, mas sim como
órgão administrativo e seus atos não teriam uma natureza processual.
Tal dúvida estaria a salvo se reconhecêssemos o Sistema Misto no qual
realmente estamos inseridos. A partir daí aceitar a investigação criminal elaborada
pelo Ministério Público seria mais bem acolhida pelo ordenamento jurídico. Não
caracterizando o Sistema Inquisitivo, pois historicamente não há registro da influência
do Ministério Público neste sistema. Não adentraremos no assunto, posto que o mesmo
já foi debatido em capítulo próprio anterior.
Quanto a forma que regule a matéria, temos a Constituição Federal, em seu
artigo 129, que não esgota o tema e deixa margem para indagações, a exemplo temos o
capítulo próprio que cuida do Ministério Público como preceito em aberto, aguardando
lei reguladora, basta cria-la.
Estudiosos cuidam de levantar a chamada “Teoria dos Poderes Implícitos” em
uma referencia ao “quem pode o mais pode o menos”165 ou seja, sendo o Ministério
Público o titular da ação penal, ao mesmo tempo poderá fazer suas competentes
investigações.
Quanto à ofensa ao Princípio da Imparcialidade e Impessoalidade de mesmo
modo já os enfrentamos anteriormente, onde destacamos a possibilidade de
caracterização de uma imparcialidade mitigada ou relativa, a qual não ofenderia
demais garantias constitucionais, ao contrário, permitiriam um sistema mais justo e
humanitário.
165 ANDRADE, Mauro Fonseca. op. cit. p. 177
Por fim, se o atual quadro nacional estivesse bem cuidado com a atuação da
Polícia Judiciária, talvez, tais questionamentos não precisassem ser levantados, ocorre
que a realidade é bem diversa, de modo a criar uma perspectiva e novas soluções e
abrandamento do caos a que vemos no cotidiano criminal. A corrupção policial, o
abandono dos estabelecimentos prisionais, a carência de equipamentos e pessoal
especializados são fatos inegáveis que possivelmente seriam abrandados se houvesse
uma intervenção do maior do Ministério Público. Não está aqui induzido a substituição
da polícia judiciária, jamais, mas uma cooperação direta do Ministério Público seria a
nosso ver, bem quista.
6. CONCLUSÃO
A investigação preliminar é um elemento essencial para o processo penal. No
Brasil, possivelmente por conseqüência das deficiências do sistema adotado, tem sido
posta a um segundo plano.
Em primeiro lugar, deve-se preparar, investigar e reunir elementos que
justifiquem o processar ou não. É uma claudicação, um erro, que primeiro se acuse
para depois investigar e ao final julgar.
O Processo Penal encerra um conjunto de penas processuais que fazem com
que o ponto crucial seja saber se deve ou não acusar.
É notória a insatisfação dos operadores do Direito. Os Magistrados apontam
para a demora e a pouca credibilidade do material produzido pelos agentes de
investigação, que não se enquadra como elemento de prova na fase processual.
Enquanto os Promotores de Justiça reziguinam da falta de coordenação entre a
investigação preliminar e as necessidades de quem terá a competência de acusar a
posteriori.
Do mesmo modo, os advogados questionam a forma inquisitiva como as
autoridades policiais coordenam as investigações, negando o mínimo do preconizado
na Constituição Federal quanto aos direitos do Indiciado, no presente trabalho
elencado, ainda sem aplicabilidade em muitas delegacias brasileiras.
O Inquérito Policial atual inspira pouca credibilidade e eficácia, pela forma
displicente com que é tratado, aliado ao fato da falta de investimento estatal,
deficiência no preparo dos agentes e carência da estrutura física, o que exige uma
imediata reformulação.
A solução está na modificação do procedimento, iniciando pela aplicação das
normas trazidas pela Constituição Federal que devem ser interpretadas e aplicadas
irrestritivamente, de modo que todo procedimento processual penal deverá adaptar-se
à ordem constitucional.
A nosso juízo, o Ministério Público pode e deve assumir o mando da fase pré-
processual.
O inconcebível é que além de investigar o Ministério Público também possa
adotar medidas cautelares pessoais e outras que implique a restrição de direitos e
garantias fundamentais, posto que seria um meio de oferta-lhe o poder de julgar. Seria
o latente retrocesso à inquisição.
Ademais, para uma reforma no método de investigação é imprescindível
definir a atuação funcional da polícia judiciária, que não pode permanecer atuando
sem sincronia com o parquet.
De similar valor, limitar o conhecimento do objeto é imprescindível. A
realidade do Inquérito Policial nos leva a buscar a limitação qualitativa e quantitativa.
Não há como admitir a existência de investigações intermináveis e sem
respostas efetivas, repletas de falhas procedimentais, causando, indubitavelmente a
conseqüente ação penal cada vez mais morosa e ineficaz.
De modo que absolutamente intolerável que os atos de investigação,
praticados sem as devidas garantias, bastem por si mesmos.
A forma dos atos é talvez o aspecto que encerra grandes dificuldades, como o
valor probatório e a necessidade de qualificar a eficácia dos atos de investigação e não
excluí-los dos autos do processo criminal.
O Inquérito, por ser um procedimento pré-processual administrativo, está
caracterizado por um alto grau de liberdade de forma, não seguindo corriqueiramente
os ditames processuais penais, por isso não proporciona satisfatório resultado, até
porque ele representa o predomínio do poder e da força sobre a razão e a equidade,
algo inteiramente inoportuno em um Estado de Direito que ambiciona um moderno
Processo Penal.
Ademais, é completamente intolerável a atual imprecisão que se insurge sobre
a situação jurídica do sujeito passivo – o Indiciado.
A falha nos mais simples procedimentos quando do indiciamento de um
individuo, como o dever de comunicar imediatamente ao sujeito passivo da existência
e do conteúdo de uma imputação, permitindo-lhe comparecer para prestar
esclarecimentos, não pode faltar em um ordenamento jurídico regido por uma
Constituição Federal cidadã, que preconiza os mais valorosos Princípios, Direitos e
Garantias individuais e coletivos.
A Constituição Federal deve ser aplicada sobre cada ato que compõe o
Inquérito Policial. Não se deve interpretar um dispositivo constitucional isoladamente,
mas ao contrário, devemos utilizar o processo sistemático, segundo o qual cada
preceito é parte integrante de um corpo, analisando todas as regras em conjunto, a fim
de que possamos entender o sentido de cada uma delas.
O Inquérito Policial deve ocorrer enquanto a memória dos acontecimentos
está viva e não se teve tempo de serem revestidas de outras “verdades”.
A emoção, o constrangimento, o sofrimento e até o arrependimento ditam as
atitudes dos envolvidos e é através do Inquérito Policial que se busca a verdade dos
fatos talvez esteja presente, sem requintes de artifícios, se pode ter uma noção mais
clara dos acontecimentos.
Durante a consecução do Inquérito Policial procura-se a verdade dos fatos, a
resposta aos questionamentos da ação delituosa, efetivando-se como um elixir ao
desejo de aplicação do Direito e da Justiça.
A valoração dos atos do Inquérito Policial deve iniciar pelo fortalecimento da
situação jurídica do sujeito passivo, com uma real efetividade dos direitos
fundamentais do texto constitucional, ou seja, uma leitura mais acorde com a
Constituição de 1988 e formalismo do Código de Processo Penal.
A fundamentação dos atos da policia judiciária, constando à declaração dos
pormenores de cada atitude investigativa que foi aplicada, bem como o porquê
minucioso do motivo do apontamento de determinado sujeito como o autor de
determinada ação delituosa, do mesmo modo que a efetiva justificativa para que tal
sujeito seja indiciado, respeito aos prazos de conclusão.
Então, apenas uma imperiosa reestruturação global da fase pré-processual,
com a inspiração de um modelo acusatório humano, igualitário e a inserção de um
modelo de defesa adequadamente assegurada, com ferramentas hábeis de produção de
liberdade individual, com a adesão do Ministério Público, buscando extirpar da
realidade judicial o arbítrio historicamente existente nas atividades policiais,
contribuindo com a edificação de uma Justiça Criminal preocupada não
exclusivamente com a repressão, mas acima de tudo com a dignidade humana.
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