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Centro de Ciências Sociais Departamento de Comunicação Social Habilitação em Publicidade e Propaganda“O Novo Maracanã e as camadas populares”Gustavo Henrique Silva Brum Matrícula: 0820811Orientador: César Romero 2012.2“O Novo Maracanã e as camadas populares”Gustavo Henrique Silva Brum“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. (Constituição FTRANSCRIPT
Centro de Ciências Sociais
Departamento de Comunicação Social
Habilitação em Publicidade e Propaganda
“O Novo Maracanã e as camadas populares”
Gustavo Henrique Silva Brum
Matrícula: 0820811
Orientador: César Romero
2012.2
“O Novo Maracanã e as camadas populares”
Gustavo Henrique Silva Brum
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício
dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações
culturais”.
(Constituição Federal, Artigo 215).
Dedicatória
Gostaria de dedicar este trabalho a: João
Henrique de Souza Brum, Eulina Silva Brum,
Gabriela Cristina Silva Brum, Maria de Souza
Brum e Aparecida de Souza, pessoas que
influenciaram diretamente na formação do meu
caráter; aos torcedores e clubes cariocas que me
proporcionaram momentos inesquecíveis ao
longo dos anos.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente ao meu orientador César Romero, que foi de suma
importância para realização do trabalho, me mostrando o caminho que deveria seguir para
que o projeto se tornasse relevante e objetivo.
Agradeço aos detentores de conhecimentos referentes à história do Maracanã e dos
impactos dos megaeventos nos países-sede. Aos membros da Federação das Torcidas
Organizadas do Rio de Janeiro (FTORJ), que me cederam uma entrevista esclarecedora
sobre suas perspectivas do assunto em pauta; ao Comitê Popular Rio, que através de sua
militância em tornar uma cidade mais transparente, me transformou em um cidadão mais
ativo quanto aos movimentos políticos, e publicou no período vigente da realização do
projeto inúmeras notas sobre o direcionamento dos megaeventos a nichos específicos, não à
cidade como um todo; ao vice-presidente de planejamento do Fluminense Football Club,
Ademar Arrais, que colaborou com o trabalho e pode apresentar uma visão mais
administrativa em relação à utilização do “novo estádio”.
Por fim, gostaria de agradecer o apoio dos familiares e amigos, que nos meus
momentos de desânimo e exaustão me incentivaram à realização do projeto e me
aconselharam com materiais bibliográficos e novas perspectivas a serem abordadas.
Sumário
Introdução ......................................................................................................................................................... 1
1. Histórico do gigante e identificação com as camadas populares .............................................................. 4
1.1. O contexto do período pós-guerra e a idéia da construção de um gigante .................................................. 7
1.2. Três projetos de estádio ............................................................................................................................. 11
1.3. O projeto vencedor e seu financiamento para as obras .............................................................................. 12
1.4. Maracanã: o espaço democrático das classes sociais ................................................................................ 15
1.5. Os recordes ................................................................................................................................................ 17
1.6. Início das reformas, fim da geral, aumento do preço dos ingressos e propostas de privatização ............. 18
2. O Novo Maracanã ...................................................................................................................................... 22
2.1. Os megaeventos esportivos para a cidade do Rio de Janeiro .................................................................... 24
2.2. Os projetos futuros para o Estádio: obras e propostas de gestão ............................................................... 27
2.3. Análise dicotômica entre a gestão do público/privado .............................................................................. 36
2.3.1. Obras feitas pelo setor público/projeto de gestão para iniciativa privada ................................ 36
2.3.2. Custo de um estádio moderno e seus reflexos perante as camadas populares ......................... 40
2.3.3. Falta de espaço para a manifestação popular e possíveis soluções .......................................... 42
3. Percepção do Novo Maracanã ................................................................................................................... 45
3.1. Torcidas Organizadas ................................................................................................................................ 46
3.2. Imprensa .................................................................................................................................................... 49
3.3. Comitê Popular da Copa ............................................................................................................................ 52
3.4. Dirigentes de futebol ................................................................................................................................. 54
3.5. Políticos ..................................................................................................................................................... 57
4. Conclusão .................................................................................................................................................... 59
5. Notas ............................................................................................................................................................ 63
6. Referências Bibliográficas ......................................................................................................................... 66
7. Fontes ........................................................................................................................................................... 66
Introdução
Batendo a porta de nosso país estão os megaeventos esportivos, Copa do Mundo e
Olimpíadas em 2014 e 2016, respectivamente, e na companhia deles estão os impactos
econômicos, sociais e políticos que esses eventos representam às nações. Juntamente a eles,
encontra-se a “necessidade” das cidades-sede se adequarem e cumprirem às exigências
feitas por órgãos reguladores internacionais. A fim de garantir a realização desses eventos
de custos altíssimos, o âmbito público cobre o orçamento requerido e realiza uma série de
transformações nos municípios que irão recebê-los, os quais são inspecionados e avaliados
constantemente por estes órgãos. O governo justifica a defesa da realização dos
megaeventos alegando que os benefícios econômicos durante a realização dos mesmos é
superior ao custo da preparação e que estes são oportunidades para investimentos em
setores que deixarão um legado à sociedade, mesmo após suas realizações.
Uma comitiva da Fifa chegará ao Brasil nesta terça-feira para supervisionar o avanço das obras em
estádios de seis das doze cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, dias após o secretário-geral da
entidade, Jérôme Valcke, ter se mostrado extremamente crítico, questionando a capacidade do país
para organizar o evento. 1
Durante a preparação das cidades-sede, ocorrem-se inspeções feitas pelos órgãos
reguladores que realizam um diagnóstico sobre as condições que elas possuem para receber
os eventos esportivos de grande magnitude que estão por vir. Com isso, atualmente, estão
sendo realizadas obras nas doze cidades-sede da Copa do Mundo – em setores considerados
fundamentais para a realização dos megaeventos esportivos, como: hotelaria, aeroportos,
transporte público e principalmente estádios - e também obras estruturais, em fase de
planejamento, ou já sendo realizadas para tornar a cidade do Rio de Janeiro, na “sonhada”
1
cidade olímpica a fim de cumprir as exigências internacionais para comportar a demanda de
turistas e moradores que participarão de ambos os eventos.
Dentre as empreitadas que estão sendo realizadas na cidade do Rio de Janeiro, uma
será alvo de pesquisa e analisada minuciosamente neste projeto, a obra de reforma do
patrimônio cultural da cidade - tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional
(IPHAN) - o Estádio Mário Filho, popularmente conhecido no Brasil e no mundo como
Maracanã. A pesquisa tem como alvo analisar como as obras exigidas para atingir o padrão
da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) irão modernizar o estádio e os
reflexos que essa “modernidade” poderá gerar aos torcedores, principalmente os que
representam as camadas populares, as quais sempre frequentaram o estádio, que, no entanto
correm o risco de não estarem mais presentes, devido ao custo orçamentário da manutenção
de um “estádio moderno” para o Estado que planeja conceder o mesmo para iniciativa
privada logo após a execução das obras.
O edital de licitação para a concessão do Maracanã à iniciativa privada será lançado em outubro e
Flamengo e Fluminense, únicos entre os grandes clubes do Rio a manifestarem interesse na
administração do estádio, serão convocados com antecedência para contribuir com idéias em uma
audiência pública, segundo o governo do Estado. 2
No primeiro momento da pesquisa, serão divulgados dados histórico sobre as obras
de construção do Maracanã, seu bem jurídico, assim como, tentar compreender os motivos
que fizeram do estádio, um lugar mítico. Também nesse momento seria de extrema valia
que o leitor analisasse as razões defendidas à época para a construção do gigante e
comparasse o contexto das obras de sua inauguração com o da reforma atual, o projeto de
obras e sua utilização: como seria financiado e por quem seria frequentado. Por fim, a
2
ressalva de que especulações sobre a transição do caráter administrativo do estádio (público
para o privado) já vieram à tona em diversos períodos, e que as camadas populares já
estavam se afastando do estádio antes mesmo do início das obras atuais, devido a motivos
como: aumento no preço dos ingressos, fim dos setores populares - mais precisamente a
Geral - e realização de obras que não priorizaram a cultura brasileira, principalmente
carioca, de torcer.
A segunda análise, foca no projeto da obra atual do Maracanã e em seu entorno, o
reflexo dos megaeventos para a cidade, priorizando as questões que acercam o estádio: as
especulações que estão sendo geradas no atual momento sobre a posse do gigante, além de
uma visão crítica dicotômica da realização de obras vindas do setor público e a concessão
administrativa para o âmbito privado, tendendo a afastar ainda mais as camadas populares.
O terceiro momento, é composto pelo material empírico da pesquisa, onde pretende-
se extrair opiniões do público-alvo, que seria formado por pessoas diretamente relacionadas
ao novo estádio como: diretores de futebol, imprensa, políticos, torcidas organizadas e
comitês populares, e como os mesmos estão pensando sobre o tema, obtendo-se diferentes
visões defendidas por esses nichos.
Ao final do trabalho, busca-se concluir através de uma abordagem bibliográfica e
empírica como está a percepção do Novo Maracanã e a partir de um cruzamento de dados
obtidos no projeto analisar a relevância dessa obra para o público carioca, focando na
inclusão das camadas populares.
Segmentar informações históricas de um estádio de 62 anos, onde inúmeras pessoas
são intimamente ligadas ou apresentam uma mínima relação, e contextualizá-las é algo que
enriquecerá a pesquisa e poderá gerar soluções – já que o aguardado edital de concessão
administrativa ainda não foi lançado – para os prováveis desfavorecidos das novas obras,
3
que não só transformará o estádio do ponto de vista arquitetônico, mas tende a segmentar
um padrão sócio-econômico de torcedores que poderão frequentá-lo, proporcionando um
possível afastamento das camadas populares que fizeram o Maracanã se tornar um símbolo
do futebol brasileiro e mundial, um espaço democrático onde durante um longo tempo, o
único requisito para torcer dentro de suas propriedades era gostar de sentir a emoção de
uma partida de futebol.
1. Histórico do gigante e identificação com as camadas populares
Construído para sediar a Copa do Mundo de Futebol do ano de 1950, o Maracanã,
que tem seu nome oriundo da língua tupi-guarani, significando “semelhante a um
chocalho”, devido à quantidade de aves maracanã-guaçu que habitavam a atual região do
estádio e emitiam um som semelhante ao instrumento.
Posteriormente, com o Maracanã já construído na área do antigo terreno do Derby
Club - o qual já havia sido postergado pelo Hipódromo da Gávea em 1923 - recebeu como
nome oficial Estádio Mário Filho, em homenagem ao jornalista pernambucano Mário
Rodrigues Filho que se tornou dono do primeiro jornal especializado em reportagens e
críticas esportivas, o Jornal dos Sports, com grande influência na sociedade carioca a partir
dos meados da década de 30.
Na época do embate político sobre o novo projeto de estádio que viria representar o
Brasil e o Rio de Janeiro para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 1950, o primeiro
evento desse torneio no pós-guerra, Mário Filho apropriou-se do seu prestígio como editor
do Jornal dos Sports e apoiou a construção de um grandioso estádio municipal na região da
Grande Tijuca – juntamente com personalidades influentes nos meios de comunicação da
época como: o então vereador da União Democrática Nacional (UDN), Ary Barroso, e o
4
presidente da Federação Metropolitana de Futebol, Vargas Netto – tendo como pretexto
argumentos que exploravam o sentimento nacionalista, principalmente carioca, dando apoio
ao então prefeito do Rio de Janeiro, Ângelo Mendes de Moraes, que obteve respaldo
através destes importantes nomes, e assim, autorizou a construção daquele que viria se
tornar um estádio imponente, mítico, “o maior do mundo” como a mídia ao longo dos anos
o reverenciou na qualidade de maior templo do futebol brasileiro e mundial.
“Se temos a cidade mais bonita do Brasil, com o Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Lagoa e
Copacabana, também vamos ter um monumento do futebol, o estádio do Maracanã”, disse Mário
Filho. (TOUGUINHO, 1998: 10)
Desde a realização de seu primeiro evento – o Maracanã foi aberto oficialmente no
dia 16 de Junho de 1950 para uma cerimônia política com autoridades da época - no dia 17
de Junho de 1950, com o amistoso entre as seleções do Rio de Janeiro e de São Paulo e
durante sua utilização para os jogos da Copa do Mundo de 1950, o Maracanã teve como
pontos fortes três grandes características, onde o ajudaram a se tornar um local propício
para a expressão da cultura de massas, não só através do futebol mas também por
espetáculos musicais, entre outros grandes eventos, foram elas:
i) espaço físico – a conjuntura histórica de sua construção o ajudou a obter status
de “maior estádio do mundo”. Tendo inicialmente capacidade para comportar
155 mil pessoas oficialmente, o Maracanã conseguiu superar diversos recordes
ligados a eventos esportivos e musicais, graças ao pretexto da “necessidade” de
se construir um estádio imponente no Rio de Janeiro àquela época, porém com
as seguintes reformas dentro de suas propriedades, como a colocação de
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assentos nos degraus de concreto da Arquibancada e da Geral, a capacidade do
estádio diminuiu.
ii) divisão setorial – o Maracanã , desde seus primeiros dias até a destruição da
Geral, apresentava uma divisão setorial que consistia em: Geral, Arquibancada,
Cadeiras numeradas, Camarote e Tribuna de Honra, esta divisão por mais que
representasse uma segmentação sócio-econômica, permitia a participação de
todos na platéia. Em seus primórdios, logo após sua construção para a Copa do
Mundo, “(...) os ingressos destinados às camadas populares totalizavam 80% da
capacidade total do estádio, sendo 93 mil e 500 lugares para os arquibaldos e 30
mil aos geraldinos”. 3
iii) localização – durante o embate político envolvendo a construção do parque
esportivo, houve calorosos debates sobre em qual área da cidade deveria se
erguer o estádio, um dos principais argumentos dos membros que defenderam a
proposta vencedora foi a construção do estádio na região onde encontra-se
erguido atualmente, entre a Grande Tijuca e São Cristóvão – à época não existia
o bairro do Maracanã - devido o fácil acesso e a circulação de transporte público
na região.
Os pontos citados acima contribuíram para que o Estádio Mário Filho se tornasse
um lugar onde pessoas, independentes de credos, raças e classes sociais pudessem
freqüentá-lo e expressassem livremente seus sentimentos: chorando, xingando, sorrindo e
comemorando; os torcedores fizeram do Maracanã um berço cultural, lá pessoas de
diferentes aspectos sociais puderam comungar suas paixões e manifestar suas maneiras de
6
torcer de modo que, naquele local, não houvesse diferenciação entre ricos e pobres, muito
menos superioridade de um grupo social perante outro.
Não há quem, sendo amante do futebol, tenha resistido naqueles degraus de concreto duro a todas
intensidades da paixão. Sendo do bem, doutor ou bandido, ali todos se igualaram no riso, no choro e
no calão. Este é o canto do Rio mais democrático e mais famoso do mundo, o gigante do Maracanã.
(TOGUINHO, 1998: contracapa)
1.1. O Contexto do período pós-guerra e a idéia da construção de um gigante
O período de formação de idéias para a construção de um estádio grandioso no
Brasil, que posteriormente viria a se tornar o Maracanã, se iniciou em maio de 1938 quando
o jornalista Célio de Barros efetuou a candidatura brasileira para a Copa do Mundo de
1942, ao então presidente da FIFA, Jules Rimet. Para entender melhor o porquê políticos,
operários e a sociedade, quase como um todo, ajudaram a construir esse estádio imponente,
e os motivos que o fizeram de caráter popular, é necessário correlacionar os momentos
cruciais do projeto com o cenário que o Brasil e o mundo se encontravam à época.
Quando um grande estádio realmente começa a existir? No dia em que se consegue verba para
construí-lo, ou já no primeiro traço dos engenheiros que o projetam? No lançamento da pedra
fundamental, ou só quando a bola começa a rolar, para valer, em sua grama nova em folha? O
Maracanã começou a existir um pouco em cada um desses momentos, todos obrigatoriamente
comemorados à brasileira, uma inauguração solene para cada etapa vencida até a abertura dos
portões. Pouco se fala, porém, de quando nasceu a idéia de construir no Brasil um estádio com o
tamanho da paixão de seu povo pelo futebol. (MÁXIMO, 2010: 30)
Para melhor compreensão e análise, segue abaixo dados que envolveram a
construção do Maracanã, desde a fase inicial de seu projeto até o início de suas obras para a
7
Copa do Mundo de 1950, são dados contextualizados em uma visão macro sobre fatos que
estavam ocorrendo no Brasil e no mundo à época.
“Em maio de 1938 – quando o jornalista Célio de Barros, delegado brasileiro no
XXIV Congresso da FIFA, realizado durante a Copa do Mundo, lançou em Paris a
candidatura brasileira para o Mundial de 1942 – (...)” (MÁXIMO, 2010: 30) o Brasil já
havia sofrido dois golpes: a “Revolução de 30” e o “Golpe de 37”, dando início a ditadura
do “Estado Novo” governada pelo ardiloso Getúlio Vargas; o mundo já havia presenciado
sucessivas crises econômicas que desencadearam na “Grande Depressão de 29” - a qual
resultou na maior recessão econômica da história – e formação de novos partidos na
Europa, como o nacional-socialista na Alemanha (nazismo), e o fascismo na Itália que
constituíram a aliança do “Eixo” durante a Segunda Guerra Mundial.
Não querendo entrar em detalhes, para que não ocorra nenhuma possível
deterioração no objetivo da pesquisa, o trabalho não irá se aprofundar em detalhes
ocorridos no período “Entre-Guerras”, apenas levantará alguns pontos que de certa maneira
afluíram na construção do Maracanã:
i) o principal concorrente brasileiro para sediar a próxima Copa do Mundo – no
caso, no ano de 1942 – era a Alemanha, pois já contava com grandiosas praças
esportivas e havia sediado com êxito os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. A
FIFA achou prudente adiar a decisão da sede por mais um ano, devido ao
estranho momento político da Europa, que culminou no início da Segunda
Guerra Mundial.
ii) o impacto do “Estado Novo” na sociedade brasileira: transição de sociedade
agrária para urbana, expansão de cidades, culto ao trabalho, orgulho à
nacionalidade e a figura do representante de governo como defensor das
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camadas populares, foram algumas das mudanças na postura da sociedade
brasileira, que posteriormente formaram argumentos de suporte para a
construção de um parque esportivo grandioso, frequentado pelas mais diversas
classes sociais, “que desse orgulho aos brasileiros”. O jornalista Mário Filho,
grande apoiador do projeto, cultuava os ritos promulgados pelo “Estado Novo”
através da imprensa referia-se ao estádio como orgulho nacional e o árduo
trabalho para colocá-lo de pé como “comprovação da capacidade do povo
brasileiro”.
De acordo com o jornalista Mário Filho, a obra serviria para “comprovar a capacidade do povo
brasileiro”. E de fato a comprovou: em tempo recorde - apenas 665 dias (de 2 de agosto de 1948
a 16 de junho de 1950) -, dez mil operários brasileiro ergueram aquele que, 60 anos depois,
ainda não foi suplantado. Um portento chamado Maracanã. (BUENO, 2010: 29)
iii) A Segunda Guerra Mundial fez com que a FIFA adiasse durante seis anos sua
decisão sobre o local que sediaria o próximo Torneio Mundial de Futebol –
durante o XXV Congresso em julho de 1946, em Luxemburgo – com parte da
Europa em ruínas e planos econômicos de altíssimos custos para sua
revitalização, a candidatura brasileira não teve concorrentes, tendo como única
exigência do então presidente da federeação, Jules Rimet, e de outros dirigentes
da FIFA, a construção de um grande estádio, já que os maiores em território
nacional à época eram o Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, e o
Pacaembu, em São Paulo, que não possuíam a capacidade ideal para comportar
as grandes platéias de espectadores durante os jogos do torneio.
9
iv) a deterioração da ditadura no Brasil e no mundo, fez com que o governo do
“Estado Novo” comandado por Getúlio Vargas, por muito pouco não
participasse ativamente da construção do estádio.
“Na segunda semana de agosto de 1945, o arquiteto Rafael Galvão tratou de apresentar ao
prefeito do Rio de Janeiro, Henrique Dodsworth, um anteprojeto para a construção de um
“estádio municipal” no Rio de janeiro. (...) Acontece que Dodsworth fora nomeado por Getúlio
Vargas, e desde o golpe do estado Novo, deflagrado em 1937, Vargas virara um ditador ardiloso
e sombrio. Só que as ditaduras tinham acabado de ser vencidas na Europa. Por iss, em 29 de
outubro de 1945, Vargas caiu. (BUENO, 2010: 29)
Do ponto de vista das relações políticas internacionais do Brasil com o resto do
mundo, o fim da “era varguista” acabava com a correlação do país com as
ditaduras nazi-fascistas ocorridas na Europa – Getúlio era um confesso
admirador de algumas medidas do partido nazista -. Uma grande obra após o
período ditatorial, que governou o país durante aproximadamente oito anos, para
sediar um evento de proporções internacionais, simbolizava a oportunidade de
mostrar ao mundo a capacidade organizacional brasileira e selaria a formação de
um país democrático e próspero.
Todos esse pontos foram fundamentais para a oportunidade do Brasil construir um
grandioso estádio de futebol – esporte que já havia se tornado paixão nacional àquela época
– tendo a ideia sido vendida pela esfera pública e comprada pela sociedade que vislumbrava
uma nova fase do país. Com o conceito já formado, restava decidir como seria o projeto de
estádio: desenho arquitetônico, local e financiamento, três itens que foram alvos de grande
debates acerca da construção.
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1.2. Três projetos de estádio
Com a ideia da “necessidade” de construção de um grandioso estádio para sediar a
Copa do Mundo de Futebol de 1950, comprada por quase toda a sociedade – há quem
discutia a viabilidade econômica do projeto, se haveria a necessidade do gasto deste
montante de dinheiro para um palco de futebol, ao invés de investir em outros setores de
base como escolas e hospitais, se não era mais econômico ampliar o já erguido Estádio de
São Januário, o qual sempre foi administrado pelo Clube de Regatas Vasco da Gama, e não
pela gestão pública – porém a imagem de um novo e grandioso estádio já tinha sido adotada
e para colocá-la em andamento o então prefeito do Rio de Janeiro, Ângelo Mendes de
Moraes, aprovou sua construção, sendo gerido pela gestão pública na região do antigo
Derby Club, onde atualmente se encontra o bairro do Maracanã, na Grande Tijuca. A
proposta do então prefeito foi alvo de grandes críticas do seu inimigo político, o então
colunista e vereador mais votado da cidade na época, Carlos Lacerda.
Lacerda era primeiramente contra a construção de um estádio gerido pelo âmbito
público, argumentando que os altos custos da construção deveriam ser orçados pela
iniciativa privada. O segundo ponto que o vereador questionava era quanto à localização do
estádio, apoiando que as obras fossem a construção de uma “cidade olímpica” que
promovesse desenvolvimento a uma deserta região da cidade, a Restinga de Jacarepaguá,
local onde é hoje a Barra da Tijuca.
As críticas do colunista e político fizeram que Ângelo de Moraes levasse a questão à
Câmara dos Vereadores para votação, mas de maneira ainda mais democrática, o também
então vereador Ary Barroso do mesmo partido, União Democrática Nacional (UDN), do
grande opositor à proposta, Carlos Lacerda, encomendou uma pesquisa ao recém-criado
11
IBOPE para saber a opinião pública referente ao assunto. O resultado vencedor pela
esmagadora maioria foi o projeto do prefeito Ângelo de Moraes que fora apoiado por
personalidades como: Mário Filho, Ary Barros e Vargas Netto. Lacerda ainda tentou
contra-argumentar, propondo que a arena fosse construída de forma privada em Irajá – por
constatar que seu projeto havia sido derrotado, em grande parte, pela localização definida,
na abandonada Restinga de Jacarepaguá, onde não havia veiculação de transporte público e
era de difícil acesso, diferentemente da região central onde foi selecionado o terreno do
projeto vencedor.
1.3. O projeto vencedor e seu financiamento para as obras
Assinada a lei 57, em novembro de 1947, o prefeito Ângelo de Moraes garantiu as
naturezas jurídicas do estádio de formato oval que viria a se tornar o maior do mundo, com
capacidade oficial de 155 mil pessoas, 32 metros de altura, medindo 317 metros em seu
eixo maior e 279 metros no menor.
Dentre as naturezas jurídicas do estádio, definiu-se que o Maracanã é (ou era) um
bem público, e que apesar disso, boa parte da captação de recursos para o investimento de
sua obra inaugural foi a partir da iniciativa privada, através do financiamento por meios das
vendas de cadeiras cativas e perpétuas – convertendo o preço para os dias atuais, a cadeira
cativa custava aproximadamente R$ 6,5 mil por cinco anos de utilização e a perpétua R$ 25
mil com direito a utilização vitalícia. 4
A efetuação desse financiamento diminuiu os impactos no cofre público e não
houve a necessidade imediata no retorno do investimento, sem que fossem adotadas
medidas com intuitos comerciais pelo Estado - como uma política agressiva de preços -
assegurando a participação popular no estádio. Já as pessoas que possuíssem melhores
12
condições sócio-econômicas à época poderiam contribuir com a construção do estádio e
reservavam do direito de obter ou negociar seu lugar na platéia. A divisão setorial
constituía – da área mais popular à elitizada – em: Geral, Arquibancada, Cadeira
Numerada, Camarotes e Tribuna de Honra, reservada às personalidades.
Tendo o projeto de estádio definido, “a pedra fundamental foi lançada no dia 20 de
janeiro de 1948, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro” (MÁXIMO,
2010: 42), porém apenas no dia 11 de junho - quase seis meses após o lançamento da pedra
fundamental - começou o recrutamento dos operários para iniciarem-se as obras. 5
Após 665 dias de trabalhos, diurnos e noturnos, cerca de dez mil operários ergueram
o Maracanã, feito celebrado através de duas inaugurações: a primeira, em 16 de junho de
1950, uma homenagem solene às autoridades que contribuíram com a construção do estádio
como o prefeito do Rio de Janeiro, Ângelo Mendes de Moraes, e o então presidente, Eurico
Gaspar Dutra; já a segunda, no dia seguinte, foi para aqueles que viriam a ser os “donos” do
estádio, o povo, que foi brindado com um amistoso entre as seleções do Rio de Janeiro e a
de São Paulo, tendo o time paulista vencido pelo placar de 3x1.
Figura 1 – Pedra fundamental do Maracanã.
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Figura 2 – Planta da região do Maracanã.
Figura 3 – Acima: o antigo terreno do Derby Club, à esquerda: operários
trabalhando na construção da obra, à direita: uma visão panorâmica das obras do
estádio do Maracanã para a Copa de 1950.
14
1.4. Maracanã: o espaço democrático das classes sociais.
O Maracanã se fez um espaço de tamanha democracia, que reza a lenda que ocorreu
uma aposta entre os presidentes do Brasil, Eurico Gaspar Dutra – que curiosamente proibiu
o jogo de azar em território nacional -, com o então presidente do Uruguai à época, durante
o confronto final da Copa do Mundo de Futebol de 1950. O Brasil sendo o favorito para
ganhar seu primeiro Torneio Mundial de Futebol fez com que o presidente apostasse que o
vencedor do duelo seria homenageado com as cores que representavam sua pátria na
pintura do estádio, como o Uruguai se tornou o vencedor, a pintura externa do Estádio do
Maracanã teve tons celestes.
Entre diversos mitos, que não possuem comprovação histórica, porém culminaram na
formação de um estádio lendário, repleto de histórias, ressalta-se que muito dessa áurea se
deve a caracterização do mesmo: – analisada no subcapítulo anterior – um lugar de grande
proporções físicas, capaz de agregar 155 mil pessoas de diferentes classes sociais – sendo
que diversas vezes o número de espectadores dentro de suas propriedades ultrapassou a
capacidade oficial – e com um projeto arquitetônico que permitia a circulação do povo
entre seus setores populares, o Maracanã formou uma herança cultural brasileira, e
principalmente carioca de torcer, expressada, desde os primeiros jogos, através de um
modelo carnavalesco. 6
O Brasil foi crescendo e, contra a Espanha, deu um show de bola. A cada gol, dos seis marcados, a
torcida explodia cantando a música do Carnaval da época do Carnaval da época de João de Barro (o
Braguinha) e Alberto Ribeiro, que tinham algumas partes que diziam: “Eu fui às touradas em Madri/
Parará timbum bumbum.../...Conheci uma espanhola natural da Catalunha/ Caramba, carambola sou
15
do samba não me amole, pro Brasileu vou fugir/ Isso é conversa mole para boi dormir.” Já pensou o
que é mais de 150 mil pessoas cantando nas arquibancadas? (TOGUINHO, 1998: 16)
E foram inúmeros outros cânticos, e manifestações carnavalescas, ecoadas nos
setores de ingressos a preço popular - traduz-se como geral e arquibancada – como o
cântico “O Campeão”, composto por Neguinho da Beija-Flor que demonstrava uma
exaltação ao Estádio Mário Filho e o hábito dos torcedores em frequentarem o estádio a fim
de sentirem a emoção que o mesmo proporcionava. - “Domingo eu vou ao Maracanã, vou
torcer pro time que sou fã/ Vou levar foguetes e bandeira, não vai ser de brincadeira, ele vai
ser campeão/ Não quero ir de cadeira numerada, vou sentar na arquibancada para sentir
mais emoção (...) – O uso de fantasias e adereços, também oriundas da cultura
carnavalesca, destacavam os “geraldinos”, termo utilizado para adjetivar as pessoas que
frequentavam o setor da Geral, e liberavam uma forma criativa e singular de pessoas de
diferentes classes sociais, raças e credos de torcer. Vale ressaltar que a Geral não era
simplesmente para torcedor de baixo nível sócio-econômico, e sim para quem queria
possuir “voz” no Estádio, pois na arquibancada a manifestação da torcida só é escutada em
forma de coro, já a Geral era para aqueles torcedores explosivos que interferiam em uma
partida devido a proximidade do setor com o campo – o setor era separado do campo por
um poço de três metros de profundidade.
A geral sempre foi uma das grandes atrações do Maracanã, porque o seu torcedor era um tipo
especial no futebol, com personalidade marcante. Uns se fantasiavam, se pintavam ou inventavam
tipos. Era um dos melhores lugares para se ter emoção. A arquibancada é muito longe do campo. Na
geral se vê o lance de perto. (TOGUINHO, 1998: 35)
16
1.5. Os recordes
Dentre os dez maiores públicos da história do futebol brasileiro, todos foram
ocorridos no Estádio do Maracanã, que inúmeras vezes ultrapassou sua capacidade oficial
de 155 mil pessoas, havendo boatos de ter suportado mais de 200 mil pessoas, como na
final da Copa do Mundo de 1950, entre Brasil e Uruguai e no jogo decisivo da eliminatória
para a Copa de 1970, entre Brasil e Paraguai. Segue abaixo a lista dos dez maiores públicos
do estádio:
1º. Brasil 1-2 Uruguai – Copa do MundoData: 16/07/1950 Público: 199.854 pessoas no total
2º. Brasil 4-1 Paraguai – EliminatóriasData: 21/03/1954 Público: 195.513
3º. Fluminense 0-0 Flamengo - Campeonato CariocaData: 15/12/1963 Público: 194.603
4º. Brasil 1-0 Paraguai – EliminatóriasData: 31/08/1969 Público: 183.341
5º. Flamengo 3-1 Vasco – Taça GuanabaraData: 04/04/1976 Público: 174.770
6º. Flamengo 2-3 Fluminense – Campeonato CariocaData: 15/06/1969 Público: 171.599
7º. Botafogo 0-0 Portuguesa-RJ - Campeonato CariocaData: 15/06/1969 Público: 171.599
8º. Flamengo 0-0 Vasco – Campeonato CariocaData: 22/12/1974 Público: 165.358
9º. Brasil 6-0 Colômbia – EliminatóriasData: 09/03/1977 Público: 162.764
10º. Flamengo 2-1 Vasco – Campeonato CariocaData: 06/12/1981 Público: 161.989
17
1.6. Início das reformas, fim da geral, aumento do preço dos ingressos e propostas
de privatização
A comercialização e as quantias exorbitantes que são investidas a partir da década
de 90 no futebol tiveram reflexos no Maracanã muito antes da candidatura brasileira aos
megaeventos que estão por vir. O processo de “modernização” do estádio tendo como
justificativa uma melhor organização dos torcedores dentro de suas propriedades, e
articuladas por interesses de grupos comerciais tiveram como resultado intervenção, e
posteriormente o fim da Geral, alteração do projeto arquitetônico e aumento no preço dos
ingressos, resultando também numa vertiginosa queda na média de público do estádio.
Em meados dos anos 90, a Geral já havia sido fechada para o público diversas vezes, alegando que
era uma recomendação FIFA para que as pessoas assistissem aos jogos sentadas em lugares
marcados, mesmo que no anel superior, onde se encontrava a arquibancada, as pessoas continuavam
a assistir as partidas em pé, pois não havia marcação de lugares, e nem por isso havia sido fechada. A
verdade é que o futebol nesse período se tornou alvo de grandes investimentos e compra de mídias
por grupos empresariais representava uma grande fatia desse dinheiro injetado, que passou a servir
para arrendamento de clubes, torneios e estádios, por isso placas publicitárias foram colocadas ao
redor do campo, impedindo a visão do geraldino. (TOGUINHO, 1998: 35)
O último jogo nos moldes original do estádio foi o duelo entre Botafogo e
Juventude, na final da Copa do Brasil do ano de 1999, com os setores originários de sua
inauguração lotados, havendo mais de 100 mil espectadores, naquele que seria a despedida
do tradicional Maracanã, pois no fim deste ano ocorreu a primeira grande reforma do
estádio para sediar o Mundial de Clubes FIFA no ano 2000. A reforma do estádio consistiu
em colocar assentos nos degraus de concreto da velha arquibancada, diminuindo a
18
capacidade em 40 mil espectadores, além de instalações de camarotes na parte de cima do
anel superior, provocando mudanças no projeto arquitetônico, pois os camarotes foram
inclusos em uma área onde havia escoamento de ar e fechou o acesso às rampas
monumentais que facilitavam a locomoção dos torcedores na hora de se retirarem. 7
Figura 4 – Foto do Maracanã e sua rampa monumental, a qual passou a ser
inutilizada após a reforma que o estádio sofreu para o Mundial Interclubes no ano
2000.
19
A segunda grande reforma visando os Jogos Pan Americanos de 2007 tiveram
proporções ainda mais drásticas quanto à descaracterização do estádio, de seus moldes
originais, pois decretava o fim da Geral em 2005 – no local do setor foram implementadas
cadeiras numeradas – e diminuição da capacidade oficial para 89 mil pessoas, significando
uma redução de aproximadamente 80 mil lugares em sete anos. O montante investido na
obra do estádio para o Pan foi de R$ 360 milhões, que se somados às reformas para o
Mundial de Clubes de 2000, totaliza um valor de R$ 400 milhões para os cofres públicos
gastos apenas em obras, desconsiderando alguns custos referentes ao estádio como sua
manutenção.
O valor do preço dos ingressos é outro item que serve como observação para a
diminuição da manifestação das camadas populares no estádio. O pesquisador do
Observatório das Metrópoles, Erick Omena, realizou uma análise profunda sobre a média
do preço dos ingressos do Maracanã, desde 1950, em relação ao salário mínimo e constatou
que a média sempre ficou em torno de 1-2% do salário mínimo, porém na década de 90
onde o futebol se tornou um negócio mega lucrativo, houve um aumento na média de preço
dos ingressos em níveis superiores a inflação, o ápice da média se ocorre com o fim da
Geral e a reabertura do Maracanã após os Jogos Pan Americanos de 2007, mais
precisamente em 2010, quando a média atingiu a 13% do salário mínimo, tornando-se
praticamente inviável o comparecimento de uma família de classe baixa e média-baixa nos
jogos do Maracanã.
20
Figura 5 – Gráfico que aponta a relação entre os setores mais baratos com o
percentual do salário mínimo ao longo dos anos. (Fonte: Erick Omena, pesquisador
do Observatório de Metrópoles e membro do Comitê Popular Rio Copa e
Olimpíadas).
Erick, também descreveu que o atual cenário de indecisão quanto ao projeto de gerir
o Estádio Mário Filho, já aconteceu – com menos força que o atual - em dois momentos ao
longo de sua história. A primeira em meados dos anos 90, com a ascensão do
neoliberalismo resultando em políticas de privatização de propriedades públicas que foram
comumente concedidas e licitadas pelo governo, o Maracanã também se tornou alvo de
interesse dos grandes empresário, que utilizavam discursos ainda mais fortes do que os
utilizados no contexto atual, tinham como projeto a construção de um grande shopping no
complexo onde se encontra o estádio. O segundo momento foi em 2007, após a realização
dos Jogos Pan Americanos.
21
2. O Novo Maracanã
No dia 30 de outubro de 2007, o Brasil foi formalizado como país sede da Copa do
Mundo de 2014 pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) após 64 anos da
primeira realização do torneio no país, em 1950.
A partir desta data decorreu-se o processo seletivo da FIFA para a escolha das
cidades-sede que irão receber o megaevento. Inspetores contratados pelo Comitê da
Federação Internacional visitaram as cidades que se candidataram, diagnosticaram os
pontos fortes e fracos de cada e determinaram quais setores – considerados essenciais pelo
Comitê como: estádios, transporte urbano, segurança, aeroportos e rede hoteleira – serão
necessários investimentos para que as candidatas possam atingir o padrão FIFA, e
consequentemente, receberem o aval do órgão para sediarem o Campeonato Mundial de
Seleções. Após o processo de inspeção foram selecionadas doze cidades: Belo Horizonte,
Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Salvador, São
Paulo e Rio de Janeiro.
De maneira geral, a avaliação da FIFA foi a constatação de que as cidades-sede
teriam que receber uma injeção monetária para a execução dos projetos enviados à entidade
a fim de garantir o padrão exigido e consequentemente a execução do torneio. Nenhum
estádio brasileiro foi considerado apto a realizar os jogos sem que ocorressem reformas
dentro de suas propriedades e no seu entorno, pois não possuíam algumas qualificações
exigidas, como:
i) capacidade – os estádios devem ter no mínimo 30 mil assentos para jogos
internacionais, 50 mil para final da Copa das Confederações e 60 mil para a
final da Copa do Mundo.
22
ii) segurança – setores como escadarias, portarias e corredores têm que estar
sinalizados e livres de obstáculos. Dentro dos estádios é necessário que os
mesmos possuam uma sala de controle com visão panorâmica e câmeras de
vigilância interna e externa, os estádios também devem possuir ao menos uma
sala de primeiros socorros.
15. Notas
? Anella Reta; Em meio a críticas, FIFA visita Brasil para fiscalizar obra da Copa de 2014. Publicado em:
05/03/2012. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/em-meio-a-criticas-fifa-visita-
brasil-para-fiscalizar-obras-da-copa-de-2014> Acessado em: 03/09/2012
2 Gian Amato; Edital de Licitação do Maracanã será lançado em outubro. Publicado em: 01/09/2012.
Disponível em: < http://oglobo.globo.com/esportes/edital-de-licitacao-do-maracana-sera-lancado-em-
outubro-5972936> Acessado em: 10/09/2012
3 Gustavo Mehl; Futebol: de paixão popular a negócio. Publicado em: 25/05/2012. Disponível em:
< http://comitepopulario.wordpress.com/2012/05/25/futebol-de-paixao-popular-a-negocio/> Acessado em:
10/09/2012
4 Eduardo Sá; O Maracanã é de quem, afinal? (Trecho retirado da fala de Erick Omena, Comitê
Popular Rio). Publicado em: 26/09/2012. Disponível em: < http://www.fazendomedia.com/o-maracana-
e-de-quem-afinal/ > Acessado em: 28/09/2012
5 Roberto Assaf; Pré-Maracanã: A Construção do Maior Estádio do Mundo. Publicado em:
21/11/2011. Disponível em: < http://www.lancenet.com.br/novomaraca/noticias/pre-maracana-a-
construcao-do-maior-estadio-do-mundo/ > Acessado em: 28/09/2012
6 Gustavo Mehl; Futebol: de paixão popular a negócio. Publicado em: 25/05/2012. Disponível em:
< http://comitepopulario.wordpress.com/2012/05/25/futebol-de-paixao-popular-a-negocio/> Acessado em:
28/09/2012
7 Eduardo Sá; O Maracanã é de quem, afinal? (Trecho retirado da fala de Chris Gaffney, escola de
arquitetura e urbanismo da UFF). Publicado em: 26/09/2012. Disponível em:
23
iii) estacionamentos – os estádios para 60 mil pessoas devem haver no mínimo 10
mil vagas para carros e 500 para ônibus. A FIFA aceita que haja
estacionamentos em um perímetro de até 1,5 km do estádio. A entidade também
realiza exigências mais específicas no quesito para atender a mídia e recomenda
um heliporto próximo.
iv) vestiários e acessos – jogadores e árbitros devem ter uma área exclusiva e
segura de entrada no estádio, com espaço suficiente para circulação de ônibus,
carros e ambulâncias. Os vestiários devem ter itens idênticos e uma área de 150
m², escritórios adjacentes para os técnicos, duas áreas para aquecimento aos
jogadores com medidas de 100 m² e um túnel de acesso ao gramado com, no
mínimo, 4 m de largura e 2,2 m de altura.
v) conforto ao público e hospitalidade – cobertura é um item desejável para o
estádios, se eles possuírem alta incidência de sol ou estarem concentrados em
uma região que possua um clima úmido ou frio; os assentos devem possuir uma
largura mínima de 47 cm, com encostos medindo, no mínimo, 30 cm de altura e
devem estar fixados a uma distância mínima de 85 cm um dos outros, visando
facilitar a circulação dos torcedores; a FIFA realiza inspeções verificando, se a
estrutura da arquibancada possui um determinado grau de inclinação permitindo
que todos os torcedores tenham uma visibilidade perfeita do campo; devem
haver pontos de venda para cada 5 mil pessoas, que devem estar equipados com
televisores. A hospitalidade corresponde aos camarotes dos estádios, os quais a
FIFA possui o direito de comercializá-los.
<http://www.fazendomedia.com/o-maracana-e-de-quem-afinal/ > Acessado em: 28/09/2012
24
vi) mídia – todos os estádios da copa devem possuir determinados espaços,
impostos pela FIFA, para a mídia realizar seu trabalho, são esses: cabines de
imprensa, rádio e televisão, estúdios de televisão, centro de mídia, sala coletiva
de imprensa, zona mista e flash interview positions – espaço entre o vestiário e o
campo para realização de entrevistas nos intervalos e nos términos das partidas.
Pela representatividade e pelo simbolismo que o Maracanã tem para o futebol
brasileiro e mundial, este foi escolhido de maneira quase que unânime e natural, como o
estádio do Rio de Janeiro e sede para a final da Copa do Mundo de 2014, tendo que cumprir
as mais detalhadas exigências impostas aos estádios pelo Comitê da Federação
Internacional. Dessa maneira, iniciou-se a terceira obra no estádio em um período de onze
anos.
2.1. Os megaeventos esportivos para a cidade do Rio de Janeiro
É contraditório e analisado por diversas diretrizes da sociedade civil, os impactos
dos megaeventos esportivos no Brasil, tanto a nível doméstico quanto internacional. O fato
foi que a escolha da cidade do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016 selou uma
década de megaeventos esportivos na cidade, iniciando-se com os Jogos Pan-Americanos
em 2007, neste período muitos embates políticos e econômicos foram pautados por
diversos nichos sociais.
Os megaeventos esportivos podem ser definidos como: “Eventos de curta e pré-
estabelecida duração que apresentam grandiosidade em termos do público, mercado alvo,
nível de envolvimento financeiro, do setor público, efeitos políticos, extensão de cobertura
25
midiática, construção de instalações e impacto sobre o sistema econômico e social da
comunidade anfitriã”. (SILVA, 2006: 17)
Com estes, grandes expectativas são criadas para os mais diversos setores da
sociedade e um enorme volume de recursos públicos são adereçados para a realização dos
mesmos, algo que gera enorme discussão quanto ao retorno financeiro do dinheiro
investido e o legado dos mesmos para a comunidade anfitriã – o aproveitamento destes
recursos investidos para a sociedade após os megaeventos.
A questão da soberania é algo que afere o âmbito público, pois as exigências e os
direitos da realização dos eventos são determinados por empresas privadas (FIFA e COI).
Porém, o Estado ao se candidatar em receber um megaevento alega que as projeções para
os índices macroeconômicos como: Retorno do Gasto Público, Taxa de Desemprego e Taxa
de Crescimento do PIB, o legado estrutural para a comunidade e a própria execução dos
megaeventos, em si, são algo beneficentes e minimizam a questão da soberania e do gasto
público – mesmo que as projeções iniciais do montante investido não se confirmem.
O Governo Federal projeta um retorno estimado em R$ 183 bilhões, frente aos R$ 33
bilhões estimados em investimentos para a Copa do Mundo de 2014 e um retorno de R$ 14
bilhões, perante um investimento de R$ 12 bilhões para as Olimpíadas de 2016. A
veracidade desses estudos é algo plausível de discussão, já que os mesmos são
encomendados por entidades públicas. Acerca disto comentam Domingues, Betarelli e
Magalhães,
Os organizadores geralmente alegam que eventos, como a Copa do Mundo, geram estímulos para
os negócios domésticos (e.g. restaurantes, hotéis e outros negócios) e, portanto, benefícios
econômicos maiores que os custos (Noll e Zimbalist, 1997). O comitê organizador da olimpíada de
26
Atlanta estimou um impulso de $ 5,1 bilhões na economia e um aumento de 77.000 empregos
(Barclay, 2009). Na maioria das vezes tais argumentos têm por base nos relatórios de impactos
econômicos oriundos em estudos encomendados pelos governantes ou empresas esportivas para
justificar seus investimentos, uma vez que os custos para realizar tais megaeventos são cada vez
maiores (IBID, 2010: 411)
Inúmeras são as cidades que já receberam os megaeventos esportivos, e dentre elas
há casos onde o planejamento catalisou crescimento econômico da região, gerados por
investimentos em infra-estrutura urbana e preservação cultural. Nestes casos ocorreram-se
oferta do legado à comunidade doméstica e otimização da imagem da cidade perante os
olhos internacionais como em Barcelona, após os Jogos Olímpicos de 1992, e Seul, em
1988. Por outro lado, há diversos exemplos em que as projeções econômicas para os
megaeventos esportivos foram supervalorizadas e a falta de retorno do gasto público
perdurou, culminando em acumulação da dívida pública, como ocorreu com a cidade de
Montreal que apenas em 2006, trinta anos após a realização das Olimpíadas, conseguiu
sanar uma dívida de R$ 2,8 bilhões, e na Grécia, onde alguns especialistas apontam os
investimentos para as Olimpíadas de Atenas em 2004 como um dos grandes responsáveis
da atual dívida grega.
A repercussão do curto período de realização dos megaeventos esportivos e toda a
preparação para recebê-los assume a oportunidade ou o risco da nação, representada por
seus governantes através da exposição do país/cidade para o resto do mundo. Em uma
breve analogia, os megaeventos são como grandes comerciais realizados durante algumas
semanas, saber explorá-lo vendendo uma imagem positiva do país anfitrião se torna uma
missão cada vez mais árdua devido a maior cobertura da mídia tradicional e fortalecimento
27
de veículos independentes, realizar os megaeventos esportivos de maneira transparente e
organizada se tornou imprescindível para o anfitrião.
2.2. Os projetos futuros para o Estádio: obras e propostas de gestão
Obras
O projeto de obra do “Novo Maracanã”, elaborado pela Secretaria de Estado e
Obras e a Empresa de Obra Pública (EMOP), é alvo de muita polêmica, já que o mesmo foi
tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2000 a
fim de, justamente, garantir a caracterização arquitetônica do estádio em virtude da
primeira grande transformação que decorreu-se em suas propriedades para as obras do
Mundial de Clubes da FIFA, realizadas meses antes da determinação do tombamento pelo
Instituto.
Em maio de 2011, realizou-se uma Audiência Pública com participação do EMOP,
IPHAN, Secretaria de Estado de Cultura e representantes de movimentos de torcida,
objetivando esclarecer à sociedade civil as mudanças no projeto original do Maracanã para
a Copa do Mundo de 2014, tendo como principal alteração, a demolição da marquise
histórica – a qual foi exibida pelo presidente do EMOP, Ícaro Moreno, e se encontrava
corroída – para um novo tipo de estrutura, a de lona, pois segundo o EMOP, o formato é o
que mais se assemelha com o caráter histórico do estádio, e uma reconstrução com a
estrutura original comprometeria os prazos de entrega das obras, visando sua reabertura
para a Copa das Confederações em 2013.
O projeto de novas obras e o que consiste na caracterização ou descaracterização da
concepção arquitetônica original, implementada em 1950, é alvo de divergência e
arbitrariedade dos próprios membros do IPHAN, principalmente quanto à questão da
28
demolição da marquise, vide a diferença de discursos entre o conselheiro, Nestor Goulart
Reis, e o superintendente do instituto, Carlos Fernando de Souza:
i) Na ata, o conselheiro Nestor Goulart Reis argumenta que o tombamento do Maracanã impede
obras de demolição. Seriam permitidas, segundo ele, apenas obras de restauração e
conservação (...) “Destruir obras tombadas é crime, e todos que participam disso são
responsáveis criminalmente", afirmou Reis na reunião, segundo a ata. 8
ii) “Quando vi o projeto da nova cobertura perguntei: ‘e se o IPHAN exigir a reconstrução da
marquise original de concreto?’, o que seria muito plausível. Mas obtive a resposta de que a
reconstrução seria inviável para a Copa do Mundo. Acreditando nos prazos apresentados pela
EMOP, percebemos que a intransigência de exigir a estrutura de concreto – que manteria
apenas a aparência, já que não seria mais a original – excluiria o Maracanã dos jogos. E o que
seria pior perda para nosso patrimônio cultural? O Maracanã, do ponto de vista etnográfico, só
existe pelo local. Manter a copa no Maracanã é fundamental. Aprovar a reforma foi uma decisão
difícil, que só a história dirá se foi acertada”. 9
Após a polêmica decisão de demolição da marquise, formou-se o projeto de
modernização do estádio e seu entorno – ainda passível de alterações – para a Copa do
Mundo de 2014 que consiste em:
8 Lucas Vettorazzo; Demolição de marquise do Maracanã é crime, diz conselho do IPHAN. Publicado
em: 13/04/2012. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1075434-demolicao-de-
marquise-do-maracana-e-crime-diz-conselho-do-iphan.shtml.> Acessado em: 16/11/2012
9 Dep. Robson Leite (PT); Nota publicada sobre “A Atuação da Comissão de Cultura” na ALERJ no
1º semestre de 2011. Disponível em: Conteúdo próprio; material disponibilizado pelo deputado para os
presentes no 1º Seminário Cultural Carioca, realizado no dia 25/08/2011, no auditório da ESPM-RJ
29
i) abolição da tradicional divisão entre cadeiras e arquibancada, tendo apenas um
lance de arquibancada onde serão fixados assentos em um espaço de 50 cm
entre eles e serão separados por 110 camarotes, dividindo a arquibancada em
setor inferior e superior, os assentos serão compostos pelas cores azul, branco e
amarelo. A empresa que fornecerá os 79 mil assentos por R$ 17 milhões é a
brasileira Giroflex.
ii) reabilitação das duas rampas monumentais, inutilizadas desde as obras para o
Mundial de Clubes de 2000, além de mais quatro rampas e quatro torres de
acesso ao longo do anel externo.
iii) aproximação do torcedor com o campo, a primeira fila de assentos estará a uma
distância de 14 metros.
iv) construção de uma nova cobertura feita por membrana de fibra de vidro e teflon
de alta tecnologia e cabos de aço tensionados, a nova cobertura cobrirá cerca de
96% dos assentos. A nova cobertura sofre críticas de sobrevalorização de preços
e consequentemente, aumento de custo aos cofres públicos. Segundo o Tribunal
de Contas da União (TCU), o Estádio Mané Garrincha, que está sendo
construído em Brasília para a Copa de 2014, apresenta dimensões e
características técnicas semelhantes ao Maracanã, sua cobertura está sendo
construída por R$ 175,8 milhões, 30% menos do valor projetado para as obras
deste setor do estádio fluminense. Em nota à imprensa, o consórcio que
administra a empreitada preferiu não divulgar os valores da cobertura: “O custo
da cobertura está incluído no valor total da reforma, que é de R$ 859 milhões”.
10
30
v) instalação de 16 elevadores e mais seis novas escadas rolantes, totalizando em
12 no estádio. O projeto prevê a construção de cinco túneis de acesso, 231
banheiros e 60 novos bares. Na área de segurança e informação aos torcedores,
o estádio terá a capacidade informar à áreas específicas através de um sistema
de controle de imagem e som e uma central de monitoramento que acompanhará
o espectador desde sua entrada. Serão 3.940 alto-falantes, 360 câmeras de
segurança e monitores de TV, além de todos os equipamentos mecânicos e
elétricos como iluminação, ventilação, sistema de energia, incêndio e segurança
predial, que serão monitorados por um único sistema chamado BMS (Building
Management System)
vi) sustentabilidade, o “Novo Maracanã” terá uma preocupação ecológica muito
maior que o anterior: haverá economia de recursos hídricos através da captação,
armazenamento e reutilização de toda a água de chuva e da irrigação do campo;
na cobertura haverá 1.560 painéis fotovoltaicos – painéis capazes de transformar
a energia da luz solar em luz elétrica –; e diminuição nas emissões de gás
carbono (CO²).
vii) segundo a Secretaria Municipal de Obras, em janeiro de 2012, o projeto do
entorno do Maracanã objetiva uma recuperação urbana e conexão do estádio
com a área da Quinta da Boa Vista através de duas passarelas que cortarão a
linha férrea. Haverá demolição de uma área próxima à comunidade da
10 Vinícius Segalla; Obra no Maracanã é campeã em irregularidades; sobrepreço já chegou a R$ 163
mi, diz TCU. Publicado em: 23/03/2012. Disponível em :
<http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/03/23/obra-no-maracana-e-campea-em-
irregularidades-sobrepreco-ja-chegou-a-r-163-mi-diz-tcu.htm?abrefoto=45> Acessado em:17/11/2012
31
Mangueira que servirá de suporte ao estádio para atender a demanda de
espectadores em grandes eventos e revitalização urbana no entorno que
contempla: implantação de ciclovias, acessibilidade, paisagismo, piso em
concreto estampado, iluminação em LED. O valor estimado é R$ 109,5 milhões.
11
Figura 6 – Planta do “Novo Maracanã”
No momento, as obras se encontram com 75% de conclusão e com uma despesa,
que segue com uma forte tendência de alta até a reabertura do estádio, estimada em R$
859,9 milhões, frente aos R$ 705 milhões projetados inicialmente – o custo estimado já
alcançou a cifra de R$ 957 milhões, porém após as suspeitas do TCU de sobrepreço das
obras, o consórcio aderiu a uma “economia”, a qual passou a “adotar” a estimativa atual –.
A princípio o consórcio que administrava as obras do estádio era formado pelas
empreiteiras: Delta, Odebrecht e Andrade Gutierrez – a Delta foi afastada após as
11 Sec. Municipal de Obras, Alexandre Pinto; Apresentação: Construção de passarelas sobre linha
férrea e urbanização do entorno do Estádio do Maracanã. Publicado em: 30/01/2012. Disponível em:
<http://www.slideshare.net/fimdejogo/apresentao-do-projeto-de-urbanizao-do-entorno-do-maracan?
from=ss_embed#btnNext> Acessado em: 17/11/2012
32
denúncias de corrupção que ligavam o presidente do conselho administrativo, Fernando
Cavendish, com o contraventor Carlinhos Cachoeira em abril de 2012.
Quando o país foi eleito sede para a Copa do Mundo de 2014, o então presidente da
Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, afirmou que os financiamentos para
a execução dos projetos estruturais para as obras deveriam ser no modelo PPP (Parceria
entre Público e Privado) a fim de aliviar a sangria dos cofres públicos. Porém, este modelo
não foi seguido para os investimentos da reforma do Maracanã, ela está sendo financiada
exclusivamente pelo uso de dinheiro público através de recursos do Governo do Estado do
Rio de Janeiro e de empréstimos cedidos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento
(BNDES), Corporação Andina de Fomento (CAF) e a Caixa Econômica Federal. Segue
abaixo a tabela com os valores dos créditos ofertados pelos bancos para o Governo do
Estado do Rio de Janeiro:
Banco Valor (R$) Valor estimado da
obra (R$)
BNDES 400.000.000,00
CAF 244.000.000,00
Caixa 137.000.000,00
TOTAL 781.000.000,00 859.900.000,00
% financiamento
oriundo de
empréstimos
91%
33
Tabela 1 – Valores referentes ao montante emprestado ao Governo do Rio de
Janeiro par a construção do “Novo Maracanã”.
Através da demonstração financeira, exercida na Tabela 1, e de uma análise crítica e
reflexiva percebemos o quão se tornou necessário uma gestão capaz de fazer do Maracanã
um estádio rentável, para que o mesmo possa amortizar o endividamento gerado pelo
Estado frente aos bancos e seus juros cobrados. Por essa razão e pela questão cultural que o
estádio sempre exerceu na população carioca, o caráter administrativo que o mesmo venha
assumir é repleto de projeções e expectativas à sociedade.
Propostas de gestão
Como foi abordado no subcapítulo 1.6. do projeto, em determinados períodos, ao
longo dos 62 anos de história do Maracanã, veiculou-se a notícia de que o estádio ia ser
gerido pela iniciativa privada e por diversas situações, as especulações não ganharam forças
e tais rumores não transformaram-se em fatos.
No entanto, vivemos um contexto único, onde se concretizou uma conjuntura
inédita para o país e para a cidade do Rio de Janeiro, uma das razões da iniciativa privada
não ter ganho estímulo para assumir anteriormente o controle do Maracanã, a utilização do
estádio para a realização dos megaeventos esportivos.
Com isso, o estádio voltou a ser alvo de empresários e de claro interesse do governo
em concedê-lo para o âmbito privado após as obras – mesmo estas sendo orçadas pelo
34
Estado – alegando não possuir o know how para fazer do Maracanã um “produto” rentável.
Esta não foi a primeira vez que o âmbito público se apropriou deste tipo de discurso para
realizar a concessão de um estádio. Em 2007, o Estádio Olímpico João Havelange foi
concedido ao clube Botafogo de Futebol e Regatas, após um custo de aproximadamente R$
380 milhões - financiado por dinheiro público – sob a mesma justificativa.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendeu a privatização do Maracanã (...) ‘Nós
vamos começar esse processo no segundo semestre de 2011. Vamos concessionar o Maracanã.
Não tem cabimento um estádio como o Maracanã nas mãos do poder público. A concessionária terá
de ter, obviamente, obrigações públicas’. 12
O ato do intuito do governo se confirmou ao publicar a minuta do edital de
concessão do complexo do Maracanã no dia 22 de outubro deste ano, sem que ocorra
anteriormente nenhuma discussão entre o poder público e a sociedade sobre o caráter que o
mesmo irá possuir, e qual esfera deverá administrá-lo - diferentemente do primeiro projeto
do estádio para o torneio em 1950 onde houve debate na câmara dos vereadores e alta
participação popular para solucionar questões como o local onde se seria erguido e sua
forma de financiamento.
A minuta do edital, protocolada pelo governo, para definir o modelo de concessão à
iniciativa privada é alvo de críticas de diversos setores da sociedade, pois há pontos
12 Redação SRZD; Sérgio Cabral defende privatização do Maracanã. Publicado em: 05/05/2011.
Disponível em:
< http://www.sidneyrezende.com/noticia/130259+sergio+cabral+defende+privatizacao+do+maracana>
Acessado em: 17/11/2012
35
contraditórios na minuta e se acaso não forem alterados, tendem a gerar profundos impactos
sociais, culturais e econômicos. O edital implica ao concessionário em:
i) pagamento ao Estado através de 33 parcelas nos valores de sete milhões
de reais, totalizando em R$ 231 milhões. Esse total cobre apenas 27% do valor
atual investido pelos cofres públicos em obras para a “modernização” do
estádio, que se somados às outras duas obras (1999 e 2006) também realizadas
com dinheiro público, o percentual cai para 18%. Outro ponto questionável
quanto a esta “engenharia financeira” é que o valor das parcelas pela outorga
não cobrem os juros de 7,4% anuais impostos pelo BNDES, no valor de R$ 29,6
milhões. Mesmo se desconsiderarmos os juros de outros bancos que realizaram
empréstimo financeiro para execução de obras, tal conta nos remete à análise de
que uma concessão nesses moldes também não faz do Maracanã algo rentável
para o setor público.
ii) o concessionário deverá investir mais R$ 469,4 milhões em obras para
tornar o complexo em uma área atrativa e fonte de receitas oriundas de outros
serviços que não sejam ligados apenas ao futebol, como a instalação de bares e
restaurantes, estas obras implicam na demolição do Estádio de Atletismo Célio
de Barros, o Parque Aquático Júlio Delamare – reformados para os Jogos Pan-
Americanos em 2007 -, a Escola Friedenreich – sétima melhor instituição
pública de ensino para alunos de primeira a quinta séries do Estado -, e o antigo
prédio do Museu do Índio, onde se encontra hospedada a Aldeia Maracanã.
36
Na mesma data (22/10/2012) em que foi lançada a minuta do edital de concessão
para o Maracanã, o governo convocou audiência pública para o dia oito de novembro, no
Galpão da Cidadania, localizado na Zona Portuária da cidade. Nela, estiveram presentes
quinhentas pessoas, de diferentes nichos da sociedade buscando esclarecimento dos
representantes públicos sobre o modelo da concessão e indo contra o reconhecimento da
mesma, por não ter ocorrido nenhum embate anterior quanto ao seu futuro caráter
administrativo, ou seja, se ele permaneceria gerido pelo poder público ou passaria sua
gestão para o âmbito privado, a concessão do estádio já estava preestabelecida. Após a
audiência, cinco deputados pediram ao Ministério Público (MP) sua anulação e 33
parlamentares solicitaram a realização de um plebiscito sobre o futuro da gestão do
Maracanã – que continua indefinido e rodeado de incertezas sobre os impactos que terão à
sociedade, especialmente aos torcedores, assíduos frequentadores do local.
A única empresa que participou de todas as etapas da, ainda indefinida, concessão
do Maracanã foi a IMX Holding AS, empresa ligada à entretenimento inserida no portfólio
do grupo EBX, do empresário Eike Batista.
A disputa pela concessão do Maracanã está 1 a 0 para o empresário Eike Batista. Sua empresa, a
IMX Holding AS, foi a única a apresentar ao Governo do Estado o estudo de viabilidade econômica
para o modelo de concessão do estádio para a iniciativa privada. 13
2.3. Análise dicotômica entre a gestão do público/privado
13 Gian Amato; Eike sai na frente para conseguir a concessão do Maracanã. Publicado em: 05/04/2012.
Disponível em: < http://oglobo.globo.com/esportes/eike-sai-na-frente-para-conseguir-concessao-do-
maracana-4497771> Acessado em: 18/11/2012
37
A análise dicotômica é sempre de extrema utilidade perante os megaeventos, em
vista do dinheiro adereçado a eventos de empresas privadas, as quais detém os direitos de
execução dos mesmos e impõem regras aos países anfitriãs. Se tratando do Maracanã –
elemento onde se encontra indefinido seu futuro caráter administrativo – ainda por cima,
pela sua importância histórica e cultural, abordada com mais intensidade no primeiro
capítulo do trabalho, projetar cenários sob a perspectiva de gestão das duas esferas é de
fundamental relevância para esclarecer algumas tendências que poderão refletir no caráter
cultural e democrático que o Maracanã obteve, por grande parte da sua história, através da
participação de torcedores oriundos de camadas populares.
2.3.1 Obras feitas pelo setor público/projeto de gestão para a iniciativa privada
No momento deste projeto, vale ressaltar que a concessão do Maracanã é uma forte
tendência, porém não foi consolidada. Visto isto, o que podemos considerar são os valores
investidos no estádio com o comprometimento do Governo do Estado do Rio de Janeiro em
assumir uma dívida frente aos bancos e seu argumento em não possuir a habilidade
necessária para realizar uma gestão efetiva de um estádio moderno, considerando que os
custos da manutenção do Maracanã irão gerar maiores prejuízos aos cofres públicos.
Mas então, qual a estratégia do alto investimento público para os megaeventos
esportivos, mais especificamente adereçados na reconstrução do Maracanã? Segundo
Betarelli, Domingues e Magalhães (2010), a promoção dos eventos esportivos servem de
estratégia do Estado para alavancarem investimentos de diferentes setores e os impactos
econômicos atingirem um patamar beneficente à nação,
38
A promoção de grandes eventos esportivos tem sido uma estratégia de diversos países para a
atração de investimentos e de atenção internacional. Os benefícios econômicos destes eventos
retratam um argumento utilizado para justificar o esforço e o gasto público para sediar tais eventos.
(IBID, 2010: 1)
Porém, as projeções econômicas são difíceis de serem mensuradas devido à
pendência do montante monetário e quais tipos de investimentos serão realizados para a
preparação dos megaeventos, além de como os mesmos irão afetar os índices
macroeconômicos (PIB e Taxa de Emprego). No mesmo estudo, feito por Betarelli,
Domingues e Magalhães (2010) constatou-se através de simulações e alguns dados sobre os
investimentos para a Copa de 2014, divulgados pelo Ministério dos Esportes, no início de
2010, que as cidades-sede que possuírem menor dependência de dinheiro público para o
financiamento de obras, exigidas pelo Comitê Organizador da FIFA, tendem a obter
melhores resultados econômicos, uma vez que suas dívidas públicas serão reduzidas e
possibilitam ao Estado utilizar recursos para investimentos em outros setores, aliviando
problemas característicos dos países emergentes.
Por mais que esta seja uma reflexão superficial, que englobe todas as cidades-sede
envolvidas com a Copa do Mundo de 2014, ela serve como analogia do dinheiro público
investido para o Novo Maracanã e seu projeto de transferência de gestão, passando do
público para a iniciativa privada.
Se o planejamento do governo tinha como ação - desde a escolha do estádio como
um dos palcos do torneio - a transferência de gestão, por que não estabeleceu ao futuro
gestor que orçasse o custo das obras? Ou buscar a realização da Parceria Público Privado
(PPP), visando diminuir o gasto de dinheiro público e a dívida do Estado para realização de
um evento comercial, possibilitando o uso de recursos para priorizar áreas problemáticas da
39
sociedade, como a saúde e a desigualdade social. Por isso, é contraditório o uso do dinheiro
público para reconstrução do Maracanã que visa um evento comercial e pós-realização,
uma concessão para o âmbito privado, atendendo interesses específicos, não coletivos. Para
esta análise dicotômica, podemos utilizar a proposição de Bobbio (2009).
Ele se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse ao interesse individual e sobre
a necessária subordinação, até a eventual supressão, do segundo ao primeiro, bem como sobre a
irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais (...). (BOBBIO, 2009: 24).
Em palestra realizada no auditório do IBMEC, em julho de 2012, o presidente do
Botafogo Futebol e Regatas, realizou um diagnóstico sobre os ativos que o clube carioca
possui. Segundo ele, o Estádio Olímpico João Havelange, o “Engenhão” – concedido ao
clube pelo Estado em 2007 – não foi terceirizado a uma empresa especializada em gestão
de estádio, pelo fato de no Brasil não existir nenhuma que atue neste ramo - há somente na
Europa e Estados Unidos - onde um dos pontos de divergência para a assinatura do contrato
de terceirização com empresas internacionais foi a diferenciação cultural e suas
consequentes implicações que poderiam influenciar em uma gestão eficiente como:
diferença no poder e hábito de consumo, formas de torcer e utilização do estádio como
outros meios de receita; o outro ponto que dificultaria a parceria seria o baixo retorno
financeiro, estimados pelas empresas ao clube.
“A gente contratou uma empresa especializada em administração de estádio? Não. Por quê? Porque
no Brasil não existe. Vieram conversar conosco empresas européias, empresas americanas, veio um
pessoal de Portugal, um pessoal da Holanda, dos Estados Unidos todos eles com modelo de
administração do estádio, com uma cultura totalmente diferente da nossa. Mas, se fosse só este o
problema, tranquilo, porque a gente vence a barreira da cultura e adquirimos uma experiência
40
importante em administração do estádio pioneira no Brasil (...) o problema é que a proposta ofertada
ao Botafogo, a gente não teria condições de assinar a minuta do contrato de tão assustador que era,
eu praticamente dava a chave do estádio para eles, e um dia, quem sabe, talvez, o Botafogo
recebesse alguma coisa do que eles iriam fazer no estádio, e pasmem vocês, têm clubes no Brasil
fazendo esse modelo”. 14
Com base nesta argumentação e transferindo para o atual cenário de indecisão sobre
a futura gestão do Maracanã, assumimos a premissa de que o Estado não possui know how
em administração de arena, mas também não há nenhuma empresa no território nacional
capacitada pra fazer o mesmo. Então o que é mais viável, contratação de profissionais
públicos para administrar esta ferramenta – ainda do Estado – e torná-la rentável, ou
concedê-la para uma empresa, que se for do ambiente doméstico, também não possuirá
nenhuma experiência em gestão de “arenas”, e caso seja internacional, há o risco de não
obter retorno com o objeto reconstruído e modernizado com o dinheiro público.
Caso ocorra a concessão nos moldes em que foi divulgado na minuta do edital,
publicada no dia 22 de outubro de 2012, o Estado só recolherá o que foi investido no “Novo
Maracanã” em 123 anos após a primeira parcela paga pela outorga do estádio – tal
projeção, desconsidera a amortização de juros impostos pelos bancos referentes à
reconstrução do local. Desta maneira, fica claro que além dos impactos sociais que esta
concessão pode gerar, do ponto de vista econômico ela beneficia o individual e não o
coletivo.
2.3.2. Custo de um estádio moderno e seus reflexos perante as camadas populares
14 Maurício Assumpção; Palestra “A Marca Botafogo no Séc.XXI”. Realizada em: 26/06/2012, no
auditório do IBMEC-RJ – filial: Barra da Tijuca. Disponível em: Conteúdo próprio.
41
O custo para manutenção do “Novo Maracanã” e todas suas instalações modernas,
revestidas por aparelhos de alta tecnologia irá exigir do seu futuro administrador,
investimentos constantes para mantê-lo de forma adequada e apto a receber espectadores
para jogos de futebol e outros espetáculos.
O fator da manutenção é o principal motivador do Estado querer tramitar sua gestão
para a iniciativa privada – mesmo o primeiro orçando solitariamente com os custos das
obras. Com este cenário, um exame meticuloso sobre a definição e a diferenciação clássica
entre o ente público e privado preestabelece tendências a serem refletidas na maneira de
administrar o estádio sob a perspectiva dos dois âmbitos, como por exemplo, a questão do
preço dos ingressos, o tornando ainda acessível, ou não, para as camadas populares.
i) setor privado, controle específico de uma empresa ou conglomerado, a mesma
arca com impostos e realiza investimentos visando uma margem lucrativa, o capital
está sob o comando de um empresário, ou grupo, que dentro das leis poderão adotar
estratégias tornando seus produtos/serviços mais lucrativos, pois suas receitas são
oriundas unicamente de suas atividades econômicas.
ii) setor público, todos são contribuintes, e diante desta premissa o Estado pode
abater ou reduzir os custos de objetos que estão sob sua posse, garantindo à
sociedade acesso a locais públicos como: hospitais, escolas e estádios por um valor
reduzido.
Diante das duas definições acima e dos altos custos que são requisitados para
manutenção de um estádio moderno – o Botafogo Futebol e Regatas que administra o até
então estádio mais moderno do país, o Engenhão – arena de menores proporções que o
42
Maracanã –, tem um custo mensal de R$ 450 mil a R$ 500 mil – tende-se a inferir que a
perspectiva da permanência de uma gestão pública impactaria em menor grau o aspecto do
afastamento de torcedores de classes sociais mais baixas no “Novo Maracanã”.
Por outro lado, há outros meios de receita que permitem fazer do estádio um
produto que não seja prejudicial ao seu novo administrador, sem que seja necessário elevar
o custo do preço dos ingressos a valores inacessíveis para os “torcedores populares”.
Negociação de espaço publicitário e aluguel de áreas VIPS podem amenizar o preço dos
ingressos para outros setores do estádio. Neste quesito, devido a Lei da Licitação, estas
outras possíveis fontes de receitas provenientes da utilização do estádio, gerariam maior
volume financeiro na posse da gestão privada, possibilitando a mesma não encarecer as
entradas do local.
A dependência da estratégia de precificação dos clubes de futebol com o futuro
gestor é fundamental para a permanência das classes mais populares no Maracanã, pois
segundo a Lei Pelé quem determina o preço dos ingresso é o clube mandante. No entanto, a
determinação do custo das entradas para jogos de futebol segue inúmeras variantes, como a
importância da partida, saúde financeira do clube, diferenciação de setores do estádio, e
especificamente no Maracanã – por não ser posse de nenhum clube – o aluguel cobrado
pelo gestor. O valor do último ainda é imensurável, mas podemos projetá-lo através da
diferenciação do Maracanã como produto da esfera pública ou privada. Na primeira, os
clubes e a sociedade como um todo, são – ou deveriam ser – contribuintes, fonte de receita,
diferentemente da segunda, o que nos leva a crer que o preço do aluguel imposto pelo
Estado para a utilização do Maracanã para os clubes de futebol tende a ser menor que os
valores cobrados pelo âmbito privado. Com todas estas proposições, vale ainda ressaltar
que por mais que o estádio venha a se tornar fonte de receita para outros serviços, seu maior
43
atrativo ainda serão os jogos de futebol, os quais não seriam realizados com a ausência dos
clubes, principalmente cariocas, em seu gramado. Por isso, caso o valor cobrado por
qualquer uma das duas esferas se torne exorbitante, inviável economicamente para os
clubes, o Maracanã tende a se tornar um “elefante branco” gerando prejuízo ao balanço
contábil, independente do seu futuro administrador.
2.3.3. Falta de espaço para a manifestação popular e possíveis soluções
A falta de espaço para a manifestação popular no Maracanã já é uma situação
recorrente desde o fechamento da geral em 2005 e agravante, com o aumento do preço dos
ingressos (conforme o gráfico da figura 5), devido às proporções econômicas que os
negócios empresariais acerca do futebol começaram a gerar a partir da década de 90.
O questionamento sobre os benefícios e malefícios que os megaeventos esportivos
irão gerar à sociedade brasileira, especialmente à carioca, no momento, são obscuros e só o
tempo poderá responder se a candidatura do Brasil e da cidade do Rio de Janeiro para
realização dos dois maiores eventos esportivos foi uma decisão correta. Porém, a premissa
adotada por parte de sociedade e alimentada por membros do governo e dos comitês
internacionais, da “obrigatoriedade” da candidatura da cidade do Rio de Janeiro é incorreta,
visto que, por exemplo, na Copa do Mundo realizada no Japão e na Coréia do Sul em 2002,
a cidade de Tóquio não foi sede para os jogos. Em segundo lugar, há o questionamento
quanto à necessidade da escolha do Maracanã – consequentemente às mudanças que a atual
reforma implica aos tradicionais frequentadores deste – como o palco para os megaeventos
esportivos, algo que poderia ser tratado com maior transparência através da participação
popular com o tema, como ocorreu no seu projeto pioneiro para a Copa do Mundo de 1950,
visto no capítulo 1. Esta provocação sobre a “necessidade” da escolha do Rio de Janeiro e
44
do Maracanã como sedes da Copa do Mundo de 2014 é feita pelo crítico público das obras
realizadas para construção do “Novo Maracanã”, o comentarista da ESPN Brasil, Mauro
Cezar Pereira.
“Primeiro que o Rio de Janeiro não precisa da Copa do Mundo, o Brasil não precisa da Copa do
Mundo, mas venderam a ideia de que é fundamental, é importante e vai ser muito bom, eu acho tudo
isso mentira. (...) E o Rio de Janeiro não precisaria do Maracanã. Mas, como é que se faz Copa no
Brasil sem o Rio de Janeiro e sem o Maracanã? Tóquio não fez parte da Copa do Mundo de 2002 e
a Copa da Alemanha em 1974 teve a final no Estádio Olímpico de Munique que sequer foi utliizada
para a Copa de 2006. Então fica evidente que infelizmente no nosso país fica muito mais fácil para o
pessoal da FIFA vender a ideia deles”. 15
A não escolha do Maracanã, não geraria essa quantidade de incertezas sobre o
futuro do estádio e para quem este foi reformado, quais pessoas poderão frequentá-lo, pois
mesmo que em menor proporção, frente os primeiros anos após sua construção, o Maracanã
ainda possuía sua áurea e caráter de estádio democrático e popular.
Como a transformação arquitetônica – e provavelmente da sua personalidade – já
foi estabelecida, com a escolha do estádio como sede para a Copa do Mundo de 2014, e a
“necessidade” da execução de obras no mesmo, seguindo as exigências da FIFA, já estão
ocorrendo, o que se pode realizar no momento são projetar possíveis soluções para que no
futuro o “Novo Maracanã”, permita a agregação de pessoas vindas de diferentes grupos
sócio-econômicos.
A primeira, é que a bilheteria já há algum tempo não é mais a principal fonte de
receita dos clubes, os quais estabelecem o preço dos ingressos, elas foram substituídas
15 Mauro Cezar Pereira; Palestra “O Maraca é nosso?”. Realizada em: 25/09/2012, no auditório 93 da
UERJ. Disponível em: Conteúdo próprio.
45
pelos direitos televisivos, diminuindo, em certa proporção, a dependência dos mesmos com
os valores dos ingressos; ao mesmo tempo em que os preços de bilheteria de uma “arena
moderna” não é a única fonte de receita de seus gestores, pois os mesmos podem adequá-
las para atender novos negócios e utilizá-las para outros serviços como: visitação do
estádio, venda de espaço publicitário e camarotes, amenizando a dependência de receitas
originárias das bilheterias em dia de eventos esportivos.
Outra medida solucionadora para a preservação da maneira brasileira de se
expressar em jogos de futebol e a permanência de pessoas vindas de classes sociais mais
baixas no Maracanã, pode ser feita através de um estudo de caso com o que ocorreu com as
arenas na Alemanha, onde foram instalados em determinados setores assentos removíveis,
possibilitando que a torcida se manifeste de pé, algo similar com a natureza do Maracanã
até os anos 2000.
Vinculados ao principal problema do futebol europeu, no final da década de 80, o
hooliganismo (traduzindo a palavra, seria o vandalismo entre os torcedores), os estádios
alemães passaram por reformas nos anos seguintes e sua modernização gerou altos preços
na cobrança dos ingressos, promovendo uma “higienização” dentro das arquibancadas. Os
torcedores alemães contestaram a relação entre a segurança e a elitização das
arquibancadas, a questão se tornou pauta política e os torcedores tiveram suas vozes
ouvidas. Hoje em dia, praticamente todos os clubes da Liga Alemã (a Bundesliga) reservam
um setor de seus estádios a preços populares – logicamente, customizando-os com
diferenciações econômicas, sociais e culturais da realidade brasileira -, as áreas são as mais
concorridas para compra de ingressos, permitindo aos estádios manterem uma alta média de
público e ainda são utilizadas para passeios turísticos, vide o caso da Südtribüne, a “geral”
46
do estádio do Borussia Dortmund, clube bi-campeão alemão e que detém a segunda maior
média do futebol mundial.
Dortmund é uma cidade com mais de mil anos que guarda pouquíssimos traços do passado.
Localizada na principal área industrial da Alemanha, foi praticamente destruída durante a II Guerra
Mundial e não faz parte dos roteiros tradicionais dos viajantes pelo país. A maior atração local é um
estádio de futebol. Mais precisamente, uma parte específica: a geral. Praticamente banido no Brasil,
o setor com os ingressos mais baratos e onde a torcida vê o jogo de pé é cultuado na Alemanha. Em
Dortmund, fica a maior geral da Europa, e talvez do mundo, a Südtribüne. 16
3. Percepção do Novo Maracanã
De modo complementar aos materiais bibliográficos e notas publicadas ao longo da
pesquisa, obteve-se durante o projeto, a realização de entrevistas com pessoas que
representam diferentes nichos da sociedade, ao mesmo tempo em que apresentam algum
tipo de relação com o antigo estádio. A percepção sobre o “Novo Maracanã” diante destes
grupos auxilia o caráter analítico do trabalho, trazendo ao mesmo um viés de
complementaridade, pois implica na opinião das diferentes vertentes entrevistadas sobre o
assunto.
Durante a abordagem do público-alvo a ser utilizado como material empírico,
percebe-se além da relevância do tema e de todo o afeto que o Maracanã tem com os
entrevistados, as perspectivas sobre como as obras e suas futuras implicações poderão
afetar o comportamento destes grupos. A definição do material empírico foi, sem dúvidas, o
16 Rafael Maranhão; Em Dortmund, geral segue viva e vira ponto turístico como maior da Europa.
Publicado em: 22/10/2012. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-
internacional/futebol-alemao/noticia/2012/10/em-dortmund-geral-segue-viva-e-vira-ponto-turistico-
como-maior-da-europa.html> Acessado em: 21/11/2012
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que mais sofreu alterações e o de maior desafio da pesquisa, à medida que se ocorreu
indisponibilidades de acesso à novas fontes, cujo o trabalho se assemelhe com a proposta
elaborada. Por fim, o público-alvo deste material empírico foi constituído por: torcidas
organizadas, imprensa, Comitê Popular da Copa, dirigentes de futebol e políticos; todos
estes apresentando visões e análises diferenciais que servirão de instrumento para examinar
como está a percepção das obras no Estádio do Maracanã perante tais grupos.
3.1. Torcidas Organizadas
No dia 10 de setembro de 2012, através de um encontro ministrado pelo membro da
torcida organizada Força Jovem do Vasco (FJV), João Paschoa, no Planalto do Chopp
localizado no Largo do Machado teve-se o contato com membros da Federação das
Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro (FTORJ). Nele, estiveram presentes, ao menos um
integrante, de quatro torcidas organizadas que representam os diferentes grandes clubes
cariocas, além de João, representando uma das torcidas organizadas vascaína, esteve-se
presente: José Maria Sá Freire, da Torcida Jovem do Flamengo (TJF); Flavio Martins, da
Torcida Young Flu (TYF); Luis Gustavo, membro da Fúria Jovem do Botafogo (FJB).
Segundo, João Paschoa, a modernização do Maracanã é necessária, visto que o
estádio será palco para os jogos da Copa de 2014, porém a questão da soberania imposta
pela FIFA é alvo de questionamentos: “O processo de modernização para a Copa se faz
necessário, porém estamos reféns de padrões FIFA, padrão FIFA de qualidade”. A
modernização no estádio seguida pela “cartilha” de exigência da federação irá refletir no
preço dos ingressos e a uma padronização no modo de torcer, afirma o mesmo: “O que está
beirando isso aqui hoje: a gente está bancando para a elitização do futebol e de estádios que
sempre foram populares, e a padronização de torcer. Você vai ter um estilo europeu de
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torcer, todo mundo quer acabar com o modo carnavalesco que temos aqui”. De acordo com
João, esta modernização é um processo, e não é um fato especificamente ligado às obras do
Maracanã, ele ressalta que esta padronização já é um fato recorrente no futebol, e credencia
os atuais preços de ingressos cobrados nos demais estádios aos horários dos jogos, como
principais motivos dela estar estabelecia no esporte: “Então, eu acredito que da maneira que
está sendo, não somente no Maracanã, tudo que está ocorrendo hoje contribui para a
elitização do futebol: o preço dos ingressos, o horário dos jogos, a dificuldade de você
chegar no estádio, de transitar”.
Segundo outro membro da federação, Flavio Martins, o padrão de modernização
que iremos encontrar no Maracanã durante os megaeventos esportivos, Copa e Olimpíadas,
tende a cair após a realização dos mesmo, graças ao custo de manutenção de alguns objetos,
como os assentos, que são fáceis de serem deteriorados e não vão de encontro com a
maneira tradicional dos brasileiros torcerem, algo que possibilitaria a retomada de setores
populares. “Eu acho que depois que acabar a Copa e as Olimpíadas, os estádios vão se
tornar ‘elefantes brancos’. O Maracanã não, mas o padrão vai ter que cair, já ocorreu boatos
que irão retirar as cadeiras, pois as pessoas não irão respeitar, irão depredar o patrimônio,
elas continuarão em pé, e os assentos são caros, haverá quebra das abas inferiores, pessoas
pulando em cima deles (...)”.
Durante o encontro, outro ponto de preocupação, especificamente pertinente às
torcidas organizadas foi exposto por Flavio, a gradativa falta de espaço nos estádios para
exposição de objetos das torcidas. Graças às negociações dos espaços publicitários com
patrocinadores, as torcidas necessitam arcar financeiramente para determinar sua
localização através de, por exemplo, exibição de faixas, e com o aumento de placas
publicitárias este espaço acaba. “Você sabe que o espaço de torcida organizada para botar a
49
faixa é pago né? Por causa das propagandas, as faixas não poderão ficar em cima daquele
espaço”.
Em consenso, os membros presentes julgaram a elitização do futebol como algo
errôneo, devido às questões culturais que o mesmo exerce na sociedade brasileira. Flavio
questiona se o futebol é caro, ou se as pessoas que o administram estão fazendo dele algo
caro, alega que a elitização do futebol não pode ser alvo de “segundas intenções”: “Uma
política administrativa engloba um monte de coisas: é caro, ou o cara faz ser caro? O
problema é você elitizar por outras intenções ‘Vamos deixar caro para você vender pacote
pay-per-view, comprar produtos licenciados’. Você tem um esporte popular que se torna
frequentado por um público não popular”. Também analisam o afastamento do público dos
estádios sobre diferentes premissas, não relacionadas à presença das torcidas organizadas
em suas propriedades, e sim a uma série de interesses dos que fazem do futebol um
negócio: “Uma coisa importante, muito se fala do esvaziamento dos estádios por causa da
violência das torcidas organizadas, mas pouco se fala que os jogos acabam meia-noite, os
preços dos ingressos e dos serviços dentro dos estádios são abusivos: uma ‘Coca-Cola’ no
‘Engenhão’ custa cinco reais – isso está no ‘Estatuto do Torcedor’, preços abusivos dos
serviços. Os administradores não ofertam estacionamentos descentes, e o governo
transporte público, que cubra o horário dos jogos noturnos. Então, não convém ao governo
e aos administradores do futebol, que o futebol se torne popular, mas não é somente por um
fator, são vários e todos eles correlacionados”.
Quando perguntado sobre a futura gestão do Maracanã, e qual esfera (pública ou
privada) deveria assumir a posse do estádio, que já foi o maior do mundo, José Maria Sá
Freire, lembrou que caso o Maracanã passe para a iniciativa privada, a cidade/estado do Rio
de Janeiro não terá mais estádio administrado pelo poder público: “Eu acredito, que ele
50
deveria ser administrado pelo Estado, se passar para o poder privado, a gente não vai ter
mais nada, a gente não vai ter mais nenhuma referência, nenhum estádio
municipal/estadual”. Ele ainda torna a ressaltar a importância de preservar a forma cultural
de se torcer no Brasil: “O progresso é pedindo. O progresso não pode atropelar a história,
não pode excluir a forma carnavalesca com bateria e bandeiras, se excluir a brincadeira, o
festejar, se substituir isto, vai virar o que? Teatro para as pessoas aplaudirem? (...) o
Maracanã ser revitalizado, melhorar, ok, o progresso é bem-vindo, mas não pode atropelar a
história e a cultura da população”. Por fim, o flamenguista relaciona os atuais preços de
ingressos com os valores do salário mínimo e elabora uma metáfora da elitização do futebol
com o carnaval carioca: “A gente vive em um país que o salário mínimo é em torno R$
630,00 e o preço dos ingressos custa acerca de R$ 80,00. É meio surreal. Igual ao carnaval
que nas décadas de 50, 60 e 70 era realizado gratuitamente na Presidente Vargas (Avenida
Presidente Vargas) e hoje em dia você vai à Sapucaí (local do desfile das Escolas de Samba
do Rio de Janeiro) e só encontra turistas”.
3.2. Imprensa
As mídias tradicionais, formadas por grandes conglomerados empresariais presentes
nos mais diversos veículos, estabelece “linhas editoriais” aos seus colaboradores, os quais
as seguem e em diversos momentos não têm a liberdade de publicar notícias, que mesmas
consideradas pertinentes à sociedade, são omitidas por questões de estratégias
organizacionais.
Porém, na questão que engloba o “Novo Maracanã e as camadas populares”, vale
observar a participação de dois canais: – também adotivos de posturas impostas por suas
visões editoriais, acompanhadas pelo comportamento de seus colaboradores – a rede
51
esportiva de televisão, ESPN Brasil e o portal de notícias da web, UOL. Estes, participam
ativamente do tema através de informações e análises feitas por comentaristas da emissora
de TV, e blogueiros do portal da Internet.
Apesar das notícias e o posicionamento dos “formadores de opinião pública” destes
dois canais, além do expansivo crescimento de informações feitas por mídias
independentes, quase todas concentradas na Internet, como os blogs e redes sociais, não se
consegue obter um parâmetro da percepção que a imprensa tem, como um todo, com o
tema, já que boa parte não o cobre, ou participa paliativamente, através de notícias
esporádicas. Sobre isto comenta o jornalista Mauro Cezar Pereira.
Seria muito importante que, não só, a sensibilidade de um jornalista e seu belo texto tocasse nessa
ferida, mas que os veículos também tomassem mais posições, inclusive os jornais do Rio de Janeiro,
porque há uma passividade assustadora com relação ao assunto dos: sites, jornais, TVs, de todo
mundo. (...) Agora eles destroem a casa do torcedor, isso é repugnante e nós temos que nos
posicionar contra isso, a passividade imprensa em geral é assustadora. 17
Devido ao pequeno número de membros da imprensa cobrindo o assunto
ativamente, consequentemente livres para expor suas opiniões relevantes ao tema neste
projeto, há uma lacuna no mesmo: não foi possível entrevistar jornalistas, minimamente
informados sobre o assunto. No entanto, a partir de posts em seus blogs e comentários em
programas televisivos, pode se extrair a visão crítica de dois profissionais da ESPN Brasil,
Lúcio de Castro e Mauro Cezar Pereira, quanto à transformação do Maracanã em uma
arena moderna, e suas consequentes implicações como: a questão da soberania da FIFA em
17 Mauro Cezar Pereira; Vídeo: Mauro Cezar Pereira sobre as obras no Maracanã. Publicado em:
23/04/2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7-qyao--SZI> Acessado em: 23/11/2012
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território nacional, a incógnita sobre a futura gestão do Maracanã e a falta de espaço para os
torcedores populares.
Quais os lugares destinados a ingressos com preços populares nos estádios? Ninguém responde
essa pergunta. Os presidentes de Fluminense, Vasco e Botafogo deram declarações sobre o
Maracanã na segunda-feira e, mais uma vez, ficou evidente que eles fogem dessa questão. Qual é o
setor que se destina os ingressos de preços populares? Nunca, ninguém consegue responder. O
projeto não consegue responder, porque isso não está contemplado. E isso é tudo nessa discussão.
Daí – em referência a um vídeo exibido no programa – você entende o caráter de quem comanda
nosso futebol. O presidente do Botafogo diz: “O público mudou” – não é que o público mudou,
mudaram ele, extirparam o pobre dos estádio - e isso segundo o presidente do Fluminense: “Isso é a
modernidade” – ou seja o que a gente entende de modernidade é retirar pobre dos estádios. 18
A visão é de terror quando eu vejo o Maracanã destruído, é um “pontapé” na história, na tradição da
cidade e do futebol. O Maracanã ele pertence também aos clubes, ele pode não pertencer no papel,
mas o que seria dele sem os clubes e de quando a seleção brasileira jogava nele? São esses clubes
e a seleção brasileira que construíram o Maracanã, que criaram o mito em torno dele, com estádios
lotados – podia ser inseguro – mas era sensacional. (...) Por que temos que fazer tudo que a FIFA
exige? Quando a FIFA tentou fechar o anel do Estádio Olímpico de Berlim, o Beckenbauer – em
referência à Franz Beckenbauer, ex-jogador alemão, e presidente do Comitê Organizador da Copa
de 2006 – foi em contrapartida e proibiu. Por essas e outras é muito mais fácil para a FIFA fazer
Copa do Mundo no Brasil, na África do Sul, no Quatar e etc. – países com níveis altos de corrupção
do âmbito público). 19
18 Lúcio de Catro; Vídeo: Os indesejáveis da história do Brasil e a visão assustadora de alguns
presidentes cariocas. Publicado em: 05/06/2012. Disponível em:
<http://espn.estadao.com.br/post/260965_video-os-indesejaveis-da-historia-do-brasil-e-a-visao-
assustadora-de-alguns-presidentes-cariocas#usercomments> Acessado em: 23/11/2012
19 Mauro Cezar Pereira; Vídeo: Mauro Cezar Pereira sobre as obras no Maracanã. Publicado em:
23/04/2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7-qyao--SZI> Acessado em: 23/11/2012
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3.3. Comitê Popular da Copa
Durante o projeto tomou-se o conhecimento de um grupo de militantes a favor de
uma cidade mais transparente e com diálogos entre o ente público com a sociedade. Estes,
questionam o direcionamento dos megaeventos esportivos realizados no Rio de Janeiro
desde os Jogos Pan-Americanos em 2007, e sob a proposição de que conjuntura atual para
realização da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 irão seguir o modelo de
realização do primeiro evento esportivo em 2007, novamente privilegiando nichos
específicos da sociedade carioca – ao invés de sua maior parcela – através do mau uso de
dinheiro público, os mesmo continuam divulgando informações e suas perspectivas acerca
dos dois maiores eventos esportivos que estão por vir. Assim, pode ser definido o Comitê
Popular Rio cuja existência e sua visão macro sobre os megaeventos, mais precisamente
sobre a questão do Maracanã, foram de extrema importância para o enriquecimento do
trabalho.
Após o conhecimento do grupo por meio da palestra “O Maraca é nosso?”, realizada
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ministrada por Gustavo Mehl, com
participação de Mauro Cezar Pereira, comentarista esportivo da ESPN Brasil, e dos
membros do Comitê, Chris Gaffney, professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
UFF, e Erick Omena, pesquisador do Observatório das Metrópoles do IPPUR/UFRJ, pôde-
se obter raras informações sobre o Maracanã e observar a visão crítica dos dois membros
presentes do Comitê diante as obras do estádio.
Por esta razão, realizou-se o contato com Erick Omena via e-mail, o qual divulgou
sua percepção sobre, não só a transição do Maracanã, mas da cidade como um todo em
54
busca de atender os megaeventos. Erick enfatiza a falta de espaço popular nos estádio, e o
modo como os mesmos são construídos buscando atender a classe A da sociedade
brasileira, a qual ainda é minoria. Segue abaixo sua resposta.
Os protagonistas das reformas pelas quais o Estádio do Maracanã vem passando desde 1999 se
utilizam do "discurso da modernidade inevitável" para legitimar alterações estruturais e sociais que
visam, no fim das contas, otimizar as possibilidades de acumulação de capital, adaptando o espaço
interno e externo do estádio.
Tais transformações devem ser pensadas de forma articulada com as mudanças em curso na cidade
do Rio de Janeiro, bem como nas principais capitais-sede da Copa do Mundo. Os megaeventos
esportivos têm acelerado o processo de reconfiguração social da ocupação do território baseado em
critérios que privilegiam o consumidor em detrimento do cidadão. Ou seja, cada vez mais é o
potencial de consumo de grupos e indivíduos que pauta o reconhecimento de seus direitos por parte
do Estado. Ainda no âmbito da cidade, isso tem sido viabilizado concretamente através da
construção de projetos habitacionais e de mobilidade que facilitam a manutenção/migração das
classes populares às franjas do tecido urbano, isto é, nos locais com maior déficit de infra-estrutura e
distantes dos centros de emprego e de consumo ao mesmo tempo em que permitem um
deslocamento temporário e pendular desta força de trabalho.
Neste sentido, espaços privilegiados de consumo na cidade são (re) criados a partir do
fortalecimento de suas barreiras de acesso, que buscam selecionar aqueles que mais tem a
contribuir com a reprodução deste projeto de cidade, ou seja, grupos com maior poder aquisitivo.
Assim, os estádios que antes desempenhavam muito mais o papel de espaços públicos, marcados
pela heterogeneidade social, pelo encontro com o outro e pela construção de uma identidade coletiva
abrangente, passam a ser entendidos como um novo tipo de território, mais homogêneo e voltado
para o consumo.
Dessa forma, percebe-se que não há mais espaço para as classes populares no interior dos
estádios. Na prática, a modernização consiste em ampliar o espaço disponível dentro do estádio para
os respectivos grupos de torcedores de acordo com seus respectivos potenciais de consumo,
reproduzindo a lógica da cidade neoliberal propagada em uma escala superior. Para aqueles com
altíssimo potencial de contribuição, enormes camarotes VVIP, com todo o tipo de amenidades. Quem
55
não for tão afortunado assim, pode ter um camarote menor ou, na pior das hipóteses, uma cadeira
individual confortável, com lugar para colocar para acomodar os diferentes produtos comprados no
shopping ao lado. Por outro lado, aqueles que nada podem consumir, ou podem muito pouco, não
são bem-vindos e, portanto, perdem de vez o seu espaço, passando este a se situar fora das
dependências. A destruição da geral, o aumento abrupto do valor dos ingressos ao longo dos últimos
anos devem ser pensados em conjunto com o aumento dos camarotes, a construção de shoppings, e
a diminuição da capacidade máxima, na mesma escala, e com a maior elitização dos espaços da
cidade melhor dotados de infra-estrutura, em escalas superiores.
Um novo estádio para uma nova cidade.
3.4. Dirigente de futebol
Em entrevista repercutida no programa “Bate-Bola”, do canal ESPN Brasil, no dia
cinco de junho de 2012, presidentes dos clubes cariocas revelam suas percepções quanto ao
“Novo Maracanã”, sua modernidade, e o caráter social que irá representá-lo após sua
reabertura. Todos tiveram respostas semelhantes e otimistas em relação ao estádio quanto à
utilização para os clubes e torcedores que virão frequentá-lo, porém em dados momentos
assumem tons nostálgicos ao recordarem da personalidade mítica, tradicional do “ex-
estádio”, como a fala do presidente do Fluminense, Peter Siemsen, demonstra.
O Maracanã como era antes, o formato dele, um ponto da história do Rio de Janeiro, do Brasil, do
futebol mundial, extraordinário e que não deve ser esquecido, ele deve ser sempre cultuado e
relembrado. Hoje, com a modernização, o Maracanã muda bastante e a gente só vai ver como
vamos nos adaptar a essa modernização quando ele estiver pronto. 20
20 Lúcio de Catro; Vídeo: Os indesejáveis da história do Brasil e a visão assustadora de alguns
presidentes cariocas. Publicado em: 05/06/2012. Disponível em:
<http://espn.estadao.com.br/post/260965_video-os-indesejaveis-da-historia-do-brasil-e-a-visao-
assustadora-de-alguns-presidentes-cariocas#usercomments> Acessado em: 23/11/2012
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O presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama, Roberto Dinamite, vê o novo
estádio com mais entusiasmo que o primeiro, ele afirma que o projeto de aproximação da
platéia com o campo passará mais emoção aos torcedores.
Pelo que já vi, acompanhando a Europa, eu acho que o Maracanã vai virar um “caldeirão” maior
ainda que era nos anos 60 e 70. O torcedor vai estar mais próximo, vai estar muito perto do jogador
então vai viver com mais paixão e emoção. Eu acho que vai ser legal. 21
O presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, minimiza o simbolismo do estádio
e ressalta a dificuldade em se administrar uma “arena moderna”, realizando comparações
com o Estádio Olímpico João Havelange – gerido pelo clube – revelando uma prerrogativa
da iniciativa privada em administrar o estádio. Também alerta sobre a migração de um
novo público frequente nas arenas, as quais necessitam de instalações adequadas para
atendê-lo.
Eu acho que o Maracanã vai ser sempre o Maracanã. Pelo projeto que eu vi, ele está sendo
modernizado pelas características até de público que se tem atualmente nos grandes estádios. (...) O
Maracanã está sendo feito dentro desta perspectiva, de entender que o público mudou, a forma de assistir o
jogo mudou. Eu te pergunto, com toda a sinceridade do mundo: “Se o município do Rio de Janeiro tivesse o
Estádio João Havelange hoje administrando e tivesse que pagar uma conta de despesa entre R$ 450 mil a R$
500 mil por mês, ele estaria pagando? Seria possível?” – Olha alguns outros estádios, ginásios e outros
complexos que permanecem com a iniciativa pública. Estão abandonados, sem manutenção, ou com
dificuldade de manutenção. (...) as torcidas que frequentarão o Maracanã daqui para frente são diferentes
daquelas torcidas que frequentavam o estádio em 1950. 22
21 Lúcio de Catro; Vídeo: Os indesejáveis da história do Brasil e a visão assustadora de alguns
presidentes cariocas. Publicado em: 05/06/2012. Disponível em:
<http://espn.estadao.com.br/post/260965_video-os-indesejaveis-da-historia-do-brasil-e-a-visao-
assustadora-de-alguns-presidentes-cariocas#usercomments> Acessado em: 23/11/2012
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Em entrevista pessoal com o vice-presidente de planejamento do Fluminense,
Ademar Arrais, comenta acerca das obras e do modelo de concessão do estádio. Quando
perguntado se as obras que consistem em transformar o Maracanã em um estádio moderno
tende a afastar os torcedores populares, ele afirma que devido à falta de transparência na
execução das obras e no modelo de concessão, impostos pelo Estado, o futuro do torcedor,
e sua forma de se expressar, dentro das propriedades do estádio segue indefinido. “Na
realidade, não da para dizer se isto vai ocorrer, em função da ausência de transparência no
processo de concessão do Maracanã, e até da obra, ela inicialmente era para ser apenas uma
reforma e estão entregando um estádio que a gente não sabe as reais condições que ele será
entregue à população. Nós não sabemos se poderá haver a torcida nos setores, se poderá
haver bambu, bandeira, local para faixa, não sabemos absolutamente nada. O que a gente
acredita é que em função da nova estrutura, nós tenhamos um ingresso mais caro, e além do
ingresso mais caro, nós temos medo da elitização, fora da realidade brasileira”.
Apesar desta tendência afirmada pelo gestor, ele ameniza a relação entre o ente que
venha administrar o estádio moderno com torcedores oriundos de classes populares. O
gestor acha cabível que o “Novo Maracanã” continue sendo frequentado por diversas
camadas da sociedade, vide que são os clubes que impõem o preço dos ingressos (segundo
a Lei Pelé), ao mesmo tempo em que a bilheteria não é mais a principal fonte de receita dos
mesmos.
22 Lúcio de Catro; Vídeo: Os indesejáveis da história do Brasil e a visão assustadora de alguns
presidentes cariocas. Publicado em: 05/06/2012. Disponível em:
<http://espn.estadao.com.br/post/260965_video-os-indesejaveis-da-historia-do-brasil-e-a-visao-
assustadora-de-alguns-presidentes-cariocas#usercomments> Acessado em: 23/11/2012
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Segundo Ademar, ainda que o preço dos ingressos se encontre elevado, perante o passado,
eles ainda ‘adotam’ valores possíveis de serem consumidos. “Em que pese, hoje em dia, o
ingresso ter um preço elevado, o que a gente não pode é inviabilizar a paixão. Se a gente
coloca um ingresso que inviabilize a ida do torcedor, no fundo estamos inviabilizando mais
que o futebol, o próprio incentivo ao esporte”. Em contrapartida com a visão dos membros
da FTORJ, Ademar acredita que o preço dos ingressos não é o principal responsável pelo
afastamento do público dos estádios, há outros fatores que motivam este “afastamento”.
Ele aponta outros pontos que possibilitem a permanência de torcedores de camadas
populares dentro de estádios modernos, e afirma que há exagero por parte da sociedade em
relação a algumas críticas, principalmente quanto à modernização do estádio. “Acho que as
pessoas exageram muito em algumas críticas. Eu não vejo como problema a questão da
modernização do estádio, pelo contrário, acho que o torcedor ele quer e merece ter
conforto, como dizia o João XXX: – em referência ao falecido carnavalesco – ‘Quem gosta
de pobreza é intelectual’. Então eu considero importante dosar: ter um estádio moderno,
capaz de sediar grandes competições internacionais, ao mesmo tempo em que não retire
toda nossa cultura. O fato de não querermos o ingresso caro, não faz com que queremos um
estádio ‘caindo aos pedaços’”. Também, citou parâmetros de estádios revitalizados no
exterior, onde a própria infraestrutura gera receita, mantendo aos seus administradores,
independência do preço dos ingressos. “Quem conhece os estádios mundo afora, sabe muito
bem que a infraestrutura do estádio, ela própria gera receita, e pelas informações que nós
temos a urbanização do Maracanã resultará justamente nisso”.
Por fim, estabeleceu uma análise dicotômica entre o setor público e privado,
criticando os valores orçados unicamente pelo primeiro para as obras e a realização de
concessão: “A questão do Maracanã que se discute muito é que se gastou mais de R$ 1
59
bilhão para a reforma do estádio (entre 1999-2012) e agora a gente pega e abre uma
concessão, onde o ente privado não foi participativo”. Porém, sobre a dicotomia
administrativa – ainda em aberto –, Ademar realça que, independente, do futuro caráter
gerencial, não são as diferenças entre as duas esferas que garantirá uma boa administração:
“Eu a princípio, por uma questão ideológica, sou mais favorável à administração pública,
porém não é pelo fato de ser público ou privado que vai dar certo”.
3.5 Políticos
A candidatura a prefeito da cidade do Rio de Janeiro foi marcada por diversos
embates políticos que englobam a cidade, dentre eles a preparação para os dois
megaeventos esportivos, onde o mandato futuro será responsável pela realização de ambos.
Em meio às críticas e propostas, estabeleceu-se uma nítida – até propriamente lógica –
distinção de opiniões entre dois pontos de vista: a situação, do já reeleito Prefeito Eduardo
Paes; e a oposição, liderada pelo Deputado Estadual Marcelo Freixo, segundo lugar nas
urnas, sobre a preparação para os megaeventos, assim como à reconstrução do Maracanã.
Os distintos pontos de vista sobre as questões acerca do estádio e sua administração, podem
ser corroborados através de duas notas publicadas pela imprensa: a primeira enfatiza o atual
projeto de concessão promovido pela situação, através do discurso Governador do Estado
do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral – político aliado na campanha do atual prefeito; em
contrapartida, podemos inferir da segunda nota, que caso fosse eleito, o Dep. Marcelo
Freixo, manteria a gestão do estádio sob o âmbito público.
i) O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendeu a privatização do Maracanã em
entrevista divulgada nesta quinta-feira pelo site do diário esportivo "Lance!". Ao defender os prazos
60
previstos para a reforma do estádio para a tempo para a realização da Copa das Confederações,
em 2013, ele considera que um equipamento esportivo como o Maracanã nas mãos do estado
"não tem cabimento". (...) "Nós vamos começar esse processo no segundo semestre de 2011.
Vamos concessionar o Maracanã. Não tem cabimento um estádio como o Maracanã nas mãos do
poder público. A concessionária terá de ter, obviamente, obrigações públicas”, explicou Cabral. 23
ii) (...)Freixo criticou as sucessivas reformas do Maracanã e disse que o abraço ao estádio era para
mostrar que "o Maracanã é nosso, não das empreiteiras". "Esse ato de hoje é muito significativo. É
muito simbólico que aconteça isso aqui (...)”. 24
Marcelo Freixo foi mais contundente às obras e questões sociais envolvidas na
reconstrução do Maracanã, após a divulgação do edital de concessão anunciado pelo
Governo do Estado. O deputado em sessão da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (ALERJ) censura o contexto da reconstrução atual analisando-o sob o prisma social
e econômico,
Após inúmeros empréstimos, aprovados por esta casa (ALERJ), gastos na reforma do Maracanã,
agora o Governo do Estado anuncia que o Maracanã será cedido à iniciativa privada. (...) Foi gasto nesta
última reforma do Maracanã, sem contar com o valor do Pan-Americano, porque o valor gasto para o Pan,
mais de R$ 300 milhões foi todo colocado abaixo para reformar novamente. Esta última reforma, somente ela,
já custou R$ 869 milhões (os valores estimados no momento são de R$ 859,9 milhões) a perspectiva com o
término de contrato de 35 anos é do Estado arrecadar com R$ 231 milhões. “Nós” vamos ficar com 26% do
23 Redação SRZD; Sérgio Cabral defende privatização do Maracanã. Publicado em: 05/05/2011.
Disponível em:
< http://www.sidneyrezende.com/noticia/130259+sergio+cabral+defende+privatizacao+do+maracana>
Acessado em: 23/11/2012
24 Sob forte calor, Freixo encerra campanha com abraço no Maracanã. Publicado em: 06/10/2012.
Disponível em: < http://tnonline.com.br/noticias/politica/4,140621,06,10,sob-forte-calor-freixo-encerra-
campanha-com-abraco-no-maracana.shtml> Acessado em: 23/11/2012
61
que já gastamos. Isso é um gol contra inacreditável! Olha o que nós já gastamos com dinheiro público! E a
justificativa do chefe da Casa Civil, Sr. Régis Fichtner é que “Não temos condições de arcar com o restante
(...)” – mas nós já arcamos! Mais uma vez vamos gastar dinheiro público a favor da iniciativa privada. Irão
demolir uma escola referência, com índices de qualidade altíssimos, para construção de um estacionamento.
“É mais importante o lugar para botarem os carros, do que o lugar para botar as idéias dos nossos jovens”.
Este processo todo que envolve: as obras do Maracanã e a entrega para iniciativa privada, a demolição do
Museu do Índio e de uma escola é para agradar quem? Em que lugar do mundo que numa reforma de um
estádio de futebol se coloca abaixo um museu e uma escola? Essas são situações muito representativas
62
sobre como nossos governantes pensam. Pro sucesso dos interesse de empreiteiras e do setor privado
camuflado dentro das discussões políticas, perdemos muito dinheiro público. 25
4. Conclusão
Ao longo do projeto, procurou-se enfatizar o contexto inédito que o Maracanã – um
senhor de 62 anos, bastante identificado com a cultura carioca, segunda moradia de grande
dos fervorosos torcedores da cidade – está proporcionando no âmbito social, cultural e
25 Marcelo Freixo; Vídeo: Quem tá ganhando com a obra do Maracanã? Publicado em 01/11/2012.
Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=wL6sjrTyDTk> Acessado em: 23/11/2012
6. Referências Bibliográficas
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Minas Gerais e Belo Horizonte. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 2010.
Toguinhó, O. Maracanã: onde todos são iguais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
Bueno, E; Máximo, J; Assaf, R; Castro, R. Maracanã 60 anos: 1950-2010. Porto Alegre: Buenas Idéias,
2010.
Bobbio, N. Estado, Governo e Sociedade: Para uma teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: 15ª Ed.
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Consórcio Maracanã Rio 2014; O Projeto. Disponível em: < http://www.maracanario2014.com.br/o-
projeto/> Acessado em: 25/11/2012
63
econômico, por está sendo “embelezado” por órgãos vigentes de países internacionais, os
quais ditam suas regras para realização de eventos esportivos de seus direitos, aferindo a
questão da soberania pública.
A áurea do estádio foi constituída ao longo dos anos, simbolizando àquele espaço
para os que frequentavam em um local sagrado. A reconstrução, ou se preferir, a demolição
Guilherme Serodio; Edital de concessão do Maracanã prevê investimentos de R$ 469 milhões. Publicado
em: 22/10/2012. Disponível em: < http://www.valor.com.br/brasil/2874788/edital-de-concessao-do-
maracana-preve-investimentos-de-r-469-milhoes> Acessado em: 25/11/2012
Vinicius Konchinski; Projeto de privatização do Maracanã prevê demolição de escola pública modelo.
Publicado em: 29/10/2012. Disponível em: < http://noticias.bol.uol.com.br/esporte/2012/10/29/projeto-de-
privatizacao-do-maracana-preve-demolicao-de-escola-publica-modelo.jhtm> Acessado em: 25/11/2012
Vinicius Konchinski; Deputados querem plebiscito sobre privatização do Maracanã e pedem anulação
de audiência. Publicado em: 15/11/2012. Disponível em:
< http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2012/11/15/deputados-querem-plebiscito-sobre-
privatizacao-do-maracana-e-pedem-anulacao-de-audiencia.htm> Acessado em: 25/11/2012
Senado libera empréstimo de R$ 244 milhões para obras no Maracanã. Publicado em: 02/11/2012.
Disponível em: < http://www.bahianoticias.com.br/principal/noticia/125638-senado-libera-emprestimo-de-
r-244-milhoes-para-obras-no-maracana.html> Acessado em: 25/11/2012
Lauro Jardim; Radar on-line: Mais um empréstimo. Publicado em: 22/10/2012. Disponível em:
< http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/futebol/depois-do-bndes-caixa-economica-financia-o-
maracana/> Acessado em: 25/11/2012
Redação Portal Copa 2014; Conheça as exigências da FIFA para os estádios da Copa. Publicado em:
09/09/2009. Disponível em:
<http://www.portal2014.org.br/noticias/1125/CONHECA+AS+EXIGENCIAS+DA+FIFA+PARA+OS+ES
TADIOS+DA+COPA.html> Acessado em: 25/11/2012
Igor Mello; Maracanã: outras tentativas de concessão fracassaram. Publicado em: 23/10/2012. Disponível
em: < http://www.jb.com.br/esportes/noticias/2012/10/23/maracana-outras-tentativas-de-concessao-
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do Maracanã não coloca só abaixo sua, geral, arquibancada, marquise e cobertura, deteriora
uma presença de espírito, formada por todos aqueles que já torceram em sua antiga
propriedade.
A “modernização” quanto ao processo de reconstrução do Maracanã é analisado -
não no intuito de observar a empreitada – mas sim, ao retrocesso de diálogo entre o ente
público com a sociedade, ainda em maiores proporções, se comparado com o primeiro
projeto de obras que contou com alta participação popular, através de ferramentas
elaboradas por institutos de pesquisas recém-criados, como o IBOPE.
Quanto ao afastamento dos torcedores oriundos de classes populares, foi constatado
que devido ao aumento do preço dos ingressos – em maior escala após o fim da Geral em
2005 – já era um fator agravante. No entanto, as projeções realizadas ao longo da pesquisa
tende a inferir que um aparelho revestido por alta tecnologia, e a falta de setores populares
dentro do projeto das obras eleva em dimensões ainda maiores o custo de entrada no
estádio, os tornando fora da realidade de nossa sociedade.
Um contraponto a ser feito é que a transição de um novo público que o Maracanã irá
receber após sua reabertura não é apenas congratulado pelo Estado. Através da fala dos três
presidentes (cap.3.4) – entre os quatro grandes clubes do Rio – todos consideraram este
processo como algo natural, visto o poder de consumo do novo público para manter, através
de manutenções, um aparelho moderno em plenas condições. Tendo em vista esta
fracassaram-afirma-especialista/> Acessado em: 25/11/2012
65
perspectiva reveladora, novamente nos remetemos à premissa entre um estádio moderno
com o afastamento de torcedores de classes sociais mais baixas.
Como as obras e o projeto administrativo acerca do estádio não foram definidos, a
análise dicotômica em relação ao estádio fica comprometida. Porém, ela foi discriminada
através de dados e notícias atuais sob o prisma econômico e social, tendo como base o
custo das obras e a minuta do edital de concessão do Maracanã publicada pelo Governo do
Estado do Rio de Janeiro.
O primeiro ponto analisado sobre a dicotomia entre o setor público do privado foi a
comparação do discurso do Estado ao se candidatar em receber os megaeventos esportivos
sobre a prerrogativa econômica e social que os próprios eventos garantem ao país anfitrião
com os impactos dos megaeventos em outras cidades (Betarelli, Domingues e Magalhães
2010), onde a correlação entre a realização dos eventos esportivos com prosperidade
econômica simplesmente não existe. Os megaeventos são definidos como eventos de curta
duração em que o país anfitrião tem uma oportunidade única de se vender a níveis
internacionais, catalisando desenvolvimento regionais, no entanto, para a realização dos
mesmos é necessário adereçar grandes investimentos de recursos públicos para órgãos
privados (FIFA e COI) fazendo com que o Estado assuma dívidas difíceis de serem
ressarcidas.
Sob a perspectiva de altos investimentos injetados pelo setor público para serem
usufruídos pela iniciativa privada foi estabelecido, neste, um paralelo com a conjuntura de
obras atuais do Maracanã, o montante de R$ 859,9 milhões, já investidos por dinheiro
público com o modelo de edital de concessão divulgado pelo Governo do Estado, que
implica ao futuro concessionário arcar pela outorga 33 parcelas de R$ 7 milhões,
totalizando R$ 231 milhões, 27% do que foi gasto com dinheiro público. Se persistir este
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modelo de concessão o Estado só obterá o retorno do investido nas obras em 123 anos,
desconsiderando os juros de empréstimos concedidos por bancos para transformação do
Maracanã.
Enfatizando a importância do Maracanã – devido a sua magnitude – para realização
da Copa do Mundo e Olimpíadas em 2014 e 2016, respectivamente, a tendência do estádio
ser concedido se torna muito maior que cenários anteriores – onde notícias sobre a transição
de gestão também foram veiculadas. Diante disto, foi estabelecido no projeto, a
diferenciação clássica entre a visão econômica do ente público e do privado e como elas
poderão refletir no caráter do Maracanã, o tornando em um local segmentado por um
público de alta renda, contrariando o antigo caráter democrático do mesmo. Por uma
questão ideológica, a qual não necessariamente será refletida na realidade, uma gestão
pública, onde, a priori, a economia se parte da razão coletiva, tende a viabilizar mais a
presença de pessoas de classes baixas dentro das propriedades do Maracanã. No entanto, a
divergência entre os dois setores não deve ser o principal responsável pela possível
transfiguração de público, visto que a manutenção dos estádios “modernos” gera
orçamentos mensais elevados, despesas, as quais interferem diretamente às estratégias de
seus administradores, que necessitam cobrar maiores preços de aluguéis e ingressos para
torná-lo rentável, refletindo no perfil do público presente aos espetáculos.
Por fim, observa-se perante o material empírico, a ligação de afeto de diversos
nichos da sociedade com o Maracanã e seu aspecto cultural, onde são delimitados os pontos
de vista dos mesmos sobre o futuro do estádio e seus alcances, os quais só o tempo dirá se o
atual projeto de reforma foi beneficente à sociedade em geral ou deteriorou a
heterogeneidade social, pertencente a este senhor ao longo dos seus 62 anos de vida.
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