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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Direito Davi Lucas Bois Aspectos polêmicos na aplicabilidade da Lei complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte 2011

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Page 1: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Direito

Davi Lucas Bois

Aspectos polêmicos na aplicabilidade da Lei

complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às

licitações e contratos administrativos.

Belo Horizonte

2011

Page 2: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

Davi Lucas Bois

Aspectos polêmicos na aplicabilidade da Lei

complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às

licitações e contratos administrativos.

Monografia apresentada ao curso de

graduação da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Cristiana Fortini

Belo Horizonte

2011

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Monografia final de curso intitulada “Aspectos polêmicos na aplicabilidade da

Lei complementar nº 123/2006 e Decreto nº 6.204/2007 às licitações e

contratos administrativos”, defendida em ____/____/2011, frente à banca

examinadora constituída pelos professores abaixo:

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Cristiana Maria Fortini Pinto e Silva

(orientadora)

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Resultado:_______________________________________________________

Page 4: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1..................................................................................................79

Figura 2...................................................................................................79

Figura 3...................................................................................................80

Figura 4...................................................................................................81

Figura 5...................................................................................................82

Figura 6...................................................................................................83

Figura 7...................................................................................................84

Figura 8...................................................................................................85

Figura 9...................................................................................................86

Figura 10.................................................................................................87

Figura 11.................................................................................................87

Page 5: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

SUMÁRIO

1 Introdução ....................................................................................................... 7

2 Visão global do Estatuto das Microempresas e impacto nas licitações ......... 12

2.1 Definição legal a respeito das ME/EPP‟s ................................................ 12

2.2 Âmbito de incidência da Lei complementar nº 123/2006 ........................ 13

2.3 Objetos, Modalidades e Tipos de licitação alcançados pelo regramento

da Lei complementar 123/2006. ................................................................... 16

2.4 Constitucionalidade dos benefícios estabelecidos .................................. 20

3 Benefícios estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006 nas licitações.

......................................................................................................................... 24

3.1 Regularidade Fiscal tardia (arts 42 e 43) ................................................ 24

3.2 Empate ficto (arts 44 e 45) ...................................................................... 30

3.3 Licitações diferenciadas (arts 47 e 48) ................................................... 38

3.3.1 Os benefícios propriamente ditos (art. 48) ....................................... 47

3.3.1.1 Licitações exclusivas (art. 48, I da LC nº 123/2006 e art. 6º do

Decreto nº 6.204/2007) ...................................................................... 47

3.3.1.2 Obrigatoriedade de subcontratação de ME/EPP (art. 48, II da

LC nº 123/2006 e art. 7º do Decreto nº 6.204/2007).......................... 48

3.3.1.3 Cota exclusiva para participação de ME/EPP (art. 48, III da LC

nº 123/2006 e art. 8º do Decreto nº 6.204/2007) ............................... 50

3.3.1.4 Hipóteses de não-aplicação e considerações gerais sobre as

licitações diferenciadas (§ 1º, art. 48 e art. 49) .................................. 52

4 Outras considerações de ordem prática decorrentes da aplicação dos

benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006. ..................................................... 59

4.1 Forma e momento da comprovação da condição de ME/EPP ............... 59

4.2 Termo inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia.... 69

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4.2.1 Ainda sobre o marco inicial para usufruir do benefício da

regularização fiscal tardia (polemização do entendimento adotado por

Marçal Justen Filho e TCU) ....................................................................... 76

4.3 Histórico de aplicação dos benefícios no Governo Federal .................... 78

4.4 Desvio de finalidade decorrente da utilização indevida dos benefícios .. 88

5 Conclusão ..................................................................................................... 95

6 Referências bibliográficas ............................................................................. 98

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1 Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), no seu

artigo 37, inciso XXI, dispõe sobre a obrigatoriedade de a Administração

Pública realizar suas alienações ou contratações de obras, serviços e bens em

geral, por meio de licitação, elegendo, portanto, este meio como o mais apto e

adequado ao Administrador para exercer a disposição ou aquisição da res

pública. Além dos princípios explícitos que devem reger a conduta do

administrador, arrolados no art. 37 da Constituição, quais sejam a legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, é notória a existência,

entre os princípios implícitos ou não-expressos, previstos na carta

constitucional, do principio da probidade administrativa que impõe ao

Administrador o dever de cuidar da coisa pública com zelo e responsabilidade,

visando sempre resguardar o interesse coletivo.

O legislador ordinário, a fim de dar concretude ao disposto no art. 22,

inciso XXVII da CRFB/88, que dispõe sobre a obrigatoriedade da União de

editar normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, editou a Lei nº

8.666/93 que estabeleceu normas gerais1 2 sobre as licitações e contratos da

Administração Pública. Vale lembrar que a lei vinculou também normas

específicas3, que, em princípio, obrigam apenas a União. Constitui-se, portanto,

tal diploma como principal norteador da Administração na condução dos seus

1 Normas gerais, segundo o escólio de Joel de Menezes Niebuhr, são aquelas normas nacionais “produzidas pelo Estado Federal, que devem se revestir da mesma tonalidade em todas as partes da Federação, desenhando o traçado básico de determinado instituto jurídico por meio da definição de seus princípios, diretrizes, conceitos, modalidades, etc.”. Ainda segundo o autor, em tais casos os entes federativos, inclusive a própria União conquanto devam obediência às normas gerais, deverão produzir, ao lado delas, normas federais, estaduais e municipais, atinentes à estrutura política e jurídica de cada qual, que dá feição própria e especial às normas prescritas em caráter nacional. (NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Curitiba:Zênite, 2008. p 40-41) 2 Questionamento que se faz por boa parte da doutrina, também trazido por Nieburh é que “o grande

problema reside em distinguir na sistemática da Lei nº 8.666/93 as normas gerais das normas não gerais. E tudo se agrava porque o conceito de normas gerais não é objetivo; ao contrário, admite forte dose de subjetividade e indeterminação”. (NIEBURH, Joel de Menezes. Obra citada. p. 42) 3Em função da polêmica existente a respeito de quais seriam as normas gerais expostas na Lei nº 8.666/93, que não esclarece no seu art. 1º a questão, por ora está pacificado como regras específicas da União apenas aquelas assim declaradas pelo STF na ADI nº 927-3/RS, cuja emenda se transcreve: “Interpretação conforme dada ao art. 17, I, ‘b’ (doação de bem imóvel) e art. 17, II, ‘b’ (permuta de bem móvel), para esclarecer que a vedação tem aplicação apenas no âmbito da União Federal, apenas. Idêntico entendimento em relação ao art. 17, I, ‘c’ e § 1º do art. 17.”

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processos de alienações ou contratações de obras, serviços e bens em geral

na atualidade. Ressalta-se que tal estatuto, bem como o principio constitucional

insculpido no art. 37, XXI, da CRFB/88, pautam-se principalmente nos

princípios da isonomia4 e economicidade5.

Também tratando de normas que dizem respeito às licitações, foi

editada a Lei nº 10.520 de 17 de julho de 2002, que instituiu nova modalidade

de licitação denominada pregão, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal

e Municípios. Dispõe também esta lei no seu art. 9º que as normas do Estatuto

das Licitações aplicar-se-ão subsidiariamente a modalidade pregão.

O surgimento do pregão como modalidade licitatória ocorreu com a

edição da Lei nº 9.472/97 (lei de criação da ANATEL), que instituiu nos seus

artigos 54 a 59 a referida modalidade.

Já no âmbito da União, como bem pontuado por Carlos Pinto Coelho

Motta

A modalidade de licitação denominada “pregão” foi oficialmente instituída no âmbito da União Federal pela Medida Provisória 2.026, de 4/5/00, mais tarde renumerada como MP 2.108, em 27 de dezembro do mesmo ano; e mais uma vez alterada para 2.182, em sua reedição nº 16, em junho de 2001.

6

O texto da MP foi reeditado por várias vezes até julho de 2002, quando

foi transformado na Lei nº 10.520/2002 pelo Congresso Nacional.

Tradicionalmente, portanto, tem sido o referido Estatuto das Licitações,

juntamente com a Lei nº 10520/2002, os principais orientadores sobre o tema

na Administração Pública. A Lei Complementar nº 123/2006, sem chamar para

si a disciplina do tema, ao estabelecer regime jurídico diferenciado para

microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP‟s) no ordenamento

jurídico brasileiro, dispôs em seu capitulo V, denominado “Do acesso aos

mercados”, nos seus artigos 42 a 49, regras específicas sobre a participação

4 Adota-se aqui o termo isonomia na acepção da garantia de uma igualdade formal para todos os

interessados em participar dos certames licitatórios. Até porque entendemos que a igualdade material é um dos fins colimados pela LC nº 123/2006. 5 Aqui expresso como vantajosidade ou busca da melhor proposta: de menor valor, com a maior qualidade possível. 6 MOTTA,Carlos Pinto coelho. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e comentários sobre as Leis 8.666/93 e 8.987/95, a nova modalidade do pregão e o pregão eletrônico; impactos da lei de responsabilidade fiscal, legislação, doutrina e jurisprudência.9.ed. rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2002.p. 638

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9

em licitações de microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP‟s).

Com isso, visou dar concretude aos arts. 170, IX e 179 da CRFB/88, que

estabelecem como principio da ordem econômica brasileira o tratamento

favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis

brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como

dispõem sobre a obrigação de a União, Estados, Distrito Federal e Municípios

dispensarem tratamento jurídico diferenciado a elas.

A citada lei complementar, ao pretender concretizar o tratamento

diferenciado às ME/EPP‟s, estabeleceu regras específicas e/ou norteadoras de

atuação da Administração que fugiram às noções tradicionais do regime de

licitações na Administração Pública, até então pautados principalmente pela

ótica da vantajosidade quanto ao preço contratado, e isonomia no tratamento

dos participantes. Passou a incluir na prática do Estado/Administrador certo

substrato de socialidade nas compras públicas, a fim de que estas se

tornassem em instrumentos de propulsão do desenvolvimento

econômico/social de pequenas empresas no país.

Para isso estabeleceu uma série de tratamentos favorecidos para

ME/EPP‟s nas licitações, com regras específicas que se subdividem em três

grandes categorias: (i) alteração na fase de habilitação, com concessão de

prazos mais elásticos para comprovação da regularidade fiscal (artigos 42 e

43); (ii) alteração no julgamento das propostas, com a criação de empate ficto e

critério de desempate (artigos 44 e 45); (iii) licitações/contratações

diferenciadas, com a possibilidade de a administração efetuar licitações

destinadas exclusivamente a empresas desse segmento, licitações com lotes

reservados ou licitações com subcontratação obrigatória das ME/EPP‟s (artigos

47 a 49)7.

No presente trabalho, ao nos referirmos às microempresas ou empresas

de pequeno porte, usaremos a designação genérica de “pequenas empresas”

ou ME/EPP‟s. Exceto quando disposto de modo diverso, entenda-se aplicável

também as disposições quanto às cooperativas, equiparadas as pequenas

empresas para fins de concessão dos benefícios aqui discutidos, conforme

dispôs a Lei nº 11.488/2007, cujo art. 34 assim dispõe:

7SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Licitações e o novo estatuto da pequena e microempresa:

reflexos práticos da LC nº 123/06.2.ed. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009. Pág 24.

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Art. 34. Aplica-se às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta até o limite definido no inciso II do caput do art. 3

o da Lei Complementar n

o 123, de 14 de dezembro

de 2006, nela incluídos os atos cooperados e não-cooperados, o disposto nos Capítulos V a X, na Seção IV do Capítulo XI, e no Capítulo XII da referida Lei Complementar.(grifamos)

Como tema central deste trabalho pretende-se perquirir sobre alguns

problemas de ordem prática que podem advir da aplicação dos dispositivos

legais em comento, tendo em vista a atecnia do legislador. Pretende-se ainda

analisar a constitucionalidade do tratamento favorecido dispensado pela Lei.

O estudo do tema é de alta relevância, pois aponta para matéria sensível

no âmbito das compras públicas na atualidade. Pode balizar em grande medida

a atuação de administradores públicos, juristas e até mesmo do empresariado

destinatário das normas em questão.

Apesar de o governo federal já ter editado o Decreto nº 6.204/2007

regulamentando os arts. 42, 43, 44, 45, 47, 48 e 49 da Lei Complementar nº

123/2006, no âmbito da Administração Pública Federal, existem ainda muitas

polêmicas sobre os termos que a lei complementar disciplina, como a forma e o

momento da comprovação da condição de ME/EPP na licitação, termo inicial e

final para comprovação da regularidade fiscal da empresa, comprovação das

hipóteses de não aplicação de benefícios, descrita no art. 49 da LC nº

123/2006, a efetividade de tais tratamentos, após a sua implementação legal, e

o desvio de finalidade decorrente da aplicação indevida do benefício, entre

outras.

Nesse sentido vislumbra-se certa divergência doutrinária sobre a

aplicação dos institutos estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006,

sendo de grande valor jurídico a sua análise a fim de se estabelecer nortes na

aplicação da norma, sem contudo pretender esgotar o assunto.

Para isso, esta monografia será dividida em três blocos principais,

expressos nos capítulos dois, três e quatro que tratam de assuntos

relacionados na forma que se segue, sendo que este primeiro capítulo se

presta apenas a introduzir os temas a serem abordados:

No capítulo dois será trazida uma visão geral do Estatuto das

microempresas, com o conceito legal das ME/EPP‟s, o âmbito de incidência da

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norma em questão, discutindo-se quais órgãos estão vinculados a ela, e lhe

devem obediência. Será discutido ainda qual o alcance das normas

estabelecidas no capítulo V da LC nº 123/2006, no tocante às licitações

públicas, quais as modalidades e tipos de licitação são alcançadas pela norma

em questão. Por fim se analisará a receptividade da norma no ordenamento

jurídico brasileiro, abordando especialmente sua compatibilidade com as

diretrizes e parâmetros constitucionais.

No capítulo três serão abordados os benefícios estabelecidos pela lei,

sendo eles a regularidade fiscal tardia, o empate ficto e direito de preferência,

as licitações diferenciadas e as hipóteses de não aplicação de alguns dos

benefícios.

No capítulo quatro serão feitas considerações de ordem prática

decorrentes da aplicação da LC nº 123/2006 às licitações. Para isso, elegeram-

se alguns pontos considerados mais críticos na aplicação da lei, para sobre

eles dissertar, sem pretensão de querer esgotar as polêmicas que perpassam a

aplicação do mencionado diploma. Serão abordados neste capítulo a forma e o

momento de comprovação da condição de ME/EPP por parte dos beneficiários,

o termo inicial e final para regularização fiscal tardia, o histórico de aplicação

dos benefícios no Governo Federal, e os desvios de finalidade decorrentes da

utilização indevida dos benefícios por parte das empresas.

Por fim, no capítulo cinco, concluiremos, ratificando os posicionamentos

exarados ao longo desta monografia, bem como traçando algumas

considerações pessoais sobre o tema.

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2 Visão global do Estatuto das Microempresas e impacto nas licitações

2.1 Definição legal a respeito das ME/EPP’s

O conceito de ME/EPP no ordenamento jurídico brasileiro é estabelecido

com base em critérios objetivos quanto a receita bruta auferida pela empresa

em cada ano-calendário. Seu regramento se encontra no art. 3º da LC nº

123/2006. Cristiana Fortini8, assim dispõe sobre ele

A microempresa é a "sociedade simples e o empresário a que se refere o art.366 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrado no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas", com receita máxima anual limitada a R$240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), enquanto a empresa de pequeno porte, usualmente chamada de pequena empresa, diferencia-se da microempresa em face dos valores auferidos, que partem de R$240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e alcançam, no máximo, R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

Nesse aspecto Jonas Lima observa a diferença da opção brasileira

nesta conceituação, vez que em outros países, tem-se notícia dessa definição

de modos bem diversos. Nos Estados Unidos da América, por exemplo,

embora haja a utilização de critérios conjugados nesta conceituação, para fins

de estatísticas e pesquisas de órgão oficiais, “considera-se pequena empresa

aquela que possua menos de 500 empregados”. Na Alemanha e França

também se estabelece como pequena empresa aquela com menos de 500

empregados. No Japão, com menos de 300, e em outros países com menos de

250, sendo inviável o estabelecimento de uniformidade nessas regras em razão

das realidades distintas de cada país.9

8 FORTINI, Cristiana. Micro e pequenas empresas: as regras de habilitação, empate e desempate na lei complementar nº 123 e no Decreto nº 6.204/07. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 79, julho.2008. Disponível em: http://www.editoraforum. com.br/bid/bidConteudoShow.aspx? idConteudo=54234. Acesso em: 9 maio 2010. 9 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Licitações à luz do novo estatuto da microempresa.

Campinas, SP: Servanda Editora, 2008. p. 43, 44.

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Quanto às cooperativas, como ressalta Luiz Eugenio Scarpino Junior10,

ela “possui regramento próprio (Lei Federal nº 11.488/07), que, em seu art. 34,

concede o mesmo tratamento favorecido das MPEs, a despeito do contido no

inciso VI, §4º do art. 1º da LC nº 123/06”. Completa ainda Diógenes Gasparini11

assentando que “esse diploma legal equiparou as cooperativas às empresas de

pequeno porte para fins licitatórios, modificando, portanto, essa lei

complementar federal”.

2.2 Âmbito de incidência da Lei complementar nº 123/2006

A fim de delimitar com precisão o âmbito de incidência da LC nº

123/2006, e das entidades que estarão submetidas ao seu regime, assim

dispôs o artigo 1º do mencionado diploma:

Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

De uma leitura literal do caput do artigo 1º da LC nº 123/2006, se conclui

que a lei se aplica a todas as pessoas políticas da federação. É o entendimento

defendido por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães12

, ou seja estariam

submetidos às normas estabelecidas na lei complementar, a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, incluindo todos os poderes constitucionalmente

estabelecidos (Executivo, Legislativo, Judiciário), como também, Tribunais de

Contas, Ministério Público e órgãos e entidades da Administração Direta e

Indireta. Ressalvam, contudo que a aplicação da lei quanto às empresas

públicas e sociedades de economia mista, entidades que fazem parte da

Administração Indireta, deveria ocorrer do modo fixado pelo art. 77, § 2º da LC

10

SCARPINO JUNIOR, Luiz Eugenio. As licitações diferenciadas na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, princípios da isonomia e economicidade nas contratações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública — FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 90, jun. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=57772>. Acesso em: 3 julho 2010. 11 GASPARINI, Diogenes. Pregão presencial e microempresa. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 86, fev. 2009. Disponível em: <http://www.editora forum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=56730>. Acesso em: 3 julho 2010. 12

SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 40.

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14

nº 123/2006, qual seja adotando as providências para adaptação de seus

respectivos atos normativos à legislação complementar, no prazo máximo de 1

(um) ano, a partir da vigência da LC nº 123/2006.

Marçal Justen Filho tem entendimento diverso, defendendo que apenas

em parte as disposições trazidas no capítulo V da LC nº 123/2006 têm

aplicação irrestrita aos órgãos e poderes da União, Estados, Municípios e

Distrito Federal. A esse respeito dispõe que, excetuado o poder executivo, as

licitações diferenciadas dos arts. 47 e 48 não seriam aplicáveis aos demais

Poderes”, asseverando ainda que “existe forte argumento no sentido de que as

licitações diferenciadas dos arts. 47 e 48 não são aplicáveis no âmbito da

Administração indireta”13

. Como razões de seu entendimento o autor expõe

que as normas previstas nos artigos citados possuem natureza extra-

econômica, vez que possuem objetivo dúplice que será não só o de promover a

aplicação de recursos estatais para obtenção de bens e serviços necessários a

satisfação do ente público atendido, mas também de incentivo da atuação das

pequenas empresas. Por este motivo entende que

“é da essência das licitações diferenciadas a obtenção de preços superiores aos que poderiam ser obtidos em licitações comuns. Isso significa, portanto, a transferência de recursos para o segmento de ME e EPP, visando fomentar a sua atividade.”

14

Para o autor, “a função de fomento é reservada exclusivamente ao

estado na sua manifestação direta”15

. Quanto às empresas públicas

prestadoras de serviço público, por exemplo, têm seus serviços remunerados

por taxas e tarifas exigidas dos usuários dos serviços prestados. Adotar

licitações diferenciadas nesse setor constituiria elemento de elevação de

custos dos serviços prestados, transferindo indiretamente riqueza dos usuários

desses serviços para as ME/EPP‟s. Solução que o autor reputa como

inconstitucional.16

A respeito do tema falaremos um pouco mais ao discorrer sobre os

benefícios instituídos nos artigos 47 e 48 pela LC nº 123/2006.

13 JUSTEN FILHO, Marçal. O Estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. ver. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007. São Paulo: Dialética, 2007, p. 26. 14

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 127. 15

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 128. 16 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 128.

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15

Ainda a respeito do âmbito de incidência da norma, Santana e

Guimarães trazem preciosa contribuição ao discorrer sobre a pertinência da

aplicação da LC nº 123/2006 às entidades do denominado Sistema “S”17

.

Segundo o entendimento dos autores, tais entidades, caracterizadas

como Serviços Sociais Autônomos, não são integrantes da estrutura

organizacional da Administração Pública Brasileira e, portanto, não se

submetem aos rigores jurídicos da disciplina jurídica das licitações. Em vista

disso, inexistem comandos normativos expressos, que obriguem o Sistema “S”

a respeitar, quando da realização de suas contratações, o regime jurídico

estatuído pelo capítulo V da LC nº 123/200618

.

Concluem dizendo que só haverá o dever de entidades do Sistema “S”

se submeterem as inovações da LC nº 123/2006 se as instituições

componentes, em nível nacional, explicitarem tais diretrizes sob a forma de

Regulamento, tal qual o fez o Conselho Deliberativo Nacional do Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, em 25 de

fevereiro de 2008.19

Vale lembrar que as entidades que compõe o sistema S estão

desobrigadas de seguir os estritos termos da Lei nº 8.666/93, podendo editar

regulamentos próprios para contratação de bens, serviços e obras. Ditos

regulamentos têm de ser compatíveis com os princípios norteadores da Lei nº

8.666/93. Tal posicionamento foi firmado pelo TCU desde a edição do Acórdão

nº 1.337/2003 – Primeira Câmara, de relatoria do Ministro Humberto

Guimarães Souto.

17

“Serviços Sociais Autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. (...) Embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhe são atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados beneficiários” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 346) apud SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 40, 41. 18

SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 40-42 19 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 42, 43

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16

2.3 Objetos, Modalidades e Tipos de licitação alcançados pelo regramento da Lei complementar 123/2006.

O inciso III, do art. 1º da LC nº 123/2006 diz respeito à “preferência nas

aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos”. Em virtude de tal

disposição, alguns doutrinadores divergem quanto ao alcance das normas

estabelecidas na lei complementar.

Para José Anacleto Abduch Santos20,

O tratamento diferenciado e favorecido previsto na lei complementar, do ângulo das contratações públicas se direciona para as aquisições de bens e serviços. (...) A disposição legal expressa e excludente dos demais objetos passíveis de contratação leva a conclusão de que estão afastadas da incidência do tratamento diferenciado e favorecido a contratação de obras, as alienações e as concessões de serviços públicos.

Outros autores, como Cynthia de Fátima Dardes21 afirmam que a

redação do inciso III, do art. 1º da LC nº 123/2006 , revela-se como uma

impropriedade do legislador, que deveria se referir ao termo genérico licitações,

envolvendo não apenas a aquisição de bens, mas a contratação de serviços,

obras de engenharia, alienações e locações.

Ivan Barbosa Rigolin22 também tece severas críticas à redação do

Estatuto das Microempresas. Ao comentar outro ponto da lei, diz inclusive da

dificuldade de se “contar todos os erros que o legislador consegue cometer

num inciso de três linhas”. Fernanda Babini23 também ressalta a técnica

legislativa imperfeita na elaboração da lei. Apesar das considerações, tais

20 SANTOS, José Anacleto abduch. As licitações e o Estatuto da Microempresa. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, junho/julho/agosto de 2008. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp. Acesso em 9 maio 2010. 21

DARDES, Cynthia de Fátima. Pregão eletrônico e as microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 87, mar. 2009. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?id Conteudo =56957. Acesso em: 9 maio 2010 22

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 61, jan. 2007 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudo Show.aspx?idConteudo=39052>. Acesso em: 19 outubro 2010. 23 BABINI, Fernanda. A Lei Complementar nº 123/2006 e suas inconsistências. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 70, out. 2007. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=47850>. Acesso em: 3 julho 2010.

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17

autores não adentram a discussão sobre quais os limites exatos para aplicação

da lei. Se sua aplicação incluiria obras, alienações, concessões, entre outros.

Vale lembrar que o Decreto nº 6.204/07 supriu a omissão legislativa no

âmbito da União e dispôs em seu art. 1º:

Art. 1º Nas contratações públicas de bens, serviços e obras, deverá ser concedido tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte. (destacamos)

Nesse sentido, pelo menos no âmbito da União não há mais dúvida

quanto à aplicabilidade da Lei para contratação de obras por parte da

Administração Pública.

Se por um lado entendemos razoável a dúvida que se apôs com relação

a aplicação da lei às contratações de obras de engenharia, por outro, com

relação a alienações, concessões e permissões em geral entendemos

totalmente incompatível, tendo em vista possuírem estas contratações

fundamentos diametralmente opostos aos que se pretende atingir com a LC nº

123/2006.

Quanto às modalidades em que seria aplicável os termos da LC nº

123/2006, temos que, do sistema normativo brasileiro referente a licitações,

depreendem-se seis modalidades de licitação, quais sejam: a concorrência,

tomada de preços, convite, concurso, leilão e pregão.

Dentre as modalidades existentes, a Lei de Licitações reservou a cada

uma delas um conceito específico e as hipóteses de cabimento. Exceção ao

Pregão que foi instituído e disciplinado pela Lei nº 10.520/2002, conforme já

exposto na Introdução deste trabalho.

De uma simples leitura dos artigos 22 e 23 da Lei de Licitações pode se

inferir que as modalidades concorrência24, tomada de preços, convite se

destinam a aquisição de bens, contratação de serviços e obras de engenharia

e da leitura da Lei nº 10.520/2002 se infere que o pregão se presta a

contratação de bens e serviços comuns para atender as necessidades da

Administração Pública. Já a modalidade concurso se dará para escolha de

trabalhos técnicos, científicos ou artísticos mediante entrega de prêmios ou

24

Vale lembrar que a modalidade concorrência também pode servir para alienação de bens imóveis, concessões de direito real de uso, entre outros.

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remuneração e o leilão ocorrerá quando houver interesse da Administração em

dispor de seus móveis, imóveis ou produtos apreendidos, nas hipóteses

legalmente estabelecidas.

Diante da apertada síntese, é forçoso reconhecer que os termos

disciplinados pela LC nº 123/2006 e regulamentados pelo Decreto 6.204/2007

só se aplicarão às modalidades de concorrência, tomada de preços, convite e

pregão, uma vez que como explicitado nos próprios diplomas, só se

estabelecem tratamentos diferenciados para as licitações que visem à

aquisição de bens, contratação de serviços e obras.

Com esse mesmo entendimento compartilham José Anacleto Abduch

Santos25, bem como Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães26, que assim

dispõem

Desde logo, é preciso assentar que a LC nº 123/2006 estabeleceu critérios de preferência a serem observados por ocasião de licitações que visem aquisição de bens e contratação de serviços. Assim, ao aplicarmos um critério residual ou excludente, é possível, de imediato, sustentar que a lei complementar talvez não produza qualquer impacto em licitações nas modalidades concurso e leilão, tendo em vista suas finalidades e aplicabilidades. Restam assim, integralmente submissas às disposições da LC nº 123/2006, a concorrência, tomada de preços, convite e pregão, exceção feita apenas nas situações em que ditas modalidades contemplem em seus objetos concessões ou permissões de serviços públicos.

Chegando a um entendimento quanto ao objeto e modalidades de

licitação a que são aplicáveis os termos da LC nº 123/2006, só nos falta

perquirir sobre quais tipos comportam a aplicação dos benefícios instituídos

pelo diploma legislativo.

Quanto aos tipos licitatórios existentes, destacamos aqueles elencados

pela própria Lei nº 8.666/93, no seu artigo 45, e aplicáveis ao caso: (i) menor

preço – caso em que será considerada vencedora a proposta que oferecer o

menor preço, desde que atenda a especificação e não tenha preços

inexequíveis; (ii) melhor técnica – será considerada vencedora a proposta que

apresentar a melhor técnica para execução do objeto que a Administração

pretende contratar, observada a questão do preço e (iii) técnica e preço – será

25

SANTOS, José Anacleto abduch. Obra citada. 26

SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 44

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considerada vencedora a proposta que obtenha a melhor média ponderada

entre os dois critérios.

Neste ponto, temos que o disciplinamento estabelecido pela LC nº

123/2006 se coaduna apenas em parte com os tipos de licitação melhor técnica

e técnica e preço.

Os artigos 42 e 43 da lei estabelecem benefícios relativos à regularidade

fiscal do contratado, o que comporia o primeiro bloco de benefícios, segundo a

divisão adotada na Introdução desse trabalho. Ora, esses benefícios, que

sucintamente dizem respeito à concessão de prazos para regularização da

documentação fiscal da empresa podem, sem óbice algum, serem aplicados às

licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço, além, é óbvio, da aplicação

ao tipo menor preço.

Assim ocorrerá porque esse benefício não diz respeito a questões

econômicas, portanto relacionadas à fase de apresentação da proposta, mas

sim a questões de documentação que impactam apenas a fase de habilitação

do processo licitatório. Portanto não faz sentido restringir a concessão do

benefício às licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço, desde que

haja pequenas empresas participando do certame. Ao discorrer sobre o

assunto, Marçal Justen Filho apresenta entendimento no mesmo sentido,

observando que “esse benefício [regularização fiscal tardia] incide nas

licitações de tipo menor preço, melhor técnica e técnica e preço”27.

Já com relação aos demais benefícios consubstanciados nos artigos 44

e 45, vemos como possível a concessão e utilização dos benefícios legais

somente nas licitações do tipo menor preço, vez que esses artigos vão tratar de

benefícios eminentemente econômicos, que têm impacto direto na proposta

apresentada pelos licitantes, não sendo portanto conciliáveis com as com as

licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço.

Também nesse sentido, preleciona Justen Filho observando que

Embora o silêncio legislativo, afigura-se evidente que o benefício é aplicável exclusivamente nas licitações de menor preço. As licitações de técnica (técnica e preço e melhor técnica), em que a identificação da proposta mais vantajosa depende da conjugação de critérios

27

JUSTEN FILHO, Marçal. O Estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. ver. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007. São Paulo: Dialética, 2007, p. 68.

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20

econômicos e técnicos, apresentam sistemática incompatível com as regras simplistas dos artigos 44 e 45 da LC nº 123/06. Esses dispositivos buscam proteger as pequenas empresas por meio do mecanismo de redução do valor da proposta comercial. A aplicação do benefício em uma licitação de técnica e preço demandaria o fornecimento de critérios adequados, que não constam do diploma.

28

Por fim, também nesta toada se firmou o regulamento federal (Decreto nº 6.204/2007), ao estabelecer em seu artigo 5º que os benefícios concedidos nos artigos 44 e 45 da LC nº 123/2006, seriam restritos às licitações do tipo menor preço.

2.4 Constitucionalidade dos benefícios estabelecidos

Em termos formais, não há que se atacar a LC nº 123/2006, pois que

editada pela União com fulcro não somente nos artigos constitucionais já

citados, quais sejam os artigos 170, IX e 179 da CRFB/88, mas também

amparada no art. 22, XXVII da Constituição da República. Para Cristiana

Fortini29,

“ao atribuir competência para editar normas gerais de licitações e contratos à União, o art. 22, XXVII, da Constituição da República respalda, ao menos do ponto de vista formal, o disposto nos artigos 42 a 45, 47 a 49 da LC n° 123.”

Já quanto ao aspecto material, ao se tratar do estudo da

constitucionalidade das normas estabelecidas pela LC nº 123/2006, no seu

capítulo V, necessário se faz estabelecer qual o enfoque, tradicionalmente era

dado às licitações, e ao contrato administrativo em si. Nas palavras de Marçal

Justen Filho30

No enfoque até então prevalente (que caracteriza a própria Lei nº 8.666/93), a licitação e a contratação administrativa são disciplinadas sob o exclusivo enfoque do aprovisionamento de bens e serviços necessários ao desempenho das funções estatais. Trata-se, portanto, de atuação administrativa norteada exclusivamente pela concepção da vantajosidade. Nesse âmbito, a licitação é orientada à obtenção da proposta de menor valor e de maior qualidade, mediante a mais ampla competição entre interessados. (destacamos)

28 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 99. 29

FORTINI, Cristiana; PIRES, Maria Fernanda; CAMARÃO, Tatiana. Aspectos relevantes de licitações e contratos. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 140 30 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 28.

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21

Assim, se reconhece que tradicionalmente, os princípios prevalentes em

matéria de licitação eram a isonomia e a vantajosidade, entre outros, erigidos,

originariamente, pela própria Constituição Federal, que no art. 37, inciso XXI,

que assim dispõe:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (destacamos)

Vale lembrar que pode se dizer que já existia uma preocupação social

na Lei nº 8.666/93. Em vários pontos deste Estatuto observa-se a preocupação

do legislador em que a licitação não passe ao largo das necessidades sociais.

Cristiana Fortini ao discorrer sobre a possibilidade de fracionamento

prevista no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/93, assim dispõe:

O fracionamento resultará da comprovação de que este reflete a solução mais consentânea com o interesse público. Se realizados os estudos, apurar-se que a divisão interna não provocará distúrbios de ordem econômico-financeira, visto que não implicará perda de economia de escala, nem desbordará em óbices de ordem técnica, o fracionamento deve ser realizado.[...] No art. 179, inserido no capítulo dedicado à ordem econômica e financeira, a Constituição da República assinalou a preocupação que deve nortear os atos estatais na tentativa de prestigiar micro e pequenas empresas. [...] Seria inadmissível que a Administração Pública optasse pela licitação tradicional, realizada em um único bloco, quando efetivamente comprovada a presença dos pressupostos ensejadores do fracionamento externo. Esta medida não traria nenhuma benesse ao interesse público, que não deve ser visto apenas sob a ótica da boa contratação no sentido de aliar qualidade e custo, mas também há de servir, sempre que possível, para promover os valores enraizados no texto constitucional.

Ainda no art. 12 da Lei Geral de Licitações ao descrever os principais

requisitos que deveriam ser considerados para compor os projetos básicos e

executivos, o inciso IV fala da “possibilidade de emprego de mão-de-obra,

materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução,

conservação e operação”, demonstrando portanto a preocupação do legislador

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com o desenvolvimento local e regional na execução dos serviços contratados

pela Administração.

Com o advento da LC nº 123/2006, ancorada nos princípios

constitucionais de favorecimento das pequenas empresas, expressos nos arts.

170, IX, e art. 179, imprimiu-se com mais intensidade às licitações, o que

Marçal Justen Filho denominou de “função social do contrato administrativo”.

Segundo o jurista,

Adota-se função social do contrato administrativo quando a finalidade buscada por meio da contratação consiste não apenas na obtenção de bens e serviços necessários a satisfação de necessidades estatais mas também a obtenção de outras finalidades de cunho social. Nesses casos, a contratação administrativa é utilizada para incentivar o desenvolvimento econômico e social, eliminar desigualdades individuais e coletivas e promover a realização de fins constitucionalmente protegidos.

31

Luciano Ferraz também descreve a importância da função social da

licitação, destacando o seu papel relevante na sociedade, in verbis:

[...]a licitação pode ser utilizada como instrumento de regulação de mercado, de modo a torná-lo mais livre e competitivo, além de ser possível concebê-la – a licitação – como mecanismo de indução de determinadas práticas (de mercado) que produzam resultados sociais benéficos, imediatos ou futuros à sociedade. [...] é possível o emprego do procedimento licitatório como forma de regulação diretiva ou indutiva da economia, seja para coibir práticas que limitem a competitividade, seja para induzir práticas que produzam efeitos sociais desejáveis.

José Anacleto Abduch Santos, ao tratar da constitucionalidade da LC nº

123/2006 frente ao principio da isonomia, assim leciona:

Quaisquer discriminações legais são legítimas e, portanto válidas, se a discriminação tiver suporte constitucional. [...] No caso da norma em exame, o fundamento constitucional está expressamente previsto no art. 170, inc. IX, da Constituição Federal, erigindo à condição de princípio o tratamento favorecido à empresa de pequeno porte, e no art. 179, que remete à lei a criação de situação jurídica de efetivo tratamento diferenciado. À luz de um dos referentes metodológicos acima citados, o da interpretação sistemática, é de se referir que tal princípio deve coabitar harmonicamente o sistema jurídico com os demais princípios e valores constitucionais, e certamente deverá ser ponderado quando da solução de casos concretos.

32

31

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 28. 32 SANTOS, José Anacleto Abduch. AS LICITAÇÕES E O ESTATUTO DA MICROEMPRESA. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, junho/julho/agosto, 2008. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/ rere.asp>. Acesso em: 9 maio 2010.

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23

Ressalta-se, portanto, que quantos aos fins colimados, é quase

unânime33 a posição dos autores nacionais de que a lei seria constitucional. No

entanto não se pode dizer o mesmo especificamente quanto aos benefícios

que introduz. Nesse sentido, na análise de cada tipo de benefício estatuído

pela lei, serão analisadas as posições doutrinárias a respeito da

constitucionalidade dos benefícios propriamente ditos.

Vale lembrar por fim, que o Tribunal de Contas da União, fazendo uso de

suas prerrogativas reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, na sua

Súmula 347, ao analisar a Constitucionalidade da LC nº 123/2006 nas

licitações, se manifestou no sentido de que as normas gerais ali estabelecidas

são consentâneas com o princípio constitucional da isonomia insculpido no art.

37, inciso XXII. É o que se depreende do Acórdão nº 1.238/2008 – Plenário,

relatado pelo Ministro Guilherme Palmeira.

33

Em sentido diverso se manifestam José Luiz Ribeiro (BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Lei Complementar nº 123/2006: inconstitucionalidade dos benefícios para microempresas e empresas de pequeno porte em licitações públicas. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 94,out. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bid ConteudoShow.aspx?idConteudo=62985>. Acesso em: 3 julho 2010.) e Ivan Barbosa Rigolin (RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 61, jan. 2007 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo =39052>. Acesso em: 13 janeiro 2011.)

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3 Benefícios estabelecidos pela Lei Complementar nº 123/2006 nas licitações.

Dedicaremos o presente capítulo a uma análise mais acurada dos

benefícios trazidos pela LC nº 123/2006 às licitações. Desde já destacamos

que alguns pontos decorrentes da lei, mesmo dizendo respeito aos benefícios,

serão analisados separadamente no próximo capítulo, dada a sua grande

relevância prática para o interprete e aplicador do direito.

3.1 Regularidade Fiscal tardia (arts 42 e 43)

Os benefícios estabelecidos pela LC nº 123/2006, nos seus artigos 42 e

43, dizem respeito à possibilidade de concessão de prazos mais elásticos aos

licitantes ME/EPP‟s para apresentação da documentação referente à

regularidade fiscal. Por simples comodidade, transcrevemos os artigos a serem

analisados:

Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato. Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição. § 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa. § 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.

A redação dos dispositivos acima tem sido muito criticada diante da

imprecisão técnica de sua redação, como no art. 42 quando transfere para um

momento posterior ao certame (assinatura do contrato) a comprovação da

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regularidade fiscal, que é típica da fase de habilitação da licitação, ou no § 1º

do art. 43 quando chama “vencedor” ao licitante antes que este seja obrigado a

comprovar sua regularidade fiscal, ou ainda no §2º do art. 43 quando impõe

aos licitantes ME/EPP‟s que não apresentarem documentação regular no prazo

estabelecido pela Administração às sanções previstas no art. 81 da Lei nº

8.666/93, que por sua vez sequer arrola qualquer pena, tornando a previsão da

LC inócua neste ponto.

Um ponto que traz dúvida crucial aos aplicadores da norma em questão

é referente ao momento em que deverá ser comprovada a regularidade fiscal

por parte do licitante ME/EPP que esteja com a documentação irregular. Tendo

em vista que a solução dessa questão terá inegável relevância prática nos

processos licitatórios, dedicaremos a ela um tópico a parte no próximo capítulo,

analisando por ora as demais implicações do benefício aqui estabelecido.

Está claro nestes artigos que deverá ser oportunizado ao licitante

ME/EPP a possibilidade de participar da licitação, com a documentação fiscal

irregular, sendo-lhe obrigatoriamente concedido o prazo de dois dias úteis,

prorrogáveis por igual período, para regularização da documentação, desde

que solicitado pelo licitante.

Um primeiro ponto a esclarecer é que a concessão do presente

benefício independe de previsão editalícia. Assim se depreende uma vez que a

lei possui aplicabilidade imediata, e só previu disposição diversa para as

normas tributárias reguladas por ela. É o que se verifica no seu art. 88, que

dispõe que a lei entraria em vigor na data de sua publicação, ressalvado o

regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que

vigoraria a partir de 1º de julho de 2007.

Nesse sentido o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2144/2007 -

Plenário, através do seu Ministro Relator Aroldo Cedraz, assim se manifestou:

Em uma análise mais ampla da lei, observo que seu art. 49 explicita que os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte previstos em seus arts. 47 e 48 não poderão ser aplicados quando “não forem expressamente previstos no instrumento convocatório”. A lei já ressalvou, portanto, as situações em que seriam necessárias expressas previsões editalícias. Dentre tais ressalvas, não se encontra o critério de desempate com preferência para a contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte, conforme definido em seus arts. 44 e 45 acima transcritos. (destacamos)

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26

Marçal Justen Filho compartilhando deste entendimento, assim leciona

A maior parte das disposições atinentes a benefícios licitatórios, contidas na LC nº 123, apresenta natureza auto-aplicável. Assim se passa com o disposto nos arts. 42 e 43 (regularização fiscal) e nos arts. 44 e 45 (preferência em caso de empate).

Outro ponto que se questiona é a obrigação do licitante de apresentar a

documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal,

mesmo que esta apresente alguma restrição. Por ora, se o benefício consiste

em que o mesmo tenha a oportunidade de regularizar a documentação fiscal

em situação irregular, não faz muito sentido que o mesmo seja obrigado a

apresentar a documentação com restrições. Isso se constituiria em mera

formalidade, não sendo consentâneo com o espírito da lei em facilitar o acesso

das ME/EPP‟s às licitações.

Ivan Barbosa Rigolin parece entender como desnecessária essa

formalidade, uma vez que comentando o benefício informa que

o edital precisará informar que se o licitante for micro ou pequena empresa não precisará apresentar aquela documentação fiscal, que o edital acaso exija, no envelope de habilitação, porém que a simples participação da micro ou da pequena empresa implica em que, se vencer e observado ainda o disposto no art. 2º, apresentará os documentos de regularidade fiscal exigidos no edital, sob pena de inabilitação

34 (destacamos)

O professor Jorge Ulisses Jacoby dissente desse entendimento, defende

que toda documentação deve ser apresentada desde o momento da habilitação

na licitação, ao consignar que

Compreende-se que o benefício se restrinja ao saneamento e não a complementação, pois, do contrário, estabelecer-se-ia a desordem processual, ficando os beneficiários da Lei Complementar nº 123/06 com o direito de apresentar parte dos documentos no momento em que bem entendessem. Licitação, como já lembrado, é procedimento formal.

35

34 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada. 35 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a Lei de Licitações e Contratos e a Lei do Pregão. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 65, maio 2007. Disponível em: <http://www.editora forum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=40460>. Acesso em: 3 julho 2010

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27

O Tribunal de Contas da União, se manifestando sobre o assunto, no

Acórdão 2505/2009 – Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes,

também deixa a entender não ser obrigatória a apresentação de todos os

documentos da pequena empresa na fase de habilitação, pois assim decidiu

Ora, os arts. 42 e 43 da Lei nº 123/2006 possuem caráter impositivo, não dando margem a mais de uma interpretação. Resta evidente o privilégio concedido pelo legislador às microempresas e/ou empresas de pequeno porte, de modo que a exigência de comprovação da regularidade fiscal daquelas perante a Administração somente é permitida para fim de assinatura do contrato.

Um terceiro ponto que se discute é quanto à prorrogação do prazo de

dois dias para regularização fiscal do licitante, previsto § 1º do art. 43. Segundo

expõe a LC nº 123/2006, a concessão da prorrogação ocorrerá a critério da

Administração, sendo portanto de competência discricionária. O que não

significa que a Administração não deva motivar seus atos que visem restringir

direitos do licitante. Segundo Justen Filho, a rejeição da Administração deve

ensejar a indicação das razões concretas que justifiquem a decisão adotada. E

essa rejeição só poderá ser adotada quando houver ausência por parte do

interessado de conduta adequada ou satisfatória no certame.36

O Decreto nº 6.204/2007, ao regulamentar o referido ponto, traçou

como obrigatória a concessão dessa prorrogação, desde que solicitada pelo

licitante que faz jus ao benefício, tornando o ato vinculado na esfera da

Administração em que se aplica. Mas se por um lado deu à norma em questão

a feição de dever-poder, por outro enumerou exceções não razoáveis ou

proporcionais como escusa para o seu não cumprimento por parte da

Administração. Elencou como justificativa para a sua não-concessão a

urgência da contratação ou existência de prazo insuficiente para o empenho. A

adoção de tais razões não se mostra razoável porque o fato de Administração

não conceder a prorrogação do prazo para regularização dos documentos não

implica necessariamente que a contratação será efetivada em tempo recorde,

sem nenhum outro problema. Pode ocorrer inclusive de a próxima colocada no

certame também fazer jus ao benefício da regularização tardia, hipótese em

36 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 76-77.

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28

que a Administração teria que conceder outros dois dias para que essa

empresa se regularizasse, tornando inválido o argumento da urgência na

contratação. O mesmo raciocínio pode ser aduzido no caso do prazo para

empenho. Esse é o entendimento adotado pelo professor Justen Filho.37

Cristiana Fortini entende que “a regra deva ser a de conceder a dilação,

e a exceção deva ser a negativa. Isso porque a obtenção de documentos pode

demandar prazo maior do que os dois dias úteis mencionados no §1º, do art.

43.”38

Em suma a visão de outros administrativistas ao tratar do tema converge

no sentido de que, via de regra, é dever da Administração conceder a

prorrogação do prazo para comprovação da regularidade fiscal, havendo

divergência apenas quanto aos fatos que autorizariam a denegação da dilação.

Para uns, a urgência da contratação e o prazo exíguo para empenho seriam

motivos bastantes, para outros apenas uma conduta imprópria por parte do

licitante autorizaria a Administração a denegar a prorrogação do prazo de

regularidade fiscal.

Por fim, ainda dentro do tema da regularidade fiscal, outra questão que

se coloca é acerca da aplicação de sanção em função da não-regularização da

pequena empresa no prazo concedido pela Administração, previsto no §2º do

art. 43, que assim dispôs:

§ 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação. (g.n.)

A disposição legal é no sentido de que a não-regularização da

documentação, no prazo previsto, implicará, além da decadência do direito à

contratação, a aplicação das sanções previstas no art. 81 da Lei nº 8.666, de

21 de junho de 1993. O Decreto 6.204/2007 neste ponto se limitou a repetir o

comando legal, sem adentrar as controvérsias que ensejaria.

Pois bem, a questão é que o art. 81 da Lei nº 8.666/93 assim dispõe

37

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 77. 38 FORTINI, Cristiana; PIRES, Maria Fernanda; CAMARÃO, Tatiana. Obra citada . p. 145

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29

A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.

Nota-se que o art. 81 não revela sanção alguma, apenas caracteriza a

recusa injustificada de assinatura do contrato como descumprimento total da

obrigação, abrindo à Administração a possibilidade de aplicação de sanções

cabíveis, mas em si mesmo não traz sanção alguma. O que o art. 43, §2º faz é

equiparar a não-regularização da documentação fiscal das microempresas à

não assinatura do contrato. A redação do dispositivo não deixa clara qual

sanção seria aplicável ao caso, como uma leitura literal poderia transparecer.

Com relação à sanção à microempresa que não promoveu sua

regularização fiscal no tempo concedido pela Administração, Jonas Lima aduz

que ela não pode ser automática. Aponta para isso a redação do art. 81 que

impõe sanção apenas às empresas que recusarem assinar o contrato de forma

“injustificada”. Nesse sentido seria cabível a sanção apenas a empresa que

não justificasse devidamente a impossibilidade de regularização fiscal.39

Para José Anacleto Abduch Santos,

A aplicação de sanção na hipótese em exame constitui tratamento justo, tendo em vista o principio da boa-fé que deve nortear as relações no curso da licitação. Justo, portanto, que aquele licitante que se aproveitou indevidamente de uma prerrogativa legal seja penalizado.

40

Já o entendimento de Cristiana Fortini e Ivan Barbosa Rigolin convergem

no sentido de que a citada regra é de redação técnica imperfeita, tendo em

vista que não há penas arroladas no art. 81 da Lei nº 8.666/93, sendo que

quem fosse condenado a essas penas, literalmente estaria “condenado a nada”

e também porque a situação prevista no dispositivo da Lei de Licitações difere

em muito da regulada pelo §2º do art. 43 da LC nº 123, sendo inadmissível

punir com o mesmo rigor situações tão díspares. Tal aplicação afrontaria o

princípio da proporcionalidade, uma vez que quem simplesmente não

conseguiu se habilitar em um processo licitatório seria equiparado àquele que

deliberadamente se recusou a assinar um contrato com a Administração, após

39

LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 70 40 SANTOS, José Anacleto abduch. Obra citada.

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ter passado por todas as fases da licitação, inclusive tendo o objeto adjudicado

a si. A aplicação de sanção em tais casos iria, inclusive, de encontro a um dos

propósitos da lei, que é o de facilitar e promover o acesso das ME/EPP‟s ao

mercado. 41

3.2 Empate ficto (arts 44 e 45)

O benefício que aqui denominamos empate ficto se encontra disposto

nos artigos 44 e 45 da LC nº 123/2006, que transcrevemos a seguir para facilitar a análise:

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de esempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. § 1

o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas

apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada. § 2

o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido

no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao

melhor preço. Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma: I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1

o e 2

o do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem

classificatória, para o exercício do mesmo direito; III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1

o e 2

o do art. 44 desta Lei

Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta. § 1

o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput

deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame. § 2

o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor

oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte. § 3

o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno

porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.

41

FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 146 apud RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação: a LC nº 123, de 14.12.06: comentários aos arts. 42 a 49. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, nº 61, p. 33-41, jan. 2007.

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Conforme redação dos §§ 1º e 2º do art. 44 da LC, o empate ficto

refere-se à situação em que o legislador, a fim de beneficiar às ME/EPP‟s,

decidiu declarar como empatadas propostas que de fato não o seriam. Para

isso, tomando como referência os preços inicialmente mais bem colocados,

estabeleceu um limite de 10% nas modalidades tradicionais e 5% na

modalidade pregão para que as propostas das pequenas empresas fossem

consideradas empatadas. Como salienta Justen Filho, produz-se, desse modo,

uma ficção de empate, na medida em que, sob o prisma aritmético, não existe

igualdade de valores42.

Em termos hipotéticos, supondo que em uma licitação a empresa

(provisoriamente) melhor colocada, não enquadrada como ME/EPP, apresente

proposta no valor de R$ 100,00, a qual denominamos proposta paradigma. Tal

proposta será considerada empatada com todas as demais apresentadas por

ME/EPP‟s que apresentem o seu valor até R$ 110,00 (nas modalidades

tradicionais) ou até R$ 105,00 (na modalidade pregão).

Uma vez ocorrido o empate, declarado nos termos consignados na LC, a

pequena empresa terá a oportunidade de oferecer nova proposta de valor

inferior aquele inicialmente considerado como melhor.

Sobre o benefício em questão, vale salientar que somente quando a

proposta mais bem colocada no certame não for de ME/EPP é que se fará o

desempate. É o que dispõe o § 2º do art. 45.

Quando houver o empate real (valores equivalentes apresentados por

duas ou mais empresas), o desempate deverá ocorrer nos moldes da Lei nº

8.666/93. Obviamente se no empate real figurar uma pequena empresa e outra

empresa não enquadrada como ME/EPP, aplicar-se-á as regras da LC nº

123/2006 para dissolução do empate.

Havendo o empate ficto, não necessariamente serão chamadas várias

ME/EPP‟s para apresentar novos valores. Apenas a ME/EPP mais bem

colocada (desde que não empatada de fato com outra ME/EPP como veremos

a frente) entre aquelas que figuraram nesse patamar poderá apresentar nova

proposta. Somente em caso de recusa da pequena empresa em ofertar novos

valores é que as demais ME/EPP‟s situadas na margem de 10% (modalidades

42 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 92

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tradicionais) ou 5% (pregão) serão chamadas a cobrir a proposta paradigma,

mesmo assim, obedecendo-se rigorosamente a ordem de classificação. É o

que se depreende da leitura do inciso II do art. 45.

Cristiana Fortini ainda faz outra relevante consideração sobre o tema:

Importa ainda ter em mente que a micro ou pequena empresa não precisará estar em segundo lugar para usufruir da faculdade prevista no art. 45, I. Qualquer que seja sua colocação, há de lhe ser concedida nova chance. Pode ocorrer, então, que a segunda colocada, assim considerada a classificação inicial, não seja chamada a ofertar novo lance, porque não é considerada micro ou pequena empresa, mesmo que sua proposta se situe nos limites estabelecidos nos §§1º e 2º do art. 44.

43

Somente serão chamadas duas ou mais ME/EPP‟s concomitantemente

no caso de haver um empate real (equivalência de valores) entre elas. Nesse

caso serão chamadas para que se faça um sorteio entre elas, a fim de se

decidir qual das ME/EPP‟s primeiro dará o lance de desempate. Não é de outra

forma que dispõe o art. 45, inciso III, ao dizer que havendo equivalência nos

valores apresentados pelas ME/EPP‟s que se encontrem nos intervalos

estabelecidos nos §§1º e 2º do art. 44 da LC, será realizado sorteio entre elas

para que se identifique a que primeiro poderá apresentar melhor oferta.

Em uma leitura literal do dispositivo, pode parecer que a Administração

deve conceder a todas as ME/EPP‟s que tenham suas propostas dentro dos

percentuais estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 da LC, a oportunidade de

oferecer melhores ofertas, havendo talvez até outra disputa de preços somente

entre as pequenas empresas, servindo o sorteio apenas para se identificar o

licitante que “primeiro poderá apresentar melhor oferta”, como bem salienta

Cristiana Fortini44. O que, obviamente não é o caso, trata-se somente de mais

um momento de infeliz redação do legislador. O sorteio ocorrerá para definir

qual empresa terá a oportunidade de oferecer nova oferta e apenas se a

empresa sorteada abrir mão de sua prerrogativa é que a outra empresa

“empatada” teria a oportunidade de realizar nova oferta.

Vale lembrar que o próprio Decreto nº 6.204/2007 já ressalvou que no

Pregão, por sua disciplina diferenciada, não ocorrerá tal hipótese, tendo em

43

FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 150 44 FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 150

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vista que nesta modalidade, os lances porventura oferecidos com o mesmo

valor, serão classificados segundo a sua ordem de apresentação, sendo

considerado como melhor colocado aquele que tiver sido apresentado com

antecedência em relação aos demais de valor idêntico.

Marçal Justen Filho também ressalta o caráter facultativo do exercício

dessa preferência por parte das ME/EPP‟s, assim dispondo

É fundamental destacar que a LC nº 123 não determina que verificada a situação de “empate ficto”, a pequena empresa será reputada vencedora. [...] O benefício consiste em facultar a pequena empresa a possibilidade de introduzir benefícios não existentes originalmente em sua proposta, de modo a torná-la mais vantajosa dentre as diversas apresentadas no certame. [...] Existirá dever de a Administração Pública dar oportunidade à pequena empresa para modificar o valor de sua proposta. [...] Se [a pequena empresa] escolher não o fazer, não existirá efeito jurídico algum em sua recusa.

45

Vale também lembrar que a oportunidade para que o licitante ME/EPP

exerça o seu direito de preferência deve ter um limite temporal. Conforme

dispõe o § 3º do art. 45, no caso do Pregão, a faculdade deve ser exercida no

prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena

de preclusão. No caso das demais modalidades de licitação, a lei

complementar foi silente. O Decreto nº 6.204/2007, no § 7º do art. 5º, dispôs

que nos demais casos não regulados pela lei, o próprio órgão ou entidade

contratante deverá prever o prazo para que o licitante ME/EPP exerça o seu

direito de preferência, devendo inclusive esse prazo estar previsto no

instrumento convocatório.

Com relação à incidência desse benefício, conforme já assentado no

tópico anterior, temos que a sua aplicação nas licitações deve se dar

independente de previsão editalícia, conforme entendimento da melhor doutrina

e já assentado pelo Tribunal de Contas da união, no Acórdão 2144/2007 -

Plenário, através do seu Ministro Relator Aroldo Cedraz

A existência da regra restringindo a aplicação dos arts. 47 e 48 e ausência de restrição no mesmo sentido em relação aos arts. 44 e 45 conduzem à conclusão inequívoca de que esses últimos são aplicáveis em qualquer situação, independentemente de se encontrarem previstos nos editais de convocação.

45 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 94,95.

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34

Vê-se, portanto, que não houve mera omissão involuntária da lei. Ao contrário, caracterizou-se o silêncio eloqüente definido pela doutrina. [...] De fato, somente há que se falar de lacuna quando for verificada, da análise teleológica da lei, ser ela incompleta, carecendo de complementação. Não se vislumbra, na espécie, essa situação. Resta nítido que a lei buscou propiciar uma maior inserção das microempresas e empresas de pequeno porte no mercado de aquisições do setor público, o que se compatibiliza por inteiro com o silêncio eloqüente mencionado. Observo, aliás, que os comandos contidos nos arts. 44 e 45 são impositivos ("proceder-se-á da seguinte forma..."), ao passo que a redação conferida aos arts. 47 e 48 deixam claro seu caráter autorizativo ("a administração pública poderá..."). As regras insculpidas nos arts. 44 e 45 não são, portanto, facultativas, mas auto-aplicáveis desde o dia 15.12.2006, data de publicação da Lei Complementar 123. (destacamos)

Considerando ainda a relevância prática, adentramos por ora em alguns

aspectos mais controversos do benefício em tela.

O primeiro deles é a própria redação da lei complementar. Como já

observado anteriormente, em vários pontos do diploma legislativo percebe-se

por parte do legislador um verdadeiro descaso com as técnicas de boa redação

da norma.

Ao dizer sobre o modo de aplicação da própria norma, o art. 45, inciso I

menciona que

a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; (destacamos)

Ao disciplinar desta forma o benefício, o legislador desconsidera

absolutamente toda e qualquer boa técnica no que diz respeito às licitações. É

sabido que a licitação é um procedimento formal, que tem suas fases bem

definidas na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93), estando o licitante

portanto sujeito a percorrer todo um procedimento, antes de ser declarado

vencedor em um certame. Mesmo na modalidade Pregão em que ocorre o que

se denomina inversão de fases, a declaração de vencedor do certame não é

um ato automático. Ela ocorre após verificados certos pressupostos de

aceitabilidade da proposta (art. 4º, XI da Lei nº 10.520/2002).

Errou portanto o legislador ao dizer que a proposta provisoriamente mais

bem colocada no certame seria a vencedora. Ora, se a lei introduz benefício a

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ser usufruído pelo licitante na fase de apresentação de propostas, não há que

se falar, em um primeiro momento, em proposta vencedora do certame. Se já

existisse uma proposta vencedora do certame, não deveria ser oportunizado a

nenhum outro licitante “cobri-la”.

Ivan Barbosa Rigolin bem leciona a respeito do assunto,

Neste ponto, inc. I, a lei nem sequer manda declarar o vencedor do certame, como não manda aguardar a fase de recursos do julgamento das propostas, mas simplesmente “atropela” as fases da licitação e afirma que “será adjudicado em seu favor o objeto licitado”. A grosseira inadvertência do legislador é espantosa, verdadeira alienação do direito aplicável, e neste ponto, no afã de proteger micro e pequenas empresas e de resto apenas com a lei do pregão na consciência, ele parece jamais ter lido a lei de licitações. Resta difícil contar todos os erros que o legislador consegue cometer num inciso de três linhas, e naturalmente não poderá a Administração proceder como indicado neste inacreditável inc. I.

Outro ponto igualmente relevante diz respeito à disposição final do inciso

quando diz que uma vez apresentada pela ME/EPP uma proposta de valor

menor que a proposta paradigma, “será adjudicado em seu favor o objeto

licitado”.

Nesse momento, a proposta da micro ou pequena empresa ainda deverá

ser analisada quanto aos seus pressupostos de aceitabilidade. No caso do

Pregão, a empresa sequer apresentou os documentos de habilitação, portanto

é impróprio e incorreto dizer que, assim que oferecida a proposta de menor

valor, será adjudicado o objeto em favor da empresa. A redação legal

simplesmente ignora que o licitante em questão poderá ser inabilitado ou ter

sua proposta recusada por motivos diversos, não vindo portanto a ter o objeto

adjudicado em seu favor.

Um tópico que vem merecendo atenção dos doutrinadores e aplicadores

do direito em matéria de licitação, é a questão da exeqüibilidade das propostas.

Ainda mais no caso da modalidade Pregão, onde muitas empresas, no afã de

ganhar a licitação acabam por disputar os preços em um patamar aquém de

suas possibilidades de execução. No caso do benefício do empate ficto, ainda

caberá a empresa cobrir a melhor oferta, o que pode aumentar

significativamente os riscos quanto à exeqüibilidade da proposta. Marçal Justen

Filho, em suas lições sobre o tema, assim dispôs:

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Este tema vem preocupando a todos e gerando problemas práticos relevantes para a Administração, especialmente nas licitações em que se admite a alteração do valor das propostas. [...] ...o problema se agrava nas hipóteses em que se facultar ao licitante a redução do valor originalmente ofertado. Nesse caso, o licitante poderá formular lance de valor insuficiente para cobrir os seus custos. [...] Portanto, a Administração Pública deverá examinar com grande cautela e minúcia a proposta a ela encaminhada por pequena empresa, tendo por conteúdo a redução do valor ofertado abaixo daquele apresentado por uma empresa normal. Caberá à comissão de licitação ou ao pregoeiro convocar o autor da proposta de valor reduzido, instando-o a demonstrar a sua composição de custos para o efeito de comprovar a viabilidade de executar a proposta pelo valor pretendido. Se o licitante se omitir ou não lograr comprovar a exeqüibilidade, caberá a desclassificação de sua proposta.

Por fim, em uma linha também defendida por Jair Eduardo Santana e

Edgar Guimarães46 há uma última, mas não menos importante reflexão a

respeito do assunto. Em se tratando o procedimento licitatório da modalidade

Pregão, que é de fato o que mais vem sendo empregado na Administração

Pública Federal para aquisição de bens e serviços comuns, pode ocorrer a

situação que se segue. Principalmente se utilizado o Pregão na sua forma

eletrônica.

Determinada empresa não enquadrada como ME/EPP participa de uma

licitação, mas não sabe quais empresas estão disputando com ela o objeto da

licitação. Essa mesma empresa, durante a fase de disputa por lances,

consegue oferecer o preço mais vantajoso, alcançando a primeira colocação no

certame. Por se tratar de média ou grande empresa, e tendo em vista a

economia de escala, essa empresa obteve o primeiro lugar na disputa, mas

consegue reduzir o seu preço ainda mais. O que provavelmente faria se lhe

fosse oportunizada a negociação prevista no inciso XVII do art. 4º da Lei

10.520/2002.

Ocorre que de acordo com o que dispõe o § 6º do art. 5º do Decreto nº

6.204/2007, “no caso do pregão, após o encerramento dos lances, a

microempresa ou empresa de pequeno porte melhor classificada será

convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de cinco minutos

por item em situação de empate, sob pena de preclusão”. A partir deste

46 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 66, 67

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37

entendimento, há que se concluir que não se admite a negociação, tão logo

tenha se encerrado a etapa de disputa por lances.

Nesse caso, haverá um fatal atropelamento da média ou grande

empresa quanto à possibilidade de negociação e consequente redução do seu

preço. A supressão dessa negociação neste instante pode gerar pelo menos

duas conseqüências para o certame.

A primeira delas é para a média ou grande empresa, que tendo a

negociação suprimida, não poderá fugir ao percentual de 5% da próxima

colocada ME/EPP. Ou seja, se a média ou grande empresa houvesse obtido o

menor preço com o valor de R$100,00 e a próxima colocada ME/EPP

houvesse oferecido o preço de R$105,00, ao ser oportunizada a grande/média

empresa a negociação dos preços ofertados, haveria a possibilidade de a

empresa fugir ao fatal atropelamento, diminuindo sua proposta, neste exemplo,

para R$99,99. Dessa forma não haveria que se falar em empate ficto, pois que

o percentual máximo de 5% foi dissipado, muito menos em desempate.

Na forma como foi concebida a norma, à grande/média empresa não

restará escolha senão aguardar passivamente a conduta da micro ou pequena

empresa, não podendo portanto negociar o seu preço com a Administração,

mesmo tendo alcançado a melhor oferta, em um primeiro momento.

A segunda face cinzenta dessa escolha do legislador é que, por suprimir

uma eventual negociação com uma grande/média empresa, a Administração

poderá estar abrindo mão de valores mais vantajosos que poderiam ser obtidos

na licitação e aceitando uma redução de preço por parte da micro ou pequena

empresa, que vise simplesmente cobrir a melhor oferta da média/grande

empresa, estando, p. ex, apenas R$ 00,01 (um centavo) a menor que a melhor

proposta.

Se por um lado entendemos, que esse provavelmente é o espírito da lei,

admitindo que a Administração pague um pouco mais caro, desde que fomente

a atividade das micro e pequenas empresas, por outro, não se pode deixar de

apontar que tal entendimento revela uma questão crucial trazida pela LC nº

123/2006, no tocante ao julgamento das propostas no pregão, que será

postergar a aplicação do artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 10.520/2002

(negociação) para momento ulterior à aplicação do art. 45, §3º, da citada Lei

Complementar (convocação da ME/EPP para cobrir a melhor proposta).

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3.3 Licitações diferenciadas (arts 47 e 48)

Os benefícios por ora estudados estão disciplinados nos artigos 47 e 48

da LC nº 123/2006, que transcrevemos abaixo para uma melhor compreensão:

Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente. Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: I - destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado; III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. § 1

o O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá

exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil. § 2

o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e

pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

Na redação do art. 47, o primeiro ponto que vem a tona é a respeito da

obrigatoriedade ou não da concessão do tratamento diferenciado às ME/EPP‟s

nas contratações públicas. Há divergência entre vários doutrinadores a respeito

desse ponto.

Jonas Lima47, por uma interpretação literal, conclui que há uma

faculdade dos entes governamentais na aplicação do benefício, não se

constituindo, portanto, em dever. Vai ainda mais longe ao defender que se trata

de uma questão discricionária, estando ao livre alvedrio do administrador

decidir pela aplicação ou não dos benefícios, desde que o faça antes da

elaboração do edital.

47 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 87, 88.

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Cristiana Fortini48 concorda que a aplicação dos benefícios em questão

se trata de uma faculdade, não apenas em função de uma mera interpretação

literal, mas por que o legislador assim o faz entender, numa interpretação

sistemática dos demais benefícios estabelecidos pelo legislador, que, quando

quis criar norma cogente não teria deixado margem para dúvidas. A fim de

corroborar esse entendimento, bastaria verificar a redação dos 42, 43 e 44 da

LC nº 123/2006.

Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães49 sustentam que o comando

legal em questão, na verdade, não encerra uma faculdade, mas sim um poder-

dever, visto que o sistema normativo ao ser lido em tom finalístico visa atender

aos comandos constitucionais que tratam a respeito do tema (art. 170, IX, e art.

179), que se condensam com as regras do art. 47, apenas se solidificando com

a ação efetiva da administração pública. Noutras palavras, a instituição do

tratamento diferenciado só faria sentido se a Administração, de fato, fosse

instada a materializar o benefício. Se o raciocínio for inverso, (permitindo-se a

Administração decidir sobre a aplicação de acordo com o seu alvedrio) pode se

obstar impiedosamente a própria estrutura constitucional.

Em princípio, vemos como mais acertado o posicionamento defendido

por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães, visto que ao introduzir o

tratamento discriminatório na LC, o legislador traça certos fins, explícitos no art.

47, que não parecem indicar apenas uma probabilidade de atuação da

Administração, mas sim objetivos claros a serem alcançados pelo

Administrador, que somente poderá fazê-lo por meio da implementação do

tratamento diferenciado nas licitações. A expressão “poderá”, a nosso ver foi

utilizada com o objetivo de permitir aos demais entes da Administração Pública

prever e regulamentar o tratamento diferenciado em seu âmbito primeiro, para

somente depois efetivamente implantar a sua utilização nas licitações.

Contudo, é preciso atentar para o que foi dito por Ivan Barbosa Rigolin,

ao dizer que ninguém está obrigado ao impossível50. Neste sentido,

entendemos que se a aplicação de um ou mais dos benefícios previstos no art.

48 se demonstrar inviável em função da falta de técnica do legislador ao

48

FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 152 49

SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 127, 128. 50 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada.

Page 40: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

40

estabelecer o instituto, então estará respaldada a Administração para entender

como discricionária a concessão dos benefícios.

Diógenes Gasparini arremata, trazendo inclusive o entendimento

adotado pelo Decreto Federal nº 6.204/2007, assim dispondo

Ainda que a expressão poderá constante desse artigo e do subseqüente pudesse justificar uma faculdade para a Administração Pública escolher entre conceder ou não esse tratamento, há que se levar em conta o disposto no art. 49 que estabelece as únicas hipóteses em que não são aplicáveis os arts. 47 e 48. De sorte que ressalvadas essas hipóteses sua aplicação é obrigatória. Observe-se, ainda, que o art. 6º do Decreto federal nº 6.204/07 não usa o vocábulo poderá, mas vale-se da palavra deverão, conotando uma obrigação.

51

Apenas por esmero e rigor técnico alguns autores salientam a falta de

inclusão na redação do art. 47 do Distrito Federal. É unanime portanto o

entendimento de que esta lacuna é facilmente suprível pelo entendimento

sistemático da norma, que inclusive faz alusão ao Distrito Federal no caput do

art. 1º, não fazendo sentido algum excluí-lo da incidência específica dessas

normas.

O art. 47 faz ainda explícita alusão a que o regime finalístico de

licitações que institui, para ser aplicado deve estar “previsto e regulamentado

na legislação do respectivo ente”. O art. 77, § 1º, da LC 123/2006, determina o

prazo de um ano para que os entes federativos editem “as leis e demais atos

necessários para assegurar o pronto e imediato tratamento jurídico

diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e às empresas de

pequeno porte”.

Alguns autores adotam o entendimento segundo o qual, ao tornar

explícita a necessidade de que os benefícios estivessem previstos e

regulamentados em legislação, a lei não deixou margem a que as normas que

propõem fossem regulamentadas por outro meio que não outras leis. É o caso

de Marçal Justen Filho52 e Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães53, para

quem aliás, a edição de tal ato normativo não se daria apenas em função da

terminologia legal, mas por que há no art. 48 temas reservados a tratamento

51

GASPARINI, Diogenes. Obra citada. 52

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 106 53 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 128, 129.

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41

legislativo, como especificamente o seu §2º que trata de assunto que resvalará

em matérias de domínio tributário, financeiro e fiscal. Outro argumento

aventado por Marçal Justen Filho é a própria redação do art. 77 , § 1º da lei,

citado acima, que dispõe expressamente sobre o prazo para edição das leis e

demais atos necessários a implementação do tratamento diferenciado.

A respeito do assunto ainda há uma relevante reflexão trazida por

Marçal Justen Filho, no que diz respeito à natureza jurídica das normas que

tratam de licitações na Lei Complementar 123/2006. Segundo o autor tais

normas têm status equivalente ao de lei ordinária, pois não tratam de temas

reservados a legislação complementar. Antes são legítimas por editarem

normas gerais sobre o tema, dando cumprimento ao disposto no inciso XXVII

do art. 22 da Constituição Federal. O problema é que ao editarem as normas a

respeito das licitações diferenciadas por meio da LC nº 123/2006, adota-se

esta como fundamento de validade para edição das leis ordinárias veiculadoras

da disciplina específica sobre o tema. Resumindo o seu entendimento o autor

expõe

[...] a eficácia jurídica dos referidos dispositivos deriva da competência da União para editar lei ordinária veiculadora de normas gerais sobre licitação. Não existe um fundamento constitucional para que uma lei complementar nacional autorize a instituição de uma nova figura licitatória, caracterizada por regime jurídico diferenciado. Sob esse prisma, a utilização do veículo da lei complementar, no caso examinado, foi inútil.

Apesar de toda essa discussão, o que se observou é que a própria

União Federal, em seu âmbito, resolveu editar o Decreto nº 6.204/2007 para

tratar da matéria, não adotando o entendimento defendido pelos autores acima

colacionados.

Aparte a questão formal da disciplina trazida pelo art. 47 da LC nº

123/2006, passemos a análise dos fins que a lei instituiu como pressupostos

necessários à realização de licitações diferenciadas. Disciplinou a lei que os

benefícios concedidos às ME/EPP‟s devem ser concedidos visando a (i)

promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e

regional, (ii) a ampliação da eficiência das políticas públicas e (iii) o incentivo à

inovação tecnológica.

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Elegeu portanto três finalidades precípuas que devem ser buscadas

como condição para concessão dos benefícios. Nesse ponto, é importante

ressaltar, a lei complementar deixa claro o objetivo do fomento. Relega-se a um

segundo plano aqueles objetivos tradicionais da licitação, qual seja a busca

pelo menor preço, com a melhor qualidade possível e garantia da isonomia na

realização do certame, naquilo que, segundo o escólio de Marçal Justen Filho

poderia se denominar de “função econômica” da licitação. Nesse novo

contexto, privilegia-se a promoção de outros valores reputados como

relevantes. Pode se dizer aí da “função extra-econômica” da licitação,

indicando que a orientação do certame se dará não necessariamente para a

busca da proposta mais vantajosa para a administração, mas à seleção da

proposta apta a realização de outros fins (aqueles almejados pela lei)54.

No dizer de Luciano Ferraz, quando o Estado estabelece essas

preferências para as pequenas empresas, “o diferencial é utilizado justamente

com o intuito de fomentar a criação de empresas desta natureza, como

verdadeiro mecanismo de indução e de desenvolvimento dessas empresas,

que empregam expressivo número de trabalhadores no Brasil”55.

Para Pereira Junior e Dotti, no que tange a Administração Federal, é

imprescindível que o gestor público demonstre, caso a caso, mediante

justificativa idônea (explicitação dos motivos do ato administrativo, que se

definem, a seu turno, como o conjunto das razões de fato e de direito que

legitimam o ato), que a contratação atenderá concomitantemente aos três

objetivos, sob pena de incorrer em desvio de finalidade.56

Já segundo o entendimento de Marçal Justen Filho, o administrador

deverá comprovar que a aplicação das restrições previstas no art. 48 da LC Nº

123/2006 é uma solução adequada a cumprir pelo menos um dos objetivos

54

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 108,109. 55

FERRAZ, Luciano. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 19, agosto/setembro/outubro, 2009. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com/ revista/REDAE-19-AGOSTO-2009-LUCIANO-FERRAZ.pdf. Acesso em: 9 maio 2010. 56 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. O tratamento diferenciado às microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas, segundo as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados acolhidos na Lei Complementar nº 123/06 e no Decreto Federal nº 6.204/07. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 74, fev. 2008. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudo Show.aspx?idConteudo=52292>. Acesso em: 13 janeiro 2011.

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elencados pela lei e repetidos pelo Decreto, ou seja, a licitação vai (a)

promover o desenvolvimento econômico e social, no âmbito municipal e

regional ou (b) ampliar a eficiência das políticas públicas ou (c) incentivar a

inovação tecnológica.57

Compartilhamos desse entendimento por entendê-lo mais acertado e um

pouco mais consentâneo na concretização e aplicação da lei aos casos

concretos. Conforme apontado por diversos doutrinadores, inclusive por

Pereira Junior e Dotti, os comandos legais expressos no artigo 48 são

extremamente abertos e subjetivos, tornando sua aplicação espinhosa e

sensível. Entender que cada licitação deva atender aos três objetivos

expressos pela lei é reduzir o sentido legal e limitar por demasiado as

hipóteses de aplicação da norma, indo de encontro ao próprio espírito da lei.

Ainda quanto aos fins estatuídos no art. 47 da LC nº 123/2006 e

repetidos no art. 1º, incisos I, II e III do Decreto 6.204/2007, há que se fazer

algumas considerações.

O primeiro fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso I, do art.

1º do Decreto nº 6.204/2006 é a promoção do desenvolvimento econômico

e social no âmbito municipal e regional.

Salvo melhor juízo, compartilhamos do entendimento segundo o qual

esta hipótese implica que o Estado, através da licitação, concorra para a

promoção do desenvolvimento econômico ou social, reputando-se inicialmente

como válidas medidas de caráter restritivo nos procedimentos licitatórios,

limitando-se, por exemplo, geograficamente a possibilidade de participação nos

certames licitatórios. Tal medida gera uma série de controvérsias, sendo

assunto não pacífico na doutrina.

Pereira Junior e Dotti, dissecando o texto, extraem entendimento

segundo o qual a limitação geográfica em uma licitação não é consentânea

com o objetivo do Decreto nº 5.450/2005, que ao instituir o Pregão, na

modalidade eletrônica, visou, dentre outros objetivos, ampliar a participação

dos licitantes, bastando, para tanto, o acesso aos recursos de tecnologia da

informação e o prévio credenciamento no sistema eletrônico. Em função disso

57 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 115

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dão interpretação peculiar ao conteúdo da expressão “âmbito municipal e

regional”, para dizer que

o parâmetro do conceito é de natureza econômico-social, afastando qualquer conotação de circunscrição ou competência territorial. O "âmbito municipal e regional" compreende, para os fins da lei e do decreto, as atividades peculiares à vocação econômica regional ou municipal agrícola, industrial, extrativa, artesanal, turística, etc. Os contratos, a cujo acesso se pretende garantir tratamento diferenciado em favor de microempresas e empresas de pequeno porte, bem como a sociedades cooperativas, devem ter por objeto atividades compatíveis com a vocação econômico-social da região ou do Município em que as respectivas obrigações haverão de ser cumpridas pela contratada. Logo, as políticas públicas a que alude o inciso II do art. 1º são igualmente aquelas traçadas nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas municipais, tendo por destinatárias essas atividades.

58

Marçal Justen Filho dissente desse entendimento, aduzindo que, se de

um lado há a redação constitucional que veda o tratamento discriminatório

entre brasileiros ou a criação de preferências entre os entes federativos (CF/88,

art. 19, inc. III), de outro há também na Constituição, expresso como um dos

objetivos fundamentais da república, a obrigação do Estado de envidar

esforços para erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as

desigualdades regionais e sociais (CF/88, art. 3º, inc. III). Nos dizeres do autor

“seria pouco possível eliminar as desigualdades se houvesse tratamento

idêntico para todos os brasileiros.” O autor emenda com propriedade ao expor

que

A eliminação das desigualdades regionais e individuais pressupõe a adoção de políticas de cunho afirmativo, que assegurem benefícios e vantagens para os sujeitos e as regiões em condições de hipossuficiência. Trata-se de realizar o princípio da isonomia, tal como unanimemente consagrado: tratar de modo desigual aqueles que se encontram em situação distinta.

59

O autor ainda elenca como exemplos já existentes dessa diferenciação o

próprio regime estabelecido pela LC nº 123/ 2006 e a instituição de Zonas

Francas, que é mais uma evidencia da viabilidade de consagração de regimes

tributários diferenciados para empresas sediadas em determinadas regiões

econômica e socialmente menos desenvolvidas. Reputa então não só possível,

58

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada. 59 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 111

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como constitucional a imposição de restrição ao universo de licitantes fundado

na conjugação de critério econômico e de critério geográfico.

Arremata o entendimento consignando que “é evidente que a validade

dessa solução depende da demonstração de que aquela região apresenta um

índice de desenvolvimento econômico ou social inferior ao vigente em outras

regiões”60.

O segundo fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso II, do art.

1º do Decreto nº 6.204/2006 é a ampliação da eficiência das políticas

públicas.

Mais uma vez o texto legal coloca o aplicador da norma em situação de

dificuldade, uma vez que não bastando a licitação diferenciada ser fruto da

aplicação de políticas públicas, deve servir para ampliá-la.

Via de regra, a maior parte das políticas públicas é implementada

através de diretrizes legislativas. Imperiosa será portanto a edição de atos

regulamentares dispondo sobre a forma de aplicação das políticas públicas. Se

o ente estatal não dispõe de determinada política pública, não caberá a

aplicação da contratação diferenciada. Exemplificando, não se poderia adotar

licitação restrita à ME/EPP para fornecimento de material de construção onde

não existisse uma política publica formalmente adotada cuja eficiência pudesse

se ampliar por meio da contratação de empresa de pequeno porte.61Marçal

Justen Filho, tratando deste tópico aborda a dificuldade de se concretizar a

presente diretriz, quando diz que “o elevado grau de abstração adotado na

redação legislativa torna muito difícil desenvolver considerações mais efetivas

sobre o tema”.

Pereira Junior e Dotti traçam dois parâmetros que deverão pautar as

licitações realizadas sob este suporte:

(a) intrinsecamente, impulsionando os administradores a verificar o suporte teórico/acadêmico da política considerada, a correlação entre propostas de sua viabilização e o alinhamento/validade dos paradigmas e parâmetros adotados; por exemplo, se a participação exclusiva de entidades de pequeno porte, nos moldes do art. 6º do Decreto nº 6.204/07, em determinada licitação, não representa prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; (b) externamente, mediante avaliação permanente dos resultados e da

60

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 112 61 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 113

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46

percepção destes pelos destinatários da política e pelos usuários das compras, obras e serviços decorrentes da contratação dessas empresas.

62

O terceiro fim previsto no texto do caput do art. 47 e no inciso III, do art.

1º do Decreto nº 6.204/2006 é o incentivo à inovação tecnológica.

Outra vez, discorremos sobre o entendimento de Marçal Justen Filho,

para quem de todas as alternativas existentes no art. 47, essa se constitui na

menos imprecisa, visto que é razoavelmente possível identificar os casos de

inovação tecnológica. Deve-se ter em vista que as grandes empresas também

e talvez até mais se preocupem com inovação tecnológica, mas normalmente o

fazem não para atender demandas setoriais, mas a interesses de grande

escala, sendo por isso mais focada em desenvolvimento de tecnologias que

visem atender mercados mundiais ou nacionais, nem sempre estando focadas

na resolução de problemas caracteristicamente locais ou regionais. Até por

isso, o autor defende que as contratações diferenciadas orientadas a inovação

tecnológica deverão relacionar-se com esse segmento diferenciado, não

atendido pela grande empresa, o que inclusive, deverá restar demonstrado no

processo.63

Uma visão menos romântica e mais realista do assunto é trazida por

Pereira Junior e Dotti, ao disporem que:

Saber se a concessão do tratamento favorecido, diferenciado e simplificado àquelas empresas e cooperativas implica incentivo à inovação tecnológica demandaria dos agentes da Administração demonstração nada corriqueira, qual seja a de que a contratação ensejaria o emprego de conhecimento, de método ou de processo produtivo capaz de agregar valor ao objeto do contrato, em comparação com o que se encontra no mercado, praticado pelas empresas de maior porte. Soa como desafio pretensioso e contraditório em relação à simplificação pretendida.

64

De fato, é impensável que uma licitação que tenha como um de seus

objetivos o incentivo à inovação tecnológica prescinda de um conhecimento

menos superficial e mais aprofundado do que se quer alcançar. Indispensável

seria a composição de Comissões Especiais de Licitação, com membros

tecnicamente qualificados, o que é bastante utópico, já que nem qualificação

62

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada. 63

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 114 64 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Obra citada.

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47

jurídica, pressuposto básico ao desempenho de suas funções, por muitas

vezes, seus membros possuem.

3.3.1 Os benefícios propriamente ditos (art. 48)

Quanto aos benefícios propriamente ditos nas licitações diferenciadas,

são dispostos no art. 48 da LC, bem como nos artigos 6º a 8º do Decreto

Federal nº 6.204/2006 três tipos de licitações/contratações diferenciadas, as

quais denominamos de (i) licitações exclusivas, (ii) obrigatoriedade de

subcontratação de ME/EPP e (iii) cota exclusiva para participação de ME/EPP.

3.3.1.1 Licitações exclusivas (art. 48, I da LC nº 123/2006 e art. 6º do Decreto nº 6.204/2007)

Determina o comando legal, na primeira modalidade de licitação

diferenciada, que as licitações realizadas pela Administração até o valor de R$

80.000,00 poderão ser exclusivas para participação de pequenas empresas.

Destaque-se de antemão que as licitações exclusivas, no âmbito da

administração pública federal, já se tornaram regra e não mais admitem

aplicação discricionária por parte do administrador, conforme dispôs a redação

do art. 6º do Decreto nº 6.204/2006, in verbis

Art. 6º Os órgãos e entidades contratantes deverão realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Pelo menos em âmbito federal já não se pode seguir a orientação

traçada por Rigolin como a mais adequada:

O art. 47 assusta menos que os anteriores, porque apenas consigna uma faculdade à Administração, a de favorecer as micro e as pequenas empresas nas licitações, cada ente da federação editando legislação própria que conceda “tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte”. Assim sendo, quem desejar pode pular desse ponto até o art. 50, uma vez que sendo mera faculdade a Administração a exerce ou não. E neste caso específico imagina-se que não exercerá, porque se supõe que a Administração pública brasileira tenha mais o que fazer,

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e problemas reais com a enfrentar no dia-a-dia, antes de se desdobrarse para conceber e editar legislação que faça tabula rasa do princípio da igualdade e, em nome de uma política governamental que serve para eleger mandatários mas que provavelmente nenhum interesse oferece ao poder público, estabeleça favorecimentos a uma espécie de empresa brasileira, em detrimento de todas demais.

65

O benefício em tela não guarda maiores complicações no seu “modus

operandi” visto tratar-se de regra simples e objetiva. A polêmica advém da sua

aplicação em si, e não de como será aplicado.

Apesar de realmente polêmica, a licitação exclusiva para ME/EPP tem

sido adotada com grande freqüência nas compras governamentais, como se

verá com mais detalhes no próximo capítulo.

A licitação reservada impõe uma necessária limitação de mercado no

momento de realização da licitação. Isso pode levar, como tem levado, a

conseqüências nefastas, uma vez que, grandes e médias empresas, não se

conformando em abrir mão deste quinhão, têm se utilizado de inúmeros

artifícios para permanecer nas disputas. Esse assunto também será melhor

explorado no próximo capítulo.

3.3.1.2 Obrigatoriedade de subcontratação de ME/EPP (art. 48, II da LC nº 123/2006 e art. 7º do Decreto nº 6.204/2007)

Dispõe o art. 48, inciso II:

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: [...] II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado;

Este benefício trata da possibilidade de a Administração exigir do

licitante a subcontratação de ME/EPP para execução de parte do objeto, até o

limite percentual de 30% do total do objeto licitado.

Diferente das licitações exclusivas, que quanto ao modo de aplicação

não apresenta grandes dificuldades, este benefício pode suscitar

questionamentos tanto quanto ao modo, como sobre sua aplicação em si.

65 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada.

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O primeiro deles, que diz respeito ao “como fazer”, pois que a legislação

estabelece no seu § 2º que os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade

da administração pública poderão ser destinados diretamente às

microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

Tal disposição, para boa parte dos doutrinadores, soa como um

disparate da lei. Mais uma vez se prestigiam a confusão e a superficialidade de

soluções simplistas na concessão dos benefícios. O que propõe a lei em tal

parágrafo é flagrantemente absurdo, pois que burla uma série postulados da

contratação pública e privada. Da contratação pública pois que cria espécie de

pagamento de serviços a fornecedor não contratado pela Administração, sem

vinculo jurídico estabelecido com ela. Realiza-se portanto uma despesa por

meio impróprio, no que tange a legislação que regulamenta a despesa pública.

Mais ainda, da contratação privada, pois que extingue, através do pagamento

direto ao subcontratado, a prática, muito corrente, de adiantamento

(pagamento por parcelas dos serviços, antes da efetiva prestação), por parte

das grandes/médias empresas para as empresas subcontratadas. Essa

extinção pode ser nefasta, pois que a pequena empresa não conta, muitas

vezes, com capital para realizar todo o serviço, e somente após a sua

conclusão receber seu pagamento, que é o que ocorreria no caso de o

pagamento ser efetivado pela Administração. Até porque não poderia a

Administração pagar por serviço não prestado.

Outra questão apontada pelos doutrinadores diz respeito à aplicação de

sanções e à responsabilização das empresas “principais” pelo comportamento

das “subcontratadas”. Jonas Lima assim se manifestou a respeito

A discussão crucial, então, será fixada na questão da responsabilidade das empresas por inexecução ou falhas na execução do contrato, especialmente em face do repasse direto de verbas à subcontratada. Pela regra geral da Lei 8.666/93, perante a Administração, quem responderia em primeiro plano seria a contratada, mas agora a matéria precisa de certa reavaliação em face do caso concreto.

66

Também o Decreto nº 6.204/07 elucidou algumas questões a esse

respeito, mas levantou dúvidas. Disciplinou no seu art. 7º, inciso III, a

possibilidade de a Administração exigir documentação comprobatória da 66 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p.94, 95.

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regularidade fiscal e trabalhista da subcontratada, sob pena de rescisão, mas

foi silente quanto a aplicações de sanções à subcontratada pela inexecução, ou

falhas na execução do contrato, deixando explícito que prevalece a

responsabilidade da contratada quanto à execução dos serviços. Ainda quanto

à habilitação da subcontratada, ao exigir somente a regularidade fiscal e

trabalhista no dispositivo citado, o Decreto dá a entender serem prescindíveis

os documentos que comprovem a habilitação jurídica, qualificação técnica e

econômico-financeira, dispostos como necessários no art. 27 da Lei nº

8.666/93. Nesse ponto, entendemos que o Decreto inova a lei, dispensando

exigências que o legislador não autorizou. Apesar de haver posições no sentido

de que as exigências de habilitação elencadas na Lei 8.666/93 são excessivas

e em alguns pontos até desnecessárias67, não cabe ao regulamento federal

criar regramento novo onde a lei foi silente.

A redação do inciso I do art. 7º, do Decreto causa estranheza naquilo

que inova a lei. Ao falar sobre a possibilidade de os editais de licitação

preverem a subcontratação, dispõe que eles devem ainda determinar:

I - o percentual de exigência de subcontratação, de até trinta por cento do valor total licitado, facultada à empresa a subcontratação em limites superiores, conforme o estabelecido no edital;

A LC nº 123/2006 é bem clara no seu art. 48, inciso II sobre a

impossibilidade de subcontratação em limite superior a 30% do objeto

contratado, mas a redação do Decreto deixa a entender que a subcontratação

poderá ocorrer em até 99% do objeto, desde que estabelecido no edital. Não

há como entender os propósitos do ente regulador com tal disposição. Resta

clara a inovação de forma ilícita.

3.3.1.3 Cota exclusiva para participação de ME/EPP (art. 48, III da LC nº 123/2006 e art. 8º do Decreto nº 6.204/2007)

Traça então o art. 48, inciso III o seguinte:

67 A respeito das exigências de regularidade fiscal, por exemplo, entende Marçal Justen Filho que esta tem adquirido outro significado ao longo do tempo, tornando-se um meio indireto de promover a cobrança de dívidas fiscais do licitante, quando o credor fazendário, ao invés de adotar a solução teoricamente adequada, negava ao interessado a documentação necessária para participar de licitações. Para evitar os efeitos nocivos correspondentes, o particular acabava liquidando os valores pretendidos pelo Fisco. (JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p.121)

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Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório: [...] III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

Pelo que se depreende da redação em questão, esta regra se refere à

possibilidade de que uma parcela do objeto (divisível) seja adjudicado a um

fornecedor e a outra parcela a outro ou outros. A possibilidade de adjudicação

de parcelas diferentes de um mesmo objeto a mais de um fornecedor não

chega a ser novidade na legislação, que já previa essa possibilidade nos §§ 1º

e 7º, do art. 23 da Lei Geral de Licitações.

A novidade, no entanto, fica exatamente em que haja a possibilidade de

destinação de até 25% do objeto exclusivamente para pequenas empresas. Na

regulamentação da norma em questão percebeu-se que para dar concreção ao

disposto no inciso III do art. 48, o objeto da licitação será subdivido em parcelas

de 75% e 25% respectivamente, sendo o primeiro montante destinado a

concorrência ampla e o segundo reservado exclusivamente para as ME/EPP‟s.

De acordo com o que se depreende do texto legal e da regulamentação

realizada, pelo menos no âmbito do governo federal, ocorrerá como se fossem

duas licitações distintas, com a diferença de que as pequenas empresas

podem participar de ambos os certames (o de concorrência ampla e o

reservado). Tanto é assim que o § 3º do art. 8º dispõe sobre a impossibilidade

de uma mesma ME/EPP vencer a cota reservada e parte destinada a ampla

disputa, tendo oferecido maior preço na cota reservada. Caso isso aconteça,

deverá igualar o menor preço para os dois certames, in verbis:

§ 3º Se a mesma empresa vencer a cota reservada e a cota principal, a contratação da cota reservada deverá ocorrer pelo preço da cota principal, caso este tenha sido menor do que o obtido na cota reservada. (g.n.)

Diferente ocorrerá se a ME/EPP ganhar apenas a cota reservada (25%).

Nesse caso, a Administração se dispõe a pagar até mesmo um pouco mais

caro para beneficiar tais empresas.

Na escorreita lição de Cristiana Fortini,

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Houve uma clara opção do legislador pelo uso da licitação com o fito não de encontrar a proposta ideal ou mais próxima do interesse financeiro da Administração Pública, mas de concretizar o comando constitucional que vislumbra a necessidade de tratar de forma desigual as micro e pequenas empresas, entendendo, como se infere do caput do art. 47, que com isso de promove o desenvolvimento econômico e social, amplia-se a eficiência das políticas públicas e talvez se incentive a inovação tecnológica.

68

Marçal Justen Filho relembra que resta evidente que a regra geral da Lei

8.666/93 incide sobre a matéria, no sentido de que “o fracionamento do objeto

divísivel não pode acarretar a contratação direta ou a alteração da modalidade

cabível de licitação”69. Ou seja, não pode o Administrador, se valendo das

regras estauídas, fugir a modalidade licitatória cabível para a totalidade do

objeto no exercício financeiro, dividindo por exemplo as compras de papel a

serem realizadas ao longo do ano de modo que ao invés de uma compra de R$

50.000,00, realize dez “dispensas” de R$ 5.000,00 ou então a fim de contratar

obra de engenharia orçada em R$ 750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil

reais), parcele o objeto a fim de realizar cinco convites de R$ 150.000,00. Caso

queira parcelar o objeto em tais casos, deverá fazer dez “pregões” no primeiro

caso e cinco “tomadas de preço” no segundo.

3.3.1.4 Hipóteses de não-aplicação e considerações gerais sobre as licitações diferenciadas (§ 1º, art. 48 e art. 49)

Apesar de a Lei Complementar nº 123/2006 em alguns momentos

padecer de boa técnica na redação de seus artigos, cuidou de disciplinar

algumas hipóteses em que os benefícios previstos nos artigos 47 e 48 não

deveriam ser aplicados. Além do atendimento aos fins colimados no art. 47,

dispôs o legislador sobre outros requisitos a serem atendidos pelo

administrador.

No § 1º do art. 48 informa que as licitações diferenciadas realizadas sob

o pálio desta lei não devem ultrapassar o limite de 25% (vinte e cinco por

cento) do total licitado em cada ano civil.

68

FORTINI, Cristiana. Obra citada. p. 157 69 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p.121

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Tal disposição não foi elucidada pelo Decreto nº 6.204/2007 que a

respeito do assunto praticamente imitou a disposição legal. Permanece a

dúvida portanto se tal limite se refere a contratações realizadas no órgão ou no

ente contratante.

Para um melhor entendimento, transcrevemos o texto legal:

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório; II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

Presume-se através da disciplina do art. 49 que não almeja o legislador

que a Administração, em nome da concessão de benefícios às ME/EPP‟s,

promova contratações desastrosas, não vantajosas, ou que promovam a

malversação dos recursos públicos. Ocorre que, mesmo ao fazer as ressalvas

que entendeu necessárias para resguardar a correta aplicação da lei,

novamente o legislador repete os erros que cometeu em outros artigos.

Ao tratar das ressalvas à aplicação da lei, há novamente o uso de

termos fluidos, vagos e imprecisos70, que necessariamente precisarão do bom

manejo do aplicador na sua interpretação.

E mesmo a tentativa de imprimir a melhor aplicação possível à norma

nem sempre será suficiente para uniformizar a interpretação em função do

crescente número de órgãos envolvidos na aplicação da norma. Em apenas

uma licitação pode haver a interferência/envolvimento de vários órgãos: o

administrador enquanto executivo criando a demanda, a consultoria jurídica

atendendo as disposições do art. 38 da Lei nº 8.666/93, os órgãos de controle

70 São exemplos desses termos: "promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional"; "ampliação da eficiência das políticas públicas"; "incentivo à inovação tecnológica"; "urgência na contratação" (caso a micro ou pequena empresa não comprove a sua regularidade fiscal no prazo); "inviabilidade da substituição" (pela empresa contratada, da microempresa ou empresa de pequeno porte por aquela subcontratada).

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interno, a exemplo da CGU (Controladoria Geral da União), órgãos de controle

externo, por exemplo TCU (Tribunal de contas da União), atuando preventiva

ou repressivamente, concomitante ou posteriormente, além do próprio judiciário

atendendo ao princípio constitucional previsto no art. 5º, inciso XXXV, que com

certeza receberá demandas a respeito do tema.

No inciso I, do art. 47, temos uma regra objetiva de fácil aplicação e que

não apresenta maiores dificuldades, qual seja a obrigatoriedade de constarem

nos editais de licitação a concessão dos benefícios previstos nos artigos 47 e

48 da LC nº 123/2006.

Já o mesmo não se pode dizer do inciso II, do art. 47, ao dispor que não

poderá ser aplicado o benefício na hipótese de não haver pelo menos 03

(três) fornecedores competitivos enquadrados como ME/EPP sediados local ou

regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no

instrumento convocatório.

A primeira dificuldade em relação ao inciso II é estabelecer o alcance da

expressão “fornecedores competitivos”. Se trataria de fornecedores atuantes no

mercado, independente da análise da habilitação jurídica, qualificação técnica,

econômico-financeira e da regularidade fiscal?

Se a resposta for afirmativa, os resultados poderiam ser desastrosos na

prática, tendo em vista que não é nada incomum se encontrar no mercado

empresas que não obstante prestem serviços ao particular, com aparência de

normalidade, encontram-se com sua documentação de habilitação bastante

irregular. Essas empresas não poderiam servir de parâmetro para o que se

designou como “competitivas”, uma vez que não estariam aptas a participar

dos procedimentos licitatórios.

Se a resposta no entanto for negativa, tem-se outros desdobramentos.

Caberá a Administração, antes da realização de qualquer certame, fazer uma

exaustiva pesquisa junto às pequenas empresas, a fim de verificar quais

estariam com a documentação regular antes de se iniciar o certame. Poderá

ainda ocorrer de haver empresas com apenas a documentação fiscal irregular.

Considerando o disposto no art. 42 dessa mesma lei complementar, estas

empresas deveriam então ser consideradas “competitivas”? Suponhamos que

sim, atendendendo aos anseios finalísticos da lei, então teríamos estabelecidos

alguns critérios para eleger os fornecedores como competitivos: devem ser

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enquadrados como ME/EPP, devem estar com toda documentação regular,

exceto possíveis irregularidades fiscais.

Mas mesmo assim não teríamos necessariamente fornecedores

competitivos, pois ainda há que se analisar o aspecto quantitativo: serão os

fornecedores capazes de fornecer todo o objeto a ser licitado? Se não, em

tese, isso deveria configurar impedimento a participação na licitação. Carlos

Motta faz interessante observação a respeito:

A diretriz expressa no inciso II, pelo menos sob o aspecto quantitativo pode ser vista como discutível – já que seria perfeitamente viável a aplicação da regra do art. 23, § 7º, da Lei nº 8.666/93, a qual permite, na compra de bens e serviços de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, “a cotação de quantidade inferior a demanda na licitação, com vista a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala”. Por conseguinte, caso as pequenas empresas existentes na localidade não estejam capacitadas para, respectivamente, dar conta de “todo” o quantitativo do objeto, não se configura razão para alijá-las do processo e justificar a não-aplicação do tratamento diferenciado.

71

Depois de toda essa análise, ainda nos restaria uma questão a discutir

quanto aos fornecedores “competitivos”. Mesmo que existissem um mínimo de

três fornecedores aptos a realizar o objeto a ser contratado pela Administração,

estes não poderiam ser obrigados a participar do certame. E aí é que reside o

último ponto. Se não acudissem três interessados no certame realizado pela

administração, seria válida mesmo assim a licitação? Poderia a autoridade

competente presumir a competitividade e adjudicar o objeto da contratação ao

fornecedor que compareceu a sessão?

Vejamos o posicionamento de Marçal Justen Filho,

A vontade legislativa não é a restrição absoluta da disputa, mas a competição entre pequenas empresas. Sob esse prisma, a vedação à participação de empresas de maior porte apenas poderá ser justificada se houver uma efetiva e concreta competição entre pequenas empresas. No entanto, a validade da licitação dependerá da efetiva participação de pelo menos três licitantes em condições de efetiva competição. (destacamos)

71

MOTTA. Regime licitatório diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte. Lei complementar nº 123/2006. Boletim de Licitações e Contratos – BLC, p.872 apud SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 135

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Não bastasse toda a dificuldade apresentada para se delimitar o sentido

e aferir a existência dos “fornecedores competitivos”, complementa a lei o

disposto no inciso II, indicando que eles deverão ser sediados “local ou

regionalmente”. Outra vez a lei nos traz um conceito vago e impreciso. O que

seria local? O município contratante, a região metropolitana? E regional? O

Estado, a região norte, sul, etc? E se o conceito de regional ou local se der

conforme o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto

Dotti, expostos no item 3.3 do capítulo 3º deste trabalho, que o flexibilizam para

além da região do órgão contratante, podendo se referir a qualquer local ou

região do território brasileiro?

Mais uma vez a lei deixa o aplicador em situação delicada, dificultando-

lhe a concretização dos fins colimados por ela. E não obstante toda a dúvida

que permeia a interpretação e aplicação do inciso II do art. 49, o Decreto nº

6.204/2007, se limitou a repetir o comando legal em seu art. 9º, inciso I, não

contribuindo para elucidação da questão.

O inciso III do art. 49 ensejará debates que dificultam a sua aplicação.

Dispõe também como condição impeditiva à realização das licitações

diferenciadas o fato de o tratamento diferenciado e simplificado para as

microempresas e empresas de pequeno porte não ser vantajoso para a

administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do

objeto a ser contratado;

A seu respeito dispõe Marçal Justen Filho

Somente existe sentido na previsão de licitações diferenciadas porque se concebe que a ME ou EPP ofertará propostas mais elevadas do que as apresentadas por outras empresas. Portanto, a aplicação das licitações diferenciadas conduzirá necessariamente à oneração dos cofres públicos em montante superior ao necessário.

72

De fato, a lei, em todo tempo, dá a entender que o Estado está disposto

a pagar um pouco mais, a fim de fomentar a criação e a atividade das micro e

pequenas empresas, mas no inciso em questão apresenta impeditivo de

aplicação do benefício, que em princípio parece de difícil transposição.

72 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 124.

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O Decreto nº 6.204/2007 “consertou” a disposição ao determinar como

parâmetro para que a contratação não seja considerada vantajosa, o valor de

referência da contratação.

Ivan Rigolin também parece enxergar um certo paradoxo na disposição

do inciso:

O inc. III parece demonstrar arrependimento do legislador, ou uma revisão de atitude, ou de comportamento. Textualmente proíbe que cada ente conceda tratamento diferenciado às micro e às pequenas empresas se esse tratamento “não for vantajoso para a administração pública ou represente prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.” É curioso o comportamento do legislador. A lei estimula a todo tempo, por vezes até irrefletida ou mesmo imoralmente como se viu, o tratamento de certas empresas, e ao final indica que se for prejudicial esse incentivo, então está proibido... Ora, não terá imaginado que todas as regras protetivas anteriores fazem muita vez periclitar o interesse público, sem dizer da quebra intencional e pensada da regra da pressuposta igualdade de direitos entre empresas que pretendem fornecer ao poder público ? Seja como for, o inc. III, deste art. 49, por certo sem querer, constitui forte argumento em favor da inaplicação dos arts. 47 a 48 pelo poder público, como se recomenda enfaticamente. E, apenas por isso, merece elogio.

73

Também a respeito da ausência de efeito nocivo sobre o “conjunto ou

complexo” do objeto a ser contratado, Marçal Justen Filho diz que a hipótese é

adequada aos casos em que se fraciona o objeto, mas também é aplicável

quando se pretendesse impor a obrigatoriedade da subcontratação74. A

hipótese em questão provavelmente se refere também aqueles casos em que a

divisão ou parcelamento do objeto não é viável em função da perda da

economia de escala.

Por fim, o inciso IV do art. 49 dispõe que não serão aplicáveis as

licitações diferenciadas quando a licitação for dispensável ou inexigível, nos

termos dos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93.

Neste ponto, é destacado por Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana

que nos casos em que a dispensa é facultativa, a aplicação do inciso não será

tão simples, podendo gerar discussões75. No mais, outros autores não apontam

outras controvérsias no inciso em questão, restando portanto pacífico que o

73

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Obra citada. 74

JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 125. 75 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 136.

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benefício não será aplicável nas hipóteses de inexigibilidade ou de dispensa de

licitação não facultativa.

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4 Outras considerações de ordem prática decorrentes da aplicação dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006.

No capítulo que se inicia pretendemos analisar alguns pontos, que pela

fundamental importância que possuem, merecem uma análise mais detida e

apartada do tópico no qual se inserem. Por isso, ao tratar destes pontos nos

capítulos anteriores, efetuamos uma análise mais superficial. Espera-se que o

presente capítulo sirva de referencia a balizar uma aplicação exitosa dos

benefícios estatuídos na legislação supracitada. Analisaremos também, não

exaustivamente, a aplicação dos benefícios instituídos pela LC nº 123/2006, no

âmbito do governo federal.

Para isso dividimos o presente capítulo em quatro tópicos. Discutiremos

sobre a forma e momento de comprovação da condição de ME/EPP para

participação no processo licitatório, as perspectivas existentes quanto ao termo

inicial e final para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia, como tem

sido aplicados os benefícios no âmbito do governo federal e por fim

analisaremos os desvios de finalidade surgidos da utilização indevida dos

benefícios.

4.1 Forma e momento da comprovação da condição de ME/EPP

Um interprete desavisado poderia concluir que no ponto em questão não

há polêmica alguma, posto que a lei conceitua objetivamente o que viria a ser

uma microempresa ou empresa de pequeno porte, conforme disposição do art.

3º da LC nº 123/2006.

Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana, ao comentarem a respeito do

conceito legal, assim lecionam

Pelas disposições legais acima transcritas, tem-se um conceito objetivo de ME e EPP. Todavia, para fins de obtenção dos benefícios, o simples enquadramento nos limites da receita bruta anual fixados pela LC nº 123/06 não é o suficiente. O § 4º do mesmo art. 3º relaciona os casos em que não se aplicará o regime de favorecimento para nenhum efeito legal, de sorte que caberá a

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Administração Pública exercer o devido controle, a fim de precaver-se contra eventuais simulações que visem a qualificação indevida de certa pessoa como beneficiária das vantagens outorgadas às MEs e EPPs.

Portanto, não obstante a conceituação legal, em princípio, diversos são

os documentos e aparatos de que pode se servir a sociedade empresária para

comprovar a sua condição de ME/EPP, se valendo desde uma declaração do

próprio representante legal da empresa, atestando seu enquadramento até a

apresentação dos balanços patrimoniais, com as demonstrações contábeis da

empresa atestando a informação através do seu faturamento bruto. Caberá

portanto uma análise quanto às diversas opções existentes, a fim de verificar

se são mesmo “opções”, ou se constituem apenas uma via a que deverá

percorrer o aplicador da norma, a fim de fazê-la incidir no caso concreto.

Dispõe o art. 72 da LC nº 123/2006 sobre a necessidade de a ME/EPP

acrescentar à sua firma ou denominação as expressões „Microempresa‟ ou

„Empresa de pequeno porte‟ ou simplesmente as abreviações „ME/EPP‟. Se

assim ocorresse, toda ME/EPP poderia ser identificada simplesmente por sua

razão social.

No entanto, assevera Marçal Justen Filho que é “impossível eliminar o

risco de que a empresa, não obstante tenha deixado de fazer jus aos

benefícios, omita a alteração em seu nome empresarial.” Conclui o raciocínio

defendendo que “a percepção dos benefícios, no âmbito das licitações, impõe à

Administração Pública o dever de verificação da presença dos referidos

requisitos.” 76

A esse respeito também se manifestou o Tribunal de Contas da União,

entendendo que a mera omissão da sigla ME/EPP ou das expressões que

originaram a sigla na denominação empresarial não tem o condão de afastar a

concessão dos benefícios expressos no Capítulo V da LC nº 123/2006. Assim

se manifestou o Ministro Relator Aroldo Cedraz, no Acórdão 1650/2010 –

Plenário:

Por fim, o fato de a empresa vencedora não conter em sua firma ou denominação a expressão "Microempresa" ou a sua abreviação "ME", como determina o art. 72 da Lei Complementar, não é óbice, a nosso ver, ao enquadramento como microempresa, feito com base no art. 3º

76 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada, p. 47

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do referido diploma legal, como vimos nos parágrafos 16 e 17 desta instrução. A exigência prevista no artigo 72 não diz respeito a requisito para o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte, mas sim a obrigação que a empresa deve cumprir para fazer jus aos benefícios de que trata o Capítulo XI- Das Regras Civis e Empresariais, dos quais ressaltamos a dispensa de publicação de qualquer ato societário e as condições especiais no protesto de títulos quando o devedor for microempresário ou empresa de pequeno porte.

A detida análise da condição da empresa deverá se constituir em

medida obrigatória a ser tomada pela Administração, a fim de não conceder

privilégios a quem não faz jus a ele. Posto isto, de que documentos deve se

valer a Administração a fim de tomar uma decisão acertada?

O primeiro documento que podemos enunciar é a declaração expedida

pela Junta Comercial do Estado onde se localiza a empresa, atestando que a

empresa em questão é enquadrada naquele órgão como ME/EPP. É

importante esclarecer, no entanto, que a declaração da Junta, por si só, ainda

não constituirá documento hábil a comprovar o usufruto dos benefícios da LC

nº 123/2006, isto porque a declaração expedida pela Junta Comercial, em

verdade, apenas atestará a condição que a empresa figura nos registros

daquele órgão, registros que por sua vez, são formados a partir de informação

prestada pela própria empresa no ato de sua inscrição e/ou alteração do ato

constitutivo junto a Junta Comercial do estado. Ou seja, a própria empresa

declara à Junta Comercial que é micro ou pequena empresa, e após o registro

na Junta de sua situação, em um momento posterior pede a mesma Junta lhe

conceda certidão atestando a sua situação.

Pelo menos é o que se observa a partir do regulamento emitido pelo

DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio, a Instrução

Normativa 103/2007, publicada no Diário Oficial da União de 22 de maio de

2007, que dispôs especificamente sobre o “enquadramento, reenquadramento

e desenquadramento de microempresa e empresa de pequeno porte,

constantes da Lei Complementar nº 123/2006, nas Juntas Comerciais”.

Jonas Lima, a respeito da situação assim leciona

É preciso observar que as informações apenas declaradas na Junta Comercial podem não refletir a realidade dinâmica da vida empresarial, sendo certo que muitas empresas podem ter a condição declarada, como micro-empresa ou empresa de pequeno porte, mas, na prática, já terem ultrapassado o limite máximo de receita bruta no ano-calendário de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil

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reais), previstos como teto no art. 3º, inciso II, da Lei Complementar nº 123/2006. Muitas empresas apresentaram e muitos pregoeiros e presidentes de comissão de licitação aceitaram apenas tais certidões, mesmo sem qualquer intenção negativa, mas eventualmente com informações desatualizadas e sem a segurança, por exemplo, da Demonstração do Resultado do Exercício - DRE.

Outro documento de que pode se valer a Administração para embasar a

concessão de benefícios às ME/EPP‟s é a comprovação da empresa e que é

optante pelo SIMPLES. A esse respeito, o Ministro Aroldo Cedraz, no Acórdão

1650/2010-Plenário, assim declarou

Cabe destacar, ainda, que a empresa optante pelo Simples Nacional - regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte - além de atender aos requisitos e às vedações previstos no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, está sujeita, também, às vedações adicionais constantes do art. 17 do mesmo diploma legal. Ademais, a fiscalização do cumprimento das obrigações principais e acessórias relativas ao Simples Nacional, bem como das ocorrências que ensejam a exclusão de ofício das empresas optantes, é de competência da Receita Federal do Brasil, nos termos dos arts. 29 e 33 do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Assim, é válida a presunção de que a ME ou EPP optante pelo Simples preenche os requisitos previstos no referido art. 3º e pode, destarte, pleitear o tratamento diferenciado também nas aquisições de bens e serviços pela Administração Pública, como alega a empresa Deutec Prestação de Serviços Ltda., vencedora dos pregões eletrônicos nos 84 e 86/2009 (fls. 150/151). (destacamos)

Observa no entanto o Ministro Aroldo Cedraz, no mesmo acórdão citado

que “é possível existir uma ME ou EPP que não seja optante pelo Simples

Nacional. Neste caso, a Administração não poderá, a nosso ver, negar a

condição de ME ou de EPP da licitante com base na consulta ao cadastro de

optantes pelo Simples.” Sendo assim, apesar de se constituir em um

documento válido, a subsidiar a Administração na identificação da ME/EPP, a

inexistência da declaração de enquadramento no SIMPLES não implica a

impossibilidade da concessão de benefícios às ME/EPP‟s que porventura

decidiram não fazer a opção pelo regime tributário do SIMPLES.

Em outras palavras, “a lei que instituiu o Simples Nacional não parece

ser condição necessária para que os dispositivos da LC nº 123/2006 referentes

à preferência em licitações possuam eficácia”77.

77 Acórdão 193/2010 – Plenário. Ministro Relator: José Múcio Monteiro.

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Ainda sobre o assunto, Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana

também se manifestam:

Para que uma ME/EPP possa gozar dos benefícios a ela outorgados pela LC nº 123/06 nas licitações, ela precisa, necessariamente, ser optante do Simples Nacional? [...] ...determinada ME/EPP, embora preencha todos os requisitos legais para ser enquadrada no Simples Nacional, por sua decisão poderá permanecer no regime tradicional, não perdendo com isso a possibilidade de gozar dos benefícios que lhe reserva a lei. Portanto, a resposta à [...] indagação é negativa.

78

Por fim, temos ainda a possibilidade de a Administração exigir do

licitante a apresentação de seus balanços patrimoniais, com as demonstrações

contábeis, onde conste expressamente as informações a respeito de seu

faturamento bruto anual, que conquanto haja certa manipulação ou

desatualização dos demais demais documentos citados (Certidão da Junta

Comercial e Declaração de opção pelo Simples Nacional), dificilmente ocorrerá

a manipulação e consequente falsificação dos balanços contábeis da empresa,

inclusive quanto a sua receita bruta anual, havendo no máximo, em certos

casos, uma tentativa de desconfigurar o conceito de receita bruta, a fim de

manter o enquadramento como micro ou pequena empresa.79

78 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. Pág 33, 34. 79

Tentativa nesse sentido é noticiada no Acórdão 193/2010 – Plenário, de Relatoria do Ministro José Múcio Monteiro, que ao discorrer sobre o tema menciona engenhosa tese defendida pela empresa que teve faturamento anual bem acima de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). Trago a colação trechos do acórdão apenas para enriquecimento do trabalho e melhor entendimento do exemplo:

“30. Segundo a empresa "é criterioso trazer a baila a diferenciação entre ´´entradas´´ e ´´receitas´´ de inegável importância para análise do tema levantado, qual seja: as entradas são valores que embora transitem pela contabilidade das empresas, não complementam e ou incorporam a seu patrimônio, sendo ineficientes para expressarem sua capacidade contributiva; já as receitas correspondem ao beneficio efetivamente resultante do exercício da atividade profissional, a taxa de lucro, real preço do serviço. Logo, não há margem para discussão uma vez que a receita da empresa só corresponde ao lucro sendo o restante meras entradas tais como salários, encargos sociais, vale transporte, vale alimentação, plano de saúde, benefícios sociais e tributos, essas entradas não incorporam o patrimônio da Requerente, pois, de imediato, são repassadas aos trabalhadores e aos órgãos arrecadadores. [...]

31. Portanto, a empresa parece interpretar "receita bruta" como "lucro", chegando a mencionar que isso representaria 1,44% do valor do serviço. [...]

33. A interpretação de "receita bruta" defendida pela empresa não se coaduna com os usos típicos do conceito. A empresa parece assumir, ao citar o julgado do Tribunal de Alçada, que o serviço por ela prestado é apenas de intermediação dos contratos das empresas prestadoras de serviço, com base em que ela conclui que os pagamentos efetivados pelo órgão contratante que são utilizados para cobrir

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Cabe assentar inclusive, que a realização de diligências por parte do

Pregoeiro ou membros da Comissão de Licitação tem sido cobrada por parte

do TCU. Pelo menos é o que se depreende do disposto no Acórdão 193/2010-

Plenário, supramencionado, de relatoria do Ministro José Múcio Monteiro, que

dispõe:

(...) não parece haver suporte jurídico para o entendimento externado pelo pregoeiro de que ele não tem competência para examinar a condição de ME da licitante e que tal competência cabe exclusivamente à Secretaria da Receita Federal. Parece ter havido, quanto a esse ponto, confusão entre a situação tributária da empresa enquanto optante pelo simples e sua condição de ME. As prerrogativas relacionadas a contratações públicas não dependem necessariamente da opção tributária da empresa. [...] Portanto, tomadas em conjunto, essas informações demonstram que a empresa tem faturado, nos últimos anos, valores muito acima do limite de receita para ser enquadrada como microempresa. Restaria solicitar à empresa informações referentes aos seus balanços contábeis, com o objetivo de verificar, de forma mais exata e abrangente, a receita bruta por ela auferida nos últimos anos.

A comprovação da condição de ME/EPP portanto, a nosso ver, não se

mostra como figura de menor relevância, até porque é com base nessas

informações que o Estado dispensará a ME/EPP tratamentos diferenciados em

relação às demais empresas.

O Decreto Federal nº 6.204/2007, ao disciplinar a questão, assim dispôs:

Art. 11. Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3º, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os

despesas variadas, tais como aquelas relacionadas ao pagamento de pessoal, não fazem parte de suas receitas. Se for esse o entendimento da Star Segur, ele não parece compatível com a "descrição das atividades econômicas" da empresa, que consta do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica junto à Receita Federal, a qual cita as seguintes atividades: serviços combinados de escritório e apoio administrativo (principal); outras obras de engenharia civil não especificadas anteriormente (secundária); e atividades de teleatendimento (secundária). Essa descrição sugere que a empresa realiza tais atividades, ao invés de subcontratá-las. De qualquer forma, se a empresa de fato tem subcontratado outras empresas para prestar os serviços, restaria verificar a legalidade desse tipo de subcontratação, tendo em vista o disposto na Lei nº 8.666/1993 sobre ao tema. Além disso, o inciso XII do art. 17 da LC nº 123/2006 veda a opção pelo Simples Nacional de empresa que realize cessão ou locação de mão-de-obra, sugerindo que o normativo não visa a beneficiar esse tipo de empresa. Portanto, cabe solicitar esclarecimentos à empresa quanto à maneira com que ela executa os contratos de prestação de serviço firmados com órgãos federais, tais como os serviços de teleatendimento, objeto do certame ora em tela.”

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requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar. (destacamos)

Ao tratar do assunto, entendemos que a solução consignada pelo

Decreto é bem simplista, e representa até um certo retrocesso frente às

disposições legais, uma vez que segundo ele bastaria uma declaração da

própria empresa no sentido de cumprir os requisitos impostos pela LC nº

123/2006, para usufruir dos benefícios.

Hão de dizer, os defensores do diploma, que a lei assim já determina

para outras exigências habilitatórias, conforme se verifica no art. 27, inciso V da

Lei nº 8.666/93, ao tratar da proibição de contratação de menores de 16 anos,

salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze. Ocorre que em tal caso,

por exemplo, a declaração de atendimento ao disposto no inciso XXXIII, do art.

7º da Constituição Federal, se destina a todas as empresas participantes do

procedimento licitatório, independente de o fazerem na condição de médias,

grandes, pequenas, microempresas ou até mesmo na condição de

consorciadas. No caso em tela, a exigência de uma simples declaração da

empresa é solução razoável, pois que a sua não adoção implicaria a

necessidade de a Administração promover diligências junto ao estabelecimento

onde se exerce a empresa para comprovar seu cumprimento, posto não dispor

de outros instrumentos, que não a verificação in loco para atestar o

cumprimento da exigência.

De modo diverso ocorre com relação à comprovação da empresa de que

se enquadra como ME/EPP, nos termos da LC nº 123/2006. A Administração

dispõe de uma série de documentos, supramencionados, para fundamentar a

sua decisão, não precisando necessariamente realizar diligências in loco, para

conferir um mínimo de segurança à sua decisão de habilitar tais licitantes. Em

favor de uma análise mais criteriosa da condição de ME/EPP há o fato de que,

ao aceitar a qualificação de uma empresa como ME/EPP no certame, a

Administração pode estar preterindo propostas mais vantajosas

economicamente, a fim atender aos fins colimados no caput do art. 47 da LC

nº 123/2006, excluindo portanto do certame as demais empresas que não se

autodeclararam como ME/EPP‟s.

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Ao contrario do que pode parecer a priori, no entanto, não defendemos a

desnecessidade da apresentação da declaração referida no art. 11, antes

entendemos que a presente declaração deve possuir caráter complementar

aos demais documentos. Nesse sentido se manifesta Marçal Justen Filho,

“a disciplina contemplada no referido art. 11 não pode ser interpretada no sentido da suficiência de uma pura e simples declaração do interessado. A relevância da questão exige que a Administração imponha ao particular o dever de apresentar documentação – mínima que o seja – comprobatória do preenchimento dos requisitos legais.”

Defendemos inclusive que a declaração em tela deva ser efetivada pela

empresa, mas não com propósito de dispensá-la da apresentação de outros

documentos, como certidão da junta comercial, balanços contábeis, com

faturamento bruto anual, entre outros. Entendemos no caso, deve a declaração

servir, juntamente com os demais documentos citados, para resguardar ao

Administrador de que adotou as diligências razoáveis requeridas no caso, para

verificar o status jurídico da licitante. Até porque, mesmo que a Administração

se cerque de várias cautelas, o que é recomendável que se faça, nunca poderá

garantir, de plano, o cumprimento por parte da ME/EPP de todos os requisitos

previstos na LC nº 123/2006 para a fruição dos benefícios, principalmente no

que tange às vedações impostas no § 4º, do art. 3º da LC nº 123/2006.

Para ilustrar o que citamos, tomamos como referência o disposto no

inciso IV, do § 4º do art. 3º da LC nº 123/2006, in verbis

§ 4o Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: [...] IV - cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;

O § 4º em tela elenca expressamente dez hipóteses em que as

ME/EPP‟s não poderão se beneficiar dos tratamentos diferenciados

estabelecidos pela lei complementar. Para certificar-se apenas do atendimento

ao inciso IV em questão, deveria a Administração adotar uma série de

diligências, que tornariam o prosseguimento do certame licitatório

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completamente inviável. Haveria que expedir ofício à Receita Federal a fim de

indagar sobre a existência de outras empresas, em que o titular ou sócio da

pessoa jurídica ou física licitante participe com mais de 10% do capital. Haveria

ainda de identificar, se positiva a resposta da Receita Federal, se a empresa

em questão possui receita global superior a R$ R2.400.000,00 (dois milhões e

quatrocentos mil reais), analisando então a documentação de empresas que

sequer estariam participando de certame.

Atendo-se apenas a este exemplo, já se vislumbra, no nosso

entendimento, como inviável a comprovação pela Administração, de que o

potencial fornecedor não se enquadra em nenhuma das hipóteses de vedação

previstas no § 4º do art. 3º da LC nº 123/2006. Para esse fim, a declaração

seria instrumento apto a substituir as diligências da Administração, exceto se,

por motivos devidamente justificados, o Administrador entender de maneira

diversa.

Entendemos então que a Administração deverá tomar um mínimo de

cautela antes de presumir como válida a declaração do licitante de que se

enquadra nas situações previstas na LC nº 123/2006, como apto a usufruir dos

benefícios ali estabelecidos.

Há de se ressaltar ainda procedimento relativamente simples que tem

auxiliado em muito a Administração e órgãos de controle no levantamento dos

indícios de fraude às licitações por empresas formalmente enquadradas como

ME/EPP, mas que de fato não o são. Qualquer cidadão, inclusive os órgãos da

própria Administração podem acessar o portal da transparência do governo

federal e através dele analisar qual o montante recebido por determinada

empresa em determinado período. Apesar de ser uma análise que, em

princípio pode parecer simplista, já que a empresa pode ter contrato com

diversos outros órgãos e empresas que não os federais, ela vem se mostrando

frutífera, uma vez que várias empresas, inescrupulosamente, mesmo tendo

recebido somente do governo federal, valores de até R$ 13 milhões em anos

anteriores, continuaram se beneficiando da condição de ME/EPP para

participar e ganhar novas licitações. Falaremos um pouco mais sobre o

assunto, inclusive citando as decisões dos órgãos de controle sobre o tema no

tópico destinado ao estudo do desvio de finalidade que vem surgindo da

utilização indevida dos benefícios estabelecidos na LC nº 123/2006.

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Por fim quanto ao momento de comprovação dos benefícios,

entendemos que deva ser diferenciado nas modalidades tradicionais de

licitações instituídas pela Lei nº 8.666/93 da modalidade Pregão, instituída pela

Lei nº 10.520/2002, em razão do que rezam os próprios diplomas.

Tendo em vista que a lei do Pregão estabeleceu o que costuma se

chamar de “inversão de fases” na licitação, deixando a análise dos documentos

de habilitação para o momento posterior à apresentação das propostas,

entendemos deva ser somente após a disputa de lances e conseqüente

classificação das propostas, a análise dos documentos de habilitação do

licitante melhor colocado no certame. Tal solução, em verdade, é a adotada

pelo Decreto nº 6.204/2006, no seu art. 11, in verbis

Parágrafo único. A identificação das microempresas ou empresas de pequeno porte na sessão pública do pregão eletrônico só deve ocorrer após o encerramento dos lances, de modo a dificultar a possibilidade de conluio ou fraude no procedimento.

Alguns autores80 defendem que a Administração deveria proporcionar

um meio, mesmo nos Pregões eletrônicos, para que já se soubesse, de

antemão, sobre a existência de pequenas empresas participando do certame.

Isso evitaria que, tanto os licitantes quanto os pregoeiros, fossem pegos de

surpresa, quanto à concessão dos benefícios às ME/EPP‟s participantes do

certame.

Já nas licitações tradicionais, em que a fase de habilitação antecede a

fase de apresentação das propostas, é nessa fase que se mostra mais

pertinente a comprovação por parte da empresa de sua condição jurídica.

Ateste-se ainda que apesar do disposto no art. 42 e 43 da LC nº 123/2006, não

deverá haver na fase de habilitação, dilação de prazo para apresentação dos

documentos de habiliatação jurídica requeridos pela Administração, uma vez

que os benefícios estabelecidos nos artigos supramencionados se referem

exclusivamente a comprovação da regularidade fiscal, não se estendo a

comprovação dos demais requisitos de habilitação previstos no art. 27 da Lei nº

8.666/93.

80

É a posição defendida por Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães (obra citada, pág. 68), bem como Marçal Justen Filho (obra citada, pág. 53).

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4.2 Termo inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia

Preferiu-se o tratamento da questão ora apontada em ponto apartado da

explicação do benefício da regularização fiscal tardia, pois que, sendo a tônica

deste trabalho o apontamento das implicações práticas e não só teóricas dos

benefícios estabelecidos pela LC nº 123/2006, verificamos que o ponto aqui

salientado tem causado grande controvérsia entre doutrinadores e desnorteado

o aplicador nas suas tarefas diárias. Estabelecido de forma confusa e

contraditória pelo legislador, o momento da comprovação da regularidade

fiscal, bem como suas implicações está longe de se tornar ponto pacífico na

doutrina e nos órgãos de controle da Administração. O Decreto nº 6.204/2007

tentou pacificar o entendimento a respeito do assunto, mas também não foi

muito feliz na sua redação, permanecendo as controvérsias a respeito do tema.

Pois bem, eis a origem da polêmica, na redação dos arts. 42 e 43 da LC

nº 123/2006, in verbis

Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato. Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição. § 1º Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.

Considerando a redação legal, diversas interpretações tem se formado

em torno da questão. Apesar de o art. 42 deixar claro que a comprovação da

regularidade fiscal das pequenas empresas só será exigida para efeito de

assinatura do contrato, logo no § 1º do art. 43 assevera que o termo inicial do

prazo para eventual saneamento da regularidade fiscal se iniciará a partir do

“momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame”,

deixando uma clara dúvida para o intérprete: quando ocorre a “declaração do

vencedor” em um certame? Se já foi declarado o vencedor, caberia

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desclassificá-lo? Para se declarar um vencedor do certame, o fornecedor já

não deveria ter cumprido todos os requisitos para ter a si adjudicado o objeto?

Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana, ao iniciar o tratamento do

assunto, de pronto já aduzem:

Em se tratando de interpretação da LC n° 123/06, devemos desenvolver tarefa hermenêutica pautada por conduta sistemática e finalística. Não se poderá jamais se pretender leitura gramatical ou literal do texto da lei posto que a resultado da interpretação conduziria ao absurdo, impedindo cumprimento dos propósitos legislativos e protetivos trazidos para a companhia das MEs/EPPs. Assim é que dizemos, desde já, que não é razoável do ponto de vista operacional que parte da habilitação das MEs/EPPs tenha seu julgamento postergado para a etapa da formalização do contrato. É o que diz o art. 42 da LC nº 123/06, se lido na sua letra ordinária.

Apesar de os autores supramencionados rechaçarem a interpretação

literal do art. 42, tendo-na como absurda, tal linha de pensamento não é

defendida por Marçal Justen Filho e o Tribunal de Contas de União no Acórdão

2505/2009, que parecem concordar que a interpretação gramatical do art. 42

prevalece sobre outros textos legais, inclusive o art. 43, § 1º e art. 4º, § 2º do

Decreto nº 6.204/2007, como veremos adiante.

Feita a observação, na continuidade do raciocínio defendido por Edgar

Guimarães e Jair Eduardo Santana os autores esclarecem a sua posição:

Ora, a época da formalização do contrato (sua assinatura, como diz o art. 42 da LC nº 123/06) o processo de licitação já se resolveu; terá sido homologado e o respectivo julgamento da habilitação deverá ser considerado fase vencida há muito tempo. Pensar o contrário é admitir que, julgada a habilitação na fase de formalização do contrato (como diz a literalidade da lei), haverá de se abrir prazo para recurso (art. 109 da Lei de Licitações). O caos se instalaria e certamente não é esse o desejo da norma.

81

Abraçamos a idéia de que o posicionamento defendido pelos referidos

autores é o mais razoável e consentâneo, tanto com o espírito da lei, como

com a tendência de simplificação, economia e celeridade dos procedimentos

de licitação, como se viu após a edição da Lei do Pregão.

Neste sentido, aliás, parece ter querido o regulamento federal fixar a

interpretação legal. Não foi muito feliz, no entanto, pois praticamente repetiu o

81 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 81,82.

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disposto no artigo 42 da LC nº 123/2006 no caput do seu art. 4º, consignando

comandos diversos nos seus parágrafos, in verbis

Art. 4º A comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de contratação, e não como condição para participação na licitação. § 1º Na fase de habilitação, deverá ser apresentada e conferida toda a documentação e, havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de dois dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado vencedor do certame, prorrogável por igual período, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa. §2º A declaração do vencedor de que trata o § 1º acontecerá no momento imediatamente posterior à fase de habilitação, no caso do pregão, conforme estabelece o art. 4º, inciso XV, da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e no caso das demais modalidades de licitação, no momento posterior ao julgamento das propostas, aguardando-se os prazos de regularização fiscal para a abertura da fase recursal. (destacamos)

Em uma interpretação sistemática do Decreto nº 6.204/2007, percebe-se

então que o diploma fixou o termo inicial para comprovação da regularização

fiscal pelo licitante que requeira o benefício em momentos distintos para o

Pregão e as demais modalidades licitatórias da Lei nº 8.666/93.

No pregão fixou como termo inicial o momento imediatamente posterior

à fase de habilitação. O que equivale a dizer que, se não providenciada a

regularização da documentação dentro do prazo de dois dias úteis,

prorrogáveis, o licitante deverá ser inabilitado, prosseguindo-se no certame,

através da convocação dos próximos colocados, de acordo com a classificação

das propostas na fase de disputa por lances. Tal interpretação induz a

constatação de que a ME/EPP que não logre êxito em regularizar sua situação

no momento imediatamente posterior à fase de habilitação (considerando os

prazos legais) não poderá continuar no certame, e conseqüentemente não terá

o objeto do certame a si adjudicado, nem homologado, sequer se aproximando

da fase de assinatura (ou formalização) do contrato.

Nas demais modalidades de licitação, quando houver a necessidade de

concessão de prazo para regularização fiscal, o termo inicial será praticamente

coincidente com o pregão, posto que também ocorrerá após a fase de

julgamento das propostas, antes da finalização do certame, ou seja antes da

adjudicação e homologação, e, obviamente, antes da assinatura do contrato.

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Nesse caso, o disposto no Decreto faz pressupor que a ME/EPP encontrada

irregular quanto à documentação fiscal na fase de habilitação, prosseguirá

normalmente no certame para a fase de apresentação de propostas. Nesse

momento é que, tendo oferecido a melhor proposta terá então de regularizar a

documentação da habilitação fiscal, no prazo referido no art. 4º, §1º.

Verifica-se que a interpretação fixada pelo Decreto, em princípio, vai de

encontro à norma consignada no art. 42 da LC nº 123/2006, que diz

expressamente que a comprovação de regularidade fiscal das microempresas

e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de

assinatura do contrato. Em ambos os casos estudados, a ME/EPP sequer

chegaria a fase de formalização do contrato.

Apesar de contrário a literalidade do art. 42 da LC, entendemos muito

mais razoável a disciplina do Decreto, uma vez que não foge aos fins

objetivados pela lei, qual seja concedendo tratamento diferenciado à ME/EPP,

ao mesmo tempo em que não cria uma insegurança jurídica, tal qual o faria a

interpretação literal, entendendo que a regularidade fiscal só deve ser

comprovada para efeito de assinatura do contrato.

É de se ressaltar ainda que a aplicação da literalidade da lei torna

incoerente e um tanto ilógico todo o rito procedimental das licitações, posto que

remete para momento “pós-licitação” procedimentos intrinsecamente ligados ao

certame licitatório em si, como o é a habilitação do licitante.

Tratando a respeito da redação legal na aplicação ao pregão, mais uma

vez leciona Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana,

Vamos sempre insistir que a literalidade da norma não pode ser levada ao seu extremo porque, assim interpretando, chegaríamos a um impossível. Afirmamos isso porque a regularidade fiscal (entenda-se, no caso, parte da habilitação) não pode ter sua análise adiada para o instante da formalização do contrato. Na etapa pré-contratual a licitação já se findou e, em tal caso, não haverá como reabrir a falada sessão concentrada para efetuar o julgamento da habilitação, declarar vencedor, abrir oportunidade para recurso, processá-lo, se o caso, retomando com a adjudicação e homologação.

82

Não obstante todos os argumentos que pesem em favor da interpretação

consignada pelo Decreto nº 6.204/2007, há entendimentos dissonantes na

82 SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Edgar. Obra citada. p. 86.

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doutrina e jurisprudência. Na doutrina, elencamos a opinião de Marçal Justen

Filho, pelos notórios conhecimentos na seara de licitações e contratos e pelo

aprofundado estudo que faz da questão.

O autor, tratando da determinação temporal para suprimento dos

defeitos de regularidade fiscal, informa que devido à redação imprecisa do art.

43, § 1º, da lei, abre-se certa margem de interpretação para três correntes, nas

licitações tradicionais e no pregão.

Expõe quanto às licitações tradicionais e quanto ao pregão o que se

segue:

Quando se afirma que a ME ou EPP poderá promover a sua regularização depois de proclamada a sua vitória, é possível tanto reputar que o momento adequado será (a) depois de classificadas as propostas, antes da abertura da oportunidade para interpor recurso, (b) depois de decididos os recursos, antes da homologação e adjudicação ou (c) depois de encerrada a licitação, com a adjudicação do objeto ao vencedor. No âmbito do pregão, é possível reputar que a regularização fiscal tardia poderá ocorrer (a) depois de examinados os documentos de habilitação, antes da oportunidade para interposição do recurso, (b) depois de julgados os recursos, antes de a licitação ser apreciada pela autoridade superior ou (c) depois de adjudicado e homologado o seu objeto pela autoridade superior.

83

Ainda segundo Marçal, a escolha de qualquer das soluções, em todos os

casos, traria vantagens e desvantagens.

A escolha pela opção “a”, de oportunizar à ME/EPP a oportunidade de

regularizar sua situação fiscal antes da abertura de prazos para recurso traria a

vantagem de reduzir ao mínimo os problemas práticos da Administração,

propiciando porém riscos relevantes para a pequena empresa. Isso porque ao

abrir prazo para regularização da pequena empresa antes de decidir eventuais

recursos e antes de finalizado o certame, a Administração ainda não pode

assegurar de fato a contratação da ME/EPP, que poderia sair do certame em

virtude de provimento de recursos, anulação ou revogação do certame, tendo

promovido sua regularização fiscal em vão, se o fez com o objetivo de ser

contratada.

A escolha pela opção “b”, de a Administração permitir a regularização

fiscal após a decisão dos recursos aumentaria os riscos para a Administração e

83 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 69-70

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reduziria os riscos do particular de não vir a ser contratado. Isso porque a

inabilitação do licitante nesse caso, levaria a Administração a reabrir a etapa de

classificação, podendo aceitar-se nova ME/EPP, novos julgamentos de

eventuais recursos e até mesmo nova inabilitação, o que prolongaria

excessivamente o certame licitatório. A solução, no entanto, seria melhor para

o fornecedor, uma vez que, se houvesse o provimento de eventuais recursos

que o impedissem de ir adiante na licitação, não teria que, forçosamente,

regularizar-se perante o fisco.

Por fim a escolha pela opção “c”, nas palavras do próprio autor

Seria extremamente mais problemática para a Administração Pública. Se a oportunidade para regularização fazendária acontecesse apenas depois da homologação e adjudicação, a ausência de apresentação dos documentos pelo adjudicatário geraria problemas práticos muito relevantes. Afinal a Administração teria de promover o desfazimento de todos os atos desde a classificação e produzir outros. Isso envolveria prazo razoavelmente longo. Se o beneficiário fosse um outro beneficiário da possibilidade de regularização tardia, o risco de problemas seria reaberto. Mas a contrapartida seria a redução drástica de riscos para o licitante vencedor. Todas as dúvidas sobre o cabimento da contratação teriam sido exauridas e ele promoveria a sua regularização fiscal com tranqüilidade de que haveria a sua contratação sem maiores obstáculos ou incertezas.

84

Apesar de o próprio autor reconhecer como “extremamente mais

problemática para a Administração Pública” a terceira opção elencada, afirma

categoricamente ter sido esta a opção adotada pelo legislador, que ao dispor

no art. 42 que a regularidade fiscal “somente será exigida para efeito de

assinatura do contrato”, induz a necessidade de que a Administração promova

todos os atos licitatórios antes de se exigir a comprovação da regularidade

fiscal do licitante. Aduz ainda que somente nessa perspectiva de interpretação

terá sentido outras disposições da lei, entre elas, o art. 43, § 2º, quando alude

a decadência do direito à contratação, que só existirá ao final do certame,

após a sua homologação. Antes da finalização da licitação, não existe direito à

contratação, quando muito há uma expectativa de sagrar-se vencedor.

Também faz referência à aplicação de sanções ao licitante que não regularizou

a documentação (art. 43, § 2º), informando que

84 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 71-72

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75

não se pode conceber que a desclassificação(inabilitação) do licitante em razão de documentação defeituosa seja qualificada como inadimplemento absoluto e integral da obrigação de executar o objeto. Somente se pode aplicar o art. 81

85 se a regularização

fazendária surgir como uma obrigação imposta ao sujeito que foi formalmente reconhecido como vencedor do certame, resultado esse já aprovado pela autoridade superior do certame.

86

Marçal Justen Filho portanto não só declara seu entendimento contrário

ao adotado pelo Decreto nº 6.204/2007, como aduz que o disposto no

parágrafo 2º do art. 4º do Regulamento Federal é inválido, consignando que “ o

dispositivo não pode ser aplicado e qualquer tentativa de impor à ME ou EPP o

dever de apresentar a documentação regularizada antes da adjudicação do

objeto configura-se como ilegal”.

Apesar da relevância e opulência dos argumentos esposados por Marçal

Justen Filho, seríamos obrigados a admitir que o autor seria apenas uma voz

destoante na doutrina a rechaçar a aplicação do Decreto nº 6.204/2007, no

respectivo ponto, sem conseqüências drásticas para os gestores públicos na

área federal, que estariam amparados pelo regulamento federal para agir de

maneira diversa.

Ocorre que não obstante o disciplinamento da questão trazido pelo

Decreto Federal, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2505/2009,

deixou bem claro entendimento, que, a nosso ver, coaduna-se muito mais com

a posição defendida por Marçal Justen Filho do que pelo próprio regulamento

federal. O Ministro Relator Augusto Nardes, assim dispôs sobre o tema:

Ora, os arts. 42 e 43 da Lei nº 123/2006 possuem caráter impositivo, não dando margem a mais de uma interpretação. Resta evidente o privilégio concedido pelo legislador às microempresas e/ou empresas de pequeno porte, de modo que a exigência de comprovação da regularidade fiscal daquelas perante a Administração somente é permitida para fim de assinatura do contrato. [...] ...agiram os gestores públicos em desconformidade com a Lei, visto lhes ser vedado promover desclassificação antecipada de licitantes que não tenham, na fase de habilitação, comprovado atendimento integral ao requisito da regularidade fiscal.[...]

85 O autor se refere ao art. 81 da Lei nº 8.666/93, a que o art. 43, § 2º da LC nº 123/2006 faz alusão. Dispõe o art. 81 da Lei Geral de Licitações: A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas. 86 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 73

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76

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: [...] 9.2. com fundamento no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/1992, c/c o art. 268, inciso II, do Regimento Interno do TCU, aplicar, individualmente, aos responsáveis relacionados no subitem anterior, multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar das notificações, para que comprovem, perante o Tribunal, o recolhimento de suas dívidas aos cofres do Tesouro Nacional, atualizadas monetariamente na data do efetivo recolhimento, se forem pagas após o vencimento, na forma prevista na legislação em vigor;

Ante o entendimento exposto pelo TCU, inclusive com a aplicação de

multa à comissão de licitação que agiu de maneira diversa, entendemos de

inegável relevância para o gestor público uma boa fundamentação de seus

atos, antes da adoção de qualquer dos entendimentos consignados neste

trabalho, para concessão e definição do marco inicial do prazo para

comprovação da regularidade fiscal ante à Administração pelas pequenas

empresas nos certames licitatórios.

4.2.1 Ainda sobre o marco inicial para usufruir do benefício da regularização fiscal tardia (polemização do entendimento adotado por Marçal Justen Filho e TCU)

Não apenas por amor ao debate, mas também pela relevância prática,

queremos por fim fazer uma última reflexão quanto ao posicionamento adotado

por Marçal justen Filho e que também parece ser o adotado pelo TCU, pelo

menos no acórdão citado. Em suma o posicionamento adotado consigna que a

comprovação da regularidade fiscal da empresa só deve ser solicitado no

momento da formalização do contrato.

Pois bem, é sabido que a Lei 8.666/93, no seu art. 15, inciso II, dispõe

que as compras da Administração deverão, sempre que possível, ser

processadas através de sistema de registro de preços. Não nos propomos aqui

a discutir a adoção do sistema de registro de preços e suas implicações para a

Administração, pois não é esse o objeto do presente trabalho.

O governo federal, através do Decreto nº 3.931/2001 regulamentou o

Sistema de Registro de Preços, que vem, principalmente após a instituição do

pregão, a partir da Lei nº 10. 520/2002, sendo utilizado em larga escala pela

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77

Administração Pública, inclusive através da adesão de um órgão a ata de

preços registrada por outro órgão, no que tem se denominado “carona”.

Fato é que quando realiza a licitação através do sistema de registro de

preços, a Administração apenas está, num primeiro momento, registrando

preços, para eventuais e futuras aquisições. Não há por parte do fornecedor

direito adquirido à contratação dos bens que são objeto do registro, há no

máximo o direito de não ser preterido quando em iguais condições a outro

fornecedor.

Dada a sistemática do sistema de registro de preços, podemos dizer que

só haverá formalização do contrato se e quando houver a solicitação de

fornecimento/prestação do objeto registrado na licitação.

Se adotado o entendimento consignado por Marçal Justen Filho e TCU

(Acórdão 2505/2009), conforme analisado acima, temos que a Administração

poderá (se não deverá) formalizar com ME/EPP‟s em situação de

irregularidade fiscal a ata de registro de preços, posto que somente poderá

exigir a comprovação da regularidade fiscal da ME/EPP no ato da formalização

do contrato, ou seja somente quando for utilizar o objeto do contrato. Sem

maiores delongas, acreditamos que é desnecessário discorrer sobre o absurdo

que tal hipótese pode configurar, uma vez que além da possibilidade de a

Administração se aliar a empresa em situação de irregularidade fiscal, imagine-

se se no ato da contratação do serviço ou fornecimento do bem, a ME/EPP

simplesmente não consegue a documentação necessária. Voltaria a

Administração a reabrir o certame, talvez já encerrado há muito tempo,

considerando o prazo máximo de 12 (doze) meses de vigência da ata? E se tal

fosse possível, poderia a Administração formalizar nova ata de registro de

preços para o mesmo período de tempo? Francamente, entendemos descabida

tal situação, o que somamos aos demais argumentos supramencionados para

declarar a preferência pela solução consignada no Decreto nº 6.204/2007, qual

seja de se conceder o prazo às ME/EPP‟s para regularização da

documentação fiscal antes da homologação e adjudicação do certame

licitatório, possuindo menor conseqüência o fato de sê-lo antes ou após a

interposição de recursos.

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78

4.3 Histórico de aplicação dos benefícios no Governo Federal

Efetuaremos no presente capítulo uma sintética demonstração dos

resultados da aplicação dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006 no

âmbito do governo federal. Ressalta-se que as informações consideradas

contemplam apenas os órgãos da administração direta, autárquica e

fundacional, extraídos do Sistema Integrado de Administração de Serviços

Gerais – SIASG, no período de 2002 a 2009 (janeiro a dezembro)87.

Destacamos também que os dados trazidos à colação trazem apenas uma

análise quantitativa da aplicação dos benefícios, não se prestando a ser

qualitativa, o que será feito com mais propriedade no tópico adiante onde

analisaremos os desvios de finalidade decorrentes da utilização do benefícios,

através de acórdãos do TCU.

O primeiro indicador que trazemos à colação informa a evolução do

número de itens de compra, pelo porte da empresa no período de 2002 a 2009,

tomando como base os meses de janeiro a dezembro em cada ano. Atentando

para a evolução em relação aos itens de compra, a média de itens adquiridos

foi de 30% e 36% para os micro e pequenos fornecedores, respectivamente.

87

Os presentes dados foram compilados e formatados estatísticamente pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação – SLTI, do Ministério do Planejamento, em trabalho divulgado no sitio de compras do governo federal, no endereço www.comprasnet.gov.br, no link “Brasil Econômico”.

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79

Fig. 1

Em relação ao valor há uma mudança significativa no cenário, pois a

participação média dos micro e pequenos fornecedores nas compras públicas,

no referido período, é de apenas 8% e 12%, respectivamente.

Fig. 2

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80

Na próxima análise procurou avaliar o crescimento real acumulado88, ou

seja a variação acumulada do valor de compra das ME/EPP‟s nas compras

públicas. Nesse contexto, o panorama anterior, que em príncipio parecia ser

negativo, deverá ser revisto, isto porque, as MPE em 2002 participavam nas

compras89 governamentais com R$ 2,8 bilhões e passaram a responder em

2009 por um valor que corresponde a R$ 14,6 bilhões dessas compras, ou

seja, apresentaram um crescimento real acumulado de 522%. Nota-se que

mesmo participando fortemente em relação aos itens e timidamente no valor de

compra, as MPE tiveram um crescimento bastante significativo no decorrer dos

últimos anos. Não se pode negar portanto a sua crescente inserção nas

compras governamentais.

Fig. 3

No mesmo tipo de análise comparativa, nesse caso no entanto, apenas

em relação ao pregão eletrônico, no período compreendido entre os anos de

88 Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009 89

Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009

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81

2005 a 2009, o cenário é extremamente positivo para as MPE. No ano de

2005 elas respondiam por cerca de R$ 1,3 bilhão das compras por essa

modalidade. Em 2009, houve uma elevação desse valor para 11,1 bilhões,

representando um crescimento real acumulado da ordem de 783% no referido

período. Esse resultado ratifica os benefícios do pregão eletrônico na sua

tendência de democratizar os processos licitatórios, estimulando a competição

entre os fornecedores.

Fig.4

Page 82: Monografia - Aspectos polêmicos da aplicabilidade da LC 123-2006 e Decreto 6204-2007 às licitações e contratos administrativos

82

Fig. 5

Ao finalizar a análise evolutiva das compras em função do porte,

examinam-se os gastos nas aquisições públicas até R$ 80.000,00. Os dados

mostraram que essas compras entre 2002 e 2009, entre os meses de janeiro a

dezembro, corresponderam, em média, a 14% (R$ 3,5 bilhões) do total.

Ressalta-se que as MPE responderam, em média, por cerca de 50% (R$ 1,8

bilhão) das compras até R$ 80.000,00.

Nesse mesmo contexto, o crescimento real acumulado das MPE, entre

2002 e 2009, é da expressiva carga de 149%90. Tomando apenas o ano de

2009 como base, o cenário é ainda mais positivo, tendo em vista que as MPE

responderam por 65% (R$ 3,1 bilhões) das compras até esse valor, o que

demonstra o esforço do Estado em alavancar esses empreendimentos por

meio do aumento de sua participação nos gastos de pequeno vulto, que são

90

Valores foram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Dessazonalizado (IPCA) – ano base 2009

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83

efetivamente aqueles onde esses fornecedores tem chances mais factíveis ou

maiores chances de contratar com o Governo.

Fig.6

Examinou-se também o valor das aquisições segundo o porte e a

modalidade de compra, tomando como base apenas o ano de 2009. É

importante destacar que em 81% e 68% das compras onde micro e pequenas

empresas forneceram para o governo, respectivamente, a modalidade

empregada foi o pregão eletrônico.

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84

Fig. 7

O indicador de empate ficto no pregão eletrônico foi analisado segundo o

porte, no período de 2008² e 2009³. Os dados mostram que quando houve

desempate, ou seja, quando as MPE tiveram a prioridade na compra, fizeram

uso dessa faculdade e responderam por 32% (R$ 732 milhões) em 2008 e 39%

(R$ 1,1 bilhão) em 2009 dos valores contratados pela administração pública.

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85

Fig.8

O indicador dos tipos de benefícios também foi analisado segundo o

porte, no período compreendido entre os anos de 2008 e 2009, nesse caso,

nos meses de janeiro a dezembro de cada ano. Os dados mostraram que

quando houve benefício, as MPE responderam por 99% (458 milhões) das

compras em 2008, enquanto que em 2009 foram responsáveis por 98% (R$

422 milhões) do valor despendido pelo governo para contratação de bens e

serviços.

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86

Fig.9

Por fim, aprofundando a análise pelo porte das empresas nas Unidades

da Federação, apenas no ano de 2009, constatou-se que as Unidades

Administrativas de Serviços Gerais (UASG‟s) contrataram junto às MPE, em

média, cerca de 45% (R$ 540,9 milhões). As UASG‟s que mais compraram,

proporcionalmente, das MPE foram aquelas localizadas na Paraíba, com cerca

de 84% do valor total de suas compras (R$ 1,0 bilhão). O pior desempenho

nesse indicador está com o Distrito Federal, cujas aquisições de bens e

serviços fornecidos pelas MPE representaram apenas 10% do total de suas

compras (R$ 2,1 bilhões).

Percebe-se portanto que o Distrito Federal não tem envidado maiores

esforços na concessão dos benefícios estatuídos pela lei complementar. O que

causa certa estranheza, já que ali se localiza a capital brasileira, de onde se

fundam, através do Congresso Nacional nela estabelecido, boa parte das

políticas públicas implementadas, inclusive a que é levada a efeito através da

LC nº 123/2006, de tratamento diferenciado e favorecido às ME/EPP‟s.

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87

Fig.10

Fig. 11

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88

4.4 Desvio de finalidade decorrente da utilização indevida dos benefícios

No presente tópico pretende-se analisar o que vem acontecendo em boa

parte das licitações realizadas pelo governo federal e que provavelmente

também atinge ou atingirá estados e municípios, mas que em função de sua

publicidade e relevância acabam por se tornar mais visíveis em âmbito federal.

É a utilização indevida dos benefícios estatuídos pela LC nº 123/2006 por

empresas que se dizem ME ou EPP, mas que na verdade não o são, bem

como a criação artificial de pequenas empresas para atuarem nessa fatia de

mercado e até mesmo uma situação legal, mas que no nosso ponto de vista

configura-se imoral, tendo em vista as finalidades instituidas pela lei

complementar, que é a adjudicação por parte de uma empresa em um ano-

calendário de objetos de licitações diversas, vencidas pelo uso da prerrogativa

de tratamento diferenciado, mas que ultrapassam em muito o valor da receita

bruta anual estabelecida como teto para o enquadramento da empresa como

ME/EPP.

A existência dos referidos problemas já havia sido alertada por Marçal

Justen Filho, que ao tratar do benefício da subcontratação obrigatória de

ME/EPP, já consignou: Existe o risco de que o sujeito produza a criação

artificial de uma ME ou EPP, mantida mediante interpostas pessoais, para

aparente satisfação da exigência legal.91

Porém o autor que mais chama a atenção para a questão é Jonas Lima,

ao questionar certos pontos da aplicação da lei, que segundo entende não

seriam coerentes com sua finalidade primordial, quais sejam aquelas definidas

nos artigos 170, IX e 179 da CRFB/88.

Um primeira crítica a aplicação da lei seria no que diz respeito à

possibilidade de uma ME/EPP contrair com a Administração Pública contratos

em valores bem superiores aqueles que servem como limite do enquadramento

da ME/EPP. Por exemplo, de acordo com a aplicação literal da legislação atual

não haveria impedimento a que uma pequena empresa ganhasse no mesmo

exercício financeiro diversas licitações, se valendo dos benefícios instituídos

pela LC nº 123/2006, até porque, segundo dispõe a legislação, a declaração de

91 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 117

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89

desenquadramento da empresa só deverá ser feita no ano-calendário seguinte

(art. 3º, §9º, da LC nº 123/2006).

A primeira vista pode parecer impertinente a crítica levantada, pois

deveria ser exatamente o crescimento da empresa, inclusive com o seu

desenquadramento o objetivo da Estado ao instituir os benefícios. Ocorre que,

alinhado aos demais objetivos traçados pela legislação, quais sejam o acesso

aos mercados, à preferencia nas aquisições públicas, o desenvolvimento

regional, entre outros92, não é razoável se possibilitar que uma ME/EPP

assuma, mesmo que somente em um exercício financeiro, contratos superiores

a R$ 10 milhões e ainda assim possa, até o final do ano calendário participar

de outras licitações, como se ME/EPP fosse, o que formalmente até será, mas

não em situação de equivalência em relação a outras ME/EPP‟s que de fato

tem a sua receita bruta dentro dos parametros definidos pela legislação. A

equiparação de tais empresas em um procedimento licitatório seria

desarrazoada e desproporcional.

Assim se manifesta Jonas Lima a respeito:

Desvirtuou-se o verdadeiro sentido da Lei, que era de dar a primeira chance ao pequeno empresário. Mas agora que um pequeno já ganhou contas anuais que em muito ultrapassam R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), porque ele continua, por exemplo, tendo direito ao chamado benefício de desempate? Porque não dar agora a vez a um outro pequeno empresário? A respeito desse assunto, frise-se, apesar dos parágrafos finais do art. 3º da LC nº 123/2006 terem trazido normas de exclusão da empresa do regime beneficiado, quando ela de torna grande, o fato é que a redação foi falha e, agora, nada está sendo acompanhado ou proibido, quando deveria sim haver um controle dos contratos vigentes, para evitar excessos como o que vem ocorrendo. É absolutamente inaceitável continuar aplicando o Estatuto da Microempreaa ou da Empresa de Pequeno Porte a uma empresa que somente em 2007 já ultrapassou em muito o limite de enquadramento.

93

O autor ressalta por fim que nem as alterações posteriores da LC nº

123/2006, nem o regulamento federal corrigiram as falhas nesse sentido.

Mais absurdo no entanto do que permitir que uma ME/EPP se beneficie,

num mesmo ano, em várias licitações, angariando vários contratos que

92

Conforme redação dos arts. 1º, III; 47, caput, da LC nº 123/2006; art. 1º, I, II e III do Decreto nº 6.204/2007. 93 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 58

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90

ultrapassam em muito seu limite de enquadramento, é permitir que essa

mesma empresa, de maneira fraudulenta, participe de licitações diferenciadas

nos anos seguintes por simplesmente não ter promovido seu

desenquadramento junto à Receita Federal. Daí a importancia de certas

diligencias por parte da Administração, como destacamos no ponto 4.1. deste

trabalho. Esta situação também foi alertada por Jonas Lima em sua obra, que

datada de 2008, tem se demonstrado demasiadamente atualizada, posto que

prenunciou a situação que vem sendo exaustivamente encontrada pelo

Tribunal de Contas da União, em vários acórdãos recentes sobre o assunto.

Assim lecionou o autor

No Brasil está constatado um grave problema para o qual a lei não trouxe uma solução e que se alastra a cada dia, que é a falta de monitoramento e integração de dados sobre os contratos públicos assumidos pela empresa a cada dia. Existem empresas que apenas em 2007 ganharam contratos públicos de mais de 10 (dez) milhões anuais e continuaram se qualificando como microempresas ou empresas de pequeno porte, inclusive no www.comprasnet.gov.br, o que poderia ser verificado facilmente em vista dos valores constantes nas próprias atas publicadas naquele portal de compras e, em seguida, dos valores que vem sendo pagos mensalmente por órgãos federais, conforme dados do exercício de 2007, constantes no www.transparencia.gov.br.

94

Exemplos da deturpação acima transcrita extraem-se de vários acórdãos

do TCU que se trará à colação.

Um caso paradigmático que alçou aquele tribunal, versou sobre

determinada “pequena empresa” que, prevalecendo-se do benefício do empate

ficto ofereceu proposta que cobriria o preço até então melhor colocado,

ofertando o valor de R$ 22.174.999,99, sendo então declarada vencedora pelo

pregoeiro. Não bastasse a polêmica de uma pequena empresa que se valesse

dos benefícios da LC nº 123/2006 para arrebatar contrato de vinte e dois

milhões, um valor quase dez vezes superior ao limite de enquadramento da

EPP, a empresa em questão já havia vencido em anos anteriores várias

licitações, se valendo dos benefícios da lei complementar, tendo auferido em

anos anteriores contratos de mais de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais),

num único exercício. Assim dispõe o Acórdão 193/2010, de relatoria do Ministro

José Múcio Monteiro:

94 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 120, 121

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91

...foram realizadas consultas às bases de dados do Siafi para verificar os valores totais das ordens bancárias emitidas em favor da empresa Star Segur nos dois últimos anos. Constatou-se que, no ano de 2008, foram emitidas 54 ordens bancárias tendo como favorecida a empresa com CNPJ nº (...), totalizando R$ 3.110.146,08. Deduzindo-se desse total o valor das ordens bancárias canceladas, verificou-se que o montante de R$ 1.756.479,03 foi pago à empresa naquele ano (fls. 28 a 31). Apesar desse valor não exceder o limite de R$ 2.400.000,00 definido na Lei Complementar para EPP, cabe considerar que ele em muito ultrapassa o limite para ME (R$ 240.000,00), que foi a condição sob a qual a (...) participou do Pregão nº 13/2009, e que esse valor se refere apenas aos serviços prestados a órgãos federais. Valor um pouco maior consta do Portal da Transparência, a saber, a quantia de R$ 1.795.854,46 recebidos pela Star Segur (fl. 32), o qual inclui também valores recebidos com base em convênios federais. Restaria verificar o quanto a empresa faturou em decorrência de contratos firmados diretamente com órgãos estaduais e municipais ou com outras empresas privadas, informações essas não incluídas nos bancos de dados consultados. 26. Quanto aos valores recebidos em 2009, consulta ao Siafi indicou a emissão de 53 ordens bancárias em favor da (...), as quais totalizaram a quantia de R$ 10.486.091,63 (fls. 33 a 36). As informações apresentadas no Portal da Transparência dão conta de um montante um pouco menor de pagamentos, totalizando R$ 8.668.076,01 (fl. 37). Independentemente do valor exato recebido em 2009, esses valores ultrapassaram muito os limites de receita bruta para o enquadramento na condição de ME e EPP. 27. Portanto, tomadas em conjunto, essas informações demonstram que a empresa tem faturado, nos últimos anos, valores muito acima do limite de receita para ser enquadrada como microempresa. Restaria solicitar à empresa informações referentes aos seus balanços contábeis, com o objetivo de verificar, de forma mais exata e abrangente, a receita bruta por ela auferida nos últimos anos. (destacamos)

É de se ressaltar que, conforme demonstrado no Acórdão, a empresa já

vinha participando de certames de maneira ilegal, desde o ano de 2008. O que

causa certa espécie é que a Administração não foi apta para inibir a conduta

criminosa reiterada pela empresa até o recebimento da representação no TCU

que deu origem ao Acórdão em tela. Destacando-se que a representação foi

feita por outro licitante que se sentiu prejudicado e não em razão de diligências

efetuadas de ofício pela Administração.

Realizadas as diligências por parte do TCU, o tribunal conheceu da

representação e decidiu :

9.2. determinar cautelarmente ao Instituto Nacional do Seguro Social que suspenda todos os procedimentos relativos à execução do contrato firmado com a empresa (...) ME em decorrência do Pregão Eletrônico nº 13/2009, até que este Tribunal delibere definitivamente sobre a matéria;

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92

9.3. realizar a oitiva de (...), pregoeiro do INSS, para que, no prazo de cinco dias úteis apresente justificativas para a aceitação da proposta de preços com salário do operador abaixo do mínimo legal previsto para o período da contratação, mesmo que vigente somente a partir de janeiro de 2010, uma vez que já era conhecido de todos quando da elaboração das propostas;

Não obstante o caso em tela ter se tornado paradigmático, já que foi o

primeiro a ser julgado sobre a questão, no ano de 2010 o que se notou foi um

bom número de representações com alegações semelhantes, levando aquele

tribunal a declarar a inidoneidade e suspender da participação de licitação

várias empresas, no ambito da União. Confira-se ainda o Acórdão 3217/2010 –

Plenário, onde também determinada empresa usufruiu irregularmente dos

benefícios da LC nº 123/2006, auferindo receita superior a seis milhões de

reais em ano-calendário anterior ao usufruto de benefícios, e no ano em que

usufruiu dos benefícios venceu mais de dez licitações reservadas à

participação exclusiva de ME/EPP, somente no âmbito da Administração

Pública Federal. Veja-se trechos do acórdão em questão:

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO RESERVADA A MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FRAUDE À LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE. - A participação em licitação reservada a microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) por sociedade que não se enquadra na definição legal reservada a essas categorias configura fraude ao certame. - A responsabilidade pela manutenção, atualização e veracidade das declarações de pertença às categorias acima compete às firmas licitantes [...] No caso, restou suficientemente comprovado que a CEFA 3 Ltda., no ano de 2007, recebeu, somente em Ordens Bancárias oriundas de órgãos públicos federais, R$ 6.242.705,97, e que, no ano seguinte, além de não formular, perante a Junta Comercial competente, o devido pedido de desenquadramento da situação de empresa de pequeno porte, venceu as seguintes licitações, restritas à participação de ME e EPP: Convites nº 03/2008, nº 13/2008 e nº 16/2008, da 9ª Bateria de Artilharia Antiaérea; Convite nº 12/2008, do Batalhão de Manutenção de Armamento; Convites nº 08/2008, nº 09/2008 e nº 10/2008, da Biblioteca do Exército; Convites nº 10/2008 e nº 12/2008, do Centro de Avaliação do Exército; Convites nº 38/2008, nº 39/2008 e nº 81/2008, do Centro Tecnológico do Exército; Convites nº 01/2008 e nº 03/2008, do Colégio Militar do Rio de Janeiro; Convite nº 05/2008 e Pregão nº 01/2008, da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada; Pregão Eletrônico nº 1/2008, da Comissão Regional de Obras/1;

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Convites nº 09/2008 e nº 13/2008, da Escola de Instrução Especializada; Pregão nº 02/2008, do Instituto Nacional de Tecnologia - MCT; Pregão nº 04/2008, do Arquivo Nacional. (Acórdão 3217/2010. Ministro Relator: Walton Alencar Rodrigues)

Tendo em vista a gravidade da situação, o Tribunal não só decidiu pela

declaração de inidoneidade da empresa, como determinou fosse oficiados os

órgãos competentes para apuração das demais questões envolvidas nas

searas criminal, tributária, previdenciária, entre outros, in verbis:

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1. conhecer da representação e considerá-la procedente; 9.2. declarar, com fundamento no art. 46 da Lei nº 8.443/1992, a inidoneidade da empresa CEFA 3 Comércio e Prestação de Serviços Ltda. (CNPJ 05.575.863/0001-00), para licitar com a Administração Pública, pelo período de dezoito meses, por ter vencido licitações destinadas exclusivamente à participação de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, não obstante ostentar faturamento bruto superior ao limite previsto no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006; [...] 9.5. encaminhar cópia destes autos, bem como do presente decisum, ao Ministério Público Federal, à Secretaria da Receita Federal do Brasil/MF e à Secretaria de Direito Econômico/MJ (Acórdão 3217/2010. Ministro Relator: Walton Alencar Rodrigues)

Pode-se citar ainda os Acórdãos 1028/2010, 1972/2010, 2429/2010,

2578/2010, 2846/2010, 2847/2010, 2928/2010 e 3381/2010, todos do Plenário,

também tratando a respeito do tema. Percebe-se portanto que a utilização

indevida do benefício não tem se constituído em fato isolado, antes tem

aumentado sua incidência, reclamando da Administração um controle mais

efetivo, a fim de que o tratamento diferenciado estabelecido pela LC nº

123/2006 não seja apenas mais um instrumento na mão de empresas

inescrupulosas que tem se utilizado dos benefícios para locupletar-se

indevidamente, em vez de ser instrumento de promoção da igualdade material.

Cabe encerrar o presente tópico com a pertinente observação de Jonas Lima:

Urge, portanto, corrigir essa situação, com uma mudança legislativa, mudança nos sistemas, ainda mais integração de dados, ou seja, a oficialização do acompanhamento do crescimento da empresa nas licitações e nos contratos públicos, a exemplo do que fazem os norte-americanos, que passam a monitorar sempre os contratos que vão

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sendo assumidos pelas empresas enquadradas no conceito de small business.

95

Por fim, destacamos uma última situaçao que também tem sido utilizada

por grandes ou médias empresas a fim de burlar as licitações diferenciadas,

mas que até o momento não há registros de atuações dos órgãos de controle

para inibir a situação. Alguns sócios de empresas que antes da edição da LC

nº 123/2006, eram proprietários de empresas de médio e grande porte fizeram,

a partir da edição do estatuto, modificações em seus atos constitutivos, a fim

de adequá-los, em termos de participação societária a limites aceitos pela LC

nº 123/2006, como por exemplo reduzindo sua participação em grandes

empresas a menos que 10%, a fim de criarem outras pessoas jurídicas

enquadradas como ME/EPP, com o fito de usufruir dos benefícios da legislação

mencionada. Há casos de sócios, que, em momento concomitante a edição da

lei, criaram pequena empresa para participar de licitações, reduziram sua cota-

parte nas grandes empresas a 9% do capital social, indicando claramente a

manobra efetuada apenas com o fito de usufruir indevidamente dos benefícios

da LC nº 123/2006.

Obviamente há também casos de pequenas empresas de fachada, que

não obstante possuírem sócios que não possuem capital social de outras

empresas, constituem-se em meros “laranjas” para atuação disfarçada de

grandes empresas, havendo casos em que toda a estrutura utilizada pela

pequena empresa é a disponibilizada pela grande empresa, inclusive

maquinário, uniformes, etc, estando apenas formalmente criada a pequena

empresa, para atuação nas licitações exclusivas ou com tratamento

diferenciado para esse segmento.

95 LIMA, Jonas Sidnei Santiago de Medeiros. Obra citada. p. 121, 122

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5 Conclusão

Em ousada franqueza, tomamos como nossa a manifestação de Rogério

Greco, aplicando-a a nossa visão hermenêutica da parte atinente à licitações

na LC nº 123/2006 e de seu regulamento federal, tomados em termos gerais:

Na minha época de faculdade [...] os professores sempre diziam “a lei é sábia”, “o legislador é sábio” e “a lei não contém palavras inúteis”. Pra falar a verdade eu nunca encontrei lei sábia, nunca vi um legislador sábio e muito menos que a lei não contenha palavras inúteis. Você tem que se virar, você tem que se desdobrar pra entender exatamente o quê que o legislador quis dizer, ao colocar uma palavra ou não colocar, enfim, a nossa situação é extremamente complicada. [...]Interpretar não é tarefa fácil.

96

Apesar de restar clara a intenção do legislador em beneficiar as

pequenas empresas, promovendo o desenvolvimento regional delas, sua

inserção em maior fatia no mercado, seu crescimento e emancipação, sua

inovação tecnológica, entre outros objetivos já exaustivamente discutidos, não

podemos dizer, a esta altura, que a norma esteja cumprindo perfeitamente

seus objetivos.

O que se nota é que a via eleita pelo legislador para promover os fins

que elegeu, não foi necessariamente a mais adequuada. A atecnia da lei tem

prejudicado em muito seu implemento com sucesso. Os variados

entendimentos, que numa tentativa de interpretação sistemática, tentam

“salvar” a lei muitas vezes se chocam, produzindo consequencias drásticas e

pouco desejáveis do ponto de vista prático para o aplicador mais próximo da

norma, quais sejam as comissões de licitação e pregoeiros. Exemplo clássico

desse choque é o aventado no ponto 4.1 quanto ao momento adequado para

que a empresa comprove a regularidade fiscal. O entendimento do órgão de

controle conflita com o entendimento consignado no regulamento federal. Qual

deles o gestor adota?

Ao mesmo tempo, posicionamentos extremados que simplesmente

orientam ao Administrador que se ignore certas partes da lei também não

96

GRECO, Rogério. Aula proferida no programa “Saber Direito”, transmitido pela TV Justiça, em 14/06/2010. Disponível para consulta no site http://videos.tvjustica.jus.br/.

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podem ser levados a cabo, principalmente na esfera federal, onde o

regulamento optou por obrigar em momentos que a lei ofereceria uma

faculdade - que também para alguns na verdade não seria uma faculdade, mas

sim um poder-dever.

As críticas à lei, traçadas por Marçal Justen Filho, resumem a

perspectiva que tem rondado os aplicadores da norma, in verbis

Ao invés de produzir-se a simplificação e a racionalização dos certames, introduzem-se regras que vão tornando a licitação um processo administrativo cada vez mais incompreensível para os leigos. Mas a maior crítica reside na desnecessidade da adoção desses complexos instrumentos, especialmente em vista da consagração de um regime tributário simplificado e menos oneroso.

Apesar da óbvia dificuldade de implementação da lei em razão de sua

sofrível redação, realizou-se através do Decreto nº 6.204/2007 sua

regulamentação em ambito federal. Numa análise estatística, podemos traçar

até mesmo um cenário positivo, tendo em vista que a participação das

ME/EPP‟s nas licitações públicas aumentou significativamente após a edição e

implementação da LC nº 123/2006, tendo a concessão dos benefícios

contribuído de forma relevante para esse crescimento na participação

percentual das ME/EPP‟s nas compras públicas.

O que não se pode ver na análise estatística no entanto é o tratamento

qualitativo que vem sendo dado ao assunto. Por isso ao aprofundar a análise,

com base principalmente nos cases julgados pelos Tribunal de Contas da

União, depara-se com outro problema, que é a falta de instrumentos eficientes

para evitar a utilização indevida dos benefícios, como se discutiu no item 4.4.

deste trabalho.

Tem sido tão precária a atuação da Administração no controle e

concessão dos benefícios que só recentemente, após quase quatro anos de

vigência da lei, é que tem sido evidenciados os abusos cometidos por supostas

pequenas empresas na utilização indevida dos benefícios, fraudando seguidos

certames licitatórios, como no caso visto em que a “pequena empresa” ganhou

onze licitações exclusivas para ME/EPP sem sê-lo.

A fim de concretizar uma aplicação séria da lei que consiga ou pelo

menos avance no sentido de alcançar os objetivos mencionados no início desta

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conclusão, a Administração deve investir na integração dos seus sistemas, de

forma a identificar as empresas que já ultrapassaram os limites de

enquadramento como ME/EPP, a fim de alijá-las do certame, deve qualificar os

servidores que atuam na área de licitações e contratos, que muitas vezes,

sequer possuem formação jurídica ou contábil, para que estejam preparados,

por exemplo, para identificar os balanços patrimoniais de uma empresa. Deve

por fim atuar de forma preventiva, atualizando nos sistemas de cadastramento

interno, a exemplo do SICAF (Sistema de Cadastramento de Fornecedores) no

governo federal, a situação da empresa quanto ao seu enquadramento. Deve

fazer tudo isso de forma a oferecer pelo menos o norteamento adequado a que

o aplicador da norma tome a decisão mais adequada frente ao caso concreto.

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