aspectos polÊmicos e atuais do recurso...

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DO RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA À LUZ DAS RECENTES ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Mauro Schiavi 1 Angélica da Silva Cabral 2 O Código de Processo Civil, constantemente alterado, principalmente pelas recentes Leis 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.382/2006, visa a cumprir os mandamentos constitucionais da efetividade e duração razoável do Processo, princípios magnos do Processo, impulsionados pela Emenda Constitucional 45/04. Atualmente, tanto a legislação, com a doutrina e jurisprudência vêm caminhando pari passu no sentido de se abreviar o curso do processo, para que este instrumento de atuação da jurisdição seja, efetivamente, um meio idôneo e confiável de pacificação social, dando a cada um o que é seu por direito. Nesse panorama em que vive o Processo Civil, o Capítulo dos Recursos vem sendo constantemente alterado, pois tal instrumento, que é essencial à observância do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, tem sido apontado com um dos entraves ao acesso rápido, efetivo e real do cidadão ao Judiciário. Neste trabalho, procuramos estudar as principais alterações do Código de Processual Civil no capítulo da apelação e seu efeito devolutivo e os reflexos no Direito Processual do Trabalho com relação ao recurso ordinário, que equivale ao recurso de apelação no Processo Civil. Dos Recursos – conceito e fundamentos O Código de Processo Civil Brasileiro não nos dá o conceito de recurso, apenas no artigo 496 diz quais são as espécies de recursos cabíveis no âmbito do Processo Civil 3 . Tampouco a Consolidação das Leis do Trabalho define o conceito de recurso (artigo 893, da CLT 4 ). Como a Lei não define o conceito de recurso, esta árdua tarefa cabe à doutrina. 1 Mauro Schiavi é Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário (graduação e pós-graduação). Professor de Cursos Preparatórios para Concursos. Autor dos livros: A revelia no Direito Processual do Trabalho; Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho; Competência Material da Justiça do Trabalho Brasileira à Luz da EC 45/04 (no prelo), ambos pela Editora LTr. 2 Angélica da Silva Cabral é Advogada. Especialista em Direito Processual Civil. 3 Art. 496, do CPC: São cabíveis os seguintes recursos: I – apelação; II – agravo; III – embargos infringentes; IV – embargos de declaração; V – recurso ordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; (Incluído pela Lei nº 8.038, de 1990); VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário”. 4 Art. 893, da CLT: “Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: I-embargos; II - recurso ordinário; III-recurso de revista; IV – agravo”. 1

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DO RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA À LUZ DAS RECENTES ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

Mauro Schiavi1

Angélica da Silva Cabral2

O Código de Processo Civil, constantemente alterado, principalmente pelas recentes Leis 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.382/2006, visa a cumprir os mandamentos constitucionais da efetividade e duração razoável do Processo, princípios magnos do Processo, impulsionados pela Emenda Constitucional 45/04.

Atualmente, tanto a legislação, com a doutrina e jurisprudência vêm caminhando pari passu no sentido de se abreviar o curso do processo, para que este instrumento de atuação da jurisdição seja, efetivamente, um meio idôneo e confiável de pacificação social, dando a cada um o que é seu por direito.

Nesse panorama em que vive o Processo Civil, o Capítulo dos Recursos vem sendo constantemente alterado, pois tal instrumento, que é essencial à observância do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, tem sido apontado com um dos entraves ao acesso rápido, efetivo e real do cidadão ao Judiciário.

Neste trabalho, procuramos estudar as principais alterações do Código de Processual Civil no capítulo da apelação e seu efeito devolutivo e os reflexos no Direito Processual do Trabalho com relação ao recurso ordinário, que equivale ao recurso de apelação no Processo Civil.

Dos Recursos – conceito e fundamentos

O Código de Processo Civil Brasileiro não nos dá o conceito de recurso, apenas no artigo 496 diz quais são as espécies de recursos cabíveis no âmbito do Processo Civil3. Tampouco a Consolidação das Leis do Trabalho define o conceito de recurso (artigo 893, da CLT4).

Como a Lei não define o conceito de recurso, esta árdua tarefa cabe à doutrina.

1 Mauro Schiavi é Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário (graduação e pós-graduação). Professor de Cursos Preparatórios para Concursos. Autor dos livros: A revelia no Direito Processual do Trabalho; Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho; Competência Material da Justiça do Trabalho Brasileira à Luz da EC 45/04 (no prelo), ambos pela Editora LTr.2 Angélica da Silva Cabral é Advogada. Especialista em Direito Processual Civil.3 Art. 496, do CPC: “São cabíveis os seguintes recursos: I – apelação; II – agravo; III – embargos infringentes; IV – embargos de declaração; V – recurso ordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; (Incluído pela Lei nº 8.038, de 1990); VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário”.4 Art. 893, da CLT: “Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: I-embargos; II - recurso ordinário; III-recurso de revista; IV – agravo”.

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O termo recursos vem do latim “recursus”, que significa andar para trás, retorno, reapreciação.

Para José Carlos Barbosa Moreira5, “pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial a que se impugna. Atente-se bem: dentro do mesmo processo, não necessariamente dentro dos mesmos autos”.

Ensina Nélson Nery Júnior6: “Recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”.

Conforme as definições acima dos mestres Barbosa Moreira e Nery Júnior, os recursos se destinam, dentro da mesma relação jurídica processual, à anulação, nos casos em que a decisão contém um vício processual, a reforma, quando visa à alteração do mérito da decisão, ou integração ou aclaramento, quando a prestação jurisdicional não foi completa, ou está obscura ou contraditória.

De outro lado, os recursos constituem também uma forma de controle dos atos jurisdicionais pelas instâncias superiores.

A Doutrina costuma apontar como fundamentos dos recursos: a)aprimoramento das decisões judiciais; b)inconformismo da parte vencida e c)falibilidade humana.

Com a possibilidade dos recursos, principalmente os juízes de primeiro e os mais novos irão se esmerar e cada vez mais aprimorar suas decisões. Além disso, os recursos serão apreciados por Juízes mais experientes e também em composição colegiada.

Por outro lado, nem sempre as decisões de segunda instância têm maior justiça que as decisões de primeiro grau. Para alguns, a justiça de primeiro grau é mais justa, pois o juiz de primeira instância teve contato com as partes, viveu na pele o problema. O juiz de segunda instância está mais distante.

O inconformismo, colocado pela doutrina como fundamento dos recursos, talvez seja um dos argumentos mais contundentes para justificar a existência dos recursos, pois dificilmente alguém se conforma com uma decisão desfavorável. É da própria condição humana buscar impor os próprios argumentos e tentar reverter uma decisão desfavorável.

Por derradeiro, acreditamos que argumento mais forte a justificar a existência dos recursos é a falibilidade humana, pois os juízes, como homens estão sujeitos a erros, que podem ser corrigidos pelo recurso, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a quantidade de serviços muitas vezes impede que o juiz proceda a uma reflexão mais detalhada sobre o processo.

Não obstante, a possibilidade de falhas também acontecem nas instâncias superiores, e muitas vezes estes erros são mais nocivos ao jurisdicionado, pois as chances de correção são reduzidas.

Não obstante todas as vicissitudes que enfrenta o sistema recursal brasileiro, inclusive tem sido apontado pelos estudiosos com um dos vilões que imperam a máquina judiciária, pensamos que os recursos são necessários

5 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 233.6 NERY JÚNIOR. Nélson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Edição. São Paulo: RT, 2004, p. 212.

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e constituem um instrumento democrático do estado de direito e uma forma democrática de se propiciar o acesso real do cidadão à Justiça.

O princípio do Duplo Grau de Jurisdição

Como destaca Nélson Nery Júnior7, “o princípio do duplo grau de jurisdição tem íntima relação com a preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a possibilidade de haver abuso de poder por parte do juiz, o que poderia tem tese ocorrer se não estive a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder Judiciário”.

O princípio do duplo grau de jurisdição se assenta na possibilidade de controle dos atos jurisdicionais dos órgãos inferiores pelos órgãos judiciais superiores e também a possibilidade ao cidadão de poder recorrer contra um provimento jurisdicional que lhe foi desfavorável, aperfeiçoando, com isso, as decisões do Poder Judiciário.

Em sentido contrário, argumenta-se que o duplo grau de jurisdição provaca uma demora desnecessária na tramitação do processo, propiciando, principalmente, ao devedor inadimplente, uma desculpa para não cumprir sua obrigação.

Como destaca Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart8: “Nas hipóteses de ‘causas de maior simplicidade’ não há razão para

se insistir em duplo juízo sobre o mérito. Se o duplo grau dilata o prazo para a prestação da tutela jurisdicional, não há dúvida que a falta de racionalidade no uso do duplo grau – ou sua sacralização – retira do Poder Judiciário a oportunidade de responde mais pronta e efetivamente aos reclamados do cidadão. Além disto, em sistema que a sentença apenas excepcionalmente pode ser executada na pendência do recurso interposto para o segundo grau em que todas as causas devem ser submetidas à revisão, a figura do juiz de primeiro grau perde muito em importância. Isso porque se retira da decisão do juiz a qualidade que é inerente à verdadeira e própria decisão, que é aquela de modificar a vida das pessoas, conferindo tutela concreta ao direito do autor. O duplo grau tem nítida relação com a idéia de que o juiz de primeiro grau não merece confiança e, assim, não deve ter poder para decidir sozinho as demandas”.

Diz o artigo 5º, LV, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos e a ela inerentes”.

Conforme se denota do referido dispositivo constitucional, está assegurado como direito fundamental o contraditório, ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes. Diante disso, questiona-se: o duplo grau de jurisdição tem assento constitucional?

Alguns autores respondem afirmativamente, pois o artigo 5º, LV da Constituição consagra os recursos inerentes ao contraditório e desse modo, o princípio do duplo grau de jurisdição tem guarida Constitucional.

Para outros doutrinadores, o duplo grau de jurisdição estaria implícito na Constituição Federal, não em razão do artigo 5º, LV, mas decorre dos artigos 102 e 105, que regulamentam os recursos extraordinário e especial.

7 NERY JÚNIOR, Nélson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Edição. São Paulo: RT, 2004, p. 37.8 Processo de Conhecimento. 6ª Edição. São Paulo: RT, 2007, p. 491.

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Tem prevalecido o entendimento, no nosso sentir, correto, de que o duplo grau de jurisdição não é um princípio constitucional, pois a Constituição não o prevê expressamente, tampouco decorre do devido processo legal, do contraditório ou da inafastabilidade da jurisdição. O acesso à justiça e ao contraditório, são princípios constitucionalmente consagrados, mas não o duplo grau de jurisdição. Portanto, o direito de recorrer somente pode ser exercido quando a Lei o disciplinar e estiverem observados os pressupostos.

Nesse sentido, destacamos a visão de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart9:

“Quando a Constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, ela não está dizendo que toda a qualquer demanda em que é assegurada a ampla defesa deva sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo. Os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa. Nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de ‘menor complexidade’ – que sofrem os efeitos benéficos da oralidade -, ou em outras, assim não definidas, mas que também passam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa do duplo juízo”.

De outro lado, a interpretação da Lei processual não pode estar divorciada do texto constitucional, pois atualmente já se reconhece na doutrina um chamado “direito processual constitucional” 10 que irradia seus princípios para todos os ramos da ciência processual e, portanto, ao interpretar o direito Processual, deve o intérprete realizar a chamada interpretação em conformidade com a constituição federal, o que significa ler o texto constitucional ou infranconstitucional com os olhos da Constituição e principalmente seus princípios fundamentais.

Nesse sentido, ensina JJ. Gomes Canotilho: “O princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição. Esta formulação comporta várias dimensões: (1) o princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; 3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição mas ‘contra legem’ impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. Quando estiverem em causa duas ou mais interpretações –

9 Op. cit. p. 494.10 Alguns autores preferem a expressão CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO.

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todas em conformidade com a Constituição – deverá procurar-se a interpretação considerada como a melhor orientada para a Constituição

Desse modo, realizando-se a interpretação do texto constitucional em conformidade com a Constituição constata-se não foi assegurado o princípio do Duplo Grau de Jurisdição, pois o legislador constituinte pretendeu, com isso, deixar a cargo da Lei a criação e regramento dos recursos, como medida de efetividade e celeridade do processo.

Do Recurso Ordinário – Conceito e requisitos

Recurso ordinário é a medida recursal cabível em face da sentença de primeiro grau, proferida pela Vara do Trabalho, seja de mérito, ou não. Quando a sentença é de mérito, diz a doutrina que ela é definitiva e quando não aprecia o mérito, recebe a denominação de terminativa, pois implica a resolução do processo sem apreciação do mérito.

Diz o artigo 895, da CLT:“Cabe recurso ordinário para a instância superior: a) das decisões

definitivas das Juntas11 e Juízos, no prazo de 08 (oito) dias; b)das decisões definitivas dos Tribunais Regionais em processos de sua competência originária, no prazo de 8 (oito) dias, quer nos dissídios individuais, quer nos dissídios coletivos”.

Pensamos que a expressão decisões definitivas das Juntas deve ser interpretada como sendo as sentenças proferida pelas Vara, ou seja, a decisão final que põe termo à fase de conhecimento do processo. Embora o artigo 895 da CLT se refira à sentença definitiva, não se pode interpretar o referido dispositivo de forma literal, pois tecnicamente sentença definitiva é a que aprecia o mérito da causa. No entanto, o recurso ordinário é cabível, tanto das decisões definitivas da Vara, ou seja, que enfrentam o mérito e também das chamadas decisões terminativas ou processuais, que extinguem o processo sem resolução de mérito baseadas em algumas das hipóteses do artigo 267 do CPC.

A Consolidação das Leis do Trabalho não define o conceito de sentença. Desse modo, resta aplicável ao Processo do Trabalho (artigo 769 da CLT), a definição de sentença prevista no artigo 162 do Código de Processo Civil.

O CPC de 1973, no artigo 162, parágrafo primeiro, fixava o conceito de sentença como sendo o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo decidindo ou não o mérito, da causa.

Atualmente, a Lei 11.232/05 alterou o conceito de sentença, pois extinguiu o processo de execução para título executivo judicial, e estabeleceu a fase de cumprimento de sentença, consagrando o chamado sincretismo processual. Desse modo, para a execução de sentença, não há mais um processo autônomo e burocrático de execução e sim uma fase de cumprimento da sentença. Sendo assim, a sentença não extingue mais o processo e sim o seu cumprimento.

11 A Emenda Constitucional 24/99 extingui a representação classista na Justiça do Trabalho e a partir de então as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento passaram a ser denominadas Varas do Trabalho.

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Dispõe o § do artigo 162 do CP, com a redação dada pela Lei 11.1232/2005: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.

Conforme se constata da redação do citado dispositivo legal, a sentença não põe mais fim ao Processo e sim implica numa das hipóteses do artigo 267 do CPC12, que consagra as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, ou do artigo 269 do CPC13 que estabelece as hipóteses de resolução do mérito.

Pode-se questionar o acerto do legislador ao delinear o novo conceito de sentença, pois há algumas sentenças que efetivamente extinguem o processo, como a sentença de improcedência, que é declaratória negativa, a sentença meramente declaratória e a sentença constitutiva, evidentemente após confirmadas em grau de recurso, ou se não forem interpostos recurso em face delas, uma vez que não comportam a fase de execução. Também as

12 Diz o artigo 267 do CPC: Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232/05, – DOU de 23.12.05)I – quando o juiz indeferir a petição inicial;II – quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;III – quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;VII – pela convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei nº 9.307, de 1996)VIII – quando o autor desistir da ação;IX – quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;X – quando ocorrer confusão entre autor e réu;XI – nos demais casos prescritos neste Código.§ 1o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.§ 2o No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.§ 4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. 13 Art. 269, do CPC: Haverá resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232/05 – DOU de 23.12.05)I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)III – quando as partes transigirem; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973).

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chamadas sentenças mandamentais, que são as que expedem uma ordem de cumprimento pelo juiz não necessitam da fase de execução.

Não obstante, o conceito de sentença dado pela Lei 11.232/05 se amolda com maior precisão à extinção do processo de execução para transforma-lo em mera fase de cumprimento da sentença.

No Processo do Trabalho, a doutrina majoritária se posicionou a nosso ver, acertadamente, no sentido de que a execução é mera fase do processo e não um processo autônomo.

Desse modo, o recurso ordinário é cabível para anular ou reformar a sentença proferida pelo Juiz do Trabalho, seja a decisão terminativa (artigo 267 do CPC), definitiva (artigo 269 do CPC), seja a decisão declaratória, constitutiva ou de improcedência.

Quanto ao aspecto formal de interposição do Recurso Ordinário, diz o “caput” do artigo 899, da CLT: “Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Titulo, permitida a execução provisória até a penhora”.

Conforme se denota do referido dispositivo, o recurso ordinário poderá ser interposto por simples petição. Questiona-se, há necessidade do recorrente apresentar as razões, ou simplesmente declinar, que pretende a reforma da decisão, sem apontar os pontos da sentença que pretende reforma?

Parte da doutrina afirma que mesmo a CLT disciplinando a possibilidade de interposição do recurso por simples petição, há a necessidade do recorrente apresentar as razões e declinar os tópicos da sentença que pretende reformar, por não existir a possibilidade de recurso genérico e não propiciar ao Tribunal saber qual tópico da sentença pretende reforma o recorrente.

Nesse mesmo sentido a opinião de Wilson de Souza Campos Batalha14:

“Estabelece o art. 899 da CLT que os recursos serão interpostos por simples petição. Entretanto, não significa isto que a parte recorrente esteja dispensada de oferecer as razões que fundamentam o recurso. De fato, os recursos devem ser interpostos por simples petição; isto é, sua interposição independe de termo (formalidade que ainda subsistia, no CPC/39, em relação aos agravos no auto do processo). Mas, a petição de recurso deve expor os motivos pelos quais o recorrente não se conforma com a decisão; de outra maneira, não só o Tribunal ad quem não saberia por que o recurso foi interposto, como ainda seriam facilitados os recursos protelatórios e a parte recorrida ficaria prejudicada no seu direito de apresentar suas razões contrárias às do recorrente (artigo 900 da CLT)”.

Nesse sentido, destacam-se as seguintes ementas: Recurso ordinário desfundamentado – Não-conhecimento. 1. "A

parte recorrente deve expor as razões do pedido de reforma da decisão que impugna, cumprindo-lhe invalidar os fundamentos em que se assenta a decisão." (Juiz André Damasceno). 2. A ausência de ataque específico aos motivos que formaram o convencimento do Juízo de origem impedem a reapreciação por este eg. Regional, uma vez que nada foi devolvido a esta instância revisora. Justiça gratuita. Não preenche a reclamada os requisitos

14 CAMPOS BATALHA, Wilson de Souza. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. 2ª Edição. São Paulo: LTr, 1985, p. 766.

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legais ensejadores do deferimento da gratuidade judiciária nos termos da Lei nº 1.060/50, isso porque não comprovou a recorrente sua característica de entidade filantrópica, não fazendo juntar aos autos qualquer documento consistente no certificado de filantropia. (TRT 10ª R – 2ª T – RO nº 1334.2003.102.10.00-8 – Relª. Mª. Piedade B. Teixeira – DJDF 23.4.04 – p. 31) ( RDT nº 5 - Maio de 2004).

Recurso ordinário apresentado pela parte o qual não ataca diretamente os argumentos adotados pela decisão originária – Ausência de fundamentação – Não-conhecimento. Não atacando a parte recorrente diretamente os fundamentos adotados pelo decisório de primeiro grau, notadamente quanto à comprovação de seu efetivo empregador, resta caracterizada a completa falta de fundamentação do Recurso Ordinário, inclusive no que diz respeito à invocação de matéria não apreciada pela origem. Recurso não conhecido. (TRT 10ª R – 3ª T – RO nº 323/2004.018.10.00-9 – Relª. Maria de A. Calsing – DJDF 06.08.04 – p. 27)(RDT nº 9 Setembro de 2004).

Para outra vertente de interpretação, o recurso ordinário pode efetivamente ser interposto por simples petição, desacompanhadas das razões, pois esta é a sistemática recursal de interposição dos recursos trabalhistas. Desse modo, não há a necessidade do recorrente declinar as razões, nem apontar os tópicos que pretende reforma da decisão. Sendo o recurso por simples petição, o efeito devolutivo será amplo e como é proibida a reforma prejudicial ao recorrente, deve o Tribunal apreciar todos os tópicos que o apelante foi prejudicado em sua pretensão.

Nesse sentido é a opinião de Wagner D. Giglio15:“Sustentamos até, contra a maioria dos doutrinadores, que a

autorização contida no art. 899, da CLT, de interposição dos recurso por simples petição, significa exatamente o que diz: basta uma simples petição para desencadear a revisão do julgado. Mesmo que não se denunciem os motivos da irresignação, o mero pedido de reexame, despido de qualquer fundamentação, é hábil para provocar novo pronunciamento judicial”16.

No nosso sentir, a razão está com os que pensam que o Recurso Ordinário, diante do que dispõe o artigo 899, da CLT pode ser interposto por petição simples, desacompanhadas das razões, sendo, neste caso, como não foram delimitadas as matérias pelo recorrente, o efeito devolutivo amplo do recurso, mas não pode o Tribunal piorar a situação do recorrente, em razão do princípio da proibição da reformatio in pejus.

Embora reconheçamos que o referido dispositivo consolidado possa estar desatualizado e muitas vezes pode ser prejudicial ao recorrente, a finalidade teleológica da Lei foi de, efetivamente, facilitar o acesso à Justiça do Trabalho e propiciar o duplo grau de jurisdição à parte que litiga sem advogado (“jus postulandi” – artigo 791, da CLT) e desse modo, embora sejamos contrários à manutenção do “jus postulandi” da parte no Processo do Trabalho, não se pode negar vigência ao artigo 899, da CLT quando se diz que o artigo 791, da CLT tem plena aplicação.

15 GIGLIO, Wagner D. et al. Direito Processual do Trabalho. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 436.16 No mesmo sentido vide Manoel Antonio Teixeira Filho (Sistema dos Recursos Trabalhistas. 10ª Edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 104-105).

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Em razão dos princípios da celeridade, simplicidade, informalidade e acesso real e efetivo à jurisdição trabalhista (artigo 5º, XXXV, da CF) somos forçados a admitir que, no Processo do Trabalho, os recursos são interpostos por simples petição, não precisando o recorrente, no Recurso Ordinário, declinar as razões. Não obstante, se as razões forem declinadas e também as matérias, o Tribunal Regional do Trabalho ficará vinculado à matéria impugnada17.

O Recurso Ordinário tem efeito meramente devolutivo, pois transfere ao Tribunal a matéria impugnada, mas não impede a execução provisória da sentença. A jurisprudência trabalhista, principalmente do Tribunal Superior do Trabalho, tem admitido a propositura de medida cautelar inominada para se obter efeito suspensivo ao recurso ordinário, quando presentes os requisitos do “fumus boni juris” e do “periculum in mora”.

Da Súmula Impeditiva de Recursos Prevista no artigo 518 do

Código de Processo Civil e o Recurso Ordinário

Nos termos do artigo 518 do CPC, interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Nos termos § 1º do artigo 518, o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Diante da redação do referido parágrafo 1º do artigo 518 do CPC, restou consagrada a chamada Súmula Impeditiva de Recurso em primeiro grau de jurisdição, ou seja se a decisão estiver em conformidade com Súmula do STJ ou do STF, o juiz denegará seguimento à apelação, podendo o apelante interpor Agravo de Instrumento e tentar demonstrar que efetivamente, a súmula utilizada pelo juiz de primeiro grau como razão para decidir não se aplica à hipótese do autor.

Como destaca Luciano Athayde Chaves18:“(...)A alteração trazida pela Lei n. 11.276, como se observa,

mantém a tendência de reduzir o acesso aos tribunais, nas causas cujas matérias já encontram balizamento jurisprudencial bastante, o que também se observou na minirreforma estabelecida pela Lei n. 10.352, que limitou o cabimento da remessa obrigatória ‘quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente (art. 475, § 3º , CPC).(...)A defesa desse modelo – em substituição à súmula vinculante -, especialmente feita pelas associações de magistrados e outras instituições relacionadas com o Poder Judiciário, tem em ira o fato de que, ao contrário da súmula vinculante, a impeditiva de recursos salvaguarda a independência do julgador no exame da matéria controvertida submetida ao seu crivo, já que não estaria vinculado ao entendimento das cortes superiores”.

17 No Recurso de Revista não se admite a interposição por simples petição, pois se trata de recurso técnico em que o recorrente tem que prequestionar a matéria, apresentando as razões, sob conseqüência de não conhecimento.18 CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum: Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo: LTr, 2007, p. 109.

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De outro lado, a Súmula Impeditiva de Recurso é dirigida às controvérsias jurídicas, pois dificilmente se aplicará para matéria fática, que é livremente apreciada pelo juiz segundo o seu livre convencimento motivado (artigo 131 do CPC).

Embora não tenha sido idealizado para o Processo do Trabalho, pensamos que o § 1º do artigo 518 do Código de Processo Civil se aplica ao Recurso Ordinário trabalhista, pois a CLT é omissa a respeito e há compatibilidade com os princípios que regem o Processo do Trabalho, máxime os da celeridade e efetividade.

Como na esfera trabalhista o Tribunal Superior do Trabalho está encarregado da pacificação da interpretação das legislações constitucional e federal no âmbito trabalhista, as Súmulas do TST poderão ser utilizadas também para trancar o processamento do Recurso Ordinário. Desse modo, se a decisão de primeiro grau estiver em compasso com Súmula do TST, o juiz da Vara Trabalhista, poderá denegar seguimento ao Recurso Ordinário.

Nesse sentido, destaca Luciano Athayde Chaves19:“A norma é perfeitamente aplicável ao processo especializado do

trabalho, diante da patente existência de lacuna normativa, assim como o tem sido o dispositivo do artigo 557, e certamente contribuirá para reduzir uma significativa parcela das atividades dos Juízes do Trabalho – que doravante não mais serão obrigados a processar apelos ordinários fundados em teses contrárias às esposadas na sentença e no precedente sumular -, bem como dos Tribunais Regionais do Trabalho, que dispensarão a onerosa fase de autuação, classificação e distribuição de recursos”.

Como o dispositivo é taxativo, quando a sentença estiver em compasso com Orientação Jurisprudencial ou Precedente Normativo do TST, o Juiz da Vara do Trabalho não poderá denegar seguimento ao recurso.

Como o STJ dirime, por mandamento constitucional (artigo 105, da CF), conflitos de competência em matéria trabalhista, eventuais Súmula desta Corte poderão ser utilizada para trancar o Recurso Ordinário.

Considerando-se que o STF dá a palavra final na interpretação de matéria trabalhista em nível constitucional, os as súmula desta corte, quando não forem vinculantes, poderão ser utilizadas para trancar o seguimento do Recurso Ordinário.

Desse modo, se a sentença de primeira instância trabalhista estiver em consonância com Súmulas do STF, STJ ou do TST, o seguimento do Recurso Ordinário, será denegado pelo Juiz do Trabalho.

Do efeito devolutivo do Recurso Ordinário

O efeito devolutivo significa devolver a o Tribunal a jurisdição para apreciação do recurso. Na verdade, este termo “devolutivo” vem da época em que a jurisdição pertencia ao Rei que a delegava aos seus prepostos e quando havia alguma reclamação por parte dos súditos, a jurisdição era devolvida ao Rei, e dessa forma ficou consagrada a expressão efeito devolutivo do recurso.

19 Op. cit. p. 110-111.

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Como destaca Manoel Antonio Teixeira Filho20, a idéia de devolução nos vem do direito romano antigo, em que o imperador detinha, em caráter monopolístico, o poder de decidir os conflitos de interesses ocorrentes entre os reinóis, delegando-os, em alguns casos, a seus prepostos. Assim, quando a parte não ficava satisfeita com a decisão adotada pelo preposto, apelava ao imperador, devolvendo-lhe, por assim dizer, a jurisdição. Nos termos modernos, entretanto, não faz sentido falar-se em efeito devolutivo, porquanto a atividade jurisdicional não é privativa dos tribunais. Dessarte, não se pode “devolver” aos tribunais aquilo que jamais lhes pertenceu.

Segundo Rodrigo Baroni21, “um dos efeitos dos recursos é o de propiciar o reexame das decisões judiciais. Esse efeito que possibilita novo julgamento de determinadas matérias é denominado efeito devolutivo”.

O efeito devolutivo do recurso transfere ao Tribunal o julgamento de determinado recurso, mas nos limites dos razões do recorrente. O processo não é devolvido ao Tribunal, pois se existe uma determinada propriedade do processo, esta pertence ao primeiro grau de jurisdição, pois é lá que o processo começa e termina.

Segundo a doutrina todos os recursos têm efeito devolutivo no sentido de transferir a outro órgão hierarquicamente superior ao que prolatou a decisão, a reapreciação da matéria que fora objeto de impugnação. Para parte da doutrina os embargos de declaração, por serem apreciados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão, não possuem efeito devolutivo22.

Como bem adverte Ana Cândida Menezes Marcato23: “ Já se manifestava Alcides de Mendonça Lima afirmando que ‘não se pode ser rigoroso e considerar ver devolução, apenas quando o julgamento se desloca para outro órgão, que não aquele que proferiu a decisão impugnada’. Em função disso, deve-se entender a devolução como sendo a possibilidade de submeter a decisão impugnada ao conhecimento do Poder Judiciário devolvendo-lhe a matéria; em regra, essa reapreciação será feita por órgão diferente daquele que proferiu a decisão recorrida, excepcionalmente, contudo, pelo mesmo órgão”.

Como destaca Nélson Nery Júnior24, “O objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, ou seja, a matéria sobre a qual deve o órgão ad quem pronunciar-se, provendo-o ou improvendo-o. As preliminares alegadas normalmente em contra-razões de recurso, como as de não conhecimento, por exemplo, não integram o efeito devolutivo do recurso, pois são matérias de ordem pública a cujo respeito o tribunal deve ex officio pronunciar-se”.

20 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Sistema dos Recursos Trabalhistas. 10ª Edição. São Paulo: LTr, 2003, p. 240.21 BARIONI, Rodrigo. Efeito Devolutivo da Apelação Cível. São Paulo: RT, 2007, p. 33.22 Nesse sentido é a posição de Ana Cândida Menezes Marcato: “Em nosso sentir, está com a razão parcela da doutrina que entende que os embargos de declaração não são dotados de efeito devolutivo: em primeiro lugar, este efeito pressupõe dois órgãos jurisdicionais distintos (ainda que não possuam graduação hierárquica); ademais, diante da ausência de cassação e substituição da decisão recorrida – que são características básicas da natureza recursal e da devolutividade – fica difícil enxergar um traço de devolução nesse recurso (O princípio do Duplo Grau de Jurisdição e a Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006, p. 118).23 MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do Duplo Grau de Jurisdição e a Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006, p. 117.24 NERY JÚNIOR, Nélson. Teoria Geral dos Recurso. 6ª Edição. São Paulo: RT, 2004, p. 430.

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Para Rodrigo Barioni25, o efeito devolutivo da apelação é mais amplo, abrangendo também as questões que o Tribunal possa conhecer de ofício. Assevera que o chamado efeito translativo nada mais é do que uma espécie do gênero efeito devolutivo.

Pensamos que a razão está com o professor Nery Júnior, pois as matérias abrangidas pelo efeito devolutivo devem ser invocadas pelo recorrente, em razão do princípio do dispositivo que marca tal efeito recursal. As matérias que o Tribunal pode conhecer de ofício como as preliminares e a prescrição não estão abrangidas pelo efeito devolutivo, integrando o chamado efeito translativo da apelação.

Como bem advertem Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol26, “apenas o mérito do recurso integra o efeito devolutivo, não o integrando a matéria de admissibilidade (não se há que falar em devolução, pois se trata de matéria de ordem pública, que órgão jurisdicional deve conhecer de ofício)”.

Pensamos que o efeito devolutivo abrange toda a matéria impugnada, e essa é a regra geral, o que significa dizer que o efeito devolutivo fica balizado pela matéria impugnada. As questões suscitadas pelas partes que não foram decididas por inteiro, bem como os fundamentos da inicial e defesa não levados em consideração na sentença ficam abrangidas pelo efeito devolutivo por expressa previsão dos parágrafos 1º e 2º do artigo 515 do CPC. Desse modo, se a defesa tiver dois fundamentos a e b, e a sentença acolheu o fundamento a, o fundamento b será transferido ao Tribunal em razão do efeito devolutivo da apelação”.

Como bem advertem Gilson Delgado e Patrícia Miranda Pizzol27, “ a extensão do efeito devolutivo não pode ultrapassar a matéria impugnada, ou seja, se o recurso for parcial (artigo 505), a matéria não impugnada (parte da decisão aceita tácita ou expressamente), não será devolvida ao órgão ad quem”.

Desse modo, o Tribunal a quo fica vinculado à matéria objeto de impugnação. Sendo assim, o efeito devolutivo da apelação deve estar balizado pelos seguintes princípios:

a)dispositivo: a impugnação das matérias depende de iniciativa da parte, não podendo o Tribunal agir de ofício;

b)proibição da reformatio in pejus: Por este princípio o Tribunal, ao julgar a apelação não pode agravar a situação do apelante.

Como adverte José Carlos Barbosa Moreira28, “a extensão do feito devolutivo determina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum appellatum . É o que estabelece o dispositivo ora comentado, quando defere ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

A doutrina costuma classificar os limites do efeito devolutivo da apelação em a)extensão ou horizontal e b)vertical ou profundidade.

No aspecto horizontal ou de extensão, é necessário aquilatar se a decisão do Tribunal abrangerá a mesma quantidade de matérias apreciadas pela sentença de origem.

25 BARIONI, Rodrigo. Efeito Devolutivo da Apelação Civil. São Paulo: RT, 2007, p. 42.26 MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no Processo Civil. 5ª Edição. São Paulo: Atlas, 35.27 Op. cit. p. 35.28 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume V. 12ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 431.

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O aspecto horizontal do efeito devolutivo está previsto no “caput” do artigo 515, que dispõe:

“A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

Como explica Marcus Vinício Rios Gonçalves29: “O recorrente deve indicar a parte do dispositivo contra a qual se insurge. Formulados dois pedidos na inicial, ambos rejeitados pela sentença, se o autor recorrer apenas de um, somente ele, e não o outro, poderá ser apreciado pelo Tribunal. A extensão da devoluitividade é limitada por aquilo que é postulado no recurso. Se se recorre de apenas uma partes, somente ela será reexaminada”.

Quanto ao aspecto vertical, se analisa se o Tribunal pode examinar se todas as questões enfrentadas pela sentença podem ou não ser reapreciadas pelo Tribunal. Como destaca Barbosa Moreira30: “hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato não examinou”.

O aspecto vertical do efeito devolutivo está disciplinado nos parágrafos 1º e 2º do artigo 515 do CPC, assim redigidos:“§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2º “Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais”.

Como decorrência do princípio da persuasão racional previsto no artigo 131 do CPC31, o juiz não está obrigado a responder todas as indagações das partes, tampouco mencionar no corpo da fundamentação da sentença, todas as provas e todas as razões aduzidas pela partes, deve, entretanto, mencionar na decisão quais foram as teses jurídicas e as provas que o convenceram. Outrossim, todos os pedidos devem ser apreciados, sob conseqüência de nulidade da decisão.

Conforme os referidos parágrafo 1º e 2º do artigo 515, do CPC, o Tribunal pode apreciar as teses da inicial e defensivas que não foram levadas em conta pela sentença como razões de decidir. Vale dizer: todas as teses jurídicas discutidas nos autos são transferidas ao Tribunal, bem como toda a prova produzida nos autos, quer documental, oral ou pericial também são transferidas ao órgão ad quem, ainda que não levadas em consideração para formar a convicção do juízo a quo.

De outro lado, como bem adverte Marcus Vinicios Rios Gonçalves32, os parágrafos 2º e 3º do artigo 515 do CPC só pode referir-se aos fundamentos da pretensão e da defesa, porque os pedidos têm de ser todos apreciados na sentença, sob pena de ela ser considerada citra petita, mas os fundamentos não. Basta que ela aprecie so que são suficientes , para o acolhimento ou rejeição do pedido.

29 GONÇALVES, Marcus Vinícios Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 76.30 Op. cit. p. 431.31 Art. 131, do CPC: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)”.32 Op. cit. p. 79.

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Como bem concluem Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha33:

“(...)Enquanto a extensão é fixada pelo recorrente, a profundidade decorre de previsão legal. Impõe-se, ainda, aduzir que o efeito devolutivo da apelação é de argumentação livre, de sorte que ao apelante é lícito valer-se de qualquer argumento para atacar a sentença recorrida, não estando vinculado a determinado tipo de matéria, nem devendo submeter-se a alguma espécie de prequestionamento”.

Como a CLT é omissa quanto à extensão e profundidade do efeito devolutivo no Recurso Ordinário (artigo 895, da CLT), restam aplicáveis, por força do artigo 769, da CLT, o “caput” e os § § 1º e 2º, do CPC34.

Efeito translativo do Recurso Ordinário

A doutrina costuma denominar o efeito translativo da apelação ou do recurso ordinário trabalhista, como sendo a possibilidade do Tribunal conhecer de matérias não invocadas pelo apelante no corpo da apelação.

Nesse sentido ensina Nélson Nery Júnior35: “Dá-se o efeito translativo, quando o sistema autoriza o tribunal a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento ultra, extra ou infra petita. Isso normalmente com questões de ordem pública, que devem ser conhecida de ofício pelo juiz e a cujo respeito se opera a preclusão (v.g., CPC 267 § 3º, 301 § 4º )”.

Como mencionados no tópico anterior, não há consenso na doutrina de ser o efeito translativo um efeito próprio da apelação ou componente do próprio efeito devolutivo. Sendo assim, a possibilidade do Tribunal conhecer de matérias não invocadas pelo apelante compõe o aspecto vertical do efeito devolutivo ou sua profundidade.

Como tem acentuado a melhor doutrina, a extensão do efeito devolutivo é fixada pela parte, segundo o princípio tantun devoluttum quaum apellatum, mas a profundidade deste efeito é a Lei quem determina.

As preliminares são defesas de natureza processual que visam à extinção da relação jurídica processual sem resolução do mérito. Também chamadas pela doutrina de exceções peremptórias ou defesas indiretas de cunho processual.

As matérias preliminares estão prevista no artigo 301 do CPC. Com efeito, dispõe o artigo 301 do CPC: Compete ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: I-inexistência ou nulidade de citação; II-Incompetência absoluta; III-inépcia da inicial; IV-perempção; V-litispendência; VI-coisa julgada; VII-conexão; VIII-incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; IX- convenção de arbitragem; X-carência de ação; XI-falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar.

O parágrafo 3º do artigo 515 do CPC e a teoria da causa madura e sua aplicação no Direito Processual do Trabalho

33 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Volume 3. Bahia: Jus Podivm, 2006, p. 86-87.34 No mesmo sentido vide José Augusto Rodrigues Pinto (Manual dos Recursos nos Dissídios do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 227).35 NERY JÚNIOR, Nélson et al. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual em Vigor. 7ª Edição. São Paulo: RT, 2003, p. 851

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Dispõe § 3º do artigo 515 do CPC: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art.

267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 2001)”.

O referido dispositivo amplia o efeito devolutivo da apelação, no aspecto da sua profundidade, pois possibilita ao Tribunal, uma vez afastando a extinção do processo sem resolução do mérito, ingressar na matéria de mérito.

Nota-se claramente que o objeto do legislador foi o de imprimir mais celeridade processual, prestigiando a efetividade processual.

Como destaca José Rogério Cruz e Tucci36: “Dando ênfase à ‘instrumentalidade’ em detrimento da boa técnica processual, essa novidade amplia de modo substancial a extensão do efeito devolutivo da apelação, permitindo que o juízo recursal extrava-se o âmbito do dispositivo da sentença de primeiro grau e, por via de conseqüência, o objeto da impugnação. Com isso, a apelação deixa de ter natureza de revisio prioris instantiae e passa a ser concebida com um novum iudicium, no qual o ´órgão jurisdicional superior é lícito o mais amplo reexame da causa, em todo os seus aspectos de fato e de direito”.

Pensamos não ser o referido § 3º inconstitucional, pois o princípio do duplo grau de jurisdição não tem assento constitucional. Por isso, lei infraconstitucional pode fixar a profundidade do efeito devolutivo do recurso. Nesse sentido bem adverte Nélson Nery Júnior37:

“O CPC 515 § 3º confere na verdade, competência originária ao tribunal de apelação, no caso que especifica. Isto quer significar que o tribunal pode julgar, pela primeira vez, matéria não apreciada pelo juízo a quo, de onde proveio o recurso de apelação. Pela via do ‘recurso’ o tribunal pode conhecer ‘originariamente’ do mérito. A solução da lei é heterodoxa, mas visa a economia processual. Não há inconstitucionalidade por ofensa ao duplo grau de jurisdição porque a lei processual pode conferir competência originária a tribunal”.

No mesmo sentido é a opinião de Estevão Mallet38:“(...)A possibilidade de julgamento imediato do mérito, em caso de

reforma de sentença terminativa, não conflita, de modo algum, com a regra do duplo grau de jurisdição, ao menos nos termos em que ela é tradicionalmente concebida no direito brasileiro, a qual, ademais, não exterioriza desdobramento necessário da garantia constitucional do devido processo legal”.

Segundo o referido dispositivo, a matéria objeto do processo tem que ser exclusivamente de direito39, não cabendo dilação probatória, ou se 36 CRUZ E TUTTI, José Rogério. Lineamentos da Nova Reforma do CPC. 2ª Edição. São Paulo: RT,2002, p. 99.37 NERY JÚNIOR, Nélson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Edição. São Paulo: RT, 2004, p. 434.38 MALLET, Estevão. Reforma de Sentença Terminativa e Julgamento Imediato do Mérito no Processo do Trabalho. In: Revista LTr 67-02/138.39 No mesmo sentido é o recente artigo 285-A do CPC, com a redação dada pela Lei 11.277/06 que assim dispõe: “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”.

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prova houver, esta deve ser documenta, pré-constituída com a inicial. Consagrou-se o que a doutrina denomina de “causa madura” para julgamento, ou seja, em que não há mais controvérsia fática, ou a prova necessária para julgamento já se encontra nos autos.

Pensamos que a interpretação do termo “questão exclusivamente de direito” deve ser interpretada de forma ampliativa para abranger também matéria fática, pois se a causa já estiver devidamente instruída, o Tribunal deve apreciar o mérito, pois a finalidade teleológica do § 3º do artigo 515 do CPC foi no sentido de imprimir mais celeridade processual. Além disso, se o Tribunal, sendo matéria de fato, baixar os autos ao primeiro grau para julgamento, o processo retornará ao segundo grau que dará a palavra final sobre a matéria fática.

Como destaca Estevão Mallet40, mesmo havendo controvérsia sobre direito e também sobre fatos, se já foram realizadas todas as diligência pertinentes ao esclarecimento desses fatos, após larga instrução processual, sem, todavia, decisão de mérito – pronunciando-se, por exemplo a carência de ação, o que sabidamente pode ocorrer a qualquer tempo (CPC, art. 267 § 3º) – o acórdão que reformar a sentença poderá desde logo reconhecer a procedência do pedido”

Nesse mesmo sentido sustenta Nélson Nery Júnior41: “Embora da norma conste a aditiva ‘e’, indicando que o tribunal só

pode julgar o mérito se se tratar de matéria exclusivamente de direito e a causa estiver em condições de julgamento imediato, é possível o julgamento de mérito pelo tribunal, quando a causa estiver madura para tanto. Exemplo disso ocorre quando é feita toda a instrução mas o juiz extingue o processo por ilegitimidade de parte (CPC 267 VI). O Tribunal entendo que as partes são legítimas, pode dar provimento à apelação, afastando a carência e julgando o mérito, pois essa matéria já terá sido amplamente debatida e discutida no processo. Esse é o sentido teleológico da norma: economia processual”.

No mesmo diapasão, destacam com propriedade Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol42:

“Observe-se, outrossim, que a lei disse menos do que se queria dizer. Isso porque, apesar de o texto falar em questão de direito, o fato é que o referido § 3º do art. 515 deve ser interpretado em consonância com as regras estampadas no artigo 330 do CPC, isto é, aquelas que tratam do julgamento antecipado da lide, especialmente o inciso I. Desta feita, quando a questão de mérito for de direito e de fato, porém não houver mais a necessidade de se produzir prova em audiência, não haverá, apesar de extinto o processo sem apreciação do pedido pelo juiz (artigo 267, VI do CPC), qualquer óbice para que o Tribunal julgue a lide”.

Acreditamos que a possibilidade do Tribunal também enfrentar a matéria fática prestigia a melhor justiça, o acesso real à justiça e á ordem jurídica justa, destacando o caráter instrumental do processo.

Como destaca Cândido Rangel Dinamarco43: “Para o adequado cumprimento da função jurisdicional, é indispensável boa dose de sensibilidade

40 MALLET, Estevão. In: Revista LTr 67-02/14241 Op. cit. p. 885.42 Op. cit. p. 5943 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 12ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 361.

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do juiz aos valores sociais e às mutações axiológicas da sua sociedade. O juiz há de estar comprometido com esta e com as suas preferências. Repudia-se um juiz indiferente, o que corresponde a repudiar também o pensamento do processo como instrumento meramente técnico. Ele é um instrumento político de muita conotação ética, e o juiz precisa estar consciente disso. As leis envelhecem e também podem ter siso mal feitas. Em ambas as hipóteses carecem de legitimidade as decisões que as considerem isoladamente e imponham o comando emergente da mera interpretação gramatical. Nunca é dispensável a interpretação dos textos legais no sistema da própria ordem jurídica positiva em consonância com os princípios e garantias constitucionais (interpretação sistemática) e sobretudo à luz dos valores aceitos (interpretação sociológica, axiológica)”.

O parágrafo 3º, do artigo 515 por ser norma que prestigia a efetividade processual e o célere acesso à Justiça do Trabalho é perfeitamente compatível com o Processo do Trabalho, sendo aplicável integralmente ao Recurso Ordinário (artigos 769 e 845, ambos da CLT).

Antes da existência do referido dispositivo, o Tribunal quando afastava a extinção do feito sem apreciação do mérito, baixava os autos à primeira instância para que esta proferisse nova decisão.

Presenciamos nestes vários anos de militância na Justiça do Trabalho, os TRTs reformando decisões e determinando a baixa dos autos às Varas, quando o processo já estava pronto para julgamento, ou seja, não havia qualquer necessidade de dilação probatória ou prática de qualquer diligência, o que, muitas vezes acarretava demora de vários anos na tramitação do processo.

Embora o referido § 3º seja dirigido à extinção do feito em primeiro grau sem resolução do mérito, pensamos que quando a Vara do Trabalho julgou improcedentes os pedidos e a causa já estiver devidamente contestada e instruída, interpretando-se sistematicamente os §§ 1º, 2º e 3º do CPC, em cotejo com os princípios constitucionais da duração razoável do processo, acesso à justiça e efetividade, o Tribunal pode, uma vez afastando a prescrição nuclear, ou a rejeição do vínculo de emprego, enfrentar as demais questões de mérito da causa, sem necessidade de baixar os autos à Vara de Origem44.

Nesse diapasão, destaca-se a seguinte ementa:Prescrição e mérito (art. 269,IV, CPC), pelo que, estando madura a

questão, afastada a prescrição,o tribunal deve continuar no julgamento da causa (TRT 2ª Região. – RO 02940418947 a Ac 9ª T. 02960055920 – j. 13.12.95 – DOE 06.02.1996 – Rel. Juiz Sérgio Bueno Junqueira Machado).

Cumpre destacar que a aplicabilidade do § 3º do artigo 515 do CPC é faculdade do Tribunal, não sendo obrigado a fazê-lo. Não obstante, pensamos que preenchidos os requisitos, o Tribunal não pode se furtar a aplicar a referida regra, máxime se houve requerimento do recorrente no corpo do recurso, por ser um dispositivo que visa à efetividade processual.

O § 3º do artigo 515 do CPC não exige que haja requerimento expresso do apelante para que o Tribunal possa, uma vez afastada a preliminar possa enfrentar a matéria de mérito, pois se trata de faculdade do Tribunal, e a finalidade teleológica da norma foi imprimir maior celeridade ao recurso de apelação, ampliando os poderes do Tribunal. Desse modo, uma vez afastada a

44 Nesse sentido vide Carlos Henrique Bezerra Leite (Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª Edição. São Paulo: LTr, 2007, p.

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extinção do processo sem resolução do mérito, se o Tribunal entender pertinente, pode, “ex officio”, desde já enfrentar o mérito.

Nesse sentido, argumentam Gilson Delgado e Patrícia Miranda Pizzol45:

“Há necessidade de pedido do recorrente para que o tribunal aprecie o mérito? Pensamos que não. Estando presentes os requisitos previstos no art. 515, § 3º, do CPC, o Tribunal tem competência para julgar a lide”.

Em sentido contrário, sustentando que há necessidade de requerimento do recorrentes para o Tribunal enfrentar o mérito argumentam Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro Cunha46:

“(...)Cabe ao apelante fixar a extensão do efeito devolutivo de sua apelação, diferentemente da profundidade que é estabelecida em lei. Em relação à apelação, a profundidade de seu efeito devolutivo é ampla, em virtude da regra contida nos §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC. Já a extensão é, repita-se, fixada pelo recorrente, nas razões de seu apelo. Então, o tribunal, concordando ser caso de análise do mérito, somente poderá dele conhecer, após dar provimento ao apelo na parte que impugna a sentença terminativa, na hipótese de o apelante requerê-lo expressamente em suas razões recursais. Em outras palavras, para que reste aplicada a regra do § 3º do art. 515 do CPC é preciso que o apelante, em suas razões recursais, requeria expressamente que o tribunal dê provimento ao seu apelo e, desde logo, aprecie o mérito o mérito da demanda. Caso o apelante requeria que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juízo de primeira instância para análise do mérito, por ignorância da nova regra ou por lhe ser mais conveniente, não poderá o tribunal, valendo-se do § 3º do art. 515 do CPC, adentrar no exame do mérito, sob pena de estar julgando extra ou ultra petita”.

Conclui-se, pelo exposto que para aplicabilidade do § 3º do artigo 515 do CPC, devem estar presentes os seguintes requisitos:

a)extinção do processo em primeiro grau sem resolução de mérito;c)matéria exclusivamente de direito ou se fática, não houver mais

necessidade de dilação probatória, vale dizer: se a causa já estiver madura para julgamento;

d)O Tribunal poderá “ex officio” enfrentar o mérito, desde que presentes as hipótese as alíneas a e b, acima mencionadas;

e) Interpretando-se sistematicamente os §§ 1º, 2º e 3º do CPC, em cotejo com os princípios constitucionais da duração razoável do processo, acesso à justiça e efetividade, o Tribunal pode, uma vez afastando a prescrição nuclear, ou a rejeição do vínculo de emprego, enfrentar as demais questões de mérito da causa, sem necessidade de baixar os autos à Vara de Origem.

O parágrafo 4º do artigo 515 do CPC e o Recurso Ordinário

Dipõe parágrafo 4º do artigo 515 do Código de Processo Civil com a redação dada pela Lei 11.276 de 7.02.06,

“A apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (...)parágrafo 4º. Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, 45 Op. cit. p.61.46 Op. cit. p. 88.

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intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.

O presente dispositivo possibilita que o Tribunal suspenda o julgamento do recurso de apelação, verificando a possibilidade de saneamento de nulidade do processo, suspender o julgamento do recurso e determinar a baixa do autos para o primeiro grau. Uma vez renovado o ato processual ou praticado o ato pelo Tribunal, este prosseguirá no julgamento do recurso.

Trata-se de uma extensão legal do efeito devolutivo do recurso no aspecto vertical, pois há autorização legal para o Tribunal, mesmo sem qualquer invocação no recurso pelo recorrente, determinar, de ofício, a renovação de atos processuais que contém algum vício.

É consenso na doutrina que as nulidades dos atos processuais podem ser absolutas, relativas, ou até mesmo o ato processual pode ser inexistente.

São nulos os atos processuais quando violem normas de ordem pública e interesse social. O ato nulo não está sujeito à preclusão e pode ser declarado de ofício pelo juiz. São relativas as nulidades quando não violem normas de ordem pública. Dependem da iniciativa da parte não podendo ser conhecidas de ofício. Os chamados atos inexistentes contêm um vício tão acentuado que não chegam a produzir efeitos. Entretanto, a doutrina tem dito que mesmo os atos inexistentes devem ter seus efeitos cassados por decisão judicial. Portanto, os atos inexistentes seguem o mesmo regime das nulidades absolutas47.

O eixo central da declaração das nulidades, tanto no Direito Processual Civil como no Processual do Trabalho, é a existência de prejuízo. Ou seja, se o ato processual embora defeituoso e contenha vícios, não causou prejuízos à uma das partes, não deve ser anulado48.

Voltando ao parágrafo 4º do artigo 515 do CPC, destaca-se que o referido dispositivo alude à nulidade sanável. Portanto, trata-se de nulidade relativa. E se a nulidade for absoluta, ela pode ser sanável?

Pode der discutível a aplicação do parágrafo 4º do artigo 515 do CPC quando a nulidade da sentença for absoluta, como por exemplo, se houve cerceamento de defesa a uma das partes, como por exemplo, o indeferimento de diligência probatória.

Acreditamos ser possível a aplicação do referido dispositivo em casos de nulidade absoluta, se for possível repetir o ato, sem demora significativa no processo, ausência de prejuízo às partes e efetividade do ato processual. O dispositivo não restringe a renovação ato por nulidade absoluta, apenas faz alusão à nulidade que possa ser sanada. . Desse modo, pensamos que, desde que se possa renovar o ato, sem prejuízos para os litigantes, o Tribunal deve aplicá-lo.

47 Nesse sentido Teresa Arruda Alvim Wambier: “cremos que se deve repetir em relação aos atos inexistentes o que foi dito com respeito aos atos nulos: há necessidade, em princípio, de pronunciamento judicial, provocado por ação meramente declaratória, para que tal ‘vida artificial’, há pouco referida, tenha fim” ( Nulidades do Processo e da Sentença. 6ª ed., São Paulo, RT, 2007, p. 157).48 Como destaca Carlos Henrique Bezerra Leite: “o princípio do prejuízo, também chamado de princípio da transcendência, está intimamente ligado ao princípio da instrumentalidade das formas. Significa que não haverá nulidade sem prejuízo manifesto às partes interessadas. O princípio do prejuízo é inspirado no sistema francês (pás de nullité san grief)” (Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed., São Paulo, LTR, 2007, p. 359).

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Nesse sentido, ensina Nélson Nery Júnior49:“A distinção entre nulidade e anulabilidade é irrelevante no processo

civil, para determinar-se sua sanção, já que não se afigura correto afirmar-se que a nulidade absoluta é insanável. Tanto as nulidades absolutas quanto as anulabilidades são passíveis de sanação pela incidência do princípio da instrumentalidade das formas”50.

Assim, por exemplo, se não houve perícia em caso de adicionais de insalubridade e periculosidade, o Tribunal pode determinar a nulidade parcial da sentença, com relação ao pedido de adicionais de insalubridade ou periculosidade e determinar a realização da diligência. Após a perícia, o julgamento de primeiro grau será complementado. Intimadas as partes, o Tribunal prossegue o julgamento51.

Embora o parágrafo 4º do artigo 515 do CPC se referia à competência do Tribunal para decretar a renovação do ato processual, acreditamos que esta tarefa pode ser delegada ao relator da apelação, em decisão fundamentada, passível de interposição de agravo para a turma52, determinar, diante a existência de nulidade sanável, o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição para renovação da diligência53.

O Tribunal pode determinar a renovação de atos processuais nulos ou anuláveis ex officio, vale dizer: não há necessidade de provocação da parte. Embora o parágrafo 4º do artigo 515 do CPC seja facultativo, acreditamos que, se o ato nulo ou anulável puder ser renovado, o Tribunal deverá aplicar o referido dispositivo em razão dos princípios constitucionais do processo que pertinem à celeridade e à efetividade do processo.

Sob outro enfoque, hipóteses há que nulidade do ato processual não pode ser sanada, como por exemplos: nulidade da citação, inépcia da inicial, por conter os vícios elencados no parágrafo único do artigo 295 do CPC, falta de uma das condições da ação, como ilegitimidade das partes, ou falta de interesse processual, etc.

Deve-se destacar que o parágrafo 4º do artigo 515 do CPC somente se aplica à apelação no Processo Civil, não podendo tal providência ser levada a efeito nos recurso especial e extraordinário, em razão da necessidade do

49 NERY JÚNIOR, Nélson et al. Código de Processo Civil Comentado. 7a ed., São Paulo, RT, 2007, p. 618).50 No mesmo sentido ensina Teresa Arruda Alvim Wambier: “(...)observamos que um dos princípios que regem o sistema de nulidades processuais, referido no art. 249 e em outros dispositivos do CPC, é o de que, no processo civil – à diferença do que ocorre no direito civil, tanto as nulidades quando as anulabilidades se sanam. No processo a propósito, sana-se até mesmo a inexistência jurídica (v. por exemplo, o artigo 37, parágrafo único, do CPC)”(Op. cit. p. 255).51 Teresa Arruda Alvim Wambier pensa não ser aplicado o parágrafo 4º do artigo 515 do CPC quando houve julgamento antecipado da lei, sem a produção de provas. Neste caso afirma que todos os atos processuais são nulos a partir do indeferimento de provas e o juiz terá além de determinar a produção de provas, prolatar outras sentença (Op. cit. p. 257).52 Aplicar-se-ia à hipótese o parágrafo 1º do artigo 557 do CPC.53 No mesmo sentido se proncuncia Luciano Athayde Chaves: “(...)Apesar de a inovação normativa aludir que compete ao tribunal determinar o saneamento do feito, deveria ser compreendida dentre as atribuições do relator tal providência, o que potencializaria a economia de tempo e agilização no atendimento do comando legal, máxime quando observamos a tendência de recrudescimento dos poderes da relatoria nos tribunais, de modo a também reservar aos órgãos colegiados as deliberações mais relevantes (A recente Reforma no Processo Comum: Reflexos no Direitos Judiciário do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 108).

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prequestionamento54 que é um requisito especial de admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária55. Além disso, o dispositivo se refere especificamente à apelação e não aos demais recursos56.

O presente artigo se encaixa perfeitamente ao Processo do Trabalho, que prima pela rapidez e pela efetividade processual57. Além disso, o procedimento trabalhista está balizado pela simplicidade e muitas vezes pela informalidade. Como a CLT não prevê a hipótese, o parágrafo 4º do artigo 515, do CPC, por força do artigo 769, da CLT resta aplicável integralmente ao Direito Processual do Trabalho. Desse modo, o Tribunal Regional do Trabalho, ao julgar o Recurso Ordinário58., verificando a possibilidade de existência de nulidade sanável, pode determinar a suspensão do processo e baixar os autos à Vara do Trabalho para saneamento do nulidade que entende existente. O dispositivo não se aplica ao Recurso de Revista, por falta de previsão legal. Além disso, tal recurso está balizado pelas matérias que foram prequestionadas, não podendo o Tribunal agir de ofício.

CONCLUSÕES

a)O princípio do Duplo Grau de Jurisdição não tem assento constitucional;

b)O Recurso Ordinário pode ser interposto por simples petição, não precisando o recorrente, no Recurso Ordinário, declinara as razões. Não obstante, se as razões forem declinadas e também as matérias, o Tribunal Regional do Trabalho ficará vinculado à matéria impugnada;

c) Embora não tenha sido idealizado para o Processo do Trabalho, pensamos que o § 1º do artigo 518 do Código de Processo Civil se aplica ao Recurso Ordinário trabalhista, pois a CLT é omissa a respeito e há compatibilidade com os princípios que regem o Processo do Trabalho, máxime os da celeridade e efetividade;

d)Como a CLT é omissa quanto à extensão e profundidade do efeito devolutivo no Recurso Ordinário (artigo 895, da CLT), restam aplicáveis, por força do artigo 769, da CLT), o “caput” e os § § 1º, 2º e 3º , do CPC;

e) Para aplicabilidade do § 3º do artigo 515 do CPC, devem estar presentes os seguintes requisitos: 1)extinção do processo em primeiro grau

54 Vide a propósito as Súmulas 282 e 356 ambas do E. STF.55 No Processo do Trabalho, pelos mesmos motivos, não cabe a invocação deste dispositivo no Recurso de Revista (artigo 896 da CLT).56Nesse sentido se pronunciam Cláudio Armando Couce de Menezes e Eduardo Maia Tenório da Cunha: não terá lugar a aplicação do parágrafo 4º do CPC nas instâncias extraordinárias. Com efeito, como o próprio preceito registra, é na apelação o campo de sua aplicabilidade (A Nova Reforma do CPC e sua Aplicação no Âmbito da Justiça do Trabalho. In: Revista LTr 70-09-1052). 57 Como destaca Estevão Mallet: “A regra do artigo 515, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, constitui desdobramento do princípio da instrumentalidade das formas e mesmo da economia processual. É perfeitamente compatível com o processo do trabalho, tendo em conta, inclusive, a previsão mais ampla do art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho (O Processo do Trabalho e as Recentes Modificações do Código de Processo Civil. In: Revista LTr 70-06/763). 58 No Processo do Trabalho o parágrafo 4º do artigo 515 do CPC se aplica ao Recurso Ordinário (artigo 895, da CLT), que equivale à Apelação no Processo Civil.

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sem resolução de mérito; 2))matéria exclusivamente de direito ou se fática, não houver mais necessidade de dilação probatória, vale dizer: se a causa já estiver madura para julgamento; 3)O Tribunal poderá “ex officio” enfrentar o mérito, desde que presentes as hipótese as alíneas a e b, acima mencionadas; 4)Interpretando-se sistematicamente os §§ 1º, 2º e 3º do CPC, em cotejo com os princípios constitucionais da duração razoável do processo, acesso à justiça e efetividade, o Tribunal pode, uma vez afastando a prescrição nuclear, ou a rejeição do vínculo de emprego, enfrentar as demais questões de mérito da causa, sem necessidade de baixar os autos à Vara de Origem;

f)De todas as alterações que sofreu o Código de Processo Civil, a do parágrafo 4º do artigo 515 do CPC, pela Lei 11276/2006, é das mais saudáveis, por estar baseada nos princípios da instrumentalidade das formas, do aproveitamento dos atos processuais, da celeridade e efetividade processual. Além disso, atende ao comando do próprio artigo 5º, da Constituição Federal que prevê como princípio fundamental a duração razoável do processo. O disposto no parágrafo 4º do artigo 515 do CPC se encaixa perfeitamente ao Processo do Trabalho que prima pela rapidez e pela efetividade processual. Além disso, o procedimento trabalhista está balizado pela simplicidade e muitas vezes pela informalidade. Como a CLT não prevê a hipótese, o parágrafo 4º do artigo 515, do CPC, por força do artigo 769, da CLT resta aplicável integralmente ao Direito Processual do Trabalho no Recurso Ordinário (artigo 895 da CLT).

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