monografia a eterna busca do ideal em florbela espanca

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FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva Matrícula: 201010390 A eterna busca do Ideal em Florbela Espanca Rio de Janeiro 2012 / 5° semestre

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Page 1: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN

Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva

Matrícula: 201010390

A eterna busca do Ideal em Florbela Espanca

Rio de Janeiro

2012 / 5° semestre

Page 2: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva

Matrícula: 201010390

A eterna busca do Ideal em Florbela Espanca

Trabalho apresentado ao Professor José Augusto Brasil como requisito parcial

para a aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso

Rio de Janeiro

2012 / 5° semestre

Page 3: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Primeiro a Deus porque sem ele nada disto seria possível.

Aos meus pais pela batalha incansável, responsáveis por tudo que tenho e tudo o que sou, verdadeiro sustento para o meu corpo e meu espírito.

Page 4: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

AGRADECIMENTOS

Ao querido mestre e orientador José Augusto Brasil pela paciência, compreensão, carinho e amizade dispensados por todo o percurso acadêmico.

Ao grande mestre Florêncio Pinto da Rosa por ter sido mais que um professor

tornando-se um verdadeiro pai, amigo leal em todos os momentos.

Page 5: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................01 1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL

1.1 O idealismo e os poetas.........................................................03 1.2 O ideal em Florbela Espanca.................................................04

2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO

“O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.”

2.1 Breve biografia.......................................................................08 2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da

sociedade portuguesa............................................................11

3. O IDEAL NA ESCRITA “ Sonho que um verso meu tem claridade para encher todo o mundo!”

3.1 Traços estéticos e influências..............................................14 3.2 Florbela poetisa......................................................................17

4. A BUSCA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL “Eu quero amar, amar pedidamente”

4.1 A importância dos homens na vida de Florbela.................20 4.2 Amor fonte de prazer e de dor .............................................25

5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL

“Acordo do meu sonho e não sou nada”

5.1 Florbela acorda do sonho.....................................................28 CONCLUSÃO................................................................................31

Page 6: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

INTRODUÇÃO

Evoco e lembro a linda labareda A Florbela sem par

Que só depois de morta e entre ranger de dentes Foi coroada rainha

(MATIAS, 1998, P.232)

Florbela Espanca é uma das personalidades poéticas mais importantes

e fascinantes de todos os tempos da Literatura Portuguesa. Poetisa da virada

do século XX viveu numa das épocas de maior efervescência cultural: O

Período Modernista. Contudo foi dona de uma singularidade a toda prova

escapando das influências do contexto.

É dona de uma obra profundamente individualista inteiramente marcada

por suas experiências pessoais. Surge desta forma, totalmente desvinculada

de preocupações de cunho social ou humanitário. O eu sobressai de forma

soberana na construção de uma poesia viva e bastante peculiar.

Foi refém de sua própria inquietação constante. Seus pensamentos

arrebatadores, sua alma audaciosa e sedutora, eclodiram em versos

confessionais impregnados do mais puro sentimento de mulher idealizadora.

Revelou os mais íntimos segredos do eu lírico feminino na poesia portuguesa.

Presenciamos ao estudar sua obra uma enorme presença de espírito e

uma poesia de rara beleza que em nada é vulgar ou comum. Foi a

perseguidora do ideal acima de todas as coisas. Nada nunca lhe bastou ou

satisfez. Ela própria não cabia em si, transbordava.

Page 7: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

E a imensidão que buscava, a insaciabilidade que lhe tomava não

poderia prender-se, tinha de ser continuamente buscada e assim foi.

O presente trabalho vem abordar os processos de conflitos,

inadequações, anseios, insatisfações e buscas incessantes devido as

idealizações de Florbela Espanca em sua vida e obra. Para o nosso trabalho

utilizaremos de sua fortuna crítica disponível e quatro de seus livros de

sonetos: Reliquiae, Livro de Mágoas, Charneca em flor e Livro de Sóror

Saudade.

Dividimos a busca do ideal em Florbela da seguinte forma: a primeira

abordará a própria questão do ideal sendo feitas algumas considerações sobre

o assunto. A segunda tratará da vida pessoal da escritora. A terceira nos levará

a perseguição do ideal na vida literária, e a quarta a mais dolorosa e intensa, a

da busca do ideal que se deu em sua vida amorosa. Finalizaremos num quinto

capitulo que abordará a questão da perda do ideal após esses processos

anteriores onde teremos a nossa conclusão do assunto estudado.

Através de seus versos e de suas citações viajaremos e nos

entregaremos a um palco de intensos sentimentos e emoções que só poucos

são capazes de experimentar nos dias atuais. Sairemos do senso comum e

penetraremos numa dimensão nova para navegar neste espírito insaciável

repleto de sonhos e sensações que viveu numa avidez desenfreada a fim de

encontrar a sua felicidade.

Page 8: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL

1.1 O idealismo e os poetas

“Recebi o batismo dos poetas/ E assentado sobre as formas incompletas/ Para sempre fiquei pálido e triste.”

Assim diziam os últimos versos do soneto Tormento do Ideal do poeta

Antero de Quental patrício de Florbela Espanca e uma de suas maiores

influências literárias. Divagava este a respeito da dor causada pela aspiração

ou inspiração de um ideal em contraste com o mundo em que vivia.

Antero nos fala da beleza que não morre: “Conheci a Beleza que não

morre” remetendo ao conceito filosófico da palavra beleza, exprimindo assim

que obteve contato com uma beleza que transcende o físico e o palpável. Esta

seria a perfeição, o mundo imutável não mais sujeito as vicissitudes, as

mudanças e nem as desintegrações de todas as coisas através dos tempos.

Afirma que ficou triste por conhecê-la porque agora a compara as

belezas efêmeras do mundo que habita que com o tempo perdem a cor e não

possuem correspondência com o ideal. Daí a agonia existencial do poeta que

se frustra por encontrar a sua volta somente cópias imperfeitas, reflexos

ilusórios, verdadeiras sombras daquilo a que teve acesso em seu íntimo.

Tocado por essa revelação tornou-se angustiado pelo desejo de possuir

a perfeição que vislumbrou. Sua alma sensível e sedenta da plenitude conclui

Page 9: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

que sempre será triste, apático, porque possui dentro de si o quimérico, mas

não consegue alcançá-lo e muito menos despertá-lo na alma das outras

pessoas. Desesperado quer demonstrar e descrever o que sente, mas no

fundo se julga incapaz de conseguir.

Nesse contexto o que dizer de todos os poetas, não seriam estes assim

como Antero, almas capazes de enxergar além das sombras, das “formas

incompletas” entrando em contato com o que consideram ser o perfeito e o

ideal?

Não seria este o principal motivo da agonia existencial que levou a

maioria ao desespero, a insatisfação, a tristeza e a uma busca desenfreada,

porém uma busca em vão perante uma realidade que no fundo sentiam que

não era deles? Seria este o verdadeiro batismo dos poetas, ver além e aquém

e sofrer por não poder viver nessa outra realidade? São estes os

questionamentos que nos faremos agora.

1. 2 O ideal em Florbela

Florbela Espanca assim como seus irmãos na dor sofreu por toda a vida

a aflição inerente a essa busca pela qual as almas mais sensíveis passam. Ela

própria nos diz sobre isto em correspondência:

Page 10: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Às vezes sinto em mim uma elevação de alma, o voo

translúcido duma emoção em que pressinto um pouco do

segredo da suprema e eterna beleza; esqueço a minha

miserável condição humana, e sinto-me nobre e grande como

um morto. (Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p.14)

A sede de infinito em Florbela era algo constante. Refletindo esta

agonia de encontrar seu lugar refere-se constantemente a outros planos,

ambientes ideias, outras vidas, tempos ditosos em que possuía uma existência

tranquila e venturosa. Desprendendo sua alma, alcança visões extraordinárias

de seu íntimo - “Se me ponho a cismar em outras eras/ Em que ri e cantei, em

que era querida,/ Parece-me que foi noutras esferas, / Parece-me que foi numa

outra vida... ” ( Lágrimas ocultas, Livro de mágoas).

Florbela é a “filha das regiões imaginárias”, esta além deste mundo, não

pertence a esse lugar. O seu olhar carrega visões fantásticas a que somente

ela tem acesso e vislumbra. Esta sempre a sonhar, imaginar, a sair de um

plano consciente ao encontro de algo maior, numa espécie de êxtase - “Trago

no olhar visões extraordinárias/ De coisas que abracei de olhos fechados…’’

(Pobrezinha, Reliquiae).

É uma “pária”, uma excluída, exilada de seu verdadeiro mundo e

deserdada como os astros que estão a pairar no infinito – “Em mim não trago

nada, como os párias…/ Só tenho os astros, como os deserdados…”

(Pobrezinha Reliquiae).

Page 11: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

A dúvida constantemente assombra seu ser, pois não tem a certeza

plena se o que sente é real ou imaginário, permanecendo entre a mentira e a

verdade numa inquietude que gera um verdadeiro tormento - “Não sei se esta

quimera que me assombra,/ É feita de mentira ou de verdade!”. (Nostalgia,

Livro de Mágoas).

Não sabe se estas sensações são fruto da saudade ou de um querer

utópico. É a herdeira de um reino quimérico. Deseja voltar e reencontrar tudo o

que viu, mas não sabe como chegou aqui, nem como retornar para lá. Diz-se

uma sombra numa repetida demonstração de ideias vagas onde o real e o

irreal se misturam e onde nunca existirá definição completa - “Quero voltar!

Não sei por onde vim... / Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra / Por

entre tanta sombra igual a mim! “ (Nostalgia, Livro de Mágoas)

Percebemos uma entrega constante ao vago e ao indefinido. Florbela

esta sempre dividida entre a realidade e sonho. A sua alma se revela sedenta

por esses lugares ideais de felicidade plena que ela assegura conhecer. A sua

real libertação se da através de um plano abstrato:

(...) há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante

que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma

pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa,

violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde

está, que tem saudade… sei lá de quê! (Citações e pensamentos

de Florbela Espanca, p.14)

Page 12: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Florbela vive algo maior, não pode habitar um só corpo, uma só alma, a

limitação fere sua essência. Esta constante exaltação é a vontade de libertar-se

das cadeias estreitas em que julga viver. Vive numa intensa catalisação de

emoções que transbordam continuamente. Habita o fantástico, estende sua

consciência a tal ponto que sente penetrar outros patamares. Pressente estes

lugares perfeitos, mas não pode habitá-los completamente, pois esta presa às

amarras desse mundo. Tem uma saudade e um vazio constante.

No fundo não compreende e não suporta o mundo que em que vive por

este não corresponder aos seus desejos e as suas aspirações grandiosas.

Quanto maiores as imperfeições deste mundo, quanto maior entendimento

destas em contrapartida nascia maiores ideais para ela - “Só é grande e

perfeito o que nos vem/ Do que em nós é Divino e imortal!/ Cega de luz e tonta

de ideal/ Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!" (O que alguém disse,

Livro de Sóror Saudade)

Foi com perfeição que descreveu a si própria em correspondência do

ano de 1920:

Dizes contentar-te com pouco; é essa, na realidade, a

suprema sabedoria, mas eu fui sempre a grande revoltada e a

grande ambiciosa que só quer a felicidade quando ela seja

como um turbilhão que dê vertigem e que deslumbre!”(Citações

e pensamentos de Florbela Espanca, p.22)

Page 13: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO

“O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.”

2.1 Breve biografia

Florbela Espanca desde seu nascimento já dava mostras que vinha ao

mundo repleta de singularidades. Nasce a oito de dezembro de 1894, em Vila

Viçosa, Portugal, na alta madrugada do dia de Nossa senhora da Conceição

padroeira do país. Dizem à mãe que a menina é uma flor e esta responde que

assim se chamará Flor Bela.

Tudo parece normal até descobrirmos o fato de que Florbela não fora

gerada de forma comum. Seu pai João Maria Espanca era casado com a jovem

Mariana Inglesa, porém esta era infértil. Valendo-se de sua sagacidade natural

convence a esposa a aceitar a antiga prática medieval de conceber com uma

mulher humilde o filho que deseja para depois trazê-lo para casa e cria-lo.

Mariana aceita a proposta do marido que escolhe a formosa e humilde Antónia

Lobo uma das moças mais cortejadas da vila. Logo a engravida.

Apesar de tudo ocorrer conforme o planejado João Maria Espanca

curiosamente não registra a filha permitindo que esta seja batizada como

Florbela Lobo filha de pai incógnito, coisa que possivelmente possa ter

contribuído para os problemas psicológicos e psíquicos da menina no futuro.

Page 14: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Florbela vai viver na casa do pai sendo criada por ele e Mariana, que

além de madrasta é também madrinha, numa existência sem preocupações

repleta de zelos e mimos.

No ano de 1897, João Maria tem outro filho com Antónia o qual dá o

nome de Apeles. Mais uma vez o processo se repete sendo o menino também

registrado como filho de pai incógnito.

Desde cedo Florbela mostra-se sensível e diferente. Voltada para o

anímico sustenta sentimentos incomuns ao mundo infantil. Exibe uma

permanente amargura e uma intrínseca necessidade de escrever. Queixa-se

ao pai dizendo que as coisas do mundo a ferem e entristecem. Refugia-se na

natureza, na sua charneca alentejana.

Aos oito anos dando mostras de sua precocidade artística escreve o seu

primeiro poema: “A vida e a morte” que data do dia 11 de novembro de 1903.

No dia seguinte, escreve seu primeiro soneto ainda sem titulo que começa com

a frase: ”A bondade o som de Deus”, não nos deixando pistas de com quem

teria aprendido essa forma estética.

Por vontade do pai, homem de espírito avançado, frequenta desde cedo

a escola primária coisa bastante incomum as meninas da época em Portugal.

Assim que começa a escrever passa a assinar Florbela d’Alma da Conceição

Espanca abandonando por completo o sobrenome da mãe biológica.

Page 15: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Continua seus estudos no Liceu de Évora o que não agrada nem mesmo

aos professores do local devido ao acesso da mulher no ensino secundário ser

mal visto na época. Não é uma aluna brilhante, mas em contrapartida, uma

grande devoradora de obras literárias.

Cedo começa também a dar pistas da doença que a atormentaria para o

resto da vida: a neurastenia. Com idade de 11 anos sofre de fadiga e dores de

cabeça constantes o que atrapalhava seus estudos. Aos 13 anos fica órfã da

mãe biológica que morre aos 29 anos vítima de neurose. Aos 14 começa a

apresentar a doença dos pulmões da qual jamais se verá curada.

Apesar da saúde frágil segue seu caminho e é no colégio que conhece o

primeiro marido, Alberto Moutinho, casando-se com a permissão do pai aos 19

anos de idade. O casamento com Moutinho dura poucos anos.

. Casa-se novamente em 1921 com o oficial António Guimarães. Este

casamento se consome ainda mais rápido que o primeiro. O pai e o irmão

cortam relações com Florbela nesta época por considerar seu comportamento

inadequado o que a entristece em profundo.

Ainda casa-se uma terceira vez com seu próprio médico o doutor Mario

Lage, no ano de 1925, retomando assim a relação com a família, mas este

casamento também estará fadado ao insucesso.

Page 16: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Por todo esse tempo não deixou de estudar e manteve uma intensa

atividade literária. Não só escreveu livros, mas também colaborou em revistas,

escreveu artigos, fez diversas traduções e ainda lecionou em casa. Quando

entrou para o curso superior escolheu a cadeira do Direito contrariando o que

todos deduziam que ela fosse seguir: a de Letras.

Por todos os anos de sua vida manteve com o irmão Apeles uma relação

estreita e muito íntima. A morte prematura de Apeles aos 30 anos de idade foi

o principal choque de sua vida e o que precipitou a sua própria morte.

Debilitada, doente, fumando compulsivamente e dependente de

remédios para dormir, Florbela é encontrada morta no dia 8 de dezembro de

1930 junto a frascos de Veronal, um poderoso barbitúrico. Neste dia

completaria 36 anos de idade. Devido às condições em que seu deu sua morte

até hoje é questionada e discutida.

2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da sociedade

Portuguesa

Desde pequena Florbela demonstrou um comportamento de altivez que

incomodou a muitos. Recusando-se ao recato e a clausura que a situação de

filha ilegítima exigia na época. Mostrou-se e ostentou principalmente em

vestimentas. Foi a principal modelo de fotografia do seu pai.

Page 17: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Buscou sempre por lugares altos, tinha a sede da conquista. Idealizando

a si própria, considerou-se por toda a vida um ser especial. Desejou outro

papel no mundo recusando o de mulher submissa que o salazarismo

estabelecia naquele tempo. Lutou por tudo o que quis.

Enxergou as outras mulheres como verdadeiros animais por sujeitarem-

se aos caprichos e regras de uma sociedade que considerava ultrapassada e

hipócrita. Em vida desprezou as duas mães por não entender suas fraquezas

de caráter e submissão. Ansiava a independência principalmente com relação

ao casamento. Considerou-se acima das outras mulheres por ser sensitiva.

Nasceu definitivamente fora do seu tempo. De temperamento singular

chocou a muitos. Embaixo da carapaça de altivez sentia-se incompreendida,

inquieta por habitar um mundo que não correspondia as suas altas aspirações,

um mundo no qual não se encaixava - “És ano que não tem primavera.../Ah!

Não seres como as outras raparigas/ ó Princesa Encantada da Quimera!...” (O

que tu és, Livro de Sóror Saudade)

. Sofreu toda uma crítica ferina sendo bastante estigmatizada até mesmo

por outras mulheres que a acusaram de ser somente um modelo de fotografia,

uma coquete frívola e alienada das causas sociais. Manteve-se

constantemente alheia desprezando aqueles que não acompanhavam a sua

grandeza de espírito.

Page 18: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Foi a princesa deslocada, a princesa de asas, que recebeu como

castigou a convivência entre uma plebe que a martirizou e desprezou - “O

mundo quer-me mal porque ninguém/ Tem asas como eu tenho! Porque

Deus/Me fez nascer Princesa entre plebeus/ Numa torre de orgulho e de

desdém ” (Versos de orgulho, Charneca em Flor).

O seu reino é nas alturas o seu olhar carrega as grandezas dos céus. É

uma exaltada, uma cultuadora de si própria – “Mais alto, sim! Mais alto! A

intangível/ Turris Ebúrnea erguida nos espaços,/A rutilante luz dum

impossível!’( Mais alto, Charneca em Flor).

O importante é obsevar que mesmo diante das críticas e barreiras

duma sociedade falocêntrica Florbela se manteve por longo tempo firme em

atitude e postura. Sua vida constituiu uma verdadeira reivindicação, um

verdadeiro clamor.

Apesar de todo amor que dispensou pelos outros, principalmente por

seus amores, é de longe é reconhecido que a maior preocupação de Florbela

foi com ela mesma. Quando apresentava suas crises e questionamentos, seu

narcisismo e altivez chamavam-na de volta e assim se mantinha forte: “A

gargalhada insultante deste mundo responde a infinita serenidade do que fica

para Além e que os olhos míopes não veem.” (Citações e pensamentos de

Florbela Espanca, p. 13).

Page 19: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

3. O IDEAL NA ESCRITA

“Sonho que um verso meu tem claridade para encher o mundo!”

3.1 Traços estéticos e influências

Florbela constitui até os dias de hoje tema de diversos debates quanto à

apresentação de traços estéticos predominantes em sua obra. A autores que a

consideram neo-romântica devido ao seu profundo individualismo e

subjetivismo, além de um pessimismo forte que a levaram ao desencanto pelo

amor e pela vida.

É também considerada romântica pela atitude de fuga e deslocamento

que sempre manifestou. Mostrou-se incompreendida e desprezada devido a

sua extremada sensibilidade. Revelou possuir a ideia de superioridade de

destino dos poetas românticos encontrando grandeza no sofrer e julgando-se

assim como eles, ser predestinada a uma sina grandiosa.

A opção pelo soneto decassílabo leva ao reconhecimento de traços de

outro tipo de escola literária: o Parnasianismo. Escolheu o soneto talvez por

pura inconsciência a princípio, porém elegeu-o como principal forma estética

manifestando dessa maneira ser também uma cultora da forma de nódoas

parnasianas. Recebeu influências desde o classicismo de Luís de Camões até

Antero de Quental, mostrando-se uma conservadora e herdando o melhor da

tradição poética portuguesa.

Page 20: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Muitos autores ainda atribuem à escrita de Florbela qualidades

decadentistas-simbolistas estabelecendo um laço de semelhanças com o

contemporâneo Mario de Sá Carneiro onde num lirismo exaltado proliferaram

os claustros, as quimeras, os castelos junto aos céus, as torres de marfins,

numa profusão de cores e elementos cambiantes e sinestésicos. Seus sonetos

constituem-se de uma abundância de sensações que se misturam. A

musicalidade também se encontra presente além de aspectos transcendentais

de evocação de sentimentos e emoções angustiantes predominando alusões.

Quanto a questão do Modernismo vê-se defendida a ideia de que a sua

posição de vanguardismo e de quebra de barreiras e convenções foram a sua

atitude modernista, características que sobressaíram somente na vida

particular. Pouco ou nada apresentou Florbela em sua escrita de elementos

estéticos que poderiam lembrar o grupo Orpheu ou ao Modernismo, período

literário vigente em sua época.

Os versos de Florbela Espanca foram riquíssimos em figuras de

linguagem onde eclodiram metáforas, antíteses, sinestesias e toda uma séria

de tropos que tornavam sua linguagem poética profundamente conotativa,

riquíssima em imagens e expressões. A pontuação excessiva foi outra

constante.

Apresentou dessa forma as mais variadas características e traços de

diversas escolas, principalmente as finisseculares, mas nada que seja definitivo

Page 21: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

para classificá-la potencialmente a alguma. Os gêneros literários se

interpenetram criando uma poesia individual e híbrida. Pertence à linhagem

conhecida como “Outros Poetas” ou também é chamada de poeta “Sui

generis”, por ser única em seu gênero.

Na sua busca pela beleza elegerá o decadentista António Nobre como

modelo de perfeição poética. Numa atitude oposta ao seu caráter egotista,

julgou-se muitas vezes incapaz de chegar à altura de seu poeta adorado. É

clara a retomada do neugarretismo de Nobre na poesia de Florbela Espanca

visto a grande quantidade de sonetos referentes à pátria e a cultura

portuguesa. Todo o seu Lusitanismo é exaltado principalmente nos sonetos

relativos às paisagens de seu amado Portugal:

O meu Alentejo

Meio-dia. O sol a prumo cai ardente, Dourando tudo…ondeiam nos trigais D´ouro fulvo, de leve…docemente…

As papoulas sangrentas, sensuais…

Andam asas no ar; e raparigas, Flores desabrochadas em canteiros,

Mostram por entre o ouro das espigas

Os perfis delicados e trigueiros…

Tudo é tranqüilo, e casto, e sonhador… Olhando esta paisagem que é uma tela

De Deus, eu penso então: onde há pintor,

Onde há artista de saber profundo, Que possa imaginar coisa mais bela,

Mais delicada e linda neste mundo?!

Page 22: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

3.2 Florbela Poetisa

Florbela artista é uma verdadeira derivação da Florbela mulher já que

toda sua obra surge em consequência de suas emoções. Assim como

apresentou uma postura de elevação na vida pessoal demonstrou também na

vida literária esta mesma agonia em alcançar seu lugar e ser reconhecida.

Sua ânsia beirou muitas vezes as raias da arrogância e do

egocentrismo exagerado. Considerou-se a “poetisa eleita” dona de inspiração e

versos perfeitos. Em seus delírios de grandeza parecia querer alcançar os

deuses – “Sonho que sou a poetisa eleita/ Aquela que diz tudo e tudo sabe/

Que tem a inspiração pura e perfeita/ Que reúne num verso a imensidade!”

(Vaidade, Livro de mágoas).

No fundo desejava a adoração, o aplauso, o reconhecimento como

artista mesmo mostrando-se muitas vezes desdenhosa e indiferente. Sempre

lutou ferinamente para ver seus livros publicados e ter seus versos

reconhecidos.

Adora a condição de poetisa considerando-se um ser a parte e

totalmente diferenciada graças ao seu dom. Faz da vocação mais um dos

motivos para sustentar a ideia de seu viver diferenciado.

Acreditava na superioridade de destino dos poetas “Ser poeta é ser mais

alto, é ser maior”. (Ser Poeta, Charneca em Flor). Para Florbela o poeta era

alguém inspirado, elevado, acima dos mortais.

Page 23: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

O poeta é aquele que aspira constantemente às belezas supremas e

ideias, mas não consegue alcançá-las – “É ter mil desejos de esplendor / E não

ter sequer o que se deseja.” (Ser Poeta, Charneca em Flor).

Em contradição ao que desejava e acreditava como artista teve em seus

versos alvo para as mais duras condenações daquela sociedade patriarcal.

Sua escrita foi muitas das vezes comparada a de poetisas de salão que

proliferavam no momento. Alguns de seus contemporâneos julgavam seus

versos patéticos, pobres e previsíveis em rimas, verdadeira ladainha de mulher

problemática e frutos da futilidade de um mundo burguês. Outros consideravam

um despautério pelas conotações sexuais, acusando-a de mulher sedutora e

demoníaca.

Seus versos sofriam todo o tipo de alteração quando publicados. Por

vezes perdiam-se até as rimas devido às tamanhas alterações sofridas o que

lhe provocava revolta e desgosto.

A dificuldade de enquadra-la potencialmente a certo tipo de cânone

estético também gerou um grave problema ao seu reconhecimento. É como se

sofresse de uma marginalidade por estar à parte.

Aliado a tudo isto a figura de mito criada em torno da poetisa gerou pós

e contras a sua própria obra. Sua personalidade incomum, e sua vida particular

tumultuada foram ao longo dos anos mais discutidas que sua própria escrita.

Page 24: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

Em vida Florbela só viu publicado dois dos seus livros: o Livro de

Mágoas em junho de 1919 e livro de Sóror Saudade em janeiro de 1923. O

restante de sua obra foi reunida em coletâneas entregues ao professor e

grande amigo particular Guido Batelli que as publicou postumamente. Ainda

escreveu contos, uma enorme quantidade de epístolas e um diário o Diário do

Último ano.

Decerto o que se pode ter ao estudar Florbela é a convicção de que ao

contrário do que os detratores daquela sociedade profanaram sua poesia não é

em nada simplória ou imoral. Seus versos constituíram um verdadeiro diário

íntimo de uma mulher que ora mostrava-se sensível e doce, ora ousada e

impetuosa.

Vestiu-se e metaforseou-se de forma teatral como Princesa, Sóror,

Monja, Maria das Quimeras dissimulando sua verdadeira condição na

sociedade e mergulhando em sua escrita.

Apesar de todo furor que Florbela ocasiona até os dias de hoje, é

preciso atentar para o fato de que ela não foi a primeira voz lírica feminina a

chamar a atenção em Portugal. Desde Sóror Mariana Alcoforado a poetisas

como Virginia Victorino, muitas vozes ecoaram, contudo nenhuma que

causasse tamanho impacto como a da poetisa Florbela Espanca. Constitui um

caso de poeta lírico acabado por não apresentar fingimento no seu sentir já que

toda sua obra foi fruto de sua verdadeira emoção.

Page 25: Monografia A eterna busca do Ideal em Florbela espanca

4. A PROCURA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL EM FLORBELA

“Eu quero amar, amar pedidamente”

4.1 A importância dos homens na vida de Florbela Estudando a fundo sua vida presenciamos uma forte influência dos

homens a começar pelos de sua família. Encontramos uma semelhança

incrível de temperamento entre Florbela e seu pai João Maria Espanca. Este

parece ter influenciado de forma profunda a personalidade da filha.

João teve um comportamento Don Juanesco, um caráter pioneiro e uma

atitude de quebra de regras. Num Portugal monárquico, era republicano e por

isso perseguido. Viajou pelo mundo em busca de diversas aventuras. Era

empreendedor e autodidata homem totalmente despido de preconceitos.

Viveu suas paixões sem se importar com o que diziam. Ainda casado

manteve duas relações de concubinato. Divorciou-se numa época em que o

divórcio era raro e completamente mal visto casando-se novamente.

Tudo isto nos leva a crer que Florbela em muito reproduziu o

comportamento do pai. É também sabida a adoração desmedida que ela

possuiu por este homem perdoando todos os seus deslizes e defendendo seu

comportamento ferozmente.

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Da família surge também o maior de seus sentimentos: o amor por

Apeles Espanca seu irmão. Apeles sempre foi a pessoa mais próxima de Flor,

seu maior confidente e amigo. Numa extrema cumplicidade confessou-lhe

todas as suas amarguras.

A relação era tão forte que chegou a gerar boatos de incesto, mas nada

que foi comprovado até os dias de hoje. Apeles era na verdade aquele com

quem mais se afinava intelectualmente. Era quem lhe dava forças para

continuar toda vez que se questionava ou vacilava.

Florbela vivia em carinhos e cuidados extremados pelo irmão, agia

como uma mãe protegendo seu bem mais precioso - “Tua irmã...teu amor...e

tua amiga/E também toda em flor, a tua filha,/Minha roseira brava que é só

minha!” (Roseira brava, Reliquiae)

A angústia toma conta quando Apeles resolve tirar o curso de aviador.

Era como se já pressentisse a desgraça que se abateria em breve sobre os

Espancas. Em 6 de Junho de 1927 morre Apeles aos 30 anos de idade vítima

da queda do hidroavião que pilotava no rio Tejo. Florbela desespera-se: “(...)

Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da minha alma. (...) É uma

sombra de luto que nunca poderá deixar-nos.’’ (Acerca de Florbela, p.66)

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Dilacerada em sua dor veste-se de luto até o fim dos seus dias. Essa é

uma perda da qual jamais se verá curada. Dedica o livro de contos Máscaras

do Destino ao irmão: “Ao meu irmão, ao meu querido morto”.

Na história de Florbela é mais do que necessário dar também destaque

aos homens por quem foi apaixonada. Deve-se muito a eles na produção de

seus mais belos versos.

Ainda jovem sente a fagulha da paixão. O escolhido é Manuel Maria

Matroco jovem que sempre a acompanhava a Biblioteca Pública de Évora -

“Amei um dia... um dia... eu já nem sei!. (...) Há quanto tempo foi que assim

amei... E esse amor foi rir!... Tinha talvez quinze anos, quinze apenas” (Acerca

de Florbela, p. 33)

Já no ano seguinte surge com uma nova paixão que assume

oficialmente. O escolhido é Alberto Moutinho com que já se relacionava ás

escondidas. Ainda no mesmo ano envolve-se com outro rapaz a quem dá nas

cartas o nome de “José”, rompendo com Moutinho por esse motivo.

Apaixonada por José troca correspondência quase que diariamente, mas

a paixão logo se consome, o que a deixa transtornada. Confessa nunca se

refazer dessa perda: “Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e, como

todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos, despedaçou-se o meu

para sempre.” (Acerca de Florbela pag.36).

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Alberto Moutinho a quer de volta e Florbela aceita. Pede ao pai para se

casar o mais rápido possível. O pai a emancipa casando-se assim em

dezembro de 1913 no dia do seu aniversário de 19 anos.

É durante esse casamento que vive o período mais intenso de produção

literária - “É só teu o meu livro; guarda-o bem/ Nele floresce o nosso casto

amor/ Nascido nesse dia em que o destino/ Uniu o teu olhar á minha dor!”

(Acerca de Florbela pág. 38)

A distância da família, as dificuldades econômicas entre outros

problemas desgastam a relação. Engravida de Moutinho, mas sofre um aborto

espontâneo o que precipita o fim da relação. Desentendendo-se com o marido,

abandona a casa e vai para Lisboa matricular-se na faculdade de Direito.

Em 1920 arrebenta um novo amor. Numa festa conhece o oficial

Antonio Guimarães por quem se apaixona perdidamente. Vai morar com este

estando ainda casada com Alberto que quando descobre fica irado e pede

divórcio imediato.

A cumplicidade sexual nesse casamento parece extrema. Florbela esta

em êxtase e volta-se novamente para a poesia – “Minh’ alma de sonhar-te,

anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver/ Não é sequer a razão do

meu viver/ Pois que tu és já toda minha vida!” (Fanatismo, livro de Sóror

saudade).

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Declara-se constantemente ao novo amor, mas António jamais

compreenderá a alma sensível da mulher devido a educação militar e machista

Com o tempo passa a surrar e humilhar a esposa. Em 1922 arrebenta um

escândalo entre António e o médico Mário Lage por ciúmes de Florbela.

Florbela engravida novamente, mas acaba sofrendo seu segundo aborto

o que debilita ainda mais sua saúde fragilizada. Sai de casa para se tratar. É o

fim do segundo casamento.

Fraca, deprimida e cada vez mais doente encontra consolo nos braços

do amigo e médico Mario Lage. Logo se apaixona. António entra com a ação

de divórcio acusando-a de abandono de lar.

Divorciada, casa-se com Mário contra a vontade da família do noivo em

outubro de 1925. Parece reencontrar o sossego nessa relação a princípio, mas

o relacionamento se degrada rapidamente. Descobre verdades sobre o marido

o que abala ainda mais sua saúde que já se encontra num estado deplorável.

Ainda insiste na sua busca apaixonando-se pelo pianista Luis Maria

Cabral, mas não é correspondida desistindo finalmente - “É vão o amor, o ódio,

ou o desdém/ Inútil o desejo e o sentimento.../ Lançar um grande amor aos pés

d’alguém/ O mesmo que lançar flores ao vento!” (A vida, Livro se Sóror

Saudade).

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4.2 Amor fonte de prazer e de dor

De todas as suas idealizações a do amor foi possivelmente a que

norteou toda sua breve existência. Viveu quase que exclusivamente dos seus

dramas amorosos. O amor foi sua maior fonte prazer e sua maior tragédia.

Foi ordenada pelo destino a encontrar esse amor ideal e assim

obedeceu. Amar e sentir-se amada tornou-se questão vital, saiu pela vida para

cumprir seu papel numa procura quase insana - “O meu Destino disse-me a

chorar:/ "Pela estrada da Vida vai andando,/ E, aos que vires passar,

interrogando/ Acerca do Amor, que hás-de encontrar." (Em busca do amor,

Livro de Mágoas).

Se estava em busca de um absoluto, esse provavelmente encontrava-se

no amor. Este era a força motriz de seu querer. Esperou o seu príncipe, o

homem ideal que a faria encontrar a plenitude que ansiava e corroia-lhe os

nervos – “Onde está ele o Desejado? O Infante?/ O que há de vir e amar-me

em doida ardência?/ O das horas de mágoa e penitência?/ O Príncipe

Encantado? O Eleito? O Amante?”(Sonho Vago, Charneca em Flor)

Desejava fundir-se no ser amado. Entrega seu corpo e sua alma num

espécie de prazer panteísta. Profundamente sedutora e voluptuosa deseja o

carpe diem erótico, clama ao ser amado essa entrega total – “Meu amor! Meu

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amante! Meu amigo!/ Colhe a hora que passa, hora divina,/ Bebe-a dentro de

mim, bebe-a comigo!/” (Passeio no campo, Charneca em Flor)

Usa de toda sua beleza e charme na conquista – “Foi dos meus olhos

garços que um pintor/ Tirou a luz para pintar o vento....” (Conto de fadas,

Charneca em Flor). Quer abandonar-se no ser amado, dar tudo a ele e coloca

suas pretensões no papel. Seus versos foram na certeza a sua arma de

sedução mais poderosa, onde prestou quase que uma vassalagem amorosa –

“Dou-te o que tenho: o astro que dormita,/ O manto dos crepúsculos da tarde,

O sol que é de oiro, a onda que palpita.” (Conto de fadas, Charneca em Flor).

Numa procura indefinida e desenfreada pelo objeto amoroso

decepciona-se constantemente. Este era sempre incompleto o que fazia com

que perdesse o interesse e sofresse sempre uma nova desilusão. Não se

conformando com as imperfeições humanas ansiava um deus, alguém acima

do real. Nenhum homem estaria à altura do que desejava – “O amor dum

homem terra tão pisada,/ Gota de chuva ao vento baloiçada.../ Um homem?-

Quando eu sonho o amor dum Deus!” (Ambiciosa, Charneca em Flor)

Insaciável e incrivelmente donjuanesca perde-se nos excessos que a

levaram a uma verdadeira obsessão amorosa. Procurou nos relacionamentos

frustrados a satisfação que nunca conheceu dedicando-se a homens que

jamais compreenderam seu espírito. Amou-os e desprezou-os na mesma

intensidade.

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Apesar de questionar constantemente o casamento e muitas das vezes

tachá-lo como uma prisão e uma violência contra mulher, é preciso lembrar que

se casou por três vezes, talvez querendo provar a si mesma o contrário do que

dizia. No fundo parecia necessitar ter uma família, uma vida normal, um lar

onde pudesse encontrar seu sossego e sua plenitude - “Onde está ela, Amor, a

nossa casa,/ O bem que neste mundo mais invejo?/ O brando ninho aonde o

nosso beijo/ Será mais puro e doce que uma asa?” ( A Nossa Casa, Charneca

em Flor)

Mas o destino de Florbela estava traçado. Sua alma exigente não

encontra quem corresponda as suas altas idealizações amorosas. Dedicou

toda a vida a paixões arrebatadoras e ao esquecimento das mesmas – “Passei

a vida a amar e a esquecer…/ Um sol a apagar-se e outro a acender/ Nas

brumas dos atalhos por onde ando…” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade)

Desfazendo-se continuamente seus amores, Florbela se desintegra,

perde o chão, o viço, a vontade de viver. Vira uma flor infelicitada e sem

identidade. Por fim desiste dessa busca a fim de evitar perdas ainda maiores.

Deprimida e desiludida Florbela finalmente desiste do sonho e da embriaguez

do amor –“Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!/ Sonhos que logo são

realidades/ Que nos deixam a alma como morta!” (Pra que?!, Livro de Mágoas).

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5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL

“Acordo do meu sonho e não sou nada”

5.1 Florbela acorda do sonho

Ao longo dos anos Florbela sofrera uma série de revezes que a

abateram em profundo. A princípio egocêntrica e altiva, tornar-se com o tempo

uma mulher tristonha e abatida, isolada e ao mesmo tempo perseguida por

uma sociedade que não compreende o seu sofrimento. Sente-se como que

cumprindo uma pena por existir.

Vive a dolorosa frustração da maternidade por duas vezes deixando

marcas que jamais cicatrizam. O corpo frágil e debilitado por uma série de

enfermidades jamais conseguiria levar uma gravidez adiante.

Sofre a perda de Apeles, seu maior amor, ficando sem leme e sem

direção. Perde a sua muleta espiritual, aquele que a mantinha de pé em todos

os momentos. Depois da morte do irmão começam as tentativas de suicídio.

Tem a sua escrita ridicularizada e rejeitada por muitos críticos o que faz

com que comece a questionar e rever o seu próprio talento que tanto prezava.

Passa a sentir-se incapaz de encontrar o verso puro. Perde a vontade de

escrever para sempre.

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Congregado a tudo isto, jamais encontra o amor que tanto procurou

terminando seus infelizes dias no mais profundo vazio sentimental. Julga que

jamais tenha sido amada de verdade – “Procurei o amor que me mentiu/

Pedi à Vida mais do que ela dava./ Eterna sonhadora edificava/ Meu castelo de

luz que me caiu!” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade)

Perdendo seus ideais, é tomada de uma insatisfação geral. Já não pode

sustentar suas pretensões e ambições grandiosas – “Sou um verme que um

dia quis ser astro... / Uma estátua truncada de alabastro.../ Uma chaga

sangrenta do Senhor...” ( Minha culpa, Charneca em Flor).

A neurastenia com fortes doses de histerismo instala-se de vez nos

nervos fracos - “Sinto os passos de Dor, essa cadência/ Que é já tortura

infinda, que é demência!/ Que é já vontade doida de gritar!” ( Sem remédio ,

Livro de Mágoas)

A apendicite já impede sua alimentação e a doença dos pulmões a deixa

cada vez mais fraca. Vive a base de remédios para dormir, pois a insônia a

tortura constantemente. Passa a fumar compulsivamente. Florbela vegeta mais

do que vive.

Passa a escrever um diário onde desabafa suas amarguras. Quando

tudo lhe parece negado, passa a negar tudo ao mundo. Premedita seu fim

próximo:

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(...) Viverei um terço do que poderia viver porque todas as

pedras me ferem, todos os espinhos me laceram. D. Quixote

sem crenças nem ilusões, batalho constantemente por um ideal

que não existe; e esta constante exaltação, destrambelha-me

os nervos e mata-me. (Acerca de Florbela, p.77)

A insatisfação é geral. Cansada da má sorte deseja à morte, aquela

morte transfiguradora, a única capaz de dar-lhe o esperado alento. Dias antes

de morrer convida a amiga Aurora Jardim para um chá e mostra uma gaveta

onde diz estar o veneno que a fará adormecer para sempre. Há outras amigas

desabafa que dará um presente a si própria no dia do aniversário.

Parece cumprir o que dizia. Florbela é encontrada morta em oito de

dezembro de 1930, dia em que completaria 36 anos de idade. Os fracos de

remédios para dormir encontrados em seu quarto dão pistas de suicídio. Na

versão oficial Florbela morre de “edema pulmonar”.

Suicídio? Talvez. O que se pode ter em mente é que mesmo que o

tenha cometido foi por uma tentativa de antecipar o que logo iria ocorrer, basta

lembrar-se de todas as doenças, da impossibilidade de alimentação entre

tantos outros problemas que Florbela apresentava no fim dos seus dias. Era a

morte a sua real e total libertação para o que desejava – “Deixai entrar a Morte,

a Iluminada,/ A que vem pra mim, pra me levar/ Abri todas as portas par em

par/ Como asas a bater em revoada.” (Deixai entrar a Morte, Reliquiae). E

assim Florbela nos deixa.

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CONCLUSÃO

Tentamos ao longo deste trabalho mostrar Florbela Espanca de forma

imparcial desvendando a alma desta poetisa que antes de artista era um ser

humano repleto de defeitos e virtudes.

Foi realmente um ser superior, não por se considerar assim no seu

egotismo inato que a princípio possam dar a impressão de um caráter pedante

aos que poucos lhe conhecem, e sim por ser em verdade uma mulher única e

profundamente especial. Sempre teve uma forte consciência disto por toda vida

apesar do deterioramento que sofreu por sua breve existência.

Florbela assim como tantos outros poetas viveu a buscar e ambicionar

um ideal que pressentia. Exprimiu como ninguém essa procura, esse

interminável desejo e aflição provocados por toda a sorte de decepções e

desilusões à medida que o que parecia finalmente encontrado caía mais uma

vez por terra. Na certeza essa busca foi o que norteou sua vida. Quando perde

essa vontade perde a sede de viver.

Florbela buscou por toda a existência principalmente ao amor,

constituindo-se como seu principal ideal, fonte de vida e verdade, alimento e

chaga que a mantinha viva.

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Veio ao mundo com uma missão e um fardo, e com a disposição para

vivê-los de forma intensa jogando-se sem amarras e como desbravadora

conquistando e abandonando o que era conquistado quando isto já não lhe

proporcionava o prazer, o êxtase inicial, a satisfação e completude que tanto

cobiçava.

Foi uma verdadeira flor no canteiro de Portugal, uma flor que se perdeu

por nunca conseguir se encontrar, por nunca alcançar o que era dela, por

habitar uma terra infértil aos seus ideais elevados.

Uma frágil e grandiosa flor que um dia secou em sua charneca, mas que

nem por isso deixou de exalar seu doce perfume e de imprimir sua rara beleza.

Uma flor que na certeza deixou sua raiz fincada para todo o sempre.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, Paulo Neves da. Citações e Pensamentos de Florbela Espanca. Casa das Letras. 2011. PAIVA, José Rodrigues de. Estudos sobre Florbela Espanca. Associação de estudos Portugueses. 1995. ESPANCA, Florbela. Sonetos de Florbela Espanca. Ed. Martin Claret. 2002. MASSAUD, Moisés. A Literatura Portuguesa. Ed. Cultrix. 2008. JUNQUEIRA, Renata Soares. Florbela Espanca uma Estética da Teatralidade. Ed. Unesp. 2003. GUEDES, Rui. Acerca de Florbela Ed. Publicações Dom Quixote. 1986. FARRA, Maria Lúcia Dal. Afinado Desconcerto. Coleção Vera Cruz. Ed. Iluminuras. São Paulo. 2002. ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).