mondolfo rodolfo - história do pensamento antigo [aristóteles]

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RODOLFO MONDOLFO O PENSAMENTO ANTIGO HISTóRIA DA FILOSOFIA GRECO-ROMANA DESDE ARISTóTELES ATÉ OS NEOPLATôNICOS EDITORA MESTRE JOU SÃO PAULO

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Page 1: MONDOLFO Rodolfo - História do pensamento antigo [Aristóteles]

RODOLFO MONDOLFO

O PENSAMENTO ANTIGO

HISTóRIA DA FILOSOFIA GRECO-ROMANA

DESDE ARISTóTELES ATÉ OS NEOPLATôNICOS

EDITORA MESTRE JOU

SÃO PAULO

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Primeira edição em italiano ... . ... .. . . . Terceira edição em italiano .... .. ..... · Primeira edição em espanhol .... . ...... . Quarta edição em espanhol ... .. ....... . Primeira edição em português ......... . Segunda edição em português .. ......... . Terceira edição em português ........ . . .

TÍTULO ORIGINAL

1927 1961 1942 1959 1964/65 1967 1973

IL PENSIERO ANTICO

REVISÃO DO

DR. VICENTE FELIX DE QUElROZ Professor Livre-docente da Faculdade de Medicina da USP

TRADUÇÃO DE

LYCURGO GOMES DA MOTTA

DIREITOS RESE RVADOS PARA TODOS OS PAÍSES DE LÍNGUA I>ORTUGUESA

PELA

EDITORA MESTRE JOU

Rua Guaipã, 518- Vila Leopoldina

São Paulo

\

CAPITULO II

ARISTóTELES

[Nascido em Estagira, em 384 a.C.; filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia; chegou a Atenas aos 17 anos de idade e permaneceu durante 20 anos na escola de Platão, aderindo primeiramente, com fervor, à doutrina do mestre, e até acentuando o seu misticismo, no diálogo Eudemo ou da alma, e no Protréptico ou exortação à Filosofia: dois daqueles escritos juvenis tão gabados por Cícero pelo rio de ouro da sua eloqliência, mas perdidos para nós. Sucessivamente, o diálogo Sobre a Filosofia (também perdido) assinala a primeira afirmação de uma crítica da teoria platônica das idéias, e o preparar-se de Aristóteles para a formação de uma teoria própria, que começa a delinear-se no sistema teológico-eosmológico aqui esboçado. Mas, so­mente mais tarde, vários anos depois da morte de Platão, o pensamento de Aristóteles atinge a sua maturidade independente c chega à construção do seu sistema próprio.

Após a morte de Platão (347), Aristóteles, juntamente com Xenócrates e outros con· discípulos, deixa Atenas e dirige-se à Ásia Menor, em procura de alguns platônicos: Hcrasto e Corisco, e depois Hérmias, senhor de Atarneu, com cuja sobrinha Pítia contraiu matrimônio, e, além disso, travou relações com o rei Felipe da Macedônia. ]>assando a Mitilene, funda uma primeira escola, que se mantém, todavia, no âmbito do platonismo; logo, em 343, Felipe chama-o à Mac.edônia para cuidar da educação de seu filho Ale.xandre. Com o advento deste último ao trono, Aristóteles volta a Atenas, alguns anos depois (335); e, já senhor de um sistema próprio, funda sua escola entre as sombreadas avenidas (perípatoi) que circundam o templo de Apolo Liceu e o vizinho ginásio. Do lugar e do costume de Aristóteles de ministrar suas lições passeando pelas mas arborizadas provêm os nomes de escola peripatética ou do Liceu. Durante 13 anos, Aristóteles dedicou-se exclusivamente às ocupações da escola, reuJúndo, com o apoio que lhe emprestava Alexandre, a primeira grande cole· c;:flo de livros; compilando toda uma série de obras, perdida em sua maior parte, que recolhia os materiais para os cursos sistemáticos (obras de ciências naturais, exposições de doutrinas filosóficas precedentes e contemporâneas, compêndio das dou trinas retóricas, coleção de 158 constituições gregas, e também de leis c costumes de nações estrangeiras); e sobretudo, escrevendo, além das obras exotéricas (para o Pliblico), as ~roamáticas (para a escola), que são as que, depois em boa parte, chegaram até os nossos dias. Esta intensa atividade que chegou, segundo as relações de Ptolomeu e de Andrônico, a mil escritos·, é interrompida com a morte de Alexandre (323). Embora as relações com o rei se tenham afrouxado depois do assassínio de Calistenes, sobrinho de Aristóteles, o ódio do partido nacionalista ateniense (de que era chefe Demóstenes) dirigiu contra o filósofo a acusação de impiedade. Aris· lóteles, para se furtar à sorte de Sócrates, retirou-se para a Calcídia, onde morreu no nno seguinte (322) com a idade de 62 anos. Na escola, continuada sob a direção de Tcofrasto, parece que se conservaram as obras, ainda depois de sua morte. Mas, segundo os relatos de Estrabão e Plutarco, estas obras colocadas sob a guarda de

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8 R. MONDOLFO

I Neleu, filho de Corisco, foram deixadas em herança, com toda a biblioteca, aos seus parentes de Asso, que as depositaram em uma adega até serem vendidas a Apelicão. Após a morte deste, Sila transportara a biblioteca a Roma, e deste modo, mais tarde, ter-se-ia oblida a primeira edição, graças a Andrônico de Rodes.

As obras, chegadas até nós, dividem-se em cinco grupos: 1) de Lógica, recolhidas no período bizantino sob o nome de órganon: Categorias, Da interpretação (sobre o juizo), Primeiros analíticos (sobre o silogismo), Segundos analíticos (sobre a demons­tração), Tópicos (regras da discussão), Refutações sofísticas; 2) Retórica e Poética; 3) de Ciências Naturais: a) físicas (Física, De coelo, Sobre a gerdção e a corrupção, Meteorologia - foi posta em dúvida a autenticidade do 4.0 livro da Meteorologia e outros: Mecânica, Problemas etc.); b) biológicas (sobre os animais, sobre as partes dos animais, sobre a geração dos animais, sobre o caminho dos animais, e, talvez, sobre o mo•i.mento dos an.inlals; e outras de duvidosa autenticidade); c) ps.icológicas (Da alma, e opthculos sobre a sensação e o sensível, memória e reminiscência, o sono, os sonhos etc.); 4) de Filosofia primeira, colocados por Andrônico, em conti­nuação aos de física (p,(Tá Tá qhxnxcO; daí o nome de Metafísica dado depois a eles e ao argumento: são quase certamente, uma compilação sobre os apontamentos das lições deixados por Aristóteles ou tomados por seus discípulo9; são assim como demonstrou W. Jaeger, uma recopilação de vários corpos de lições, correspondentes a diferentes fases da evolução filosófica de Aristóteles. Daí as discrepâncias que sur­gem em seu conteúdo, agravadas pelo fato de não terem sido estes diversos corpos de lições dispostos em ordem cronológica, por seu antigo editor, pelo que a crítica moder· na tem a difícil tarefa de procurar restabelecê-la; 5) de Moral e de Politica: ~ca a Eudemo, Ética a Nicômnco, Política. A assim chamada Grande Ética, -simples extrato das outras duas, é uma compilação realizada por um peripatético, e não obra de Aristóteles. Spengel (1841) e depois toda a crítica posterior recusaram-lhe também a Ética a Eudemo, atribuindo-a ao seu discípulo Eudemo de Rodes. Mas os estudos de W. J aeger e seus discípulos obrigaram a reconhecer que ela pertence a Aristóteles, e que até constitui a primeira forma da sua ética, mais vizinha do platonismo e da sua religiosidade.

Estas obras, que chegaram até nós, carecem geralmente de preocupação estilística, e da neces.sãria elaboração para uma publicação, sendo escritos destinados ao uso da escola, ou apontamentos de lições, preparados pelo mestre, ou tomados por seus discipulos.

Os mais recentes estudos (de Jaeger e outros) puseram em relevo nestas obras, e especialmente na Metafísica, notáveis divergências entre várias partes, pertencentes a fases diversas da evolução do pensamento aristotélico. Todavia a distiução e dis­tribuição cronológica destas partes e fases das obras da maturidade são mais incertas e discutíveis que a assinalação das obras juvenis. Dos seus fragmentos torna-se evidente, com toda a segurança, que duas (Eudemo e Protréptico) pertençam a uma primeira fase, de platonismo místico, e uma outra (Sobre a Filosofia) a uma segunda fase de transição para a formação do sistema independente. Por isso, estas duas fases preparatórias devem distinguir-se da exposição do sistema maduro, em que a evolução ulterior do pensamento aristotélico dá lugar a divergências internas, que em parte, pelo menos, assinalaremos com nota.

A . As duas fases preparatórias:

I. A FASE DE PLATONISMO MÍSTICO.

[Nesta fase, representada especialmente pelo diálogo juvenil Eudemo ou da alma e pelo Prolréptico, a preocupação dominante do espírito de Aristóteles parece cons-

0 PENSAMENTO ANTIGO 9

tituída pelo problema. da alma, da sua imortalidade e natureza divina, da sua oposi­ção ao corpo e à virtude terrena, da sua aspiração à libertação final. A vida terrena é, em relação a esto~s problemas, de uma parte radicalmente desvalorizada, como vaidade e torpeza em si, suplício e penitência para a alma; da outra vem, pelo menos parcialmente, avaliada como possibilidade de contemplação do divino e, por isso, de preparação à purificação total].

1 . A imortalidad'e da alma: preexistência e reminiscência.

O divino Aristóteles expõe a razão pela qual a alma, ao vir de lá a este mundo, esque:ce as visões que teve lá, enquanto que, ao sair deste mundo, recorda J:á as paixões daqui. . . Diz que alguns, passando da saúde à e.nfermidade, incorrem no esquecimento até das letras alfabéticas que antes conheciam, enquanto que ninguém sofre algo semelhante ao passar da doença para a saúde. A vida das almas livres do corpo, sendo conforme à sua matureza, assemelha-se à saúde; das que se acham no interior do corpo, sendo contrária à sua natureza, assemelha-se à doen­ça. . . Assim aconttece naturalmente que, ao vir a este mundo, caiam no esquecimento das c:oisas lá de cima; mas, ao passar deste mundo ao outro, recordem as coisas. daqui de baixo (EU(Jemo, fr. 5, Walzer = 41 Rose).

2 . Substancialidal(le da alma (contra a teoria da alma hannonia).

Aristóteles argul!llenta deste modo, no Eutlemo: o contrário da har­monia é a desarmonia; mas não há contrário <la alma, porque é substân­cia. . . Além disso., se a desarmonia dos elementos é doença do vivente, a harmonia seda a s:ua saúde; mas a alma não é isto <Eudemo, fr. 7, Wal­zer = 45 Rose).

[A existência do contrário e, portanto, das gradações de mais ou de menos, pode-se dar para os atributos, não porém para as subst.'\ncias (como explica Aristóteles depojs nas Categorias, cap. 3): o que é, pois, substância, como a alma, diferencia-se de todo n!ributo, como a harmonia, a s.aúde e outros semelhantes].

3 . Desvalorização da vida terrena: vaidade e torpeza; suplício para a alma. - Mellhor não haver nascido.

As coisas que aos homem; parecem grandes são todas vãs aparências. Por isso, é verdadeira a afirmação de que o homem não é nada e que nenhuma das coisas humanas é firme. Pois força, grandeza, beleza são irrisões e coisas que carecem de valor, e se a beleza parece ser tal é porque não a vemos exatamente . .. Porque se os homens tivessem olhos de lince e a sua vista penetrasse os objetos, não pareceria, acaso, sujo e torpe o .corpo de Alcebíades, à vista dos seus intestinos, apesar de ser belíssimo no seu exterior? (Protréptico, fr. lO a, Walzer = 59 Rose).

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' ...

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Os antigos dizem divinamente ... que a alma expia uma pena e que nós vivemos em expiação de grandes pecados. Efetivamente, a união da alma com o corpo assemelha-se em tudo a algo deste gênero: assim como dizem que na Etrúria, os bandidos, amiúde, atormentavam seus prisio­neiros amarrando os vivos (ace a face com os cadáveres colocados à sua frente: de modo que coincidissem exatamente entre si as diferc.ntes partes do corpo, assim também a alma se acha disposta e unida a todos os membros sensíveis do corpo (Protréptico, fr. 10 b, WaJzer = 60 Rose). ~ vedado ao homem aquilo que se julga a melhor de todas as coisas, e

é impossível a ele participar na natureza do melhor: porque a melhor coisa para todos os homens e para todas as mulheres seria não terem nas­cido (ingressando no devir). O hem preferível para os homens, depois deste, e o primeiro entre os alcançáveis aos homens, que é, porém, o segundo (na ordem total) uma vez que nasceram, está no poder morrer o mais cedo possível (Eudemo, fr. 6, Walzer = 44 Rose).

4. Revalorização da vida humana: o intelecto c a atividade contempla· tiva ([>urificação da alma c prC(Jaração para a sua libertação).

O homem não possui nada de divino ou bem-aventurado, salvo .. . tudo o que em nós existe de intelecto e razão cognoscit iva. . . E pelo fato de participar de tais faculdades, embora seja a vida, por sua natureza, mi­serável e difíci l, é, todavia, governada com tanta graça, que o homem, em comparação com os demais viventes, parece ser um deus. "O intelecto de fato é nosso Deus", seja Hermót imo ou Anaxágoras quem haja dito isto, e que "a vida mortal tem uma parte eterna de um D eus". Por isso, ou se deve filosofar, ou se deve dizer adeus ao viver e fugir daqui, como se todo o resto pareça grande vaidade e frivolidade. Se possuímos a lmas imortais e divinas, deve-se crer que, quanto mais hajam elas estado em seu curso, isto é, na razão e no dese}o de investigar, e quanto menos se tenham mesclado e envolvido nos vícios c erros dos homens, tanto mais fácil terão preparado a ascensão e a volta ao céu (Protréptico, fr. 10 c, Walzer = 61 Rose).

A razão cognoscitiva é para nós o fim segundo a natureza, e o conhe­cer é o fim último para o qual nascemos. Portanto, se nascemos, é evi­dente que existimos para conhecer e aprender, e, de acordo com este raciocí.nio, bem disse Pitágoras que todo homem foi criado sob a direção de Deus, para conhecer e contemplar (Protréptico, fr. 11, WaJzer).

Porque todos escolhem, sobretudo, as coisas de acordo com os próprios hábitos ... é evidente que o homem racional escolherá, acima de todas as coisas, o conhecer racionalmente, pois este é o ato da sua facu ldade. De maneira que é evidente que, de acordo com o juízo mais soberano, a razão cognoscitiva é o melhor dos bens. Não se deve, por isso, fugir da

I O PeNsAMENTo ANTIGO 11

Filosofia, se, como cremos, a Filosofia é aqulSiçao e emprego da sabe­doria e a sabedoria acha-se entre os bens máximos; e não se deve, por amor às riquezas, navegar para as colunas de Hércules e expor-se, amiúde, aos perigos e, em troca, querer evitar fadigas e gastos para conhecer (Protréptico, f r. 5, Walzer = 52 Rose).

Para os homens, é preferível em si mesmo o saber e o conhecer, pois sem e le não poderiam viver como homens . . . Pelo que, se o homem é um animal simples, e a sua essência está disposta conforme a razão e inteligência, a sua finalidade não é senão a verdade perfeita. . . Se, ao contrário, é composto de múltiplas faculdades, é evidente que a melhor função dentre todas estas é sempre aquela pela qual é naturalmente t rans­formado em mais perfeito ... Mas nenhuma das funções do pensamento ou da parte pensante da alma podem considerar-se melhores do que a verdade. A verdade, pois, é a fun ção soberana ... e a contemplação é o fim soberano (Protréptico, fr. 6, Walzer).

E o viver de maneira perfei ta . . . deve atribuir-se a quem raciocina e emprega a razão cognoscitiva. . . Porém, a atividade perfeita e sem obs­táculo traz ao seu lado a felicidade, de maneira que a atividade contem-. plativa será, entre todas, a mais cheia de gozo (Protréptico, fr. 14, Walzer).

Mas, neste mundo, talvez por achar-se a nossa espécie em um estado contrário à natureza, é-nos difícil aprender e ver , e fastidiosamente o advertiremos, por causa da iocapacidade congênita e da vida contrária à natureza; porém, se alguma vez t ivermos podido voltar novamente Já para cima de onde viemos, é evidente que poderemos fazê-lo com maior prnzer c facilidade (Protréptico, fr. 15, Walzer).

JI. A FASE DE TRANSIÇÃO: CRÍTICA DA TEORIA DAS IUÉTAS.

PROVAS DA EXIST.êNC!A OB DElJS E TBOLOOlA ASTRAL.

1 Esta fase de transição será representada, como o demonstrotl W. Jacgcr, pelo d l(llogo Sobre a Filosofia (talvez posterior à morte de P latão) que, depois de uma porto histórica (livro I), continha a critica ela teoria das idéias (livro 11), e depois, 11111dn, a parte construtiva, de Teologia e Cosmologia].

I . A crítica das idéias e dos números ideais.

Aristóteles ... também nos Diálogos protestava, de modo mais claro, que n:io podia concordar com esta doutrina, embora alguém tivesse acreditado que a repelia por amor à polêmica (De philos., fr. 1 O, Walzcr = Rose).

No segundo livro Sobre a Filosofia, assim se expressou: "Se as idéias constituem uma segunda espécie do número, diferente da das M atemá-1 icas, não poderemos ter nenhuma compreensão das mesmas. Quem, de J'ulo, pelo menos e.ntre a maioria de todos nós, pode entender um nl'1mero diverso do matemático?" (De pbiJos ., fr. 11 , Walzer = 9 Rose).

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2. A Teologia e a Cosmologia. O supremo Deus espiritual (motor imóvel) e as divindades cósmicas.

Aristóteles, no livro 3.0 Sobre a Filosofia, confunde muitas coisas, di­vergindo de seu mestre Platão, visto que ora atribui toda a divindade à Mente, ora diz que o próprio mundo é Deus, ora propõe um outro ao mundo e atribui-lhe partes, de maneira que dirija e proteja o movimento do mundo com uma revolução orbitária, ora diz que o éter (ardor celeste) é Deus, não compreendendo que o céu é parte <lo mundo que ele mesmo designou como Deus, em outra parte (De pbilos., fr. 26, Walzer e Rose).

[Cícero, D:a natureza dos deuses, I, 13, 33, a quem pertence este testemunho, indica confusamente aqui os aspectos principais da Teologia e da Cosmologia aristotélica em sua Sobre 11 I•Uosofin: o Deus supremo espiritual (Mente), o mundo divino eterno (isto contra P latão), c o éter como elemento celeste, também divino e movido em etema revolução por divinas inteligências motoras].

A prova ontológica da existência do Deus supremo. Geralmente, em qualquer parte onde haja uma hierarquia de graus de valor (um melhor), aí há também um ápice de perfeição (um ótimo), e como no domínio das realidades existentes, existe sempre uma melhor do que a outra, haverá também uma ótima entre todas, que será Deus (o divino) (De phllos., fr. 16, Walzer e Rose).

[Encontramos aqui, nota Jaeger, o germe do argumento ontológico que aqui, porém, não incide no erro em que caíram depois Santo Anselmo e Descartes, de conceber o ser do ente perfeitíssimo como predicado já contido no conceito da perfeição e dele dcduzfvel. Em outras palavras, não se trata, aqui, da passagem da idéia à realidade, mas do reconhecimento de uma realidade (a escala dos valores) tenta-se concluir em umn realidade (o ápice), que aquela exige por si mesma].

Imutabilidade e eternidade de Deus. O mutável muda, ou por si ou por obra de outrem; e se por causa de outrem, de um superior ou de um inferior a ele; e se por si mesmo, ou em vista do inferior ou atraído pelo mais belo. Mas, nem Deus (o divino) pode admitir um superior a ele, pelo qual seja movido, pois então seria mais divino do que ele, nem o superior pode sofrer a ação do inferior, e, por outra parte, se do inferior (a sofresse) adquiriria wn defeito, e nenhum defeito (pode haver) nele; mas também não muda por si mesmo, atraído por uma coisa mais bela, porque não necessita de nenhum dos seus valores; e muito menos (se muda) em vista do inferior, posto que nem ainda o homem se torna inferior por sua própria vontade; não tem nenhum defeito. Poderia, entretanto, adquiri-lo somente em conseqüência da mudança em inferior (De pbilos., fr. 16, Walzer e Rose).

o PF.NSAMENTO ANTIGO 13

O ser primeiro e sumo deve ser Deus absolutamente imutável e se é imutável, é também eterno (ibidem). ' '

Prin~ipio primeiro, ordenador dos outros. Dos princípios, ou há um só, ou mUttos. E se há um só, temos o que procuramos; se são muitos, serão ordenados ou desordenados. Mas se são desordenados, ainda mais desor­denadas serão as coisas que se derivem dos mesmos, e o cosmos não será cosmos (ordenação) mas desordem, e eJtistirá o contrário à natureza não existindo o que é segundo a natureza. Se ao contrário, estão ordenad~s, ou se ordenaram por si mesmos ou por uma catJSa exterior. Porém, se se ordenaram por si mesmos, então têm algo de comum que os concilia e este é o princípio (De philos., fr. 17, Walzcr e Rose). '

As fontes da idéia de Deus. Dizia Aristóteles que a noção de Deus nasceu nos homens, de duas fontes: do que acontece na alma e do que acont~~ no céu. Do que acontece na alma, pelas inspirações divinas c pelos pressag10s que esta recebe nos sonhos. Pois, quando no sono, a alma se encontra. s.ó em si mes~a, recuperando então a sua natureza plrópria, pode vattcmar e prenunc1ar o futuro. E do mesmo modo se encontra na morte, no seu separar-se das coisas corpóreas. . . Mas também do que acontece no céu: pois contemplando de dia o sol que realiza a volta e de noite o movimento bem ordenado dos outros astros, os homens crer~m em um Deus, causa de semelhante movimento c ordem (De pltilos., fr. 12, Walzer = 10 Rose).

[A d~pla. f~nte, isto é, a expe~ncia espiritual interior c a ordem celeste exterior a nós, Ja fo1 mdicada por Ptatão, Leis 966 d, para a origem da fé em Deus. Moderna­mente, nota Jaeger, Kaot torna a indjcar como fonte p~rn o sentido do sublime 0 céu estrelado acima de nós e a lei moral, em nós. Assim, a experiência espiritual a que se refere c~da um dos três filósofos é diferente: a consciência da css€ocia eterna­me_nte em movunento, da alma, para Platão, as energias clarividentes da alma para Anstóteles, a consciência da lei ética, para Kant]. '

Se alguém, sentado no monte troiano Ida, tivesse visto o exército dos helenos avançando pela planície, com ordem e disposição perfeitas ... sem dúvida ter-lhe-ia vindo a idéia de que existia um ordeoador de seme­lhante ordem dirigindo soldados tão bem dispostos ao seu comando ... Do mesmo modo, os primeiros que viram o céu e contemplaram o sol percorrendo o seu caminho desde a ,aurora até o ocaso, e as danças orde­nadas dos astros, procuraram um artífice dessa formosa ordenação, não pensando que pudesse formar-se ao acaso, mas por obra de uma natureza superior e incorruptível que é Deus (De philos, fr. 12, Walzer = 11 Rose).

O dever da reverência ao tratar das coisas celestes e de Deus. Nobre­mente disse Aristóteles que nunca se deve ser mais reverente do que qu~ndo se trata dos Deuses. Se entramos no templo respeitosamente, se batxamos o rosto quando nos aproximamos do sacrifício, se pomos em

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14 R. MONOOLFO

ordem a toga, se em cada argumento adotamos uma atitude modesta, com maior razão devemos fazê-lo ao falar dos astros das estrelas, da natureza, dos Deuses (De philos., fr, 14, Walzer e Rose).

Eternidade do cosmos. Aristóteles . .. disse que o cosmos 6 ingênito e incorruptível, e julgou que era tremenda impiedade a de quem pensasse o contrário (De philos., fr. 1 8, Walzer e Rose).

A divindade dos astros e as suas almas motoras (teologia a"iral): a rotação como movimento inteligente voluntário. Como alguns seres ani­mados nascem na terra, outros na água, outros no ar, parece absurdo a Aristóteles que, na parte mais adequada para gerar seres animados, não haja nascimento nenhum. Mas as estrelas têm o seu assento no éter, e c,omo este é o mais sutil e está sempre em movimento é necessário que nele se origine algum ser animado, de sentido agudíssimo e de mobilidade velocíssima. Por isso, nascendo os astros no éter, é natural que tenham sensibilidade e inteligência, e, portanto, devem considerar-se no número dos Deuses. . . Acham-se também demonstradas plenamente a sensibili­dade e a inteligência dos astros por sua ordem e sua constância (pois nada existe que se possa mover com razão e número, sem pensamento) . . . Ora a ordem das estrelas e a sua constância em toda a eternidade não é unidamente sinal de natureza (pois está cheia de razão) nem de acaso ... Por isso, conclui-se que se movam espontaneamente por consciência pró­pria e divindade . . . O que se move naturalmente é trazido para baixo por seu peso, ou para cima pela leveza; mas nem uma coisa nem outra acontece com os astros, cujo movimento é uma 6rbita circular: nem se pode dizer que ocorra serem movidos por força maior, contrariamente à natureza. . . Conclui-se, pois, que o movimento dos astros é voluntário (De philos., fr. 21, Walzer W 23-24 Rose).

[Mais tarde Aristóteles abandona esta idéia do movimento voluntário. A sua Astro­nomia posterior atribui ao éter o movimento circular por natureza, c faz os astros girarem engastados nas esferas celestes, movidas por inteligências motorM].

B. O sistema maduro:

I. CIÊNCIA E FILOSOFIA.

1 . O saber é conhecimento das causas e do necessário.

O mais alto grau do saber é contemplar o porquê (Anal. post., I, 14, 79). Cremos saber inteiramente uma coisa ... quando cremos conhecer a causa pela qual a causa é, (e conhecer) que esta é precisamente sua causa e que não hã nenhuma possibilidade de que seja de outra maneira (Anal. post., I, 2,71 ).

0 P ENSAMENTO ANTIGO 15

O que seja a Ciência pode tornar-se claro pelo fato de que todos cremos o que sabemos verdadeiramente não poder ser de outra maneira (o qu.e, em compensação, poderia estar distintamente fora da nossa contemplação mental, não se sabe mesmo se existe ou não). Portanto, o que é objeto de ciência é necessário. . . O homem sabe, verdadeiramente, quando tem uma convicção e conhecimento dos princípios, pois, se estes já n ão lhe são mais conhecidos do que a conclusão, terã uma ciência casual (Et. nicom. VI, 3, 1 138).

Diferença entre a experiência e a s.'\bedoria. A sabedoria chega a todos pelo conhecimento. Quer dizer que uns conhecem a causa e outros não. Os que experimentaram sabem o quê da coisa, mas não o porquê; outros em compensação, conhecem o porquê e a causa . . . Isto é, são mais sá­bios . . . enquanto possuem a razão e conhecem a causa. . . Por outra parte as sensações não cremos que constituam nenhuma sabedoria apesar de serem elas os conhecimentos mais adequados do particular; mas não nos dizem o porquê de alguma coisa, como, por exemplo, porque o fogo 6 quente, mas somente que é quente .. . ~ evidente, então, que a sabedoria é c iência de causas e de princípios (Metaf., I , 1, 981-2).

2 . Do contingente e do particular não se dá ciência.

Que não é possível que haja uma ciência do contingente, tornar-se-á evidente a quem procure ver o que seja o contigente. D izemos de cada coisa, ou que é sempre e por necessidade. . . ou que é geralmente, ou bem que não é nem geralmente nem sempre e por necessidade, mas s6 por acaso; como por exemplo, que na estação canicular sobrevenha o frio; ora, isto não acontece nem sempre, nem por necessidade, nem em maior 11t1mero de casos, porém, só pode acontecer a lguma vez .. . Dizemos então: ncontcceu; e é possível enqua nto se produz, mas não normalmente ... Das outras coisas, de fato, há causa'> e poderes produtores, destas não há nenhuma regra ou poder determinado, pois, do que existe ou acontece por acidente, também a causa é acidental. . . É evidente, por isso, que não há ciência do contingente, pois toda ciência é do que é sempre, ou na maioria dos casos. De outra maneira, então, como se poderia aprendê-Ia c ensiná-la?. . . Ao invés, o acidente encontra-se além destas condições (Mctaf., XI, 8, 1 064 e VI 2, 1 027).

Por isso, não é possível nem definição nem demonstração para as substâncias sensíveis particulares, porque têm uma matéria de tal natureza que pode ser e não ser, mo tivo pelo qual todas, singularmente, são cor~ ruptívcis. Logo, se a demonstração é do necessário, e a definição é dirigida à ciência, e não pode (assim como não pode a Ciência) ser ora ciência,

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ora ignorância. . . é evidente que delas não haverá definição nem demons­tração. As coisas corruptíveis tornam-se obscuras para o homem de ciência quando saem do campo das sensações, e .ainda permanecendo os conceitos na alma, não haverá definições nem demonstrações das mesmas (Metaf., vn, 15, 1 040).

3 . O universal, as causas, o Bem.

Saber todas as coisas pertence, sobretudo, a quem possui a Ciência do universal, pois sabe, de .certo modo, todas as noções subordinadas. E as noções universais são as de mais difícil aquisição, por se acharem mais afastadas da sensação.

Mas as ciências mais perfeitas são as que concernem mais aos princí­pios. . . Porém, mais suscetível ainda de ensinamento é a Ciência que investiga as causas, pois ensina quem indica as causas de cada coisa. E quem escolhe o aprender e o saber por si mesmo escolherá, sobretudo, a Ciência por excelência, sendo esta a ciência do cognoscível por excelência, ou seja, dos princípios e das causas, porque, por seu intermédio e por elas, se aprendem as outras coisas, porém, não pelas coisas subordinadas. E ciência -do pri.ocípios por excelência, e que está acima de toda outra subordinada, é a que dá a conhecer o fim de toda realização: que é o bem em cada coisa e o ótimo universalmente em toda a natureza (Metaf., J, 2, 982).

Do particular (experiência) ao universal (Ciência); imlução (análise) e 1ledução sucessiva. O caminho natural vai das coisas mais conhecidas e claras para nós, até as mais claras e conhecidas por natureza: uma vez que não são o mesmo as coisas conhecidas por nós e as conhecidas por si mesmas. Por isso, é necessário proceder da maneira seguinte: das coisas menos claras por natureza, porém, mais claras para nós, às mais claras e conhecidas por natureza. Para nós são manifestas e evidentes, primeiro, as que em si são confusas; depois, destas, tornam·Se conhecidos os elementos e os princípios para quem os distingue. Por conseguinte, dos universais deve.se partir para os particulares. Pois o todo, segundo a sensação, é mais conhecido; mas, tarn· bém o universo é um todo, porque compreende como partes do universal, os mullí· plices (Física, 1, l , 184). O universal é conhecido pela razão; o particular, pelo senti.do (Fís., I, 6, 188).

Necessidade do estabelecimento preliminar dos problemas. É necessário, para a Ciência por nós investigada, que, em primeiro lugar, passemos em revista os pro· blemas sobre os quais temos de discutir primeiramente . . . Para quem deseja solver as dificuldades, beneficia-o, verdadeiramente, propor bem os problemas, pois a pos· terior segurança de movimento não é senão a solução dos problemas anteriormente propostos, pois não pode desatar um nó quem não o conheça. . . Por isso, é preciso considerar previamente todas as dificuldades, seja pelas razões expostas, seja porque quem investiga, sem haver previamente proposto os problemas, se assemelha àquele que não sabe aonde ir; e além disso, não pode saber se encontrou ou não o que procurava, pois não lhe é patente o fim, que somente é claro a quem antes haja proposto os problemas (Metaf., Ill, 1, 995).

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4 . Liberdade e divindade da sabedoria.

E evidente que não procuramos (a Ciência das causas) por alguma uti­lidade estranha; mas assim como chamamos livre ao homem que vive para si e não para os outros, assim, também, somente esta é livre entre as Ciências, pois unicamente ela existe para si. Por isso, seria justo, tam­bém, considerar sobre-humana a sua posse . . . Porque é mais divina e honrosa do que qualquer outra, e só ela é tal, por duas razões: pois é divina entre as ciências aquela que Deus pode ter sobre todas, e a que, por sua vez, possa ter como objeto a divindade. Ora, esta Ciência é a única que possui essas duas condições: pois Deus parece ser causa e prin­cípio de todas as coisas, e pode ser posse de Deus uma Ciência seme­lhante, ou somente ela, ou acima de todas as outras. Logo, podem ser mais necessárias todas as demais; porém, nenhuma melhor (Metaf., I, 2, 982).

5. A Filosofia primeira e a Teologia.

Se existe algo eterno, imóvel e separado (da matéria), é evidente que compete a uma Ciência teórica conhecê-lo. Não é à Física, certamente, (pois esta se ocupa de seres em movimento) nem à Matemática: mas a uma outra superior a ambas. A Física ocupa-se dos seres não separados da matéria nem imóveis; os objetos da Matemática são, em parte, imóveis, porém, não separados, mas na matéria; em compensação, a Ciência pri­meira ocupa-se dos seres separados e imóveis ao mesmo tempo. É neces­sário que todas as causas sejam eternas, mas estas sobretudo, porque são as causas do que aparece nas coisas divinas. De maneira que haverá três Filosofias especulativas: a Matemática, a Física e a Teologia, pois não é difícil chegar a ter consciência de que, se o divino existe em alguma parte, existe em urna natureza de gênero semelhante, e a Ciência mais augusta deve ocupar-se do objeto mais augusto. Por isso, as ciências especulativas são superiores às outras, e esta, a todas as outras especula ti v as. . . Se existe, pois, uma substância imóvel, esta é anterior (às outras), e há uma Filoso­fia primeira, que é universal enquanto é primeira; e a esta compete estudar o ser enquanto ser, a essência e os seus atributos enquanto ser (Metaf., VI, 1, 1 026).

[Como demonstrou W. Jaeger em seu Aristóteles (cap. sobre A evolução da Meta­(isica), aqui se colocaram juntas duas determinações diferentes da Metafísica. Uma tem por objeto o ser imóvel transcendente, espécie suprema do ser, porém, determi­nada, pelo que também a metafísica se torna uma Ciência particular junto às outras. A outra define·a como Ciência do ser enquanto ser, isto é, não espécie particular, mas universalidade de todas as espécies, de maneira que também a sua Ciência é universal. Aristóteles tenta conciliar o contraste, observando que a realidade trans­cendente (Deus), sendo anterior a todas as demais, abraça e contém a todas; pelo

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que a Ciência primeira seria Ciência universal. Mas, observa J aeger, a contradição não é eliminada, antes, toma-se mais evidente: existem aqui dois processos de pensa· mento incluídos um no outro. Um, <reológico platônico, separa o sensível do super­-sensível atribuindo à Filosofia somente este último (para Platil.o as idéias, para AristóteÍes o motor imóvel ou Deus); o outro, aristotélico, nas definições de ser enquanto ser compreende todo ente, supra-sensível e sensível igualmente. Na ·fase do pensamento representada por esta passagem, Aristóteles conserva todavia o conceito platônico teológico e quer conciliá-lo com o novo conceito filosófico aristotélico; mais tarde, mantém somente o segundo, e define a Metafísica puramente como a Ciência do ser enquanto ser, isto é, verdadeiramente universal, e como tal, superior a todas as ciências particulares. Este conceito pode ver-se expresso nas passagens do livro IV da Met:lfísica, citadas mais adiante, no número 10].

6 . A Filosofia e as Ciências particulares.

Há uma Ciência que considera o ser enquanto ser e as condições que lhe são intrínsecas por si mesmo. Ela não se identifica com nenhuma das que têm um objeto particular, porque nenhuma das outras considera o ser enquanto ser de maneira universal, mas, retalhando uma certa parte, consideram os acide11tes desta, como por exemplo, entre as outras ciências, as Matemáticas (Melaf., IV, 1, 1 003).

Procuram-se aqui os princípios e as causas dos seres, porém, evidente­mente, como seres ... Em geral, cada Ciêlllcia intelectual ou partícipe do intelecto volta a sua atenção para as causas e os princípios com maior ou menor certeza e rigor. Todas estas, porém, versam um certo ser, e, circunscrevendo um certo gênero, ocupam-se deste e não do ser simples­mente enquanto ser, nem dão razões satisfatórias da sua essência, mas procedendo deste ser e tornando-o evidente. Umas por via da experiência sensível, as outras assumindo por hipótese a sua essência, continuam a demonstrar assim, com maior rigor ou debilidade, as propriedades ine­rentes ao gênero de que se ocupam. Por isso, é evidente que de semelhante indução não se deriva uma demonstração da substância nem da essência, mas outra espécie de manifestação. E igualmente (as Ciências particulares) nem mesmo dizem se existe ou não o gênero de que tratam; porque com­pete a uma mesma operação intelectual demonstrar a essência e a exis­tência (Metaf., VI, 1, 1 025).

[Sobre a distinção entre Filosofia e cjências particulares, cfr. também Metal. XI, 4, 1 064].

7 . Os pressupostos das Ciências e a Filosofia: axiomas e princípios da demonstração.

Posto que o matemático se sirva também dos princípios comuns mas de modo particular, competirá à Filosofia primeira a investigação, tam­bém, dos princípios destas (Ciências matemáticas). A Matemática, cons-

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tituídos os princípios, forma a sua teoria em torno de uma parte da sua matéria própria como linhas, ângulos, números e quaisquer das outras quantidades (considerando) a cada uma delas, não enquanto entes mas como contínuos. . . Do mesmo modo. . . a Física considera os acidentes c os princípios dos entes enquanto estes se acham em movimento e não como entes·. Já dissemos que a Ciência primeira considera os seus objetos enquanto entes e não sob nenhum outro aspecto. Por isso, as matemáticas u a Física devem ser consideradas como partes da sabedoria (Metaf., XI, 4, 1 061). :B evidente que a uma só Ciência, isto é, a do filósofo, pertenc.e também a indagação dos axiomas; pois se aplicam a todos os seres en­quanto seres, e nlio a um gênero especial separadamente dos outros ... Por isso, nenhum dos que se aplicam a uma Ciência particular se atreve lt dizer algo sobre eles, sejam verdadeiros ou não: nem o geômetra nem o uritmético ... E, também, a Física é uma Ciência, porém, não a primei­t•u. . • A estas (Oiências particulares) convém abordar com um conheci­mento precedente (dos axiomas), llâO procurá-los, porém, no curso do cst udo. É evidente, então, que compete ao filósofo . . . também a inves­tigação dos princíjpios da demonstração silogística (Metaf., IV, 3, 1 005).

Cfr. Mct:lf., lll, 2, 996: Discute·se· também se os princípios da demonstração per­ll"nccn1 a uma só Ciência ou a mais. E chamo princípios da demonstração àquelas •t•ll lllnças comuns, da1s quais todos extraem as demonstrações; como seria: é neces­"~ 'lo que toda coisa particular, quer se afirme ou se negue; e: é impossível que t•11cla coisa seja ou mão seja ao mesmo tempo; e todas as outras proposições do 111c~mo gênero.

H . O princípio de contradição e a sua evidência indemonstráveL

O princípio mais firme de todos é aquele sobre o qual é impossível cair ~·m erro ... e de que é necessário o conhecimento a quem deseje conhecer t(tlnlqucr coisa que seja, e a sua posse necessária a quem intente abordar (t(Ull lqucr Ciência) ... O que isso seja depois, eis aqui: ":B in1possível que uma mesma coisa convenha ou não convenha ao mesmo tempo a um.t mesma coisa e sob a mesma relação". . . A esta última opinião re­duzem-se todas as demonstrações: é, pois, por sua natureza, o princípio du lodos os outros axiomas (Metaf., IV, 3, I 005).

Somente por ignorância alguns crêem que também seja preciso demons­ll'llr isto, pois é ignorância não saber distinguir as coisas que se devem demonstrar e quais as que não se devem. Uma vez que é absolutamente ltnpossível que haja demonstração de tudo, pois se chegaria até o infinito, u nssim já não haveria mais demonstração (Metaf., IV, 4, 1 005).

Mas, como se disse, o seu erro é o seguinte: que procuram uma razão do que não se dá razão, porque o princípio da demonstraçrío não é uma demonstração (Mettaf., IV, 6, 1 011).

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Possibilidade unicamente da refutação de quem o negue: Não se dá (destes princípios) nenhuma demonstração de per si mesmos, mas somente uma demonstração contra quem estabelece estas (afirmações contrárias). Se alguém tivesse interrogado ao próprio Heráclito, tê-lo-ia obrigado, deste modo, a c.onfessar logo que não é nunca possível que as afirmações con· trárias sejam verdadeiras ao mesmo tempo, sobre o mesmo objeto . .. Em geral, se a sua afirmação fosse verdadeira, nem mesmo ela seria verda­deira, visto que é possível que a mesma coisa, de acordo com a mesma relação e ao mesmo tempo, pode ser e não ser . . . E mais ainda, se nada se pode afirmar com verdade, será falsa esta mesma afirmação de que não se dá nenhuma afirmação verídica (Metaf., XI, 5, 1 062). ~ também sumamente evidente que ninguém se persuade, nem entre os

outros nem entre os que fazem semelhante discurso (Metaf., IV, 4, 1 008). Por que se adota tal sistema de alimentação quando o médico o ordena?

Por que isto é pão em lugar de não o ser? Segundo esses princípios não devia existir diferença entre comer e não oomer. Porém, ·como se eles estivessem certos da verdade dessa coisa determinada, se o alimento pre­sente é o ordenado, tomam-no (Metaf., XI, 6, 1 063).

Diferença entre demonstração e refutação. ~ possível, também, fazer disto uma demonstração por meio de refutação, mostrando que é absurdo, se alguém tentar pô-lo em dúvida. . . Afirmo, porém, que o demonstrar por meio de refutação é diferente do verdadeiro e próprio demonstrar, pois quem quisesse demonstrar manif~taria postular o princípio (o mesmo a demonstrar); mas quando outro seja o responsável por semelhante con­dição, será refutação e não demonstração (Metaf., IV, 4, 1 006).

[A demonstração por meio de refutação é a demonstração por absurdo: esta, também, reduz,se ao princípio de contradição, e por isso é que vem a postular o princípio mesmo por demonstrar. Todo pensamento e racioclnio apoia-se sobre o princípio de contradição; daí que nem mesmo por via de refutação pode considerar-se demonstrável, isto é, conclusão de um raciocínio, que sempre deve postulá-lo).

As formas lógicas do pensamento científico: a) O juízo. Todo discurso é significativo. . . porém, nem sempre é emwciativo: a não ser aquele em que se dá verdade ou falsidade: o que não se dá em todos: assim, a prece é um discurso, sim, porém, não verdadeiro nem falso. . . Uma primeira forma de discurso enunciativo é o juízo afirmativo; depois vem o negativo (De interpret., 4-5). O juízo é um discurso que afirma ou nega alguma coisa de alguma coisa (um predicado de um sujeito): é universal, ou particular, ou indefinido (Anal. pr., 1, 24).

b) O silogismo. O silogismo é um discurso em que, estabelecidas algu­mas coisas (premissas) se deriva necessariamente algo diferente das pre­missas estabelecidas [conclusão], pelo fato mesmo de que elas são. Digo pelo fato de que elas são, no sentido que delas se deriva a conclusão: e

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digo que delas se deriva, no sentido de que não é necessário nenhum termo estranho para que se tenha necessidade (da conclusão) (Anal. pr., I, 24).

c) A indução. A indução é a passagem dos particulares para os uni­versais: por exemplo, se o piloto hábil é o melhor, e assim o auriga etc., também, em geral, quem é hábil em cada coisa, é o melhor. A indução é mais persuasiva e evidente, mais conhecida à sensibilidade e comum ao maior número; o silogismo, porém, tem mais força e mais eficácia contra quem deseja contradizer (Top., I, 12, 1 05).

d) A definição e a demonstração. Os princípios das demonstrações são definições de que não se pode dar demonstração. A definição concerne ao que uma coisa é e à sua essência; as demonstrações propõem supor o que é uma coisa, como as Matemáticas o que é a unidade, o par e o ímpar etc. A definição, pois, declara o que uma coisa é, e a demonstração, porque é ou não é (verdadeira) uma determinada coisa. (Anal. post., II, 3, 90). A definição consta do gênero (próximo) e das diferenças (espe­cíficas) (Top., I, 8, 103).

e) A divisão ou classificação. ~ fácil observar que a divisão por gêneros é uma pequeníssima parte do método: uma vez que a divisão é quase sempre um silogismo débil: postula, efetivamente, o que deve demonstrar (Anal, pr., I, 31, 46).

9. Dos princípios da demonstração tem-se inteligência e não Ciência -A sabedoria (Filosofia) é por isso inteligência e Ciência.

De tais princípios, por si mesmos, não se dá demonstração. . . Pois não é possível derivar o raciocínio demonstrativo (silogismo) de algum princípio mais certo do que ele mesmo (princípio de demonstrar): o que seria necessário, se fosse possível dar uma demonstração em sentido pró­prio (Metaf., XI, 5, 1 061).

Crf. também Metaf., lU, 2, 997. De que modo poderá haver Ciência deles? Já sabe­mos agora o que é cada um deles; por isso, scrvem·se dos mesmos, também, ~~tras disciplinas, como de princípios conhecidos. Mas se se pudesse ter deles uma Cte~cta demonstrativa, seria necessário que houvesse um objeto especial, com suas detcrmma­ções e seus axiomas (pois não é possível que uma demonstração seja de todas as coisas); com efeito, cada demonstração deve ser (derivada) de princípios determi~a~os e mover-se em torno de um objeto determinado e ser (composta) de proposJçoes determinadas: aconteceria, assim, que todos os objetos das demonstrações constituiriam um só gênero, pois todas as demonstrações se servem de axiomas.

Como a Ciência é uma concepção do universal e do necessário, e como deve haver princípios das demonstrações e de cada Ciência (pois a Ciência implica o raciocínio), assim do princípio do saber não poderá haver

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Ciência ... porque o que é o objeto da Ciência deve poder-se demons­trar. . . E pouco importa saber, pois é próprio de quem sabe possuir a demonstração dessas coisas determinadas . . . Resta, pois, que se tenha inteligência dos princípios ... De modo que é evidente que a mais per­feita das Ciências será a sabedoria. O sábio não somente deve saber as conseqüências dos princípios, mas também conhecer o verdadeiro a res­peito dos princípios mesmos. De maneira que a sabedoria será inteli­gência e Ciência ao mesmo tempo (Et. nicom., VI, 6-7, 1141).

1 O. Universalidade da Filosofia e o seu objeto: o ser em si.

Ao filósofo compete a possibilidade de especular a respeito de tudo ... Pois, como há dleterminações comuns ao número como número (paridade e disparidade, comensurabilidade e igualdade, excesso e falta etc.) e estas pertencem aos DIJmeros tomados em si mesmos ou em suas relações recípro­cas, e como há, igualmente, determinações próprias do sólido (imóvel e móvel, leve e pe:sado), há, também, as próprias do ser enquanto ser, e são estas o objeto sobre o qual compete ao filósofo especular a verdade (Metaf., IV, 2, l 004). .

A palavra se1· emprega-se em muitos significados, porém todos os re­duzem a um e a uma certa natureza única. E não por simples homonímia, mas do mesmo modo como se refere à saúde todo uso da palavra são (seja com respeito à conservação, ou à produção ou aos sintomas, ou à capacidade da saúde), c à Medicina todo emprego da palavra médico ... etc., assim, também, o ser diz-se em vários sentidos, porém, sempre em referência a uma única natureza; chamam-se, pois, seres, a uns, enquanto substância, a outros enquanto atributos da substância, a outros, enquanto caminhos para a substância, ou corrupções ou privações ou qualidade ou produções ou g<:rações da substância, ou negação de alguma destas coisas ou de substância . . . E como, então, é única a Ciência que estuda todas as coisas relativas à saúde, assim também acontece em relação a qualquer outro caso. . . l~ claro, portanto, que também os seres pertencem a uma só Ciência (Metaf., IV, 1, 1 003).

[Veja-se, a propósito da universalidade da Metafísica aqui afinnada, a nota anexa ao níamcro 5].

ll. O SER.

1 . Substância •c atributos.

A palavra se:r usa-se em muitos sentidos. . . pois, de uma parte, sig­nifica a essêncht e a existência individual; da outra, a qualidade, a quan­tidade e cada um dos outros atributos de espécie semelhante. Mas, aind~ empregando a palavra ser em tantos significados, é evidente que a essência

0 PENSAMENTO ANTIGO 23

é o ser primeiro entre todos estes, como a que manifesta a substância. De fato, quando queremos ~xpressar uma qualida~e de de~erm~nado ser, dizemos, por exemplo, que e bom ou mau, mas nao de tres cavados ou homem; quando queremos exprimir a essência, não dizemos: branco ou quente ou de três côvados, mas, por exemplo, homem. ou Deus. As outr~s determinações chamam-se seres, porque são as quantidades, ou as quali­dades ou as afecções ou algo semelhante, do ser assim considerado ... Nenhuma delas existe naturalmente de per si nem pode separar-se da substância . . . Mas parecem antes seres somente porque nelas há sujeito determinado, e este é a substância ou o indivíduo, que aparece em tal categoria: e, sem ele não se ·pode dizer: bom, ou sentado (ou algo seme­lhante). e. claro, então, que só por meio deste pode existir cada um deles. De modo que a substância será o primeiro ser, e não qualquer ser, mas

0 ser simplesmente. Logo, em muitos sentidos diz-se o primeiro; não obs­tante, a substância é primeira entre todos pelo conceito, pelo conhecimento c pelo tempo. Nenhum dos outros predicados. pode existir, separa~a~ente, mas unicamente ela. E é primeira pelo conce1to, porque e necessano que o conceito de substância seja inerente ao de cada coisa. E quando sabemos

0 que é uma coisa, somente então é que acreditamos saber cada coisa ... melhor do que quando sabemos qual, e quanto e onde, pois também destas coisas conhecemos cada uma quando sabemos que é a quantidade ou a qualidade etc. E por isso, antes, agora e sempre, a investigação e o problema: "que é o ser", equivale a isto: "que é a substância" (Metaf., VII, 1, 1 028).

A substância e os atributos essenciais considerados como gêneros su­premos do ser (categorias). As categorias do ser deduzidas mediante a análise da linguagem. Das palavras expressas fora do nexo do discurso, cada uma significa ou a substância, ou a quantidade ou a qualidade ou a relação ou o onde ou o quando ou a situação ou o hábito ou a a~dade ou a passividade. Substância é, por exemplo, homem, cavalo; quanti~~de: por exempl{), de dois ou de três côvados; qualidade: branco, gramatico; relação: duplo, médio, mai~r; onde: no Liceu, na praça; quando: ontem, o ano passado; situação: jaz, está sentado; hábito: está calçado, está armado; atividade: corta, queima; passividade: está cortado, está queimado (Categ., c, 4, I).

[As categorias resultam, assim, como elementos o condições necessàrias à con~epti­bilidade do real como real: se faltassem alguns destes elementos, faltaria a realidade do ser concebido].

Porque a anál.isc da linguagem nos dá n análise do que se pensa. Se a palavra não tivesse um significado, não haveria possibilidade de conversar com os outros, e para dizer a verdade nem mesmo consigo, pois não pode pensar quem não pensa uma coisa determinada. E se puder fazê-lo, darâ um nome único ao que pensa. Afir­mamos, pois, (como ~e disse desde o princfpio) que cada palavra tem um signilicado e somente um (Metat, IV, 4, 1 006).

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24 R. MONOOLFO

2. Vários signüicados do tenno substância: a substância primeira (o indivíduo) e as substâncias segundas.

A palavra substância emprega-se pelo menos em quatro sentidos, se não em mais: de fato, parece ser substância de cada coisa, a essência, o universal, o gênero e, em quarto lugar, o seu sujeito. O sujeito é aquele a respeito de quem se enuncia alguma coisa; ao contrário, ele não enuncia nada de outrem... Por isso, deve determinar-se primeiro, porque o sujeito parece ser a substância primeira por excelência (Metaf., VII, 3, J 029).

A substância, compreendida no sentido mais próprio, em primeiro lugar e por excelência, é o que não se predica de nenhum sujeito nem se en­contra em nenhum sujeito; por exemplo: um homem determinado, um cavalo determinado . .. Substância por excelência, porque são o sujeito de todas as outras realidades, c todas as outras realidades delas se entmciam ou nelas se encontram. . . Cada substância parece designar um determi­nado ser real. E verdade e estã fora de discussão que as substâncias pri­meiras designam um determinado ser real, porque o que designam é sempre um ser individual e um de número. Das substâncias primeiras, nenhuma é mais substância do que as outras; assim, um homem deter­minado não é mais substância do que um determinado boi ... Chamam-se, logo, substâncias segundas as espécies em que subsistem as substâncias primeiras; estas, e também os gêneros de tais espécies, por exemplo: um determinado homem encontra-se na espécie homem, e o gênero desta espécie é animal; por isso, dizem-se substâncias segundas, tais como: homem e animal. . . Entre as substâncias segundas, é mais substância a espécie do que o gênero, porque mais perto da substância primeira (Categ., c, 5, 2-3).

[Porque os indivíduos, embora sendo a realidade primeira, podem - por causa da sua contingência e mutabilidade - ser objeto unicamente de percepção sensível e não de Ciência, acha-se explicado em Metaf., Vli, 15. 1 040, referido no número 2 do c:apftulo precedente: Ciência e Filosofia].

A realidade universal consta de seres individuais. De indivíduos consta, pois, o universo (Fís., I, 3, 186).

3 . Os três aspectos constitutivos da substância: matéria, forma e sua unidade (Sínolo),

A substância é, pois, o sujeito: sob certo ponto de vista é matéria (chamo matéria aquilo que não é algo determinado em ato, mas somente çm potência); e, sob outro aspecto, é conceito e forma (enquanto sendo

0 PENSAMENTO ANTIGO 25

algo determinado, pode-se, mentalmente, considerá-Ia separadamente); em terceiro lugar, a resultante de ambas, que só tem nascimento e morte, e é a única que existe separadamente em si mesma (Metaf., VIII, 1, 1 042).

Por isso se alguém ao definir o que é uma casa, dissesse que são pedras, ladrilhos e madeiras, diria o que é a c~a em potência, pois, t~is coisas são a matéria; quem, em compensação, dissesse que é um refug1o de pessoas e de bens, ou outra coisa semelhante, diria o que é o at~ da coisa, e, finalmente, quem juntasse uma coisa a outra, expressaria a substância no terceiro sentido, resultante dos já citados (Metaf., VIII, 2, 1 043).

Em certo sentido, pois, chama-se ela matéria: em outro sentido, forma, e em um terceiro, a sua resultante: chamo matéria, por exemplo, ao bronze; forma, à figura da idéia; à unidade (sínolo), a estãtua resultante de ambas (Metaf., VII, 3, 1 028).

[Cfr. também Metaf., VII, 11, 1 036: a substância é a forma intrínseca cuja união com a matéria se chama, em conjunto, substância.

De ani.ma, II, 1, 412: Dela (substância) há um aspecto como matêria, isto é, aqu~Ie que por si mesmo não é um determinado ser; um outr? aspecto é a ~orma e n espéc1e, do acordo com a qual se denomina um ser detemunado e, tercetro, o que destes resulta. A matéria é potência, a forma é ato (enteléquia)].

4. A capacidade dos contrários na substância: a mutação e a matéria.

Sobretudo, parece ser próprio da substância que, ainda sendo a mesma e única de número, é capaz dos contrários ... como um certo homem, embora sendo um e mesmo, ora é branco, ora é preto, ora frio, ora quente, ora desprezível, ora estimável (Catcg., 5, 4).

Se a mudança se produzir então. . . de um contrário a outro, é neces­sãrio que haja algo de subjacente, que mude na passagem de um contrário a outro, pois o que muda não são os contrários mesm_os. Este algo re~ta depois, enquanto o contrário não permanece; e por 1sso .é um tercell'o termo além dos contrários, isto é, a matéria ... É necessáno que mude a matéria, que tem a po~sibilidade de ambos (os contrários) (Metaf., XII, 2, 1 069).

O mudar pressupõe o ser, pois a mutação é de alguma coisa para alguma coisa (Metaf., IV, 8, 1 012).

Chamo matéria aquilo que em si mesmo não pode considerar-se ne~ uma coisa, nem uma quantidade, nem nenhuma outra entre as determt­naçõcs do ser. Existe, de fato, alguma coisa de que se enuncia cada uma delas (Metaf., vn, 3, 1 029).

A matéria por si mesma é incognoscível (Met~f., VII, lO, 1 036).

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26 R. MONDOLFO

Não há matéria de cada coisa, mas das que têm nascimento e mudança recíproca (Metaf., VIII, 5, 1 044).

:e evidente que a matéria também é substância, uma vez que em todas as mudanças entre opostos há um. substrato das mesmas mudanças: assim naqueles lugares aquilo que ora está aqui, ora em outro lugar; nos de acréscimo, o que ora tem uma determinada grandeza, c ora maior ou menor; nos de alteração, o que ora é são, ora enfermo, e igualmente nos de substância, o que ora nasce e ora morre (Metaf., VIII, 1, 1 042).

a) Matéria primeira e matéria segunda. A respeito da substância ma­terial, não deve passar despercebido que, se todas as coisas derivam de um elemento primitivo ou dos mesmos elementos primitivos, e se uma mesma matéria é princípio de todas as coisas geradas, há, não obstante, também uma matéria própria de cada uma ... E podem existir mais matérias de uma mesma coisa, quando uma seja matéria da outra (Metaf., VII, 3, 1 044).

b) A matéria e os elementos. Dissemos que há uma matéria dos corpos sensíveis, esta não é, porém, capaz de existência separada, mas sempre com a possibilidade dos contrários, dos quais nascem os assim chamados elementos (De gener. corrup., 11, 1, 329).

c) Matéria sensível e inteligente. H á, porém, uma matéria sensível e uma inteligível; sensível, como por exemplo, o bronze, a madeira ou qual­quer matéria sujeita a movimento; inteligível, aquela que existe certamente nas coisas sensíveis, mas não enquanto são sensíveis, como as (proprie­dades) matemáticas (Metaf., VII, 1 O, 1 036).

5 . A matéria como potência.

Como depois o ser se apresenta sob dois aspectos, cada ser transmuta-se do ser em potencial no ser em ação: por exemplo, do branco em potência ao branco em ação (e igualmente se diga em relação ao aumento e à diminuição etc.). Assim, não somente é possível, sob certo ponto de vista, o nascer do não ser, mas pode-se também dizer que tudo nasce do ser: bem entendido, do ser em potência, ou seja, do não ser em ação ... Assim, se a matéria é única, chega a ser ação aquilo de que a matéria era po­tência (Metaf., XII, 2, 1 069).

a) A potência exclui qualquer lm,possibUidade. Se supomos o ser ou o devir daquilo que não é mas é Possível, é necesslirio que ele não encerre nada de impossfvel (Metaf., rx, 4, 1 047).

b) Potência ativa c potência passiva. ~ evidente que, sob certo ponto de vista, a potência de fazer ou de sofrer consti tuem uma mesma potência (porque algo está em potência, tanto por ter o mesmo a capacidade de sofrer a ação alheia, quanto por ter a de fazer sofrer a outro a ação próprio), mas são diferentes sob outro ponto de vista. A potência está, sob certo aspecto, no paciente. . . sob outro, no agente (Metolf., lX, 1, 1 046).

o P~NSAMENTO ANTIGO 27

6. Os três princiipios: a dupla dos contrários (forma c privação da mes­ma) e o substrato (matéria).

Assim, há três causas e três princípios: dois formados pelo par dos con­trários, que são, um o conceito c a espécie (forma) e outro a privação; e o terceiro é a matéria (Mctaf., XII, 2, 1 069).

:B evidente que todos supõem, de algum modo, os contrários como princípios. E com rnziío; porque acontece que não derivam os princíp~os un~ dos outro~ ~as todos dcles; e esta condição pertence aos primeiros contrános, que como pnmerros não derivam de outros, e como contrários não provêm um do outro ... Mas o branco provém do não-branco ... o musical do não-musical ... o harmô~co do ~!lo-harmônico e o não-harmônico do harmônico, e o harmônico perde-se no marmôruco, e não em qualquer que seja, mas no oposto. . . Se isso é verdade, pois c~d~ ser que nasce provém dos contrários, cada um que se d issolve perde:~ nos contranos ... De _modo que tudo o que se produz. na natureza ou são contra nos ou vêm dos contrános ... e pois evidente que os contrários devem ser princípios (Fis., I , 5, 188). Porém, a~bos ~peram sobre um terceiro termo, diferente dos dois .. . Por isso é necessário ... supor um terceiro te:rmo. . . E dizer, pois, que !rês são os eleiD:entos . . . P?dc parecer que foi dito com ra2:ão . .. mas não mais do ,rres; porque a un•dade é suf•c•ente para sustentar (os contrádos). (lbid., I, 6, 189) . .. Definido isto, de todos os casos de geraçiio, ao considerá~Ios, pode chegar-se à conclusão, como já se disse, de que semp!e 6 necessário que acrescente algo que sobrevenha. E isto se for um de número, nao é um de forma ... O que surge, simplesmente, nasce ou por transformação, como a estátua de bronze, ou por adição, como o que cresce; ou por redução, como da pedra um Hermes; ou por composição, como uma casa; ou por tra?sfonn~ção, como as coisas que mudam na matéria. Ora, tudo o que se torna assun, ev1dentemente provém de indivíduos preeltisteotes ... Por isso, pode dizer-se que os princípios são .. . três. . . :B evidente que algo deve sujeitar·se aos contrários, e que os contrários são dois. . . Esta natu reza sujeita pode conhcccr·se por analogia. A mesma relação que ná entre o bronze ~, a estátua ou entre a madeira e o leito, ou entre toda outra coisa que tem forma e sua matéria, ou o amorfo antes de receber a formn. é a relação que existe entre a matéria e a substância ou um determinado se~ i~d~vidual e rea~. Logo, é um princípio tlllico, porém, não é único e uno como ser mdmdual, dctermt· nado, mas como conceito. E o seu contrário é a privação (Fís., I, 7, 190).

7 . A privação e o desejo da forma na matéria.

Dissemos que a matéria e a privação são diferentes; e destas, urna, isto é a matéria é não ser em sentido relativo; a privação, ao contrário, é n'ão ser em ~cntido absoluto, e aquela (a matéria) é vizinha da substância, e de certo modo, ela também é substância; em compensação, a privação, de nenhum modo. . . Uma, permanecendo sujeita, é causa, conjunta­mente com a forma, do que nasce, e quase sua mãe; a outra, em vez ... poderia parecer albsolutamentc inexistente. Pois, se bá algo divino, bom e desejável, dizemos. que existe também o contrário dele, que, por sua pró­pria natureza, deseja e apetece aquele. Porém ... não acontece que a forma aspire a si mesma, porque não está privada de si mesma, nem (pode

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28 R. MoNOOLFO

aspirar a ela) seu contrár~o, porque os contrários se destroem reciproca­mente. Mas, es~e (que asptra) é a matéria; como se a fêmea desejasse ao macho, e o few ao belo,· salvo se - ' f · ' absoluto mas relativo (Fís., I, 192).

nao e ew nem femea em sentido

8. A preexistência da matéria (potência) ao devir.

Investi~ando quais s~o os princípios e os elementos das substâncias, e das relaçoes e das qualtdades ... , torna-se evidente que. . . são os mesmos para todas as coisas. . . matéria, forma, privação e causa mot{)ra (Metaf XII, 5, 1 071). .,

Tudo o que acontece, acontece por obra de algo, provém de algo, ~ansfo~ma-se em algo. De modo que, tal como se diz, o devir seria Imposstvel. se algo não preexistisse. Então, é evidente que uma parte já ?eva, ~xtstrr necessariamente; esta parte é a matéria: .efetivamente está Imphcita ~torna a.ser (Metaf., VII, 7, 1 032). '

Produztr u~ O~Jeto determinado é extrair este objeto determinado de um ~ubstrato mte1ramente subsistente .. . (O artífice) dá existência a uma esfera de ?ronze: produz nele a forma, e ist{) é a esfera de bronze . .. ~g?, é evidente que o que surge não é o que se chama espécie ou subs­t~~cta.' m~s. o encontro que toma o nome da mesma, e que há uma ma­tena tmphclta em toda coisa em que se torna e ora é esta ora aquela COISa (Metaf., VII, 8, 1 033). ' '

O que muda é a matéria; aquilo em que se transforma é a forma (Metaf., XII, 3, 1 070).

9 · A forma como ato, e a sua relação com a matéria.

Ato é a for~~· considerada separadamente, e (ato é também) a resul­tante da sua umao com a ~1atéria (enquanto é privação dela, por exemplo, a obsc~r.I~ade ou a enfermidade); potência é matéria, porque é 0 que tem a possibilidade de chegar a ser ambos (os contrários: forma e · -(Metaf., XII, 5, 1 071). pnvaçao)

O Mo é .a existência da realidade, porém, não da maneira como dizemos que ela extst~ quando está em potência - (como, por exemplo, dizemos que .na madeira está em potência um Hermes, ou a metade no todo no sen,t1do _de que poderiam extrair-se da madeira ou do todo ou diz;mos que esta em potência o sábio, também quando não está' especulando enquanto tem a capacid~de de especular) - mas quando está em ação: Torna-se claro ~ que dizemos se nos referimos a casos particulares ... Na mesma relaçao em que se acha o que constrói efetivamente em relação ao que sabe construir, ':_U como o acordado em relação ao que dorme, ou o que olha em relaçao a quem, embora possuindo vista, conserva os

0 PENSAMENTO ANTIGO 29

olhos fechados, assim também o objeto derivado da matéria está para a matéria mesma, e o completamente acabado está para o objeto não ter­minado; com o priimeiro termo destes pares de diferentes, toma-se definida a ação; com o segundo, a potência (Metaf., IX, 6, 1 048).

a) Anterioridade e posterioridade do ato à potência. :e evidente que o ato é anterior à potência .. . pelo conceito e pela substância; pelo tempo é anterior somente sob certo aspecto, e posterior sob outro. Quanto ao conceito, é evidente que é anterior, porque o que originariamente possui a potência está dotado de potência, enquanto é capaz de passar ao ato: por exemplo, chamo construtor a quem tem a potência de construir; vidente, quem pode ver; visíveL o que pode sei visto etc. De modo que, necessariamente, o conceito e a noção de um precede ao de outro. E é anterior, pois, pelo tempo, neste sentido, que o indivíduo em ação é anterior enquant·o é idêntico em espécie e não em número. Quero dizer que a este homem que está em ação, e (assim) a este grão e a este vidente, são anteriores pelo tempo, a matéria, a semente e a faculdade visual, que são homem, grão e vidente em potência e não em ação. Mas, anteriores a estes no tempo são outros seres em ação, dos quais nasceram estes, pois sempre o ser em ação deriva do que está em potência por obra de outro ser em ação, por exemplo, o homem por obra de homem, o músico pelo músico; em suma, sempre por obra de um motor precedente: e este motor já está em ação. . . Mas (é anterior) também pela substância: primeiramente porque o que é posterior na geração é anterior na espécie e na substância .. . ; e depois porque cada coisa que surge, se origina de um principio e um fim: princípio é o porquê, e pelo fim realiza-se o devir. E fim é o ato, e graças a ele se estabelece a potência . .. Mas, sobretudo, pelo seguinte: que as coisas eternas por substâncias são anteriores às corruptíveis, e nadla do que está em potência é eterno (Metaf., IX, 8, 1 049-1 050).

b) Polêmica contra a teoria que afirma a SCJ>aração e transcendêocL'\ das formas, em lugar da sua unidade com a matéria e imanência nesta. (Critica das idéias platônicas):

I) As idéias separatdas e transcendentes não podem ser causa, nem explicar o devir nem o ser. Haverá talvez uma (outra) esfera fora destas (sensíveis), ou uma casa fora dos tijolos? Se, assim fosse, nunca poderiam transformar-se nesta (esfera ou casa). . . :É evidente que se a causa das espécies, que alguns costumam chamar de idéias, fosse algo fo:ra dos seres singulares, não serviria para explicar nem o devir nem as substâncias (Metaf., VII, 8, 1 033).

li) São uma dupllicata vã e absurda das coisas. Os que estabelecem as idéias como causas, tratando em primeiro lugar de compreender as causas destes seres aqui, introduziram outros tantos novos. . . : para cada objeto singular há um do mesmo nome. . . Além disso, os argumentos para demonstrar a existência das idéias nada demonstram. . . e de alguns deles derivaria a existência de idéias do que não cremos que exista, isto é, das negações ... , de coisas corruptíveis ... , das relações ... Mas, principalmente, o problema é: para que servem as idéias para as coisas sensíveis, sejam eternas ou sujeitas a nascimento e a morte. Pois não são causa de nenhum movimento e de nenthuma mutação para elas . ..

III) Não beneficiam ao conhecimento das coisas nem ao seu ser. E não servem de auxílio nem mesnno à ciência das outras coisas (visto que não são a sua substân­cia; de outro modc•, não seriam imanentes nelas); nem ao seu ser, não estando presentes nas coisas que nelas participam . . .

IV) Falar de moddos e de participação é vão discurso. Dizer que são modelos, e que as coisas neles participam, é vão discurso e metáfora poética. Que existe, de fato, que obre visando às idéias? ...

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30 R. MONDOLFO

'('> A substância não pode separar-se do ser de u A • cena impossível que estivessem se a d A q .e é substâncm. E, todavia, pare­cia: de maneira que as idéias qt~e r:ã as s~b s~bst~ncJa e aquilo de que ela é substân-scparadas das mesmas?. . . ' 0 5 ncias das coisas, como permaneceriam

VI) O problema da Ciência (expU f A

nece excluído. Em suma enquanto carC~~ ~nomenos e a realidade natural) perma-d · d . • a JencJa procura a caus d · . , . erxamos e lado JUstamente essa (já que nada d. a as COISas VJSJVeis, teve ongem); c, enquanto cremos explicar a ~se~os. da causa em que a mudança q~e existem outras substâncias, mas de

0 5 bstan:Ja daquAela~, mais afirmamos

d rssemos: pois dizer que parti' . d ql e maneua sao substancJas daquelas nada c1pam e as, com J'á d _ ' nada. . . E no que se refere ao . o se cmoustrou, é nao dizer evidente que também as I'de"a. t n:ovtmento, .se estas coisas forem movimento é

- J s es arao em movunento· e . , ' então? Chegar-se-ia, pois, a suprimir toda . ' ' ~e asstm e, de onde surgiu

a pesqu1sa da F ísica (Metaf., I, 9, 990..992).

10. As quatro causas: forma, matéria, causa eficiente ou motora, fim.

!). evidente então que · . . . (po. ' . ' necessitamos adqumr a ciência das causa . meuas IS dJssemos que sabemos cada . s pn­a causa primeira)· mas a pala ' COisa, quando cremos conhecer dos quais é que' consideramosvr:a~ausa usa-se em ~ua~ro sentidos, um [forma] (com efeito, o porquê reduz-s~ ;~~s~lt:a substancJa .e a essência princípio são 0 or uê . . 1D10 ao conce1to, e causa e terceiro, aquele ~on~e v~~merro): 0

, ~utro, a m~téria e o substrato; um 0 pnnc1p10 do movimento [causa ef' · t 1

u.m quarto, a causa oposta a esta, ou seja o fim e o be ( . ICJenée ; fun de toda a g - d ' · m po1s este o

eraçao e e todo o movimento) (Metaf., I, 3, 983). P~r exemplo, qual é a causa do homem como matéria? N- é tal

o menstruo? E qual é como motor? Não é ao vez como fo ? A A . • por acaso o esperma? E qual Talvez e:a. e;s~n.cia. <?ual como fim? A finalidade (do homem).

s duas Ultimas SeJam a mesma coisa (Metaf., VIU, 4, 1 044).

Em um sentido diz-se causa aquil d · · A •

da estátua e a prata da redoma e ot~t e CUJa l~nerencJa nasce algo, como o bronze o modelo, quer dizer, 0 conceito d ras ~e~c antes; :m outro sentido, a esvécie e relação de 2 a 1 na oitava em a 1 esseu~ra e os generos desta: por exemplo, a terceiro lugar, 0 princípio ~rimei;;r~ 0 n~mero e os elementos da definição. Em agente é causa (da ação) e o pai do f~h mu ança ot~ do repouso; por exemplo, o quem muda do mudado E em t

1° e em gera., quem faz e causa do feito e

'd é f' ' · quar o ugar o fim· que é 0 A 1 s~u e lfD do passear.. Com efeito , . . . porque, ta como a sao; e, assim dizendo cremos d ' Por que se passeta? Dtzemos: para se estar palavra causa resulta' que pode ahraa cau_s~ . . . Por esta multiplicidade de sentidos da

. ' ver vanas causas da mesm · mesmo sentido (Fis., II, 3, 194). a COisa ... mas não no

[Das quatro causas, duas a formal f 1 -tíveis a uma Porém sob ' t e a ma • sao declaradas identificãveis e redu-

. • cer o ponto de vista també r· · na geração, idenillicável com a formal • m a ~ausa e JCtente aparece, geração do filho, como forma em a ã ' uma . vez que o PaJ é causa eficiente da duas: matéria e forma a u · ç o. P?r Js,so as causas fundamentais são estas indivíduo}. ' ' rudade das quars (smolo) constitui a substância real ou

0 P ENSAMENTO ANTIGO 31

11. A sene das causas. Necessidade de causas primeiras e absurdo do processo ao infinito.

Mas, na investigação da causa (como em qualquer outra investigação) é necessário chegar, para cada coisa, o mais longe possível: por exemplo, o homem constrói a casa porque é construtor, mas é construtor em virtude da arte de construir; esta é, pois, uma causa anterior. E assim para cada coisa (Fís., li, 3, 195).

É evidente, portanto, que há um princípio, e que as causas dos seres não são infinitas, nem em série linear nem em multiplicidade de espécie. Pelo que se refere à causa material, efetivamente, não se pode ir até o infinito em derivar uma coisa da outra: por exemplo, a carne da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim sucessivamente; nem quanto à causa motriz, dizendo, por exemplo, que o homem é movido pelo ar, este pelo sol, e o sol pela discórdia, e assim continuando sem fim. E, igualmente, é impossível ir até o infinito para a causa final, explicando o passeio com a finalidade da saúde, esta visando à felicidade, a felicidade visando a outra coisa e sempre assim, cada outra coisa em razão de outra. E do mesmo modo em relação à essência. Com efeito, na série dos termos médios, fora da qual há um último c um precedente, é necessário que o precedente seja causa dos que vêm depois .. . ; de modo que, se nenbuma causa é a primeira, não haverá mais, em verdade, nenhuma causa ... Além disso, o porquê é o fim, e é tal que não se realiza por outro mas o resto por ele; de maneira que, se há um termo último desta espécie, não haverá processo até o infinito; se não houver, também não haverá um porquê. Mas, àqueles que •Consideram o proc.esso como infinito não ocorre suprimir a natureza do bem. E, não obstante, ninguém se esforçaria em fazer algo se não tentasse conseguir um fim ...

Mas, nem mesmo a essência pode levar-se (ao infinito) a outra defini­ção. . . pois se não h á um primeiro de uma série, também não existe o que o segue . . . E não haveria conhecimento, porque como se poderiam pensar os infinitos? (Metaf., II, 2, 994).

12 . A cadeia dos móveis e motores: o primeiro motor e a sua imobilidade.

Todo móvel deve ser movido por um motor. Portanto, se não tiver em si mesmo o princípio do movimento, é evidente que é movido por outro ... Uma vez que cada corpo móvel é movido por um motor, é necessário, também, que cada corpo movido no espaço nele seja movido por outro. E, então, o motor por outro motor, pois também se move, e este, por sua vez, por outro (Fis., VII, 1, 241). Mas isto não pode continuar até o infinito; deve deter-se em um ponto e haverá algo que será causa primeira do movimento . . . (VII, 2, 242). Se (o motor) está em movimento, será

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32 R. MONDOLFO

necessário que se aceite que ele muda e é movido por alguma cois·a: pois devemos parar e chegar a um movimento produzido por um imóvel (VIII, 15, 267).

Não é, pois, necessário que o móvel seja movido sempre por outro, o qual se encontre, por sua vez, também em movimento; haverá, por­tanto, uma parada. Assim, o primeiro móveL será movido por um imóvel ou mover-se-á por si mesmo (Fís .• VIII, 5, 257). . . Posto, então, que todo móvel é movido por um motor, e que este é um imóvel ou movido, e movido sempre por si mesmo ou por outro, chega-se a estabelecer que há um princípio dos movimentos que, para os móveis, é o que se move por si mesmo, e, para a totalidade do universo, é o imóvel (Fís .• VIII, 8, 259).

Uma vez que o motor deve ser eterno e nunca cessar, é necessário que haja um primeiro motor ... e que o primeiro motor seja imóvel (Fís .• vnr, 7, 258).

É preciso que haja uma substância eterna imóvel. . . Se o universo é sempre o mesmo em seu movimento circular, deve existir algo que permaneça agindo sempre do mesmo modo (Metaf., XJI, 6, 1 071). Existe algo que sempre é movido de maneira inexaurível, quer dizer, circular ... ; pelo que será eterno o primeiro céu. Há, pois, alguma coisa que o move. E, como o que é movido e move é mediador (entre motor e móvel), há alguma coisa, pois, que move sem ser movida, sendo etema e todo substância e ato. (Metaf .• Xll, 7, 1 072). Este não tem mais necessidade de mudar, poderá, porém, mover sempre (pois não lhe causa nenhuma fadiga mover assim); e o movimento por ele produzido é uniforme, ou ele só ou por excelência: uma vez que o motor não tem mudança de espécie alguma (Fís .• VIII, 15, 267).

13 . O motor imóvel deve ser ação pura.

Mas, se existisse um ser capaz de mover e de produzir, porém, que não estivesse em ação, não haveria movimento; já que o que possui a potência poderia, também, não passar à ação. . . Deve existir, portanto, um princípio de tal natureza que a substância seja a ação. E além disso, substâncias semelhantes devem ser sem matéria; porque devem ser eternas (se houver algo no mundo): logo, só é ação (Metaf., XJI, 6, 1 071).

Sendo ação pum, é única. Todas as coisas que são multíp!ices de número impJi. cam em matéria: pois é um e idêntico o conceito de múltiplos, como por exemplo, da espécie homem, e é um, por exemplo, Sócrates. Mas a essência pura, que é a pri­meira dentre todas, não possui matéria, pois é ação pura (Metaf., XII, 8, 1 074).

0 PENSAMENTO ANTlOO 33

14 . l; causa final: inteligível e apetecível.

Mas de tal modo move o que é objeto do apetite; e o que ~ objeto da inteligência move sem ser movido. . . A distinção (entre o flm e q~em tende para ele), demonstra que a causa final se .ach~ ~ntre as cotsas imóveis. Pois um ser tem um fim, e deles, um (o hm) e •m?vel, o outro (o que tende para ele) não é imóvel. Move (o fim) como objeto do a~or e (o que tende para ele) move todo o resto, enquanto ele mesmo é movtdo (Metaf .• XII, 7, 1 072).

Concepção intelectualista, não V()luntária do fim: objeto do lntel~cto .ante~ .que da tendência. Os primeiros entre tais objetos (do intelecto e do apellte) 1dentif1cam·~· Pois 0 que parece belo é objeto do apetite, e o prime1ro obJeto da vontade (apehte racional) é 0 que é belo. Desejamo-lo enquanto nos pareça .belo, antes que ~1os pareç~ belo porque 0 desejamos. Porque aqui o princípio é o mtelecto. E . o mtelecto e movido pelo inteligível, e a série do inteligível é diferente e d.e per SJ; e nela_ está a substância primeira, e das substâncias, é primeira a . que é sunples e e!D açao . · · Mas também se acham na mesma série o belo e o deseJável por SI, e o ót1mo ou seu semelhante é sempre primeiro (Metaf., XII, 7, 1 072).

15. O motor imóvel não tem extensão (grandeza).

:B evidente que 0 primeiro motor imóve~ n~~ pode t~r . extensão (~an­deza). Pois se a tivesse deveria ser ou inf1mta ou f~mt.a.. Mas ja se demonstrou na Física que não pode haver grandeza mfuuta, e qu~ o finito não pode ter potência infinita, nem do finito pode ser mov1do algo por tempo infinito; ora, o primeiro motor. m?ve ?: modo ~terno e por tempo infinito. Portanto, é evidente que seja mdiVJStvel e nao tenha partes, pois não tem grandeza (Fís., VIII, 15, 267).

16. É inteligência pura, que tem a si mesma por objeto: Deus. Imu­tável atividade e beatitude eterna de Deus.

Então 0 céu e a natureza dependem de um princípio de tal natureza. E essa ~ida que também para nós é a mais excelente, mas que ,some~te nos é concedida por breve tempo, ele a viv~ . sempr~ (par~ nos sena, entretanto, impossível), pois para ele, a sua at1v1dade. e tamb,e~ gozo. · ·. o ato intelectual que é por si mesmo, tem por objet~ o ottmo por SI

mesmo; e 0 ato intelectual, por excelência, tem por objeto o ~tun~,, por excelência. o intelecto pensa por si mesmo mudando-se em mteltgtvel; pois se faz inteligível no contato e. na . i'_!-teligência (de. si m~mo ), po~ isso identificam-se o intelecto e o mteltgwel. Com efe1to, o. mtele~to e cap~cidade do inteligível e da substâ~c.ia; m~s, já os poss1:11ndo, e em ação; por isso, 0 que parece ter de dtvmo o mt:lecto é ma1s aJuele do que esta, e a a ti v idade mais doce e exceleo,te e_ a co~templaça~ . · . E como 0 ato de compreender é vida, e ele e açao, ass1m, a açao pura

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34 R. MONDOLFO

por si mesma é a sua ótima e eterna vid p . . é vivente eterno, ótimo . .. Pois isto é Deua. orMis~o, diz~mos que Deus q ' · , s · · · a~ e evidente també ue e unpassiVel e inalterável (Metaf. XII 7 1 072_3) E

1 ' m,

pensa o que há de mais divino e au ' ' ' . ~ aro que ele seria para pior e já seria u _gusto, e nunca muda, pois a mudança uma vez ~ , . m movimento. . . Pensa, pois, por si mesmo mento ~e e . o otl!~·o, e o seu pensamento é pensamento do pensa~ . . . . assun esta ele sendo ação d-e pensame t

SI mesmo durante toda a eternidade (1\tletaf., XII, 9~ ~ 0~~~5;~ pensa a

17. A infinidade do poder divino.

Das coisas já ex t . t

A • pressas, orna-se evidente pois que há uma b anela eterna e imóvel e se arada d ' , '. su s-

monstrou que esta substânci: ~ ~s seres senstve!s. E também se de· partes e indivisível Uma ve nao po e ter nenhuma grandeza, mas é sem

· z que move por um t · f . que seja limitado pode ter uma potA . . f' . empo m Ul!to, e nada Infinita é toda potência como to;nc!~ tn Iruta (M~taf., XII, 7, 1 073 a).

1 ' o numero (multidão) e tod d que u trapassa a qualquer finita (Fís., VIII, 15, 267). a gran eza

[Nunca se Prestará bastante atenção a estas afi - . tram nele, adversário e negado r do infin, ( f rmaçoes de Anstóteles, que mos­mento da infinidade do poder em D Jto. c r. cap. segumte, n.o 3), o reconheci­esquecidas. cus. InJustamente, estas afirmações são amiúde

A potência que nelas se atribui ao r ' . téc:nico usual que tem a palavra potêncla 7e~r~ motor não. c~rresponde ao sentido açao (f.vlp-yeta). Ela significa a . f 8waJ,w;-), em Artstoteles, por oposição à I, 7, 275 b, no curso da discu~~~ :::a causadora e operante, tanto que em De coelo, Metafísica e da Fisica, a expressão ~r;s~ondeu~~ à que vnnos nos lugares citados da outra: • • , ' (f . ovvaJ,ttç es a mudada, como equivalente com a

Xtvovo-a w·xvç orça motriZ) Nos lugares c 'tad Ar' , ' mente, o conceito de que po t · • . 1 os, JStoteles expressa justa-primeiro motor deve ter ;m a~o e~~: ~~:enc,_a /e uma açJo de duração infinita, 0

-Deve-se, pois, notar aqui: I) que o con~e~t tn nuta-de açao .. nao somente de causa final mas também do da açao da dtvmdade é aqui ambíguo: 2) que, em lugar do conceito ne ativ . e. c_ausa operan~e (co~o já em Platão); fora de si), aparece aqui um con:e·t o d? mfmtto_ (sempre Jmperfeito e tendo outro é reconhecida assim uma infin'dad 1 0 pos,~vo (maior do que qualquer finito); 3) que da infinidade em potência (du~açã~ ~~- ~i:o (forç~ operante i11finita) como condição à divindade, é reconhecida como pe~~-;~' da_ açao); 4) q~e, atribuída a infinidade o Renascimento, para se propor 0 pr~~~a n:o como ~e!ei!O: D aqui partirá, depois pode corresponder um efeito limitad ( d of~r~ se a mfJnidade da causa (Deus)

o mun o uuto)].

ill. A NA TURBZA.

Necessidade e finalidade na natureza: a e a constância das leis. preeminência da finalidade

1.

É evidente que, nas coisas naturais 'd , e por seus movimentos E f' . d' a l~ecess~ ade e dada pela matéria

. o ISico eve mvesttgar ambas as coisas (ma-

0 PENSAMENTO ANTIGO 35

terial e final), mas especialmente o fim porque este é causa da matéria, porém, a matéria não é causa do fim (Fís., Il, 9, 200).

E eis uma objeção. Que é que impede que a natureza opere sem um fim e não para o melhor; mas, da mesma maneira C·omo Júpiter envia a chuva não para fazer crescer o grão, mas por necessidade, porque o vapor elevando-se deve esfriar-se, e esfriado desce transformado em água? E que cresça o trigo, tendo acontecido isto, é contingente. Do m~smo modo também se (chovendo) o grão se perde sobre as eiras, não chove para que se perca, mas isto é um fato contingente. Portanto, que é que impede que, na natureza, aconteça o mesmo para os órgãos do corpo? Que, por exemplo, despontem os dentes por necessidade, e os da frente aguçados e próprios para dilacerar, os molares largos e aptos para mas­tigar, sem que isso aconteça para tal fim, porém que (o efeito) seja só contingente? ...

... Mas é impossível que seja deste modo. Porque estas e todas as outras coisas que são por natureza acontecem assim sempre ou no maior número de casos; das que são contingentes ou casuais, nenhuma. . . Se não é possível dizer que estas sejam contingentes ou causais, terão um porquê. . . Portanto, há um porquê nas coisas que acontecem e são por natureza. E além disso, onde há um fim, por ele se realiza, seja o que precede seja o que segue ... Também nas plantas parece produzir-se o que beneficia o fim, como as folhas para a proteção do fruto. Por isso, se por natureza e por um fim, a andorinha faz o ninho. e a aranha a teia, e as plantas produzem as folhas para os frutos, e as raízes não estão dirigidas para cima mas para baixo para a nutrição, é evidente que uma causa semelhante se acha presente em todas as coisas que se produzem ou são por natureza (Fís., 11, 8, 199).

a) Formas naturais e monstruosidades. E como a palavra natureza significa duas coisas, matéria e forma, e esta última é o fim e pelo fim realizam-se as outras coisas, assim, esta será a causa ou o porquê ... ; e os monstros serão falhas do fim (ibid., li, 8, 199).

b) As condições necessárias (matéria). Como nas coisas de arte, pois a casa é esta coisa determinada, é necessário que se dêem certas condições [pedras e tijolos] necessariamente, pois a saúde é esta coisa determinada, cujas condições determinadas devem produzir-se necessariamente a ser assim também para o homem, se é assim, estas dadas condições e assim por diante (Fls., JI, 9, 200).

2. A contiugência.

Colocam-se também entre as causas a contingência e o acaso; e muitas coisas dizem que existem e se geram fortuitamente e ao acaso. . . Há quem duvide se (fortuna e acaso) são ou não uma realidade, dizendo que nada acontece fortuitamente, porém, que tudo tem uma causa de­terminada (Fís., 11, 4, 196). Antes de tudo, pois, como observamos que

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36 R. MONDOLFO

algumas coisas se produzem mesrn . , . sempre, outras a maior parte das vezes, da

a maneua, e evidente que a nenh d I . . a contingência M , uma e as se atribUI como causa h · · · as, como alem destas aconte

I es atribuem existência fortuit , 'd ' . cem outras, e todos têm uma realidade p t t a, ,e evi ente que a fortuna e o acaoo

· · · or an o e necessário q · · as causas das quais proviria 0 f~rt .t p

1 ue SeJ~m mdeterminadas

parece achar-se no campo d . tdu o. e 0 que tambem a contingência h , o m etermmado e não 'f ornem. . . E e causa acidentalm , no mam esto ao nada ... (ibid., 5, 197). ente, porem nunca absolutamente, de

a) Diferença entre contingência e acaS() . acha mais extenso visto que tod . . A dJferença está em que o fortuito se

0 t' ' o contmgente é casual - , c n mgente. . . Sobretudo é difere t d . . ' rn as este na o e sempre quando acontece um fetl,ômeno nt e o contingente nos fatos naturais porque r . con ra a natureza - d' ' , mgente,, mas que acontece fortuitamente. També ' ' énao JZemos! então, que é con-

de um e externa, a do outro interna (FÍs II 6m 197~Lferente UJsto: porque a causa b) A Ct@ncla é da lei e da necessídad' D ' .

exemp~o, que isto deriva necessariamente d~ uileve-se demo~strar em tudo a razão: na maiOria dos casos· e se J'sto est, q o e que denva de modo absoluto ou 1 - ' ' a para acontece t

c usao das premissas; e porque esta é a essência r, mos rar, como se deriva a con-modo absoluto, mas relativo à sub t' . d ' e porqu~ e melhor assim, não de

s ancra e cada cotsa (Fts., If, 7, 198).

3 . O infinito.

a) Argumentos a favor c dif' ld d nos movimentos naturais (lugar~c:ata ~:) a preeminê_ncia da finalidade do cosmo, Os investigadores d . f' u~a•s e a necess•dade da limitação t • · . 0 m IOJto fundam a cre ~neta em cmco razões: 1. 0 ) do , . . n_ça na sua exis-

Sibilidade nas grandezas (po· tempo~ porque e mfmrto; z.o) a divi-que a geração e a destruiç~~ os-matematJcos se valem do infinito); 3. O)

~o ~nfinito do qual surge o devir;n:~) s:Jé:t~~guem nun~a,. ~raças somente lmutado em outra coisa, de modo uc , Jsso, ~~e o mfmlto está sempre termo, se todo termo deve a b q e necessano que não haja nunca argumento principal, que torn~a :r d~;m~~e dem outro; s.o sobretudo, o vendo limite para o pensamento ta I ~~ a e ~omwu a todos: não ha­e as grandezas matemáticas e ' m em o numero parece ser infinito t · d · · · 0 espaço fora do unive M ~~-r~~~ o mfmito apresenta dificuldades porque ca. rso. : . . as, a

SI 1 1 ades, seja negando ou af d • I em mmtas lmpos-203). . . Ora, se a definição de c~;nan _o a su~ ~xi~tência (Fís., III, 5, não se poderá dar corpo infin't po é. ~ qu~ ~ limitado pela superfície, infinito não pode ser nem co I o, nem I~tehglvel, nem sensível. . . O

. . mposto nem simples Nã á corpo mfmito se os elementos 8• t· . · o ser composto 0 , . ' ao m1tos em número s · . sano que houvesse mais infinitos e , . : ena, POJs, neces-não fosse infinito unicamente um ~~ ~~ntrarros se ~gu_al_assem sempre e destruiria o finito Mas é ·m ,

1 les. · · O 1nf1mto esmagaria e

. 1 possJve que cada um (dos elementos) seja

0 PENSAMENTO ANTIGO 37

infinito, uma vez que ... o corpo infinito devia e-stender-se em cada direção ao infinito. Mas o corpo infinito não pode :ler nem ainda simples e único ... Não há um ·COrpo se.nsível semelhante além dos assim chamados elementos ... Nem o fogo nem nenhum dos outros elementos pode ser infinito . . . E, evidentemente, é impossível dizer que o corpo é infinito, e, ao mesmo tempo, que há um lugar natural para os corpos ... As espécies do lugar são as diferenças de acima e abaixo,. diante e atrás, direita c esquerda . .. ; ma& é impossível que elas existam no infinito ... Então, não se pode dar corpo infinito em ação (Fls., 111, 7, 205).

b) A existência do infinito. Por outro lad•o, se negarmos absoluta­mente a existência do infinito, é evidente que disso se originam muitas impossibilidades; haveria um princípio e um fim do tempo, e as gran­dezas já não seriam divisíveis em grandezas, e o número já não seria infinito. . . E evidente, pois, que o infinito existe em certo sentido, em outro sentido, não. . . A grandeza não é infinita em ação, porém é tal quanto à divisibilidade. . . Conclui-se, portanto, que o infinito existe em potencial. . . Também sob o ponto de vista da adição, o infinito existe assim em potencial; mas. . . não obstante, não pode ultrapassar a gran­deza definida do todo, enquanto que na divisão ultrapassa toda deter­minação, e sempre haverá um menor (Fís., IIJ[, 8, 206).

c) Imperfeição do infinito: possibilidade uniicamente de um conceito negativo. Conseqüentemente, o infinito é o contrário do que afirmam: porque o infinito não é aquilo f-ora do qual não há mais nada, porém além do qual há sempre alguma coisa .. . Ora, aquilo que não tem nada fora de si é perfeito e inteiro ... ; mas aquilo fora do qual existe algo de que ele precisa, não é inteiro, seja -o que for que lhe falte (Fís., lll, 9, 207).

[A este conceito puramente negativo do infin ito conltrapõe-se., em Aristóteles, com evidente contradição, um conceito positivo dele: pela potência divina, pela grandeza e pelo número. Cfr. mais adiante, na letra g].

d) O infinito como matéria ou potência. O infinito é, de fato, a matéria da perfeição da grandeza, e o inteiro em potencial, não em ação. . . Por isso, o infinit-o inclui-se melhor n-o conceito da parte do que no do todo, porque a matéria parte do todo, como o bronze da estátua de bronze (Fís., III, I O, 207).

[Também a este conceito do infinito como matéria •Oll potência contradiz o reco­nhecimento de um infinito em ação como fundamento do mesmo infinito em poten­cial. Cfr. o número 17 do cap. precedente].

e) O infinito no número: pensamento e rcalidladc. No número, ao con­trário do que acontece com a grandeza, é racional que exista um limite

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38 R. MONDOLFO

na direção do mtmmo, porém, na direção do máximo, possa superar-se sempre qualquer multidão. De modo que o infinito existe em potencial, não em ação (Fís., DI, 11, 207). :á absurdo [sobre esse assunto] basear-se no pensamento, porque o excesso e a falta não estão na realidade mas no pensamento. . . Tempo e movimento, sim, são infinitos-, e também o pensamento, sem que subsista todavia o seu objeto. Mas a grandeza não é infinita, nem por adição nem por subtração mental ~., III, 13, 208).

Impossibilidade da mudança infinita: unicamente o movimento circular. Nenhuma mudança infinita pode realizar-se, porque toda mudança é ... de contradição e entre contrários·. Por isso, a afirmação e a negação são limites dos de contradição (por exemplo, nascimento para o ser, destruição para o não-ser). . . A mudança é de contrários, e assim o aumento e a diminuição, mas a translação não é limitada a este modo, porque não é toda entre contrários. . . E não acontece o que é impos­sível que aconteça. . . Por isso, o movimento não é infinito nem pode percorrer uma distância infinita, porque não é possível percorrê-la . . . De maneira que, dado que haja um movimento único, não pode ser infinito no tempo, exceto em uma forma, que é a translação circular (Fis., VI, 16, 241).

f) A divisibilidade infinita do contínuo. É impossível que um contínuo conste de indivisíveis, como a linha de pontos, se a linha é contínua e o ponto indivisível. . . Seria necessário que os pontos estivessem em con­tinuidade ou em contacto recíproco para que resultasse um contínuo; e o mesmo discurso aplica-se a todos os indivisíveis. . . Visto que estão em ·continuidade as coisas entre as quais não se intercalou nenhuma in­termediária do mesmo gênero, mas entre os pontos há sempre uma linha intermediária e, entre os instantes, um tempo. . . O mesmo argumento conserva o sen valor para a grandeza, para o tempo e para o movimento (Fís., VI, 1, 231). Por necessidade são as mesmas as divisões do tempo e as do movimento. . . e do espaço em que se realiza o movimento ..• Se o movimento é divisível, também o é o tempo . .. A conseqüência por excelência da mudança é a divisibilidade de todos e ao infinito; pois ao mutável corresponde imediatamente o ser divisível e infinito (Fís., VI, 5, 235). Com efeito, nem o tempo consta de instantes, nem a linha, de pontos, nem o movimento, de unidades indivisíveis de movimento (Fís., VI, 15, 240).

Incompatibilidade de finito e infinito nas relações de grandeza, movimento e tempo. Visto que cada móvel se move no tempo, e no maior para maior grandeza, é impos­

s!vel que em um tempo infinito haja um movimento finito, que não seja igual e parcial, mas total no tempo total. Logo, é evidente que, se o movimento é uniforme, é necessário que o finito se mova em tempo finito. . . O mesmo deve dizer-se em relação ao repouso: pelo que não pode ter nascimento nem morte o que sempre é idêntico e uno. O mesmo discurso demonstra também que em um tempo finito não pode haver movimento ou repouso infinito. . . Mas, como o finito não pode percorrer o infinito em tempo finito, é evidente que nem ainda o infinito pode percorrer o finito: pois, se aquele percorre este, necessariamente este percorre aquele. . . Porém

39 0 PENSAMENTO ANTIGO

. finito em um tempo finito (Fís., VI, 11, nem mesmo o infinito pode percorrer o m

238). • . d · f. 1·to· do concedo f. · ~ es negativas o m m ·

g) Contradição com ~. de 1DIÇO tência divina do n6mero, da gran· negativo ao positivo: infirudade da po ·nt· ·to· ' e nada que seja Jimi·

(D ) ove um tempo 1 lDl ' ' , d deza e d.o tempo.. eus m~ . infinita (Metaf., 1 073 a). Infinito e to a tado, pode possuu uma yotencta t da grandeza que ultrapasse qualquer potência, como todo numero ed o ode definir:se o tempo infinito como finito (Fís., 267). ~De ~erto mo a ~Ç (De coelo I , 12, 283). aquele do qual nao eXIste o m t ' .

fora de si . ., e tem sempre outra coiSa (Assim o infinito não é maJs aqut o ~ si e por isso supera a qualquer

(conceito' negativo) mas a.q~~o que tem.~~ ou~~ m'aior. Mais tarde dirá Sêneca da outro, e não oferece poss,t~Jltdade ~e e~~u:e apode pensar nada maior, uma ve: que infinidade de Deus, que da mesma -~· da infinidade divina, como da que na~ se ela é tudo por si só", e este. 7onceJ o amento à prova ontológica de S. Anse mo.

Pode pensar out'ra maior, servua de. fundh se então em Aristóteles, além de outro t a sua ra1z ac a- . b. ) Também sob este aspee o, . d f ento 16 do De pbilosop lll .

destacado por Jaeger, a prop6sllo o ragm

4. O espaço. ue os seres se acham em algum lugar,

a) Sua realidade. Todos pensam q 1 e entre os movimentos, ~ acha em nenhum ugar · · · , · e que o não-ser nao se 1 ~ ' o mais comum e propno . ..

· chama de trans açao, e o espacial, que . s~ rova evidente da existência do esp~ço ... Da mutação ongma-se uma p ( . amente) por corpos diversos,

1 " , ocupado sucesstv Quando o mesmo u,ar e . nele entram e nele se trans· este parece diferente de todos os corpos que formam (Fís., IV, 2, 208). ertamente as três dimensões

racteres Ele tem, c • b) Sua natureza e Si!US ca d·~ d ) que determinam todo corpo; mas

(comprimento, largura e pr~fun 1 a e or ue então haveria dois .corpos é impossível que o espaço seJa. um corfpQ, p I~ um dos entes onde estaria?

1 E além dtsso se osse e ' - . se no .mesmo ugar.. . - Zen,ão merece alguma consideraçao, poiS, Pots o proble~a que propoe existir também um espaço para o espaço, cada ente esta. n? .espaç?, d:;e 3 209). Mas não é difícil ver que o es~aço e assim até o Inftmto (Fís., 1 ' ' · (matéria e forma): po1s a

enhuma destas cotsas d não pode ser mesmo n ar-se da coisa mas o espaço po e forma e a matéria não podem separ '

(Fís., IV, 4, 209):.. ' huma destas três coisas, nem a forma,. nem a Se o espaço nao. e nen . re diferente da extensão da COl~a que

matéria nem um mtervalo semp nte das quatro realtdades, • , ' · 0 se1• a 0 remanesce

muda de lugar, e necessan . teúdo entendo o corpo , . . d continente. E por con d, 1 isto e 0 ltmtte o corpo é um lugar transla ave , ' 1 - Mas como o vaso . . , I

móvel P'Or trans açao. . . . , Portanto o limite primeiro tmove assim o espaço é um vaso lmovel. . . '

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40 R. MONl)()LFO

do continente, eis o que é o espaço (Fís., IV, 6, 211). Pensamos, pois, que o espaço é o .primeiro continente do que se acha no espaço, e não forma parte da 001sa; que além disso o primeiro espaço não é maior nem menor (do que o universo contido); que, além disso, pode ser abandonado por todo corpo singular e é separável dele; enfim, que todo espaço tenha o alto e o baixo, e que por natureza cada corpo tenda para ou perma­neça no lugar que lhe é próprio, ou seja, no alto ou no baixo (Fis. IV 6, 21 1 ). ' '

c) O alto e o baixo. De fato, o alto não é um lugar qualquer, mas para onde tende o fogo e o que é leve; e assim o baixo não é um lugar qualquer, n:as p~ra onde tendem os corpos pesados e compostos de terra: en~uanto nao d1ferem somente por posição, mas também, por potência (FlS., IV, 2.: 20~). E, por isso, o cenrro do universo e o extremo confiro da revoluçao cucular, em relação a nós parecem para todos 0 ser

0 alto e o ba·x 1' · ' ' I o por exce enc1a, porque aquele permanece sempre onde se acha, c o extremo limite do cír-culo permanece no mesmo estado (Fís. IV 7, 212). ' '

d) Espaç~ e~ ~ção e em potência: tudo no universo; nada de espaço for:' ~este (ln~utaçao do ~~ço). O espaço coexiste com a realidade, pois o llmJte coex1ste com o lirrutado. Por conseguinte, um corpo acha-se no espaço, fora dele há um corpo que o collitém; do contrário não está no espaço O · · ' . · · . umverso, move-se em um sentido, em outro, não: como t~tahdade não pode mudar de lugar, mas move-se circularmente. . . As­s~, certas ~isas estão no espaço somente em potência, outras, em açao · . . O umverso, como eu disse, enquanto tudo, não está em nenhum espaço, não existindo corpo que o contenha. Enquanto se move porém I /- . ' ' 1a um espaço para as suas partes ... ; pois no círculo cada parte contém a outra. . . Mas o universo não está no espaço .. . , porque, além do uni· verso e ·do todo, nada há fora do universo. E por isso todas as coisas estão no céu, porque talvez o céu seja o universo. Mas o espaço não é o céu, porém, um extremo confiro do céu e o limite imóvel em contato com o co~po em ,movimento; e por isso a terra está na água, esta, no ar, o ar no eter, o eter no céu, mas o céu não se acha em nenhum outro mais (Fís., IV, 7, 212).

[E~ta exclus~o de um espaço fora do cosmo Jirojtado contrasta com outras afir­maçoes ~e Anstóteles: 1) a cxigênda do lugar, afirmada para qualquer corpo s.!ja parte,, s.!Ja . tod?, ~o~tra a hipótese do infinito, observando que este viria ~ ser conteo_d?, 1sto e,. limitado pelo seu lugar (Ffs., III, 205 a); 2) a definição de toda superf~.cJe (e_ ass1m, tam~ém do "limite imóvel em contato com o corpo em movi­mento .no ceu) nada ma1s que como secção o divisão dos corpos, como as linhas das superffc1es e os pontos das linh"s (Mctafís., IIJ, 15, 1 002 ab; XI, 2, 1 060 b); 3) a declaração de que to~a curv:; circular é sempre, ao mesmo tempo, fim e princfpio Porque nela a convex1dade nao pode separar-se da concavidade (Fís., IV, 13, 222)}.

0 PENSAMENTO ANTIGO 41

e) Negação do vácuo. O vácuo parece ser um espaço no qual não e~iste nada. Isso porque se crê que o ser é corpóreo, c que todo corpo se acha no espaço e que o vácuo é o espaço em que não há nada (Fís., IV, 9, 214). :É evidente que deste modo o vácuo não existe, nem insepa­rável nem separável . .. Nenhuma necessidade há de que, se existe o mo­vimento, exista o vácuo. . . Para o movimento no espaço ele não é neces­sário, de fato; porque os corpos podem substituir-se mutuamente uns aos outros, sem que haja nenhum intervalo diferente e separado dos corpos em movimento (Fís., IV, 10, 214). Ao contrário, observando-se bem, não seria possível o movimento se existisse o vácuo ... ; porque não haveria lugar para o qual, mais ou menos, tivesse maior ou menor razão de reali­zar-se o movimento, porque ele enquanto vácuo não admite diferenças ... E todos os corpos mover-se-iam com igual velocidade, mas isso é impos­sível. Admitir a existência do vácuo. . . é o mesmo que afirmar a exis­tência de um espaço separado (dos corpos); mas já se disse que é impos­sível (Fís., IV, 11, 216).

5. O tempo.

a) Movimento e tempo. Que é o tempo e qual a sua natureza? ... Parece que o tempo é, sobretudo, um movimento e uma mudança . . . mas a mu­dança e o movimento de cada coisa estão só na mesma coisa que muda, ou no lugar onde se encontra o mesmo móvel e mutável; em compen­sação, o tempo existe igualmente em todas as partes c para todas as coisas. Além disso, toda. mudança pode ser mais veloz e mais lenta, e o tempo, não ... Por isso é evidente que não é um movimento (Fís., IV, 15, 218). Mas não existe sem mudança, pois, quando nós não sofremos mu­dança no pensamento ou não percebemos isso, não parece que tenha ha­vido passagem do tempo. . . ~ evidente, ·pois, que o tempo não é nem movimento nem sem movimento (Fís., IV, 16, 218).

b) O tempo é número do movimento. E, como o móvel se move de um ponto para o outro, e toda grandeza é contínua ... , por ser contínua a grandeza, também o movimento é contínuo, e em virtude do movimento, também o tempo ... E como na grandeza há o anterior e o posterior, é necessário que também no tempo haja o anterior e o posterior, em re­lação com os de além. . . E, quando experimentamos o anterior e o posterior, dizemos então que existe o tempo, porque isto é o tempo; o número do movimento em relação ao antes e ao depois. De modo que o tempo não é movimento enquanto tem número . .. : o número numerado, não aquele com o qnal numeramos. (Fís., IV, 17, 219). Mas não somente medimos o movimento com o tempo, mas também, com o movimento, o tempo, pois se determinam reciprocamente (FlS., IV, 18, 220).

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42 R. MONDOLFO

c) A unidade de medida na rotação (celestE~). Porque há um movimento de translação e uma de suas formas é o mov.imento circular, e cada coisa mede· se com uma unidade do seu gênero . .. , assim também o tempo com um tempo determinado. . . Se então, o que é primeiro é medida de todos os do seu gênero, o movimento circular, em sua uniformidade, é a medida por excelência, porque o seu número é o mais fácil de conhecer (Fís., IV, 20, 223).

d) O eterno fora do tempo; o mortal no tempo. E, como estar no tempo e como estar no número, dever-se-á considerar um tempo maior do que o que se acha no tempo; por isso, necessariamente, todos os seres que estão no tempo acham-se contidos no tempo . .. De modo que é evidente que os seres eternos, enquanto são eternos, não estão no tempo, pois tempo é medida do movimento e será também, indir.etamente, medida do repouSQ. . . Logo, todas as coisas mortais e geradas e, em geral as que ora existem e ora não, estão necessariamente no tempo (Fís., IV, 19, 221).

e) O instante, limite do tempo. O instan.te mede o tempo enquanto anterior e posterior. O tempo é o número da. translação; e o instante ... é como a unidade do número. E o tempo é contínuo por meio do ins­tante e por ele se divide ... E é ainda claro que o instante não é uma porção do tempo, como a divisão não é uma porção do movimento, nem o ponto é porção da linha. . . De modo que!, enquanto é limite, o ins­tante não é tempo ... , porém é numero enquanlto serve para numerar (Fis., IV, 17, 220). Ele divide (o tempo) em potência. E como tal, que cumpre semelhante função (de dividir), o instante é sempre diferente, e enquanto une é sempre o mesmo, (como o ponto) nas linhas geomé· tricas. Mas como o instante é fim e princípio do tempo, porém não do mesmo tempo, mas certamente fim do passado e princípio do futuro, tal como o circulo terá, de certa maneira, no mesmo ponto o côncavo e o convexo, assim, o tempo estará sempre no início e no fim ... e nunca faltará, porque sempre está no começo (Fís., IV, 19, 222).

f) Indivisibilidade do instante; impossibilildade de movimento ou de repo060 nele. :e necessário também que o instante, considerado não em sentido relativo, mas absoluto e primeiro, seja indivisível e assim perma­neça em qualquer tempo. Porque é extremidade do passado, além da qual nada há de futuro; e é ext1·emidade do futuro, além da qual nada há de passado: chamou-se a isto o limite de amhos. . . Não é possível movi­mento no instante ... ; pois, se fosse possível, nele poder-se-iam mover o mais rápido .e o mais lento ... ; por isso dlividir-se-ia o instante. Era, porém, indivisível: de modo que não pode dar-se movimento no instante. Nem mesmo repouso (Fís., VI, 2, 234).

0 PENSAMENTO ANTIGO 43

6 . O movimento.

a) Pressuposto necessário. Não compete à Física conjeturar se o ser é uno e imóvel ... Devemos aceitar como pressuposto que as coisas naturais, todas ou em parte, estão em movimento: é princípio evidente por indução (Fís., I, 2, 184).

b) A natureza como princípio do movimento e do repouso. Os seres naturais parecem conter todos, em si mesmos, um princípio de movimento e de repouso, seja em relação ao lugar, seja em relação ao aumento ou à diminuição, ou a respeito da mutação ... ; quanto à natureza, é um princípio e uma causa de movimento e de repouso, naquilo em que ela é inerente primeiramente, de per si e não acidentalmente (Fís., H, 1, 192).

A natureza: matéria e fonna. Assim, em certo sentido, chama-se natureza à ma­téria-prima subjacente a cada um dos seres que contêm em si o princípio do movi­mento e da mutação; em outro sentido, a forma e a espécie estabelecida na defini· ção. . . E esta é mais natureza do que a matéria., pois cada ser se designa quando está em ação, mais do que quando está em potencial (Ffs., li, 1, 193).

c) Necessidade do conhecimento do movimento: caracteres, condições, definições. Visto que a natureza é princípio do movimento e da muta­ção, . . . é indispensável que não permaneça desconhecido para nós o que é o movimento, porque é inevitável que, ignorando este, se ignore, tam­bém, a natureza ... O movimento parece estar no rol dos contínuos e o primeiro caráter que aparece no contínuo é a infinidade,. . . enquanto o contínuo é divisível ao infinito. Além disso, é impossível o movimento sem espaço, vácuo e tempo. . . mas não há movimento fora das coisas, pois o mutável muda sempre na substância, ou na quantidade ou na qualidade ou no lugar ... cada uma destas categorias pode achar-se de duas maneiras em cada coisa: por exemplo, forma e privação no indivíduo (substância); branco e preto, na qualidade; e na quantidade, completo e incompleto, e igualmente na translação, acima e abaixo (isto é, leve e pesado). Assim, há tantas espécies de movimento e de mutação quantas do ser. . . E o movimento é a ação do ser em potencial, quando, estando em ação, se realiza a si mesmo ou a outro, enquanto é móvel ... :!! claro que o movi­mento é a ação (enteléquia) do possível enquanto possível (Fis., III, 1, 201). Dizemos que o movimento é a ação (cntcléquia) do móvel enquanto móvel (Fís., VIII, 1, 250).

d) Eternidade do movimento. O movimento teria talvez começado uma vez, não existindo antes, e cessará novamente de modo que não se mova mais nada, ou então não tem princípio nem fim, mas sempre foi e sempre será, e é imortal, inesgotável e imanente às coisas, como uma espécie de vida a todos os seres existentes na natureza?. . . Se o movimento não existe ab aetemo ... , é claro que as coisas não se achavam em condições

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44 R. MONOOLFO

de poder se moverem, umas, e de produzirem o movimento, as outras, antes, era mister que alguma delas mudasse . .. Por isso, deverá haver uma mutação anterior ao primeiro ... E o mesmo raciocínio também tem valor para a indestrutibilidade do movimento ... ; ter-se-ia aqui, igualmente, a conseqüência de uma mutação posterior ao últim~. . . Mas, se isso é im­possível, é evidente que o movimento é eterno (Fís., Vlll, 1, 250-1). E será necessário, ou que o movimento seja eterno ou que não exista nunca, não podendo nascer do nada (Fís., VIU, 2, 252).

e) Eternidade do primeiro móvel. Mas se existe eternamente tal prin­cípio, que seja motor, porém, imóvel em si e eterno, é necessário que o primeiro móvel movido por ele seja eterno também . . . Visto que o imóvel moverá sempre com um mesmo e único movimento da mesma maneira, u ma vez que não muda, em absoluto, a sua relação com o móvel; mas de­pois o móvel movido por este móvel, que é movido pelo imóvel, será causa de movimentos diferentes devido à variedade das suas relações com as coisas (Fís., VIII, 9, 260).

f) Três espécies de movimento. É necessário que haja três espécies de movimento: da qualidade, da quantidade e do lugar .. . considerando que, em cada um deles, tem lugar a oposição. O movimento na qualidade chama-se, então, mudança ... ; o da quantidade não tem nome comum (aos dois contrários), mas chama-se a cada um, respectivamente, aumento e diminuição: aumento aquele que tende à grandeza perfeita, diminuição, o que parte desta. Logo, o movimento local não tem nome comum (aos contrários), nem especial (para cada um deles): nós o chamamos pelo nome comum de translação (Fís., V, 3, 225-6). E como são três as espécies de movimento: de lugar, de qualidade e de quantidade, é necessário, tam­bém, que os móveis sejam de três espécies (Fís., VII, 3, 243).

g) O movimento originário: a translação circular. Das três espécies de movimento: de grandeza, de qualidade e espacial, este último é necessaria­mente o primeiro: pois não pode haver aumento, por exemplo, sem alte­ração precedente .. . ; e tudo isto não se pode produzir sem mudança de lugar. De modo que, se é necessário que o movimento seja eterno, tam­b~m é necessário que a translação seja o primeiro movimento ... Ainda ... nenhum outro movimento pode ser contínuo, exceto a translação; logo, esta deve ser o primeiro movimento .. . (Fís., VIII, 10, 260). Que os ou­tros não possam ser contínuos torna-se manifesto pelo seguinte: que todos os movimentos e mudanças se realizam de contrário para contrário (VIII, 11, 261). Demonstraremos agora que se pode dar um movimento infinito, único c continuo, e que este é o movimento circular . . . É evidente que o corpo que percorre uma reta finita não tem movimento contínuo, porque deve girar sobre si mesmo; e girando em linha reta move-se por movi­mentos contrários ... Então, não ·pode haver movimento contínuo e eterno

45 0 P ENSAMENTO ANTIGO

.nf. .t é impossível em ação, possível somen­sobre a ret,_a <: .. percorrer ~~nt:too movimento circular será único e con­te em potencta .. ) ... So . t e parte de si para si mesmo enquanto tínuo ... ' porque e um m.ov•men o qu tro não une o fim com o

til' vai de s1 mesmo para ou '· · · que o re ~ a ão une-os e é 0 único perfeito (VIII, princípio. O errcular, em cot;npens ç ' . ·r entre as translações é a 12 263-5). É evidente, pms, que a pn~eJ a . e fe"•ta . e o

• , · , é sunples e ma1s P r · · · • circular, anterior a re~thnea, ?orque rtal por natureza, pela perfeito é anterior ao IIDperfe•to, o eterno ao mo '

~ pelo tempo (VIII, 13, 265). . . . razao e . . , d. f m-se princípio f• m e meiO . .. , no

No movimento retilíneo lS wgue ' , . . f de . ~ . cada onto é igualmente princ•p•o, me•o e un,

circular, nao · · · , pois P . , . em fim e não está nunca. . . E modo que sempre está e~ pnnctpiO te) , medida dos outros. E somente porque é primeiro (o movunento circu ar e ele pode ser uniforme (VIII, 13, 265). ' "d de de um centro:

h) A eternidade do movimento celeste e a necess' ? . d d D é 1 t d geração A at1V1da e e eus

passagem à teoria dos e e~en os e a . • é divino deve imortal e constitui a sua vJda eterna. Por ISSO, tud.o o que d" .. )

ter u:n· moviment~t~~rn~~ Ec~~;o c~~:~r~ ~a~e (p~~:reu~0~0~~ur;~~no~

tem, por e~se m ' C ão é tal todo o corpo do universo? move em Circulo. Por que, en ao, n c'rculo permaneça p , necessário que do corpo que se move em •

orque e T bém porque o seu movimento natural firme uma parte no centro· · · am · t ·

dá e torno do centro. . . Por isso, é necessário que eXIsta a e,r~a. se m . tr Porém se a terra é necessana,

. la permanece firme, no eco o . . . ' , , . pOIS ~ , ' . . t outro por natureza, se e contrano . .. tambem e ~ecessan~o q~e ee~s t~r~a é n~cessário que existam também os Mas, se eXIstem o g . . d elementos tem uma contra­corpos intermédi~s entre SI, pots cada um o~ do estes é preciso que r"edade em relaçao a todo outro .. . Mas, aven ' .

I . - pela impossibilidade de ser eterno algum deles, po~s os ex1sta a geraçao, . ~ ~ destroem-se reclpro-contrários têm entre si relações de pa!Xao e açao, e . .

ente E além disso, é racional que não seja eterno o .móvel CUJO ~OVJ-~:to ~at~al não possa ser ete.rno: e é ~~ o seu movimento. Por tsso, torna-se evidente que deve existir a geraçao (De coelo, li, 3, 286).

· Geração recíproca dos 7 . Os quatro elementos e os lugares naturals.

elementos.

Das coisas existentes, as primeiras são os elementos. . . E ser~ el: menta dos corpos aquele e~ q~e. s,e dividem os outros co;~:s p~~e~s;é:ie potência ou em ação . . . mdJvtstvel ele mesmo em diferente (Fís., III, 3, 302). _

E se as diferenças dos .corpos nao são infinitas, é evidente que os • nf" . Al' disso, se cada elemento tem um elementos não serão i lnttos . . · em

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46 R. MoNDOLFO

m~ovimento própr!o, e se o movimento do corpo simples é simples ... , nao havendo n:a'~ .do que duas formas de translação simples, nem ha­~e?do lugares mflmtos, nem por isso podem ser infinitos os elementos (ib1d., 4, 303) . . . Resta ver se são mais ou um somente. . . Observamos que cada corpo físico tem um princípio de movimento: por isso, se todos os. corpos fosse~m um só, o movimento de todos seria único. . . Assim, é evidente que nao podAe haver. um único elemento . . . (ibid., 5, 303-4).

De modo que, se tem movrmento para baixo e para cima 0 pesado e 0 leve· · · ~ o te~d~r cada um para o lugar próprio não é senão tender para a própr~a espec1e, . .. para o próprio semelhante (Fís., IV, 3, 310). Pesado, no sent1do absoluto, é o que se acha debaixo de todos, leve o que sobre­nada a todoS> ... Pa~ce, a~im, que qualquer quantidade de fogo tende para c:ma, se nada o •mpedn; qualquer quantidade de terra, para baixo . .. Mas sao pesa?os e leves :m sentido diverso (relativo) os que participam de ambos, po1s, se sobrepoem a algun& e permanecem abaixo de outros como o ar e a água. Em sentido absoluto nem um nem outro são leve~ ou pesados, poi& ambos são mais leves do que a terra e mais pesados do que o fogo ... ; mas, en;t relação um ao outro, são, absolutamente, um pe­~ado, o outro leve: pOIS ? ar, por mais que seja, se sobrepõe sempre à agua, e a água, quanto haJa, sotopõe-se sempre ao ar .. . As coisas de terra sotopõem-se a todas e tendem para o centro ... De modo que se há um corpo q.ue .se acha ac.ima de todos. . . é evidente que tende para a extrema perifena. . . Por Isso, o fogo não tem, totalmente, peso, nem a terra, leveza, totalme_nte (ibid., 4, 311). O ar e a água têm, cada um deles, le~eza e peso, e a agua jaz abaixo de todos, exceto da terra; o ar está acima de todos menos do fogo (ibid., 5, 312). , E não podem ser .eternos (os . elementos), porque observamos que fogo, agua e todo corpo Simples se dissolvem. . . Pelo que é necessário que os ~lemen!os dos corpos sejam corruptíveis. . . E não podendo nascer nem do mcorporeo, nem de outro corpo, só é possível que tenham nascimento uns dos outros. . . (Fís., III, 6, 304-5).

8 · ~ quinta-essência simples (o éter) primeira e mais divina: o seu mo­VImento e a sua eternidade imutável.

Todo~ os corpos e as grandezas naturais. . . têm em si um princípio de mov1me~to por natureza. Mas, cada movimento espacial, ou translação, é r~to ou Circular, ou m1sto: somente dois simples. . . o reto e o circular: o crrcular, em torno do centro; o reto. . . para cima (isto é do centro) o.u para baixo (ou seja, para o centro) . .. E como alguns do~ corpos são s•mple~ e, ~utros compostos destes (e -chamo simples a todos os que têm um pnncipiO de ~ovrmento segundo a natureza, como a terra, 0 fogo e semelhantes e de 1gual gênero) é necessário também que os movimentos

0 PENSAMENTO ANTIGO 47

sejam ... simples para os corpos simples, compostos para o& corpos com­postos, movidos pelo princípio predominante. Se há, pois, um movimento simples, e tal é o movimento circular, e se o movimento do corpo simples deve ser simples, e o movimento simples deve pertencer ao corpo sim­ples ... , é necessário que haja um corpo simples que por sua própria na­tureza se mova c:om movimento circular. . . Ora, é preciso que seme­lhante translação seja a primeira, também, porque o perfeito é, por na­tureza, anterior ao imperfeito: ora, perfeito é o círculo e nunca a linha reta. . . Torna-se por isso evidente que deve haver outra substância cor­pórea além das constituições deste mundo, mais divina e anterior a todas estas. . . de natureza tanto mais dominante quanto mais afastada dos cor­pos desta terra (Die coelo, I, 2, 268-9) . . . Então, nem todo corpo possui leveza ou gravidade. . . Grave é aquele que, por natureza, se dirige para o centro, leve o qiUe dele se afasta. . . Mas o corpo que se move circular­mente não pode ter nem peso nem leveza (De coelo, I, 3, 269).

De maneira semelhante é razoável pensar que seja ingênito e indes­trutível e não suscetível de crescimento e variações: porque todo ser gerado provém de um contrário e de um substrato e dissolve-se analogamente, ha­vendo um substra1to e passando de um -contrário a outro ... ; ora, dos contrários, também os movimentos são contrários. Ora, se disto não pode haver contrário p•or não existir movimento algum contrário à translação circular, parece que, logicamente, a natureza haja subtraído às oposições dos contrários o que deve ser ingênito e indestmtível: porque no âmbito dos contrários se encontram o nascimento e a destruição. Mas também o crescin1ento e a desagregação se realizam em todo corpo que seja capaz disso mediante a introdução de outro do mesmo gênero ou pela dissolução na matéria; e este elemento, em compensação, não tem outro de que tenha nascido. . . Assim, se o corpo que se move circularmente não admite crescimento nem desagregação, é racional, também, que seja imutável ... Por isso, por ser ü primeiro corpo diverso da terra, do fogo, do ar e da água, chamaremos éter ao lugar superior, dando-lhe em todo tempo o nome de correr sempre (àd -&€w) (De coelo, I, 3, 270).

9 . O motor é movido - necessidade do contato entre motor e m6vel - continuid11.de e unidade do sistema.

Como já se disse, o motor move-se, sendo móvel em potencial todo motor cuja imobilidade é só repouso (uma vez que é unicamente repouso a imobilidade em todo ser a que pertence o movimeruto); de fato, agir sobre o móvel como tal, é precisamente, movê-lo; mas fá-lo por contato, de maneira que ao mesmo tempo também é passivo (Fís., III, 2, 202).

Se é necessário que o que primeiramente é movido espacialmente e por movimento corpóreo esteja em contacto ou seja contínuo com o motor,

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como vemos que acontece em todos os casos, resultará de todos juntos (móveis e motor) um sistema total, único e contínuo (Fís., VII, 2, 242). E o motor primitivo (não o final, mas aquele em que tem princípio o movi­mento) deve estar junto com o movido, e dizendo junto, entendo que nada há de intermédio (ibid., 3, 243).

O motor imóvel, na periferí:1 do untversB. f> necessário que esteja no centro ou na periferia: pois estes são os princípios. Mas o que se acha mais próximo ao motor se move com movimento mais rápido. Tal é o movimento do céu· e aqui se acha pois, o motor {Fís., Vlll, 15, 267). ' '

1 O. Os movimentos dos planetas, as inteligências motoras e as esferas.

Porque além da simples translação do céu (cuja causa atribuímos à substância primeira e imóvel), vemos que há outras translações eternas, as dos planetas ... é necessário, também, que cada uma destas translações seja movida por uma substância imóvel por si mesma e ete.rna. . . Evi­dentemente, pois, é preciso que haja outras tantas substâncias, eternas por natureza e imóveis em si, e em extensão. . . Cada um dos planetas tem mais de um movimento. . . E, se todas as esferas juntas devem dar a razão dos fenômenos, é necessário que para cada planeta haja outras tantas esferas, menos uma, que girem inversamente e reconduzam sempre ao mesmo ponto de posição a primeira esfera do astro que está debaixo, pois só assim pode produzir-se todo o movimento dos planetas ... O nú­mero de todas as esferas, que os movem em um e outro sentido, será de 55, porém, se para o Sol e a Lua não se juntarem os movimentos acima referidos, todas as esferas serão 47 (Metaf., XII, 8, 1 073-4).

11 . A continuidade na natu.rcza.

A .natureza age com continuidade, desde os seres inanimados até os seres animais, através dos seres, viventes, sem dúvida, mas não anima­dos, de modo que pareçam diferir um do outro, em grau minimo, pela recíproca vizinhança (De part. anim., IV, 5, 681). A natureza parte dos seres inanimados para os animais, em graus tão pequenos que, na con­tinuidade, não se percebe a qual dos dois campos pertencem os de limite e os inte rmediários, porque depois do gênero dos inanimados segue pri­meiro o das plantas, c dentre estas, uma difere da outra porque parece que participa mais da vida; e todo o gênero, em comparação com os outros corpos inanimados), parece quase animado; em confronto com os animais, inanimado. A passagem destas para os animais é contínua ... pois algumas espécies marinhas propõem o problema para saber se são animais ou plantas, porque se acham unidas ao solo, e muitas delas,

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arrancadas, morrem. . . Sempre por pequena diferença parece que uma antes da outra tenha mais vida e movimento (Hist. anim., VIII, I, 588).

lV. A ALMA.

1 . A alma e o corpo e a sua relação.

Dizemos ... que o ser animado difere do inanimado enquanto vive ... A alma é o princípio das seguintes faculdades e por elas se define: nutrição, sensibilidade, pensamento, movimento (De an., TI, 2, 413).

Na maior parte dos casos, ela nada parece poder padecer, nem fazer, sem o corpo: por exemplo, encolerizar-se, ter valor, desejar e, em geral, ter sensação. Sua função própria parece, por excelência, o pensar; mas também este ato, seja ele imaginação ou sem imaginação, nem mesmo poderia ser sem corpo (De an., I, 1, 403).

Para tal comunhão, um age e o outro padece, e um é movido e o outro move; e nenhuma dessas relações recíprocas podem dar-se entre seres to­mados ao acaso (De an., I , 3, 407).

A alma é aquilo no qual primeiro vivemos, sentimos e pensamos, pelo que ela será razão e forma, não matéria ou sujeito ... A matéria é potência, a forma é ação (enteléquia), e, como o ser animado resulta de ambos, o corpo não é ação da alma, mas esta é ação de um certo corpo. . . E por isso está em um corpo, e em um corpo deste gênero ... ; porque, de toda coisa, a ação se gera naturalmente no que está em potencial e em sua matéria própria (De an., li, 2, 414). Por isso, a alma é o ato primeiro de um corpo natural que tem a vida em potencial. Este é o corpo orgânico ... de modo que a alma será a ação primeira do corpo natural orgânico, e por isso não se deve pesquisar se a alma e o corpo são uma só coisa, como (não se deve investigar se são um) a cera e a figura, nem em geral a matéria de cada coisa e aquilo de que ela é matéria (De ao., li, 1, 412).

A alma é causa e o corpo é instrumento. A alma é causa e principio do corpo vivente ... em três sentidos: porque a alma é causa como princípio do movimento, e como fim e como substância dos corpos animados. Como substância é claro; poi! a substância é causa do ser para todas as coisas, e o viver é o ser dos viventes, e causa e princípio deles é a alma. Além disso, a ação é a razão do ser em potenciaL Logo, é claro que a alma também é causa final, pois, assim como o intelecto age visando a um fim, assim também a natureza, e isto é o fim para ela. E assim é nos animais a alma também por natureza, pois todos os corpos naturais são instrumentos da olmo, o como os dos animais, nssim também os das plantas, enquanto são por causa da alma. Mas a alma é, também, princípio do movimento local (De an., 11, 4, 415).

Anaxágoras diz que o homem é o mais sábio dos animais porque possui mãos: mas é racional (dizer) que, porque era o mais sábio, foi dotado de mãos, porque

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as mãos são .instrumentos, e a natureza, como um homem sãbio, distribui sempre cada coisa a quem se acha em condições de servir-se da mesma .. _ O homem ... é o único entre os animais que tem posiçllo ereta, porque a sua natureza e subs­tância é divina, e a função mais divina é entender e pensar, o que não seria fácil se sustentasse corpo muito volumoso (De part. animal., lV, tO, 686-7).

2. As faculdades da alma e a lei da sua série.

Em alguns seres acham-se presentes todas as faculdades da atroa; em outros algumas, e em alguns, uma somente: e chamamos faculdade à nu­trição, ao apetite, à sensibilidade, à locomoção, ao pensamento. . . 1:! necessário investigar a causa pela qual se acham assim em série: pois a sensibilidade não se dá sem a faculdade nutritiva; mas, nas plantas, a nutritiva está separada da sensitiva; de outra parte, sem tato não se exerce nenhum dos outros sentidos, porém, o tato existe sem os outros ... Entre os seres sensíveis, alguns possuem locomoção, e outros, não; enfim, pouquíssimos possuem raciocínio e pensamento: aqueles, de fato, entre os mortais, que possuem raciocínio, possuem, também, todas as outras fa­culdades; mas, os que possuem somente uma, não têm raciocínio (De an. li, 3, 414).

3 . A faculdade vegetativa.

A atma vegetativa (nutritiva). . . é a primeira e mais comum facul­dade da alma, por meio da qual possuem a vida todos (os viventes); as suas funções são gerar e nutrir-se, porque a mais natural entre todas as funções dos viventes, acabados e não malogrados, ou nos quais a geração não é espontânea, é produzir outro !'er semelhante a si: o animal, um animal, a planta, uma planta, a fim de que participem do eterno e divino em tudo o que lhes seja possível. Efetivamente, todos tendem para ele, e esse é o fim de toda a sua atividade conforme a natureza (De an., Il, 4, 415).

Também por isso parecem viver todas as plantas, pois aparentam ter em si tal faculdade e tal princípio, pelo qual crescem e decrescem em suas partes opostas ... ; e sempre vivem a fim de que· possam nutrir-se. E esta faculdade pode existir separada das outras, mas, em compensação, as outras não podem, sem ela existir nos mortais (De an., n, 2, 413).

4. A faculdade sensitiva e os seus objetos: recepção somente das formas sem a matéria.

A sensação tem lugar quando somos movidos ou sofremos uma ação, pois parece ser uma espécie de alteração. . . l?, evidente que a faculdade de sentir não é tal em ação, mas somente em potencial; por isso acontece

0 PENSAMENTO ANTIGO 51

como ao combustível, que não queima por si mesmo sem aquilo que tem a propriedade de queimar. . . As coisas que fazem com que a sensibili­dade chegue à ação acham-se no exterior, ou seja, o visível, o audível e assim os outros objetos de sensações. A sua causa é que a sensação em ação tem por objeto os seres particulares, enquanto que a Ciência tem por objeto os universais: estes, de certo modo, estão no próprio espírito; por isso compreender depende de nós mesmos, quando queremos; porém, sentir não: pois é necessãria a presença do sensível (De an., li, 5, 417).

O objeto sensível. . . pode ser o próprio de cada sentido e o comum a todos. Chamo próprio ao que não pode ser percebido com outro sentido e sobre o qual o sentido não se pode enganar, como a visão sobre a cor, o ouvido sobre o som e o gosto sobre o sabor. . . São, pois, comuns o movimento c o repouso, a figura, a grandeza (De an., li, 6, 418).

A sensibilidade recebe as formas sensíveis sem a matéria, como a cera recebe a impressão do anel sem o ferro ou o ouro. Ela acolhe em si a impressão do ouro ou do bronze, mas não enquanto ouro ou bronze (De an., IJ, 12, 424).

a) Não pode haver senão cinco sentidos. t fácil convencer -se de que não pode haver mais do que os cinco sentidos (isto é: vista, ouvido, olfato, paladar e tnto), pelo seguinte .. _ todos os objetos que sentimos por contato são por nós perce~idos pelo tato, tal como o temos; em compensação, todos os que percebemos por me1o de intermediáveis e sem contato, fazemo-lo por meio de corpos simples, como o ar e a água. . . Então todos os animais q11e não sejam incompletos ou mutilados pos~uem todos os senHdos ... assim, se não existir outro corpo ou qualidade que não seja do algum dos corpos deste mundo, não pode faltar-nos nenhum sentido (De an., Jll, 1, 425).

b) O senso comum como consciência do sentir a faculdade de distin~ão. Quando percebemos que vemos e ouvimos, 6 necessário que se perceba sentir por meio da vista ou de outro sentido (De an., IIL 2, 425)- Em todo sentido há, pois, algo de próprio e algo de comum: próprio da vista é ver, do ouvido, ouvir, e assim para cada um dos outros, mas também existe uma potJlncia comum que acompanha a todos os sentidos, pela qual quem sente percebe que vê e ouve, pois não é com a vista que percebe que vê, nem julga nem pode julgar que são diferentes o brnnco do doce: nem com o paladar nem com a vista, nem com ambos, mas uma parto comum a todos os (órgãos) sensoriais: há, de fato, um sentido único e um único (órgão) sensório principal (Oe somo., 11, 455). Quando comparamos o branco e o doce e cadn um dos sensíveis com cada um dos outros, com que percebemos que são diferentes? S preciso que seja com a sensibilidade, porque são coisas sensíveis ... Mas não se pode julgar com sentidos separados que o doce é diferente do branco; todavia devem mostrar-se ambos a um sentido único, porque, de outro modo, mesmo Que se sentisse um eu e o outro tu, devia ser evidente que são distintos entre si. Mas algo único deve dizer que siio diferentes: porque 6 diferente o doce do branco; porém, quem o diz é um mesmo (De an., 111, 2, 426).

c) Passagem da senslbilidadc no pensamento: 1) Dltwença entre sen~ibUJdade e pensamento. S evidente que perceber e refletit

não são a mesma coisa: de fato, de um participam todos os animais; do outro, apenas alguns. Mas, nem mesmo o intelecto, no qual se dá o justo e o injusto ... , é o mesmo que o sentir: pois a sensação dos sensíveis próprios é sempre verdadeira t

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p~rtcnce a todos os an~mais; o raciocínio, ao contrário, é capaz também de erros e nao pertence a quem nao possua também a razão (De an. Ili 3 427)

. ll) A imaginnçã~ como passagem da sensibilidade ao 'intciecÍo. A . imaginação é diferente da sensaçao e do pensamento discursivo: nem ela pode nascer sem sensação nem. ~e;"l ela pode nascer a concepção. . . Quanto ao pensamento. . . é distinto d; sen~Ib1lidad':! e, por uma parte yarece ser imaginação, por outra, concepção ... A lffiagi~açao parece s7r um movimento, ~ não se gerar sem sensação, mas somente nos paci~ntes e das COISas das quaiS se da sensação. . . Portanto, a imaginação será um movimento gerado pel~ sensaçã? q~e está em ação ... E, por sua persistência e so:mel~ança co.m. a. sensaçao, os anunais realizam por ela muitas ações: uns porque nao t~m ,mte!igencia, com? os irracion~s, os outros porque a sua inteligência se encontra as vezes obscurecida pelas paixoes, enfermidades ou sono, como os homens (De an., III, 3, 428·429).

5. A autoconsciência como certeza da existência (cogito, ergo sum).

Quem vê percebe que vê, e quem ouve percebe que ouve, e quem anda percebe que anda, e, .analogamente, nos outros atos, existe algo (em nós) que percebe que reahzamos ações; por isso, percebemos perceber e pen­samos pensar; ora, o fato de que percebemos e pensamos é que existimos urna vez que o existir é sentir e pensar (Ética Nicom., IX, 9, 1 170). '

[A antecipaç~o do cogito,, ~rgo sum cartesiano nesta afirmação de Aristóteles é real, embora seJa menos exp!tc1ta do que parece a Carlini Studi aristotellci "Logos" 19~9: Aristóteles _não disse, ~m realidade, que o perceber e 0 pensar ;ignifique~ existir, mas tambem ~ propost~ão recfproca: que o existir (do homem) significa per­ceber e pensar. TodaVIa, o C~gJto cartestano resume-se no seguinte: que, se o perceber e ? pensar ? s~?er de sentir e pensar, é, por isso também, saber de existir, pois Anstóteles diz: o fato de que sentimos e pensamos mostra que existimos"].

6. A autoconsciência como condição de toda síntese cognoscitiva. o "eu sinto" é, ao mesmo tempo, "eu penso".

Há uma potência comum.' que acompanha todos os sentidos, pela qual o homem. percebe ver e ouvrr (De somn., 11, 455). Mas não se pode jul-gar, com seuudos separados, que o doce é diverso do branco ... ; porque, de outro modo, embora percebesse um eu e o outro tu, deveria ser evidente que são distintos entre si. Mas algo único deve dizer que são distintos: porque é diverso, sim, o doce do branco; quem o diz, porém, é um mesmo; pelo que, enquanto o diz, é, ao mesmo tempo, inteligência e sensibilidade. (De an., III, 2, 426).

[A. passagem das. intuições sensitivas regulares à sua ligação em relações estã condicionada pela mtervenção de uma atividade sintética: o eu. O cu sinto no estabelecer .a /el~ção e . afirmá-Ia, é, conjuntamente eu penso. Eis antecipada deste mod~ a existen:ta . kanhsta do eu penso, "apercepção transcendental originária, a prl~n POr excelencta, categona das categorias". Aristóteles examina aqui uma es­pec•al forma da atividade sintética (a distinção); mas, de qualquer modo, traz à luz

0 P ENSAMENTO ANTIGO 53

11 unidade sintética do eu. Afirmação importantíssima, esquecida por todos os que continuam dizendo que toda filosofia antiga é puramente objetivista e ignora o valor do sujeito].

7 . A faculdade intelectiva.

a) A receptividade do intelecto explicada como potencialidade (inte· lccto passivo ou possível). Se o pensar é corno o sentir, será um receber uma ação da parte do inteligível ou algo semelhante. É preciso, então, que [o intelecto] seja a um tempo impassível e capaz de receber a forma (idéia), e semelhante a ela em potência, porém distinto dela: ou seja na relação mesma em que se encontra a faculdade sensitiva a respeito dos sensíveis, assim deve ser o intelecto aos inteligíveis. . . De modo que a sua natureza não pode ser senão esta: estar em ,potencial. . . E tem razão quem diz que a alma é o lugar (receptáculo) das idéias, não se compreen­dendo, porém, a alma inteira, mas somente a intelectiva, e não idéias em ação, mas em potencial . ..

Poder-se-á perguntar: se o intelecto é simples e impassível e sem nada de comum com algo (como diz Anaxágoras) de que modo poderá pensar, se o pensar significa receber uma ação? Pois, somente enquanto há algo de comum entre dois seres, parece que um possa exercer e o outro receber uma ação. . . Mas. . . já se fez esta distinção de que o intelecto é, de certo modo, os inteligíveis em potencial, mas não é nenhum em ação, antes de pensá-la. Deve ser nele, pois, como na tabuleta, em que nada se encontra já escrito em ação: e este é, precisamente, o caso do intelecto (De an., III, 4, 429).

[Desta comparação com a tabuinha encerada em que nada se acha ainda escrito e tudo pode escrever-se originou.se posteriormente a definição da alina qual tabula rasa originária, afirmada pelos empiristas].

b) Intelecto passivo (matéria) e intelecto ativo (causa operante). Na­tureza separada c divindade do intelecto ativo (único imortal). Como em toda a natureza há alguma coisa, que é a matéria para cada gênero (e isto é o que são todas as coisas em potencial) e algo mais que é causa e agente, enquanto produz todas as coisas - como acontece na arte em relação à sua matéria - assim é necessário que estas diferenças se achem também na alma. Há um intelecto de tal espécie que se transforma em todas a~ coisas, e hã outro, que as produz todas, como sua maneira de agir, à ma­neira da luz: porque, de certo modo, também a luz transforma em cores em ação as cores que se achavam em potencial.

Este intelecto é separado, impassível e sem mescla, sendo tudo em ação, por sua essência: porque sempre o ativo é mais excelente do que o passivo, e mais o princípio do que a matéria. . . Mas não .está em ação

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~e pensar ora sim, ora não. Somente quando está separado é o que e, e somente esta parte é imortal e eterna. (Com ele só) não recordamos porque este (intelecto ativo) é impassível, e, em compensação, o passiv~ é mortal, e sem este (intelecto ativo) nada pode pensar (De an., rrr, 5, 430). Concorda-se, pois, que somente o intelecto (ativo) provém do exterior e somente ele é divino, porque a ação corpórea não participa em nada da sua ação (De gcncr. anim., 11, 3, 736).

O intelecto parece penetrar na alma como uma substância e não ser corruptível porque . . . a velhice não se deriva do fato de que a alma sofra algo, mas (o c.orpo) c'!! que se a~hn. . . O . pe~r e o contemplar exaurem-se porque alguma coisa d.'feren.te se dissolve no mtcnor (do homem); mas o intelecto é impassível. O pensar d•scur~•vo, o amar e odiar não são afeições suas, mas de quem o possui pelo que, destrumdo.::~e este, ele não. recorda e não ama, porque isto não lhe pertencia, mas à ~munbao que se destruru; ao invés o intelecto é talve:r; alguma coisa mais divina e llllpasslveJ (De lln., I, 4, 408).

[J?os múltiplos problemas para os quais a doutrina do intelecto em Aristóteles abre cammho, surgem controvérsias entre os intérpretes. Da divergência entre a inter­pretação do antigo comentarista grego Alexandre de Afrodísia e a do comentarista medieval árabe Ibn Roscd (Averróis), nasce, na Idade Média e na Renascença, 0 c~:mtraste entre a!exandrlstas e uverrofstas. P ara Alexandre o intelecto ativo idenú· r.ca-se com ? Pnmeiro motor, enquanto que o intelecto passivo é o mais alto grau de desenvolvllllento da alma, forma do corpo orgânico, com ele mortal. P ara Avenóis, também o intelecto passivo vem de fora, sendo todo uno com 0 intelecto ativo separado da alma. Ambos negam por isso a imortalidade dà alma individual, afir. mada contra ambos, em compensação, por S. Tomás, que sustenta "intellectum possibilem in diversis (individuis) diversurn esse, et ctinm intellectum agentem esse in diversis dJversum" e "diceodum quod intellectus agens, de quo Philosophus (Aris­tóteles) Joquitur, est aliquid animae"].

8 . A faculdade motora:

a) O ?Petite. Quando (a sensação) é agradável ou dolorosa, (a alma), quase aftrmando ou negando, a procura ou a evita; e o prazer e a dor são as operações que se realizam por meio da sensibilidade para o bem ou mal_ enq_uanto. tais.. A repugnância e o apetite em ação constituem isso; e nao .sao cotsa diferente as faculdades de apetecer ou de rejeitar, nem entre SI, nem a respeito da sensibilidade, mas diferente é o seu ser (De an., III, 7, 431).

b) O princípio motor: apetite e intelecto prático. Parece que são dois estes motores . . . , ambos causa do movimento no espaço: o intelecto e o ap~tite; ~empreende-se o intelecto que calcula em vista de algum fim, o~ seJa, o mtel~cto prático, que é diferente do especulativo. E todo apetite VlSa a algum f•m, pois o princípio do intelecto prático é aquele de que se dá apetite, e o fim último é principio da ação ... De fato, o apetecível move, c por isso o pensamento move, porque o apetecível é o princípio do mesmo. Também a fantasia, quando move, não move sem apetite.

0 PI::NSAMENTO ANTIGO 55

J>ortanto, um é o motor: o apetecivel. . . E o pensamento não pare~e mo­ver em apetite; pois a vontade é o apetite, e, quando se tem movtmento segundo raciocínio, tem-se movimento segundo a vontade (De an., 111, 10, 433}.

c) O contraste dos apetites. Mas como se dão apetites contrários entre si, isso acontece quando a razão e o desejo se: acham em contra~te; mas dá-se somente nos seres que têm o sentido do tempo, porque o mtelecto manda resistir em vista do futuro, o desejo ern vista do presente (De an., III, 1 O, 433}. Então a imaginação sensitiva se dá também nos outros animais, porém a deliberativa somente nos racionais (Oe an., 111, 11, 434).

d) Vontade e deliberação. Essas ações, cujo principio se acha no homem, pode este realizá-Ias ou não, segundo o seu arbítrio.. Sã~, ~rtanto, vo­luntárias. . . Ao invés, parece ser forçado aqmlo CUJO prmctpto se acha fora, sem que o homem contribua em absoluto. (Et. nic., Ill, 1, 111?>· Pois parecem ser causas: a natureza, a necesstdade e o acaso, e alem disso 0 intelecto e tudo o que provém do homem (Et nic., III, 3, 1112). Portanto, chamo ação voluntária ... à aÇao qllle alguém realiza, entre as que estão em seu poder, sabendo e não ignorando o que faz e a qu~m e porque: por exemplo, a quem golpeia, e por que causa e por que .U:U• e não por acidente ou por força, como se al;guém, tomando-lhe a mao, golpeasse a outro, o que não seria voluntário, porque J1ão vem d:lc ... Das ações voluntárias, algumas se praticam por escolha, o~tras, nao: por es­colha, as que deliberamos, sem escolha, as que não deliberamos (Et. nic., v, 8, 1 135).

Por isso a deliberação parece ato voluntário, porém, não idêntico a este; se be~ que o voluntário tenha maior cx:tensã~, porque : ambém ~s crianças e os outros animais participam do voluntáno, ~as nao da _deh­beração. Também chamamos volu.ntários aos a.tos repent.J.nos, mas nao os chamamos deliberados (Et. nic., lU, 2, 1 111 ).

Cada um dos homens delibera (somente) em torno das coisas que . ele mesmo pode realizar em ação. . . E não deliberamos em t?rno d.os fms, mas das coisas que pertencem ao fim. De fato, nem o médtco dehbera se deverá curar, nem o orador se deverá persuadir, nem o pol~tico se f~rá boas leis, nem nenhum outro em tomo do fim; mas, estabelecido. um ~rm, consideram como e com que meios se consegu.irá .. . Nem toda mvestiga­ção é deliberação (por exemplo, as inv_es~i~ações matemá~·ca~), ~oré_m, toda deliberação é investigação; e o que e ulttmo na resoluçao e prune?'o na geração ... Logo, sendo o objeto da resolução deliberada uma COL~a desejada e.ntre as que se acham ao nosso al~ance, tam~ém a_ resoluçao será apetite de coisas em nosso poder, provemente de de!Jberaçao: porque quando, depois de haver deliberado, julgamos, apetecemos de acordo com

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a deliberação (Et. nic., III, 3, 1 112-3). A vontade, ao invés, já se disse que é do fim (Et. nic., III, 4, 1 113).

e) Liberdade e responsabilidade - ação criadora dos hábitos. Uma vez que a vontade é do fim, e a deliberação c resolução são dos meios visando ao fim, as ações que concernem a estas coisas serão conformes com a deliberação e voluntárias . . . Portanto, acham-se também em nosso poder a virtude e o vício. Porque onde está em nosso poder o fazer está também o não-fazer; e onde o não, também aí o sim. . . Se isto pudesse negar-se, ter-se-ia que negar também que o homem é princípio e pai das suas ações como dos seus filhos.

Talvez (alguém) não possa ser vigilante. Mas eles próprios são culpados de se tornarem assim, por viverem em abandono e se terem transformado em injustos e intemperantes, uns agindo mal, outros passando a vida em orgias e coisas semelhantes: porque as ações particulares os tornam tais ~c~mo são). Se alguém age conscientemente, tornando-se injusto, será lllJUSto voluntariamente; e depois, nem mesmo que o deseje, deixará de ser injusto e se tornará justo. . . Assim também em relação aos intem­perantes: no começo podiam não se transformar em tais e então são tais voluntariamente, mas, tornando-se tais, não lhes é mais dado não o ser ... Somos _senhores de noss~s ações desde o começo até o fim, sabendo todos os particulares; dos hábttos, ao invés, somente desde o princípio. . . Mas, como estava em nós agir assim ou de outro modo, os hábitos são, por isso, voluntários (Et. nic., III, 5, 1 113-4).

V. O BEM E. A VIRTUDE..

1 . O supremo bem.

. Se há um fim nas coisas práticas que desejamos por si mesmo, dese­Jando para ele as outras coisas ... , é evidente que este será o bem, ou melhor o supremo bem (Et. nic., I, 1, 1 094).

2 . A felicidade e a atividade de acordo com a razão.

Qual é o supremo bem entre todos os bens práticos?. . . Tanto o vulgo como as pessoas cultas dizem: a felicidade. . . Mas, sobre o que é a feli­cidade já não se acham de acordo, e o vulgo não a define da mesma maneira que os sábios (Et. uic., I, 4, 1 095).

Porém, encontraremos imediatamente a possibilidade (de defini-la) se pudermos encontrar a atividade que é própria do homem. . . Como para todos a quem esperam uma obra e uma tarefa, na mesma obra parece

0 PENSAMENTO ANTIGO 57

achar-se o seu bem e a sua perfeição, assim parecerá também ao homem, se houver uma atividade que lhe é própria ... E qual será ela? ... Pois a vida é comum às plantas, também ... e a subseqüente faculdade sensi­tiva. . . aparece também comum ao cavalo, ao boi e a todo animal, resta (que seja) uma vidla ativa própria de quem é dotado de razão ... A obra própria do homem é (pois) a atividade da alma conforme a razão e não contrária a ela (Et.. nic., I, 8, 1 908).

3 . O prazer e a atividade - o prazer próprio de cada espécie animal.

Todos preferem as coisas agradáveis e fogem das dolorosas (Et. nic., X, 1, 1172). O fato de todos, animais e homens, procurarem o prazer é sinal de que, em certo sentido, ele é o melhor dos bens (Et nic., VIL 13, 1153).

O prazer aperfeiçoa o ato, não como um hábito que este traz implícito, mas como uma realização sobrevin.cla, como a flor da juventude a quem se acha em pleno vigor da juventude. . . Pode crer-se que todos desejem o prazer, pois tocitos tendem também ao viver, e a vida é atividad~, e cada um é ativo naquelas ações e com aquelas faculdades que ama ac1ma de tudo. . . Ora, o prazer torna cumpridas as atividades, isto é, o viver ao qual aspira. Com razão, pois, tendem (todos) também ao prazer, porque ele aperfeiçoa a vida a todos, o que é coisa desejável. . . Efetivamente, aparecem reunidos, e não se dão separados, pois sem atividade não se produz prazer, e o prazer torna perfeita toda atividade (Et. nic., X, 4, 1174-5). A atividade, de fato, é aumentada pelo próprio prazer: julgam melhor e governam melhor qualquer coisa aqueles que agem com prazer ... Como o prazer próprio aperfeiçoa as atividades tornando-as mais duráveis e melhores, e os ]prazeres alheios as dissipam ... , assim, tanto oomo são diversas as atividades, também (são distintos) os prazeres. . . Parece, também, que para cada animal haja um prazer que lhe é próprio, tal como há uma obra (que lhe é própria): ou seja, a que correspoode à sua atividade (Et. nic.,. X, 5, 1 175).

4. A felicidade humana na vida intelectuaL

Resta falar da felicidade ... , pois a colocamos como fim das ações humanas. Ê necessário pô-la em uma certa atividade. . . A vida feliz parece ser a conJEorme com a virtude; mas esta é uma vida de sério esforço e não de divertimento. Chamamos melhores às coisas sérias do que às alegres e divertidas, e mais séria a atividade, seja do homem ou na parte que é sempre melhor nele: ora, o que provém do melhor já é superior e mais apto a produzir felicidade (Et. nic., X, 6, 1 176-7).

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Se a felicidade é ativa conforme a virtude, é racional que seja conforme à virtude mais excelente, e esta será da parte melhor, . . Ora, se a ativi­dade do intelecto parece sobressair por seriedade, sendo contemplativa, e não tender para nenhum fim exterior a si mesma, e ter um prazer seu próprio que aumenta a sua atividade, e bastar-se a si mesma, e ser estu­diosa, infatigável por tudo o que é dado ao homem (e tudo o que se' atribui ao bem-aventurado parece encontrar-se nessa atividade): então a perfeita felicidade do homem será esta, quando consiga a perfeita duração da vida. . . Mas semelhante vida será superior à humana, pois o homem não a viverá como homem, porém enquanto um quê de divino nele estiver presente. . . Ora, não é necessário, como pregam alguns, que o homem, por ser tal, conceba somente coisas humanas, e, como mortal, unicamente coisas mortais, mas que, na medida do possível, se torne mortal, e faça todo o possível para conseguir viver de acordo com o que há de mais excelente nele: pois, se como massa é uma coisa pequena, por potência e dignidade supera em muito a todas. E pode parecer antes que cada um consista nesta parte, se ela é dominadora e mais saliente nele . .. Com efeito, o que, por natureza, é próprio a cada um, é também para cada um, a melhor e mais doce coisa. Logo, para o homem (é tal) a vida conforme ao intelecto, pois este é, sobretudo, o que constitui o homem. Por isso, esta é a vida mais feliz (Et. nic., X, 7, 1 177 -8).

5 . O bem e a virtude.

Se assim é ... , e cada coisa é conduzida à perfeição acompanhando a virtude que lhe é própria ... , parece que o bem próprio do homem é a atividade espiritual de acordo com a virtude; e se as virtudes são mais de uma, de acordo com a ótima e mais perfeita ... Aos amantes do bem agradam as coisas que por natureza são prazenteiras. E tais são as ações confom1es com a virtude . . . Portanto, a sua vida não necessita do prazer como de um adorno, mas tem o prazer em si mesma (Et. nic., I, 8, 1 098).

Pertencerá, então, o (bem) procurado ao homem feliz, e ele será tal durante toda a sua vida, porque sempre ou sobretudo agirá e pensará de maneira conforme com a virtude, e suportará muito bem as vicissitudes da sorte, e em tudo e por tudo como convém. . . não por insensibilidade, mas por generosidade e grandeza de ânimo. Se as ações são as senhoras da vida, como dissemos, nenhum dos felizes pode tornar-se miserável, porque nunca c<>meterá ações odiosas e vis (Et.. nic., I, 11 , 1 100).

Não se conquistam e conservam as virtudes com os bens exteriores, mas estes com aquelas . . . Está fora de discussão pois que a cada um toca tanto de felicidade como de virtude que possua e de sabedoria e conduta de conformidade com elas: e Deus é. testemunha, pois é feliz e bem-aventurado, n5o por bem exterior algum, mas por s1 mesmo e por ter tal natureza (Polít., vn, 1, 1 323).

0 PENSAMENTO ANTIOO 59

6 . As partes da aJma e as virtudes dianoéticas e éticas.

Chamamos virtude humana não à do corpo, mas à da alma. . . Mas também na alma deve crer-se que há uma parte fora da razão, e contrária e que se opõe a esta. . . E a parte irracional torna-se dupla: a vegetativa, que não participa da razão de nenhuma maneira, e a concupiscente e apetitiva em geral, que dela participa de algum modo, enquanto a escuta e a obedece . . . Se também a esta deve chamar-se racional, também será duplo o racional: o um, por excelência e em si mesmo, e o outro, como o filho que ouve o pai. Portanto, segundo tal diferença, distingue-se tam­bém a virtude: com efeito a umas dianoéticas (intelectuais) e a outras éticas (morais): dianoéticas, a sabedoria, a inteligência, a prudência; éticas, a liberdade, a temperança etc. (Et. nic., I, 13, 1 102).

7. A virtude e a perfeição do agir - unidade da virtude dianoética e ética.

Cada virtude realiza a perfeição dos seres de que é virtude e faz boa a sua obra ... (Portanto) também a virtude do homem será hábito pelo qual se torna (o homem) bom e fiel cumpridor de sua tarefa (Et. nic. II, 6, 1 106).

É evidente, então, ... que sem sabedoria não se pode ser verdadeira­mente bom, nem sábio sem virtude ética. Mas, por esse caminho, poder­-se-ia resolver o discurso com que alguém pretende provar que as virtudes estão separadas entre si, porque o mesmo indivíduo não pode achar-se disposto, por natureza, a todas as virtudes, de modo que acontecerá que já possua algumas, e outras ainda não. Isso pode acontecer, com efeito, com as virtudes naturais, mas não ·com aquelas unicamente pelas quais se diz que um é bom, porque, juntamente com a sabedoria, que é uma só, se acham todas presentes (Et. nic., VI, 13, 1 145).

8 . Gênese das virtudes da ação.

A virtude dianoética, na maioria dos casos, recebe do ensino a geração e o desenvolviment.;,, por isso necessita de experiência e tempo; a ética provém do hábito, do qual tomou também o nome, embora com pequena variação de ethos (costume). . . Portanto, as virtudes não se geram por natureza ou contra a natureza, mas em nós, nascidos para recebê-las e aperfeiçoando-nos mediante o hábito. Além disso, de tudo o que em nós se gera por natureza, trazemos primeiramente em nós a potência; depois desta, produzimos a ação ... As virtudes, ao invés, conseguimos agindo primeiro, como nas outras artes, porque o que é preciso apwender para fazê-lo, aprendemos fazendo-o, tal como nos tornamos construtores cons-

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truindo, ou tocadores de cítara, tocando. Assim, também, reali2ando ações justas, ou sábias ou fortes nos tornamos sábios, justos ou fortes ... Em uma palavra, os hábitos nascem de ações conformes. Por isso, é necessário praticar ações de determinada espécie, porque segundo a diversidade destas seguem os hábitos. Não é pequena a diferença, pois, habituar-se desde criança a esta ou àquela maneira; antes é grandíssima diferença, é tudo (Et. nic., li, 1, 1 103).

Dlleren~a entre o hábito da \'irtude e o das artes. Não é a mesma coisa nas artes e na virtude; porque os produtos da arte têm o seu valor em si, e basta que sejam feitos de certa maneira; mas as ações virtuosas são realizadas justa e sabiamente não enquanto tenham certas qualidades, mas enquanto o agente trabalhe com ccrb disposição: em primeiro lugar, com consciência, em segundo deliberadamente e com aquela determinada deliberação, em terceiro lugar com ~e e cons~ante vontade (Et nlc., li, 3, 1105).

9 . A virtude como justo meio e hábito de escolha.

Costuma-se dizer que nada há que acrescentar nem tirar nas coisas bem feitas, considerando-se que o excesso ou a falta destroem a perfeição e o justo meio a conserva. . . E a virtude, que é mais perfeita e melhor do que toda a arte, do mesmo modo que a natureza, tenderá para o meio. Digo a virtude ética, porque esta concerne aos afetos e ações, e nestas têm lugar o excesso, a falta e o meio. . . De modo que a virtude é um certo justo meio porque visa ao meio ... Em toda coisa contínua e divisível pode-se tomar o mais (excesso), o menos (falta) e o igual (meio): e isso a respeito da coisa mesma ou a respeito a nós. . . Chamo meio da coisa o igualmente distante de ambos os extremos, que é um e idêntico para todos; meio, a respeito de nós, o que não é excesso nem falta. E este não é único nem idêntico para todos ...

Assim, pois, a virtude é um hábito de eleição, que se acha no meio a respeito de nós, determinada pela razão e como faria um sábio: eqüidis­tância entre dois vícios, um por excesso, o outro por falta (Et. nic., 11, 6, 1 106).

Por isso, é também grande e árdua empresa a realizar-se: pois é grande empresa encontrar o meio de cada coisa, como achar o centro do círculo não é para qualquer, mas para quem sabe (Et nic., II, 9, 1 109).

1 O. A virtude ética por excelência: a justiça.

A justiça é uma virtude perfeita, mas não em sentido absoluto, porém relativo. E por isso, parece, amiúde, a maior entre as virtudes; nem Héspero nem Lúcifer inspiram semelhante admiração, e cita-se como pro­vérbio o verso: "na justiça acha-se contida toda virtude". . . A justiça,

0 PENSAMENTO ANTIGO 61

portanto, não é parte de virtude, mas a virtude inteira; nem, por outra parte, a injustiça é parte de vício, mas o vício inteiro. Torna-se, pois, claro em que diferem a virtude e esta justiça: porque esta é a mesma, mas não idêntica por sua essência; porém, enquanto é relativa a outro, é justiça, e como um hábito determinado, é virtude (Et. nic., V, 1, 1 130).

ti evidente como se distinguem o justo c o injusto, de acordo com estes conceitos: porque quase todas as ações de conformidade com a lei são prescritas pela virtude em geral, pois a lei ordena uma vida conforme com toda virtude e impede a conforme com todo vício (FA. oic., V, 2, 1 130).

11 . A justiça como justo meio - melhor receber do que cometer i_njustiça.

De acordo com est,as distinções, toma-se evidente qne a ação justa é um meio entre o fazer c o receber injustiça: 'pois um significa ter mais, 0 outro, menos (do devido). . . Por isso, a injustiça é excesso e falta, porque é própria do excesso e da falta: excesso do que é absolutamente útil a si mesmo, falta do que é prejudicial (Et. nic., V, 5, 1 133).

]j, evidente que o receber e o cometer injustiça são ambos males ... , mas ainda é pior cometê-la, porque o fazer injustiça vem acompanhado .. . da maldade mais completa e absoluta ou quase ... porém, o receber injustiça é sem maldade e injustiça (Et. níc., V, 11, 1138).

12. As duas espécies da justiça: distributiva e comutativa.

Há duas espécies da justiça partiClJlar e do justo conforme ela, que se aplicam à distribuição das honras, das riquezas e das outras coisas, de todas as que podem distribuir-se entre os membros de um Estado (Et. oic., V, 2, 1 130). Como o injusto é desigual e o desigual injusto, é evidente que há também um meio entre os desiguais, c este é o igual: pois em cada ação, onde se dá o mais e o menos, se dá também o igual. . . ~ mister, pois, que o justo seja eqüidistância e igualdade, a respeito de coisas e de pessoas. . . E deve haver a mesma igualdade nas pessoas c nas coisas, porque, na relação em que estão as coisas, nela (devem estar) também as pessoas que as possuem; se, com efeito, não são iguais, não deve haver coisas iguais, antes surgem aqui contendas e lamentos, quando os iguais têm posses e distribuições desiguais, e os desiguais iguais ... O justo acha-se, pois, em uma espécie de proporção. . . O justo encontra-se na relação entre quatro termos, pelo menos, e a relação deve ser a mesma, porque devem diferir igualmente as pessoas e as coisas. Então, como A:B, assim deve C:D, e alternando como A:C, assim B:D. . . De modo que a união de A com C e B com D proporciona a justiça distributiva. E os mate­máticos chamam, a tal proporção, geométrica (Et. nic., V, 3, l 131).

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A outra espécie é a comutativa, que surge nas mudanças voluntárias e involu~tárias. . . O justo nos contratos é uma igualdade, e o injusto é uma desigualdade, mas não de acordo com a dita propcorção, mas segundo a aritmética. . . De onde não resulta mais nem menos, mas o mesmo para as. mest;nas p:ssoas,. eles dizem de ter o próprio sem perda e sem ganho; pOis o JUSto e o mew entre ganho e perda .. . : ou seja ter o mesmo antes e depois (da troca) (Et. nic., V, 4, 1 132).

:É necessário, por isso, que as coisas de que há troca sejam comparáveis de _algum modo: para esse fim foi inventada a moeda, que é como um me10: porque ela mede tudo, por isso também o mais e o menos ... Então, haverá reciprocidade quando for restabelecida a igualdade (Et. nic., V, 5, 1 133).

13 . A amizade: atividade e aperfeiçoamento recíproco.

A amizade é uma virtude ou está unida à virtude, e é a coisa mais necessária à vida. . . E não somente necessária, mas também nobre (Et n~c., VIII, 1, 1 155). A amizade perfeita é dos bons e semelhantes por VIrtude . . . : são de ânimo semelhante por si mesmos e não por circuns­tâncias externas; permanece, pois, a sua amizade enquanto permanecem bons, e a virtude é duradoura (VIII, 3, 1 15 6).

Os que são amigos por virtude tratam de beneficiar-se reciprocamente: pois isto é próprio da amizade e da virtude (VIII, 13, 1162). Amigo é quem deseja e pratica o bem (ou que tal lhe pareça) por amor do amigo, e deseja que o amigo viva e se conserve por si mesmo; que é o sentimento das mães para com os filhos e dos amigos, ainda nas divergências (Et nic., IX, 4, 1 166). Quem fez o bem prefere e ama a quem o recebeu, embora não possa ele ser ou chegar a ser depois de alguma utilidade. O mesmo acon~ece também aos ar~istas: pois cada um ama a própria obra, mais do que e amado por sua cnatura, se se transformar em animada . . . A causa disso é que, para todos, o ser é objeto de desejo e amor, e nós estamos na ação: no viver e no agir. Na ação existe, de certo modo, quem realiza a obra: e ama a obra porque também ama o ser. Isto é natural: porque 0 qu~ .está em potencial, isto a obra exprime em ação (IX, 7, 1 167). A fehctdade é uma certa atividade, e é evidente que (a atividade) se engendra (no exercício) e não se possui como um objeto ... Por isso, a vida solitária é acerba, porque não é fácil estar, por si mesmo, em atividade contínua, enquanto que é mais fácil com os outros e para os outros. De modo que a atividade será mais contínua, e é doce por si mesma; o que é necessário para ser feliz (IX, 9, 1 169).

:É boa, portanto, a amizade dos bons, que aumenta na comunhão de vida: parecem também tornar-se melhores, levando-se reci.procamente à

0 PENSAMENTO ANTIGO 63

ação e à perfeição, porque, mutuamente, se modelam nos que amam (Et. nic., IX, 12, 1 171).

VI. A SOCIEDADE E O ESTADO.

1. O bem coletivo (supremo bem), objeto da ciência política.

O bem é digno de ser amado também por um só homem, porém mais belo e divino quand" para nações e para Estados ... (Por isso) o supremo bem corresponderá à Ciêncüt suprema e, por excelência, diretora das obras. E assim parece a Política (Et. nic., I, 2, 1 094).

2. O homem, animal social.

f!. evidente. . . que o Estado existe por natureza e que o homem é por natureza animal social. .. , e mais do que todas as abelhas e todo animal que vive em sociedade. Porque a natureza nada faz em vão: ora, só o homem, entre os animais, posstú razão. . . A linguagem serve para de­monstrar o útil c o danoso, e por isso também o just{) e o injusto, o que é próprio dos homens a respeito dos outros animais: ter, somente ele, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto (Pol., I , 1, 253).

Por isso, mesmo aqueles que não têm necessidade de ajuda recíproca, não desejam menos viver em sociedade (Pol., III, 4, 1 278).

3 . O bem, fim da sociedade e do Estado.

Não obstante, também o interesse leva à comunidade ... , porque se reúnem (os homens) também para viver, e mantêm a sociedade política (Pol., III, 4, 1 278).

Mas não somente para viver, mas para viver bem (III, 5, 1 280). Já que todos fazem tudo por amor do que lhes parece o seu bem, é evidente que todas as associações tendem a um bem, e tende, sobre todas, ao bem supremo 'entre todos, a que é a suprema entre todas e compreende a todas as outras: que é a que se chama Estado e sociedade política (Pol., I, 1, 1 252).

O Estado é, portanto, associação, não só em razões de lugar e para que não se cometam injustiças e se façam trocas: certamente, é necessário que existam tais condições para que haja um Estado; mas, mesmo exis­tindo todas, não há todavia um Estado, mas sociedade de bem viver, e para as famílias e para o povo, em razão de vida perfeita e suficiente para si mesma. . . Logo, viver bem é o fim do Estado. . . isto é, viver felizes e virtuosos (Pol., Ill, 6, 1 280). Mas como o bem é o fim de todas

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as Ciências e Artes, e o máximo (bem) está, sobretudo, na suprema entre todas (as artes), que é o poder político, assim o bem político é o justo (Pol., III, 7, 1 283).

4. Continuidade histórica do Estado e condlições do seu permanecer. - Limites às variações das leis.

Mas, permanecendo os homens no mesmo lug;ar, enquanto seja a mesma a nação que permanece, deve dizer-se, talvez, que o Estado é o mesmo apesar do fluxo contínuo das mortes e dos nascimentos, como costuma­mos dizer que os rios e as fontes são sempre os mesmos, apesar do fluxo perene das águas que chegam e se vão?. . . É evidente que se deve dizer o mesmo de um Estado, sobretudo no que s•e refere à constituição ... (Pol., III, 1, 1 276). É necessário que a constituição, que se deve conservar, queira que todas as partes e classes do Estado sejam e permaneçam as mesmas (Pol., 11, 6, 1 270).

É evidente que, às vezes, entre as leis algum:as devam mudar-se. Mas é mau habituar (os cidadãos) a mudarem facilmente as leis .. . Pois a lei não tem nenhuma força para ser obedecida, salvo pelo costume; e este não se forma senão com o correr do tempo, pelo que a facilidade de mudar as leis existentes por outras novas, é debilitar o poder da lei (Pol., 11, 5, 1 269).

5 . Conceito do cidadão.

Porque o Estado é complexo, como outros compostos de múltiplas partes, é evidente que, antes de tudo, seja preciso inves1tigar o que é o cidadão ... O cidadão não é tal pela residência (pois também dela participam os me­tecosl e os escravos); nem são tais os particip:antes dos mesmos direitos, de maneira qUie possam sofrer e intentar causas, porque isto pertence também aos associados por contratos. . . O cidadão, de per si, não é definido por nada melhor do que pela faculdade de participar em juízos e magistraturas ... Quem tem o direito de participar no poder deliberativo e judicial, já o chamamos cidadão do Estado, e: ao Estado, a multidão de semelhantes cidadãos, capaz de bastar-se por si mesma à própria vida (Pol., 111, 1, 1 275). O bom cidadão deve saber e .poder obedecer e mandar; e esta é a virtude do cidadão, isto é, conhecer a autoridade dos homens livres sob ambos os aspectos (Pol., 11, 2, 1 277). A virtude do cidadão e do magistrado é a mesma que a do homem ótimo, o qual primeiro deve obedecer e depois mandar (Pol., VII, 13, 1 333).

Exclusão dos que exercem trabalhos manuais ou comerciais. Uma cidade perfeita jamais dará cidadania a um artesão. . . Mas se a virtude do cidadão deve ser a já

1. Metecos - nome dado aos estrangeiros domiciliados em Atenas. (N. do R.)

0 PENSAMENTO ANTIGO 65

citada, ela não é própria de qualquer indivíduo, nem de quem somente é livre, mas de todos os que se acham isentos dos trabalhos neeessários. Os sujeitos aos traba· lhos necessários, se a serviço de um homem, são escravos; se estão a serviço do público, são artesãos e mercenários (Pol., 11, 3, 1 278). Os cidadãos não devem viver uma vida de artesão ou de mercador, pois semelhante vida é ignóbil e contrária à virtude. Nem deverão ser agricultores os futuros cidadãos, pois, para a formação da virtude e para a atividade política, é necessário o ócio (otium) (Pol., VII, 8, 1 329).

Os escravos, tais por natureza. A outros, o poder do amo parece contrário à natureza. Por lei (dizem) um é escravo e outro livre; por natureza não há diferença. Por isso não é justo, pois é por violência (Pol., I, 2, 1 253). (Mas) é evidente que Por natureza alguns são livres e outros escravos, para os quais também produz benefícios e é justo servir (Pol., I, 2, 1 255). Desde o nascimento, alguns estão desti­nados a mandar e outros a serem mandados ... Todos os que diferem de tal medida, pois, como a alma do corpo e o homem do animal (e acham-se em semelhante condição todos os que têm por função própria os exemplos das forças corporais, e isto é o melhor que podem dar), esses são escravos por natureza (Pol., I, 2, 1 254).

(f!) evidente, nesta passagem, que Aristóteles parte da consideração de dois termos opostos - feitos para mandar: alma, homem; para serem mandados: corpo, animal - mas, depois se limita a considerar somente o segundo termo].

6 . Igualdade e desigualdade entre os cidadãos.

Entre os semelhantes, o honesto e o justo estão na reciprocidade; com efeito, isto é igual e equivalente. A desigualdade entre iguais e a dispari­dade entre pares é contrária à natureza: e ·nada que é contrário à natureza é honesto (Pol., VII, 3, 1 325). Assim, a igualdade parece e é justa; mas não entre todos, somente entre iguais. Também parece justa a desigualdade, e de fato, o é, porém não entre todos, senão entre desiguais. Quem suprime isto "entre que pessoas", julga mal, também. Isso acontece porque julgam em causa própria, e quase todos são maus juízes das causas próprias ... Efetivamente, alguns, se são desiguais em alguma coisa (por exemplo, nas riquezas) crêem ser desiguais em tudo; outros, se são iguais em alguma coisa (por exemplo, em liberdade), acreditam que são iguais em tudo. Mas não dizem o que é essencial (Pol., III, 5, 1 280).

7 . A lei reta e a sua superioridade sobre a autoridade individual.

A retidão (da Jei) deve entender-se no sentido de igualdade. O que é igualmente reto é o que beneficia a todo o Estado e à comunidade dos cidadãos (Pol., 111, 7, 1 283). Beneficia mais ser governado por um homem excelente ou por excelentes leis? . .. Melhor é aquilo que não está sujeito em absoluto a paixões, do que aquilo em que elas são conaturais. Ora, essas paixões não pertencem às leis, enquanto que toda alma humana, necessariamente, as possui. (Pol. III, 10, 1 286).

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Perigos e irresponsabilidade do poder absoluto. A isenção de toda responsabilidade e o poder vitalício são um privilégio excessivamente grande ... ; e o poder que não se acha regulado por leis, mas pelo próprio arbítrio, é perigoso (PoL, li, 7, 1 272). O poder mais necessário ao povo (é) eleger os magistrados e fazê-los prestar contas das suas gestões, pois, privado de semelhante poder, o povo será escravo e inimigo (Pol, li, 9, 1 274). Ora se dissolvem as constituições, as aristocráticas, sobretudo, pela violação da justiça na constituição mesma (Pol.., V, 6, 1 307).

8 . Conservação e dissolução das constituições.

A finailidade do legislador e de quem deseja estabelecer uma constituição determinada não é somente, .nem sobretudo, fundá-la, mas prever para que se mantenha (Pol., VI, 6, 1 307). l!. claro que, se conhecemos as causas de dissolução das constituições, também saberemos os meios para con­servá-Ias: pois de efeitos contrários são causas os contrários, e a dissolução é o contrário da conservação. Nas constituições bem temperadas convém vigiar especialmente que não se violem de maneira alguma as leis, e, sobretudo, evitar as pequenas violações, pois a ilegalidade se insinua furti­vamente, como os pequenos desgastes repetidos que levam as fortalezas à ruína. Não aparece a mudança por não ser de grande aparência, pois a mente se ilude a seu respeito, conformando-se com o sofisma: se cada parte é pequena, também o é o todo. O que não é verdade, pois o todo e o inteiro não são pequenos mas são formados de pequenas partes. É preciso, pois, vigiar contra esse princípio ...

_Em toda constituição, principalmente, é necessário r:egular bem as leis e todas as outras instituições, a fim de que os magistrados não possam realizar lucros (Pol., V, 7, 1 308).

O elemento mais importante é observar que o número daqueles que desejam uma constituição seja maior do que o dos que não a desejam (Pol., V, 7, 1 309). O que mais importa para a estabilidade da constituição é o que todos descuidam agora, quer dizer, uma educação apropriada à constituição (Pol., V, 8, 1 310).

9 . Fonnas de constituições: normais c degenerativas.

A constituição de um Estado está na ordenação das magistraturas, e sobretudo, da suprema entre todas. Pois, em qualquer parte, o governo do Estado é o soberano: e o governo é a constituição (Pol., JII, 4, 1 278).

Constituição e governo significam, pois, a mesma coisa, e o governo é soberano nos Estados, e é necessário que seja soberano um, ou poucos ou muitos, assim quando um, ou os poucos ou os muitos governam para a utilidade pública, estas devem ser as retas constituições; quando gover­;am para a u1ilidade particular de um, dos poucos ou dos muitos, são as degenerações ...

0 PENSAMENTO ANTIGO 67

Entre as monarquias costuma-se chamar reinado àquela que se dirige à utilidade pública; o governo dos poucos, porém mais de um, aristocracia, seja porque mandam os melhores (aristoi) seja porque para o melhor da cidade ou dos seus membros; quando a massa governa para o bem comum, chama-se pelo nome comum de todas as constituições, república (poli­teia). . . As degenerações das formas nomeadas são a tirania no reinado, a oligarquia na aristocracia, a democracia na república. A tirania é uma monarquia dirigida para o benefício do monarca; a oligarquia está voltada para o bem dos ricos, a democracia para o benefício dos pobres: para o bem público nenhuma delas (Pol., III, 5, 1 279).

Pode haver um (povo) feito por natureza para um governo determi­nado, um monárquico e outro republicano e (cada um torna-se então) justo e útil; mas feitos para a tirania não existe nenhum, por natureza, nem (para alguma) das outras constituições que são degenerativas, pois são contrárias à natureza (Pol., III, 11, 1 287).

[Nestas passagens chama-se democracia à forma degenerativa ou demagogia; em outras partes, semelhante termo indica somente o governo dos muitos ou do povo, como se pode ver no n .0 10 e ss.].

A república como forma mista e a condição social média. A república, para dizê-lo simplesmente, é uma mescla de oligarquia e democracia (Pol., IV, 6, 1 294). Portanto, o Estado quer ser composto de iguais e semelhantes ao máximo, e isto obtém-se sobretudo na condição média, pelo que é necessário que este Estado seja governado de forma excelente, formado pelos elementos dos quais dizemos que, por natureza, resulta a formação do Estado (PoL, IV, 9, 1 295).

1 O. Oligarquia e democracia.

Nas oligarquias e nas democracias o pertencer, respectivamente, a sobe­rania a poucos ou a muitos é acidente concomitante com a existência de poucos ricos e de muitos pobres, em todas as partes (Pol., Ili, 5, 1 279). Melhor é dizer que há democracia quando os homens livres são soberanos; oligarquia quando são os ricos (Pol., IV, 3, 1 290).

11 . Superioridade da democracia.

A democracia é mais estável e menos agitada do que a oligarquia. (Pol., V, 1, 1 302). É melhor que a massa seja soberana antes que os otimates, que são poucos . . . Porque pode dar-se que os muitos, embora entre eles cada um não seja um grande homem, porém no seu conjunto, sejam melhores do que aqueles, não individualmente, mas como massa (Pol., UI, 6, 1 281). O povo, em muitas coisas, julga melhor do que o indivíduo, seja quem for. Além disso, a multidão é mais incorruptível ... ; e, se um indivíduo se deixa dominar pela ira ou por outra paixão seme-

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lhante, necessariamente corrompe o seu JUIZo; em compensação, é difícil que todos juntos se inflamem de cólera ou pequem (Pol., III, 1 O, 1 286).

12. Liberdade e igualdade na democracia.

A liberdade é fundamento da constituição democrática . . . Um caráter da liberdade é o alternar-se (o cidadão) na obediência e no mando. Pois a justiça no governo democrático é a igualdade de acordo com o número e não segundo o mérito; e, sendo o justo tal, é mister que a massa seja soberana (Pol., VI, 1, 1 317).

A eleição e a responsabllldade dos magistrados na dcmocracL'I. É útil . . . e habitual que todos os cidadãos concorram à eleição dos magistrados, para a prestação de contas da sua gestão e para julgá-los ... Uma vez que os cidadãos não serão gover· nados pelos piores, e os governantes governarão com justiça, devendo prestar contas nos outros ... Assim, será de máxima utilidade nas repúblicas que os justos gover­nem sem cometer faltas (Pol., VI, 2, 1319).

13 . As três funções do Estado e a soberania.

Há três partes em todas as repúblicas a respeito das quais o sábio legislador deve procurar saber o que compete a cada uma ... Destas três partes, uma é a deliberativa sobre os negócios públicos; a segunda refere-se às magistraturas (isto é, quais e de que coisas devem ser soberanas e qual deve ser a forma da sua eleição); a terceira que administra a justiça. A deliberativa resolve sobre a guerra e a paz; as alianças e os tratados, as leis, a pena de morte, o exílio, a confiscação e exige a prestação de contas dos magistrados (Pol., IV, 11, 1 298).

Portanto, a pane deliberativa e soberana na república é definida dessa maneira (Pol., IV, 11 , 1 299).

[A distinç11o das três funções corresponde, em parte, à moderna, dos três poderes: legislativo (deliberativo), executivo (magistraturas) e judiciário üustiça). A soberania parece achar-se colocada na função dc!Jberativa].

14 . Perfeição, virtude e prosperidade nos Estados.

A cada um toca tanto de felicidade quanto há de virtude e de sabedoria e de conduta de conformidade com as mesmas . . . Disso resulta, e, pelas mesmas razões, que também o Estado mais perfeito e que age melhor é feliz. . . A vida virtuosa, provida dos meios indispensáveis para poder tomar parte nas ações virtuos.as, é a mais perfeita para cada um separa­damente e para os Estados, em comum (Pol., VII, 1, 1 323). Mas, ser o Estado virtuoso não é obra do acaso mas de ciência e de vontade deli­beradas (Pol., VII, 12, 1 332).

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15. Os fatores da virtude civil e o dever do Estado: a educação.

Os homens tornam-se bons e virtuosos devido a três fatores, e estes são a natureza, o hábito e a razão (Pol., Vll, 12, l 332). Ora, a razão e a inteligência são os fins da nossa natureza. Por isso é necessário preparar­-lhes a formação e o cultivo dos hábitos (Vll, 13, 1 334). Já se disse de que natureza devem ser os futuros cidadãos dóceis ao legislador: o resto é obra da educação (Vll, 12, 1 332). Realmente, toda arte e educação esforçam-se por completar o que falta à natureza (VII, 15, 1 336). Nin­guém porá em dúvida que ao legislador incumbe, sobretudo, o cuidado da educação. . . Pois o costume adequado a cada constituição só i defendê­-la, e, no começo, fundá-la também. . . E sempre o costume melhor é causa de melhor constituição .. . Mas, como o fim de todo o Estado é único, torna-se evidente que deve haver uma s6 e mesma educação para todos, e que o cuidado e a vigilância desta devem ser públicos e não privados . . . :É claro, então, que compete às leis regular a educação e torná-la pública (VIII, 1, 1 337).

Normas para a educação. É evidente que há um gênero de instrução (a musical) que se deve dar aos filhos, não por sua utilidade, ma& porque é liberal e bela (Pol., VIII, 3, 1 338). Mas não é difícil observar que os jovens não devem ser instruídos por deleite, pois ao aprenderem, não brincam, uma vez que o estudo é acompanhado de fadiga (VIII, 4, 1 339).

Não há dúvida de que, na educação, 6 necessário satisfazer n três condições: o justo meio, o possív~l e o conveniente (Pol., VIU, 7, 1 342).