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MÓDULO BÁSICO DE DIREITO Nível Superior • Direito Processual Penal Brasília 2008 A1-AM151 29/11/2008

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MÓDULO BÁSICODE DIREITO

Nível Superior

• Direito Processual Penal

Brasília

2008

A1-AM15129/11/2008

© 2008 Vestcon Editora Ltda.

Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/2/1998. Proibida a reprodução de qualquer parte deste material, sem au-torização prévia expressa por escrito do autor e da editora, por quaisquer meios empregados, sejam eletrônicos, mecânicos, videográfi cos, fonográfi cos, reprográ-fi cos, microfílmicos, fotográfi cos, gráfi cos ou outros. Essas proibições aplicam-se também à editoração da obra, bem como às suas características gráfi cas.

Título da obra: Adendo – Módulo Básico de Direito – Direito Processual Penal – Nível Superior

Autor:Thiago André Pierobom/Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior

DIRETORIA EXECUTIVANorma Suely A. P. Pimentel

DIREÇÃO DE PRODUÇÃOCláudia Alcântara Prego de Araújo

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃOCarla Cunha

CAPAMarcos Aurélio Pereira

EDITORAÇÃO ELETRÔNICALuis Augusto Gonçalves Guimarães

REVISÃOJulio César M. de França

SEPN 509 Ed. Contag 3º andar CEP 70750-502 Brasília/DFSAC: 0800 600 4399 Tel.: (61) 3034 9576 Fax: (61) 3347 4399

www.vestcon.com.br

Publicação em 29/11/2008(A1-AM151)

INQUÉRITO POLICIAL

INTRODUÇÃO

Noções Introdutórias

Investigado sujeito de direitos: o sujeito passivo da investigação é sujeito de direitos e não mero objeto de investigação. A restrição de seus direitos funda-mentais está regulamentada em lei e, em situações qualifi cadas, exige autorização judicial.

O investigado possui direito de ter conhecimento da investigação (publicidade interna), direito este a ser exercido por meio de seu advogado regularmente consti-tuído, para o qual não há sigilo no inquérito.

Polícia

A Polícia Militar é estruturada em praças e ofi ciais. As praças possuem as seguintes graduações: soldado, cabo, sargento, subtenente e aspirante (sendo este último considerado praça especial, juntamente com os cadetes). Os Ofi ciais pos-suem os seguintes postos: tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel (não há ofi ciais generais em nível estadual, apenas nas Forças Armadas). Normalmente, a organização operacional militar é feita em batalhões, companhias e pelotões.

As Polícias Civil e Federal são estruturadas em cargos como o de delegado de polícia (privativo de bacharel em Direito), agente de polícia, escrivão, agente penitenciário, perito criminal (papiloscopista, médico legista, engenheiro crimi-nalista etc), entre outros.

Características do Inquérito PolicialPortanto, a presença do advogado não é obrigatória na fase policial, mas

recomenda-se sua assistência, de forma que a defesa possa efetivamente fi scalizar o correto desenvolvimento das investigações, de forma que não haja violação a qualquer direito fundamental do investigado, bem como a defesa possa participar das eventuais provas irrepetíveis ou cautelares (como as perícias ou depoimentos de pessoas com risco de vida), pois essas diligências, ainda que realizadas na fase das investigações preliminares, poderão ser utilizadas para subsidiar uma condenação criminal, conforme permite o art. 155, caput, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008. Essa possibilidade de participação do advogado decorre da moderna visão de processo penal, na qual o investigado é sujeito de direitos, e não mero objeto de investigação.

DIREITO PROCESSUAL PENALThiago André Pierobom de Ávila / Luiz Carlos Bivar

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Todavia, há precedente do STF que estabelece não ser possível estabelecer qualquer restrição pelo juiz à publicidade do inquérito, de forma que a publicidade apenas não se estenderia às diligências que o delegado ordenar, mas que ainda não houverem sido juntadas aos autos. Conferir o teor da decisão:

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquéri-to policial. 1. O cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refl etir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta: a circunstância é bastante para admitir-se o habeas corpus a fi m de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do paciente. 2. Não importa que, neste caso, a im-petração se dirija contra decisões que denegaram mandado de segurança requerido, com a mesma pretensão, não em favor do paciente, mas dos seus advogados constituídos: o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profi ssional do advoga-do – como tal, questionável mediante mandado de segurança – e ameaça, posto que mediata, à liberdade do indiciado – por isso legitimado a fi gu-rar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrição à atividade dos seus defensores. II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial –, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/1994, art. 7º, XIV), da qual – ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas – não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual confl ito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe asse-gura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relati-vas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf.

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Lei n° 9.296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à efi cácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição.STF, 1. T., HC 82354/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10/8/2004, DJ 24/9/2004, p. 42, Ementário v. 2165-01, p. 29.

Mesmo contra atos de Comissão Parlamentar de Inquérito, o STF tem concedido mandado de segurança para assegurar o exercício desse direito de vista dos autos pelo advogado do investigado1.

Somente pode ser presidido por delegado de polícia, necessariamente bacharel em Direito. O inquérito também é indisponível, não podendo ser arquivado pela autoridade policial (art. 17, CPP). Segundo o Supremo Tribunal Federal, após ser arquivado o inquérito poli cial por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação ser iniciada sem novas provas (cf. Súmula nº 524 do STF e art. 18 do CPP).

O inquérito é obrigatório para a autoridade policial. Isso signifi ca que, tomando conhecimento de um crime de ação penal pública incondicionada, o delegado de polícia não possui qualquer discricionariedade em não instaurar o procedimento investigatório. Lembre-se, todavia, de que, para o Ministério Público, o inquérito é dispensável, porquanto pode oferecer a denúncia com base em outros elementos de informação.

O inquérito policial também é inquisitivo, pois nele não existe direito ao con-traditório ou ampla defesa. Nesse sentido:

Contraditório no inquérito policial. Inexistência (STF). A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos tri-bunais (RT nº 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo. (RT nº 689/439)

Essa vedação genérica de contraditório signifi ca apenas que o investigado não precisa se defender dos fatos que estão sendo apurados no inquérito policial, pois ali constam apenas investigações, informações preliminares, não havendo ainda qualquer acusação formal. Mesmo que já tenha ocorrido o indiciamento, esse ato signifi ca apenas que as investigações estão se direcionando para incluir o indiciado como principal suspeito da prática da infração penal, mas não constitui qualquer acusação. Todavia, como visto, a moderna perspectiva garantista de investigação inclui o investigado como sujeito de direitos e, portanto, a ampla defesa se exerce

1 STF, MS 23.576/DF, rel. Min. Celso de Melo, DJU 7/12/1999, Informativo STF n° 174.

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na fase das investigações mediante a fi scalização das diligências já realizadas pelo advogado do investigado, eventual participação nas provas cautelares e irrepetíveis e no direito de petição à autoridade que conduz ou fi scaliza as investigações.

Assim, o indiciado pode requerer a realização de diligências para a autoridade policial, as quais poderão ser negadas caso a autoridade entenda serem tais diligên-cias impertinentes (CPP, art. 14). A única exceção é para a realização do exame de corpo de delito (CPP, art. 184), pois, nessa hipótese, é obrigatória sua realização.

Há entendimento doutrinário que o direito à prova de defesa também abran-geria o direito de ter as diligências de investigação efetivamente realizadas pela autoridade policial. Dessa forma, caso seja indevidamente negada a realização de uma diligência de investigação requerida pela defesa ao delegado, que seja imprescindível ao esclarecimento da verdade, a defesa poderá ajuizar mandado de segurança para assegurar o exercício de seu direito à prova, mesmo na fase das investigações2.

Também, como conseqüência da inquisitoriedade do inquérito, não existe argüição de suspeição da autoridade policial (CPP, art. 107).

Todavia, em nosso entendimento, apesar de ser parcial na condução das in-vestigações (por atuar na formação dos elementos de informação preliminar que serão utilizados para propositura da ação penal, portanto como órgão de auxílio da acusação, ou órgão pro societate), a autoridade policial está sujeita ao princípio da impessoalidade previsto no art. 37, caput, da CF/1988, de forma que é direito do investigado fi scalizar se a autoridade policial é efetivamente isenta e age com dever de atuação objetiva, podendo, caso haja prova concreta de interesse pessoal do delegado na condução das investigações, que venha desvirtuar seu propósito, impugnar essa autoridade. Por não existir impugnação no CPP, entendemos que deve ser cabível mandado de segurança. Registre-se novamente que a literalidade do CPP não admite exceção de suspeição de autoridade policial, mas essa possibilidade de impugnação é aceita pela doutrina.

O IP é discricionário, sendo conduzido a juízo da autoridade policial na forma e no modo que entender de direito, pois nele não há procedimento prévio a ser seguido ou percorrido. O estabelecido no art. 6º do CPP é apenas um roteiro a ser seguido pela autoridade policial, segundo as peculiaridades de cada caso.

Na verdade, a atividade de investigação consiste no conhecimento e docu-mentação da prática de um fato aparentemente criminoso (materialidade), no le-vantamento de várias hipóteses de explicação para esse fato, e na investigação das informações que possam confi rmar ou refutar essas várias hipóteses. À proporção que as informações são colhidas, as hipóteses vão se refutando ou confi rmando até que o fato esteja razoavelmente esclarecido, possibilitando ao titular da ação penal formar sua opinio delicti. Essa atividade de investigação não possui roteiro predeterminado, podendo seguir a ordem procedimental necessária segundo o caso

2 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, p. 55 et seq. Defendemos esta mesma tese em outro trabalho: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 89-90.

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concreto. Atualmente não há diligência imprescindível na fase das investigações, a não ser a realização do exame de corpo de delito. Parte da doutrina recomenda sempre possibilitar ao investigado dar sua versão dos fatos antes da propositura da ação penal (interrogatório), de forma a compatibilizar o princípio do contraditório ainda na fase das investigações e se evitar ações penais infundadas. Todavia, esse procedimento não é legalmente obrigatório. Alguns procedimentos especiais pre-vêem o chamado contraditório prévio antes do recebimento da denúncia.

Finalmente, o IP é auto-executável, podendo as diligências serem realizadas diretamente pela autoridade policial, sem necessidade de autorização judicial para cada ato investigatório. Assim, a autoridade policial pode apreender ob-jetos que tiverem relação com o delito, intimar testemunhas para prestar seus depoimentos, determinar a realização de perícias etc. Ressalvem-se apenas as garantias constitucionais relativas à inviolabilidade do domicílio, do sigilo das comunicações telefônicas e da necessidade de autorização judicial para as prisões que não sejam em fl agrante (preventiva ou temporária), ou outras expressamente previstas em lei.

Nessas situações, a restrição ao direito fundamental do investigado ou de ter-ceiros apenas é possível mediante prévia autorização judicial (princípio de reserva de jurisdição).

O STF possui precedentes no sentido de que, nas hipóteses de ação penal originária de tribunal (especifi camente, perante o STF), a Polícia Federal não pode iniciar, de ofício, as investigações contra parlamentar, pois “A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confi ada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF”. Também entende que a autoridade policial não pode indiciar, de ofício, a investigação, diligência que deve ser realizada mediante prévio requerimento de iniciativa do procurador-geral da República, titular da ação penal, e autorizado pelo ministro-relator.

Competência

Em regra, os crimes de competência da justiça estadual são investigados pela Polí-cia Civil estadual e os crimes de competência da justiça federal são investigados pela Polícia Federal. Os crimes em que um dos envolvidos possui foro por prerrogativa de função também são de atribuição da Polícia Federal, devendo o inquérito tramitar perante o tribunal competente (tramitação: PF – STF – PGR – STF – PF).

Mesmo em crime de competência da justiça estadual, a Polícia Federal possui atribuição para investigar de forma concorrente com as demais polícias estaduais ou outros órgãos públicos, nas hipóteses descritas na Lei nº 10.446/2002, em relação a crimes com repercussão interestadual ou internacional. Conferir o rol legal:

I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;

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II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados interna-cionais de que seja parte; eIV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transpor-tadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

Nesta situação, já decidiu o STJ que as atribuições da Polícia Federal não vinculam a Justiça Federal para eventual ação penal.

Investigação direta pelo Ministério PúblicoSegundo Canotilho, essa seria uma competência implícita complementar. Sobre

essas competências, afi rma3:

São enquadráveis no programa norma tivo-constitucional de uma competência explícita e justifi cáveis porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências (ex.: quem tem competência para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para a preparação e formação da decisão) [...].

Nesse sentido, a possibilidade de recolher eventualmente de forma direta ele-mentos de informação preliminar para a propositura da ação penal é uma decorrência lógica do sistema acusatório, no qual compete ao titular da ação penal o ônus da prova do fato delituoso.

Como visto acima, existem vários outros inquéritos extrapoliciais que permitem a sustentação fática da denúncia, como a investigação de CPI; infração cometida na sede da Câmara dos Deputados, Senado, STF, STJ; crimes cometidos por ma-gistrados ou membros do Ministério Público etc. Até mesmo a própria vítima pode investigar, reunindo as provas da prática do delito e encaminhando-as diretamente ao Ministério Público, situação na qual o prazo para oferecer denúncia diretamente com a utilização dessas informações colhidas pela vítima correrá do seu recebimento (CPP, art. 39, § 5º). Também os advogados têm poderes para investigar, conforme prevê o art. 7º, VI, c, da Lei nº 8.906/1994 (colher provas ou informações úteis em repartições públicas). Assim, não há razão lógica para que o próprio Parquet reúna as informações e ajuíze a ação.

Terceiro, porquanto há disposições legais que permitem ao Ministério Pú-blico proceder a investigações diretas: CPP, art. 47 (permite a requisição direta pelo Ministério Público de documentos e esclarecimentos de órgão públicos), LC nº 75/1993, art. 7o, I e II, art. 8o, I, II, IV (inspeções e diligências investigatórias) e VII (expedição de notifi cações e intimações nos procedimentos e inquéritos que 3 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. Ed. Coimbra: Almedina, 1998,

p. 493-494.

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instaurar); Lei nº 8.625/1993, art. 26, I, II e IV, art. 27, parágrafo único, I. A Lei nº 7.492/1986 admite a possibilidade de o Ministério Público requisitar documentos ou diligências para investigar crimes contra o sistema fi nanceiro. Ademais, há previsão no ECA (Lei nº 8.069/1990) permitindo que o Ministério Público realize atos de investigação para apurar os atos infracionais cometidos por adolescente (oitiva do adolescente, pais, vítima e testemunhas) bem como permite que o Ministério Público instaure sindicância para apurar infração contra as normas de proteção à infância e à juventude (ECA, art. 200, VI e VII). Da mesma forma, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003, art. 74, VI) permite a instauração de sindicância pelo Ministério Público para apurar os ilícitos ou infrações às normas de proteção aos idosos. Assim, o Ministério Público pode instaurar procedimento de investigação criminal se a vítima possui menos de 18 anos ou mais de 60 anos, não havendo lógica vedar-lhe este poder apenas para as vítimas adultas, entre 18 e 60 anos, se houver relevante necessidade de investigar. Entende o STF que pode o Ministério Público oferecer denúncia com base em sindicância administrativa interna instau-rada com fundamento no art. 201, VII, do ECA, para apurar infração a direitos de crianças e adolescentes4.

CPP, art. 47 (permite a requisição direta pelo Ministério Público de do-cumentos e esclarecimentos de órgão públicos)”. A Lei nº 7.492/1986 admite a possibilidade de o Ministério Público requisitar documentos ou diligências para investigar crimes contra o sistema fi nanceiro. Ademais, há previsão no ECA (Lei nº 8.069/1990) permitindo que o Ministério Público realize atos de investigação para apurar os atos infracionais cometidos por adolescente (oitiva do adolescente, pais, vítima e testemunhas), bem como permite que o Ministério Público instaure sindicância para apurar infração contra as normas de proteção à infância e à juventude (ECA, art. 200, VI e VII). Da mesma forma, no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003, art. 74, VI) permite-se a instauração de sindicância pelo Ministério Público para apurar os ilícitos ou infrações às normas de proteção aos idosos. Assim, o Ministério Público pode instaurar procedimento de investigação criminal se a vítima possui menos de 18 anos ou se esta possui mais de 60 anos, não havendo lógica vedarlhe este poder apenas para as vítimas adultas, entre 18 e 60 anos, se houver relevante necessidade de investigar.

Aliás, toda a atividade do Ministério Público na área cível está pautada em seu poder de investigar as irregularidades que lhe chegam ao conhecimento (improbi-dade administrativa, consumidor, defesa do direito ambiental e urbanístico, tutela cível da infância e juventude, idosos, velamento das fundações de direito privado, defesa cível dos interesses coletivos ligados ao sistema de saúde e de educação etc.). Em todas essas áreas o Ministério Público investiga para esclarecer os fatos e tomar as providências cabíveis (arquivamento, encaminhamento de recomendações, entabulamento de termo de ajustamento de conduta ou ajuizamento de ação civil 4 STF, HC nº 82.865-GO, rel. Min. Nelson Jobim, julg. 14/10/2003, Informativo nº 325.

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pública). Aliás, o STF tem precedente recente reconhecendo a possibilidade de o Ministério Público ajuizar denúncia com base em inquérito civil público e seria um contra-senso impedir idêntica solução à investigação criminal. Conferir:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VIABILIDADE. RE-CURSO DESPROVIDO. 1. Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade. 2. O Ministério Público pode oferecer denúncia independentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto à materialidade e aos indícios de autoria, como no caso (artigo 46, §1°, do CPP). 3. Recurso a que se nega provimento.STF, 2ª T., RE 464893/GO, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 20/5/2008, DJe-142 1/8/2008, Ementário v. 2326-06, p. 1268.

Infelizmente a violência policial é ainda uma realidade no Brasil, e todos os países civilizados possuem organismos externos à polícia destinados a fi scalizar a sua atividade. De nada adianta afi rmar que existe um órgão de controle externo se este não pode investigar as irregularidades do órgão a ser controlado, mas apenas o próprio órgão pode se investigar. A experiência demonstra que, apesar de todo esforço das Corregedorias de Polícia em depurar os desvios internos, há por vezes um grande corporativismo que impede um resultado mais efi ciente dos desvios policiais. Ainda que este não houvesse, a supremacia do interesse público justi-fi ca que sempre existe uma investigação acima de qualquer suspeita. Conforme recomendação da ONU (Relatório de Philip Alston, de novembro de 2007, item 21.f), é recomendável que o Ministério Público tenha uma postura ativa durante os procedimentos de investigação de mortes praticadas no exercício da atividade policial. Basta lembrar o caso Jean Charles de Meneses, assassinado pela polícia britânica (até então considerada uma das mais polidas do mundo), onde a inves-tigação conduzida pela própria polícia concluiu que não houve qualquer erro dos policiais, mas a investigação da Comissão Independente (externa à polícia) concluiu que foram cometidos erros básicos e havia falta grave dos policiais.

Segundo art.144, § 4º, compete à Polícia Civil exercer as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Para a Polícia Civil, não há qualquer menção a exclusividade, portanto não haveria sentido imaginar que apenas a Polícia Federal teria exclusividade de investigação. O dispositivo do art. 144, § 1º, esta-belece que apenas a Polícia Federal pode exercer a atividade de polícia judiciária da União, não criando qualquer princípio de monopólio de investigação. Nesse sentido, o art. 4º, parágrafo único, do CPP, estabelece textualmente que “a compe-tência defi nida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”, determinando em nível infraconstitucional que não existe um princípio de exclusividade de investigação pela polícia. A cria-

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ção de um eventual princípio de exclusividade de investigação seria claramente antidemocrático, pois não permitiria que outros órgãos públicos (mesmo órgãos internacionais de fi scalização de direitos humanos) possam conduzir atividades cognitivas de esclarecimentos de situações delituosas. Viola o sistema de freios e contrapesos ao criar uma instituição que não pode ser fi scalizada e não permite a difusão de outras fi scalizações por outros órgãos.

Oitavo, há argumentos de ordem prática que justifi cam a atuação do Minis-tério Público. Assim, é citada a dependência da polícia ao poder executivo, que pode eventualmente impedir uma ação mais efi ciente quando da investigação de autoridades ligadas ao poder (apesar de várias ações efi cientes da Polícia Federal investigando autoridades ligadas ao Governo, ainda há grandes difi culdades nos Estados, especialmente no interior), situação que muitas vezes difi culta esclarecer o crime organizado, especialmente quando este possui infi ltração na própria polícia. Também é citada a necessidade de eventualmente suprir uma inatividade da polícia de investigação (inquéritos que são remetidos às DP’s e retornam sem realização de quaisquer diligências ao argumento de insufi ciência de pessoal ou outros). Sem prejuízo da necessidade de se investir na melhoria dos recursos humanos das polícias, a investigação ministerial pode suprir essa eventual lacuna do sistema. Finalmente, em outras situações, a urgência de uma intervenção penal pode justifi car a investi-gação direta. Imagine-se a situação de uma mulher vítima de violência doméstica que comparece à Promotoria de Justiça informando que foi novamente vítima de violência doméstica com desobediência à ordem de medida protetiva de urgência, vindo já acompanhada das suas testemunhas; neste caso, o Ministério Público pode validamente colher o depoimento da vítima e de suas testemunhas, encaminhá-la ao IML para os exames necessários, já oferecer denúncia e requerer a prisão preventiva para assegurar a proteção da mulher; nessa situação, a agilidade do procedimento e a proteção à vítima fi cariam comprometidas se fosse imprescindível o inquérito policial, que demoraria 30 dias para ser encaminhado ao Ministério Público5.

Registre-se, fi nalmente, como argumento mais político que propriamente jurídico, que em pesquisa realizada pelo Ibope a pedido da CONAMP, em 2004, constatou-se que 68% dos brasileiros são favoráveis a que o Ministério Público investigue todos os crimes e 19% são favoráveis que ele investigue quando neces-sário6. Portanto, do ponto de vista democrático, 87% dos brasileiros são favoráveis à investigação ministerial. Essa posição se coaduna com o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, na realização prática do princípio da prote-ção penal efi ciente, bem como no assegurando dos valores democráticos, como a necessidade de fi scalização entre os diversos poderes.

Entendemos que essa atividade de investigação do Ministério Público deve ser concorrente à atuação das polícias judiciárias, sempre que o interesse público justifi car maiores esclarecimentos dos fatos. Não há monopólio de investigação. Ao contrário, quanto mais instituições estatais estiverem envolvidas no esclare-

5 A situação descrita ocorre com razoável freqüência na Promotoria de Justiça da qual este autor é titular (1ª Promotoria de Justiça Especial Criminal de Ceilândia/DF).

6 Disponível em: <http://www.conamp.org.br/04_arquivos/pesquisa/ibope.pdf>.

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cimento da verdade, mais possibilidades de a sociedade ser benefi ciada com a punição de delinqüentes.

Quando se afi rma que o Ministério Público deve também ter poderes de inves-tigação, não se pretende com isso esvaziar a atuação investigativa da tradicional polícia de investigação (civil e federal). Não há dúvidas que as polícias são melhores equipadas para administrar o enorme número de investigações conduzidas diaria-mente no país. Esta atuação pelo Ministério Público é necessariamente supletiva às eventuais lacunas deixadas pela polícia de investigação e não diminui seu papel como órgão essencial à segurança pública. Trata-se de mero mecanismo necessário para que o Estado de Direito não fi que limitado a uma instituição sem controle, que possua eventual monopólio de investigação (que, como demonstrado, não existe) ou não permita uma atuação mais efetiva em outras investigações.

Há precedentes anteriores admitindo a investigação direta pelo Ministério Público. Nesse sentido:

Esta Corte tem entendimento pacifi cado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fi ns de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (STJ, RHC nº 11.670, 6a T, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 13/11/2001)

No mesmo sentido, outros precedentes do STJ: MC nº 5.512, RMS nº 12.357, HC nº 16.523, HC nº 24.877.

Por outro lado, são tradicionalmente citados como argumentos contrários à possibilidade de o Ministério Público conduzir investigações diretas:

1º) existência de um princípio de exclusividade de investigação criminal pela polícia civil e federal (art. 144, §§ 1º e 4º): argumento já comentado ante-riormente.

2º) possibilidade de retorno ao modelo inquisitivo: que, em nossa visão, não existe, pois as funções de acusar e julgar são bem distintas.

3º) ferimento à paridade de armas: argumenta-se que, se o Ministério Público puder investigar a defesa, fi cará em desvantagem. O argumento é falacioso, pois a atividade de investigação como um todo é realizada pelo Estado para compensar a “vantagem” na qual o delinqüente já se encontra (cometimento do crime normalmente às escondidas) e recolher suas “provas” para a pro-positura da ação penal. Assim, não há que se falar em paridade de armas na fase das investigações. Ademais, polícia e Ministério Público estão no mesmo lado pro societate. O art. 4º, caput, do CPP é claro ao afi rmar que a fi nalida-de da polícia na investigação é apurar a prática da infração penal, atuação pro societate. Ademais, o Ministério Público pode requisitar as diligências investigatórias e participar pessoalmente dos atos de investigação, o que já signifi ca estar participando da investigação e conduzindo-a teleologica-mente. Finalmente, o advogado possui a prerrogativa de também investigar

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diretamente (Lei n° 8.906/1994, art. 7º, VI, c) ou de requerer diligências de investigação (CPP, art. 14) que devem ser lidas de forma ampla à luz dos princípios constitucionais.

4º) ferimento à imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público: argu-mento também equivocado, pois o Ministério Público já não é imparcial (é parte na ação penal, portanto possui posição pro societate e em favor da legalidade), mas sim possui o dever de atuação objetiva, decorrente do princípio da impessoalidade (CF/1988, art. 37, caput). Todavia, este dever de atuação impessoal também alcança o delegado de polícia, e eventuais chances de envolvimento emocional do membro do MP com a investigação não são maiores ou menores que as dos integrantes da Polícia Judiciária. Investigar não é sinônimo de atuação pessoalizada. Assim, do ponto de vista objetivo, o Ministério Público atua pro societate em favor do interesse público, mas, do ponto de vista subjetivo, a atuação do Promotor de Justiça está limitada pela impessoalidade e legalidade, não podendo defender interesse pessoal (vingança etc.).

5º) ausência de previsão legal: quanto à admissibilidade legal de o Ministério Público investigar, já se comentou tal no ponto três anterior. Também se argumenta que a lei não disciplinou o procedimento da investigação pelo Ministério Público, o que impediria sua realização. Ocorre que para todas as demais hipóteses de investigações criminais extra-policiais também não há procedimento pormenorizado de investigação, mas a mera previsão de sua possibilidade, e isso pelo motivo simples de que não há procedimento rígido a ser seguido em uma investigação. São perfeitamente aplicáveis por analogia as disposições do CPP e especialmente as regras sobre res-trição de direitos fundamentais (prisão, busca domiciliar, interceptação telefônica etc.).

6º) inexistência de um mecanismo de controle externo da investigação pelo Mi-nistério Público: argumenta-se que quando a polícia investiga, o Ministério Público fi scaliza a polícia, e se o Ministério Público investigar ninguém irá fi scalizá-lo. Primeiramente, relembre-se que a investigação pelo Ministério Público é uma atuação supletiva no sistema e não a regra (em nossa visão). Segundo, há mecanismos internos que possibilitam esta fi scalização (como a Corregedoria local ou a representação ao CNMP), bem como as regula-mentações internas dos procedimentos de investigação (prazo de duração, arquivamento perante as Câmaras internas etc.). Terceiro, ainda que haja eventual diminuição deste controle, a necessidade de efi ciência do sistema de direitos fundamentais (que inclui a proteção penal efi ciente) justifi ca a parcial restrição deste mecanismo de fi scalização.

7º) há outros argumentos de ordem prática, como exibicionismo, “ditadura do MP” esvaziamento das delegacias de polícia e falta de estrutura do Ministério Público, incompetência para investigar. Quanto aos dois pri-meiros, qualquer falta funcional do membro do Ministério Público deve ser punida, da mesma forma que as eventuais faltas policiais, e não se pode

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afi rmar que o Promotor de Justiça seja mais propenso a arbitrariedades que uma autoridade policial. Quanto ao esvaziamento das delegacias, já explanamos que esta é uma atuação supletiva. Quanto à falta de estrutura, a atividade de colheita de depoimentos depende exclusivamente do próprio Promotor de Justiça e das atividades de entrega de intimações; ademais, muitos Ministérios Públicos têm se aparelhado para exercer com efi ciência as funções de titularidade da ação penal; por exemplo, no MPDFT há um setor de diligências em todas as promotorias. Finalmente, o último argu-mento é meramente depreciativo (típico de uma discussão emocional que este tema levanta) e não corresponde à realidade de uma instituição que tem por fi nalidade acompanhar todas as investigações conduzidas pela polícia, colher depoimentos em juízo e assegurar a produção da prova para a promoção da ação penal.

A questão está sendo objeto de rediscussão no STF nos autos do Inq. nº 1.968-DF, com votação suspensa por pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa. Esperamos que esse entendimento do STF seja, em breve, revisto.

Valor Probatório do Inquérito PolicialO inquérito policial é peça de informação para o órgão de acusação. O inqué-

rito não contém prova, mas meros elementos de informação preliminar. A validade dessas informações é dirigida a uma fase específi ca: respaldar o recebimento da acusação. Portanto, os atos de investigação preliminar possuem uma função endo-procedimental7, servindo tão-somente para justifi car o início de uma ação penal e para indicar ao titular da ação penal onde poderá localizar as provas necessárias para comprovar, em juízo, a prática da infração penal. Apenas após o recebimento da acusação é que serão produzidas, em juízo, as provas em sentido estrito, na presença do juiz e das partes, para que possam ser consideradas efetivamente como prova (informação apta a respaldar uma condenação) a serem consideradas quando da prolação da sentença.

Estabelece o art. 155, caput, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua deci-são exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Conforme a jurisprudência do STF, “ofende a garantia constitucional do con-traditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação”8.

7 Expressão utilizada em: LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 276.

8 STF, RE 287658, 1ª T, 16/9/2003, Pertence, DJ 10/3/2003.

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Portanto, é vedado ao juiz condenar exclusivamente com base nas informações produzidas na fase das investigações9. Todavia, caso haja informações do inquérito que sejam respaldadas por provas produzidas em juízo, o STF tem aceitado a utili-zação dessas informações preliminares com o conjunto probatório. Conferir:

EMENTA:1. Habeas corpus fundamentado em reexame de provas. Impossibilidade de análise profunda do contexto fático-probatório.2. Condenação baseada exclusivamente nas declarações colhidas em sede de inquérito policial. Inocorrência. Confi rmação em juízo dos depoimentos prestados.3. Validade de indícios como meio de prova (CPP, art. 239). Análise con-junta de todas as provas produzidas.Não-conhecimento da ordem impetrada. Condenação mantida.(STF, HC 83348/SP, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 21/10/2003, Pri-meira Turma, DJ 28/11/2003, p. 15, Ementário v. 2134-02, p. 292.)

Aparentemente, esse entendimento do STF é respaldado pela nova redação do art. 155, caput, que afi rma que o juiz não pode condenar “exclusivamente” com base nas informações contidas no inquérito, ou seja, a contrario sensu permite a interpretação de que não sendo exclusivamente (havendo outras provas judiciais que respaldem as informações preliminares), as informações do inquérito poderão ser utilizadas subsidiariamente para formação da convicção.

Como visto, o referido art. 155, caput, prevê a possibilidade de utilização das seguintes informações do inquérito policial como meio de prova em juízo: provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. A doutrina considera como provas cautelares as provas técnicas, como o laudo de exame cadavérico, laudo de lesões corporais, laudo de exame de local de crime, laudo de exame de confronto balís-tico, entre outros. Em verdade, a maioria das perícias feitas na fase inquisitorial adentra a ação penal na qualidade de “provas cautelares”, que podem ser utilizadas pelo magistrado para fundamentar sua condenação. Como exemplo de prova não repetível pode ser citado o depoimento de uma pessoa que vem a falecer após o ajuizamento da ação penal. Nessa situação, caso outra pessoa confi rme o teor do depoimento, poderá o termo de oitiva realizado na fase do inquérito policial ser utilizado como prova documental. As provas antecipadas não são propriamente a utilização de informações do inquérito, pois, nesta situação, haverá um incidente judicial de produção antecipada de prova, com participação da acusação e defesa, conforme permite o art. 225.

Portanto, é em relação à prova testemunhal que reside o ponto de controvérsia, não podendo as informações testemunhais contidas no inquérito ser utilizadas como prova para condenação, porque colhidas de forma inquisitória e sem contraditório. Necessariamente as testemunhas devem ser novamente ouvidas em juízo para que haja verdadeiramente “prova” em sentido estrito.

9 STF, HC 83864/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 20/4/2004, Primeira Turma, DJ 21/5/2004, p. 43, Ementário v. 2152-02, p. 303.

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VíciosOs vícios do inquérito não contaminam a futura ação penal10. Portanto, o in-

quérito realizado por autoridade policial sem atribuições, o interrogatório do indiciado menor sem a nomeação de curador ou outros vícios não geram a nulidade do processo penal.

Todavia, a nulidade de um ato específi co pode diminuir-lhe o valor probatório. Por exemplo, a confi ssão realizada pelo indiciado menor que não foi assistido por curador, antes do advento do novo Código Civil.

Caso seja produzida uma prova ilícita, esta deverá ser excluída do procedi-mento, não poderá ser considerada para justifi car o início da ação penal e será necessário analisar se esta prova ilícita eventualmente contaminou as provas que derivam com exclusividade de suas informações e que não seriam descobertas sem o cometimento da ilicitude (provas ilícitas por derivação, nas situações em que não há as exceções de fonte independente, descoberta inevitável e ausência de conexão de antijuridicidade). Todavia, se após a exclusão da prova ilícita restarem outras informações preliminares aptas a justifi car a acusação, poderá haver o recebimento da denúncia.

Juizados Especiais CriminaisEste novo entendimento restou sedimentado com a edição da Lei nº 11.313/2006,

que deu nova redação ao art. 61 da Lei nº 9.099/1995 para alargar a competência do JEC. Conferir:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Notitia CriminisÀ luz dos sitema acusatório, entendemos que o correto seria o juiz não dever

receber notitia criminis. De qualquer forma, caso o juiz receba a notitia criminis, o correto será ele encaminhar as peças de informação ao Ministério Público para que este possa formar a opinio delicti ou requisitar a instauração de investigação pela polícia judiciária, de forma a se evitar que o juiz eventualmente determine de ofício a realização de atos de investigação.

O CPP não estabelece de forma peremptória o prazo que a autoridade policial possui para instaurar o procedimento de investigação após receber a notitia criminis. Uma interpretação sistêmica do art. 5º, caput (“o inquérito policial será iniciado”), e art. 6º, caput, (“logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a au-toridade policial deverá”), permite a conclusão que a instauração do procedimento deveria ser imediata, ou seja, após receber a notícia da infração penal, a autoridade policial já deve tomar todas as medidas necessárias para a instauração formal do procedimento de investigação, a ser realizado no prazo estritamente necessário à adoção destas medidas burocráticas.

10 Nesse sentido: STF, RHC nº 80.919 / SP, rel. Min. Nelson Jobim, 2a T, DJU 14/9/2001, p. 64.

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INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL E DESENVOLVIMENTO

No caso de fl agrante delito, a violação de domicílio é válida e, uma vez ingres-sando no domicílio, pode a polícia validamente apreender os objetos relacionados com a prática da infração. Exemplo: ocorre um homicídio dentro de uma residência, a polícia pode ingressar nesta casa sem autorização judicial e apreender os objetos ligados com o crime. Apenas para outros domicílios, nos quais o crime não tenha sido praticado, é que necessita a autoridade policial de mandado judicial para a realização da busca domiciliar.

Dentre as principais provas (melhor dizendo, elementos de informação preli-minar) a serem colhidas estão os depoimentos das testemunhas e do ofendido.

Admite-se, inclusive, a condução coercitiva da vítima ou das testemunhas para serem ouvidas, nos termos do art. 201, § 1º, e art. 218 do CPP, caso esta não compa-reça sem motivo justo. Estes dispositivos aplicam-se tanto na fase das investigações preliminares quanto em juízo. Há doutrinador que defende que, caso, para realizar a condução coercitiva, seja necessário violar o domicílio da vítima ou testemunha, seria necessária autorização judicial. Outros entendem que este poder de condução seria uma extensão da possibilidade de prisão em fl agrante (pelo possível delito de desobediência à intimação), que, no caso, se limitaria à mera condução, colheita do depoimento e liberação.

A Lei n° 11.719/2008, ao dar nova redação ao art. 405, § 1º, estabelece que o interrogatório do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito preferen-cialmente em meio audiovisual ou outras técnicas de gravação. Esta norma aplica-se à fase das investigações. A disposição visa a assegurar a lisura do procedimento (evitando-se argüições de tortura ou pressão indevida), bem como visa a preservar a fi dedignidade da informação preliminar. Entendemos que, caso todos os depoimentos sejam gravados, esta conduta será ela mesma uma prevenção à eventual prática de abusos, sendo de todo recomendável sua implementação.

O procedimento para o reconhecimento de pessoas está previsto nos arts. 226 a 228, e o procedimento para a acareação está previsto nos arts. 229 a 230. Acare-ação signifi ca “colocar cara a cara”, sendo o procedimento de realizar a colheita de dois ou mais depoimentos ao mesmo tempo para sanar e esclarecer eventuais divergências observadas em depoimentos anteriores.

VII – determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo delito e a quaisquer outras perícias;

A maioria das perícias já é realizada na fase das investigações. Dentre as princi-pais perícias realizadas podem ser destacadas: autópsia, exame de lesões corporais, exame de local, exames laboratoriais, exame de avaliação, exame grafotécnico, exame de efi ciência, exame psiquiátrico e exame toxicológico.

O atual art. 159, § 3º, introduzido pela Lei nº 11.690/2008, introduziu no processo penal a fi gura do assistente técnico. Apesar de o dispositivo se referir a acusado

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(portanto, referindo-se à fase posterior ao oferecimento da denúncia), entendemos que a disposição é extensível à fase das investigações, ante o princípio da ampla defesa, mesmo porque a maioria das perícias são realizadas nesta fase e muitas vezes são irrepetíveis em juízo. Assim, já havendo um sujeito passivo determinado na investigação (e o indiciamento é fator relevante para conferir este direito ao investigado), será admissível a participação do assistente técnico, desde que esta não crie obstáculos à normalidade dos serviços dos peritos ofi ciais. O juiz deve autorizar a participação do assistente técnico, o qual poderá ter acesso ao material probatório que serviu de base à perícia no ambiente do órgão ofi cial e na presença do perito ofi cial (art. 159, § 6°).

A folha de antecedentes penais é uma relação de todos os procedimentos de investigação de infrações penais em que o investigado já esteve envolvido ou a relação das ações penais a que veio responder. Normalmente, é obtido junto ao Instituto Nacional de Identifi cação (Polícia Federal), que recebe e cataloga as informações encaminhadas pelos departamentos de polícia de todos os estados. De acordo com o princípio da presunção de inocência, tais informações não podem ser presumidas como indicativo de culpa do investigado; todavia, pos-sibilitam uma visão global da situação do investigado e podem eventualmente reforçar a opinio delicti, à luz das demais informações preliminares contidas no inquérito.

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista indivi-dual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

As diligências elencadas no art. 6º são meramente exemplifi cativas. Por exemplo, em certos casos, a autoridade poderá determinar a reconstituição do fato delituoso com escopo de elucidar pontos que não estejam devidamente esclarecidos e apurados, à vista dos elementos indiciários colhidos.

Também é possível a realização de outras diligências de investigação como a interceptação telefônica, busca e apreensão domiciliar, quebra de sigilo bancário, fi scal e telefônico (esta mediante prévia autorização judicial, segundo o STF), requisições de documentos de órgãos públicos etc.

Prerrogativas do Advogado na fase das investigaçõesComo visto anteriormente, o réu possui o direito de exercitar a “ampla

defesa” já na fase das investigações preliminares. Esta atuação é basicamente endógena, não constituindo uma participação ativa do réu durante o curso das investigações (pois não há acusação e, portanto, não há direito a contraditório neste momento), todavia o réu possui o direito de fi scalizar, através de seu advogado, a legalidade do procedimento de investigação e eventualmente impugná-lo mediante os meios de impugnação existentes (nesta fase, especial-mente o habeas corpus).

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Para tanto, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n° 8.906/1994) estabelece as seguintes prerrogativas profi ssionais do advogado, ligadas à inves-tigação criminal:

III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomu-nicáveis;(...)VI – ingressar livremente:b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profi ssional, dentro do expe-diente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;(...)XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos fi ndos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de fl agrante e de inquérito, fi ndos ou em andamento, ainda que con-clusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;§ 4º O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, salas especiais permanentes para os advogados, com uso e controle assegurados à OAB. (expressão “e controle” declarada inconstitucional pelo STF na ADIn n° 1.127-8)

A NOVA MAIORIDADE CIVIL E SEUS REFLEXOS NO PROCESSO PENAL

Neste sentido, o STJ já se manifestou sobre a desnecessidade de curador ao indiciado maior de 18 anos11.

Contudo, existe entendimento de que o art. 279, III, que veda a atuação como perito criminal de analfabetos e menores de 21 anos, não estaria revogado pelo Novo Código Civil, haja vista não tratar de limitações relativas à incapacidade civil, mas apenas de um requisito para maior maturidade e experiência àqueles que vão

11 Neste sentido: STJ, 5ª T., HC 89.684/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 26/2/2008, DJ 28.04.2008. Também: STJ, 5ª T., REsp 799.493/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 14.06.2007, DJ 10.09.2007, p. 292. No mesmo sentido: TJDFT, HBC nº 2003.002007263-7, 1ª Turma Criminal, rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto, j. 2/10/2003, DJU III 26/11/2003, p. 64.

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prestar um serviço à justiça criminal (nesse sentido: Damásio de Jesus, op. cit.). Registra-se, fi nalmente, que o antigo art. 434, que vedava o serviço como jurado do menor de 21 anos ou maior de 60 anos, foi revogado pela Lei n°11.689/2008, que alterou todo o procedimento do Júri e estabeleceu que o serviço de jurado seja vedado ao menor de 18 anos (art. 436, caput) e que os maiores de 70 anos poderão solicitar sua dispensa (a vedação não é automática).

Finalmente, mesmo na disciplina antiga da matéria, quando se exigia nomeação de curador ao menor de 21 anos, a ausência de nomeação de curador não gerava a nulidade do inquérito policial, mesmo porque, o IP é apenas peça de informação, e não processo. Todavia, a ausência do curador no auto de prisão em fl agrante anulava o auto como peça coercitiva, determinando o relaxamento da prisão. A au-sência do curador durante o interrogatório judicial era causa de nulidade relativa, ou seja, deveria ser oportunamente argüida, com prova do prejuízo, sob pena de convalidação12. Como visto, estes entendimentos estão superados ante o advento do novo Código Civil de 2002.

ENCERRAMENTO

Possibilidades da Acusação

Apenas por motivos imprescindíveis ao oferecimento da denúncia poderá o Ministério Público requerer a devolução do inquérito à autoridade policial para a realização de outras diligências. Considerando que o Ministério Público é o dominus litis, entende-se que o juiz não pode negar tal pedido, sob pena de sujeitar-se ao recurso de correição parcial “(ou recurso de reclamação, conforme previsão na Lei de Organização Judiciária Estadual).”

Há entendimento doutrinário segundo o qual o Ministério Público não pode requerer a prisão preventiva do indiciado e solicitar a baixa dos autos à delegacia para realização de novas diligências. Isso porque, para a decretação da prisão preventiva, exige-se prova da existência do crime e indício sufi ciente da autoria (art. 312 do CPP). Portanto, ou existe prova sufi ciente para o pedido de decretação da prisão preventiva e oferece-se denúncia, ou não existe prova sufi ciente para o pedido e solicita-se o retorno do inquérito à delegacia.

A rigor, em uma estrutura acusatória de processo penal, a decisão administrativa de oferecer ou não denúncia deveria ser exclusiva do titular da ação penal. Assim, por exemplo, no procedimento de apuração de atos infracionais praticados por ado-lescentes, o ECA, que refl ete um posicionamento mais moderno que do CPP, prevê que o Ministério Público promove o arquivamento e o juiz apenas homologa esta promoção (ECA, art. 181). Todavia, o CPP ainda prevê que o Ministério Público requer e o juiz decide sobre o arquivamento, expressões que, à luz dos princípios constitucionais, devem ser relidas.

12 Nesse sentido: STF, HC nº 74.176-SP, DJ 25/10/1996; do STJ: HC nº 17.884-SP, DJ 26/8/2002. Resp nº 493.835-RS rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/9/2003.

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O Juiz não pode arquivar de ofício o inquérito sem requerimento do Ministério Público, sob o argumento de delonga para seu encerramento, ante a ausência de previsão legal para este fi m, sob pena de coactar a atuação do titular da ação penal, mormente quando a apuração das provas é complexa e específi ca13.

A respeito do arquivamento do inquérito policial, somente cabe ao juiz deter-miná-lo, a requerimento do Ministério Público, que é o titular da ação penal. Como visto, o delegado não pode determiná-lo.

Caso o juiz discorde do pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público, deverá enviar os autos para o procurador-geral de justiça, que poderá oferecer a denúncia, ou determinar outro órgão do Ministério Público a fazê-lo ou, ainda, insistir pelo arquivamento, fi cando o juiz obrigado a acatá-lo (CPP, art. 28). Entende-se que o promotor designado é obrigado a oferecer denúncia, pois não age em nome próprio, mas em nome do Procurador-Geral de Justiça. Nessa situ-ação, o juiz atua em função anômala como fi scal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Pessoalmente, entendemos que deveria ser incabível o juiz exercer esta fun-ção de fi scal da obrigatoriedade, visto que ela o retira de sua posição de inércia e imparcialidade. À luz do art. 129, I, da CF/1988, esta função de revisão das promoções de arquivamento deveria ser incumbida a um órgão interno do Mi-nistério Público.

Caso o arquivamento seja determinado por insufi ciên cia de provas, o inquérito policial poderá ser reaberto, surgindo novos elementos de convicção (art. 18 do CPP). Estabelece a Súmula nº 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”. Nessa situação, entende-se que o surgimento de novas provas seria uma condição de procedibilidade para a nova ação penal. Todavia, se o arquivamento foi determinado pela atipicidade da conduta ou pelo reconhecimento expresso de que o investigado não praticou o fato, o inquérito poli cial não poderá ser reaberto, pois, nessa situação, a decisão que o arquivou fez coisa julgada material (STF).

Segundo o STF, o pedido de arquivamento do inquérito policial feito pelo procurador-geral (da República ou de Justiça) em ação penal originária perante Tribunal é irretratável, apenas podendo ser oferecida denúncia se houver efetiva-mente novas provas (STF, Pleno, Inq. nº 2.028/BA).

Todavia, o STF ressalva duas hipóteses nas quais o Tribunal pode analisar o mérito da manifestação de arquivamento do Procurador-Geral: atipicidade e extin-ção da punibilidade. A justifi cativa é que nestas duas hipóteses o arquivamento fará coisa julgada material e impedirá a repropositura da ação. Conferir14:

13 STJ, AgRg no Inq 140/DF, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Rel. p/ Acórdão Ministro WALDE-MAR ZVEITER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/4/1998, DJ 24/5/1999 p. 87.

14 STF, Pleno, QO-Inq 2341/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28/6/2007, DJU 17/8/2007, p. 24; RT v. 96, n. 866, 2007, p. 552-555.

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3. O Ministério Público Federal (MPF), em parecer da lavra do Procura-dor-Geral da República (PGR), Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, requereu o arquivamento do feito. 4. Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, ins-trumentalizar a persecução criminal. 5. A jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal. Precedentes citados: [...] 6. Esses jul-gados ressalvam, contudo, duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta. Constata-se, portanto, que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo PGR. 7. No caso concreto ora em apreço, o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral da República lastreou-se no argumento de não haver base empírica que indicasse a participação do parlamentar nos fatos apurados. 8. Questão de ordem resolvida no sentido do arquivamento destes autos, nos termos do parecer do MPF.

O pedido de arquivamento ou o requerimento de novas diligências torna inad-missível a ação penal privada subsidiária da pública.

Existe controvérsia relativamente ao pedido implícito de arquivamento. Ocorre quando existem vários crimes em apuração no mesmo inquérito e o Ministério Pú-blico oferece denúncia em relação a um delito, deixando de oferecê-la em relação a outro, sem manifestar-se expressamente quanto ao arquivamento. Entende-se que não é admissível tal arquivamento implícito, não havendo que se falar em preclusão para o Ministério Público. Segundo Tourinho Filho, nessa situação, o juiz pode aplicar o disposto no art. 28 do CPP.

Finalmente, registre-se que não é admissível pedido de arquivamento tratando-se de crime de ação penal privada. Nesses crimes, o ofendido, caso não tenha interesse no prosseguimento do feito, poderá realizar a renúncia ao direito de queixa, que é causa extintiva da punibilidade.

DILIGÊNCIAS ESPECIAIS NA FASE DAS INVESTI GAÇÕES

Delação Premiada

Finalidade Incentivar, nos crimes cometidos por organização criminosa, a delação pelos

comparsas, mediante o incentivo de redução de responsabilidade penal do delator.

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É um instrumento de política criminal para dar mais efi ciência à persecução penal, visando formar a verdade real.

Problemas éticos Incentivo à traição, limitação do princípio da igualdade (redução de pena),

problema do interrogatório mediante engano.

Previsões legais– CP, art. 159, § 4o (Lei nº 9.269/1996): extorsão mediante seqüestro.– Lei nº 7.492/1986, art. 25, § 2o (Lei nº 9.080/1995): crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional.– Lei nº 8.072/1990, art. 8o, parágrafo único: quadrilha de crimes hedion-

dos.– Lei nº 8.137/1990, art. 16, parágrafo único (Lei nº 9.080/1995) – crimes

contra a ordem tributária e relações de consumo.– Lei nº 9.034/1995, art. 6o (crime organizado).– Lei nº 9.613/1998, art. 1o, § 5o (lavagem de dinheiro e capitais).– Lei nº 9.807/1999, arts. 13 e 14 (lei de proteção às testemunhas) – a mais

genérica.– Lei nº 11.343/2006, art. 41 (drogas): não exige mais a participação do

MP.

Requisitos– Revelação efi caz (identifi cação do co-autor, localização da vítima com vida,

recuperação do produto do crime, “contribuir para os interesses da justiça”). Exige-se potencial de elucidação, que não é afastado em caso de incompe-tência do Estado.

– Espontaneidade (ato personalíssimo, defensor não pode praticar).Obs.: a antiga Lei de Tóxicos (Lei nº 10.409/2002, art. 32, §§ 2º e 3º, exigia

prévia proposta do Ministério Público para admitir a delação premiada. A nova lei de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 41) não exige esse acordo.

Efeitos– Lei nº 9.807/1999.– Perdão judicial – primário, e análise da personalidade, natureza, circunstân-

cias, gravidade e repercussão do fato.– Redução de pena de 1 a 2/3.– Lei nº 9.613/1998 – também regime inicial aberto ou pena restritiva.– Lei nº 11.343/2006.– Redução de pena de 1/3 a 2/3.– Direito à proteção como réu colaborador (Lei nº 9.807/1999, art. 15 – se-

gregação separada).

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ProcedimentoPor meio de acordo com o MP, deve haver um instrumento documentando-o

(princípio da lealdade processual).

Agente Infiltrado

Previsão legalLei nº 9.034/1995, art. 2o, V (acrescentado pela Lei nº 10.217/2001), e Lei

nº 11.343/2006, art. 53, I.

Requisitos– Autorização judicial fundamentada e pormenorizada (restrição ao direito

fundamental à privacidade).– Observância dos requisitos de proporcionalidade (necessidade, adequação

e proporção).– Agentes de polícia ou de inteligência (particular não pode).– Concordância do agente (atividade não obrigatória, pelo risco inerente).– Atividade de investigação criminal (procedimento em curso, não na

AP). Não cabe para meras atividades de inteligência (lei do crime organizado).

ProcedimentoIniciativa do requerimento: MP ou polícia.Prazo: indeterminado (proporcionalidade). Paulo Rangel: trinta dias (CPC).Autuação em apartado, em sigilo.Atuação do agente em fatos indispensáveis à investigação (proibição de ex-

cesso).

Responsabilidade penal do agente infi ltrado1) Mero informante: se o agente não comete delitos, não há problemas de

responsabilização.2) Provocador: se o agente infi ltrado induz os investigados a praticarem um

crime e logo em seguida providencia sua prisão em fl agrante, haverá fl agrante provocado (que é nulo, pois confi gura crime impossível) e responsabilidade por abuso de autoridade e autoria intelectual do crime praticado.

3) Mero participante (co-autor) de delitos. Nesta situação, o agente infi ltrado participa dos delitos da quadrilha investigada. Sem dúvidas, há problemas éticos nesta participação do Estado no crime, com o eventual risco de contaminação do agente público com o crime organizado. Há quatro teorias que buscam explicar a exclusão da responsabilidade criminal: (a) exclusão da culpabilidade por inexigibili-dade de conduta diversa; (b) escusa absolutória por questão de política criminal; (c) excludente da ilicitude por estrito cumprimento do dever legal; (d) atipicidade por ausência de dolo ou por ausência de imputação objetiva (risco permitido). Pessoal-

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mente, entendemos que o agente infi ltrado deve evitar a prática de delitos, mas se esta prática for essencial para que sua identidade não seja descoberta, então haverá uma inexigibilidade de conduta diversa.

ResultadoValidade do testemunho do policial em juízo como prova.Obs.: desnecessidade de autorização para o agente encoberto (disfarçado).

Controle Externo da Atividade Policial

ConceitoA CF/1988, em seu art. 129, inciso VII, atribuiu ao Ministério Público o exercí-

cio do controle externo da atividade policial. Essa atividade signifi ca a fi scalização das atividades policiais, tanto em seu aspecto de efi ciência quanto na legalidade e no respeito aos direitos fundamentais das pessoas sujeitas à sua atividade.

FinalidadeGarantia da sociedade contra eventuais abusos no uso da força policial. No

estado democrático de direito, todos os agentes públicos estão sujeitos à prestação de contas (accountability). Trata-se de uma atividade para fi scalização constante do uso da força na atividade policial, para incrementar sua transparência e legi-timidade.

AbrangênciaTodas as atividades públicas em que tenha o emprego da força para assegurar sua

auto-executoriedade. Abrange, no âmbito estadual, a Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, os agentes do Detran, presídios e outros que tenham poder de polícia. No âmbito federal, abrange a Polícia Federal e outros.

Fundamentos legaisCF, art. 129, VII, e LC nº 75/1993, arts. 3o e 9o. Para regulamentar esses dis-

positivos legais, o CNMP editou a Resolução nº 20/2007.

ExercícioDe forma difusa por todos os membros do Ministério Público que atuam na área

criminal, tanto na análise de cada inquérito policial, verifi cando falhas concretas e expedindo recomendações para sua correção, quanto de forma genérica mediante fi scalização do procedimento policial como um todo. De forma concentrada, al-guns Ministérios Públicos criam núcleos ou centros de apoio para a coordenação logística da política de fi scalização da polícia. Alguns estados criam Ouvidorias de Polícia para incrementar ainda mais o sistema de fi scalização policial (não estão previstas na CF/1988).

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ObjetoAtividades ligadas à investigação criminal, ao policiamento ostensivo e ao uso

da força no poder de polícia; não engloba atividades tipicamente administrativas (nesse ponto, a atividade do MP será a mesma que a realizada em relação a outros órgãos públicos: fi scalização ordinária do patrimônio público e social).

Poderes decorrentes do controle externo da atividade policial– Requisição de instauração e de diligências.– Controle teleológico da investigação.– Acesso a documentos.– Presença física (inspeções periódicas).– fi scalização do destino de objetos apreendidos (como armas), cumprimento de

mandados de prisão, cumprimento de quebras de sigilos, bem como a regu-laridade da instauração de inquérito após o registro da ocorrência de crime.

– ter acesso a preso.– Processamento por desvios funcionais, na esfera criminal (ação penal) ou

administrativa (ação civil pública por improbidade administrativa).– Doutrina: expedição de instruções gerais e específi cas para as investigações

e atividades de polícia.

Não está englobado no poder de controle externo– Subordinação funcional direta.– Disciplina correicional direta (caso não seja aplicada a punição administrativa

recomendada pelo Ministério Público, este pode ajuizar ação civil pública por improbidade administrativa).

Poder de investigaçãoSegundo o entendimento doutrinário, o controle externo da atividade policial

deve abranger, necessariamente, o poder de realizar diligências de investigação dos desvios funcionais cometidos por policiais. Da mesma forma que o controle externo exercido pelo TCU sobre a atividade da Administração Pública Federal abrange o poder de investigar os eventuais desvios dos servidores públicos, o mesmo deve ocorrer com o controle externo exercido pelo Ministério Públi-co. Um controle externo da polícia que dependa do próprio controle interno para esclarecer seus próprios desvios não pode ser considerado um controle externo efetivo. Por mais que se reconheça o empenho e a seriedade de muitas Corregedorias de Polícia no controle interno, o dispositivo constitucional visa assegurar que haja um controle da atividade policial acima de qualquer eventual dúvida de corporativismo: absolutamente transparente. Ainda que esse poder de investigação direta não esteja expressamente previsto na Lei Complementar nº 75/1993, ele deve ser reconhecido no próprio art. 129 da CF/1988, que prevê a possibilidade de diligências de investigação pelo Ministério Público. O princípio

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de hermenêutica constitucional da máxima efetividade das normas constitucio-nais impõe que a interpretação da norma de controle externo prevista no art. 129, inciso VII, deve ser efi ciente, portanto, deve ser interpretada de forma que incorpore o poder de investigação previsto no inciso VI do mesmo dispositivo constitucional (“expedir notifi cações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”).

SINOPSE

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TÍTULO IIDO INQUÉRITO POLICIAL

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fi m a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9 de maio de 1995.)

Nota: A Lei nº 9.043/1995 substituiu a expressão “jurisdição” por “circuns-crição”, atendendo, assim, velha reivindicação da doutrina que indicava como incorreta aquela expressão, por entender própria da atividade jurisdi-cional do Estado (Poder Judiciário) e não da polícia que desenvolve mera atividade administrativa.

Parágrafo único. A competência defi nida neste artigo não excluirá a de autori-dades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:I – de ofício;II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou

a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.§ 1º O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos, e as razões

de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profi ssão e residência.§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá

recurso para o chefe de polícia.§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração

penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verifi cada a procedência das informações, mandará instaurar in quérito.

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e con-servação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28/3/1994)

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28/3/1994)

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV – ouvir o ofendido;

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V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo delito e a

quaisquer outras perícias;VIII – ordenar a identifi cação do indiciado pelo processo datiloscópico, se

possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

Nota: quanto ao processo datiloscópico de identifi cação, deve ser atendido o disposto no art. 5º, LVIII, da CF, que dispõe sobre a identifi cação penal, e na Lei nº 10.054/2000.

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, fami-liar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

Art. 7º Para verifi car a possibilidade de haver a infração sido praticada de de-terminado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

Art. 8º Havendo prisão em fl agrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro.

Art. 9º Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.

Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em fl agrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fi ança ou sem ela.

Nota: o prazo de conclusão de inquérito policial nos crimes da competência da Justiça Federal (Lei nº 5.010/1966) é de 15 (quinze) dias, prorrogáveis por mais 15 (quinze), quando o indiciado estiver preso.

§ 1º A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente.

§ 2º No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.

§ 3º Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a au-toridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.

Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito.

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

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Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução

e julgamento dos processos;II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;III – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judi ciárias;IV – representar acerca da prisão preventiva.Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer

qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade

policial.

Entende-se que esse artigo foi tacitamente revogado pelo Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reduziu a plena capacidade civil para os 18 anos.

Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inqué rito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade

judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

Nota: Súmula nº 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

Art. 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do in quérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.

Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a auto-ridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior. (Acres-centado pela Lei nº 6.900, de 14/4/1981)

Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.

Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963). (Redação dada pela Lei nº 5.010, de 30/5/1966)

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Nota: referência ao Estatuto revogado. Aplica-se hoje a Lei nº 8.906/1994. No que se refere à incomunicabilidade, esse preceito contraria a nova CF de 1988, estando, pois, revogado esse artigo no que se refere à incomu-nicabilidade.

Art. 22. No Distrito Federal e nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a autoridade com exercício em uma delas poderá, nos in-quéritos a que esteja procedendo, ordenar diligências em circunscrição de outra, inde pen dentemente de precatórias ou requisições, e bem assim providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição.

Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a au-toridade policial ofi ciará ao Instituto de Identifi cação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.

AÇÃO PENAL

CONDIÇÕES DA AÇÃO

Condições da ação são requisitos para o exame do mérito do pedido. A doutrina processual construiu estes requisitos como sendo três: possibilidade jurídica do pedi-do, legitimidade ad causam e interesse em agir (chamadas pelos estudantes de PLI). Na verdade, a doutrina mais moderna entende que a ausência dessas condições não impede a existência do direito de ação, mas sim o seu regular exercício, obstando o desenvolvimento do processo até uma fase mais madura de instrução probatória e sentença. Assim, mesmo quando o juiz rejeita a inicial diante da ausência de uma das condições da ação, ele está, em verdade, dando uma resposta ao autor (que ele não é titular do direito, que seu pedido é inadmissível), e esta obrigação de dar uma resposta já deriva do direito de ação. Daí porque a doutrina tem denominado essas condições da ação de “requisitos do provimento fi nal” 15.

Antigamente, as condições da ação no processo penal já vinham descritas na redação do art. 43 do CPP. Esse artigo foi revogado pela Lei nº 11.719/2008, que incluiu um novo art. 395, afi rmando genericamente que a denúncia será rejeitada quando faltar condição para o exercício da ação penal. Como o novo dispositivo não esclarece quais seriam estas condições da ação penal, deve-se aplicar a analogia com o art. 267, IV, do CPC, para se esclarecer que estas condições são as três anteriormente referidas. Também se entende que as condições de procedibilidade seriam uma quarta espécie de condição da ação penal. Além dessas, a doutrina, e agora também o inciso III do novo art. 395, acrescentam a justa causa como requisito para recebimento da acusação inicial. Analisemos estas condições:

15 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 9. ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004. p. 122.

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– Possibilidade jurídica do pedido: o pedido do autor deve ser, em tese, admissível pelo ordenamento jurídico. Exemplos de hipóteses em que não há possibilidade jurídica do pedido: fato não constitui crime em tese (atipi-cidade ou excludentes da ilicitude evidentes. Ex.: incesto, adultério, cheque pós-datado sem fundos); inexistência da sanção penal pleiteada para aquele crime (ex.: pedido de pena de morte ou açoites; pedido de prisão para delito de uso de drogas).

– Legitimação para agir: é a “pertinência subjetiva da ação”. A legitimação ativa é do Ministério Público, para a ação penal pública, e da vítima, seu representante legal, ou sucessores (art. 31, CPP), na hipótese de ação penal privada. A legitimação passiva é de quem participou do fato típico (exigência de indícios da autoria).

Considerando que o direito penal deve ser aplicado sempre como ultima ratio, há entendimento que, se já houve pacifi cação social pela composição entre as partes e o delito não mais gera qualquer desequilíbrio ao convívio social, não haveria interesse em agir na propositura da ação penal para assegurar as fi nalidades da pena que já foram alcançadas.

Antigamente, entendia-se que a defesa preliminar nos crimes de responsa-bilidade dos funcionários públicos (CPP, art. 516) também era uma condição de procedibilidade específi ca desse delito. Todavia, o novo art. 394, § 4º, do CPP, intro-duzido pela Lei nº 11. 719/2008, estabelece que os novos art. 395 a 398 aplicam-se a todos os procedimentos, regulados no CPP ou não. Assim, entendemos que as regras do art. 516 et seq. do CPP foram tacitamente revogadas por este novo dispo-sitivo, devendo-se aplicar o novo procedimento: recebimento da denúncia, citação, resposta à acusação em 10 dias, possibilidade de absolvição sumária, seguida da instrução. Assim, fi cou superada a exigência de contraditório prévio nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos.

AÇÃO PENAL PÚBLICA

Ação Penal Pública Incondicionada

Este procedimento foi formalmente revogado com a reforma processual da Lei nº 11.719/2008, apesar desta lei não ter revogado formalmente o art. 26.

Esse procedimento judicialiforme (sumário) previa que a ação penal, nas contravenções penais, poderia ser iniciada pelo auto de prisão em fl agrante da autoridade policial, ou de ofício pelo juiz ou delegado, mediante portaria, o que não mais pode ser admitido no sistema acusatório vigente pelo disposto no art. 129, I, da CF/1988. Apenas o Ministério Público pode dar início a ação penal pública, e o réu possui o direito subjetivo público de receber uma acusação formal, com fatos delimitados, para que possa exercer sua ampla defesa sobre tais fatos.

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A ação penal pública incondicionada é a regra geral, conforme prevê o art. 100, caput, § 1º, do CP. Isso signifi ca que, se a lei penal previr um crime e nada mencionar sobre sua ação penal, esta será pública incondicionada.

A ação pública condicionada, como o próprio nome indica, exige condições para que o Estado venha propor a competente ação criminal, que é a representação do próprio ofendido ou a requisição do Ministério da Justiça.

Ação Penal Pública Condicionada por Representação

A ação penal pública condicionada à representação é uma exceção à regra geral da ação penal pública incondicionada. Essa espécie de ação é promovida pelo Estado por meio do Ministério Público (por isso é pública), mas será necessária prévia autorização da vítima para que se iniciem as investigações e, posteriormente, se ofereça a denúncia. Essa autorização especial da vítima que condiciona o exer-cício da persecução penal pelo Estado é denominada de representação. Sem essa autorização, o Estado não poderá sequer iniciar a investigação contra o autor do delito, muito menos ajuizar a denúncia para iniciar a ação penal.

São crimes de Ação Penal Pública Condicionada à representação, previstos no Código Penal brasileiro:

• crimes de lesões corporais leves e lesões corporais culposas (Lei nº 9.099/ 1995, art. 88).

Estabelece a Súmula nº 714 do STF: “É concorrente a legitimidade do ofen-dido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”. Trata-se da denominada ação penal pública subsidiária da privada.

O STJ possui precedente considerando que o crime de lesão corporal prati-cado em situação de violência doméstica contra mulher é de ação penal pública incondicionada.

INÍCIO DA AÇÃO PENAL

Prazo para Oferecimento da Queixa

Não se deve confundir o prazo para oferecimento de queixa, nas hipóteses de ação penal privada, e o prazo para oferecimento da representação, nos crimes de ação penal pública condicionada. É que a representação constitui uma mera au-torização concedida no início das atividades de investigação. Se essa autorização for concedida dentro do prazo de seis meses, a investigação poderá ser iniciada e a denúncia poderá ser oferecida, mesmo após alguns anos do crime (desde que não

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extinta a punibilidade). Já na hipótese de ação penal privada, o prazo de seis meses engloba tanto o momento em que a vítima deve se dirigir à delegacia e formular o requerimento para instauração do inquérito, quanto a conclusão das investiga-ções, a contratação de advogado e o oferecimento da queixa ao juiz; todos esses atos processuais devem ser praticados no exíguo prazo de seis meses, sob pena de decadência.

DENÚNCIA E QUEIXA

Requisitos da Denúncia ou Queixa

O fato descrito deve constituir crime. Tratando-se de hipótese de excludente da ilicitude (caso em que estiver patentemente reconhecida tal circunstância), não pode a denúncia ser recebida. Todavia, havendo indícios sufi cientes da autoria e da materialidade e eventuais dúvidas quanto ao reconhecimento ou não da excludente, deve a denúncia ser recebida, porquanto na fase de recebimento da acusação exige apenas indícios. A doutrina mais tradicional afi rma que se trata de uma aplicação, nesta fase, do princípio in dubio pro societatis e, apenas quando do julgamento da pretensão punitiva na sentença fi nal, haverá o princípio in dubio pro reo. Segundo a doutrina mais moderna, trata-se apenas de um requisito cognitivo diferenciado (exigem-se indícios e não prova plena).

Segundo entendimento majoritário, é inadmissível a denúncia alternativa, em respeito ao princípio da ampla defesa (ex.: descreve um roubo e, caso não se prove a violência, requer a condenação por furto). Em sentido contrário, admitindo a acusação alternativa: Afrânio Jardim, Mirabete.

Registre-se que agora o art. 384, § 4º, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, expressamente estabelece que, na hipótese de aditamento à denúncia, não haverá denúncia alternativa, mas o juiz fi cará vinculado à nova imputação do aditamento. A inovação parece sinalizar no sentido da impossibilidade de denúncia alternativa.

b) Qualifi cação do acusado.São os dados identifi cadores do acusado, tais como: nome, fi liação, naturalidade,

endereço, número de seus documentos de identifi cação.A qualifi cação completa não é requisito essencial da denúncia, pois se admite a

identifi cação por “esclarecimentos pelos quais se possa identifi cá-lo”. Por exemplo, a alcunha (“apelido”), tatuagem, descrição da compleição física ou outros sinais característicos. Todavia, estes esclarecimentos devem possibilitar efetivamente uma individualização mínima do acusado. Não é admissível denúncia contra pessoa totalmente incerta. Assim, não é admissível denúncia contra o portador de uma im-pressão digital, se não há a menor idéia de quem seja seu portador, pois não haveria interesse em agir: nesta situação, caberá à acusação prosseguir nas investigações para melhor individualizar o sujeito passivo da demanda. Neste sentido, a Lei nº 11.719/2008 expressamente revogou a hipótese de citação por edital no caso de réu com identidade incerta.

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c) Classifi cação do delito.O juiz também não pode, no momento de recebimento da denúncia, determinar

a exclusão de qualifi cadoras.

REJEIÇÃO DA DENÚNCIA OU QUEIXA

As hipóteses de rejeição da denúncia ou queixa eram previstas no art. 43 do CPP. Esse artigo foi revogado pela Lei nº 11.719/2008, que incluiu um novo art. 395 com as hipóteses de rejeição da denúncia. Estabelece o novo dispositivo:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Verifi ca-se inépcia da ação quando o fato descrito não é sufi cientemente narrado com todos seus pormenores. Assim, por exemplo: a) uma denúncia que não esclarece o local ou momento (ainda que aproximado) da prática do crime; b) denúncia que não descreve o dolo do acusado; c) denúncia de crime culposo que não descreve qual foi a imprudência, negligência ou imperícia concretamente realizada pelo acusado; ou d) uma denúncia em crime societário que não permita a aferição de qualquer responsa-bilidade penal de um acusado específi co. Um exemplo concreto: denúncia por crime de ameaça que não descreve qual foi a conduta concreta do acusado, apenas afi rma que este “ameaçou causar mal injusto e grave”. Não basta à denúncia transcrever o tipo penal, é necessário descrever de forma concreta qual foi a conduta do acusado que violou.

Pressupostos processuais são divididos em pressupostos de existência, e pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo. À falta dos primeiros, o processo sequer chegará a existir, será mera aparência de processo; à falta dos segundos, o processo existirá, mas fi cará impedido de prosseguir até o exame de mérito. Dos primeiros são exemplos a pretensão punitiva, um órgão jurisdicional e personalidade jurídica das partes. Já a expressão “pressupostos de desenvolvimento válido do processo” sintetiza, em outras palavras, a necessidade de um processo sem nulidades. Como exemplos, podem ser citados “demanda regularmente de proposta”, “presença de órgão regular da acusação e intervenção da defesa”, e obediência às demais normas legais16.

Já as condições da ação são genericamente classifi cadas como: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse em agir. Essas condições específi cas da ação estavam descritas no antigo art. 43 do CPP, ora revogado.

A possibilidade jurídica do pedido consiste na tipicidade e ausência de exclu-dentes da ilicitude ou culpabilidade.

16 Para uma visão do tema, cf. JARDIM, Afranio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2005, cap. 3.

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Tratando-se de fato atípico, ou estando manifestamente presente excludente da ilicitude, não deverá o juiz receber a acusação. Todavia, havendo dúvidas, deve o juiz receber, pois nessa fase não se exige certeza (ou alta probabilidade), mas apenas indícios razoáveis (probabilidade razoável). O art. 397 admite absolvição sumária nessas hipóteses de atipicidade manifesta ou prova cabal de excludente da ilicitude ou culpabilidade.

A legitimidade em agir consiste na adequação subjetiva da ação (ação pública apenas pode ser proposta pelo Ministério Público, ação privada apenas pode ser proposta pela vítima; o pólo passivo deve ser ocupado pelo efetivo autor – ou su-posto autor – do delito). O interesse em agir consiste na necessidade de utilidade do provimento jurisdicional. Considerando a imprescindibilidade da jurisdição penal para imposição da sanção penal, sempre haverá necessidade, restando a análise da utilidade do provimento. Esta se exprime na ausência de causas extintivas da punibilidade (v.g., a prescrição). Segundo o art. 10 do CP, são causas extintivas da punibilidade:

a) morte do agente;b) anistia, graça ou indulto;c) abolitio criminis;d) prescrição, decadência ou perempção;e) renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito, nos crimes de ação penal

privada;f) retratação do agente, nos casos em que a lei admite (ex.: crimes contra a

honra, falso testemunho);g) perdão judicial.Segundo alguns doutrinadores, as condições de procedibilidade da ação penal

(como representação ou a entrada do agente no território nacional nas hipóteses do art. 7º, § 3º, a e b, do CP) seria também uma quarta espécie de condição da ação.

Finalmente, faltando justa causa, a ação não poderá ser recebida. Diverge a doutrina do conceito de justa causa. Para alguns, seria toda e qualquer situação que impeça a propositura da ação penal. Nesse sentido, a ausência das próprias condições de procedibilidade seria hipótese de ausência de justa causa. Afranio Jardim dá-lhe um conceito mais estreito, afi rmando que seria a existência de suporte indiciário mínimo para justifi car a instauração de uma ação penal. Nesse sentido, faltando elementos mínimos para respaldar a acusação, esta deve ser rejeitada por ausência de justa causa para instaurar a ação penal.

Entende-se que é inadmissível a rejeição posterior ao recebimento da denúncia, pois implicaria o juiz conceder habeas corpus contra si mesmo.

Segundo o STF, não é necessária fundamentação no ato do recebimento da denúncia, para evitar uma incursão antecipada no mérito, que comprometeria a imparcialidade do julgador. Todavia, nos termos da Súmula nº 564 do STF, o rece-bimento de denúncia na hipótese de crime falimentar exige fundamentação.

O recebimento da denúncia possui dois efeitos. O efeito material é a in-terrupção da prescrição. Segundo o STJ, o recebimento da denúncia por juiz

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absolutamente incompetente não interrompe a prescrição. O efeito processual é que, com o recebimento da denúncia, o juiz assume eventual coação para efeitos de habeas corpus.

Entende-se que o juiz não pode aplicar a emendatio libelli no momento do recebimento da denúncia, pois tal fato implicaria uma rejeição parcial da denúncia. Todavia, o atual art. 383, § 1º, permite que o juiz, ao aplicar a emendatio libelli, aplique também o procedimento da suspensão condicional do processo. Nessa situação, tratando-se de hipótese de patente erro na tipifi cação dos fatos narrados na denúncia, entendemos que o juiz poderá, por economia processual, já aplicar a ementatio libelli no início do procedimento. Ressalte-se que, havendo dúvida razoá-vel sobre a correta tipifi cação dos fatos, o adequado será prosseguir na instrução para melhor delinear os fatos.

ADITAMENTO À DENÚNCIA

Conceito

Segundo o dicionário Michaelis, aditar signifi ca acrescentar, adicionar, juntar. Assim, “aditamento” é o ato processual pelo qual o titular da ação penal acrescenta novos dados à imputação inicial visando modifi cá-la, corrigi-la ou esclarecê-la. Diferentemente do processo civil, o princípio da busca da verdade no processo per-mite a modifi cação da acusação (mutatio libelli) pelo Ministério Público a qualquer momento antes da sentença. É o que estabelece o art. 569 do CPP. O CPP no art. 46, § 2º, também prevê o denominado aditamento provocado pelo juiz, a ser feito no prazo de três dias; todavia, mesmo que o Ministério Público não adite nesse prazo, entendemos que não haverá preclusão e posteriormente poderá fazê-lo, conforme o referido art. 569. Já o querelante apenas pode aditar a denúncia para modifi car os fatos dentro do prazo decadencial ou, na forma do art. 48 do CPP, para incluir co-autor do fato até então desconhecido.

A lógica do aditamento depende da posição que se adote em relação à teoria do arquivamento implícito. Para aqueles que admitem a existência do arquivamento implícito, apenas seria possível o aditamento à denúncia se surgissem novas pro-vas. Todavia, para aqueles que, como nós, não admitem a teoria do arquivamento implícito, ele seria admissível a qualquer momento antes da sentença.

O aditamento visa preservar o princípio da obrigatoriedade da ação penal públi-ca, a busca da verdade no processo, a congruência entre a imputação e a sentença, o contraditório, bem como a supremacia do interesse público.

Espécies

Real (ou objetivo): altera fatos.Pessoal (ou subjetivo): altera o sujeito passivo da imputação penal. Retifi cativo (ou impróprio): altera dados meramente formais, como dados

acessórios da qualifi cação do réu, dia, hora e local dos fatos, classifi cação do delito etc. Está previsto no art. 569 do CPP.

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Ampliativo (ou próprio): acrescenta novos fatos ou novos réus à imputação inicial. Ocorre, por exemplo, quando novo fato conexo é acrescentado, ou inclui-se co-autor ou partícipe (todavia, se não há conexão, deve-se iniciar a ação penal autônoma).

Modifi cativo (mutatio libelli): ocorre quando o fato objeto da imputação inicial sofre uma alteração decorrente do surgimento de novas provas no curso da instrução criminal, nos termos do art. 384 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008. Também ocorre quando há uma alteração fática posterior, por exemplo, o art. 421, § 1º, com a redação dada pela Lei nº 11.639/2008, permite a modifi cação da pronún-cia por circunstâncias supervenientes, e, apesar de não esclarecer o procedimento, deve-se aplicar por analogia as regras da mutatio libelli, com respectivo aditamento e nova oportunidade de defesa.

Procedimento

O aditamento retifi cativo não importa em alteração substancial da imputação (objetivo ou subjetivo). Assim, não há necessidade de nova citação e o juiz deverá analisar necessidade de eventual interrogatório. Caso a retifi cação fática exija nova produção de provas, deverá o juiz aceitar eventual pedido de produção probatória (v.g., novo álibi).

O aditamento ampliativo corresponde ao oferecimento a uma nova denúncia, que se soma à denúncia anterior, aproveitando-se de uma mesma relação jurídico-processual já instaurada. Assim, permite novo rol de testemunhas pelo Ministério Público, exige nova citação e oportunidade de defesa, reiniciando-se o procedi-mento. Caso haja inclusão de co-réu, os atos probatórios anteriores não poderão ser utilizados em desfavor do mesmo.

O aditamento modifi cativo segue as regras da mutatio libelli. Assim, o juiz pode provocar a atuação do Ministério Público em cinco dias, e sua recusa em aditar permitirá aplicação do mecanismo de revisão previsto no art. 28. Após o aditamento a defesa deverá se manifestar em cinco dias sobre a admissibilidade do aditamento; havendo recebimento do aditamento, o juiz designará a audiência para a oitiva de até três testemunhas, arroladas pela acusação e defesa, bem como o reinterrogatório. Antigamente, entendia-se que a mutatio libelli ensejava uma espécie de denúncia alternativa subseqüente, pois o juiz poderia condenar tanto pela denúncia original quanto pelo aditamento (esta era a posição de Afranio Jardim17). Todavia, o novo § 4º do art. 384 do CPP expressamente estabelece que, se o juiz receber o aditamento, fi cará adstrito aos seus termos quando da prolação da sentença, ou seja, não poderá mais condenar pela imputação constante na denúncia original.

O recurso contra rejeição do aditamento à denúncia é o recurso em sentido estrito, por interpretação extensiva do disposto no art. 581, I, do CPP18.

17 JARDIM, Afranio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 153.18 STJ, 5ª T., REsp 435.256/CE, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, j. 15/4/2003, DJ 19/5/2003, p.

246.

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SINOPSE

Condições da ação:

Possibilidade jurídica do pedido: fato típico e ilícito.Interesse em agir: inexistência de causas extintivas da punibilidade.Legitimação para agir: MP (pública) ou vítima (privada).Condição de procedibilidade.

Classifi cação da ação penal:

IncondicionadaPública à representação do Condicionada ofendido à requisição do MJ

ExclusivamentePrivada Personalíssima Subsidiária da pública

Justifi cativa da Ação Penal Privada: streptus fori, produção de provas, interesse privado.

Princípios da ação penal:

Pública Privada

Ofi cialidade e Legalidade

Obrigatoriedade Oportunidade e conve niência

Indisponibilidade Disponibilidade

Indivisibilidade (ou divisibilidade) Indivisibilidade

Intranscendência Intranscendência

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Representação da vítima

vítima se incapaz (18 anos ou amental): representante legal

Titularidade: sem representante ou interesses colidem: juiz nomeia curador especial 18 aos 21 anos: apenas a vítima (Novo Código Civil) Sucessão: cônjuge, ascendente, descendente, irmão

6 meses conhecimento da autoria do fatoPrazo: prazo decadencial (fatal, inclui início, exclui término) prazo da vítima se inicia quando completa a maioridade

Forma: sem forma especialDestinatário: autoridade policial, Ministério Público, juizRetratação: antes do oferecimento da denúnciaRetratação da retratação: dentro do prazo decadencialNão vinculação do MP: opinio delictiAbrangência: o fato criminoso, não as pessoas indicadas

Requisição do MJ

Prazo: sem limiteRetratação: inadmissívelDestinatário: MP

Queixa

vítima (idem representação)Titularidade: quando a vítima completa 18 anos, cessa a legitimação do representante legal

Prazo: 6 meses do conhecimento da autoria do fato (idem representação)

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AP Privada Subsidiária da PúblicaInadmissibilidade: se MP ofereceu denúncia, requereu arquivamento ou soli-

citou novas diligências.Prazo: 6 meses após MP.Se MP solicita novas diligências: novos prazos após o retorno dos autos.Atuação do MP: assistente litisconsorcial.Não há perempção.

Prazo da denúncia

5 dias – presoRegra 15 dias – solto

Crime Eleitoral – 10 dias Crime de Imprensa – 10 dias Crime contra a economia popular – 2 diasOutros: Abuso de autoridade – 48 horas Crime falimentar – 3 dias – preso – 5 dias – solto Tóxicos – 10 dias

Renúncia PerdãoAntes da queixa Após a queixaPré-processual ProcessualUnilateral Bilateral (aceitação)

Formas: - Expresso - Judicial - Tácito - Extrajudicial

LEGISLAÇÃO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

TÍTULO IIIDA AÇÃO PENAL

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Minis-

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tro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para represen tá-lo.

Nota: Súmula nº 594 do STF: “Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu re-presentante legal”.

§ 1º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Renumerado pela Lei nº 8.699, de 27/8/1993)

§ 2º Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. (Acrescentado pela Lei nº 8.699, de 27/8/1993)

Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em

fl agrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou poli cial.Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério

Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, in-formações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arqui vamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por deci-são judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Art. 32. Nos crimes de ação privada, o juiz, a requerimento da parte que com-provar a sua pobreza, nomeará advogado para promover a ação penal.

§ 1º Considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover às despesas do proces-so, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família.

§ 2º Será prova sufi ciente de pobreza o atestado da autoridade policial em cuja circunscrição residir o ofendido.

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Art. 33. Se o ofendido for menor de dezoito anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomea do, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal.

Art. 34. Se o ofendido for menor de vinte e um e maior de dezoito anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.

Entende-se que esse artigo foi tacitamente revogado pelo Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reduziu a plena capacidade civil para os 18 anos.

Art. 35. (Revogado pela Lei nº 9.520, de 27/11/1997)Art. 36. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá prefe-

rência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a abandone.

Art. 37. As fundações, associações ou sociedades legalmente consti tuídas poderão exercer a ação penal, devendo ser representadas por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores ou sócios-gerentes.

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o ofereci-mento da denúncia.

Parágrafo único. Verifi car-se-á a decadência do direito de queixa ou repre-sentação, dentro do mesmo prazo, nos casos dos arts. 24, parágrafo único, e 31.

O antigo parágrafo único do art. 24 foi renumerado para § 1º, nos termos da Lei nº 8.699/1993.

Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou à autoridade policial.

§ 1º A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura devida mente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial, presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.

§ 2º A representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria.

§ 3º Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade poli cial pro-cederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for.

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§ 4º A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.

§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a represen-tação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verifi carem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualifi cação do acusado ou esclarecimento pelos quais se possa identifi cá-lo, a classifi cação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.Art. 43. (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008)Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes espe ciais,

devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.

Nota: há aqui um erro gráfi co: onde se lê “querelante”, deve ser lido “querelado”.

Art. 45. A queixa, ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subseqüentes do processo.

Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de cinco dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de quinze dias, se o réu estiver solto ou afi ançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber nova-mente os autos.

§ 1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informação ou a representação.

§ 2º O prazo para o aditamento da queixa será de três dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro do tributo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais termos do processo.

Art. 47. Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam for necê-los.

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Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.

Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.

Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado dezoito anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro.

Entende-se que esse artigo foi tacitamente revogado pelo Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reduziu a plena capacidade civil para os 18 anos.

Art. 51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.

Art. 52. Se o querelante for menor de vinte e um e maior de dezoito anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito.

Entende-se que esse artigo foi tacitamente revogado pelo Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reduziu a plena capacidade civil para os 18 anos.

Art. 53. Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do querelado, a aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz lhe nomear.

Art. 54. Se o querelado for menor de vinte e um anos, observar-se-á, quanto à aceitação do perdão, o disposto no art. 52.

Entende-se que esse artigo foi tacitamente revogado pelo Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reduziu a plena capacidade civil para os 18 anos.

Art. 55. O perdão poderá ser aceito por procurador com poderes especiais.Art. 56. Aplicar-se-á ao perdão extraprocessual expresso o disposto no

art. 50.Art. 57. A renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de

prova.Art. 58. Concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos, o que-

relado será intimado a dizer, dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientifi cado de que o seu silêncio importará aceitação.

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Parágrafo único. Aceito o perdão, o juiz julgará extinta a punibilidade.Art. 59. A aceitação do perdão fora do processo constará de declaração assinada

pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-

se-á perempta a ação penal:I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do

processo durante trinta dias seguidos;II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não com-

parecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de sessenta dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;

III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justifi cado, a qual-quer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações fi nais;

IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibi-lidade, deverá declará-lo de ofício.

Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do que-relante ou do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar conveniente, concederá o prazo de cinco dias para a prova, profe-rindo a decisão dentro de cinco dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença fi nal.

Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a puni bilidade.

Anotações Jurisprudenciais sobre a Competência em Razão da Ma-téria

Justiça Militar(...)Súmula nº 297 do STF: Ofi ciais e praças das milícias dos estados, no exercício

de função policial civil, não são considerados militares para efeitos penais, sendo competente a justiça comum para julgar os crimes cometidos por ou contra eles.

Súmula nº 298 do STF: O legislador ordinário só pode sujeitar civis à justiça militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares.

Súmula nº 555 do STF: É competente o Tribunal de Justiça para julgar confl ito de jurisdição entre juiz de direito do Estado e a Justiça Militar local.

Súmula nº 53 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de pratica de crime contra instituições militares estaduais.

Súmula nº 90 do STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela pratica do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.

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Justiça Estadual(...)– Súmula nº 192 do STJ: Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado

a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.

– Segundo o STF, deve ser dada interpretação conforme a Constituição, art. 114, incisos I, IV e IX, de forma que “no âmbito de jurisdição da Justiça do Trabalho não entra competência para processar e julgar ações penais”.

– Crimes virtuais praticados dentro do território nacional (v.g., troca de imagens pornográfi cas envolvendo crianças – art. 241 do ECA) são de competência da justiça estadual. Neste ponto, é indiferente que o provedor esteja no exterior.

– Súmula nº 498 do STF: Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular.

DA CONEXÃO E CONTINÊNCIA

Conexão entre IPMPO e crime comumAntigamente, entendia-se que, havendo conexão ou continência entre uma

infração penal de menor potencial ofensivo e um crime comum, deveria ocorrer a separação obrigatória dos processos, sendo a IPMPO julgada perante o Juizado Especial Criminal e o crime comum perante o juízo comum (Vara Criminal ou Vara Especializada). Segundo o STJ, a competência do JEC era absoluta, pois estava prevista na Constituição Federal19. Nosso posicionamento sempre foi contrário a esse, pois defendíamos que a competência do JEC é relativa (cf. ÁVILA. Juizados Espe ciais Criminais. Brasília: Vestcon, 2004, apêndice). A competência não é ab-soluta, pois a CF/1988 apenas estabeleceu a possibilidade de criação de Juizados Especiais Criminais, com competência para julgamento das infrações penais de menor poten cial ofensivo, dando à lei federal margem de discricionariedade para estabelecer de forma concreta o que será considerado IPMPO, bem como em quais circunstâncias essa competência seria ou não aplicada. Tanto que, quando o autor do fato não é encontrado para ser citado, remetem-se os autos à Vara Criminal, para que ali se realize a citação por edital (art. 66, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995), bem como quando há necessidade de diligências complexas (como, e.g., o incidente de insanidade mental), devendo-se encaminhar o feito ao juízo comum (art. 77, § 2º). Não se pode conceber como absoluta uma competência na qual a simples circunstância de o autor do fato informar um endereço falso na delegacia venha a alterar a competência. Ademais, os Juizados Especiais são uma instituição una, não

19 Entendendo que a competência do JEC é absoluta, por estar prevista na Constituição e, portanto, não admite alte-ração decorrente de conexão, STJ. 5ª T. REsp nº 611.718/RS. Rel. min. Gilson Dipp. J. 21/9/2004. DJ 3/11/2004. P. 235.

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sendo razoável que o Juizado Especial Cível tenha uma competência relativa (que é uma escolha do autor da ação) e o Juizado Especial Criminal tenha uma competência absoluta, já que ambos possuem a previsão de criação na Constituição.

Assim, defendíamos que, no caso de conexão entre IPMPO e crime comum, a competência deveria ser do juízo comum para ambos os delitos. Todavia, como visto, esse não foi o entendimento adotado pelo STJ. A interpretação anterior causava sérios problemas à efetividade do processo, pois impunha a separação de processos em hipóteses nas quais o autor do fato não merecia qualquer benefício, havendo duas instruções, com oitiva das mesmas testemunhas, em juízos diversos, com aumento desnecessário de trabalho e perda de tempo.

Todavia, recentemente, veio a lume a Lei nº 11.313/2006, que deu nova redação ao art. 60 da Lei nº 9.099/1995, nos seguintes termos:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tri-bunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

Assim, pela nova redação dada, ambos os delitos conexos deverão ser processados perante o juízo comum ou o Tribunal do Júri, conforme o caso, sendo possível, naqueles, a aplicação de transação penal ou conciliação civil.

Na verdade, a lei veio alterar uma interpretação equivocada da Constituição, que era dada pelos tribunais. Caso os tribunais continuem entendendo que a competência do JEC é absoluta, deverão decretar a inconstitucionalidade do novo dispositivo (e, quem sabe, se manifestar sobre os já citados art. 66, parágrafo único, e art. 77, § 2º, ambos da Lei nº 9.099/1995). Todavia, já existe precedente do STJ entendendo que o novo dispositivo deve ser aplicado, ou seja, implicitamente reconhecendo que o dispositivo é constitucional e, portanto, que a competência do JEC pode ser afastada por lei ordinária. Registre-se que já existem outras hipóteses legalmente estabelecidas para que o juízo comum aplique transação penal, nas hipóteses de lesões corporais na direção de veículo automotor qualifi cada (art. 303, parágrafo único), nos termos do art. 291, parágrafo único, da Lei nº 9.503/1997, dispositivo esse não declarado inconstitucional pelos tribunais, bem como os delitos previstos

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no estatuto do idoso com pena máxima de até quatro anos (Lei nº 10.741/2003, art. 94). Registre-se que a Lei nº 11.705/2008 incluiu no art. 291 os §§ 1º e 2º, estabele-cendo que, nas hipóteses de crime de lesão corporal culposa, no trânsito cometido em concurso com a embriaguez ao volante, racha, ou ainda quando cometido com velocidade superior a 50 km/h da velocidade mínima da via, também não se aplica a Lei nº 9.099/1995, devendo ser instaurado inquérito policial.

Regras Especiais para o Tribunal do Júri

Em relação ao Tribunal do Júri, todavia, as regras da perpetuatio jurisdiciones possuem aplicação diferenciada, em razão do procedimento escalonado dos crimes dolosos contra a vida.

Nesses crimes, existe uma fase inicial, chamada judicium accusationis (juízo da acusação), na qual o juiz decidirá se existem indícios da prática de crime doloso contra a vida. Se verifi car que estão presentes tais requisitos, proferirá a decisão de pronúncia, submetendo o réu ao julgamento perante o Tribunal do Júri (art. 413). Caso o juiz verifi que que não existem indícios da prática de crime, impronunciará o réu, arquivando o procedimento (art. 414). Se o juiz verifi car que não houve a prática de crime doloso contra a vida, mas de outro delito (por exemplo, lesão corporal), realizará a desclassifi cação do crime, remetendo os autos ao juízo com-petente (art. 419). Finalmente, caso o juiz verifi que que está patentemente provada nos autos a excludente da ilicitude, poderá proferir sentença de absolvição sumária, submetendo sua decisão ao recurso ex offi cio (CPP, art. 415). Apenas na hipótese de sentença de pronúncia o réu será submetido ao julgamento perante o plenário do Tribunal do Júri. Nesse novo julgamento, chamado de judicium causae (juízo da causa), os jurados novamente examinarão o delito, não estando subordinados à decisão de pronúncia anteriormente proferida. Assim, poderão os jurados condenar o réu, absolvê-lo ou desclassifi car o crime para outra infração que não seja crime doloso contra a vida.

Assim, desclassifi cado o crime na primeira fase do judicium accusatione, (fase da sentença de pronúncia), o juiz remeterá o crime principal e eventual crime conexo, ambos, para o juízo competente, não havendo que se falar em perpetuatio jurisdicione (CPP, art. 81, parágrafo único).

Tratando-se de desclassifi cação operada no plenário do Tribunal do Júri, a com-petência para julgamento do crime desclassifi cado e do crime conexo será transferida ao juiz presidente do Tribunal do Júri (CPP, art. 492, § 2º).

Tratando-se da hipótese de absolvição pelos jurados em relação ao crime do-loso contra a vida, os jurados continuarão competentes para julgar o outro crime conexo.

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CONFLITO DE JURISDIÇÃO

Como visto, além da exceção de incompetência, a questão da competência também pode ser objeto do confl ito de jurisdição. Este existe quando dois juízes se dizem igualmente competentes (confl ito positivo) ou incompetentes (confl ito negativo). A despeito de o Código de Processo Penal, em seu Capítulo IV do Título VI, referir-se a confl ito de jurisdição, entendemos que a nomenclatura mais ade-quada é a de confl ito de competência, pois todos os juízes possuem jurisdição (que é una e indivisível), e o que está em discussão é a competência para o julgamento (a delimitação da jurisdição).

Também há confl ito na controvérsia quanto à reunião de processos (conexão ou continência). Todavia, se um dos processos já transitou em julgado, não há mais confl ito de competência (Súmula nº 59 do STJ).

O confl ito de competência pode ser suscitado pelas partes, mediante requeri-mento, ou pelo juiz, mediante ofício. Sendo negativo o confl ito, poderá ser suscitado nos próprios autos (CPP, art. 116, § 1o). Sendo positivo, o relator do confl ito poderá determinar o sobrestamento do processo, indicando qual juiz será competente para decidir sobre as questões urgentes, enquanto pendente de julgamento o confl ito. Após, deverá solicitar informações às autoridades envolvidas, assinalando prazo para resposta. Recebidas as informações e colhido o parecer do órgão do Minis-tério Público em ofício perante o tribunal, o feito será julgado na primeira sessão seguinte, dispensando inclusão em pauta (julgamento em mesa). Após o julgamento, o tribunal comunicará às autoridades envolvidas a decisão.

A competência para o julgamento do confl ito depende das autoridades judi ciais envolvidas. Tratando-se de juízes vinculados ao mesmo tribunal, esse tribunal será competente. Tratando-se de juízes vinculados a tribunais diversos, será com-petente o STJ (CF/1988, art. 105, I, d). Ainda que um dos juízes seja de ramo da justiça especialiazada, caberá ao STJ julgar o confl ito (e.g., juiz eleitoral e juiz federal). Caso esteja envolvido no confl ito um tribunal superior, a competência para dirimi-lo será do STF (CF/1988, art. 102, I, o). Caso o confl ito envolva juízes de um mesmo ramo do Poder Judiciário, caberá ao respectivo tribunal de cúpula decidir o confl ito (v.g., juiz eleitoral do DF e de São Paulo: o confl ito será julgado pelo TSE).

Há precedente do STJ entendendo que esse tribunal é competente para conhecer originariamente o Confl ito de Competência entre JEC e Juízo comum, por não haver subordinação da competência do JEC ao TJ (STJ, CC nº 49.135/MG, rel. Min. Paulo Medina, DJ 20/11/2006, p. 271). Da mesma forma, o confl ito de competência entre Turma Recursal e TJ é decidido pelo STJ.

Compete ao TRF decidir o confl ito de competência entre juiz federal e juiz de direito investido na jurisdição federal (Súmula nº 3 do STJ). Não há confl ito de competência entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Alçada, competindo ao primeiro esclarecer as dúvidas de competência entre ambos (Súmula nº 22 do STJ).

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Não há confl ito de competência entre juiz e tribunal a que o primeiro esteja subor-dinado, em razão do princípio de hierarquia de jurisdição: caberá ao tribunal avocar o procedimento (CPP, art. 117, por analogia), ou poderá a parte ajuizar a ação de Reclamação perante o tribunal, em razão da indevida invasão de sua competência por juiz que lhe é subordinado (CF/1988, art. 102, I, l, e art. 105, I, f ).

Conflito de Atribuições

Há confl ito de atribuições quando há divergência entre funções administrativas. Pode ocorrer entre autoridade judiciária e administrativa, ou entre duas autoridades administrativas. No caso de confl ito entre autoridade judicial e administrativa, a competência para dirimir o confl ito será do Superior Tribunal de Justiça (CF/1988,art. 105, g), desde que sejam autoridades da União, ou da União e estado. Exemplo: juiz entende que ainda possui atribuição administrativa para dar início à ação penal das contravenções, no procedimento judicialiforme (CPP, art. 531); ou o confl ito entre o juiz da infância e juventude e órgão do Poder Executivo. No confl ito entre duas autoridades administrativas, a princípio, não há intervenção judicial.

O confl ito de atribuições entre dois órgãos do mesmo Ministério Público é resolvido pelo Procurador-Geral de Justiça, ou pelo órgão interno responsável (Conselho Superior). Segundo alguns autores, o confl ito de atribuições entre promotores vinculados a Ministérios Públicos diversos seria resolvido pelo STJ. Todavia, discordamos desse entendimento. O art. 105, I, g, da CF/1988 é claro ao estabelecer que a competência do STJ existe para dirimir confl itos de atribuições entre autoridades judiciárias e administrativas. E não entre duas autoridades ad-ministrativas, como no caso das funções exercidas pelos membros do Ministério Público. Portanto, à míngua de um órgão nacional do Ministério Público, com poder hierárquico sobre os demais MPs estaduais, os eventuais confl itos entre membros dos diversos Ministérios Públicos estaduais ou do MPU fi carão sem resolução ex-plícita. A solução dos confl itos entre membros dos ramos do MPU (MPF, MPDFT, MPT, MPM) compete ao Pro curador-Geral da República.

Na hipótese de confl ito de atribuições positivo, a questão possui solução, pois ambos darão início a ações penais diferentes, levando a questão ao conhecimento do Judiciário, havendo um confl ito de competência caso ambos os juízes se enten-dam competentes.

A questão é mais séria quando ambos se julgam sem atribuição. Suponhamos que o promotor de Brasília entenda que o delito foi cometido em uma cidade do entorno, em Goiás, e o promotor de Goiás entenda que o delito foi cometido em Brasília. Não há solução institucional para o impasse negativo, e o Poder Judiciá-rio, ainda que pelo STJ, não poderia obrigar um membro do Ministério Público a oferecer denúncia (por violação ao princípio da inércia do Judiciário e do sistema acusatório). Entendemos que, na hipótese, o promotor, ainda que se julgando sem

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atribuições, deveria oferecer denúncia e juntamente oferecer a exceção de incom-petência. Assim, as questões seriam levadas ao conhecimento do Poder Judiciário e, caso o juiz acolha a exceção e remeta o feito ao juízo de Goiás, poderá, caso esse juízo se entenda incompetente, suscitar o confl ito de competência, esse sim a ser dirimido pelo STJ.

De lege ferenda, seria recomendável a criação de um órgão de cúpula do Ministério Público nacional que funcionasse junto ao STJ, para resolução desses impasses e para uma melhor representação do Ministério Público em ofício peran-te aquele tribunal. Já que o STJ exerce a função de tribunal de cúpula da justiça comum (estadual e federal), o Ministério Público em atuação perante esse tribunal também deveria, por alteração legislativa, ser composto por pessoas oriundas dos diversos ramos dos MPs estaduais e do MPF, já em atuação perante o segundo grau, da mesma forma que na composição do STJ há desembargadores da justiça estadual e federal.

Apesar de não haver expressa previsão, cremos que o Conselho Nacional do Ministério Público, criado pela EC nº 45/2005, poderá exercer importante papel no julgamento dos confl itos de atribuição, já que dispõe o art. 130-A, § 3o, inciso III, da CF/1988 que compete ao CNMP “requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições”. Apesar de o dispositivo se referir à capacidade de requisição, também há menção à possibilidade de o CNMP designar um membro do MP e delegar-lhe atribuições, sendo possível uma interpretação extensiva desse dispositivo para incluir a competência do CNMP para julgar confl itos de atribuição entre órgãos diversos do MP.

O confl ito de atribuições pode ocorrer antes da propositura da ação penal (v.g., divergência na tipifi cação do crime que alteraria a promotoria competente, pela espe-cialização, para oferecer denúncia) ou durante o curso do processo (v.g., divergência sobre quem teria atribuição para ofertar as contra-razões no recurso de apelação, quando o apelante protesta por apresentar as razões em grau de recurso: o promotor da vara de origem ou o procurador de justiça em ofício perante o tribunal).

Segundo o STF, quando os juízes encampam as manifestações dos respectivos promotores, há confl ito de competência e não de atribuições. Exemplo: dois pro-motores estão investigando o mesmo fato: há confl ito de atribuições; caso os juízes recebam as respectivas denúncias, haverá confl ito de competência.

TÍTULO VIDAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES

CAPÍTULO IVDo Confl ito de Jurisdição

Art. 113. As questões atinentes à competência resolver-se-ão não só pela exce-ção própria, como também pelo confl ito positivo ou negativo de jurisdição.

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Art. 114. Haverá confl ito de jurisdição:I – quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes,

ou incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso;II – quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo, junção ou

se paração de processos.Art. 115. O confl ito poderá ser suscitado:I – pela parte interessada;II – pelos órgãos do Ministério Público junto a qualquer dos juízos em dis-

sídio;III – por qualquer dos juízes ou tribunais em causa.

Nota: Súmula nº 59 do STJ: “Não há confl ito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por um dos juízes confl i-tantes”.

Art. 116. Os juízes e tribunais, sob a forma de representação, e a parte inte-ressada, sob a de requerimento, darão parte escrita e circunstanciada do confl ito, perante o tribunal competente, expondo os fundamentos e juntando os documentos comprobatórios.

§ 1º Quando negativo o confl ito, os juízes e tribunais poderão suscitá-lo nos próprios autos do processo.

§ 2º Distribuído o feito, se o confl ito for positivo, o relator poderá determinar imediatamente que se suspenda o andamento do processo.

§ 3º Expedida ou não a ordem de suspensão, o relator requisitará informações às autoridades em confl ito, remetendo-lhes cópia do requerimento ou represen tação.

§ 4º As informações serão prestadas no prazo marcado pelo relator.§ 5º Recebidas as informações, e depois de ouvido o procurador-geral, o con-

fl ito será decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do feito depender de diligência.

§ 6º Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para a sua execução, às autoridades contra as quais tiver sido levantado o confl ito ou que o houverem suscitado.

Art. 117. O Supremo Tribunal Federal, mediante avocatória, restabelecerá a sua jurisdição, sempre que exercida por qualquer dos juízes ou tribunais inferiores.

NULIDADES

CONCEITO

Nulidade é a sanção que, no processo penal, atinge a instância ou o ato proces-sual que não estejam de acordo com as condições de validade impostas pelo direito objetivo (Frederico Marques).

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Segundo alguns autores, a nulidade seria tanto o vício quanto a sanção que lhe é cominada (Mirabete). Para outros, a nulidade seria apenas a sanção imposta em decorrência do vício (Paulo Rangel).

ESPÉCIES DE VÍCIOS

A doutrina costuma classifi car os vícios dos atos processuais em quatro níveis, de acordo com a intensidade de seu defeito e respectiva sanção.

Irregularidade

No ato irregular, existe a violação a uma formalidade estabelecida em lei (infraconstitucional) que não visa garantir diretamente nenhum interesse das partes. Destarte, por ausência de prejuízo, trata-se de uma exigência sem maior relevância para o processo, que não invalida o ato e não gera qualquer nulidade do processo. Ex.: promotor de justiça assina uma cota manuscrita nos autos encaminhando a denúncia, mas esquece de assinar na denúncia (não há dúvidas quanto à autenticidade).

Exemplo: testemunha não é intimada, mas comparece à audiência. Ausência de data de sentença ou relatório em tribunal, se pelo contexto esta é identifi cável.20

Nulidade Relativa

Na nulidade relativa, existe violação a uma formalidade estabelecida em lei (infraconstitucional) que visa garantir o direito de uma das partes. Por proteger interesse predominante da partes (e não interesse público), deve ser oportunamente argüida, sob pena de convalidação (sanatória). Ademais, há necessidade de prova concreta do prejuízo (pois onde não há prejuízo não há nulidade – CPP, art. 563) e de prévia decisão judicial (não são automáticos seus efeitos).

O momento preclusivo para argüição da nulidade relativa vem previsto nos incisos do art. 571 do CPP. Regra geral, ocorre no primeiro momento em que a parte tem a oportunidade de “falar” nos autos.

Nulidade Absoluta

Na nulidade absoluta, existe violação a uma formalidade estabelecida na Constituição Federal. Ex.: ampla defesa, contraditório, publicidade, motivação das decisões judiciais, juiz natural etc.

Nessa hipótese, o prejuízo é presumido (não há necessidade de prova), por tratar-se de questão de ordem pública. Não há convalidação ou preclusão do vício, mas é necessária a decisão judicial declarando a nulidade. Tal decisão pode ser

20 STJ, 5ª T., HC 93.457/PA, rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/2/2008, DJe 17/3/2008.

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declarada de ofício, sem motivação da parte, por tratar-se de questão de ordem pública.

Súmula nº 523 do STF: “No processo penal, a falta de defesa constitui nuli-dade absoluta, mas sua defi ciência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Inexistência

Nessa hipótese, existe um “não-ato”. O ato praticado não reúne elementos para existir como ato jurídico. Se o ato não existe, pode ser simplesmente desconsiderado, sem necessidade de decisão judicial expressa declarando sua inexistência.

Exemplos:a) sentença assinada por quem não é juiz (e.g., estagiário);b) certidão de trânsito em julgado na hipótese de a lei exigir recurso ex offi cio

e este não ter sido interposto;c) sentença extintiva da punibilidade baseada em certidão de óbito falsa

(STF).

Registre-se que, no último exemplo dado, tecnicamente não existiria um ato inexistente, mas sim uma nulidade absoluta, pois um juiz legalmente investido de jurisdição prolatou uma decisão que formalmente existe, mas fundada em uma prova falsa. Todavia, caso se considere apenas nula tal sentença, seria incabível a revisão criminal pro societate, fi cando absolutamente imutável tal decisão, o que atentaria contra o senso de justiça.

Por tais razões, alguns doutrinadores recomendam, de lege ferenda, a inclusão textual dessa hipótese de revisão criminal, como ocorre na legislação de outros países (Mirabete).

Quadro Comparativo

Base Interesse Prova do Prejuízo Preclusão Declaração

Irregularidade Lei Não há Não há – Não há nulidade

Nulidade Relativa Lei Parte Dever ser

demonstrado SIM Judicial (provocada)

Nulidade Absoluta Constituição Público Presumido NÃO Judicial (pode ser ex offi cio)

Inexistência Não-ato Público Presumido NÃO Apenas desconsiderar

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PRINCÍPIOS DAS NULIDADES

Princípio do Prejuízo

Está insculpido no art. 563 do CPP: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Equivale ao bro-cardo pas de nullité sans grief. Refl ete a tendência moderna de instrumentalidade do processo, revelando a prevalência do conteúdo sobre a formalidade estéril.

Possui aplicação restrita às nulidades relativas, haja vista que na nulidade absoluta existe violação a uma questão de ordem pública, constitucionalmente estabelecida, havendo uma presunção de prejuízo.

Segundo alguns autores, a violação de questões de ordem pública não geraria propriamente um prejuízo presumido, mas de prejuízo evidente, pois a violação aos princípios constitucionais comprometeria a própria legitimidade do processo, por serem garantias mínimas de um processo ético.

Princípio da Instrumentalidade das Formas

Também conhecido como princípio da economia processual. Está estabelecido no art. 566 do CPP: “Não será declarada nulidade de ato processual que não houver infl uído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.

Dispõe o art. 572, II, que não se declara a nulidade (nas hipóteses previstas no caput do artigo) se o ato tiver atingido seu fi m, ainda que praticado por outra forma. Ex.: a testemunha não foi regularmente intimada para sua oitiva, mas, tendo tomado conhecimento por outros meios da audiência designada, efetivamente compareceu. Trata-se de mera irregularidade.

Princípio da Causalidade

Está previsto no art. 573, § 1º, do CPP: “A nulidade de um ato, uma vez decla-rada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência”. Assim, quando um ato depende logicamente de um ato anterior, e este é considerado nulo, a nulidade contaminará os atos que dele dependam.

Ex.: havendo nulidade de citação, todos os atos processuais praticados após a citação inexistente serão absolutamente nulos, por violação ao princípio constitu-cional do contraditório, porquanto apenas há processo após a citação válida.

Regra geral, a nulidade dos atos postulatórios propaga-se; exemplos: condi-ções da ação, ausência de citação. Todavia, a nulidade de atos de instrução não se propaga; exemplo: na audiência designada para oitiva de uma testemunha, uma das partes não foi intimada, não compareceu, e mesmo assim o ato foi praticado: apenas aquele ato processual será nulo, e não os subseqüentes, por não haver causalidade (dependência lógica) entre este depoimento e os demais.

Quando o juiz pronunciar a nulidade, deverá declarar os atos a que ela se es-tende (CPP, art. 572, § 2º).

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Princípio do Interesse

Está previsto no art. 565 do CPP: “Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. É expressão do ditado: ninguém pode se prevalecer da própria torpeza.

Exemplos:1) o réu oculta-se para ser citado em procedimento perante o Juizado especial

criminal; diante de tal fato, certifi cado nos autos pelo ofi cial de justiça, o Juizado remete os autos ao juízo comum, para que o réu seja citado por edital; após, não pode o réu requerer que os autos retornem ao Juizado para que o mesmo seja processado segundo o rito sumaríssimo;

2) caso a parte injurie de propósito o juiz, não poderá, depois, argüir a suspeição do mesmo (CPP, art. 256);

3) a defesa não pode argüir, em grau de recurso, nulidade que aproveite a acusa ção e que não tenha sido especifi camente impugnada no recurso do Ministério Público. Exemplo: ausência do Ministério Público à audiência de instrução.

Registre-se que, no processo penal, o Ministério Público busca sempre um título executivo válido (condenação sem nulidades), pois atua na qualidade de fi scal da lei. Destarte, possui interesse em argüir nulidade em favor da defesa.

Segundo a Súmula nº 160 do STF, “é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Trata-se de aplicação do princípio ne reformatio in pejus, pre-visto no art. 617 do CPP. Mesmo que se trate de nulidade absoluta, não é possível a declaração de ofício. Tal regra possui apenas uma exceção: é possível a declaração ex offi cio de nulidade concernente à incompetência absoluta (STJ). Todavia, o STF possui um precedente recente entendendo que, mesmo na hipótese de incompetência absoluta, não é admissível a reforma para piorar a situação do réu. O caso julgado foi o seguinte: na justiça militar, os réus foram processados e absolvidos; houve recurso do Ministério Público pleiteando apenas a condenação; o tribunal, de ofício, anulou a decisão, por entender que o delito era de competência do justiça comum estadual; o STJ confi rmou a decisão; o STF anulou a decisão, por entender que houve trânsito em julgado da matéria relativa à competência, que não poderia ter sido acolhida de ofício em sede de recurso, contra a defesa (HC nº 80.263).

NULIDADES EM ESPÉCIE

As hipóteses de nulidades estão previstas no art. 564 do CPP. Será declarada a nulidade do ato:

I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz.A competência em razão da matéria, por prerrogativa de função e fun cional é de

natureza absoluta, portanto, sua violação gera nulidade absoluta. Já a competência em razão do lugar (territorial) é de natureza relativa. Portanto, não argüida a in-

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competência territorial do juiz no primeiro momento em que a defesa se manifestar nos autos (a defesa prévia, no procedimento comum), ocorrerá a prorrogação da competência.

Na incompetência relativa, os atos decisórios devem ser anulados, mas o juízo pode ratifi car os atos sem conteúdo decisório (CPP, art. 567). Já na incompetência absoluta, todos os atos devem ser anulados.

Entende-se que, no caso de incompetência ratione loci, não há necessidade de ratifi cação ou oferecimento, no juízo competente, de outra denúncia pelo ór-gão do Ministério Público. Já na hipótese de autoridades incompetentes ratione materiae, entende a jurisprudência do STF possível a ratifi cação do oferecimen-to da denúncia e seu respectivo recebimento, no juízo competente. Exemplo: oferecimento de denúncia na justiça estadual, e posterior remessa dos autos à justiça federal: permite-se a ratifi cação da denúncia pelo MPF e a ratifi cação do recebimento pelo Juiz Federal.

Há entendimento doutrinário que o impedimento (CPP, arts. 252 e 253) acarretaria a inexistência dos atos praticados, por ausência de jurisdição para o julgamento daquele feito. No processo civil, entende-se que o impedimento gera nulidade absoluta e a suspeição gera nulidade relativa, haja vista que no processo civil apenas é admissível a ação rescisória pelo impedimento (CPC, art. 485, II, 1ª fi gura). Pessoalmente, entendemos que o juiz impedido não deixa de ser juiz e, portanto, tecnicamente, o impedimento gera nulidade absoluta e não inexistência, devendo haver decisão declarando-o, sendo ainda cabível revisão criminal.

II – por ilegitimidade de parte.A ilegitimidade ad causam gera nulidade absoluta. Exemplos: Ministério

Público ajuíza denúncia por crime de ação penal privada de iniciativa exclusiva da vítima; vítima ajuíza queixa em crime de ação penal pública, fora dos casos da ação privada subsidiária.

Já a ilegitimidade ad processum gera nulidade relativa, admitindo-se conva-lidação. Exemplo: tia de menor de 18 anos ajuíza queixa; o representante legal efetivo do menor pode ratifi car o ato praticado (CPP, art. 568). Vícios na procuração também podem ser sanados.

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:a) a denúncia ou a queixa e a representação [e, nos processos de contravenções

penais, a portaria ou o auto de prisão em fl agrante];A parte fi nal do dispositivo (entre colchetes) está revogada, porquanto a

Constituição Federal, em seu art. 129, I, aboliu o procedimento judicialiforme das contravenções penais, em que poderia haver o início da ação penal por portaria da autoridade policial ou pelo auto de prisão em fl agrante.

A denúncia ou queixa são peças essenciais ao processo. No Juizado Espe cial Criminal, admite-se a acusação de forma oral, em audiência (Lei nº 9.099/1995, art. 77, caput).

Dispõe o art. 569 que as omissões da denúncia, queixa e representação podem ser supridas a qualquer tempo, antes da sentença fi nal. Todavia, na ação penal

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privada, entende-se que apenas pode haver aditamento à queixa dentro do prazo decadencial. Caso o aditamento à denúncia inclua outro co-réu, deve-se proceder à nova citação e dilação probatória.

Não é necessária a representação formal (termo assinado). Deve-se entender como representação a manifestação inequívoca de vontade da vítima, durante o curso das investigações, de ver processado o autor do fato. Exemplo: vítima re-gistra a ocorrência (delatio criminis qualifi cada) e exige providências por parte da autoridade policial.

b) o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167;

Corpo de delito são os vestígios materiais deixados pela infração penal. Exemplos: cadáver no homicídio; local de acidente, no crime de lesões corporais culposas na direção de veículo automotor; a porta arrombada no delito de furto qualifi cado. É essencial o exame (laudo pericial) comprovando a materialidade do delito. Todavia, dispõe o art. 167 que na impossibilidade de realização de exame de corpo de delito direito, pelo desaparecimento dos vestígios, sua ausência pode ser suprida pela prova testemunhal.

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente [e de curador ao menor de 21 anos];

Entendem-se revogados os dispositivos do CPP relativos à necessidade de curador ao indiciado ou réu menor, porquanto o Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) estabeleceu que a plena capacidade é adquirida aos 18 anos (e não mais aos 21 anos). Assim, a parte entre colchetes não possui mais aplicação (v. comentários no capítulo sobre inquérito policial).

É sempre essencial a presença de defensor (advogado), mesmo na hipótese de réu revel, pois a defesa técnica é sempre essencial. Caso o defensor falte a um ato, será nomeado ao réu um defensor ad hoc sob pena de nulidade absoluta por ausência total de defesa técnica. Todavia, entende o STF que a ausência do defensor à sessão de julgamento de recurso, do qual fora devidamente intimado pela publicação da pauta, sem a nomeação de defensor dativo para acompanhar a sessão, não importa em nulidade, por ser a sustentação oral nos tribunais um ato facultativo21 .

d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

É essencial a participação do Ministério Público em todos aos atos, sendo vedada a designação de promotor ad hoc. Há entendimento doutrinário de que a ausência de intervenção do Ministério Público gera nulidade absoluta, pois sua privatividade de promoção da ação penal pública está prevista em nível constitu-cional. Todavia, o entendimento jurisprudencial majoritário (STJ e STF) é de que

21 STF, HC nº 73.761/PI, rel. Min. Mauricio Correa, julg. 20/8/1996, 2 T.

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há nulidade relativa pela ausência do promotor de justiça a audiência da qual este fora devidamente intimado, a não ser que se argua tempestivamente a questão e se comprove de forma concreta o prejuízo da acusação22.

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusasão e à defesa;

A ausência de citação gera nulidade absoluta, por ausência de angulari zação da relação jurídico-processual. Todavia, caso o réu compareça para argüir a nuli-dade da citação, deverá naquele ato ser citado, reiniciando-se o processo (caso se reconheça a nulidade), conforme CPP, art. 570. Antigamente, havia jurisprudência no sentido de que deveria haver um prazo mínimo de 24 horas entre a citação e o interrogatório; todavia, como a Lei n° 11.719/2008 alterou o procedimento ordinário e demais procedimentos de primeira instância, estabelecendo que o juiz recebe a denúncia, o réu é citado, apresenta resposta à acusação em 10 dias e somente depois é realizada a audiência de instrução. Este entendimento fi cou obsoleto, pois agora sempre haverá, ao menos, 10 dias entre a citação e a instrução.

É essencial o interrogatório do réu. Mesmo que este compareça após a instrução criminal, deverá o juiz proceder a seu interrogatório.

Quanto aos prazos concedidos às partes, registre-se que a juntada de alegações fi nais intempestivas é mera irregularidade. Isso porque é obrigatória a intervenção do MP (alínea d), e em relação à defesa existe o princípio constitucional da ampla defesa, que exige que sempre haja apresentação das alegações fi nais defensivas, sob pena de nulidade por ausência de defesa. Caso não haja intimação de qualquer das partes ou do advogado de defesa para a realização de um ato processual e este se realize sem a presença da parte, ou com defensor dativo, haverá nulidade por cerceamento de defesa.23

f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri;

Este art. 564, III, f, está obsoleto, pois a Lei n° 11.689/2008 revogou o libelo no procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Agora, após a decisão de pronúncia, as partes são intimadas apenas para juntarem seu rol de testemunhas que desejam serem ouvidas em plenário. Assim, esta “fonte inesgotável de nulidades” foi, em bom tempo, revogada.

g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia;

A realização de sessão de julgamento plenário do Tribunal do Júri sem a inti-mação do réu que possui endereço nos autos gera nulidade absoluta do julgamento.

22 Pelo STF: RE nº 179.272 / RS, rel. Min. Néri da Silveira, julg. 2/10/2001, 2ª T, DJU 14/12/2001, p. 83. Pelo STJ: HC nº 19.085 / GO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 5a T, DJU 12/5/2003, p. 313; RHC nº 10.193 / MG, 6a T,

rel. Min. Vicente Leal, DJU 9/4/2001, p. 385; HC nº 9.472 / SP, 6a T, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 2/8/1999, p. 226.

23 Reconhecendo nulidade absoluta em relação à ausência de intimação pessoal do defensor público para a sessão de julgamento do recurso: STJ, 5ª T., HC 99.372/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 3/6/2008, DJe 1º/9/2008.

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Todavia, hoje não mais existe a obrigatoriedade da presença física do réu para o julgamento plenário, conforme prevê o art. 457, caput, do CPP, com a redação dada pela Lei n° 11.689/2008. Assim, se o réu for intimado e não comparecer, o julgamento ocorrerá e não haverá qualquer nulidade.

h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei;

Como mencionado, não existe mais libelo e contraditoriedade ao libelo, mas apenas vista para arrolar testemunhas, conforme art. 422 do CPP. A testemunha pode ser arrolada normalmente ou pode ser arrolada com a “cláusula de impres-cindibilidade”, conforme art. 461. Nesta situação, se a testemunha foi intimada, o juiz poderá ou determinar sua condução coercitiva ou adiar o julgamento; caso a testemunha não tenha sido localizada no endereço indicado, tal fato não ensejará o adiamento do ato. Se a parte arrola uma testemunha e não é sequer expedido o mandado de intimação desta testemunha, haverá nulidade na realização do julga-mento por cerceamento ao direito de ação ou de defesa.

i) a presença de pelo menos 15 (quinze) jurados para a constituição do júri;Gera nulidade absoluta.

j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua inco-municabilidade;

Segundo o art. 467, deverão ser sorteados ao menos sete jurados para comporem o conselho de sentença. A realização de julgamento com menos de sete jurados gera nulidade absoluta.

Estabelece a Súmula n° 206 do STF “É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo”.

A incomunicabilidade dos jurados está prevista no art. 466 e abrange a impossi-bilidade de os jurados comentarem entre si ou com outras pessoas o fato submetido a julgamento durante este. Não abrange proibição de conversas sobre outros fatos ordinários sem relação com o julgamento. Ela é atestada pelo Ofi cial de Justiça que acompanha o julgamento.

k) os quesitos e as respectivas respostas;Súmula nº 162, STF: “É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando

os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes”.Todavia, há precedente mais recente do STF entendendo que a inversão da

ordem dos quesitos gera nulidade relativa, dependendo de oportuna impugnação e demonstração do prejuízo.24

As regras sobre os quesitos estão previstas nos arts. 482 a 491. Agora, materia-lidade e autoria são formulados em quesitos separados e, em seguida, há um quesito

24 STF, 2ª T., HC 83.107/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 19/8/2003, DJ 11/3/2005, p. 43, RT v. 94, 836:448-454.

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genérico consistente em indagar “O jurado absolve o acusado?” que sintetiza todas as teses de defesa. Após, são quesitadas as causas de diminuição de pena, quali-fi cadores e causas de aumento de pena. Também haverá quesito específi co sobre a tentativa ou desclassifi cação, se sustentadas estas teses, após o segundo quesito.

Segundo o STF, a eventual inversão na ordem de realização dos quesitos gera nulidade relativa, ou seja, se a parte não protestou tempestivamente e demonstrou se prejuízo ocorrerá sua preclusão.25

l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento;Se o membro do Ministério Público faltar à sessão de julgamento, o ato deverá

ser necessariamente adiado (art. 455), comunicando-se à Corregedoria deste órgão. É inadmissível designação de promotor ad hoc.

Caso o advogado de defesa falte, sem escusa legítima, o fato será comunicado à seccional da OAB, para eventual punição disciplinar, e o juiz já comunicará a Defensoria Pública da data designada, de forma que, caso o advogado falte nova-mente, a Defensoria Pública assumirá a defesa do réu, realizando-se o julgamento (art. 456).

m) a sentença;A ausência de qualquer das partes da sentença gera sua invalidade: relatório,

fundamentação e dispositivo. No juizado especial criminal, dispensa-se o relatório na sentença de primeiro grau e, caso a Turma Recursal confi rme a sentença, também é dispensada a fundamentação no acórdão.

A sentença proferida por quem não é juiz é um ato inexistente.Segundo o STJ, é nula a sentença que não obedece o critério trifásico de apli-

cação da pena.26

n) o recurso de ofício, nos casos em que a lei o tenha estabelecido;A lei exige o recurso de ofício em dois casos: decisão concessiva de habeas

corpus (CPP, art. 574, I) e na concessão de reabilitação criminal (CPP, art. 746). Antigamente, havia previsão deste “recurso” na hipótese de absolvição sumária nos processos de competência do Tribunal do Júri (CPP, art. 574, II c/c antigo art. 411); todavia, a Lei n° 11.689/2008, ao disciplinar a absolvição sumária, não previu este instituto, de forma que a referência constante do art. 574, II, fi cou truncada e tacitamente revogada.

Entende-se que a certidão de trânsito em julgado na ausência do recurso ex offi cio, quando este era necessário, é um ato inexistente.

o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso;

25 STF, 2ª T., HC 83.107/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 19/8/2003, DJ 11/3/2005, p. 43, RT v. 94, 836:448-454.26 STJ, 5ª T., REsp 564.858/RO, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 8/5/2008, DJe 23/6/2008. STJ, 6ª T., HC

50.433/PB, rel. Ministro Paulo Medina, j. 29/6/2006, DJ 14/8/2006, p. 336.

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Enquanto a parte não é intimada de um ato processual, não ocorre a preclusão da questão para a mesma.

p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento;

A disposição aplica-se para todos os tribunais.Segundo o art. 41-A da Lei n° 8.038/1990, o quorum para julgamento nas tur-

mas do STJ é de maioria absoluta, ou seja, são necessários ao menos três Ministros concordando para prolação da decisão. Se houve apenas dois votos concordantes, o julgamento deverá ser suspenso para se convocar Ministro de outra sessão para desempatar o julgamento.

Entende o STJ que, caso o órgão fracionário do Tribunal seja composto por uma maioria de juízes convocados, haverá nulidade por ofensa ao princípio do juiz natural.27

Há entedimento do STJ no sentido de que, a não observância do rito do contra-ditório prévio nos crimes de tráfi co de drogas (antes da reforma deste tema pela Lei n° 11.719/2008, que alterou o art. 394, § 4º, do CPP) gerava nulidade absoluta.28

q) por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.Lembre-se de que, se o ato atingir sua fi nalidade, não haverá a declaração de

nulidade (CPP, art. 572, I).

Parágrafo único. Ocorrerá ainda a nulidade, por defi ciência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre elas.

Súmula nº 156 do STF: “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório”.

LEGISLAÇÃO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

LIVRO IIIDAS NULIDADES E DOS RECURSOS EM GERAL

TÍTULO IDAS NULIDADES

Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

27 STJ, 5ª T., HC 98.796/SP, rel. Ministra Laurita Vaz, j. 8/5/2008, DJe 2/6/2008.28 STJ, 6ª T., AgRg no HC 79.460/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 12/8/2008, DJe 8/9/2008.

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Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;II – por ilegitimidade de parte;III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contraven ções

penais, a portaria ou o auto de prisão em fl agrante;b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o

disposto no art. 167;c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de

curador ao menor de 21 (vinte e um) anos;d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele

intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando pre sente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri;

g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia;

h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei;

i) a presença pelo menos de 15 (quinze) jurados para a constituição do júri;j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua inco-

municabilidade;k) os quesitos e as respectivas respostas;l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento;m) a sentença;n) o recurso de ofício, nos casos em que a lei o tenha estabelecido;o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sen tenças e

despachos de que caiba recurso;p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal

para o julgamento;IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.Parágrafo único. Ocorrerá ainda a nulidade, por defi ciência dos quesitos ou

das suas respostas, e contradição entre estas.Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa,

ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver infl uído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.

Art. 568. A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratifi cação dos atos processuais.

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Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em fl agrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença fi nal.

Art. 570. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notifi cação estará sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fi m de argüi-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte.

Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas:I – as da instrução criminal dos processos da competência do júri, nos prazos

a que se refere o art. 406;II – as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e

dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e VII do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500;

III – as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verifi cadas depois desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes;

IV – as do processo regulado no Capítulo VII do Título II do Livro II, logo depois de aberta a audiência;

V – as ocorridas posteriormente à pronúncia, logo depois de anunciado o jul-gamento e apregoadas as partes (art. 447);

VI – as de instrução criminal dos processos de competência do Supremo Tribu-nal Federal e dos Tribunais de Apelação, nos prazos a que se refere o art. 500;

VII – se verifi cadas após a decisão da primeira instância, nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes;

VIII – as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.

Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:

I – se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior;

II – se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fi m;III – se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos

anteriores, serão renovados ou retifi cados.§ 1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele

diretamente dependam ou sejam conseqüência.§ 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende.

PRISÃO PREVENTIVA

Circunstâncias (periculum in mora)

1) Assegurar a aplicação da lei penal. Possibilidade concreta de fuga do agente pela ausência de raízes no distrito da culpa, como a ausência de residência fi xa, ocupação lícita ou, ainda, indícios de que estaria planejando fugir (ex.:

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compra de bilhete de viagem para o exterior). Simples revelia decorrente da citação por edital (CPP, art. 366, caput) não justifi ca a prisão preventiva, sendo necessária fundamentação relativa a uma das hipóteses de cabimento da medida29. Há precedente do STF no sentido de que, especifi camente no Júri, a revelia autoriza a decretação da prisão preventiva para garantia da instrução criminal. Nessa situação, provavelmente infl uenciou a decisão do STF o fato de ser imprescindível a intimação pessoal do acusado da deci-são de pronúncia para o prosseguimento do feito, sob pena de paralisação do processo (antigo art. 413 do CPP30). Todavia, o novo art. 420 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.689/2008, não mais exige a intimação pessoal da sentença de pronúncia. Segundo o STF, a sucessiva mudança de endereços pelo réu é indicativa da intenção de furtar-se à justiça e justifi ca a decretação da prisão preventiva com fundamento na garantia de aplicação da lei penal31.

Prazo da Prisão Preventiva

O CPP não prevê prazo de duração da prisão preventiva. As únicas exceções são o art. 8º da Lei nº 9.034/1995, que trata das organizações criminosas e prevê o prazo de 81 dias para o encerramento da instrução criminal quando preso é acusado, e o art. 412, introduzido pela Lei nº 11.689/2008, que estabelece que a instrução preliminar no procedimento dos crimes dolosos contra a vida deve encerrar-se no prazo de 90 dias (que, em nosso entendimento, conta-se a partir do recebimento da denúncia, quando se inicia o procedimento ali regulamentado).

Antes da reforma do procedimento ordinário, a doutrina e a jurisprudência construíram o entendimento de que prisão preventiva, para este procedimento, deveria ter o prazo máximo de 81 dias, que corresponde ao somatório de todos os prazos do procedimento ordinário. Assim, se o réu está preso, deveria haver o cumprimento dos prazos ordinários.

Antes da reforma da Lei nº 11.719/2008, eram os seguintes prazos que ense-javam a construção dos 81 dias:

Inquérito: 10 dias – art. 10 do CPP.Denúncia: 5 dias – art. 46 do CPP.Defesa Prévia: 3 dias – art. 395 do CPP.Inquirição de testemunhas: 20 dias – art. 401 do CPP.Requerimento de diligências: 2 dias – art. 499 do CPP.Prazo para despacho e realização das diligências requeridas: 10 dias – arts. 499,

800, II, e seu § 3º, todos do CPP.

29 STF, HC nº 80.805/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 21/8/2001, 1ª T.30 STF, 2. T., HC nº 86.751, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 6/12/2005.31 STF, HC nº 84.202-SP, rel. Min. Carlos Britto, Inf. nº 373, DJU 2/9/2005; no mesmo sentido: STF, 1. T., HC

nº 84.202/SP, rel. Min. Carlos Britto, j. 7/12/2004, Inf. nº 373.

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Alegações das partes: 6 dias – art. 500 do CPP.Diligências ex offi cio: 5 dias – art. 502 do CPP.Sentença: 20 dias – art. 800, I, e seu § 3º, do CPP.

Com a reforma do procedimento ordinário, os novos prazos são os seguintes:Inquérito: réu preso 10 dias, réu solto 30 dias (art. 10).Denúncia: réu preso 5 dias, réu solto 15 dias (art. 46).Decisão de recebimento da denúncia: 5 dias (art. 800, II).Diligências cartorárias pelo escrivão: 2 dias (art. 799).Resposta à acusação: 10 dias (art. 396).Designação da audiência de instrução: 60 dias após recebimento da denúncia

(art. 400).Requerimento de diligências complementares: oral (art. 402).Prazo para realização das diligências complementares: não previsto.Alegações fi nais: oral (20 min. + 10 min.) ou escrita (5 dias) (art. 403).Sentença: 10 dias (art. 403, § 3º, e art. 404, parágrafo único). Admite-se dupli-

cação por motivo justo (art. 800, I e § 3º).

Agora, com este novo procedimento ordinário, entendemos que o prazo máximo para conclusão do processo será de 95 dias (10 dias para IP, 5 dias para denúncia, 60 dias do recebimento da denúncia até a audiência de instrução, 5 + 5 dias para alegações fi nais escritas e 10 dias para sentença), se não houver requerimento de diligências complementares. Se considerado apenas o prazo de conclusão da instru-ção criminal, será de 75 dias (10 + 5 + 60). Havendo requerimento de diligências complementares, ainda deverá haver acréscimo razoável nesse prazo. Nesse prazo, não estão incluídos os trâmites burocráticos de vista dos autos ao Ministério Pú-blico, o ato de recebimento da denúncia e trâmites para intimação às partes para apresentarem alegações fi nais escritas. De qualquer sorte, a análise desse prazo deve ser feita com razoabilidade.

O antigo prazo de 81 dias, em sua construção, conforme demonstrado ante-riormente, vai da prisão no inquérito até a sentença condenatória. Todavia, após a construção desse prazo, passou-se a entender que o prazo de 81 dias deveria ser considerado até o encerramento da instrução criminal (Súmula nº 52 do STJ), entendida como encerramento da oitiva das testemunhas de acusação. Posterior-mente, o STF passou a entender que o prazo de 81 dias para o término da instrução criminal não é absoluto, podendo ser dilatado à mercê da complexidade dos autos e da quantidade de réus envolvidos no fato delituoso (STF, HC nº 92.483/PE, rel. Min. Eros Grau, 27/11/2007). No mesmo sentido, entende o STJ que “O excesso de prazo, segundo pacífi co magistério jurisprudencial desta Corte, deve ser aferido dentro dos limites da razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais que venham a retardar a instrução criminal, não se restringindo à mera soma aritmética dos prazos processuais”32.

32 STJ, Pet 3.930/CE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/9/2007, DJ 22/10/2007 p. 312.

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Também se considera que o prazo deve ser considerado de forma global, não acarretando excesso de prazo a violação pontual de um dos prazos, pois seria possível a recuperação do tempo nas etapas seguintes do procedimento. Caso haja excesso desarrazoado de prazo na prisão, será cabível o habeas corpus para impugnar a ilegalidade. Nesses casos de excesso de prazo, normalmente o princípio da isonomia impõe que, se for reconhecido excesso de prazo para um dos réus, essa decisão deve ser estendida aos co-réus, por força do efeito extensivo dos recursos previstos no art. 580 do CPP. Segundo o STF, essa cautelar deverá ser revogada mesmo no caso de excesso de prazo para acusado em prisão domiciliar preventiva (STF, 2. T., HC nº 88.018/ES, rel. Min. Eros Grau, j. 5/9/2006, Inf. 439).

PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL RECORRÍVEL E PRISÃO DECOR-RENTE DE PRONÚNCIA

Dispunha a antiga redação do art. 594 do CPP que o réu apenas apelaria em liberdade se fosse primário e de bons antecedentes, criando uma espécie de prisão automática decorrente da prolação de sentença condenatória.

No mesmo sentido, previa o antigo art. 408, § 1º, que, no caso de pronúncia, o juiz deveria determinar a prisão do réu.

Ambos os artigos estão hoje revogados, o primeiro pela Lei nº 11.719/2008 (lei que alterou o procedimento ordinário e sumário) e o segundo pela Lei nº 11.689/2008 (lei que alterou o procedimento do Júri).

Agora, o juiz poderá decretar a prisão preventiva, quando da prolação de sentença condenatória ou pronúncia. Todavia, deverá fundamentar de forma con-creta em uma das hipóteses de cabimento previstas no art. 312. A ausência dessa fundamentação concreta é causa de vício sanável mediante habeas corpus, pois o princípio constitucional da presunção de inocência não compactua com prisões processuais obrigatórias.

Antes desta reforma processual, os Tribunais Superiores já entendiam que era inadmissível prisão obrigatória, devendo haver fundamentação em uma das hipó-teses de cabimento da prisão preventiva, haja vista o caráter sempre cautelar que legitima as prisões provisórias.

OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES PENAIS ALTERNATIVAS À PRISÃO E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA

Atualmente, o sistema penal vive uma bipolaridade no sistema cautelar que oscila entre dois extremos: prisão preventiva e liberdade provisória. O sistema trabalha na lógica do tudo ou nada, não existindo muitas medidas intermediárias e efi cientes para suprir a lacuna. Na prisão preventiva, há a restrição do bem mais relevante à pessoa humana, que é sua liberdade. Já a liberdade provisória é um in-stituto jurídico totalmente deformado pelas sucessivas reformas processuais, tendo a fi ança, por exemplo, perdido toda a lógica no sistema atual, pois, na prática, apenas é concedida pelo delegado logo após a prisão em fl agrante, para que o autuado não aguarde até seu pedido ser examinado pelo juiz (que concederá liberdade provisória

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sem fi ança, se os requisitos da prisão preventiva não estiverem presentes). Em muitas situações. o juiz decreta a prisão preventiva por falta de outra medida menos grave e tão efetiva quanto – o que parece inconstitucional por violação ao princípio da proporcionalidade, em seu sub-princípio necessidade. Em outras situações, o juiz não decreta qualquer cautela, por ausência de previsão legal, deixando desprotegido o objeto do processo.

Hodiernamente, podemos indicar como medidas cautelares penais, além da prisão processual, as seguintes medidas: assecuratórias de seqüestro, hipoteca le-gal e arresto, suspensão do exercício do cargo público (para prefeitos, vereadores e autoridades sujeitas a foro por prerrogativa de função), suspensão provisória da habilitação, programa de proteção de testemunhas, afastamento compulsório do lar previsto na Lei nº 9.099/1995 e as medidas protetivas de urgência à mulher vítima de violência doméstica previstas na Lei Maria da Penha.

As medidas assecuratórias de seqüestro, hipoteca legal e arresto, previstas nos arts. 125 a 144 do CPP, são formas de medidas cautelares, todavia não direcionadas à proteção da prova ou à efetividade dos efeitos da pena (proteção à ordem pública), mas tão somente assegurar a efetividade de um dos efeitos da sentença penal, que é tornar certa a obrigação de reparar o prejuízo (agora com novo art. 387, IV, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, o juiz deve fi xar um valor mínimo de indenização à vítima) a perda do proveito do crime, bem como o confi sco dos instrumentos do crime no caso específi co de tráfi co de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 60-64).

Existem algumas poucas outras medidas cautelares previstas em leis especiais.

O art. 2º, II, do DL nº 201/1967, permite o afastamento cautelar do cargo do prefeito ou vereador acusados dos crimes de responsabilidade previstos na lei respectiva. O art. 236 do RISTF, de forma semelhante, permite a decretação da suspensão do mandato do parlamentar que responde a ação penal originária perante o STF, mediante requerimento do Producrador-Gerral da República. O STJ também possui precedente admitindo pedido de afastamento das funções de Governador de estado. Já se decidiu: “A gravidade do fato justifi ca o afastamento do exercício das funções do seu cargo, sem prejuízo da remuneração e vantagens, até o julgamento definitivo”. Estas são medidas cautelares destinadas a proteger a ordem pública, evitando a reiteração da conduta pelo ocupante do cargo público.

O art. 294 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503/1997) prevê uma medida cautelar de suspensão provisória da habilitação, destinada à proteção da ordem pública (evitar a reiteração da infração penal). Conferir:

Art. 294. Em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda me-diante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção.

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Parágrafo único. Da decisão que decretar a suspensão ou a medida cautelar, ou da que indeferir o requerimento do Ministério Público, caberá recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo.

A Lei nº 9.807/1999 prevê o programa de proteção a testemunhas, vítimas e réus colaboradores, prevendo em seu art. 7º várias medidas de proteção às testemunhas. Considerando que a testemunha servirá como meio de prova no processo, trata-se de uma forma de cautelar para proteção da instrução criminal.

O parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/1995, introduzido pela Lei nº 10.455/2002, prevê a possibilidade de afastamento do lar em caso de violência doméstica (dispositivo ainda aplicável para as hipótese de vítima homem, por exemplo, de criança ou idoso).

Entretanto, sem dúvidas, o exemplo de medida cautelar alternativa à prisão mais emblemático que temos hoje são as medidas protetivas de urgência à mulher.

COMUNICAÇÕES PROCESSUAIS

CITAÇÃO

Uma exceção parcial a esta regra da certeza da citação pessoal é a citação por hora certa, introduzida pela Lei nº 11.719/2008, ao dar nova redação ao art. 362. Neste caso, verifi cando o ofi cial de justiça que o réu se oculta para ser citado em três diligências, marcará horário para o dia seguinte com familiar ou vizinho do réu; no dia seguinte, não estando presente o réu, dá-lo-á por citado. Esta previsão consiste na vedação ao abuso de direito da defesa, presumindo-se na circunstância que o réu efetivamente tomou conhecimento da imputação.

Revelia

Antigamente, a revelia decorrente do não comparecimento ocorrida na ausência do réu à audiência de interrogatório era o primeiro ato do processo. Agora, com a reforma nos procedimento realizada pela Lei nº 11.719/2008, o primeiro ato do processo com a presença do réu será já a audiência una de instrução. Considerando que, ao ser citado, o réu já será intimado para esta audiência, caso ele não compa-reça à audiência de instrução haverá sua revelia. Se eventualmente ele comparecer à audiência e, por algum motivo houver necessidade de nova audiência para ouvir uma testemunha ausente, e o réu, devidamente intimado, não comparecer à nova audiência, haverá também a revelia.

Formas de Citação

Citação por mandadoA citação pode ser realizada em qualquer dia e hora. Pode até mesmo ser

realizada em outro endereço que não constante do mandado, caso o ofi cial tenha

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acesso a tal informação. Todavia, segundo entendimento jurisprudencial, não pode ser realizada a citação ao doente grave, aos noivos nos três primeiros dias de bodas, durante realização de culto religioso ou ao parente do morto nos sete dias seguintes ao falecimento. Antes da reforma do procedimento ordinário realizada pela Lei nº 11.719/2008, entendia-se que não era válida a citação sem um intervalo mínimo de 24 horas para o interrogatório, de forma a viabilizar o prévio conhecimento da imputação e a preparação da defesa. Todavia, agora, após a citação, haverá prazo para apresentação de resposta à acusação (dez dias) e o réu será intimado para audiência una de instrução, com o interrogatório ao fi nal dela. O direito de entre-vista prévia com advogado está expressamente previsto no art. 185, § 2º, do CPP, na nova redação dada pela Lei nº 10.792/2003.

Citação ficta

Atualmente, há duas hipóteses de citação fi cta no processo penal: a citação por hora certa e a citação por edital.

1) Citação por hora certaEsta espécie de citação foi introduzida pela Lei nº 11.719/2008, que deu nova

redação ao art. 362. Este novo artigo determina a aplicação das regras dos arts. 227 a 229 do CPC, na hipótese de o réu se ocultar à diligência. A alteração é bem vinda, pois em muitas situações o réu se ocultava para não ser citado e acabava benefi ciado com a citação por edital com posterior suspensão do processo prevista no art. 366.

Nesta hipótese de citação, caso o ofi cial de justiça vá três vezes à residência do réu, sem o encontrar, caso tenha suspeitas concretas de que o réu se oculta para não ser citado, deverá intimar qualquer pessoa da família, ou em sua falta qualquer vizinho, informando que no dia imediato, em horário designado, vol-tará para realizar a citação do réu. No dia e hora designados, o ofi cial de justiça retornará e, se encontrar o réu, poderá realizar sua citação pessoal. Todavia, caso, novamente, o réu não esteja em casa, o ofi cial de justiça certifi cará novamente o motivo de sua ausência, deixará cópia da contrafé com pessoa da família ou vizinho, anotando-lhe o nome, e dará o réu por citado. O STJ admite, por exemplo, a entrega da contrafé ao porteiro33. Posteriormente, o escrivão encaminhará, ao réu, carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe ciência das diligências. A ausência de encaminhamento desta correspondência pelo escrivão é causa de nulidade da citação por hora certa34.

Feito este procedimento, o réu será dado como citado. Caso não apresente a resposta à acusação no prazo legal, o juiz nomear-lhe-á defensor dativo e, se ele não comparecer à audiência de instrução designada, será declarado revel.

De qualquer sorte, comparecendo o acusado, será suprida qualquer eventual nulidade na citação por hora certa.33 STJ, REsp 647.201/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 5/10/2004, DJ

17/12/2004 p. 578.34 STJ, REsp 687.115/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/6/2007, DJ

1º/8/2007 p. 457.

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O art. 9º, II, do CPC, estabelece que o juiz dará curador especial ao réu revel citado por hora certa. Entendemos que a aplicação deste dispositivo é desnecessária no processo penal, pois sempre o réu deverá ser assistido por defensor técnico e, no caso do réu citado por hora certa que não comparece ao processo, este sempre deve receber um defensor dativo, que supre as vezes do curador especial com maior atuação.

Considerando que, no processo penal estão em jogo os valores mais caros ao ser humano, como o direito fundamental à liberdade, parece-nos que deve o juiz analisar com extremo cuidado se a situação fática efetivamente demonstra que o réu estava se furtando do ofi cial de justiça e se a comunicação deixada possibilita-ria sua tomada de conhecimento do chamamento ao processo. Caso haja efetivas dúvidas sobre a situação, a dúvida deve benefi ciar a defesa. Por outro lado, estando comprovada a má-fé do réu em furtar-se à diligência, sabendo que estava sendo procurado pelo ofi cial de justiça, deverá ser aplicado o instituto da citação fi cta, presumindo-se que o réu tomou conhecimento da acusação. A citação por hora certa é uma forma de vedação ao abuso de direito.

2) Citação por editalTambém chamada de citação presumida, é adotada excepcionalmente como

meio de comunicação processual e somente será utilizada quando restar impos-sibilitada a citação real ou não for o caso de aplicação da citação por hora certa. É feita por intermédio de editais. Chama-se presumida pelo fato de haver uma presunção de que o réu procedeu à leitura do edital, não comportando alegação de que não o tenha lido.

Antigamente, havia quatro hipóteses de citação por edital: réu não localizado, réu incerto, réu em local inacessível e réu que se oculta. Agora, apenas há uma hipótese: réu não localizado. Como visto, esta última hipótese de ocultação gera a citação por hora certa. A situação de réu com identidade incerta é de mínima aplica-ção prática, pois o art. 41 exige a qualifi cação do acusado ou informações mínimas que permitam sua identifi cação. Assim, não é possível oferecer denúncia sem uma identifi cação mínima do réu. Por exemplo, não é possível oferecer denúncia contra a pessoa portadora de determinada impressão digital sem haver a menor idéia de quem seja o autor daquela impressão digital. Caso haja sinais característicos mínimos que permitam a individualização do réu e este não seja localizado, haverá a citação por edital. A situação de réu em local inacessível também se equipara à situação de réu não localizado, que admite a citação por edital. Dessa maneira, com a reforma, simplifi ca-se a lógica do procedimento.

Antes da determinação da citação por edital, devem ser realizadas as diligências possíveis para localizar o réu (v.g., notifi cação ao TRE, consulta à receita federal etc.). Atualmente, há difi culdades para que as concessionárias de telefonia, eletri-cidade, ou abastecimento de água prestem as informações, pois foram privatizadas e muitas não organizam seus dados de forma a estruturar um serviço de rápida consulta. Conferir decisão do STJ sobre o tema:

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HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. REVELIA. NULIDADE. NÃO ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA A LOCALIZAÇÃO DO ACUSADO. ORDEM CONCEDIDA.1 – Pacífi co o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que devem ser esgotadas as diligências possíveis para a localização do réu antes de se determinar a citação por edital.2 – Habeas corpus concedido para declarar a nulidade do processo a partir da citação por edital, inclusive.(HC 49.348/MG, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 20/8/2007 p. 307)

Também ver as Súmulas do STF:Súmula nº 351: “É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da

Federação em que o juiz exerce a sua jurisdição”. Súmula nº 366: “Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da

lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia”.

O edital será publicado com prazo de 15 dias (art. 361). A contagem do prazo do edital é de direito processual, ou seja, exclui-se o dia da publicação, iniciando-se a contagem no primeiro dia útil subsequente.

Os requisitos intrínsecos do edital vêm especifi cados no art. 365, caput, do CPP.

Os requisitos extrínsecos do edital constam do parágrafo único do art. 365, CPP, e são os seguintes:

– Publicação: apenas no diário ofi cial, se houver na comarca. No CPP não se exige publicação em jornal de grande circulação na cidade, diferentemente da regra do CPC.

– Afi xação: na sede do juízo. Segundo o STJ, sua ausência dá causa à nulidade relativa.

– Certifi cação: pelo funcionário que afi xou o edital na sede do juízo; a publi-cação é comprovada mediante cópia do jornal ou certidão do escrivão.

Em nosso entendimento, após a reforma processual da Lei nº 11.719/2008, o juiz deverá citar o réu por edital para uma “audiência de comparecimento ao processo”. Isso porque não há em lógica em intimar por edital já designando a audiência de instrução e julgamento, para a qual deverá haver intimação de todas as testemunhas, já que, normalmente, nas citações por edital o réu não comparece ao chamamento. Também não é necessário intimar o réu para apresentar resposta à acusação, pois o art. 396, parágrafo único, dispõe expressamente que o prazo da resposta à acusa-ção em caso de citação por edital apenas se inicia após o comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. Assim, como não pode ser designada a audiência de instrução antes da resposta à acusação (que arrola as testemunhas de

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defesa), no edital deverá constar apenas a necessidade de comparecimento a juízo em dia e hora designados, observando-se entre a publicação e o dia designados o intervalo mínimo de 15 dias.

A suspensão do processo prevista no art. 366No caso de citação por edital de réu não localizado, considera-se citado o réu

com o transcurso do prazo de publicidade do edital, que é de 15 dias. Caso o réu não esteja presente à “audiência de comparecimento ao processo” nem contrate advogado para comparecer ao processo em seu nome, o juiz deverá suspender o processo e o curso do prazo prescricional (art. 366 do CPP, na redação da Lei nº 9.271/1996).

Caso o réu compareça ao processo, este prosseguirá nos termos do art. 394 e seguintes, conforme determina o art. 365, § 4º. Neste caso, o juiz deve dar nova oportunidade ao réu, para apresentar sua resposta à acusação, prevista no art. 396, já o intimando para a audiência de instrução designada.

Assim, não se decreta a revelia do réu quando este, citado por edital, não comparece nem constitui advogado. Para os crimes cometidos antes da vigência dessa Lei que alterou o art. 366 (17/6/1996), entendem o STF e o STJ que deve ser decretada a revelia, por considerar que a suspensão do prazo prescricional seria mais gravosa ao acusado, não podendo retroagir. Segundo entendimento doutrinário, o prazo da suspensão do processo será o mesmo do prazo prescricional. Dessa forma, ao término do período de suspensão correspondente ao prazo prescricional, o prazo prescricional efetivo voltaria a fl uir. Ex.: caso um delito prescreva em quatro anos, deveria ocorrer a suspensão do processo por quatro anos e, em seguida, continuaria a fl uir até completar os quatro anos, quando, fi nalmente, ocorreria a prescrição. A justifi cativa é que o processo não poderia fi car eternamente suspenso.

A suspensão da prescrição não é automática, devendo haver uma decisão judicial determinando-a explicitamente. O marco inicial para a suspensão da prescrição é a data da decisão judicial que a determina. O marco fi nal ocorre com a localização e citação pessoal do acusado, ou com o implemento do prazo máximo da suspensão (que, segundo o entendimento do STJ, é o mesmo do prazo prescricional).

Ver decisão do STJ sobre a suspensão do processo constante no art. 366 do CPP:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÂNSITO. CITAÇÃO EDITALÍCIA. RÉU QUE NÃO COMPARECEU À AUDI-ÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. ART. 366 DO CPP. RETOMADA DO PRAZO PRESCRICIONAL E DO CURSO DO PROCESSO, UMA VEZ ULTRAPASSADO O LIMITE PREVISTO NO ART. 109 DO CÓDIGO PENAL. PRETENDIDA PERMANÊNCIA DA SUSPENSÃO DO PRO-CESSO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.1. Conforme pacífi co magistério desta Corte, o período de suspensão do prazo prescricional, decorrente da aplicação do art. 366 do Código de Pro-

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cesso Penal, é regulado pela norma do art. 109 do Código Penal, observado o máximo da pena cominada para a infração penal.2. Por sua vez, “A suspensão do processo, prevista no art. 366 do CPP, com alteração da Lei nº 9.271/1996, só pode ser aplicada em conjunto a suspensão do prazo prescricional. Vedada, pois, a cisão” (RHC nº 17.751/MG, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 1º/8/2006).3. Ordem denegada. (STJ, HC nº 48.732/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 16/8/2007, DJ 1/10/2007 p. 303)

Todavia, o STF possui decisão isolada no sentido de que a suspensão do processo do art. 366 do CPP não se limita pelo máximo da prescrição, mas dura sem limite, em uma situação que se assemelharia a uma imprescritibilidade. Conferir:

A Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Minis-tério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça local que mantivera decisão que, ao declarar a revelia do ora recorrido (CPP, art. 366), suspendera o curso do processo, mas limitara a suspensão do prazo prescricional ao da prescrição em abstrato do fato delituoso. Inicialmente, afastou-se a alegação de ofensa ao art. 97 da CF, no sentido de que a interpretação dada pela Corte a quo ao citado art. 366 do CPP consubstanciar-se-ia em uma espécie de controle de constitucio-nalidade. Asseverou-se, no ponto, que no controle difuso, a interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifi ca com a declaração de inconstitucionali-dade prevista naquele dispositivo constitucional. No tocante à suspensão da prescrição, entendeu-se que a Constituição não veda que seu prazo seja indeterminado, uma vez que não se constitui em hipótese de imprescri-tibilidade e a retomada do curso da prescrição fi ca apenas condicionada a evento futuro e incerto. Além disso, aduziu-se que a Constituição se restringe a enumerar os crimes sujeitos à imprescritibilidade (CF, art. 5º, XLII e XLIV), sem proibir, em tese, que lei ordinária crie outros casos. Por fi m, considerou-se inadmissível sujeitar-se o período de suspensão de que trata o art. 366 do CPP ao tempo da prescrição em abstrato, visto que, do contrário, haveria em verdade uma causa de interrupção e não de suspensão. RE provido para determinar a suspensão da prescrição por prazo indeterminado. Precedente citado: Ext 1.042/Governo de Portugal (j. em 19/12/2006). (STF, RE nº 460.971/RS, Informativo nº 456, de 12 a 23/2/2006)

Em nosso entendimento, essa decisão isolada do STF criou uma situação prática de imprescritibilidade: bastarão a citação por edital e a decisão de sus-pensão do processo para que a prescrição punitiva possa ser realizada sine die. Se uma pessoa cometeu um delito aos 18 anos de idade e houve a suspensão do

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processo, em tese, poderá ser processado novamente se for localizado aos 70 anos de idade. Nessa situação, a fi nalidade do Direito, que é trazer a segurança jurídica à sociedade, não será alcançada, pois muito mais maléfi ca é a incerteza da situação jurídica que a própria não-punição de um delito. A Constituição Federal expressamente enunciou as hipóteses em que há imprescritibilidade, reservando-a para as hipóteses mais severas (análise concreta da proporcionalidade). A nosso ver, a lei ordinária até poderia elencar outras hipóteses de prescrição diferenciada para crimes mais severos (há quem entenda que apenas a Constituição o poderia fazer). Todavia, admitir a imprescritibilidade de forma genérica para todos os delitos, ainda que sejam os mais simples e menos graves, viola fl agrantemente o princípio da proporcionalidade, pois, após um largo período de tempo, a segurança jurídica passa a ter um valor constitucional mais relevante que a própria punição e seu sacrifício para a realização do direito/dever de punir não é proporcional, especialmente para crimes menos graves. Em vista disso, espera-se que essa decisão do STF seja revista.

Excepcionam-se apenas os crimes de lavagem de dinheiro, pois em relação a eles existe dispositivo específi co que determina a não-aplicação da suspensão do art. 366 do CPP (Lei nº 9.613/1998, art. 2º, § 2º). Portanto, em relação aos crimes de lavagem de dinheiro, citado o réu por edital e este não comparecendo, o processo seguirá à revelia do acusado.

É permitida a produção antecipada da prova considerada urgente. Sempre é necessária a nomeação de defensor dativo, nesse caso o Ministério Público obrigatoriamente acompanhará o incidente. Segundo o STF, a prova testemunhal é sempre urgente, dado o risco de esquecimento dos fatos (HC nº 82.157-SP, rel. Min. Gilmar Mendes, Informativo STF nº 291).

Também é permitida a decretação da prisão preventiva. Todavia, a prisão não é automática nem obrigatória, devendo ser hipótese de cabimento, nos termos do art. 312 do CPP.

A Lei nº 11.719/2008 revogou os §§ 1º e 2º do art. 366. A revogação todavia, não altera em nada o pro cedimento.

INTIMAÇÃO

Regras

– Ofendido: a Lei nº 11.690/2008 introduziu a necessidade de intimação à vítima no art. 201, §§ 2º e 3º. Agora, o ofendido deve ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifi que. Sua intimação pode ser realizada em seu endereço ou por meio eletrônico, a pedido do ofendido. Apesar de não estar expresso, entendemos que é admissível a comunicação por corres-pondência.

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Intimação da Sentença de Pronúncia

A intimação da sentença de pronúncia também possui regras especiais, conforme dispõe o art. 420 do CPP:

Art. 420. A intimação da decisão de pronúncia será feita:I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Pú-blico;II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1º do art. 370 deste Código.Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for en-contrado.

Assim, da mesma forma que a sentença, o réu sempre deverá ser intimado da pronúncia, pessoalmente ou por edital. Como o parágrafo único do art. 420 não esclarece qual será o prazo de publicidade deste edital de intimação, entendemos que o juiz deverá fi xar prazo razoável para a publicidade do edital, levando em consideração outras situações semelhantes, como o prazo de 15 dias para a citação por edital ou o prazo de 90 dias para intimação por edital da sentença condenatória com pena igual ou superior a um ano.

Antigamente, apenas era admissível a citação pessoal de crime inafi ançável e, caso o réu não fosse pessoalmente intimado da pronúncia nesta situação, ocorreria a chamada crise de instância, ou seja, o processo fi caria paralisado até sua posterior localização. Esta crise de instância foi revogada com o supracitado art. 420.

SINOPSE

Citação – chamamento ao processo para se defender (1a vez)

Formas: Mandado (ofi cial de justiça) Carta Precatória (juiz – juiz) Carta de Ordem (Tribunal – juiz)Real Carta Rogatória (Brasil – Exterior) Militar – ofício ao chefe Funcionário – mandado + notifi cação ao chefe Preso – mandado + requisição ao presídio (apenas na mesma UF)

Ficta: Edital

Revelia: réu foi citado ou intimado pessoalmente e não comparece ou, no curso no processo, muda de endereço sem prévia comunicação.

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Suspensão do processo (art. 366): réu é citado por edital e não comparece nem constitui advogado.

Intimação – comunicação de atos passadosNotifi cação – comunicação de atos fututos Obs.: distinção meramente doutrinária

LEGISLAÇÃO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

TÍTULO XDAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES

CAPÍTULO IDas Citações

Art. 351. A citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no ter-ritório sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado.

Art. 352. O mandado de citação indicará:I – o nome do juiz;II – o nome do querelante nas ações iniciadas por queixa;III – o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos;IV – a residência do réu, se for conhecida;V – o fi m para que é feita a citação;VI – o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer;VII – a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz.

Nota: Súmula nº 366 do STF: “Não é nula a citação por edital que indica o dispo sitivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia”.

Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz proces-sante, será citado mediante precatória.

Art. 354. A precatória indicará:I – o juiz deprecado e o juiz deprecante;II – a sede da jurisdição de um e de outro;III – o fi m para que é feita a citação, com todas as especifi cações;IV – o juízo do lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer.Art. 355. A precatória será devolvida ao juiz deprecante, independentemente

de traslado, depois de lançado o “cumpra-se” e de feita a citação por mandado do juiz deprecado.

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§ 1º Verifi cado que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, a este remeterá o juiz deprecado os autos para efetivação da diligência, desde que haja tempo para fazer-se a citação.

§ 2º Certifi cado pelo ofi cial de justiça que o réu se oculta para não ser citado, a precatória será imediatamente devolvida, para o fi m previsto no art. 362.

Art. 356. Se houver urgência, a precatória, que conterá em resumo os requi-sitos enumerados no art. 354, poderá ser expedida por via telegráfi ca, depois de reconhecida a fi rma do juiz, o que a estação expedidora mencionará.

Art. 357. São requisitos da citação por mandado:I – leitura do mandado ao citando pelo ofi cial e entrega da contrafé, na qual se

mencionarão o dia e a hora da citação;II – declaração do ofi cial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação

ou recusa.Art. 358. A citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo

serviço.Art. 359. O dia designado para funcionário público comparecer em juízo, como

acusado, será notifi cado assim a ele como ao chefe de sua repartição.Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. (Redação dada pela

Lei nº 10.792, de 1º/12/2003)Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de

quinze dias.

Nota: Súmula nº 351 do STF: “É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce a sua jurisdição”.

Art. 362. Verifi cando que o réu se oculta para não ser citado, o ofi cial de justiça certifi cará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não compa-recer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

I – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).II – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 1º Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital. (Incluído

pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 2º (Vetado) (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 3º (Vetado) (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 4º Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo

observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 364. No caso do artigo anterior, nº I, o prazo será fi xado pelo juiz entre quinze e noventa dias, de acordo com as circunstâncias, e, no caso do nº II, o prazo será de trinta dias.

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Art. 365. O edital de citação indicará:I – o nome do juiz que a determinar;II – o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem

como sua residência e profi ssão, se constarem do processo;III – o fi m para que é feita a citação;IV – o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o réu deverá comparecer;V – o prazo, que será contado do dia da publicação do edital da imprensa, se

houver, ou da sua afi xação.Parágrafo único. O edital será afi xado à porta do edifício onde funcionar o juízo

e será publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afi xação ser certifi cada pelo ofi cial que a tiver feito e a publicação provada por exemplar do jornal ou certidão do escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação.

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituiradvogado, fi carão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

§ 1º (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 2º (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusa do que, citado ou intimado

pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justifi cado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado me-diante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

Art. 369. As citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas mediante carta rogatória. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

CAPÍTULO IIDas Intimações

Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o dispsoto no Capítulo anterior. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

§ 1º A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assis-tente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judi ciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

§ 2º Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a inti-mação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com com-provante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

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§ 3º A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a aplicação a que alude o § 1º. (Incluído pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

§ 4º A intimação do Ministério Publico e do defensor nomeado será pessoal. (Incluído pela Lei nº 9.271, de 17/4/1996)

Art. 371. Será admissível a intimação por despacho na petição em que for requerida, observado o disposto no art. 357.

Art. 372. Adiada, por qualquer motivo, a instrução criminal, o juiz marcará desde logo, na presença das partes e testemunhas, dia e hora para seu prossegui-mento, do que se lavrará termo nos autos.

A Lei nº 11.719/2008, de 20 de junho de 2008, que entrará em vigor em 23 de agosto de 2008, alterou os artigos 362 e 363 do CPP. Dentre as principais inovações, consta a criação da citação por hora certa no processo penal.

SENTENÇA

EMENDATIO LIBELLI

No processo penal, o réu não se defende da tipifi cação de sua conduta contida na inicial acusatória (denúncia ou queixa), mas sim dos fatos que lhe são imputados. Assim, pode ocorrer que o Ministério Público, e.g., narre um fato correto, mas realize a capitulação da conduta de forma equivocada. Exemplo: promotor narra que o acusa do, utilizando uma faca, rapidamente cortou a alça da bolsa da vítima e saiu correndo, subtraindo o bem (furto, pois não houve violência contra a pessoa); todavia, tipifi ca tal conduta como sendo roubo (CP, art. 157).

Nessa hipótese, não existe qualquer vício na acusação, pois o réu está se defen-dendo dos fatos que lhe são imputados, e não da classifi cação do crime contida na denúncia ou queixa. Assim, deve o juiz receber normalmente a peça de acusação, proceder à produção das provas e, caso fi que efetivamente provado o fato narrado na inicial, é permitido ao juiz condenar diretamente o réu, sem necessidade de adi-tamento à denúncia ou de concessão de prazo para a defesa. Independentemente de a condenação ser proferida por um fato mais grave que o constante da tipifi cação ini cial contida na denúncia ou queixa. Assim, dispõe o caput do art. 383 que “o juiz, sem modifi car a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe defi nição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”. A Lei nº 11.719/2008 alterou a antiga redação do dispositivo para explicitar que a emendatio libelli apenas pode ser aplicado sem qualquer alteração dos fatos narrados na acusação inicial.

Trata-se de aplicação do princípio narra mihi factum dabo tibi jus, ou seja, “narra-me os fatos e dar-te-ei o direito”. Ou, ainda, do princípio jura novit curia, ou seja, o juiz conhece o direito (princípio da livre dicção do direito).

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Assim, no exemplo acima narrado, o juiz poderia condenar o réu diretamente pelo delito de furto, mesmo constando da denúncia a tipifi cação da conduta como sendo roubo.

A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau de jurisdição (recurso no tribunal). Todavia, se o recurso é exclusivo da defesa, ou não existe pedido sobre essa questão no recurso da acusação, não pode a nova pena aplicada ser superior à pena da primeira instância, em razão da proibição da reformatio in pejus (CPP, art. 617).

Estabelece o § 1º do art. 383 que, caso o juiz, ao aplicar a emendatio libelli, des-classifi que o crime para outro delito que admite proposta de suspensão condicional do processo, ou seja, com pena mínima não superior a um ano, deverá o juiz abrir vista dos autos ao Ministério Público para que este se manifeste sobre o cabimento de eventual proposta de suspensão condicional do processo, conforme previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/1995. Sendo cabível, deverá o juiz designar audiência específi ca para este fi m.

Caso o crime desclassifi cado em emendatio libelli seja de competência de outro juízo, deverá o juiz encaminhar-lhe os autos. Ex.: promotor oferece denún-cia afi rmando que o réu ameaçou matar seu patrão caso este o demita (sem pedir qualquer vantagem econômica específi ca) e classifi ca esta conduta como extorsão; ao juiz, ao dar a correta classifi cação desta conduta como simples ameaça, deverá declinar a competência para o JEC, por se tratar de infração penal de menor po-tencial ofensivo.

O juiz, ao desclassifi car a conduta para outra de competência de outro juízo, está se afi rmando incompetente para julgar aqueles fatos. Portanto, será cabível recurso em sentido estrito contra esta decisão, CF. art. 581, II. Nas demais situações, o juiz deverá reservar a sentença para dar a correta classifi cação dos fatos, sendo cabível, desta decisão, apelação.

A previsão da emendatio libelli está inserida topicamente no capítulo relativo à sentença. Assim, entende-se que este é o momento adequado para a correção pelo juiz da errônea capitulação legal da denúncia. Todavia, há precedente do STJ entendendo admissível esta correção já no ato de recebimento da denúncia. Conferir:35

Não há vedação a que se altere a capitulação logo no recebimento da exordial, nos casos em que é fl agrante que a conduta descrita não se amolda ao tipo penal indicado na denúncia. Tal possibilidade, acentua-se ainda mais quando o tipo indicado e aquele aparentemente cometido possuem gravidades completamente diversas, com refl exos jurídicos imediatos na defesa no acusado. Nessas hipóteses, é patente o abuso na acusação.

MUTATIO LIBELLI

Caso o fato narrado na denúncia ou queixa não seja provado em juízo, demonstrando-se, todavia, que ocorreu de forma diversa e confi gura outro delito. 35 STJ, CE, Apn .290/PR, rel. Min. Felix Fischer, j. 16/3/2005, DJ 26/9/2005 p. 159.

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É permitida a alteração da imputação acusatória mediante observância das regras da mutatio libelli previstas no art. 384 do CPP

A Lei nº 11.719/2008 alterou a redação do art. 384 para estabelecer que sempre será necessário o aditamento para a mutatio libelli. Antes da reforma, era permitida a mutatio libelli ex offi cio pelo juiz, sem aditamento caso a pena do novo crime fosse igual ou inferior à pena do crime narrado na acusação, apenas abrindo-se vista dos autos à defesa, se manifestar quanto ao novo fato. Já defendíamos em edições anteriores que este procedimento da mutatio libelli sem aditamento era inconsti-tucional, pois, após a Constituição de 1988, toda alteração na acusação deveria ser precedida de aditamento pelo Ministério Público. Isso porque o art. 129, I, da Carta Magna conferiu a iniciativa da ação penal pública com exclusividade ao MP, não podendo o juiz, de ofício, acusar o réu por um crime não narrado na denúncia, violando o sistema acusatório e comprometendo sua imparcialidade. Ademais, em respeito ao princípio da ampla defesa, o réu possui o direito subjetivo público de receber uma acusação formal, com limites claros, para dela se defender. Assim, ou o juiz afi rma que o réu cometeu aquele novo crime e violava sua imparcialidade, ou que existem indícios de nova defi nição de outro crime, impossibilitando uma ampla defesa. Com a reforma processual, o princípio da correlação e da inércia fi cam devidamente respeitados.

O código afi rma que, encerrada a instrução probatória, o aditamento deverá ser realizado no prazo de cinco dias. Entendemos que este prazo é o das alegações fi nais escritas, previstas nos arts. 403, § 3º e 404, parágrafo único. Em caso de debates orais, se o Ministério Público verifi car a possibilidade de nova defi nição jurídica do crime, poderá ofertar denúncia oral, reduzindo-a a termo na ata, ou requerer vista dos autos para apresentar o aditamento em 5 dias.

O Código, implicitamente, admite que o juiz pode provocar o aditamento pelo Ministério Público, pois o § 1º do art. 384 estabelece que, caso o juiz entenda que é cabível aditamento para mutatio libelli e o Ministério Público entenda de forma diversa, não apresentando o aditamento, deverá ser aplicado por analogia o art. 28 do CPP, encaminhando-se os autos ao Procurador-Geral de Justiça para decisão. Portanto, o dispositivo pressupõe que o juiz abriu-lhe vista com esta fi nalidade específi ca de aditar à denúncia. Há quem critique o aditamento motivado pelo juiz, pois esta conduta importaria em violação à sua inércia e imparcialidade, porque demonstraria sua tendência em aceitar acusação diversa, adiantando seu posicio-namento jurídico.

A redação conjugada dos §§ 2º e 4º do art. 384 fi cou truncada, não permitindo uma leitura clara de qual será o procedimento da mutatio libelli após o aditamento. Entendemos que são possíveis quatro correntes de interpretação destes dispositi-vos:

1) Ministério Público oferece aditamento com testemunhas, juiz recebe o aditamento, defesa se manifesta e arrola testemunhas em 5 dias.

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2) Ministério Público oferece aditamento em 5 dias, juiz recebe o aditamento, vista ao Ministério Público para arrolar suas testemunhas em 5 dias, vista a defesa para arrolar suas testemunhas em 5 dias, juiz designa audiência de instrução.

3) Ministério Público oferece o aditamento em 5 dias, vista a defesa para se manifestar sobre o aditamento em 5 dias, juiz recebe o aditamento, vista o Ministério Público para arrolar suas testemunhas em 5 dias, vista a defesa para arrolar suas testemunhas em 5 dias, juiz designa audiência de instrução.

4) Ministério Público oferece aditamento e rol de testemunhas em 5 dias, defesa se manifesta sobre aditamento e já arrola suas testemunhas no prazo de 5 dias, juiz recebe o aditamento e designa audiência de instrução.

As interpretações n° 1 e 2 assemelham-se ao antigo procedimento da mutatio libelli, sendo uma posição mais saudosista que propriamente legal. Estas interpre-tações seriam uma tentativa de interpretação sistemática com a reforma do proce-dimento ordinário, em que não houve previsão de contraditório prévio como regra geral. O problema destas interpretações n° 1 e 2 é que o § 2º é claro ao afi rmar: “Ouvido o defendor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento [...]”. Ou seja, para a mutatio libelli, a reforma processual previu uma espécie de con-traditório anterior ao recebimento da nova acusação. Na verdade, a redação original dos dispositivos da reforma dos procedimentos previa o contraditório prévio para o procedimento ordinário, mas, posteriormente, uma emenda modifi cativa alterou esta previsão para o procedimento ordinário e esqueceu-se de também alterá-la para o procedimento da mutatio libelli. De qualquer sorte, o contraditório prévio para o recebimento do aditamento permanece com alguma lógica, pois nesta situa-ção já haverá uma relação jurídico-processual instaurada, sendo razoável a prévia manifestação da defesa. Lembramos que a alteração do pedido no processo civil também exige prévia manifestação do réu (CPC, art. 264). Todavia, no processo civil exige-se concordância do réu para a alteração do pedido e esta possibilidade está limitada à fase anterior ao saneamento do processo e aqui no processo penal não há estas limitações. Desta forma, excluímos as interpretações n° 1 e 2.

A interpretação n° 3 é a mais literal de todas, pois o § 2º afi rma que haverá contraditório prévio e o § 4º afi rma que após o aditamento “cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias”. Se cada parte pode arrolar testemunhas, o Ministério Público também pode. Todavia, em nosso enten-dimento, esta interpretação é inconstitucional, pois viola o princípio da duração do processo em prazo razoável (CF/1988, art. 5º, LXXVIII), pois estabelece um procedimento desnecessariamente repetitivo e sem ganhos qualitativos de garantias processuais, portanto, muito mais lento e desarrazoado. Por esta interpretação n° 2, o Ministério Público teria dois momentos para se manifestar (aditar e arrolar teste-munhas), quando poderia fazê-lo num mesmo momento, da mesma forma como o faz com acusação inicial (denúncia); ademais, o rol de testemunhas é essencial ao recebimento da nova acusação, pois é ele que demonstra a possibilidade concreta de comprovação da imputação (justa causa). Ademais, também a defesa irá se

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manifestar em duplicidade desnecessariamente. Considerando que os princípios constitucionais devem ser os guias da atividade hermenêutica, entendemos que esta interpretação n° 3 é inconstitucional.

Assim, resta apenas a interpretação n° 4. Por esta interpretação, o Ministério Público deve arrolar suas testemunhas no ato do oferecimento da denúncia. Para tanto, faz-se uma interpretação sistemática com o art. 41, que prevê que a acusação já deve vir acompanhada do rol de testemunhas. Assim, o prazo de 5 dias para o Ministério Público referido no § 4º é o mesmo prazo para oferecimento do adita-mento previsto no caput do art. 384. Da mesma forma, o prazo de 5 dias da defesa para arrolar suas testemunhas é o mesmo prazo de 5 dias previsto no § 2º, relativo à manifestação sobre o aditamento. Com esta interpretação, assegura-se o princípio constitucional da celeridade e duração do processo em prazo razoável, bem como não se cerceia qualquer direito de contraditório das partes, maximizando-se a fi na-lidade do processo que é a justa aplicação do direito.

Considerando a dubiedade de todas estas interpretações, é conveniente que o juiz, ao abrir vista à defesa após o oferecimento do aditamento, já lhe esclareça que esta poderá arrolar até 3 testemunhas, ou seja, que já deverá arrolar suas testemunhas neste momento processual.

Antigamente, não era permitido ao Ministério Público arrolar novas testemu-nhas. Agora o § 4º do art. 384 permite-lhe.

A designação de nova audiência para oitiva de testemunhas depende de reque-rimento das partes, ou seja, de serem arroladas testemunhas. Todavia, considerando que a mutatio libelli importa em uma nova acusação, para se respeitar o princípio da ampla defesa, deverá o juiz designar audiência para realização de novo interrogatório do réu, sob pena de cerceamento da autodefesa. Isso apenas não ocorrerá se o réu e seu advogado subscreverem requerimento para que se dispense a realização do novo interrogatório (aplicando-se por analogia o disposto no art. 457, § 2º, relativo ao procedimento do júri). O defensor sozinho não pode dispor sobre a autodefesa do réu. Contudo, entende o STJ que “não tendo o aditamento à denúncia trazido qualquer fato novo, mas apenas explicitado que os acusados, reciprocamente, apoiavam e davam segurança um ao outro, esclarecendo o que já implicitamente constava na exordial acusatória, desnecessário se faz novo interrogatório”.36

Se com o aditamento o crime passar a admitir suspensão condicional do pro-cesso, o Ministério Público deverá se manifestar sobre sua admissibilidade. Caso o crime aditado seja de competência de outro juízo, a ele deverão os autos ser remetidos.

É admissível a mutatio libelli apenas em relação à ação penal pública, ou à penal privada subsidiária da pública. Portanto, não é admitida na ação penal pri-vada de iniciativa exclusiva da vítima, pois, nesta hipótese, apenas seria possível

36 STJ, RHC 13.107/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 1°/6/2004, DJ 16/8/2004 p. 270.

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aditamento à queixa dentro do prazo decadencial de seis meses, que, normalmente, já se esgotou no momento da sentença.

Registre-se que é admissível a qualquer momento antes do término da instrução aditamento à denúncia pelo Ministério Público, de forma espontânea. Nesta situação, oferecido o aditamento, é de se aplicar o procedimento da mutatio libelli.

Segundo a Súmula nº 453 do STF, é inadmissível a mutatio libelli no segundo grau de jurisdição (em sede de recurso). Portanto, o aditamento pode ser apresentado até a prolação da sentença condenatória.

Antigamente, entendia-se que, recebido o aditamento, o juiz poderia condenar tanto pela acusação inicial quanto pelo aditamento, surgindo situação de imputação alternativa posterior à denúncia. Esta possibilidade está expressamente revogada pela nova redação do § 4º do art. 384, que prevê que, se recebido o aditamento, o juiz fi cará adstrito à nova imputação. Se não recebido o aditamento, o processo prosseguirá (§ 5º). Contra a decisão de rejeição de aditamento à denúncia, por ser este na verdade uma nova denúncia, é cabível recurso em sentido estrito.

Segue o fl uxograma do novo procedimento da mutatio libelli:

Mutatio Libelli

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

Caso o juiz julgue improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, deverá proferir sentença absolutória. Suas hipóteses de cabimento estão previstas no art. 386 do CPP:

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I – estar provada a inexistência do fato. Comprova-se, de forma cabal, que o fato narrado na acusação nunca existiu.

II – não haver prova da existência do fato. Neste caso há insufi ciência de provas quanto à ocorrência ou não do fato criminoso (materialidade). Exemplo: há dúvidas se a vítima perdeu seu bem ou teve o mesmo subtraído.

III – não constituir o fato infração penal. Comprova-se que o fato é atípico.IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal. Esta hi-

pótese de absolvição foi acrescentada pela Lei nº 11.690/2008. Nesta caso, há prova cabal que o réu não participou da infração, e não mera insufi ciência de provas. A absolvição com base neste inciso gera coisa julgada material e impede a rediscussão do tema em eventual ação cível.

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal. A inexistência de provas leva à absolvição. Entende-se que este inciso refere-se à ausência total de provas da participação, pois se houver dúvidas quanto à participação ou não do réu no delito, a absolvição se dará com base no inciso VI. Este inciso difere do anterior pois naquele havia prova cabal que o réu não participou, neste não há provas de sua participação, sem se afastar a possibilidade de ter sido ele o autor.

VI – existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência. Trata o dispositivo das excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do CP (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito) e das excludentes da culpabilidade (inimputabilidade, coação moral irresistível, obediência hierárquica e erro de proibição). É cabível a absolvição se provada a excludente, ou se ela não puder ser afastada e restar dúvida razoável sobre esta excludente. Tratando-se de absolvição com base na inimputabilidade do réu (ex.: doença mental, desenvolvi-mento mental incompleto ou retardado), o juiz aplicará medida de segurança (parágrafo único, I, do art. 386) consistente em internação em hospital de custódia e tratamento, ou em sujeição a tratamento ambulatorial. Trata-se da chamada sentença absolutória imprópria.

VII – não existir prova sufi ciente para a condenação. Nesse caso, existem dúvidas (há provas, mas não concludentes) quanto à autoria do delito, ou quanto à causa excludente da ilicitude ou culpabilidade. Trata-se de aplicação do princípio in dubio pro reo.

Caso a absolvição reconheça, de forma cabal, que o fato não ocorreu (inciso I), ou que o réu efetivamente não participou do fato (inciso IV), nesses casos a decisão absolutória penal fará coisa julgada também no cível, impedindo a ação de indenização. Caso reconheça que o réu agiu em legítima defesa ou estado de necessidade, haverá a absolvição na esfera penal, mas deverá o agente indenizar a vítima dos prejuízos na esfera cível, caso esta não tenha dado causa à situação de perigo, sem prejuízo de eventual ação de regresso contra o terceiro causador da situação de perigo.

Registre-se que o atual art. 397 prevê hipóteses de absolvição sumária, quando, após o oferecimento da denúncia e a resposta à acusação, verifi car o juiz prova cabal de uma das seguintes hipóteses:

I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

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II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;

III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ouIV – extinta a punibilidade do agente.Trata-se de hipóteses de julgamento antecipado da lide no processo penal, admis-

síveis apenas em favor da defesa.Sendo o réu absolvido, deverá o juiz determinar que ele seja colocado em

liberdade, salvo se estiver preso também por outro motivo. O juiz também orde-nará a cessão das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas. São exemplos destas medidas cautelares diversas da prisão preventiva as medidas protetivas de urgências previstas na Lei Maria da Penha (Lei n° 1.340/2006, art. 22 et seq.), a restrição cautelar para dirigir veículo automotor nos crimes de trânsito (CTB, art. 294) e outras.

SENTENÇA CONDENATÓRIA

Reconhecendo o juiz que existe prova sufi ciente da materialidade e autoria do fato, sendo o fato praticado pelo réu típico, antijurídico e culpável, deverá condená-lo como incurso nas penas do respectivo delito.

Após o dispositivo de condenação, passará o juiz à fi xação da pena (dosimetria). A nova parte geral do Código Penal estabeleceu o sistema trifásico de aplicação da pena (CP, art. 68), consistente em três fases sucessivas:

1) fi xação da pena-base, de acordo com as circunstâncias previstas no art. 59 do CP;

2) consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes;3) consideração das causas de diminuição e aumento da pena.

Entende-se que, nas duas primeiras fases de aplicação da pena, não pode o juiz se afastar dos limites máximo e mínimo da pena em abstrato. Já na terceira fase de aplicação da pena, pode o juiz fi xar a pena fora dos limites mínimo e máximo da pena em abstrato. As causas de aumento ou diminuição da pena são as frações que incidem sobre a pena fi xada nas etapas anteriores. Exemplo: tentativa (redução de um a dois terços – CP, art. 14, parágrafo único), crime continua do (aumento de um sexto a dois terços da pena mais grave – CP, art. 71).

Após a fi xação da pena, deverá o juiz esclarecer o seu regime de cumprimento, esclarecerá sobre eventual substituição da pena privativa de liberdade por restri-tiva de direitos ou multa, esclarecerá o cabimento do sursis da pena, esclarecerá fundamentadamente sobre a prisão do réu, estabelecerá os efeitos da sentença (CP, arts. 91 e 92) e fi xará valor mínimo para indenização à vítima. Sobre a fi xação da pena, estabelecem as súmulas do STF:

Súmula nº 422: A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade.

Súmula nº 718: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

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Súmula nº 719: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Antigamente existia a chamada “prisão decorrente de sentença condenatória recorrível” que era uma espécie de prisão automática após a condenação, que condi-cionava a admissibilidade do recurso de apelação. Quanto a esta prisão, os Tribunais Superiores já entendiam que esta não era automática, mas seria essencial a funda-mentação concreta em uma das hipóteses de cabimento da prisão preventiva. Em relação a esta prisão condicionar, a admissibilidade do recurso de apelação, havia precedentes da 1ª Turma do STF entendendo inadmissível este condicionamento, havendo processo no plenário do STF para dirimir a questão.

Neste sentido, a Lei nº 11.719/2008 revogou o art. 594 e incluiu um parágrafo único ao art. 387 para esclarecer que o juiz deve decidir fundamentadamente sobre eventual imposição de prisão preventiva quando da condenação e que o fato de o réu não se recolher à prisão, não condiciona a admissibilidade do mesmo.

Após a condenação, dispõe o art. 387, IV, introduzido pela Lei nº 11.719/2008, que o juiz deverá fi xar um valor mínimo para indenização à vítima, sem prejuízo de sua posterior complementação em ação cível de liquidação para apurar o restante do dano efetivamente sofrido. Antigamente, a condenação apenas tornava certa a obrigação de reparar o prejuízo (CP, art. 91, I), mas era necessário à vítima ajuizar ação de liquidação de sentença para especifi car a quantum debeatur de todo o valor. Agora, o juiz já estabelecerá um valor mínimo e este valor já será título executivo judicial (art. 63, parágrafo único).

Considerando que, doravante, a fi xação da indenização à vítima é um dos ob-jetos obrigatórios de cognição do magistrado, deverão as partes produzir durante a instrução criminal prova tendente a possibilitar que o magistrado tenha elementos para aferir um valor mínimo para os prejuízos. Caso não seja produzida esta prova, o magistrado deverá fi xar, necessariamente, um valor mínimo, ainda que seja, por exemplo, a título de danos morais decorrentes do ato ilícito.

Efeitos da Sentença Condenatória

Sobre os efeitos da sentença condenatória, estabelecem os arts. 91 e 92 do Código Penal:

Art. 91. São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de ter-ceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.Art. 92. São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

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a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II – a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra fi lho, tutelado ou curatelado; III – a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Assim, são efeitos da sentença condenatória:1) ser o réu conservado na prisão, caso já esteja preso. Antigamente, dispunha o

art. 594 do CPP que, se o réu houvesse respondido ao processo em liberdade e fosse primário e portador de bons antecedentes, poderia o juiz conceder-lhe o “benefício” de apelar em liberdade. Os Tribunais Superiores já entendiam que essa prisão não era automática, pois deveria o juiz fundamentar a neces-sidade da prisão em uma das hipóteses de cabimento da prisão preventiva (CPP, art. 312), por se tratar a prisão provisória de medida extrema de na-tureza cautelar. Posteriormente, a Lei n‘ 11.719/2008 revogou este art. 594 e estabeleceu no art. 387, parágrafo único, que o não recolhimento à prisão não é condição de admissibilidade do recurso de apelação. A jurisprudência entende admissível a concessão de liberdade provisória em sede de recurso, se preenchidos os requisitos;

2) ser o nome do réu lançado no rol dos culpados (apenas após o trânsito em julgado, nos termos do art. 5o, LVII, da CF/1988);

3) certeza da obrigação de reparar o dano (CPP, art. 63, e CP, art. 91, I). Isso signifi ca que a decisão criminal faz coisa julgada na esfera cível, portanto, também na esfera administrativa sobre os fatos objeto da decisão. Após a condenação o magistrado fi xará valor mínimo para a indenização à vítima, sem prejuízo de sua posterior complementação em ação de liquidação dos prejuízos (art. 63, parágrafo único, c/c art. 387, IV, do CPP).

4) perda dos instrumentos e produtos do crime (CP, art. 91, II);5) efeitos secundários da condenação previstos no art. 92 do CP, desde que

expressamente declarados na sentença;6) suspensão dos direitos políticos (CF/1988, art. 15, III). Não há perda, mas

sim suspensão, enquanto durarem os efeitos da condenação;7) suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir

veículo automotor, de dois meses a cinco anos, após o trânsito em julgado de condenação por crime previsto no Código de Trânsito Brasileiro. (CTB, arts. 292 e 293)

Enquanto os efeitos do art. 91 do CP são automáticos, os efeitos do art. 92 devem ser expressamente determinados, sob pena de não poderem ser aplicados

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automaticamente. De qualquer forma, a omissão da decisão penal em se ma-nifestar os efeitos descritos no art. 92 do CP não signifi ca que tais efeitos não poderão ser determinados no procedimento próprio. Por exemplo, será possível um processo administrativo para exonerarção do servidor público que cometeu um crime, ou a ação civil de destituição do pátrio poder. No primeiro exemplo, o processo administrativo não poderá mais discutir se houve ou não o fato objeto da condenação criminal. Apenas se decidirá a conseqüência jurídica desse fato criminoso para a esfera administrativa, ou seja, se a prática do fato criminoso é uma falta funcional e se justifi ca a perda do cargo, segundo as regras do direito administrativo.

CRISE DE INSTÂNCIA

Ocorre quando algum evento impede o prosseguimento do processo, es-tancando a marcha processual. Por exemplo: questão prejudicial que implique a suspensão do processo (CPP, arts. 92 e 93). Antigamente, a fuga do réu após a sentença de pronúncia por crime inafi ançável também era uma situação que ensejava a crise de instância, pois, nessa hipótese, era essencial sua intimação pessoal (antigo art. 414). Todavia, esta regra foi abolida pela Lei nº 11.689/2008, que agora permite a intimação por edital da pronúncia, independentemente da afi ançabilidade.

LEGISLAÇÃO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

TÍTULO XIIDA SENTENÇA

Art. 381. A sentença conterá:I – os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias

para identifi cá-las;II – a exposição sucinta da acusação e da defesa;III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;IV – a indicação dos artigos de lei aplicados;V – o dispositivo;VI – a data e a assinatura do juiz.Art. 382. Qualquer das partes poderá, no prazo de dois dias, pedir ao juiz que

declare a sentença, sempre que nela houver obscuridade, ambigüidade, contradição ou omissão.

Art. 383. O juiz poderá dar ao fato defi nição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

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Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova defi nição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fi m de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova defi nição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fi m de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas.

Notas: Súmula nº 607 do STF: “Na ação penal regida pela Lei nº 4.611/1965, a denúncia, como substitutiva de portaria, não interrompe a prescrição”.Súmula nº 453 do STF: “Não se aplicam à Segunda Instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova defi nição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”.

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença conde-natória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Art. 386. ...........................................................................................................IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada

pela Lei nº 11.690, de 2008)V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação

dada pela Lei nº 11.690, de 2008)VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts.

20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

VII – não existir prova sufi ciente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Parágrafo único. ................................................................................................I – mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;

(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)III – aplicará medida de segurança, se cabível.Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:I – mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes defi nidas no Código

Penal e cuja existência reconhecer; (Vide Lei nº 11.690, de 2008)II – mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser

levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 42 e 43 do Código Penal;

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Nota: a referência feita aqui é a parte geral do Código revogado pela Lei nº 7.209/1984. Na nova parte geral, ver arts. 59 e 60.

III – aplicará as penas de acordo com essas conclusões; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

IV – fi xará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

V – atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título XI deste Livro;

VI – determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1º, do Código Penal).

Nota: a referência feita aqui é a parte geral do Código revogado pela Lei nº 7.209/1984.

Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 388. A sentença poderá ser datilografada e neste caso o juiz a rubricará em todas as folhas.

Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fi m.

Art. 390. O escrivão, dentro de três dias após a publicação, e sob pena de suspensão de cinco dias, dará conhecimento da sentença ao órgão do Ministério Público.

Art. 391. O querelante ou o assistente será intimado da sentença, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado. Se nenhum deles for encontrado no lugar da sede do juízo, a intimação será feita mediante edital com o prazo de dez dias, afi xado no lugar de costume.

Art. 392. A intimação da sentença será feita:I – ao réu, pessoalmente, se estiver preso;II – ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar

solto, ou, sendo afi ançável a infração, tiver prestado fi ança;III – ao defensor constituído pelo réu, se este, afi ançável, ou não, a infração,

expedido o mandado de prisão, não tiver sido encontrado, e assim o certifi car o ofi cial de justiça;

IV – mediante edital, nos casos do nº II, se o réu e o defensor que houver cons-tituído não forem encontrados, e assim o certifi car o ofi cial de justiça;

V – mediante edital, nos casos do nº III, se o defensor que o réu houver cons-tituído também não for encontrado, e assim o certifi car o ofi cial de justiça;

VI – mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encon-trado, e assim o certifi car o ofi cial de justiça.

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§ 1º O prazo do edital será de noventa dias, se tiver sido imposta pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, e de sessenta dias, nos outros casos.

§ 2º O prazo para apelação correrá após o término do fi xado no edital, salvo se, no curso deste, for feita a intimação por qualquer das outras formas estabelecidas neste artigo.

Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível:I – ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafi ançáveis,

como nas afi ançáveis enquanto não prestar fi ança;

Nota: Súmula nº 9 do STJ: A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.

II – ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.