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Módulo 09: Eletromagnetismo | Capítulo 01 Introdução à eletricidade Resumo Nesse primeiro capítulo, daremos início ao estudo da eletrostática. Pretendemos abordar brevemente o início do envolvimento humano com a eletricidade e uma evolução histórica desse conceito, até a ideia da carga elétrica. Continuaremos com um modelo para o átomo, que nos permite estudar alguns fenômenos pouco complexos — o que é bem razoável para o ensino médio. Discutiremos sobre eletrização de corpos, seus processos e medidas de cargas elétricas. E encerraremos com um modelo matemático para medir forças de interação entre cargas elétricas — a chamada Lei de Coulomb. 1 Divisão do eletromagnetismo Por se tratar de um campo muito vasto de conhecimento, costumamos dividir o estudo do Eletromagnetismo em outras pequenas "gavetinhas", por assim dizer, apenas para fins didáti- cos. Inicialmente, temos a chamada Eletrostática, cujo maior objetivo é compreender a ideia de carga elétrica, estudando como corpos eletrizados interagem entre si, bem como definin- do melhor um modelo adequado para a estrutura da matéria. Após tratar desses assuntos, costumamos passar para a Eletrodinâmica que, como o próprio nome dá a entender, lida com a ideia de cargas elétricas em movimento. Esse costuma ser o tópico que traz maiores fa- miliaridades para o aluno, pois lida com conceitos que a gente utiliza no cotidiano: corrente elétrica, resistência elétrica, energia elétrica, etc. É também uma preferência por alguns exa- mes de vestibular, com seus exercícios de resolver circuitos elétricos impossíveis e tenebro- sos — o que não passa de um enorme quebra-cabeças, sem muito significado físico real. Con- tinuando com nossa categorização, damos sequência aos estudos de Magnetismo, conceitu- ando força magnética, campo magnético, explicando funcionamento de bússolas e por aí vai. Pode parecer estranho colocar o magnetismo no mesmo "armário", digamos, da eletricidade, mas mostraremos, durante o curso, que ambos estão intimamente ligados. O que nos leva ao fechamento dessa categorização: a junção dos fenômenos elétricos e magnéticos num só gru- po de bons amigos e familiares, que não sabem viver sozinhos: o Eletromagnetismo. Dizen- do assim, pode parecer simples; pode parecer que sempre soubemos disso, ou que sempre Prof. pedro bittencourt Www.pedrobittencourt.com.br

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Módulo 09: Eletromagnetismo | Capítulo 01

Introdução à eletricidadeResumoNesse primeiro capítulo, daremos início ao estudo da eletrostática. Pretendemos abordarbrevemente o início do envolvimento humano com a eletricidade e uma evolução históricadesse conceito, até a ideia da carga elétrica. Continuaremos com um modelo para o átomo,que nos permite estudar alguns fenômenos pouco complexos — o que é bem razoável para oensino médio. Discutiremos sobre eletrização de corpos, seus processos e medidas de cargaselétricas. E encerraremos com um modelo matemático para medir forças de interação entrecargas elétricas — a chamada Lei de Coulomb.

1 Divisão do eletromagnetismoPor se tratar de um campo muito vasto de conhecimento, costumamos dividir o estudo doEletromagnetismo em outras pequenas "gavetinhas", por assim dizer, apenas para fins didáti-cos. Inicialmente, temos a chamada Eletrostática, cujo maior objetivo é compreender a ideiade carga elétrica, estudando como corpos eletrizados interagem entre si, bem como definin-do melhor um modelo adequado para a estrutura da matéria. Após tratar desses assuntos,costumamos passar para a Eletrodinâmica que, como o próprio nome dá a entender, lidacom a ideia de cargas elétricas em movimento. Esse costuma ser o tópico que traz maiores fa-miliaridades para o aluno, pois lida com conceitos que a gente utiliza no cotidiano: correnteelétrica, resistência elétrica, energia elétrica, etc. É também uma preferência por alguns exa-mes de vestibular, com seus exercícios de resolver circuitos elétricos impossíveis e tenebro-sos — o que não passa de um enorme quebra-cabeças, sem muito significado físico real. Con-tinuando com nossa categorização, damos sequência aos estudos de Magnetismo, conceitu-ando força magnética, campo magnético, explicando funcionamento de bússolas e por aí vai.Pode parecer estranho colocar o magnetismo no mesmo "armário", digamos, da eletricidade,mas mostraremos, durante o curso, que ambos estão intimamente ligados. O que nos leva aofechamento dessa categorização: a junção dos fenômenos elétricos e magnéticos num só gru-po de bons amigos e familiares, que não sabem viver sozinhos: o Eletromagnetismo. Dizen-do assim, pode parecer simples; pode parecer que sempre soubemos disso, ou que sempre

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Divisão do eletromagnetismo

aceitamos essas ideias. Porém, existe aí uma trajetória muito longa, desde os primeiros indíci-os de fenômenos elétricos, magnéticos, suas possíveis explicações e modelizações, até a revi-ravolta da descoberta que ambos são representações de diferentes fenômenos, mas que po-dem ser mutuamente gerados.

2 Evolução histórica da eletricidadeO termo eletricidade se origina de elektron que, em grego,significa âmbar, uma espécie de resina proveniente da seivade árvores, solidificada ao longo de muito tempo (Figura 1). Éum pouco complicado falar sobre registros históricos quan-do se trata de uma época tão distante, já que muita coisa seperde no meio do caminho — o que é uma pena, para dizero mínimo. Segundo a tradição, Tales, da cidade de Mileto,uma cidade grega localizada a oeste da Turquia, teria sido oprimeiro a observar, no século VI aEC, que o âmbar, quandoatritado com pedaços de lã, era capaz de atrair corpos leves,tais como penas de aves. Esse chamado “efeito âmbar” foimencionado por Platão, em sua obra Timeu, se referindo ao"maravilhoso poder de atração do âmbar". Na concepção daépoca, o efeito se dava porque as substâncias possuíam umaespécie de "alma", que atrairia objetos inanimados. O âmbar, ao ser atritado, liberava algochamado de humor, um líquido viscoso do qual os objetos possuíam necessidade.

Somente nos século XVI e XVII começaram a ser feitos estudos defato em eletricidade. Girolamo Cardano, por volta do ano 1500,foi um dos primeiros a fazer uma separação entre fenômenos elé-tricos e fenômenos magnéticos. Foi Cardano quem estabeleceuprimeiramente as diferenças entre propriedades do âmbar e doímã. É importante notar que outras substâncias já eram conheci-das por possuir o "efeito âmbar", como mencionamos anterior-mente. E neste momento o estudante pode se perguntar: "masvocê não havia dito que eletricidade e magnetismo fazem partedo mesmo conjunto? Essa separação foi, então, um equívoco!". Naverdade, não. Explicando de forma sucinta, acreditava-se que a

atração do âmbar e a atração do ímã fossem semelhantes, ou seja, representassem o mesmofenômeno. Isso não é verdade; o primeiro diz respeito a um princípio eletrostático, enquantoque o segundo se trata de um fenômeno magnético. A junção no eletromagnetismo é algo

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Figura 1: âmbar, resina proveniente da seiva de árvores,solidificada ao longo do tempo.

Figura 2: Girolamo Cardano (1501-1576)

Evolução histórica da eletricidade

um pouco mais delicado, que trataremos em alguns capítulos. É melhor deixarmos o verãopra mais tarde, por enquanto.

Outra grande contribuição foi feita pouco tempo depois porWIlliam Gilbert. Em seu livro De Magnete, publicado no anode 1600, Gilbert também enfatizou as diferenças entre osefeitos do âmbar e do ímã — não se sabe ao certo se conhe-cia ou não o trabalho de Cardano, já que este não é citado naobra. Foi Gilbert quem cunhou o termo eletricidade, inspira-do no nome que os gregos davam para o âmbar, elektron. Aeletricidade se referia, portanto, às substâncias que, como oâmbar, eram eletrizadas por atrito; a essas substâncias, deuo nome de elétricas. De acordo com Gilbert, ao serem atrita-das, elas liberavam o effluvium, uma espécie de meio materialque se expandia em todas as direções e agia sobre os corposao redor, atraindo-os. É interessante notar que havia — as-sim como sempre houve e, de certa forma, ainda há — uma necessidade humana em explicarfenômenos de ação à distância como interação entre os corpos através de um meio material.Quando estudarmos campo elétrico, voltaremos a analisar essa situação.

Em 1729, o físico inglês Stephen Gray descobriu ser possível a condução de eletricidade atra-vés de fios de linho e varas de bambu. De acordo com as descobertas de Gray, era possíveleletrizar um corpo colocando-o em contato, através de fios, com outro corpo que já haviasido previamente eletrizado. Na Figura 4, vemos uma gravura ilustrando um menino pendu-rado em fios de seda, mostrando a eletricidade passando por ele e pelos fios, atraindo peque-nos pedaços de papel. Gray também notou que alguns materiais eram bons em conduzir ele-

tricidade, enquanto que outrosnão, surgindo aí as primeiras no-ções de materiais condutores eisolantes. Com essas observaçõesde Gray, foi-se consolidando cadavez mais a ideia da eletricidadecomo um fluido, algo que estives-se contido nos corpos e que eratransferido de um para o outroatravés do contato.

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Figura 3: William Gilbert (1544-1603)

Figura 4: gravura de Johann Gabriel Doppelmayr (1774)

Evolução histórica da eletricidade

O século XVIII assistiu, com muita animação e efervescência, o "surgimento", por assim dizer,da eletricidade. Espetáculos para a grande burguesia que combinavam experimentos elétri-cos com truques de mágica eram bastante frequentes e atraíam uma boa parcela da popula-ção vanguardista da época. Na realidade, esse tipo de fascínio com o novo na ciência não éexclusivo do século XVIII; em nosso tempo atual, os ditos "shows de ciência" continuam muitopresentes. É notório, portanto, que sempre nos sentimos muito atraídos com a novidade,com o desconhecido, com o aparente absurdo que se revela diante de nossos olhos, facil -mente confundindo uma evidência científica com um truque mágico de distração visual.

Os trabalhos de Gray e a criação de associações, como aRoyal Society, abriram o caminho para um estudo cada vezmais intenso de fenômenos elétricos, ao favorecer trocas deinformações entre diversos cientistas. Um dos membros des-sa sociedade real, Charles du Fay, ao tomar contato com ostrabalhos de Gray, desenvolveu seus próprios experimentose chegou a interessantes conclusões. A mais importante de-las foi a proposição, em 1733, de dois tipos de eletricidade.Uma delas, que chamou de eletricidade vítrea, era obtidaao atritar o vidro com a seda, por exemplo. A outra, que foipor ele denominada de eletricidade resinosa, podia ser ob-tida através do atrito de materiais resinosos, tipo o âmbar,com lã ou pelo de gato. Tal diferenciação se fez necessáriapois du Fay observou que a maneira com a qual os objetos eram atritados poderia causaratração ou repulsão entre eles.

Com essa descoberta, du Fay postulou a hipótese de haver dois tipos de fluidos nos corpos:um fluido vítreo e um fluído resinoso. A chamada teoria dos dois fluidos, defendida tambémpor outros cientistas da época, apregoava que todos os corpos, quando neutros, continhamiguais quantidades de ambos os fluidos e, portanto, não apresentavam nenhum comporta-mento elétrico. Ao eletrizar um corpo, estamos fornecendo a ele maior quantidade de umdesses fluidos e, deste modo, fazendo-o adquirir um determinado tipo de eletricidade, vítreaou resinosa.

Aproximadamente na mesma época, por volta de 1750, havia também uma outra teoria paraa explicação da eletricidade, conhecida como teoria do fluido único. O principal nome por trásdessa teoria foi Benjamin Franklin, físico e político estadunidense. Franklin postulava a exis-tência de apenas um fluido elétrico; corpos que não apresentassem comportamento elétrico,isto é, corpos neutros, possuiriam uma quantidade "normal" deste fluido. Se atritássemosdois corpos entre si, parte do fluido de um corpo passaria para o outro. O que contivesse

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Figura 5: Charles François de Cisternay du Fay (1698-1739)

Evolução histórica da eletricidade

quantidade em excesso de fluido estaria carregado positivamente, enquanto que o outro,possuindo falta de fluido, estaria carregado negativamente. Franklin foi, portanto, segundoregistros históricos, o primeiro a utilizar os termos positivo enegativo; acredita-se que ele desconhecesse os termos vítreoe resinoso, de du Fay. Fazendo uma correspondência, os cor-pos eletrizados positivamente seria aqueles que possuíameletricidade vítrea, enquanto que os negativamente carrega-dos teriam adquirido eletricidade resinosa.

Dois pontos são aqui bem importantes de se destacar. Pri-meiramente, a utilização do termo carga. Franklin é tidocomo seu autor na eletricidade. Carga faz menção ao ato de"carregar" alguma coisa -- tal como um canhão com pólvora,por exemplo. Ao eletrizar um corpo, estamos carregando-ocom o tal fluido elétrico; passamos, então, a utilizar "carrega-do" como sinônimo para "eletrizado" e este uso perdurou até os dias de hoje, mesmo que anoção de fluido elétrico não seja mais utilizada. O segundo ponto diz respeito às duas teoriasdo fluido elétrico. Ambas eram bem aceitas, pois ofereciam boas explicações para os fenôme-nos até então estudados. A preferência pela utilização dos termos positivo e negativo, inicial-mente indicando o saldo da eletricidade num corpo, se deu em decorrência de favorecer umamatematização do modelo físico, permitindo fazer previsões sobre os fenômenos elétricos.

Somente na segunda metade do século XIX essa controvérsia seria resolvida, com a descober-ta do elétron, partícula inicialmente postulada por George J. Stoney. A teoria corpuscular daeletricidade, ou seja, a hipótese de que os corpos trocam partículas entre si, ao invés de flui -dos, passa a ganhar mais força, com a realização de diversos experimentos indicando essanatureza. A constituição corpuscular da matéria fica mais evidente com a descoberta do elé-tron e com a primeira medição da razão entre a carga e a massa do elétron, em 1897, por Jo-seph. J. Thomsom, através de experimentos com tubos de raios catódicos. Neste experimen-to, Thomsom pôde mostrar que o elétron possuía carga negativa. Em 1909, Robert A. Millikaniria pela primeira vez medir a carga de um elétron, hoje conhecida como carga elementar, dei-xando assim o modelo corpuscular da eletricidade e da matéria ainda mais robusto.

A partir daí, entende-se que a eletrização de um corpo se dá pela falta ou excesso de elétrons;um corpo estaria positivamente carregado quando lhe faltassem elétrons, e negativamentecarregado quando possuísse excesso de elétrons. Repare que isto é muito similar à teoria dofluido único de Franklin, com a diferença de que, no modelo deste, o excesso está associadoà carga negativa, e vice-versa. Porém, além das diferenças entre os dois modelos, temos desemelhança um dos pontos mais importantes no estudo de eletricidade, que adotamos como

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Figura 6: Benjamin Franklin (1706-1790)

Evolução histórica da eletricidade

um princípio universal: a conservação da carga elétrica. Esta não pode ser criada nem destruí-da, apenas transferida, redestribuída entre corpos.

3 Modelo para a estrutura da matériaAssim, a partir do início do século XX, a ideia de que o elétron é a principal partícula responsá-vel pelos fenômenos elétricos passou a ser amplamente aceita. E a teoria atômica da matériaganhou cada vez mais força, sendo o átomo o elemento constituinte da matéria. Nossos mo-delos mais recentes da constituição atômica contém, principalmente, os elétrons, de cargaelétrica negativa, em regiões que se assemelham a nuvens, os chamados orbitais, envolvendoo núcleo do átomo, região onde se localizam os prótons, de carga positiva (Figura 7). Usual-mente, por fins didáticos, costumamos representar o átomo em duas dimensões, com um nú-cleo central orbitado pelos elétrons, em trajetórias circulares que recebem o nome de eletros-fera (Figura 8).

Figura 7: Modelo atômico usualmente adotado. Os elétrons se localizam em nuvens de probabilidade, denominados orbitais. Figura 8: Modelo atômico simplificado, para fins

didáticos. Os elétrons se movem em trajetórias circulares ao redor do núcleo.

De fato, ainda não sabemos o que a carga elétrica é, mas podemos dizer como ela se compor-ta, ou seja, quais são suas principais características e propriedades:

1. A carga elétrica é constante, isto é, ela é conservada. Em processos de eletrização en-tre dois corpos, por exemplo, enquanto um deles recebe portadores de carga, tor-nando-se negativamente carregado, o outro perde carga elétrica, ficando com cargatotal positiva. Assim, dizemos que a carga elétrica total de um sistema eletricamenteisolado é constante.

2. A carga elétrica é quantizada, ou seja, apresenta múltiplos inteiros de um valor ele-mentar, que é a carga do elétron. Em outras palavras, a carga de um corpo elétrica-

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Modelo para a estrutura da matéria

mente carregado depende da quantidade de elétrons que ele possui em excesso ouem falta. Não é possível possuir, por exemplo, a carga de 1 elétron e meio, pois o me-nor valor possível de carga elétrica é a do próprio elétron; não faz sentido, portanto,falar de "meio elétron".

3. Existem dois tipos de carga, as chamadas cargas positiva e negativa. Como já mencio-namos anteriormente, no episódio de Franklin, esses termos são apenas uma conven-ção e estavam inicialmente associados ao superávit ou défict de carga em um corpo.Mesmo que não seja essa mais a conotação atual, mantivemos por uma questão deconveniência -- a notação algébrica facilita o cálculo da quantidade de carga em umcorpo. Porém, novamente, enfatizamos: isto é apenas uma convenção; poderíamos fa-lar de carga quente ou fria, próxima ou distante, norte ou sul, enfim, palavras que indi-cassem alguma oposição mútua, indicando dois tipos opostos de carga elétrica.

4. Cargas elétricas de mesmo tipo (mesmo sinal) se repelem, enquanto que cargas elétri-cas diferentes se atraem.

5. Todo átomo é eletricamente neutro. Assim, o número de elétrons é igual ao númerode prótons. O que significa dizer que o número de portadores de carga elétrica negati-va é igual ao número de portadores de carga elétrica positiva.

No decorrer dos estudos, trataremos de outras propriedades importantes, que necessitam deuma maior atenção. Vejamos agora se é possível classificar os corpos quanto à facilidade deeletrização, aproveitando para entender como que um corpo pode ser eletrizado, isto é, car-regado eletricamente.

4 Condutores, isolantes e processos de eletrizaçãoMencionamos, anteriormente, com os trabalhos de Stephen Gray, que alguns materiais apre-sentam facilidade em serem eletrizados, enquanto que outros não. Nos primeiros, conheci-dos como condutores, as partículas portadoras de carga elétrica podem se mover facilmente.Como exemplos de bons condutores, temos os metais em geral, que possuem elétrons livresem condições normais. Os segundos, conhecidos como isolantes, ou maus condutores, nãoapresentam esse comportamento com frequência; exemplos de maus condutores, em situa-ções normais, são a borracha e a madeira.

Estamos dando essa ênfase em "situações normais" porque, a rigor, nenhum material é iso-lante ou condutor. A princípio, qualquer material pode conduzir eletricidade, a depender dadiferença de potencial à qual ele está submetido. Como isto será abordado no próximo capí-tulo, vamos nos ater àquilo que nos é mais importante por enquanto: nos condutores sólidos,apenas as cargas negativas, portadas pelos elétrons, têm capacidade de se mover. Os pró-

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Condutores, isolantes e processos de eletrização

tons, presos ao núcleo do átomo, não se movem e, portanto, as cargas positivas também não.

Deste modo, eletrizar um corpo significa fazer com que seus átomos recebam elétrons oupercam elétrons, ficando com um número diferente de elétrons e prótons e, portanto, dei-xando de ser eletricamente neutros. Vamos estudar três processos que permitem eletrizarum corpo: eletrização por atrito, eletrização por contato e eletrização por indução.

Eletrização por atritoQuando dois corpos de materiais diferentes, eletricamente neutros, são postos em contatomuito próximo, fortemente pressionados um contra o outro, ou seja, quando são atritadosentre si, suas camadas eletrônicas mais externas também ficam muito próximas. Dessemodo, elétrons de um corpo podem migrar para o outro (Figura 9). O corpo que adquire elé-trons torna-se carregado negativamente, enquanto que o corpo que perde elétrons torna-seeletricamente positivo (Figura 10). Podemos dizer, então, que a principal característica da ele-trização por atrito é obter, ao final do processo, corpos com cargas de sinais opostos, a partirde corpos inicialmente neutros.

Figura 9: No atrito entre dois corpos, alguns elétrons de um são transferidos para o outro.

Figura 10: Após a eletrização, o corpo que cedeu elétrons torna-se positivamente carregado, enquantoque aquele que recebeu elétrons fica com carga excedente negativa.

É impossível saber o que ocorre, de fato, no nível microscópico. Porém, a nível macroscópico,podemos prever os sinais das cargas que serão adquiridos por diferentes materiais atravésde testes desenvolvidos experimentalmente, sumarizados na chamada série triboelétrica. Elamostra a tendência que certos materiais possuem em receber ou em perder elétrons. Por ex-emplo, no atrito entre seda e âmbar, podemos prever que a seda adquirirá carga positiva, en-quanto que o âmbar adquirirá carga negativa. Isto significa que a seda possui maior tendên-cia em perder elétrons, quando comparada com o âmbar.

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Condutores, isolantes e processos de eletrização

Eletrização por contatoAo colocar em contato um corpo neutro com outro corpo já eletrizado, a passagem de elé-trons de um para o outro torna-se espontânea. Por exemplo, se colocarmos em contato umcorpo de carga negativa com um corpo neutro, parte dos elétrons em excesso do primeiro sedesloca para o segundo (Figura 11). Se o primeiro estiver carregado positivamente, isto é,com falta de elétrons, parte dos elétrons do corpo neutro tende a ser repelida para o primei -ro. De todo o modo, na eletrização por contato, parte da carga elétrica tende a passar para ocorpo neutro e ambos adquirem cargas de mesmo sinal (Figura 12).

Figura 11: Corpo de carga negativa em contato com corpo eletricamente neutro. A passagem de elétrons do primeiro para o segundo é espontânea.

Figura 12: Após o equilíbrio eletrostático, ao separar os corpos ambos cargas de mesmo sinal.

Eletrização por induçãoPor fim, temos a chamada eletrização por indução. Para entendê-la, talvez seja melhor partirde exemplos. Imaginemos um corpo A, neutro, apoiado em uma base isolante. Aproximare-mos dele um outro corpo B, carregado negativamente, por exemplo. Para facilitar nossa expli-cação, chamaremos o corpo A de induzido, pois é este quem sofrerá a eletrização, e o corpo Bde indutor, por ser quem induz a eletrização de A. Como já mencionado, corpos neutros pos-suem cargas positivas e negativas em iguais quantidades. Ao aproximar o bastão B do corpoA, estamos induzindo os portadores de carga negativa de A a se afastarem para a regiãooposta àquela onde está o corpo B. Dizendo de outro modo, as cargas negativas do indutorestão repelindo as negativas do induzido (Figura 13). A região mais próxima do indutor pos-sui, assim, falta de elétrons, o que é equivalente a dizer que possui carga positiva. O corpo A,agora, está eletricamente polarizado, ou seja, possui duas regiões, ou polos, de cargas distin-tas. Se afastarmos o indutor, as cargas do induzido voltam a se distribuir uniformemente pelocorpo. Perceba que, apesar de ter ficado polarizado, o corpo A continua neutro. A simplespresença do indutor não faz com que o induzido receba ou perca elétrons. Para que isto ocor-ra, é necessário que, enquanto houver a polarização, o corpo induzido seja aterrado, isto é, li -gado temporariamente a outro corpo suficientemente grande, que possa receber ou ceder

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Condutores, isolantes e processos de eletrização

elétrons -- em princípio, pode-se admitir que a Terra seja esse corpo. Em nosso exemplo, aoaterrar o corpo induzido, alguns elétrons escoam para a Terra (Figura 14). Interrompendo oaterramento, esse corpo torna-se eletricamente carregado, com carga de sinal positivo (Figu-ra 15). Se a carga do indutor fosse positiva, elétrons subiriam da Terra para o induzido e, apósa separação, este ficaria carregado negativamente.

Figura 13: As cargas negativas do indutor estão repelindo as negativas do induzido.

Podemos concluir, portanto, que na eletrização por indução, além de não haver contato entreos corpos envolvidos (apenas entre o induzido e o aterramento), o corpo inicialmente neutrofica com carga de sinal oposto à do corpo indutor.

Figura 15: Ao final do processo, as cargas nos corpos induzido e indutor possuem sinais opostos.

5 Quantidade de carga de um corpoVimos anteriormente que a carga elétrica é quantizada, isto é, um múltiplo inteiro da cargaelétrica fundamental, que é a carga do elétron. Assim, ao eletrizar um corpo, estamos forne-cendo-lhe ou retirando-lhe elétrons. A carga total de um corpo eletrizado, portanto, pode sercalculada pela expressão: , onde representa a quantidade de carga do corpo, o

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Figura 14: Após ser aterrado, elétrons em excesso do corpo induzido escoam para a Terra.

Quantidade de carga de um corpo

número de elétrons recebidos ou perdidos e a carga elementar.

Mencionamos anteriormente que, em 1909, Robert Millikan mediu pela primeira vez a cargado elétron, obtendo o valor da chamada carga elementar: coulombs. Essa é a uni-dade de medida de carga elétrica no sistema internacional; no final desse capítulo definire-mos melhor tal unidade.

Desse modo, a carga do elétron é de coulomb, enquanto que o próton tem cargade mesmo módulo, porém de sinal oposto. Assim, é importante notar que, no caso de o cor-po receber elétrons, sua carga torna-se negativa, enquanto que ao perder elétrons, sua cargafinal é positiva.

6 Eletroscópios: detectores eletrostáticosEletroscópios são instrumentos utilizados para verificar se um corpo está eletrizado ou não.Vamos começar com um exemplo simples, o pêndulo eletrostático (Figura 16). Ele consiste deum leve objeto condutor, como uma pequena esfera, por exemplo, suspenso por um fio finoe isolante. Estando inicialmente neutro, o pêndulo é atraído na direção de um objeto eletrica-mente carregado. Isto ocorre porque o objeto carregado induz a polarização da esfera. Comoas cargas de sinais opostos ficam mais próximas do objeto, ocorre uma atração entre ambos.

Outro modelo bastante comum de eletroscópio, este já mais sofisticado, permite tambémavaliar quantitativamente a eletrização de um corpo, através de uma escala acoplada ao equi-pamento. Na Figura 17, observamos um exemplo deste tipo, conhecido como eletroscópio deuma folha. Longe da presença de um corpo carregado, a folha móvel, geralmente uma lâminabem fina de ouro, se encontra posicionada verticalmente pra baixo. Ao aproximar um corpoeletrizado do disco localizado no topo, a lâmina sofre uma deflexão, que será tão maior quan-to for a quantidade de carga no corpo. Afastando-se este, a lâmina volta à posição original.

7 Lei de Coulomb e a medida da carga elétricaNos encaminhando para o encerramento dessa capítulo, vamos nos ater agora à busca deuma lei matemática para as cargas elétricas, ou seja, uma explicação quantitativa para osfenômenos elétricos.

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Lei de Coulomb e a medida da carga elétrica

Por volta de 1767, o químico e pastor presbiteriano JosephPriestley recebeu uma carta de Franklin, relatando uma ob-servação interessante: um corpo condutor oco, ao ser eletri-zado, possuía toda sua carga distribuída na parte externa; nointerior, a carga elétrica era nula -- o que poderia ser observa-do com um pêndulo eletrostático, por exemplo. Isso chamoua atenção de Pristley, que conhecia um resultado parecido damecânica de Newton: para uma casca esférica, de massa mqualquer, a força gravitacional em seu interior também eranula. Com base nessas ideias, Pristley publicou, em 1767, umtrabalho intitulado "A história e a situação atual da eletricida-de", relatando alguns de seus experimentos. Neste trabalho,também conjecturou a possibilidade de, analogamente à gravitação, a força elétrica ser inver-samente proporcional ao quadrado da distância. É importante recordar que, na mecânicanewtoniana, a força gravitacional é diretamente proporcional ao produto das massas dos cor-pos e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. De acordo com Pries-tley, se os fenômenos elétricos apresentam características semelhantes, as leis que os regemtambém poderiam ser iguais. Vale notar essa visão vanguardista de Priestley por uma unifica-

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Figura 16: Pêndulo eletrostático. Na presença de um corpo carregado, ocorre atração por indução eletrostática, não importando o sinal da carga do indutor.

Figura 17: Eletroscópio de uma folha, utilizado para demonstrações didáticas de eletrização.

Figura 18: Joseph Priestley (1733-1804)

Lei de Coulomb e a medida da carga elétrica

ção entre leis naturais que, apesar de não ser muito frequente entre cientistas de sua época,viria a ser uma forte corrente de pensamento nos séculos seguintes. Ainda hoje em dia, os ci-entistas buscam cada vez mais por uma unificação completa da Física. Estamos longe disso,porém firmes em nossas intenções.

Em 1785, Charles-Augustin de Coulomb viria a comprovaressas ideias de Priestley. Para realizar medidas de forças elé-tricas, Coulomb projetou e construiu uma balança de torção,esquematizada na Figura 20, retirada de seus próprios traba-lhos. Uma balança de torção consiste, essencial e resumida-mente, de um corpo fixo eletrizado e um bastão com um cor-po condutor, equilibrado na horizontal por um contrapeso esuspenso por uma barra vertical. Ao carregar este corpo comcarga de sinal oposta à do corpo fixo, verificava-se uma atra-ção entre eles. Utilizando uma escala de fundo, ao redor dabalança, era possível medir essa deflexão e verificar que elaera tão maior quanto menor fosse a distância inicial entre oscorpos. Caso as cargas fossem de mesmo sinal, verificava-se

uma repulsão entre eles. A deflexão da barra variava de acordo com a distância entre os cor-pos e com a quantidade de carga de cada um deles.

Deste modo, Coulomb não só comprovou as ideias de Pries-tley como foi capaz de chegar a uma expressão matemáticapara o cálculo da força entre corpos carregados – bem comoum modo para se medir quantidades de carga elétrica. A cha-mada lei de Coulomb pode ser enunciada da seguinte manei-ra:

O módulo das forças de interação ( ) entre dois pontos ma-teriais de cargas e é diretamente proporcional ao produ-to dessas cargas e inversamente proporcional ao quadradoda distância ( ) entre esses pontos materiais.

Matematicamente, podemos expressar essa proporção diretacom o produto das cargas e a proporção inversa com o qua-drado da distância através das expressões abaixo:

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Figura 19: Charles-Augustin de Coulomb (1736-1806)

Figura 20: Representação esquemática da balança de torção de Coulomb.

Lei de Coulomb e a medida da carga elétrica

Juntando ambas as expressões, temos que a força será tão maior quanto maiores forem asquantidades de carga e menor for a distância. Essa proporcionalidade pode ser escrita comouma igualdade se utilizarmos uma constante adequada, o que nos leva à expressão que "tra-duz" o enunciado da lei de Coulomb:

No caso, essa constante é chamada de constante eletrostática, e depende do meio material noqual os pontos materiais eletrizados se localizam. No vácuo, essa constante tem o valor de

. Repare que é um valor bastante alto, o que significa que a força entre par-tículas de cargas elétricas da ordem de 1 coulomb é bastante elevada; em outras palavras 1coulomb é uma quantidade bastante alta de carga.

Vale lembrar também que força é uma grandeza vetorial, possuindo, além de módulo (calcu-lado pela expressão anterior), uma direção e um sentido. A direção é sempre da reta que uneos corpos materiais. Caso as cargas tenham sinais opostos, o sentido é de atração. Caso os si-nais sejam os mesmos, temos um sentido de repulsão. E, essencialmente, é isso. Utilizaremosa lei de Coulomb para calcular forças de interação entre partículas carregadas. Nos próximoscapítulos, continuaremos analisando fenômenos elétricos e, quando necessário, definindonovas grandezas físicas que facilitem essas análises.

Referências bibliográficasGASPAR, Alberto. Física. São Paulo: Ática, 2012. 3 v.

PIETROCOLA, Maurício. Física em contextos: eletricidade e magnetismo, ondas eletromagnéticas,radiação e matéria. São Paulo: FTD, 2011.

ROCHA, José F. M. (Org.). Origens e evolução das ideias da Física. Salvador: EDUFBA, 2011.

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