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i Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes Adriana Xavier de Almeida Modinhas no Brasil Imperial: Ornamentação sob a influência dos castrati Campinas 2014

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Artes

Adriana Xavier de Almeida

Modinhas no Brasil Imperial:

Ornamentação sob a influência dos castrati

Campinas 2014

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Artes

Adriana Xavier de Almeida

Modinhas no Brasil Imperial:

Ornamentação sob a influência dos castrati

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unicamp como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Música na área de Práticas Interpretativas.

Orientação: Prof. Dra. Helena Jank Co-orientação: Prof. Dra. Adriana Giarola Kayama. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ADRIANA XAVIER DE ALMEIDA, E ORIENTADA PELA PROF. DRA. HELENA JANK ________________________

Campinas

2014

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Dedico este trabalho a meu

amado marido pelo apoio

incondicional.

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Agradecimentos

À Profa. Dra. Helena Jank pela orientação, apoio, paciência e compreensão.

Ao maestro Branco Bernardes, pela paciência e dedicação em escrever as

partes de piano ornamentadas das modinhas e que de maneira generosa me deu

todo suporte ao ouvir ornamentos, cacarejos e candenze, opinando de maneira

enriquecedora sempre. Sua presença foi imprescindível para meu processo criativo

neste trabalho.

Ao meu filho, Benjamin, pela compreensão pelas horas que não

compartilhamos juntos enquanto me dedicava ao mestrado.

Aos professores Ângelo Fernandes e Pedro Persone pelas instruções

valiosas na qualificação.

Aos funcionários do Instituto de Artes da Unicamp que sempre foram muitos

gentis e solícitos, em especial a Letícia Cardoso Silva Machado e Vivien Helene de

Souza Ruiz.

Aos funcionários da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que me acolheram

com carinho.

A todas as pessoas que participaram, contribuindo para a realização deste

trabalho, direta ou indiretamente, meu agradecimento.

x

xi

A modinha é um

suspiro de amor...

Mário de Andrade

xii

xiii

Sumário Resumo ............................................................................................................. xv

Abstract ........................................................................................................... xvii

Introdução .......................................................................................................... 1

Capítulo I: Sobre a Modinha e Seu Tempo ........................................................ 3

Capítulo II: A influência do bel canto no Brasil ................................................. 13

2.1 Bel Canto e os Castrati ............................................................................ 15

2.2 Prática de Ornamentação e Improvisação ............................................... 19

2.3 Capela Real de D. João VI: castrati e sua influência nas obras do Padre José Maurício Nunes Garcia .............................................................................. 35

Capítulo III: Sugestão de Ornamentação nas Modinhas Imperiais ................... 49

3.1 Beijo a mão que me condena ................................................................... 51

3.2 Quem Sabe?!... ........................................................................................ 65

3.3 Último Adeus de Amor ............................................................................. 75

Conclusão ........................................................................................................ 83

Referências ...................................................................................................... 87

Bibliográficas ..................................................................................................... 87

Artigo ................................................................................................................. 91

Partituras ........................................................................................................... 93

Internet............................................................................................................... 95

Apêndices......................................................................................................... 97

Beijo a mão que me condena ............................................................................ 97

Quem sabe?!.. ................................................................................................... 99

Último adeus de amor ...................................................................................... 103

xiv

xv

Resumo

Este trabalho considera aspectos históricos e estéticos do bel canto e seu

aculturamento no Brasil como recurso interpretativo na ornamentação e

improvisação em modinhas luso-brasileiras. Foram observadas as práticas musicais

no Rio de Janeiro durante a presença da Família Real e as influências europeias

trazidas pela corte portuguesa e seus músicos, com ênfase na presença dos

castrati. A partir de fontes primárias e secundárias, tratados e documentação escrita

de época e posterior, propõe-se a realização de três modinhas: Beijo a mão que me

condena de Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), Quem sabe?!... de

Antônio Carlos Gomes (1836-1896) e Último adeus de amor de Emílio E. C. do Lago

(1837-1871) de acordo com elementos técnicos e estilísticos observados em cada

uma delas.

Palavras chaves: Modinha, Ornamentação, Castrati, José Maurício Nunes

Garcia, Carlos Gomes, Emílio do Lago, Práticas Interpretativas.

xvi

xvii

Abstract

This work considers historical and aesthetic aspects of bel canto and its

acculturation in Brazilian as an performance resource for ornamentation and

improvisation Luso-Brazilian modinhas. Musical practices in Rio de Janeiro during

the presence of the Royal Family and European influences brought by the

Portuguese court and his musicians, with emphasis on the presence of the castrati

were observed. From primary and secondary sources, treatises and material of the

time and later, it is proposed to realize three modinhas: Padre José Maurício Nunes

Garcia’s (1767-1830) Beijo a mão que me condena, Quem sabe?!..., Antônio Carlos

Gomes’ (1836-1896) and Emílio E. C. do Lago’s (1837-1871) Último adeus de amor,

according to technical and stylistic elements observed in each one.

Key Words: Modinha, Ornamentation, Castrati, José Maurício Nunes Garcia,

Carlos Gomes, Emílio do Lago, Vocal Performance.

xviii

1

Introdução

Há alguns anos venho buscando com grande empolgação elementos que

nos facilitem a abertura de possibilidades interpretativas das modinhas imperiais.

Senti necessidade de buscar maior aprofundamento no estudo vocal com enfoque

artístico e acadêmico, embasando meu conhecimento do gosto musical do período.

O que mais me fascinou foi descobrir a presença e atuação dos castrati e outros

cantores italianos virtuoses do bel canto na Capela Real, nas montagens de ópera

e nos salões cariocas após a chegada de D. João VI. Suas atividades como

intérpretes e professores de canto instigaram-me a curiosidade: como teriam sido

interpretadas modinhas luso-brasileiras por esses cantores? Faria sentido estético

e histórico aplicar o que conhecemos de seu domínio vocal nesse repertório?

Este trabalho busca relacionar a influência do canto italiano sobre o repertório

brasileiro de modinhas, levando em consideração as práticas musicais no Rio de

Janeiro durante a presença da Família Real trazidas ao Brasil pela corte. De

maneira específica, procurei compreender como a arte dos castrati poderia ter

influído de alguma maneira na interpretação das modinhas imperiais.

Baseada na ornamentação de árias, com caráter mais ou menos

improvisatório, conforme praticada pela escola do bel canto, proponho ornamentar

três modinhas. Além dos elementos estilísticos acima mencionados, os

embelezamentos sugeridos levam em conta minhas habilidades vocais, extensão

vocal e contribuição pessoal como intérprete.

No primeiro capítulo procurei situar a modinha imperial em seu contexto

histórico, apresentando suas principais características musicais a partir do

levantamento bibliográfico sobre o gênero.

2

No segundo capítulo observamos o impacto cultural provocado pela chegada

da corte portuguesa e apresento suscintamente o bel canto no Brasil e sua

influência na música até então produzida. A presença dos castrati no Rio de Janeiro

indica a transposição do conhecimento e técnica vocal italiana: a arte de embelezar

melodias agregando maior luxúria e variação nas repetições.

Acredito que os castrati pertencentes à Capela Real influenciaram nosso

mestre de capela, a ponto de Padre José Maurício Nunes Garcia reescrever

algumas obras anteriormente compostas agregando maior virtuosismo e

embelezamento vocal. Dedicatórias suas e de seu colega Marcos Portugal

documentam o apreço pelos cantores.

No terceiro capítulo apresento sugestões de ornamentação nas três

modinhas selecionadas:

Beijo a mão que me condena (edição póstuma - 1837) - José Maurício

Nunes Garcia (1767-1830)

Último Adeus de Amor (s/d) - Emílio E. C. do Lago (1837-1871)

Quem sabe?!... (1859) – Antônio Carlos Gomes (1836-1896)

A partir da possível influência estética e pedagógica do bel canto como

praticado pelos cantores da Capela Real e posteriormente Imperial, com especial

atenção aos castrati e sem deixar de considerar o intérprete atual, exponho as

sugestões de ornamentos neste capítulo. Ornamentos estes tratados como uma

intervenção artística e recriação de um estilo exuberante e mutável a cada nova

performance.

3

Capítulo I: Sobre a Modinha e Seu Tempo

A modinha é um suspiro de amor... (Mário de Andrade apud ARAÚJO: 1963, 49)

Modinha é o diminutivo de Moda, canção tradicional e sentimental mais

divulgada na vida social portuguesa dos séculos XVIII e XIX. A modinha encontrou

no Brasil grande apreço no século XIX. (DODERER: 1984, vii)

Para Mário de Andrade (1893-1945), o termo moda é usado para canção

vernácula em Portugal, sendo a modinha um termo primeiramente iqualitativo

utilizado como demonstração de carinho. “É geito [sic] luso-brasileiro de acarinhar

tudo com diminutivo” (ANDRADE, 1980: 8). Ainda de acordo com Mário de Andrade,

com o passar do tempo, modinha tornou-se o substantivo específico que se refere

à forma modinha. Devemos entender que Mário de Andrade usa forma em sua

acepção genérica, como maneira particular de se executar uma determinada obra,

não no sentido estrito de estrutura musical.

O ensaísta português Teófilo Braga (1843-1924) escreveu em sua História

da Poesia Popular Portugueza que “O nome de modinha dado às Canções Lyricas

veio-nos do Brasil no século XVIII (...)” (BRAGA apud ARAÚJO: 1963, 44), dando-

nos a entender ser a modinha de autoria brasileira, questionamento este que

provoca divergências de opiniões entre diversos autores.

Bruno Kiefer (1923-1987) também relaciona o termo modinha como

diminutivo de moda, e propõe a palavra como um termo genérico utilizado tanto no

Brasil como em Portugal para qualquer tipo de canção. Ainda nos faz refletir que o

termo designa também as modas caipiras e de viola, cantadas a duas vozes em

4

terças e sextas paralelas (como as modas portuguesas da segunda metade do

século XVIII), as quais são características de São Paulo, Minas Gerais e Goiás

(KIEFER: 1977, 9).

Mozart de Araújo (1904-1988) procura entender modinha a partir de suas

diversas acepções históricas e etimológicas. Módulo, que afirma tratar-se de um

canto popular da Idade Média, possuiria o mesmo radical de modo que, assim como

ayre ou ária eram termos intercambiáveis para cantiga ad una voce no início do

século XVIII em Portugal. Modilho seria o modo simples, singelo (ARAÚJO: 1963,

25). Das diversas interpretações, Mozart de Araújo aproxima modilho, motete e

modinha que teriam origem comum em mote. E apresenta a sequência mote →

moda → modinha (ARAÚJO: 1963, 25). Apresenta uma terceira variável das origens

da modinha: cantiga, ária, romance e moda seriam expressões genéricas de uso

português da segunda metade do século XVIII substitutivas de termos mais antigos,

como ayres, tonos, tonadilhas, coplas, seguidilhas, serranilhas, rimances, soláus,

xácaras e os modos (ARAÚJO: 1963, 27).

Interessante ainda é o posicionamento de Mozart de Araújo sobre as modas

caipiras e sobre as modinhas, que vem entrelaçar a estreita relação de argumentos

e suposições dos autores:

É indiscutível que a moda portuguêsa [sic] a duo produziu no Brasil a moda de viola, que se fixou nos nossos meios rurais. Como é irrecusável, também, que foi sôbre [sic] a moda a solo que aplicamos o diminutivo Modinha. (ARAÚJO: 1963, 28)

Canção, romança ou ária, todas herdeiras do trovadorismo com seus temas

amorosos, assim define Frederico de Freitas (1902-1980) como sinônimos de

modinha, tanto em Portugal como no Brasil pelos séculos XVIII e XIX. Pontua a

segunda metade do século XVIII a autonomia da modinha brasileira sem derivação

folclórica portuguesa, modinha brasileira agora com variedades estróficas e rítmicas

influenciada pelo lundum africano misturado ao som nostálgico que invadia dos

saraus de Lisboa. (FREITAS: 1974, 3).

5

A utilização dos textos em vernáculo unidos aos elementos europeus parece

ser elemento essencial também na caracterização e autonomia da modinha

brasileira.

A origem da modinha como influência da moda portuguesa, porém em sua

segunda fase influenciada pelo lundum é compartilhada pelo professor José

Teixeira D`Assumpção. (D´ASSUMPÇÃO: 1967, 179)

Os estudos da modinha esboçam períodos distintos no Brasil, se pensarmos

em Brasil colônia, dos tempos do rei, primeiro e segundo Império e República,

abrangendo diferentes estilos dentro do mesmo gênero.

A moda e a modinha foram os gêneros musicais de salão que empolgaram a

corte de D. Maria I (1734-1816). Nas ruas de Lisboa dominava a Fofa, no teatro, a

ópera italiana, e nos salões, a moda e a modinha. (ARAÚJO: 1963, 27). O gosto

musical português foi trazido para o Brasil com a corte, e as modinhas de salão

foram influenciadas pelo lundu do Brasil, relembra Mário de Andrade: “Por tudo isso

a gente percebe o quanto a nossa modinha de salão se ajeitava à melodia europeia

e se nacionalizava nela e apesar dela”. (ANDRADE: 1980, 7)

A grande influência do lundu na modinha brasileira é dada segundo Araújo

na última década dos setecentos, podia-se ouvir modas e modinhas que eram

quase lundus e lundus que eram quase modinhas. Segundo suas observações,

surgiram por aqui duas espécies de modinhas, a dos lundus e a das leves

produções dos nossos melhores músicos e solfistas. (ARAÚJO:1963, 11-12)

O lundu-canção, gênero híbrido entre a modinha e a dança do lundu, ao que

indica, parece ser produto desses cruzamentos culturais.

Essas modinhas de salão começaram a ter aceitação desde a segunda

metade do século XVIII e dominaram a musicalidade do Brasil e de Portugal, apenas

se findando nos fins do Segundo Império [1831-1889]. (ANDRADE: 1980, 5)

6

A origem da modinha está relacionada a um fenômeno europeu - e não apenas português - da segunda metade do século XVIII. Com a progressiva ascensão da burguesia e, conseqüentemente, com a mudança de hábitos da nobreza, surgiu uma prática musical doméstica ou de salão destinada a um entretenimento mais leve e menos erudito que aquele proporcionado pela ópera e pela música religiosa. Assim, a música doméstica urbana, praticada por amigos e familiares em festas ou momentos de lazer, privilegiou formas de pequeno número de intérpretes, de fácil execução técnica e de restrito apelo intelectual. (CASTAGNA: 2009, 1)

Sem contestar o fluxo e refluxo das modinhas de elementos musicais entre

ambas as culturas, ou mesmo o que podemos chamar de intercâmbio cultural,

muitos autores concordam com sua origem advinda da estética erudita sendo ela

de exigência técnica mais simples ou mais elaborada.

Gerhard Doderer (1896-1966) escreve que a modinha brasileira é uma

conjunção dos elementos do canto erudito europeu e do folclore africano e

brasileiro, advindo do intercâmbio entre continentes e colônia, sendo ela

diferenciada da moda [portuguesa]. (1984, VIII)

Assim também é definida a modinha por Mário de Andrade, como canção

descendente diretamente da melodia italiana, de origem erudita e da semi-cultura

burguesa. A proveniência erudita europeia da modinha, para Andrade é

incontestável, analisando assim as modinhas de salão até o século XVIII. Somente

no século XIX, passa a ser cantada fora dos salões, como forma popularizada de

canção. (ANDRADE:1980, 5-6)

Vale lembrar que os autores das modas portuguesas, os que compunham

moda a duo ou solo eram mestres de contraponto, solfistas, músicos que

compunham óperas e peças sacras (ARAÚJO: 1963, 27). Não havendo muito

espaço para crer que as modinhas brasileiras não tivessem profunda influência

erudita.

7

Para um entendimento mais claro a respeito das fases da modinha, Doderer

a divide em três períodos históricos: a) até o fim do século XVIII, b) fim do século

XVIII até meados do século XIX, c) a partir de 1860/70.

Até fim do século XVIII era tratada como uma canção de língua nacional

(portuguesa) e influenciada predominantemente pelo estilo musical italiano. Era

também usada na ópera popular como canção intermediária, sendo neste período

o início da aceitação mútua e integração da modinha em ambos os continentes.

Recebia tratamento melódico próprio da arte de cantar italiana, concebida muitas

vezes para duetos com acompanhamento de viola dedilhada ou cravo na base de

baixo cifrado. (DODERER: 1984, VIII)

Pelos finais do século XVIII, começa a surgir um novo tipo de modinha, esta

cantada nas salas e salões a uma voz e com acompanhamento de piano. Torna-se

diferenciada melódica e ritmicamente, com alterações de tempos fortes. É doce e

deliciosa, cheia de suspiros e ais. (DODERER: 1984, VIII)

O inglês Lord Beckfort (1760-1844) anotou em seu diário no ano de 1787 em

Portugal suas impressões a respeito da modinha:

“Aqueles que nunca ouviram este original gênero, ignoram e permanecerão ignorando as melodias mais fascinantes que jamais existiram (...). Elas consistem em lânguidos e interrompidos compassos como se por excesso de enlevo faltasse o fôlego e a alma anelasse unir-se a alma afim do objeto amado.” (BECKFORF apud ARAÚJO: 1963, 41)

Já no primeiro quartel do século XIX a ópera reflete-se no repertório de

modinhas, com adaptações de texto em português em motivos de árias onde é

cantada nos salões da alta burguesia de São Paulo e Rio de Janeiro. (DODERER:

1984, VIII)

Na primeira metade do século XIX há uma forte influência da ópera no Brasil.

Esta confluência entre ópera e modinha alimentou a sociedade aristocrática e

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burguesa de Portugal e do Brasil por quase dois séculos e moldou a modinha no

seu tipo próprio.

Afirma Freitas:

“Cabe por fim ao advento da ópera italiana registrado entre nós a partir do primeiro quartel de oitocentos, o impulso decisivo para a criação da modinha no seu tipo específico” (FREITAS: 1974, 5)

No Brasil a modinha torna-se a forma mais popular de canção, havendo

então, a partir de sua popularidade o surgimento de numerosas coletâneas de

modinhas (com ou sem música). A partir dos anos de 1830 oficinas no Rio de

Janeiro já imprimiam Modinhas em água-forte e litografias. Há registros de

impressões da oficina do músico francês Pierre Laforge (1791-1853?) a partir 1834.

Provém desta mesma oficina diversas peças da Coleção de Modinhas Luso-

Brasileiras, incluindo as modinhas baseadas em motivos de ópera contidas na

coleção. (DODERER: 1984, X)

Em 1831 e 1834 respectivamente datam das estreias no Rio de Janeiro

das óperas Norma de Vincenzo Bellini (1801-1835) e Lestocq [L´intrigue et l´amour]

de Daniel Auber (1782-1871). Não por coincidências, duas das modinhas da

Coleção de Modinhas Luso-Brasileiras utilizam de motivos melódicos de árias

dessas mesmas óperas. (DODERER: 1984, XI)

Fica clara a influência de Bellini nos modinheiros mediante a temporada

lírica do Rio de Janeiro de 1845, afirma Kiefer:

Não são poucos os casos em que os empréstimos de árias de óperas italianas tumultuam o nosso modo de sentir. Aliás, perigoso neste sentido foi Bellini, cujas melodias suaves e melancólicas encontravam aqui, por afinidade, modinheiros submissos (KIEFER: 1977, 25)

Mário de Andrade também parece incomodado com a transformação em

modinhas duma infinidade de árias italianas. Comenta em seu prefácio de Modinhas

Imperiais sobre as edições de paródias, como “As delícias da Traviata” de 1859

9

arranjadas pelo professor Raphael Coelho Machado (1814-1887) e poesia de

diversos autores, coleção “O Trovador Brasileiro” (1876), sobre árias da ópera de

Giuseppe Verdi (1813-1901) e edição de “Cantares Brasileiros” sobre adaptações

de obras de Bellini e Gioachino Rossini (1792-1868). (ANDRADE: 1980, 7)

Referindo-se a uma modinha de 1869 Jovem Lilia abandonada Andrade

comenta:

Não consegui obter essa composição, editada como “modinha”, mas possuo dela uma cópia inacabada em manuscrito imperial, onde se a qualifica de “arietta”. O que ela é mas é um bem descarado plágio de Rossini (ANDRADE: 1980, 7)

Doderer estabelece como terceira fase da modinha as produções a partir

de 1860/70, a qual delimita como fase exclusivamente brasileira da modinha

tornando-se uma canção trivial. Esse declínio da modinha, como nomeia Doderer,

pode ter ocorrido devido o crescente número de músicos amadores e leigos que

começaram a compor, provocando a queda na qualidade da modinha. (1984, X)

A influência da ópera italiana e a formação erudita dos musicistas em

Portugal estão inseridas desde o século XVII em seus ambientes musicais,

tornando-se mais sensível na segunda metade do século XVIII, portanto não há

dúvidas que a estética operística atravessou o Atlântico através da colonização

portuguesa no Brasil e diretamente influenciou a modinha, “...que foi se ajeitando a

essa melodia europeia”, e como disse Mário de Andrade, “se nacionalizando nela e

apesar dela”. (ARAÚJO: 1963, 48)

A maior parte dos trabalhos sobre modinhas são apontamentos

baseados nas observações do prefácio das Modinhas Imperiais (1930) de Mário de

Andrade. (DODERER: 1984, VII) Ponto este pactuado por outros autores, também

Mozart de Araújo escreve ter sido o trabalho de Andrade o primeiro estudo

sistemático e orgânico sobre o assunto, porém deixando nas entrelinhas do prefácio

muitas interrogações a respeito (ARAÚJO: 1963, 7). Vale nos lembrar de que muitas

10

de suas observações são niveladas pelo momento nacionalista em que o próprio

Mário de Andrade estava vivendo, portanto há de se filtrar muitas observações

tendenciosas.

Deixando as questões nacionalistas de Andrade para outro momento,

podemos assegurar que sua contribuição histórico-musical é muito próxima daquilo

que se concebe. “A modinha é um mistifório de elementos num ideal comum: a

doçura.” , é uma mistura de plágios, adaptações, invenções e influência de toda

casta, isso não podemos negar. Há também em seu prefácio indicações das formas

musicais mais utilizadas nas modinhas (AB, ABC, AC, ABD, algumas em ária da

capo ABA), das fórmulas de compasso indica, (4/4, 2/4, ¾ devido à influência das

valsas) como as mais recorrentes. (ANDRADE: 1980, 5-8)

Não podemos encaixar a modinha em uma única forma, assim Doderer

a situa como desligada de esquema pré-determinado, mas usualmente formadas

de versos de oito ou cinco sílabas, com várias estrofes e estribilho, podendo ser

canção bipartida, canção contínua ou até canção com forma da capo. Não se atendo

a um critério único, porém afirmando ser seu conteúdo constantemente remetido

aos desgostos de amor, saudades, cuidados com a pessoa amada, cenas

mitológicas, alegóricas ou bucólicas. (1984, VII).

Araújo concordando com Doderer acrescenta que ela se distingue dos

outros povos pelo lirismo e ternura, é entrecortada de lamentos e queixumes, com

languidez sensual, conduzida por uma expressão de intensa emoção.

Constantemente com temas sobre desgostos de amor, saudades, cuidados com a

pessoa amada ou cenas mitológicas e alegóricas. (ARAÚJO: 1963, 48)

A influência climática fez a modinha brasileira ter “um que de açucarada”,

com ritmo ondulante e quebradiço, segundo Freitas. Este autor distingue a modinha

brasileira da portuguesa citando algumas diferenças: em Portugal a modinha é

tratada com maior rigidez, com exigência [fixa] na ornamentação vocal escrita,

11

geralmente cantada a duas ou três vozes e escrita em clave de Dó, já no Brasil, há

passagens bruscas entre modo maior e menor, geralmente cantada a uma só voz

e escrita em clave de sol. Afirma ainda que a modinha “não poderia ser criação de

qualquer vulgar cantarejo”, pois guarda recato de canção de concerto por não ser

uma dança como o lundum, o batuque, o sarambeque, a fofa, a carrasquinha, a

chula ou o fandango. Portanto, ao se cantar modinha, a mesma atitude de cantores

operísticos é solicitada, visto que as modinhas eram intercaladas nos saraus entre

árias e cavatinas de ópera, quando estas eram apresentadas nos salões

aristocráticos, no paço real e imperial acompanhadas ao cravo, piano, a viola e até

a guitarra [violão], não deixando de citar as modinhas cantadas nas ruas

acompanhadas ao violão. (FREITAS: 1974, 5-7)

“Dizem que a modinha morreu. Ela não morreu porque não é mais uma canção, mas um estado de alma. Ela está na própria essência emotiva da nacionalidade.” (Araújo apud KIEFER: 1977, 29)

Dos terreiros aos teatros, passando por salões, instituições de ensino de música, clubes musicais, igrejas, teatros, praças e ruas, a música, ou melhor, as músicas circulam entre esses espaços, transmudando-se, constantemente. São modinhas, que se apropriam de características de óperas, óperas que absorvem características do cancioneiro brasileiro, são lundus, maxixes, valsas e outros gêneros apropriados pelos teatros musicais, são músicas sacras com características modinheiras, etc. (FREIRE: 2004, 101)

A modinha foi um gênero que se espalhou por diversas classes sociais e é

sabido que modinhas e lundus circulavam entre os meios eruditos e populares. Teve

fortes influências eruditas – uma vez que pode ser entendida como a tentativa de

apropriação do canto lírico encontrado nas árias de ópera – mas nunca se sujeitou

a regras muito rígidas. Foi famosa nos salões, cantada nas casas, nos saraus, na

sala de câmara do rei, enfim, um gênero com muitas possibilidades esteticamente

válidas e que refletiriam as habilidades de seus intérpretes. Há de se pensar que

uma mesma modinha cantada pela filha de um burguês, ou por uma mulata poderá

ser muito mais simples na realização quando comparada, por exemplo, com o

cantar de um castrato, que geralmente se apresentava para a corte e exibia seus

dotes através do uso de sua extensão vocal e ornamentação.

12

No entanto, mesmo com estes diversos meios e trocas de influências,

não podemos nos esquecer que cada intérprete tem um histórico individual e

marcante. E lembrando que segundo Andrade (1967, v.1, p. 49), no tempo de D.

João VI os mais procurados professores de canto do Rio de Janeiro eram os

cantores castrati da Capela Real e desta forma, se analisarmos como influência

vocal, mesmo os que não cantavam nas óperas e no teatro, tinham acesso a todo

o ideal estético vocal por meio de seus representantes maiores na cidade.

A modinha foi um fenômeno musical brasileiro do século XIX e conforme

mencionado em alguns trechos do trabalho, as oposições entre erudito versus

popular ou mesmo a discussão a respeito de sua identidade são apenas plano de

fundo mediante ao fluxo e refluxo de enriquecimento musical adquirido entre as

classes e entre o Brasil e Portugal. Esta divisão hierárquica entre criador e criatura

é antes de tudo uma questão ideológica e não musical. Concluímos que esse

gênero musical transita sim entre o popular e o erudito, podendo ser abordada de

forma válida através de qualquer um desses ângulos.

13

Capítulo II: A influência do bel canto no Brasil

A música era uma das grandes paixões dos reis da dinastia de Bragança e foram despendidas somas consideráveis em sua honra. Basta recordar a riquíssima biblioteca musical reunida por D. João IV [1604-1656], ele mesmo compositor e crítico de mérito, a contratação de Domenico Scarlatti [1685-1757] sob o reinado de D. João V [1689-1750], a de David Perez [1711-1778] e dos maiores cantores italianos sob D. José I [1714-1777], sem esquecer a construção do faustoso teatro de ópera “dos Paços da Ribeira” ou “Ópera do Tejo”, considerado por [Charles] Burney [1726-1769] como o teatro mais brilhante de toda a Europa, infelizmente destruído no ano de sua inauguração pelo grande terremoto de 1755 (SCHERPEREEL:1985, 13).

Com a subida ao trono de Dom José I, em 1750, a ópera se estabelece

definitivamente como gênero musical dominante em Portugal, igualando-se em

importância à música religiosa. Importantes compositores italianos como Nicollò

Jommelli (1714-1774) e David Perez foram contratados pela corte e introduziram

em Portugal todas as informações do panorama operístico produzido na Itália. A

inauguração em 1755 da Real Casa da Ópera (Ópera do Tejo), primeira casa

dedicada ao gênero em Portugal, contou com a participação dos maiores cantores

italianos da época. Os personagens femininos eram predominantemente

apresentados por castrati. Além da influência do estilo de composição e do cantar,

toda estrutura musical também era oriunda da Itália. Desse país eram importados

partituras, papel de música, instrumentos musicais, músicos e bailarinos. Figurinos,

adereços e até mesmo as mechas para as velas da iluminação do teatro, pois as

oriundas da colônia produziriam excessiva fumaça.

A coroa portuguesa subsidiava a formação de artistas através do custeio de

seus estudos musicais na Itália, enviando-os preferencialmente para Nápoles. Em

seu regresso, esses “bolsistas” do governo passavam a integrar o círculo português

de compositores, aculturando o gosto local aos padrões internacionais

14

estabelecidos pela ópera italiana. Essa é a corte que chega ao Brasil em 1808,

acostumada à vivência com a ópera e apaixonada pelos cantores italianos,

principalmente os castrati.

15

2.1 Bel Canto e os Castrati

O “cantar belo” tem sido utilizado como expressão genérica para as diversas

tradições vocais, técnicas e interpretativas surgidas na ópera italiana desde seus

primórdios no século XVII. Equivocadamente, muitos consideram o bel canto como

mero virtuosismo vocal, desconectado ou até mesmo contrário ao sentido dramático

e expressivo do canto. Sem nos determos nas controvérsias insolúveis entre os

detratores e campeões do gênero, essa forma de abordar a música vocal é uma das

mais significantes contribuições ao desenvolvimento estilístico da música barroca,

deixou sua marca indelével não apenas no barroco tardio, mas inclusive nos

períodos subsequentes. (BUKOFZER: 2009, 118) Essa arte foi o meio de

comunicação entre artistas e seu público, transformando a ária em declamação

inflamada e cativante. A individualidade dos intérpretes seria vital na experiência

musical dos séculos XVIII e XIX.

A base técnica do bel canto reside no controle da respiração, no

aperfeiçoamento do legato, na precisão e flexibilidade da coloratura, na ausência

de transições bruscas entre os registros, no controle sobre uma longa extensão

vocal (com um registro agudo bastante desenvolvido e de fácil emissão). Não se

restringe apenas às óperas da era de ouro do bel canto, podendo ser utilizada

também em outros repertórios. A arte desse bel cantare era construída através de

longa preparação dos castrati nos antigos conservatórios espalhados pela Itália,

cujos expoentes se destacam Farinelli (Carlo Broschi: 1705-1782), Caffarelli

(Gaetano Majorano: 1710-1783), Porporino (Antonio Uberti: 1719-1783) entre tantos

outros.

Durante seis, às vezes dez anos, os jovens castrati davam conta de uma considerável labuta cotidiana que trabalhava essencialmente a respiração, a fim de desenvolver ao máximo os músculos inspiratórios e expiratórios, garantia de uma técnica vocal a toda prova. Graças as esses exercícios, os jovens castrati abandonavam aos poucos a respiração essencialmente abdominal, para adquirir de modo perfeito a respiração costo-abdominal

16

profunda que lhes assegurava regularidade e flexibilidade. (BARBIER: 1989, 46)

Todo este estudo de controle da respiração estava diretamente ligado à

infinita variedade de exercícios que os castrati executavam diariamente para obter

o domínio na execução de ornamentação virtuosística ao cantar.

A esse trabalho de respiração se enxertava a espantosa técnica barroca de ornamentação que o castrato tinha que adquirir e dominar com perfeição: passagens, trinados repetidos, “colocações de voz”, agilidade martelada, gorgheggi, mordentes, apojaturas, ou seja, os mil e um requintes de uma vocalização flexível e ágil. (BARBIER: 1989, 46)

Os castrati ou evirati eram cantores homens que tendo sido emasculados em

idade pré-púbere, desaceleraram o processo de maturação sexual ao extremo,

mantendo consequentemente o registro vocal agudo infantil aliado ao domínio

técnico de anos de prática. Os mais consagrados aliavam potência sonora e

extensão ampla. Francesco Bernardi (1686-1758), mais conhecido como Senesino

por ter nascido em Siena (Toscana), possuía região de contralto, de Sol2 a Mi4.

Farinelli possuía a estonteante extensão de Lá2 a Ré5. De fato, os castrati foram

os pioneiros do que seria conhecido no futuro como a arte do bel canto. Aqueles

possuidores das mais belas vozes tornaram-se ídolos do mundo musical. Extirpados

de seus dotes naturais na infância, restou-lhes dominar o mundo através de sua

voz, constantemente ostentando seu outro poder em acrobacias sonoras, recriando

de maneira impressionante suas linhas melódicas. Sem dúvida eram admirados por

seu refinamento musical e embelezamentos elaborados, muitos dos quais foram

devidamente anotados, embora a escrita não consiga expressar a sutileza e frescor

de seus improvisos (JACKSON: 2005, 68-69)

O processo histórico de transformação do gosto musical promoveu o

deslocamento desses artistas dos centros irradiadores da produção artística – como

a Península Itálica – para a periferia consumidora, de gostos mais conservadores –

como a Península Ibérica. Com a invasão francesa e consequente retirada

17

estratégica da corte portuguesa, servos e criadagem a partir de 1807, vieram a

terras brasileiras os músicos da Capela Real, entre os quais cantores castrati.

Com as transformações culturais ocorridas na Europa no século XIX, o

declínio da participação de castrati na ópera é evidenciado pela transferência de

seus papéis tradicionais para soprani e mezzi mulheres, observável nas óperas de

Rossini e que preservam o legado do bel cantare com seus embelezamentos e

fioriture. (JACKSON: 2005, 69)

A prática de emasculação para fins artísticos iniciou longo processo de

declínio cujo último representante, Alessandro Moreschi (1858-1922), registraria em

áudio seus recursos vocais em gravações feitas em 1902 e 1903, possibilitando

alguma ideia de como soaria esse tipo de voz, embora Moreschi não estivesse mais

em seu auge vocal. (JACKSON: 2005, 69)

18

19

2.2 Prática de Ornamentação e Improvisação

Ornamentação é tão necessária na vestimenta da música do barroco, como se vestir é para o corpo humano. Há uns poucos sortudos de nós que aparentamos o nosso melhor sem nada, apenas com um laço na cabeça (...). (SADIE: 1998, 417)

Há sempre espaço interpretativo entre a notação musical convencionada e

sua realização. Improvisação, adições e alterações sutis - ou nem tanto - a partir de

uma obra musical previamente criada é elemento essencial da cultura humana. Tal

variação pode ser melódica, como na expansão ou extensão das notas

originalmente grafadas em uma ária operística através de diminuições ou

ornamentos. Na música culta ocidental, há uma zona de tensão entre compositores

que permitem instrumentistas e cantores nessa prática, permitindo certo grau de

espontaneidade e desvio de sua música como anotada e no outro extremo,

compositores contrários, que entendem a intervenção do intérprete como potencial

ataque à integridade de suas criações. (JACKSON: 2005, 195)

A necessidade de variar a linha melódica parece ser inerente à prática

musical. Para Frederick Neumann:

Desde que as pessoas começaram a cantar, isso significa em tempos imemoriais, tem existido ornamentação. A necessidade de brincar com o material musical, de manipular uma melodia de maneira lúdica alterando seus ritmos ou substituindo notas ou adicionando novas notas, deve saltar de um instinto muito profundo humano, porque nós encontramos essa manifestação em todas as eras e culturas. (1993, 293)

Para os músicos dos séculos passados, a partitura nua deveria ser

elegantemente vestida. Contudo, saber o que vestir pressupõe intimidade cultural

com o meio. Cada tempo, local e função possuem seus códigos particulares e

20

precisamos obter noções o mais claras possível da distância que nos separa de um

determinado período como de nosso conhecimento histórico e sensibilidade

contemporânea. Mais do que estabelecer regras for dummies, principalmente

porque as fontes primárias e secundárias não apenas dialogam como conflitam

entre si, necessitamos compreender como seria estar naquele ambiente, entender

os interesses e referências daqueles que viveram naquela época através dos olhos

de alguém para o qual ornamentação seria “feijão com arroz” (SADIE: 1998, 417).

O intérprete de nosso tempo que deseje realizar o repertório dos séculos

anteriores com propriedade e entendimento histórico deve necessariamente

mergulhar na mentalidade de época. Um bom caminho seria perguntar como os

artistas dos séculos XVIII e XIX teriam reagido à notação de seu tempo. Qual seria

a expectativa da interpretação da escrita musical de um cantor em seu tempo

histórico? Podemos afirmar que em um dos extremos haveria a possibilidade do

acréscimo ao texto musical escrito de fiorature mais ou menos elaboradas,

substancialmente modificando a linha melódica. Material original poderia ser

inserido em cadenzas. Na ponta menos vistosa, porém não menos expressiva, há

a aplicação de ornamentos mais discretos, com uma menor modificação do texto

original, desde a aplicação e variação do vibrato, portamenti e sutis modificações

nos ritmos. Interpolações de arpejos, trinados, grupetos e apojaturas não

deformariam a estrutura do desenho melódico original. Conforme Bernardes (2008,

118):

De fato, não é possível um abandono de nossa individualidade que, afinal de contas pertenço ao séc. XXI. (...) Para nós, distantes alguns séculos, é necessário mergulhar no conhecimento de época, para através do conhecimento profundo, atuarmos no estilo e pensamento como uma segunda natureza, e realizarmos nossa intervenção artística recriando um todo coerente no novo contexto de realização.

Quando se pensa nas formas de expressão da música culta, o apreciador

leigo – e mesmo grande parte de músicos profissionais – dificilmente reconhece a

21

importância da ornamentação, embelezamento e improvisação nas práticas

musicais de todas as eras. A musicologia no século XX atraiu nosso olhar para

questões de ornamentação dos séculos XVII e XVIII, com seus misteriosos símbolos

compostos por notas em miniatura, traços ondulados, cruzes e outras formas

peculiares. Reconheceu-se a necessidade intrínseca do ornamento como

constituinte essencial da estética barroca em sua busca pelo efeito, pela surpresa,

pelo bizarro.

Podemos entender ornamento como uma adição à estrutura, agregando

elegância, graça, suavidade ou variedade. Nesse contexto, a estrutura conteria os

elementos essenciais, enquanto o ornamento adicionado realçaria o apelo estético

de tais elementos. Ornamento e estrutura complementam-se um ao outro.

(NEUMANN: 1993, 294) Se didaticamente tal oposição e complementaridade entre

ornamento e estrutura pareça bastante nítida, no entanto, o ponto exato onde

começaria uma e terminaria a outra pode ser bem difuso.

No século XX, em especial no período pós-guerra, houve uma forte tendência

a se valorizar apenas o texto anotado na partitura pelo compositor. Essa visão de

ortodoxia equivocada provocou a conduta de se entender como norma a escrita,

esquecendo-se das práticas musicais. Apenas recentemente tal concepção restrita

tem sido desafiada, o que provocou renovação e frescor nas performances. O

desafio de entendimento de estilo incrementa conforme nos distanciamos no tempo

e no espaço – lembrando que se trata de produção de origem europeia ou nessa

cultura inspirada. A maioria dos executantes da atualidade adiciona alguns trinados,

apojaturas associados a alguma pequena modificação de fraseado e dinâmica,

resvalando a superfície interpretativa, justificando performances da música dos

séculos XVIII e XIX, enquanto há muito mais a ser observado. (BROWN: 1999, 415)

Dependendo de período histórico, filiação estética, nacionalidade e até

idiossincrasias, a ornamentação poderá estar incorporada à escrita sem distinção

clara da linha estrutural, ser anotada com notas de tamanho menor ou símbolos. Os

22

ornamentos poderão ser adicionados ou até mesmo alterados por iniciativa do

intérprete, quer seja de maneira espontânea ou mesmo previamente definidos. O

caráter improvisatório seria frequentemente esperado, mesmo que apenas

emulando a inspiração do momento. Falhar em surpreender a audiência com uma

performance plena de frescor implicaria em uma realização mal acabada,

dificilmente desejável pelo compositor. Tais acréscimos ornamentais não seriam

marcados na partitura, mas adicionados pela iniciativa do executante, esses

embelezamentos poderiam ir desde uma simples graciosa nota acrescentada até

os mais caprichosos floreios ou longas cadências. (NEUMANN: 1993, 510)

Os castrati não deixavam de dar livre curso à imaginação para florir à vontade

o tema inicial (BARBIER: 1989, 80). Podemos utilizar exemplos musicais anotados

como exemplos das possibilidades de elaboração utilizados por artistas do período.

O estudo desses exemplos nos permitiria adotá-los como guias ou modelos

esteticamente plausíveis. Mesmo que previamente elaborados pelo compositor,

adicionados por intérprete da época ou criados na atualidade, o principal imperativo

é manter o sentido de espontaneidade como teria sido no processo original de

improvisação, evitando qualquer impressão de rigidez. (JACKSON: 2005, 195-196)

Dentre o material escrito por castrati e outros cantores dos séculos XVIII e

XIX destacam-se Opinioni de cantori antiche e moderni (Bolonha: 1723), de Pier

Francesco Tosi (c.1653-1732), Pensieri, e riflessioni pratiche sopra il canto figurato

(Viena: 1774) de Giovanni Battista Mancini (1714-1800), A Selected Collection of

the Most Admired Songs, Duetts, &tc. (c.1779-1795) de Domenico Corri (1746-

1825), Regole Armoniche o sieno Precetti Ragionati per apprender la Musica (1797)

e o Traité complet sur l’art du chant (Paris: 1847) de Manuel García (1805-1906).

Opinioni de’ cantori antichi e moderne de Tosi é considerado como o primeiro

tratado inteiramente dedicado a arte do canto. Em 1743 foi publicada sua primeira

versão em inglês como Observations on the Florid Song. O trabalho de Tosi foi lido,

estudado, traduzido e citado por professores de canto por ao menos meio século

23

após sua publicação e permite-nos entrever alguns aspectos sociais e técnicos da

música vocal do Barroco (SADIE: 1998, 426), embora a ausência de qualquer

ilustração musical seja uma perda considerável. Homem já velho quando da

publicação de Opinioni, Tosi passa severo sermão no qual critica o que considera

ser excessivo cultivo do atletismo vocal em prejuízo do cantabile e do patético pelos

compositores “modernos” – e por extensão cantores para os quais escreviam.

(SADIE: 1998, 417)

Nesses moderne podemos incluir jovens compositores napolitanos, como

Leonardo Vinci (1690-1730) e Leonardo Leo (1694-1744) que estavam plantando a

semente de um novo estilo pós-Barroco, cujo mais brilhante representante, Carlo

Broschi (1705-1782), detto Farinelli, tinha apenas iniciado carreira.

As árias admitiam diversos tipos de ornamentação e seu uso e formas

transformaram-se consideravelmente durante a vida de Tosi. A utilização de

ornamentos (grace notes) está intimamente associada às árias patéticas,

expressivas, como as de Alessandro Scarlatti (1660-1725), por exemplo. Em

primeiro lugar há os trinados e apojaturas em suas diversas variedades, messa di

voce, mordentes, vários tipos de portamenti ou ligaduras (scivolo) e o que aparenta

ser um tipo de rubato (stracino, possivelmente equivalendo a rallentando). Os mais

desafiadores à musicalidade e gosto do cantor, de acordo com Tosi, são os passi.

Passi seriam pequenos grupos de notas introduzidos pelo cantor de maneira a

embelezar a linha melódica, sem perturbar o fluir do compasso, porém ritmicamente

matizadas – roubada no tempo para cativar a alma – e dinamicamente sombreadas.

(SADIE: 1998, 419-420)

Tosi faz o que pode ser considerado o primeiro depoimento teórico a respeito

do embelezamento da ária da capo. Em tal ária, ele diz, a primeira parte deverá ter

somente alguns ornamentos simples e de bom gosto de maneira a preservar a

integridade da composição, a segunda parte deverá ser dada um pouco mais de

adereços para mostrar mais da habilidade do cantor, e no da capo no qual cada um

24

pode variar e improvisar o que cantou antes, não é grande novidade. “Quem não

variar melhorando tudo que cantou, não é grande homem.” (TOSI: 1723, 60)

(NEUMANN: 1993, 520-521)

A ornamentação era responsabilidade do cantor que vestiria a melodia base

com suas melhores habilidades vocais. Seu desenvolvimento vocal havia sido

realizado desde a infância, obtendo pleno domínio de recursos técnicos e estilísticos

e supunha-se que o intérprete deveria ter inteligência e gosto para ornamentar,

realçando a beleza e expressão musicais. Tosi deplorava a tendência “moderna” de

se anotar apojaturas. Ornamentação deste tipo era mais do que mera decoração,

ela supria o executante com um recurso com o qual poderia brincar com a

suscetibilidade de seus ouvintes. (SADIE: 1998, 420)

As passagi, passagens melódicas ricamente ornamentadas, em princípio

eram escritas pelo compositor, que tinha em mente as habilidades particulares do

cantor para quem eram destinadas. (SADIE: 1998, 420) Conservador, Tosi ataca o

que entende por uso excessivo de passagi pelos modernos. Considera as divisões

impotentes para tocar a alma, apenas despertam nossa admiração. Devem, no

entanto ser ensinadas ao estudante – que as praticará com assiduidade - “pois

quando são bem executadas no lugar apropriado, merecem aplauso, e tornam um

cantor mais universal; ou seja, capaz de cantar em qualquer estilo.” (TOSI: 1743,

51)

Precisamos contextualizar a severidade de Tosi em relação aos excessos de

ornamentação. Possivelmente o tipo de embelezamento criticado tenha possuído

um nível de luxúria praticamente inconcebível na atualidade. Mesmo uma fração de

tamanha volúpia sonora seria excessiva para nós, embora pudesse soar escassa

para os padrões da época. Poderíamos exercitar nossa sensibilidade através do

olhar dos cantores que os teriam cometido. Privado das possibilidades de realização

masculina, treinado rigorosamente desde a infância para o único propósito de

maravilhar a audiência com proezas vocais sobre-humanas é de se esperar que o

25

virtuose castrato incite seu público com os mais diversos malabarismos vocais,

arrancando aplausos e buscando um sentido maior para sua história pessoal. Era o

que demandava o público de ópera europeu – com parcial exceção da França, rival

e consumidora da música italiana. A sedução proporcionada pelos castrati foi a mais

visível e espetacular característica do século XVIII. “Divisões eram para eles o

equivalente aos dós de peito bramidos por nossos robustos tenores.” (SADIE: 1998,

424)

Mancini estudou canto em Nápoles com Leo, o que o colocaria diretamente

na mira de Tosi como um dos “modernos”. Seu tratado de 1774 dá continuidade ao

trabalho de Tosi (1723). Considera-se de grande importância a influência de Mancini

no culto ao virtuosismo vocal que se prolongaria no século XIX. As controvérsias

com Manfredini revelam as transformações estéticas do final do século XVIII.

Era prerrogativa do intérprete a elaboração de versões mais decoradas,

especialmente em seções repetidas. Cadenze são pontos especialmente

interessantes para improvisação. Corri defende limitar a duração de uma cadenza

a apenas uma respiração. (JACKSON: 2005, 198) Farinelli escreveu alguns de seus

embelezamentos, assim como Faustina Bordoni (1697-1781) de quem ao menos

um exemplo das diminuições de árias que cantou sobrevive. (JACKSON: 2005, 198)

A ornamentação demonstrava o domínio vocal como também da linguagem musical.

...ele não se contentava em exibir seu virtuosismo, mas dava prova de seu bom gosto musical; a arte vocal tinha de ser constantemente criativa, e não fixada através das notas escritas no papel: saber ornamentar era então a prova de um domínio total dessa arte. ...para satisfazer o público, o cantor tinha de arranjar uma progressão através das três partes da ária (A-B-A) e ornamentar mais a segunda cadência que a primeira, depois a terceira muito mais que a segunda. (BARBIER: 1989, 78)

Nos períodos entre 1750-1900, podemos observar uma flexibilidade maior na

interpolação de elementos ornamentais que permitem as convenções de notação

do século XX. No século que nos antecede, os compositores tenderam

26

progressivamente em especificar seus requerimentos musicais. Tal procedimento

aproximou a performance do intérprete da notação pontual indicada pelo

compositor, com relação a altura, ritmo e embelezamento da obra. (BROWN: 1999,

415) O artista desloca o peso de sua abordagem do enfoque criativo e gradualmente

assume o papel de executante. No entanto, essa cristalização em recriar, embelezar

e alterar tempos pode nos limitar a meros reprodutores ao invés de fundirmos os

complementos estrutura e ornamentos com criatividade artística. Ornamento e

estrutura são aspectos complementares e essências da performance artística. Para

Corri, “uma ária ou um recitativo, cantados exatamente como comumente anotados

e escritos, seria uma performance rude e muito inexpressiva” (apud BROWN: 1999,

417).

A colaboração entre compositor e intérprete não implica obrigatoriamente em

acréscimos por parte deste à criação daquele. Essa colaboração pode significar

também a redução de ornamentos. Anselm Bayly (?-1794), em seu Practical

Treatise on Singing and Playing with Just Expression and Real Elegance (1771)

(apud BROWN: 1999, 417), afirma que:

Muitos compositores inserem apojaturas e ornamentos que sem dúvidas devem auxiliar ao aprendiz, porém não a um executante bem educado e de bom gosto que pode omití-los conforme julgar apropriado, variá-los ou introduzir outros de sua própria fantasia e imaginação.

Charles Burney (1726-1814) (apud BROWN: 1999, 417-418), comentando

sobre Antonia Wagerle Bernasconi (c. 1741-1803), integrante do King’s Theatre a

partir de 1778, que La Bernasconi não teria grande voz, mas possuía um estilo de

cantar muito elegante, e muitos ornamentos e refinamentos totalmente novos na

Inglaterra de então. Sobre Teresa Maddalena Allegranti (1754-c.1802), diz Burney:

Sem dúvida ela parece para mim original, seus ornamentos e embelezamentos não parecem ter sidos copiados de nenhum outro cantor, ou que tenham sido mecanicamente ensinadas por um mestre ou professor. (apud BROWN: 1999, 418)

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O entendimento do caráter essencial de embelezamento e elaboração como

inerente ao repertório do século XVIII como fundamental à experiência estética do

compositor, executante e ouvinte aparenta ser senso comum no mundo acadêmico.

No entanto, o mesmo entendimento a respeito das práticas no século XIX, ainda

provocam debates, e é necessário que se compreenda que as mudanças de atitude

frente às práticas musicais oriundas dos séculos anteriores foram bem mais lentas

e graduais do que possamos imaginar em um primeiro momento. Especialmente no

mundo do canto lírico e da ópera. Deve-se considerar que as práticas e abordagens

da notação musicais desse período eram mais próximas e fundamentadas nas

percepções do século XVIII que na segunda metade do século XX. (BROWN: 1999,

415-416)

A gradual mudança de hábitos de escrita e das convenções de performance

desestimularia práticas de improvisação e os ornamentos seriam absorvidos na

notação durante o século XIX. Os grandes artistas do período, como Ludwig van

Beethoven (1770-1827) e Frederic Chopin (1810-1849) improvisavam e muitas de

suas partituras documentam esses momentos. No entanto, devido a essas

mudanças nas práticas de notação e consequentemente na abordagem dos

intérpretes, a ornamentação seria entendida como uma das questões mais

desafiadoras à performance da música criada nos séculos XVII e XVIII do que

àquela criada em períodos subsequentes. (NEUMANN: 1993, 293-294)

Argumentos contrários à prática de embelezamento baseados em críticas do

período podem ser resultado de equívocos de interpretação. Como observa Brown

(1999, 421), críticas publicadas no Allgemeine Musikalische Zeitung, jornal de

música publicado em língua alemã no século XIX, com objeções a embelezamentos

realizados em árias de Le Nozze di Figaro KV 492 e Die Zauberflöte KV. 620 pelo

baixo Ludwig Fischer (1745-1825) opõem-se não à inclusão de fiorature em árias

de Mozart, mas à sua má realização. Nessa mesma publicação, em 1802 um crítico

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lamentou a ornamentação de Fischer em In diesen heil’gen Hallen (Die Zauberflöte),

alegando ser a harmonia complexa e que Mozart já escrevera muitas notas...

Também é possível que tais críticas indicassem gradual mudança de gosto

no período. Três anos antes, o mesmo jornal pedia apenas que Fischer usasse “um

pouco menos de embelezamentos” (apud BROWN: 1999, 421). Fischer foi um

grande colaborador e amigo de Mozart. Com sólida formação musical – Fischer

iniciou seus estudos musicais aprendendo violino e violoncelo –, seus dotes vocais

e artísticos – não apenas como cantor, como também sua atuação – foram

amplamente admirados pelos compositores e público da época. Para ele Mozart

criou especialmente o papel de Osmin (Die Entführung aus dem Serail KV 384)

explorando suas habilidades e extensão vocais.

A prática improvisatória em cadenze vocais permanece século XIX adentro,

principalmente na música influenciada pela ópera italiana. Embora Wolfgang Mozart

(1756-1791) após c. 1781 não mais privilegiasse adições ad libitum em suas

composições, tais convenções continuaram aceitas entre compositores italianos da

geração de Rossini, Gaetano Donizetti (1797-1848) e Vincenzo Bellini (1801-1835).

A tendência no final do século entre compositores italianos, Giuseppe Verdi (1813-

1901) incluso, é definirem suas próprias cadenze. O soprano francês Laure Cinti-

Damoreau (1801-1863), associada a Rossini com quem estudou e para quem criou

diversos papéis, em seu Méthode de chant (1849) fornece diversos exemplos

aplicáveis a Giacomo Meyerbeer (1791-1864), Donizetti, Jacques Halévy (1799-

1862) e outros. (JACKSON: 2005, 199)

É possível que os compositores do século XIX anotassem embelezamentos

desejados – se não fiorature obrigatórias – como forma de se prevenir de equívocos

de ornamentação incorreta ou inapropriada por parte de executantes inexperientes

ou de pouca sensibilidade artística. Mesmo na geração de Verdi há evidências de

que os compositores não esperavam que cantores realizassem as passagens

ornamentais como exatamente explicitadas na partitura ou mesmo as cadenze de

29

maneira literal como escritas. Possivelmente tais anotações operassem mais como

um guia indicando ao cantor os pontos e duração adequados aos embelezamentos

interpolados. Em períodos anteriores, tais decisões seriam deixadas totalmente a

critério dos intérpretes.

Clive Brown (1999, 419) relata uma anedota envolvendo Manuel Garcia, pai

(Manuel Del Pópulo Vicente Rodríguez García: 1775-1832) e Manuel Garcia, filho

(Manuel Patrício Rodríguez García: 1805-1906) em que é possível vislumbrar a

transição e simultaneidade entre a tradição de se escrever apenas o esqueleto de

uma ária à qual o cantor colocaria seus embelezamentos e às novas práticas em

que o compositor assumiria maior domínio nos detalhes da música. Narra García

filho um incidente em cerca de 1815 durante o ensaio de uma nova ópera na

presença de um compositor da velha escola italiana. Tendo recebido de seu pai

uma parte para ler à primeira vista, García filho cantou com perfeito fraseado e

sentimento, respeitando a partitura exatamente como escrita. Após terminar, o

compositor teria lhe dito: “Muito bem, mas nada do que eu queria”. Ao pedir uma

explicação, García filho foi informado pelo compositor que a melodia era meramente

um esqueleto ao qual o cantor deveria recobrir com o melhor de suas habilidades e

instinto artístico. Sendo García pai muito habilidoso em improvisação, demonstrou

a ária com diversas alterações e adições, introduzindo escalas rápidas, trinados,

roulades e cadenzas. “Bravo! Magnífico! Era assim que eu desejava minha música!”

disse o velho compositor sacudindo calorosamente a mão do cantor.

A habilidade de invenção do intérprete, naturalmente criando novos

embelezamentos seria atributo essencial de um cantor solista bem sucedido.

Posicionamentos semelhantes perdurariam pelo século XIX como se apreende

através do depoimento do violoncelista Friedrich Dotzauer (1783-1860) nos anos

1820:

Há uma massa de ornamentos cuja forma e humores dos virtuoses tem feito crescer de tal maneira que nomes que combinem com eles não foram sequer descobertos para serem usados”. (BROWN: 1999, 418)

30

Necessário em todas as circunstâncias, o grau e tipo de embelezamento

seriam variáveis de acordo com o contexto e trecho musical abordado. Árias de

grande impacto dramático, de bravura ou desespero, solicitam intervenção de

grande virtuosidade. Da mesma forma, o caráter lírico ou melancólico recomendaria

recursos mais sutis. Louis Spohr (1784-1859), em sua Violinschule (1832), distingue

com clareza entre um estilo “correto” e um estilo “refinado”. Pode-se apresentar a

música de maneira meramente correta – o que em si demanda grande

conhecimento técnico e artístico –, ou artisticamente refinada, na qual o intérprete

submete o texto original a uma série de modificações mais ou menos sutis em

benefício da expressão. Era esperado que o executante tivesse capacidade de

enxergar além da notação literal do compositor. Algumas vezes, por convenção

genericamente entendida, figuras e notas da partitura eram reconhecidas como

indicadoras de outras notas e figuras! Assim como no Jazz da atualidade, a partitura

é escrita dentro de uma convenção que não descreve com exatidão aproximativa

sua execução, mas implica necessariamente em uma reinterpretação e execução

distintas. O tipo de execução estava implícito no contexto musical, convenções eram

operativas para variáveis alterações rítmicas – como notas pontuadas – e arpejos

de acordes. (BROWN: 1999, 416)

Críticas contra o excessivo embelezamento e/ou sua aplicação incorreta não

significam necessariamente o repúdio à prática. Como observa Anton Reicha (1770-

1836):

Não se deve confundir uma coisa com abuso que é feito dela, pois há sempre uma diferença entre as duas. É necessário saber distinguir um cantor de talento que embeleza uma melodia com uma voz flexível, agradável e com gosto refinado e excepcional discernimento, com aqueles mal mímicos e caricaturas de dar pena que fazem disso algo pior. E se o anterior tem, em acréscimo, espírito o bastante para colocar seus embelezamentos da maneira justa e correta, não se deve confundi-lo com os últimos, que os usam de maneira equivocada”. (BROWN: 1999, 420)

31

Podemos afirmar que ao menos até a primeira década do século XIX os

embelezamentos foram proeminentes sempre que houvesse performance solista,

especialmente no caso da música vocal. A quantidade de elementos elaborados,

agregados e alterados de forma artística era consideravelmente mais ampla e

profunda do que o seria em anos posteriores. A visão mais difundida até fins do

século XVIII era do compositor prover não uma obra acabada, mas um

delineamento ou esquema a partir do qual o intérprete solista demonstraria suas

melhores e mais assombrosas habilidades com maior vantagem expressiva

(BROWN: 1999, 416-417).

Por volta de 1830 e 1840 os intérpretes instrumentistas gradualmente

tornam-se menos inclinados a adicionar ornamentos não especificados pelo

compositor. Friedrich Starke (1774-1835) em sua Wiener Pianoforte-Schule (1819-

1821) defende que pianistas não deveriam introduzir seus próprios ornamentos,

embora cantores pudessem fazê-lo. O uso de símbolos para ornamentos tornam-

se menos frequentes sendo assimilados aos contornos detalhados das linhas

melódicas compostas. (JACKSON: 2005, 292)

Pode-se traçar um paralelo a respeito do processo histórico no qual os

compositores gradativamente aprofundaram o nível de detalhamento de suas

composições com os novos níveis de especialização do trabalho ocorridos durante

a Revolução Industrial. Rossini também começara a anotar os embelezamentos de

maneira mais completa em suas próprias partituras. Tal atitude revela seu

descontentamento em confiar sua música ao acaso de receber um intérprete com

suficiente técnica vocal, gosto e entendimento para realizar os efeitos desejados.

Contudo, não há razão para se acreditar que Rossini ou os cantores com os quais

o compositor se relacionou diretamente considerassem tais embelezamentos

anotados como restritivos ou exclusivos.

Podemos observar nas primeiras gravações realizadas o tratamento

interpretativo de cantores formados nas melhores tradições do século XIX. O uso

32

de interpolar embelezamentos elaborados inseridos no repertório estava longe de

findar, mesmo na geração posterior à morte de Rossini. A cavatina Una voce poco

fa (Il Barbieri di Siviglia: 1816) é característica como ária de ostentação da primeira

metade do século XIX. Em peças como essa, longamente estabelecidas no

repertório, camadas de tradição interpretativa acumularam-se e podemos identificar

muitas semelhanças entre embelezamentos de distintos cantores mais recentes.

Muitos cantores do século XIX eram renomados por sua fertilidade criativa, ousando

embelezar e elaborar uma mesma ária de maneiras e ocasiões diversas.

Através de gravações realizadas em torno de 1900 é possível observar

práticas remanescentes do século XIX. (JACKSON: 2005, 199) A tradição na prática

de se embelezar o repertório manteve-se durante o século XIX sendo documentada

através das primeiras gravações no início do século XX. Alessandro Moreschi

(1858-1922), considerado o último castrato, legou-nos uma série de gravações

realizadas entre 1902 e 1904. Embora haja controvérsia a respeito de sua técnica,

seja por estar longe de seu auge vocal, seja por não representar diretamente o bel

canto dos séculos XVII e XVIII, ainda assim a onipresença de embelezamentos é

fruto de tradições dos castrati do século XIX (BROWN: 1999, 428).

Exemplos de gravações de Una voce poco fa por Marcella Sembrich (1858-

1935), Luisa Tetrazzini (1871-1940) e Amelita Galli-Curci (1882-1963), três grandes

sopranos nascidas durante a segunda metade do século XIX, revelam-nos

consistência na escolha de lugares específicos na ária em que sugerem elaborados

ornamentos. Podemos reconhecer nas três interpretações gravadas semelhanças

com alguns modelos tradicionalmente sancionados, porém essas gravações

também apresentam outras passagens em que as intérpretes introduzem diferentes

tipos de ornamentação e demonstram suas melhores habilidades técnicas

específicas da individualidade de suas vozes. (BROWN: 1999, 419-420)

Nota-se o frequente uso de portamento. Como ornamento, também não era

usual indicar esse tipo de condução da voz, ao longo de intervalo amplo, geralmente

33

ascendente, passando rápido por todas as notas intermediárias, em absoluto legato,

no qual se antecipa a nota real. Seu uso sublinhava importantes palavras no texto,

como pode ser observado nas gravações do início do século XX que refletem as

práticas do século anterior. (JACKSON: 2005, 293)

O debate sobre ornamentar árias e peças assemelhadas, não importa qual

posição se tome, não consegue alterar o fato de que qualquer embelezamento –

cuja tradição é possível vislumbrar através de gravações históricas do início do

século XX – era prática amplamente impregnada na cultura do século XIX e

anteriores.

34

35

2.3 Capela Real de D. João VI: castrati e sua influência nas obras do Padre José Maurício Nunes Garcia

No período que vai da chegada da corte portuguesa ao Brasil até a abdicação de D. Pedro I (1808-1831), os músicos nacionais e alguns estrangeiros radicados no país é que impulsionaram a vida musical da cidade. Raros são os músicos de passagem. (ANDRADE: 1967, 134)

A vinda de músicos treinados na estética e técnica europeia causou

certamente forte impacto na música até então produzida no Brasil. Se não provável,

é bastante plausível que cantores treinados arduamente na arte do bel canto,

mestres na arte de embelezar melodias, agregando maior luxúria e variação nas

repetições, como o eram os castrati, tenham aplicado seu empenho também nas

modinhas imperiais.

Os castrati não só participavam da Capela Real, como também eram

presença marcante nas festas particulares e nas montagens de ópera. Há um

comentário de 1826, onde um cronista inglês que assina por APDG afirma “Eu

nunca assisti a uma soirée no Rio sem lá ver um ou dois castrati”. (apud CARDOSO:

2008,93) Como professores de canto certamente transmitiram a escola de bel canto

aprendida na Europa. O ápice dessa prática se caracterizou pela arte dos castrati,

e implica em toda uma tradição vocal, técnica, estilística e interpretativa da opera

seria, característica do barroco.

Como professores de canto, consequentemente transmitiram sua técnica e

gosto a seus alunos locais.

Com a chegada da corte e a consequente vinda de cantores europeus, os intérpretes cariocas puderam contar com professores especializados na arte do canto. Dentre eles, “os mais procurados professores de canto do Rio de Janeiro eram os cantores sopranistas (castrati) da Capela Real”. (ANDRADE: 1967, 49)

36

Muitos dos músicos que vieram durante o período joanino acabaram

permanecendo no Brasil por muitos anos. Alguns não retornaram para a Europa,

falecendo no Brasil, como é o caso do compositor Marcos Portugal (1762-1830), os

irmãos Fortunato (1782-1855), Giovanni (1786?-1850) e Carlos Mazziotti (?-1874)

e quase todos os cantores da Capela Real, alguns deles castrati e puderam

transmitir até o fim da vida seus ensinamentos e deixar um legado pedagógico no

Brasil.

Como exemplificação de ornamentação praticada pelos castrati no período,

podemos observar as Dezaseis Variacoens sobre o Thema Nel Cor più non mi sento

(apud PACHECO: 2007, apêndice III) de Domingos Luiz Lauretti (?-1857),

sopranista na Capela Real do Rio de Janeiro (Figura 1, Figura 2, Figura 3 e Figura

4).

37

Figura 1: Dezasseis Variacoens sobre o Thema Nel Cor piú non mi sento

38

Figura 2: Dezasseis Variacoens sobre o Thema Nel Cor piú non mi sento (continuação)

39

Figura 3: Dezasseis Variacoens sobre o Thema Nel Cor piú non mi sento (continuação)

40

Figura 4: Dezasseis Variacoens sobre o Thema Nel Cor piú non mi sento (continuação)

O efeito do domínio vocal desses cantores pode ser percebido através do

registro de modificações e adaptações que Padre José Maurício realizou em obras

próprias possivelmente adaptando-as ao gosto e possibilidades dos recém-

chegados.

Àqueles interessados em se aprofundar no universo dos cantores que

atuaram no Brasil durante o período de Dom João VI (1808-1821) remeto ao

trabalho de Alberto Pacheco Castrati e outros virtuoses (Annablume). A partir de

registros de pesquisadores importantes como Ayres de Andrade (1903-1974),

Cleofe Person de Mattos (1913-2002), André Cardoso e Paulo Kühl (1965).

41

Reproduzo parcialmente a compilação de Pacheco, apresentando castrati em

atividade no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX. (PACHECO: 2009,

78-114)

Giuseppe Capranica (Nápoles,17?- Rio de Janeiro, 15/08/1818). Primeiro

castrato a chegar ao Brasil em 1810. Atuou na Real Capela do Rio de Janeiro.

Antonio Cicconi (Roma, 1781- Rio de Janeiro, 30/10/1870). Soprano

favorito de Marcos Portugal, chegou ao Brasil em finais de 1810. Dedicatórias em

árias que revelam possuir voz muito ágil e maior qualidade no registro de cabeça.

Atuou na Real Capela do Rio de Janeiro.

Giovanni Francesco Fasciotti (Bergamo,17?- Rio de Janeiro, 14/10/1840).

Chegou ao Brasil em meados de 1816. Foi o castrato de maior sucesso em nosso

meio operístico, tendo recebido diversas dedicatórias do compositor Marcos

Portugal. Aliava qualidade musical e desempenho dramático. Como mezzo-soprano

participou no papel-título da montagem de Tancredi (1813) de Rossini que estreou

no Rio de Janeiro em 1821 e também em várias montagens operísticas cariocas.

Sua irmã e discípula Maria Tereza Fasciotti também esteve entre as mais

influentes no meio teatral do Rio de Janeiro.

Giuseppe Gori (Arezzo,? - Rio de Janeiro, 04/03/1819). Chegou ao Rio de

Janeiro em 1810. Este cantor possui três árias dedicadas a ele pelo Padre José

Maurício Nunes Garcia e duas por Marcos Portugal. As árias dedicadas a Gori pelo

Padre Mestre exploram a região aguda da voz. Ambos os compositores revelam em

suas dedicatórias musicais que o castrato possuía uma voz muito flexível, capaz de

longos vocalises, trilos e staccati.

Domingos Luiz Lauretti (Itália,? – Portugal, 1857). Provavelmente esteve

no Brasil pouco antes de D. João VI voltar a Portugal. Compôs as Dezaseis

Variações sobre o Thema Nel cor più non mi sento (onde demonstra altíssimo grau

42

de virtuosismo na arte de ornamentar e embelezar um mesmo tema de maneira

extremamente rica e criativa de acordo com suas próprias habilidades vocais.

Francesco Realli (Itália, ? - Rio de Janeiro ?,187?). Chegou ao Rio de

Janeiro em 1817 juntamente com Angelo Tinelli (ver abaixo). Aposentou-se da

Capela Real em 1829.

Marcello Tani (Itália, ? - Brasil, ?). O sopranista chegou ao Brasil em 1816.

Marcello e seu irmão Pasquale (ver abaixo) se aposentaram após doze anos de

trabalho dedicados a Real Câmara e Real Capela do Rio de Janeiro em 1828.

Pasquale Tani (Itália, ? – Brasil, ?). O contraltista chegou ao Rio de Janeiro

em 1816 com seu irmão Marcello Tani.

Angelo Tinelli (17?-18?). Chegou ao Rio de Janeiro em 1818. Foi cantor da

Capela Real até 1831.

Giuseppe di Foiano Toti (Itália, 17?- Portugal, 1832/33). Organista,

compositor e mestre de canto, Toti esteve no Brasil em 1809. Como não constam

registros de sua participação na Capela Real, possivelmente tenha atuado como

mestre de música. Não se sabe quando Toti teria retornado a Portugal.

Antes do Rio de Janeiro tornar-se o centro do império luso-brasileiro, “o conjunto vocal da Sé admitia vozes de meninos para as partes de soprano e contralto”. Mesmo considerando meninos cantores bem treinados, o aparelho vocal infantil implica em limitações na duração dos solos, no volume sonoro, no uso de passagens de agilidade, e na extensão vocal, sem falar das limitações musicais como a pouca prática dos jovens na arte da improvisação e ornamentação. (MATTOS: 1979, 362)

Com a chegada de novos cantores vindos da Europa e substituição das

vozes de meninos pelos castrati, Padre José Maurício Nunes Garcia teve todas as

43

chances de observar de perto as habilidades desses cantores, conhecendo

profundamente suas vozes e nos revelando as aptidões solistas vocais destes

novos músicos para quem ele escreveu.

A partir de Pacheco (2007) foi possível listar solos explicitamente destinados

por Padre José Maurício Nunes Garcia a alguns desses cantores. A tabela permite

melhor entendimento das mudanças de estilo e dos acréscimos de ornamentos e

embelezamentos que estes cantores estimularam (Tabela 1).

Cantor Obra

Giuseppe Capranica ♪ solo de soprano Qui Sedes da Missa Pastoril de 1811 ♪ solo de soprano Laudamus Te da Missa de Nossa Senhora da Conceição de 1811 muito provavelmete escrito para Capranica (apud PACHECO:2007, 217).

Antonio Cicconi ♪ solo Laudamus Te da Missa Pastoril de 1811 ♪ linha do 1º soprano do dueto Cum vidi et ventums nas Matinas do Apóstolo São Pedro de 1815

Giuseppe Gori ♪ Laudamus Te da Missa a 4 vozes de 1815 ♪ Caro et sanguis nas Matinas do Apóstolo São Pedro de 1815 ♪ Qui Tollis da Missa Pastoril de 1811

Tabela 1

Laudamus Te da Missa de Nossa Senhora da Conceição CPM 106 (1810) é

um exemplo interessantíssimo da influência desses virtuoses na música de Padre

José Maurício Nunes Garcia. Pode se perceber com clareza a distinção entre os

dois períodos criativos de Garcia: antes e depois da chegada da corte portuguesa.

Sua escrita torna-se mais virtuosística e revela do quanto sua escrita vocal se

44

adaptou ao gosto musical da corte portuguesa e à nova maneira de tratar a voz. A

ária apresenta grande riqueza em modulações e passagi extensas (Figura 5: ex:

compassos 83-86) e maiores saltos melódicos (Figura 5: ex: compasso 99),

características evidentes da influência do bel canto.

Figura 5: Missa de Nossa Senhora da Conceição (Laudamus te) trecho do solo de soprano

A Missa Pastoril para Noite de Natal CPM 106 foi originalmente composta em

1808 e reescrita em 1811. Comparando-se com a escrita mauriciana anterior,

podemos observar o desenvolvimento de linhas vocais e instrumentais de caráter

virtuosístico, resultado oriundo das novas possibilidades técnicas apresentadas

pelos cantores recém-integrados à Capela Real a partir de 1809. Segundo Cleofe

Person de Mattos:

45

É provável que a obra, estruturada desde 1808, tenha sido, além de orquestrada, também adaptada, nos trechos para solo, às características vocais dos novos cantores, cujos nomes – indicados pelo compositor na partitura, e que ao tempo da primeira versão ainda não haviam chegado ao Brasil – figuram na partitura de 1811. (In: GARCIA: 1982, 8)

Entre os que cantaram a Missa em 1811, Mattos informa que foram

necessários nove solistas, dentre eles um tenor, três baixos e dois sopranos solistas

para o dueto - possivelmente falsetistas atuantes no Rio de Janeiro desde os

tempos da Catedral da Sé - e mais três castrati.

Na árias escritas para Cicconi, Capranica e Gori os embelezamentos

anotados por Garcia demonstram agilidade vocal e indicam pontos de cadenza

(Figura 6, Figura 7, Figura 8).

Cicconi (soprano)

Figura 6: Laudamus Te (GARCIA: 1982, 45-47)

46

Capranica (soprano)

Figura 7: Qui Sedes da Missa Pastoril (GARCIA: 1982, 59-61)

Gori (contralto)

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Figura 8: Qui Tollis da Missa Pastoril (GARCIA: 1982, 56-58)

O virtuosismo vocal não era restrito apenas aos castrati. Árias para vozes

masculinas também apresentavam na escrita mesma exigência de agilidade e

ornamentação.

Baixo

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Figura 9: Gloria da Missa Pastoril (GARCIA: 1982, 43)

Tenor

Figura 10: Benedictus da Missa Pastoril (GARCIA: 1982, 111)

49

Capítulo III: Sugestão de Ornamentação nas Modinhas Imperiais

Quando se examina a documentação de época, observando-se não apenas

os tratados como também descrições e memórias daqueles que presenciaram os

acontecimentos, é notável o destaque dado ao embelezamento: ornamentação e

improviso. Os relatos enfatizam a importância do estudo de exercícios técnicos de

agilidade com grande controle respiratório. Transmitidas através de gerações, há

de se considerar como provável que mesmo modinhas – ainda que aparentemente

menos complexas que árias de óperas –, poderiam ter sido interpretadas dentro

dessa tradição. Afinal, tratava-se de cantores arduamente treinados desde a

juventude na arte do bel canto.

A tradição de se ornamentar de maneira mais ou menos improvisada é

característica e se utiliza de fórmulas breves e convencionais. Pode ser resultado

do acréscimo por parte do intérprete trabalhando com tradições de ornamentação

livre ou pela utilização de sinais específicos. Trata-se de uma forma de improvisação

altamente sofisticada, na qual o cantor adorna determinada passagem, permitindo-

se grande liberdade criativa dentro dos limites do estilo, na busca por ampliar sua

comunicação com o público.

Apresento a seguir sugestão de ornamentação de três modinhas, a partir da

possível influência estética e pedagógica do bel canto como praticado pelos

cantores da Capela Real e posteriormente Imperial.

50

51

3.1 Beijo a mão que me condena

Que J. M. [Nunes Garcia] tivesse hábitos seresteiros, há referências em biógrafos contemporâneos seus. Tendência que transparece em muitos trechos de sua obra religiosa, com maior pureza, talvez, do que nessa peça em que ele “beija a mão” de alguém. Sabe-se que J.M. ensinava música com o auxílio de uma viola de arame. E que cantava, acompanhando-se nesse instrumento, xácaras e modinhas. (MATTOS: 1970, 323)

Cleofe Person de Mattos atribui a primeira edição conhecida de Beijo a mão

que me condena a Pierre Laforge (1791-1853?) (1970, 232). Laforge, flautista

francês, integrante da orquestra da Capela Real é considerado personagem

essencial na documentação e preservação da modinha brasileira.

Pierre Laforge pode ser considerado como o primeiro grande impressor de música da cidade [do Rio de Janeiro]. (...) Laforge foi pioneiro em “estampar música” de forma regular e sistemática no Rio de Janeiro. Sua linha editorial estava voltada para músicas de caráter mais popular: lundus, modinhas, cançonetas e árias de ópera famosas. (LEME: 2004, 8)

É a primeira obra impressa de José Maurício Nunes Garcia. Publicada sete

anos após sua morte, a modinha possui acompanhamento de piano, registrada com

a insigne R.S.P.M. (Reverendo Senhor Padre Mestre). (MATTOS: 1970, 323) A

notação apresenta alguma ornamentação original e permite embelezamentos nas

repetições.

Dentre os ornamentos característicos dos séculos XVII e XVIII, podemos

afirmar que o grupeto (gruppetto) continuou a ser utilizado como recurso expressivo

também na música romântica. Consiste essencialmente em um giro de quatro notas

ornamentais em torno da principal (Figura 11): ou seja, a nota principal, sua superior

imediata, novamente a principal seguida da inferior, terminando na nota principal.

(RANDEL: 1986, 356) Conforme a tradição de se acrescentar ornamentos nas

52

seções repetidas das árias de ópera, a aplicação de grupeto seguido de floreio

(fioritura) logo no início da repetição da capo, curiosamente aproxima Beijo a mão

estilisticamente de Casta Diva (Figura 12), ária do primeiro ato de Norma (1831) de

Bellini.

Figura 11: Grupeto na repetição da capo ornamentada (comp. 17)

Figura 12 - início da ária Casta Diva de Bellini

As notas ornamentais (grace notes) também são chamadas, de forma

incorreta, apojaturas em português. Em geral são escritas em tamanho menor que

a notação principal, não consideradas no cômputo do compasso, convidando o

intérprete à liberdade de execução (Figura 14) nos compassos 26 e 27. Geralmente

fazem parte do contexto harmônico, diferente das apojaturas que são notas

apoiadas estranhas ao acorde. (SADIE: 1994, 657)

53

Figura 13 - compassos 9 ao 12

Figura 14 - Oitavas, notas ornamentadas e liberdade de execução nas notas agudas (repetição da capo dos compassos 9 ao 12)

No compasso 25 (Figura 14) novamente há a utilização da oitava como no

exemplo (Figura 20, página 55), no entanto, a oitava agora sugerida é ascendente.

Figura 15 - recorte da Missa Pastoril de Padre José Maurício Nunes Garcia (exemplo de notas ornamentadas utilizadas na ária)

O trecho recortado (Figura 15) da Missa Pastoril escrita por Garcia destinada

ao castrato Cicconi (Figura 6, página 45) é exemplo real da utilização das notas

ornamentais em tessitura aguda. De acordo com Pacheco, “o Padre Mestre (...)

parece apreciar a leveza da voz de cabeça e o jogo de timbres causados pelas

54

mudanças de registro.” (2009, 101) Escrita coerente com a proposta de repetição

da capo ornamentada da (Figura 14).

Conforme vimos acima, a apojatura propriamente dita (appoggiatura) é uma

nota estranha ao acorde, em geral um grau acima, onde se “apoia” antes de resolvê-

la por grau conjunto descendente. (SADIE: 1994, 34) Pode estar notada

normalmente (Figura 16) ou com uma nota ornamental, em tamanho menor (Figura

17).

Figura 16 - Apojatura escrita (comp.4)

Figura 17 - Apojatura notada em tamanho menor (compasso 19)

As passagens (passaggio) são ornamentações melódicas aplicadas a uma

melodia preexistente (Figura 18). A ausência de indicações desses ornamentos era

comum, deixando o intérprete livre para criar suas próprias passagens (Figura 19).

(SADIE: 1994, 704)

55

Figura 18 - compassos 7 e 8

Figura 19 – Registro de oitava e passagens nos compassos 23 e 24 (repetição da capo ornamentada)

No trecho abaixo (Figura 20), da Missa de Nossa Senhora da Conceição

(Figura 5, página 44), Garcia trabalha o registro de oitavas descendentes, assim

como a ornamentação proposta na (Figura 19, página 55).

Figura 20 - trecho recortado da Missa de Nossa Senhora da Conceição de Padre José Maurício Nunes Garcia (comp. 99)

Arpejo (arpeggio em italiano), “à maneira de harpa”, é a disposição

seqüencial das notas do acorde, conforme compasso 29 (Figura 21). (RANDEL:

1986, 52) A cascata (rápida escala descendente) proposta no compasso 30 (Figura

56

21) já é citada por Caccini em 1602. (RANDEL: 1986, 595). Coerente ainda com o

estilo do bel canto encontramos diversas referências de utilização deste ornamento

nas árias. Como exemplo, podemos perceber sua utilização em diversos trechos

das Variações do castrato Lauretti.

Figura 21 - Arpejo e cascata (repetição da capo ornamentada dos compassos 29 e 30)

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3.2 Quem Sabe?!...

A tradição atribui essa modinha às saudades que Carlos Gomes teria por

uma bela moça, Ambrosina Mara Corrêa do Lago (c.1850-?), irmã de Emílio do Lago

(CAGNIN: 1996, 15), amigo de Gomes e autor de Último adeus de amor que

abordaremos posteriormente.

A modinha Quem sabe, já denota a influência e aspirações líricas de Carlos

Gomes apresentando elementos estilísticos característicos das árias de ópera

oitocentista.

Há possibilidades de criação ou improviso nas cadenze e as repetições do

tema convidam o intérprete a criar variações e acrescentar ornamentos e

embelezamentos.

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3.3 Último Adeus de Amor

Emílio E. C. do Lago (1837-1871) foi amigo de Carlos Gomes que lhe dedicou

a modinha Quem sabe?!... Acredito que a proximidade entre ambos poderia ter

influenciado musicalmente Emílio do Lago, visto que a família Lago estreou alguns

trechos das óperas de Carlos Gomes em São Paulo. Cagnin menciona em seu

artigo a respeito de uma apresentação que teria ocorrido no ano de 1862 em SP

“Apenas alguns trechos ensaiaram conquistar o gosto da plateia provinciana (...)

quando toda a família Lago cantou o coro da ópera Nabucodonosor, de Verdi, e

uma passagem da Noite no Castelo, que CarIos Gomes acabara de compor.”

(CAGNIN: 2013, 6)

Abordo Último Adeus de Amor com recursos mais sutis e maior recato nos

ornamentos e embelezamentos que as duas modinhas anteriores. Afinal, São Paulo

não contava com as estrelas do bel canto da corte carioca.

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Conclusão

A contextualização das modinhas luso-brasileiras em seu período histórico e

referências estilísticas são ferramentas que ampliam nosso potencial criativo e

expressivo. A influência do bel canto trazido pelos cantores europeus vindos com a

corte portuguesa após 1808 – em especial os castrati – certamente marcou a

interpretação desse repertório em sua origem. O fato de Padre José Maurício Nunes

Garcia ter reescrito diversas obras anotando embelezamentos após a chegada dos

virtuosi europeus corrobora essa influência.

Fica evidente o prestígio exercido pela ópera neste gênero de canção

principalmente a partir do primeiro quartel do século XIX com adaptações de texto

em português em motivos de árias de ópera, modinhas estas entoados nos salões

da alta burguesia de São Paulo e Rio de Janeiro.

A partir dos anos de 1830 no Rio de Janeiro já havia modinhas impressas

em água-forte e litografias. Há registros de impressões da oficina do músico francês

Pierre Laforge a partir 1834, e provém desta mesma oficina diversas peças

compiladas posteriormente por Doderer que fazem parte da Coleção de Modinhas

Luso-Brasileiras de 1984, incluindo as modinhas baseadas em motivos de ópera

contidas na coleção. Entre 1830 e 1845 grandes produções de ópera fizeram parte

do Império e pelo menos até meados da década de 1870 há uma forte influência

estética do bel canto e da ópera no que diz respeito à maneira de se interpretar

algumas modinhas.

84

“Cabe por fim ao advento da ópera italiana registrado entre nós a partir do primeiro quartel de oitocentos, o impulso decisivo para a criação da modinha no seu tipo específico” (FREITAS: 1974, 5)

Esta confluência entre ópera e modinha alimentou a sociedade

aristocrática e burguesa de Portugal e do Brasil por quase dois séculos e moldou a

modinha no seu tipo próprio, ou como cita Mário de Andrade em seu prefácio de

Modinhas Imperiais “é uma mistura de plágios, adaptações, invenções e influência

de toda casta”.

Há coerência em interpretá-las com embelezamentos interpolados, com

gorjeios vários sob o ponto de vista histórico e estético. Comover, encantar,

ostentar. O ato interpretativo com impermanência exuberante através do uso de

recursos disponíveis, como meio de comunicação viva com o público.

Cada pessoa tem uma voz tão particular e única tanto quanto sua fisionomia

ou sua impressão digital. Neste trabalho procurei apresentar o resultado de minha

pesquisa considerando meus recursos vocais, qualidades, tessitura e timbre através

do método empírico – erros e acertos – determinando quais embelezamentos

melhor se adequavam nos aspectos técnicos e expressivos e quais ornamentos

resultavam em sonoridade fluida em minha voz.

O desafio de transpor a mera leitura textual instigou no amoldamento do texto

à música, perseguindo vogais cujo “encaixe” melhor resultaria no timbre, busca por

diversidade nos embelezamentos respeitando-se os limites do estilo, o “brincar” com

a voz nas cadenze... Acredito que cada intérprete pode – e deve – se revelar através

dessa “brincadeira”, realizando a partitura como entidade em constante devir.

Comover, entreter e admirar o público são desafios e metas perfeitamente

compatíveis e desejáveis aos ideais de época.

85

Alguma oposição há de se encontrar a esta proposta um tanto quanto

“exuberante” na abordagem da modinha luso-brasileira. Não se trata de máxima

definitiva ou exclusivista. Mesmo porque é sabido ser um gênero que permeou

diversas classes sociais, não se limitando aos salões eruditos. Como vimos no

capítulo I, Doderer descreve três fases distintas da modinha, o que nos permite

visualizar, nos extremos, abordagens das mais rebuscadas às mais simples.

Esta viagem ao passado possibilitou identificar um ideal estético para estas

modinhas e em conjunto a experiência prática de meu próprio instrumento vocal,

proporcionou a elaboração dos ornamentos e embelezamentos apresentados nas

três modinhas desta dissertação.

É necessário se readaptar sempre a partitura a cada novo contexto de

realização, e para se conseguir isso, é necessário que o intérprete esteja não

apenas informado, mas imerso no pensamento existente quando da criação da

obra. Imergi na Capela Real e na técnica do bel canto dos castrati.

Espero com este trabalho oferecer um estímulo e um instigar para futuros

intérpretes.

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Referências

Bibliográficas

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L+NA+2ª+METADE+DO+SÉCULO+XVIII"+&btnG=Pesquisar&meta=]

Acesso em: 5 de agosto de 2013.

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Apêndices

Beijo a mão que me condena

Edição publicada em 1837 por Ed. Pierre Laforge. (Biblioteca Nacional do

Rio de Janeiro) composta por Padre José Maurício Nunes Garcia.

Beijo a mão que me condena

a ser sempre desgraçado

obedeço ao meu destino

respeito e poder do fado.

Que eu ame tanto

sem ser amado

Sou infeliz

sou desgraçado.

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Quem sabe?!..

Edição [s/d] publicada por Ed. Bevilaqua & C. (Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro) composta por Antônio Carlos Gomes em 1859 com poesia de Francisco

Leite de Bittencourt Sampaio (1836-1894).

Tão longe de mim distante, Onde irá, onde irá teu pensamento! Tão longe de mim distante Onde irá, onde irá teu pensamento! Quisera, saber agora Quisera, saber agora Se esqueceste, se esqueceste Se esqueceste o juramento. Quem sabe se és constante Se ainda é meu teu pensamento! Minh’alma toda devora Da saudade, da saudade agro tormento Tão longe de mim distante Onde irá onde irá teu pensamento Quisera saber agora Se esqueceste se esqueceste o juramento. Quem sabe, se és constante. S’inda é meu teu pensamento! Minh’alma toda devora Da saudade agro tormento.

Vivendo de ti ausente Ai! Meu Deus, ai! Meu Deus que amargo pranto! Vivendo de ti ausente Ai! Meu Deus, ai! Meu Deus que amargo pranto! Suspiros, angústia e dores Suspiros, angústia e dores São as vozes, são as vozes São as vozes do meu canto. Quem sabe, pomba inocente Se também te corre o pranto! Minh’alma cheia de amores Te enteguei, te enteguei já neste canto. Vivendo, de ti ausente Ai! Meu Deus, ai! Meu Deus que amargo pranto! Suspiros, angústia e dores. São as vozes, são as vozes do meu canto. Quem sabe, pomba inocente. Se também te corre o pranto! Minh’alma cheia de amores Te entreguei já neste canto.

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Último adeus de amor

Edição publicada em 1980 por Ed. Itatiaia em Modinhas Imperiais

recolhidas por Mário de Andrade (Belo Horizonte), composta por Emílio E. C. do

Lago [s/d] e poesia de J. A. Barros Júnior.

De ti bem longe,

Meu doce encanto

Sinto minh'alma

Envolta em pranto

Meu Deus, que dores

Que febre ardente

Me abraza o peito,

Me faz demente!

Ah! que não possa

Nos braços teus

N'esta hora extrema

Dizer-te — adeus!

Adeus, meu anjo,

Morro te amando,

No pensamento

Só te abraçando.

Teima constante...

Que os teus amores

Gozou tão pouco.

Ah que não possa

Nos braços teus

N'esta hora extrema

Dizer-te — adeus! ''

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