modernização produtiva e relações de trabalho ... · claudio monteiro considera gustavo maia...

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TEXTO PARA DISCUSSÃO N O 473 Modernização Produtiva e Relações de Trabalho: Perspectivas de Políticas Públicas Edgard Luiz Gutierrez Alves Fábio Veras Soares Brunu Marcus Ferreira Amorim George Henrique de Moura Cunha ABRIL DE 1997

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 473

Modernização Produtivae Relações de Trabalho:Perspectivas de PolíticasPúblicas

Edgard Luiz Gutierrez AlvesFábio Veras SoaresBrunu Marcus Ferreira AmorimGeorge Henrique de Moura Cunha

ABRIL DE 1997

TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 473

Modernização Produtivae Relações de Trabalho:

Perspectivas dePolíticas Públicas

Edgard Luiz Gutierrez Alves *

Fábio Veras Soares *

Brunu Marcus Ferreira Amorim*

George Henrique de Moura Cunha**

Brasília, abril de 1997

* Técnicos da Diretoria de Política Social do IPEA.** Bolsista do Convênio ANPEC/PNPE.

M I N I S T É R I O D O P L A N E J A M E N T O E O R Ç A M E N T OM i n i s t r o : A n t ô n i o K a n d i rS e c r e t á r i o E x e c u t i v o : M a r t u s T a v a r e s

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

P r e s i d e n t eF e r n a n d o R e z e n d e

D I R E T O R I A

C l a u d i o M o n t e i r o C o n s i d e r aG u s t a v o M a i a G o m e sL u í s F e r n a n d o T i r o n iL u i z A n t o n i o d e S o u z a C o r d e i r oM a r i a n o d e M a t o s M a c e d oM u r i l o L ô b o

O IPEA é uma fundação pública, vinculada ao Ministério doPlanejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliaro ministro na elaboração e no acompanhamento da políticaeconômica e promover atividades de pesquisa econômica aplicadanas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial.

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,bem como trabalhos considerados de relevânciapara disseminação pelo Instituto, para informarprofissionais especializados e colher sugestões.

Tiragem: 190 exemplares

SERVIÇO EDITORIAL

Brasília — DF:SBS Q. 1, Bl. J, Ed. BNDES, 10o andarCEP 70076-900

Rio de Janeiro — RJ:Av. Presidente Antonio Carlos, 51, 14o andarCEP 20020-010

SUMÁRIO

SINOPSE

1. MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E MUNDO

DO TRABALHO 7

2. AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA VIRADA

DO MILÊNIO: A VISÃO DOS ATORES 11

3. PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

PARA O MERCADO DE TRABALHO 28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 35

SINOPSE

ste estudo analisa os impactos da moder-nização produtiva sobre o emprego, as re-lações de trabalho e o papel do Estado a serdesempenhado nessa nova realidade. A

discussão tem como pano de fundo as posições as-sumidas pelos atores (governo, sindicatos patro-nais e trabalhistas) quanto à forma de atuação dosmembros envolvidos, bem como sinaliza paraquais direções devem caminhar as políticas pú-blicas de emprego.

O CONTEÚDO DESTE TRABALHO É DA INTEIRA E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE SEUS

AUTORES, CUJAS OPINIÕES AQUI EMITIDAS NÃO EXPRIMEM, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE

VISTA DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO.

E

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS 7

1 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E MUNDODO TRABALHO

A economia mundial estápassando por uma grande

transformação que se manifesta tanto na baseprodutiva quanto nos âmbitos financeiro e políti-co. Essas mudanças têm-se refletido sobre os di-versos mercados e estão, de algum modo, associa-das à emergência da denominada Terceira Revo-lução Industrial, à formação de blocos econômi-cos, ao grande aumento do volume de recursostransacionados no sistema financeiro internaci-onal, e ao fortalecimento do neoliberalismo comoa expressão política deste novo processo.

As empresas, para aumentarem sua competiti-vidade e conquistarem novos mercados, têm efe-tuado uma ampla reformulação das suas estrutu-ras produtivas visando reduzir custos e melhorara qualidade dos produtos. Isso, de maneira geral,implica substituição dos princípios fordistas deprodução, baseados na rígida divisão do trabalho,na prescrição individual de tarefas e na falta deautonomia dos operários quanto à definição dosmétodos de trabalho, por novos princípios pauta-dos pela flexibilidade e pela capacidade de ofere-cer respostas rápidas e eficientes em contextosmarcados pela mudança e pela incerteza .

O novo paradigma produtivo, conhecido como es-

pecialização flexível, apresenta três grandes característi-cas. A primeira delas corresponde às inovaçõestecnológicas trazidas pela informática, pela mi-croeletrônica e pela descoberta de novos materi-ais, que possibilitaram um grande aumento daprodutividade e uma maior flexibilidade dos pro-cessos produtivos.

A segunda é expressa pela mudança das rela-ções entre as empresas, na qual dissemina-se aprática da terceirização, que consiste na tentativa

1.1 Características Gerais

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de concentrar esforços naquelas atividades sobreas quais a empresa detém evidentes vantagenscompetitivas, desmembrando parte de suas ou-tras atividades, e passando a adquirir serviços einsumos de outras empresas, sejam estas nacio-nais ou não. Expressa-se, dessa forma, uma ten-dência de descentralização empresarial e desver-ticalização industrial.

A terceira e última característica refere-se aoadvento de novos processos organizacionais naprodução e no trabalho interno das empresas queobjetivam, fundamentalmente, o aumento da efi-ciência. Para isso, tem-se procurado diminuir onúmero de níveis hierárquicos como forma deagilizar a tomada de decisões por meio, princi-palmente, de uma maior coordenação interna en-tre as vá-rias áreas e departamentos, o que tempossibilitado a maior participação do trabalhadorna gestão do processo de produção. Para tanto,exige-se deste aptidão para trabalhar em equipe,para adaptar-se a mudanças no tipo de atividadeque irá desempenhar, para exercer liderança, etc.1

Há, no entanto, duas conseqüências dessastransformações sobre o mundo do trabalho, asquais, embora diferentes na sua forma de mani-festação, estão intrinsecamente relacionadas. Emprimeiro lugar, o crescimento econômico não temconseguido gerar empregos no ritmo necessáriopara absorver a população que ingressa no mer-cado de trabalho assalariado regulamentado, e,mais do que isso, os avanços tecnológicos têm des-truído diversos postos de trabalho, principalmen-te os intermediários, que não mais voltarão a sercriados. Segundo, tem-se observado uma polari-zação dos postos de trabalho em bons e maus empregos,sendo que os primeiros tendem a ser destinados

1 Alguns estudos têm mostrado que esta mudança nas qua-

lificações não se dá de maneira homogênea nem mesmodentro da firma. Muito do que tem sido discutido comoum tipo de trabalho que exige maior participação do tra-balhador e aumento da atividade intelectual, no fundo,representa apenas uma simplificação de tarefas do tipotaylorista. Ver, por exemplo, Abramo (1995).

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àqueles trabalhadores que preenchem melhor asnovas exigências do mercado de trabalho, especi-almente quanto ao maior grau de escolaridade, namedida em que este atributo confere ao trabalha-dor maior capacidade de reciclar seus conheci-mentos e, com isso, manter seu emprego ou estarapto para disputar com maiores chances novasoportunidades de trabalho.2

Nessa perspectiva, os principais perdedores sãoos trabalhadores com muito capital humano espe-cífico e pouco capital humano geral, os quais so-frem com a deterioração da qualidade e do rendi-mento do trabalho causadas pela depreciação ace-lerada e, em alguns casos, irreversível do seu ca-pital humano, diminuindo, assim, a probabilidadee/ou piorando a qualidade de sua reinserção nomercado de trabalho ou em atividades relaciona-das ao auto-emprego.

De maneira geral, observa-se que a condição deboa parte dos postos de trabalho tem-se deteriora-do por dois motivos. Primeiro, pelo aumento doemprego em alguns subsetores de serviços, emque, na maioria dos casos, as relações de trabalhosão precárias, isto é, o processo de contratação situa-seà margem de vários direitos trabalhistas e quasesempre com salários menores. O segundo motivorefere-se ao aumento da taxa de desemprego aber-to, que pode ser percebida como desemprego es-

2 As evidências a favor do argumento da necessidade de

um maior grau de escolaridade não são consensuais naliteratura sobre a matéria. Em particular, observa-se queas exigências de um maior nível educacional para de-terminados postos de trabalho que antes não o exigiampodem estar relacionadas a um excesso de oferta de mão-de-obra qualificada (escolarizada). Desse modo, os em-pregadores podem utilizar o nível de escolaridade comouma variável de escolha, associando-o a outras caracte-rísticas pessoais como assiduidade e comprometimentocom o trabalho, e que não necessariamente estão relacio-nadas ao aumento da produtividade causado por um maiornível de escolaridade ou a uma exigência real do posto detrabalho imposta pelas mudanças tecnológicas e/ou or-ganizacionais. Na teoria econômica, diversos modelos,como os de sinalização e de disputa por ocupações, forne-cem explicações alternativas ao uso da variável educa-ção, em contraposição à teoria do capital humano.

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trutural. Todavia, afirmar que esse processo éconseqüência inevitável do processo de globaliza-ção econômica é polêmico, já que a política eco-nômica interna do país ainda pode exercer umpapel importante na manutenção do nível de em-prego, apesar de seus novos condicionantes ex-ternos.

No Brasil, o processo de mo-dernização da produção vem-se delineando, ainda que de

forma incipiente, desde meados da década de 80,em resposta à crise econômica. Contudo, é a partirde 1990, com o aprofundamento da recessão ecom a política de abertura comercial implantadapelo governo Collor, que as empresas começarama se preocupar em tornar-se mais competitivas eem melhorar a qualidade dos seus produtos.

As conseqüências desse processo sobre o nívelde emprego têm sido evidenciadas por vários es-tudos. Barros et alli (1996), utilizando estimativasda Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(PNAD) — IBGE, para o período 1988—1993, e daPesquisa Industrial Mensal (PIM) — IBGE, para osanos 1994 e 1995, observaram que, na indústria,o nível de emprego tem declinado desde o começodos anos 90, mesmo com a retomada do cresci-mento da produção industrial a partir de 1993.Este mesmo estudo evidencia que o nível salarialmédio da indústria tem-se elevado desde 1991,embora a uma taxa menor do que o crescimentoda produtividade.

Por sua vez, Tavares (1996) atribui à aberturaeconômica abrupta e desordenada em conjuntocom valorização cambial, aperto creditício e au-mento das taxas de juros, a desestruturação devários setores da indústria nacional, o que temgerado um processo de substituição da produçãonacional por importada, cujos efeitos sobre o em-prego seriam mais relevantes do que os impactosda modernização. Como agravante, a autora tam-bém julga que a compressão da capacidade de in-

1.2 O Brasil neste Novo Contex-to

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vestimentos do Estado tem sido um dos princi-pais redutores do potencial de geração de empre-gos.

Um aspecto importante a ser destacado é que,apesar da queda do nível de atividade observadano começo desta década, a taxa de desempregomanteve-se relativamente baixa [Amadeo et alii

(1994)]. Uma possível explicação para isso é o pa-pel compensatório que vem sendo exercido pelosetor informal — que fornece postos de trabalhosem carteira assinada e também engloba ativida-des por conta própria — no sentido de absorvergrande parte da mão-de-obra que perdeu empregonos setores mais modernos, embora esta capaci-dade venha-se deteriorando lentamente, com oconseqüente aumento do desemprego.

Cabe destacar, contudo, que esse processo dá-sehoje com uma complexidade muito maior do que atratada na literatura tradicional sobre o setor in-formal urbano dos anos 70. No setor serviços, porexemplo, a dualidade entre bons e maus empregos, queantes se manifestava na divisão entre os serviçosprodutivos e a administração pública, de um lado,e os serviços pessoais, de outro, começa a torna-semuito mais complexa. A crescente sofisticaçãodos serviços pessoais, com o aumento da partici-pação de trabalhadores mais qualificados nessesetor, poderá levar a um incremento do valoragregado gerado por este tipo de serviço. Mesmo opróprio processo de terceirização, caso venha aconsolidar uma extensa rede de serviços de apoioà atividade industrial, poderá criar perspectivasde um aumento da eficiência sem que isso signifi-que redução de bons empregos.

No tocante aos aspectos qualitativos do mercadode trabalho, observa-se, no período recente, umaumento do grau de educação formal do trabalha-dor. Alves e Soares (1996), utilizando dados daPesquisa de Emprego e Desemprego (PED) doConvênio Fundação Sistema Estadual de Análisede Dados (FSEADE)/Departamento Intersindical de

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Estatística e Estudos Econômicos (DIEESE) para aGrande São Paulo, concluem que o mercado estáabsorvendo trabalhadores com mais idade e mai-or nível educacional, o que pode ser reflexo dedois movimentos conjuntos: um relacionado aonovo perfil de demanda da mão-de-obra, e outrodevido à melhora da instrução da população queingressa no mercado de trabalho.

Pode-se afirmar que um certo segmento do mer-cado de trabalho brasileiro está apresentando amaioria dos sintomas presentes no mercado detrabalho dos países mais avançados. No entanto,as conseqüências negativas da transformaçãoprodutiva são agravadas pela existência do su-bemprego estrutural, pela maior concentração derenda e pela ausência, salvo casos locais e esporá-dicos, de políticas sociais compensatórias.

A experiência internacional mostra que a redu-ção do emprego assalariado regulamentado temsido acompanhada de uma forte precarização dasrelações de trabalho, o que tem gerado uma fortealteração na correlação de forças entre os grupossociais, criando instabilidades políticas e sociais,cujos custos são bastante elevados. Para evitarque isso ocorra, é necessário que se estimule, demodo permanente, o diálogo entre governo, em-presários e trabalhadores na busca de soluçõescriativas para os problemas referentes ao funcio-namento do mercado de trabalho, sob pena de re-cair sobre o governo a solução de crises advindasde estratégias particulares dos outros atores. Emalguns países desenvolvidos, esse modelo tem fei-to com que os conflitos decorrentes do novo para-digma tecnológico sejam resolvidos pelo diálogosupramencionado. Entretanto, a tendência dediminuição do grau de sindicalização, tanto naEuropa quanto nos Estados Unidos, ameaça essecaminho alternativo. No Brasil, essa situação éagravada pelo frágil equilíbrio existente nas rela-ções capital—trabalho, pelo baixo índice de sindi-calização, bem como pela tendência de redução do

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mesmo devido ao crescimento do mercado de tra-balho assalariado não-regulamentado.

Para que os trabalhadores possam participar dadefinição de metas e métodos de qualidade e pro-dutividade é importante fortalecer as negociaçõescoletivas. A precondição para isso é que existatransparência nas informações e firme disposi-ção para negociar, o que requer, tanto por partedos empresários quanto dos trabalhadores, umamudança de comportamento (historicamente rea-tivo) nas negociações, pautando-as com novos te-mas e possibilidades de acordo de longo prazo.

Observa-se que, atualmente, há uma tendênciamundial dos governos intervirem menos na solu-ção de problemas específicos de firmas ou setoresindustriais, que podem ser resolvidos medianteacordos diretos, dentro de procedimentos gerais eestáveis que coloquem as partes em igualdade decondições. Nesse contexto, o Estado deveria res-ponsabilizar-se pela fiscalização do cumprimentoefetivo de uma legislação mínima, além de propore implementar políticas macro e microeconômi-cas de geração de empregos e formular programasde apoio aos desempregados.

Diante da realidade do mercado de trabalhobrasileiro brevemente descrita nesta seção, é im-portante ressaltar que o país tem a chance de cor-rigir, ou pelo menos atenuar, as principais distor-ções que o processo de modernização produtivatem provocado. Para que isso seja possível, deve-se implementar, ao lado de políticas macroeco-nômicas que estimulem a geração de emprego, po-líticas de emprego específicas que levem em contaas diferentes realidades econômicas setoriais eregionais e das diversas categorias ocupacionaisexistentes. Tal discussão será melhor detalhadano capítulo 3 deste trabalho.

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2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA VIRADADO MILÊNIO:

A VISÃO DOS ATORES

Para um melhor entendimento da complexaproblemática do futuro das relações de trabalhodentro de um contexto marcado pela globalizaçãodos mercados, torna-se necessário considerar asdiferentes óticas dos atores sociais envolvidospara, dessa forma, orientar desenhos eficazes depolíticas públicas que convirjam para um equaci-onamento do problema a longo prazo.

À medida que, progressivamente, o debate sobrea necessidade de reformas trabalhistas ganha fô-lego na agenda da sociedade, as análises elabora-das por empresários e trabalhadores, instituiçõesgovernamentais e internacionais são insumosimportantes para a formulação de políticas deproteção social e para estimular a negociação en-tre as representações patronais e de trabalhado-res para a solução de conflitos específicos em su-as áreas, bem como para a discussão de possíveisalterações nas disposições legais e no desenhoinstitucional que norteiam as relações capital—trabalho.

Dessa forma, espera-se que o diálogo entre capi-tal e trabalho possa prescindir, cada vez mais, daintervenção governamental, principalmente na-queles setores em que os atores tenham condiçõesde fazer acordos que atendam às suas necessida-des específicas; só assim as negociações serãocada vez mais consistentes e maduras.

No Brasil, as relações de trabalho ainda nãoatingiram esse estágio. No entanto, as novas for-mas de organização da produção podem contribu-ir para gerar externalidades positivas, propicia-das pela experiência de trabalho em equipe e pelocompartilhamento de decisões e responsabilida-des entre os gerentes e os trabalhadores, o que fa-vorece a capacidade de diálogo entre capital e tra-balho, por meio do incentivo à democratizaçãodas relações de trabalho no interior das empresas.

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Nesse ponto, é importante ressaltar que o estudodas conseqüências da modernização produtivanão deve se centrar exclusivamente nos aspectosnegativos que esta tem provocado sobre o nível deemprego, mas também sobre as oportunidades demelhoria nas relações e nas condições de trabalhoque podem gerar.

Sob esse ponto de vista, será apresentada a se-guir uma síntese da visão de alguns dos princi-pais atores sociais quanto às transformações en-gendradas pelo processo de modernização produ-tiva, seus reflexos sobre o mercado de trabalho eas alternativas colocadas para o melhor equacio-namento dos desafios impostos no âmbito das re-lações de trabalho, com a finalidade de listar pon-tos em que a atuação do setor público deverá obje-tivar a minimização das divergências naturaisentre os atores.

A engenharia de construção eda evolução de um amplo diá-

logo entre os atores sociais tem de levar em contao diagnóstico do peso relativo de cada ator e as no-vas regras de regulação. Assim, a definição do pa-pel do Estado nas relações trabalhistas deve con-siderar o fato de que a modernização produtiva éum processo que atinge diferentemente setores eramos econômicos, e que, portanto, deve continu-ar existindo, durante um certo tempo, um certograu de dualismo nos processos produtivos. Nes-se sentido, ao mesmo tempo em que será necessá-rio garantir algum tipo de proteção aos trabalha-dores dos setores mais vulneráveis, deve-se criaras precondições para agilizar as reformas neces-sárias aos setores mais modernos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT),ao delinear os novos papéis que caberão ao Estadono bojo das transformações socioeconômicas emcurso, conclui que será necessário enfrentar trêsdesafios:

2.1 O Papel do Estado

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a) obter condições de governabilidade suficien-tes para regular a multiplicidade de conflitosassociados aos processos de transformação;

b) redefinir seu papel no processo global detransformação; o que, por si só, gera maiorquantidade de conflitos com os demais atores:políticos, entidades sindicais e empresariais; e

c) assegurar a estabilidade de longo prazo dastransformações.

Todos esses desafios são complexos, e a socie-dade brasileira, para enfrentá-los, deveria utili-zar-se da estratégia de colocar à margem as de-mandas conjunturais e específicas para procurarfocar as mudanças num contexto mais amplo demodernização das relações de trabalho e de com-bate à pobreza e à exclusão social.

A questão do emprego, seja do ponto de vistaquantitativo ou qualitativo, será o maior proble-ma social do país. Aqueles que advogam a concep-ção do Estado mínimo equivocam-se quanto à im-portância que, cada vez mais, as políticas públicasterão para os trabalhadores desempregados e su-bempregados. Caberá ao setor público oferecerprogramas específicos para esses grupos, pois,mesmo em um cenário de retomada do crescimen-to econômico, com a estabilização monetária e oajuste fiscal corretamente equacionados, não hágarantia de que novos postos de trabalho sejamgerados na intensidade necessária para absorvero contingente de mão-de-obra ingressante no mer-cado de trabalho, o que se deve, entre outros fato-res, ao novo padrão de seleção (flexibilidade fun-cional ligada a um maior grau de qualificação)engendrado pelo processo de modernização pro-dutiva e pela globalização dos mercados já discu-tido nas seções anteriores.

Nesse contexto, é primordial que se implemen-tem programas de educação e de capacitação pro-fissional para os trabalhadores a fim de fornecer-lhes maiores possibilidades de conseguir trabalho

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em setores econômicos em que a aquisição de no-vas competências é condição necessária para osucesso no desempenho de suas funções, e tam-bém possibilitar-lhes o exercício da cidadania.

Sem dúvida, esse é o maior obstáculo a ser su-perado pela sociedade brasileira. O alcance destameta passa, fundamentalmente, pela melhora doensino básico, pois só uma sólida base de educa-ção geral permitirá ao indivíduo adquirir conhe-cimentos e habilidades específicas de uma ocupa-ção e entender e incorporar mudanças rápidas eprofundas que afetam os processos produtivos.Há consenso de que o problema está, principal-mente, na baixa qualidade do ensino oferecido ena falta de estrutura para a execução de um bomtrabalho pedagógico. No Plano Decenal de Educa-ção para Todos [Brasil (1993)], proposto pelo Mi-nistério da Educação, diagnosticam-se, ainda, ou-tros obstáculos a serem transpostos, tais como: abaixa produtividade do sistema, evidenciada pe-las perdas observadas por evasão e repetência emsucessivas gerações escolares; os baixos saláriosdos professores; e a ausência de metodologiasadequadas para o trabalho com grupos em situa-ção de risco, principalmente os marginalizadossocial e economicamente.

Acrescenta-se a esses fatores a falta de incenti-vos e estímulos para a formação de pessoas emáreas relacionadas à formação de professorese/ou profissionais que atuam direta ou indireta-mente sobre o ensino de primeiro e segundograus. Isso tem efeito direto e de difícil solução acurto prazo, tanto sobre a qualidade do ensino,quanto sobre a quantidade de profissionais com-prometidos em tempo integral com essa atividade.

Quanto à relação entre educação geral e educa-ção tecnológica, há diversas posições. Uma defen-de a ampliação dos conteúdos técnico-científicosnos currículos da educação geral. Outra preconi-za o enriquecimento dos conteúdos dos cursostécnicos, reduzindo ou eliminando o caráter pre-

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dominantemente instrumental que os caracteri-za, e por fim, uma terceira posição que prega essamesma idéia, mas ressalta que esses conteúdosdevem ser mais especificamente ligados às novastecnologias e às questões de qualidade e de produ-tividade.

O Ministério da Educação, por sua vez, propõe acriação de um Sistema Nacional de EducaçãoTecnológica, que teria o mesmo formato do ensinotécnico tradicional, com a diferença de que seriaampliada a parte das disciplinas técnico-científicas e se promoveria uma maior articula-ção entre as instituições que oferecem o ensino desegundo grau profissionalizante: Serviço Nacio-nal de Aprendizagem Industrial — SENAI, escolastécnicas federais e estaduais, e aquelas dedicadasao ensino superior de engenharia (universidadese centros federais de educação tecnológica). Nofundo, isso pode representar a continuidade dadicotomia formação geral/formação especial,como se a educação geral não fosse parte essencialda educação tecnológica.

Já o Ministério do Trabalho [Brasil (1995)]propõe, para superar a defasagem educacionaldos trabalhadores, uma política de Educação Profissional

que atenda às necessidades mais imediatas de in-serção no mercado de trabalho por meio de umaqualificação específica — preocupação típica daformação profissional — e não de uma formaçãosuficientemente ampla que permita, posterior-mente, a tomada de decisão a partir de um leque dequalificações possíveis, que seria a preocupaçãomaior da educação tecnológica.

O documento do Ministério do Trabalho aponta,ainda, que está perdendo sentido a separação doscampos de atuação entre instituições educacio-nais e de formação profissional, e que a preocupa-ção deve ser com o desenvolvimento integral doindivíduo, tanto enquanto trabalhador como en-quanto cidadão. A formação profissional deve tercomo foco a empregabilidade, entendida como a

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capacidade de obter um emprego e conseguir man-tê-lo.

Para os jovens e adultos subeducados, o Minis-tério do Trabalho propõe que a prioridade devaser a de ampliar as oportunidades de acesso ecomplementação da educação básica, e que hajauma estruturação e institucionalização de pro-gramas alternativos de educação continuada.Além disso, defende a articulação entre as admi-nistrações estaduais e municipais da educação eas instituições de formação profissional nasações educativas destinadas a esse objetivo, e aparticipação dos sindicatos de trabalhadores e as-sociações patronais na definição de estratégias deatendimento efetivo aos jovens e adultos traba-lhadores que demandam educação básica. Em ou-tras palavras, o que se busca é uma parceria entreinstituições públicas e privadas para o atendi-mento aos segmentos excluídos do processo demodernização.

Entretanto, como se verá adiante, a questão dagestão dos programas das instituições de forma-ção profissional não é algo consensual. Os sindi-catos propõem que a formação profissional sejaintegrada ao sistema regular de ensino e que hajamaior participação da comunidade e dos segmen-tos organizados da sociedade na gestão do sistemaeducacional. Além disso, criticam o fato da gerên-cia dos recursos destinados às instituições deformação profissional, tais como o SENAI, o Servi-ço Nacional de Aprendizagem do Comércio(SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Ru-ral (SENAR) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Mi-cro e Pequenas Empresas (SEBRAE), estarem sob ocontrole exclusivo dos empresários, e sugeremque a gestão seja tripartite (governo, empresáriose sindicatos).

Os empresários, por seu lado, em geral reconhe-cem que têm um grande papel a desempenhar noesforço de melhoria do ensino público de primeiroe segundo graus, por meio de convênios de coope-

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ração com as secretarias de Educação para a ma-nutenção das escolas existentes próximas às em-presas, e na criação de facilidades para que osempregados menos escolarizados possam com-pletar sua educação básica. Além disso, insistemna gerência exclusiva dos recursos destinados àsinstituições de Formação Profissional.

Como se pode observar, o equacionamento daquestão educacional profissional é bastante com-plexo, o que requer muita habilidade e conheci-mento profundo dos atores da problemática en-volvida. Cabe novamente chamar atenção para ofato de que essa discussão não deve ser pautada sópelas necessidades específicas do setor produtivo,mas também por questões de fundo sobre o papelda educação na construção de uma nação demo-crática. É nesse contexto que a discussão sobre aeducação para o terceiro milênio e seus novosconteúdos programáticos deve-se inserir.

Outra questão que tem dominado o debate atualsobre modernização produtiva e seus impactossobre o mercado e as relações de trabalho refere-se à flexibilização das relações trabalhistas, espe-cialmente por meio da redução dos encargos sobrea folha de pagamento. Nesse caso, é importantedestacar o fato de estudos recentes [Amadeo et alii

(1994); Baltar e Proni (1996)] terem chamadoatenção para a existência de uma excessiva flexi-bilidade alocativa no mercado de trabalho brasi-leiro, principalmente para os trabalhadores commenor nível de instrução. Desse modo, as propos-tas de reformas que concorrem para o aumentodesta flexibilidade podem redundar apenas na pi-ora da qualidade dos empregos formais, sem noentanto proporcionarem um efeito positivo sobreo nível e a duração do emprego. Sob esse aspecto,uma política de corte dos encargos sociais — que englobamtanto salários indiretos, quanto receitas de fun-dos sociais —, embora traga ganhos em termos deredução do custo do trabalho, pode gerar inconsis-

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tências no médio e longo prazos nas políticas deemprego.

Como o país apresenta múltiplas realidadesprodutivas nas quais convivem, simultaneamen-te, formas arcaicas e modernas de produção, tor-nar-se-á necessário estabelecer determinados pa-râmetros de flexibilização que variem de acordocom o estágio prevalecente das relações de traba-lho. Em outros termos, haverá necessidade de senegociarem condições mínimas em nível nacio-nal, deixando para a negociação em nível regio-nal, local ou por empresa o acerto de cláusulas es-pecíficas dos acordos trabalhistas. Assim, a legis-lação terá de ser adaptada às mudanças não só dasrelações de trabalho, como também ao impacto ge-rado pela reestruturação produtiva em cada setorda economia.

Não interessa ao Estado o enfraquecimento denenhum dos principais atores. Porém, como a di-nâmica do processo de modernização econômicase dá de forma diferenciada entre e intra-setores eramos produtivos, a representação de cada atorem determinados momentos vive a contradiçãode defender novos e velhos interesses. Cabe ao Estadopreparar-se para conviver com essa transição emque organizações empresariais e de trabalhado-res estarão desempenhando papéis passivos e ati-vos, protecionistas ou liberais, autoritários oudemocráticos.

É para o interior das empresas modernas que sedeve deslocar o eixo das principais negociaçõesentre capital e trabalho, pois estas devem-se con-verter num laboratório muito rico de novas expe-riências de diálogo entre esses atores. Nesse con-texto, o papel regulador do Estado deverá se res-tringir a grandes questões jurídicas e normati-vas, abrindo espaço para que problemas específi-cos sejam discutidos e equacionados em outrosfóruns.

Evidentemente, para que isso ocorra, será ne-cessário que os sindicatos patronais e de traba-

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lhadores mudem a pauta de sua atuação política,de conteúdo puramente reivindicativo, para in-corporar também a discussão sobre a moderniza-ção tecnológica e seus impactos sobre o nível deemprego, as relações de trabalho, a produção e onível de competitividade das empresas.

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

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A Confederação Nacional daIndústria elaborou dois es-tudos [CNI (1993) e (1996)]

que sintetizam o pensamento empresarial sobre oprocesso de modernização industrial e as relaçõesde trabalho.

Segundo a CNI, a indústria nacional deseja sereficiente, competitiva e estar inserida em umaeconomia marcada pela melhoria dos indicadoressociais e pela redução dos desequilíbrios pessoaise espaciais de renda. A entidade acredita que, so-mente com a elevação da produtividade, maioreficácia dos gastos sociais e a manutenção de umatrajetória de crescimento sustentável, será possí-vel alcançar esses objetivos.

A análise enfatiza que a estabilização monetáriaé um pré-requisito fundamental para que se al-cance o crescimento sustentado da economia, eque esta deve, necessariamente, ser acompanhadade um conjunto de reformas estruturais — tribu-tária, previdenciária, reforma do Estado, fim dasrestrições ao capital estrangeiro — e da reformado modelo das relações de trabalho.

Os empresários consideram que o modelo de re-lações de trabalho está diretamente relacionado aquestões importantes como a estabilização eco-nômica, a competitividade e a justiça social. Dessemodo, a modernização das relações de trabalhodeve começar pela redefinição do papel do Estadoe eleger, como princípio básico, a negociação cole-tiva em contraposição ao excesso de dispositivoslegais e ao poder normativo da Justiça do Traba-lho. Nesse sentido, preconizam uma mudança noaparato institucional, para permitir novas práti-cas de negociação. Em suma, a legislação traba-lhista, para a CNI, deve conter apenas um conjuntobásico de direitos e deveres, e reservar um espaçobem maior para a livre negociação entre as partesenvolvidas.

2.2 A Visão dos Empresários

2.2.1 Confederação Nacional daIndústria (CNI)

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PÚBLICAS

Os industriais condicionam esse novo modeloao aumento da competitividade das empresas e daeconomia como um todo, o que, para eles, só seráalcançado com a flexibilização da legislação tra-balhista, principalmente pela redução dos encar-gos sociais sobre a folha de pagamento. Segundo aCNI, isso possibilitaria ganhos reais de saláriopara os trabalhadores e a diminuição do custo damão-de-obra para as empresas, o que contribuiria,no médio e longo prazos, para reduzir não só o de-semprego como também a informalização nomercado de trabalho. Os documentos assinalam,no entanto, que as contribuições compulsóriasdestinadas à assistência e ao treinamento dos tra-balhadores, e ao apoio às micro e pequenas em-presas devem ser preservadas em razão do seuimportante impacto social e de seus efeitos positi-vos sobre a competitividade da indústria. Porfim, paralelamente à redução dos encargos, julga-se necessário alterar a legislação que trata da dis-pensa de trabalhadores de modo a torná-la menosrígida, para não se criarem empecilhos ao proces-so de modernização das empresas.

Quanto a outros aspectos no campo das relaçõesde trabalho, a entidade preconiza que as negocia-ções entre patrões e empregados devam ocorrer,preponderantemente, a partir dos locais de traba-lho e das empresas, embora admita que os acordospossam ser feitos em níveis superiores, inclusiveo nacional, no qual seriam definidos apenas re-gras e princípios mais gerais [Siqueira Neto(1994)].

No caso de haver conflitos de trabalho, se foremindividuais, a CNI propõe a criação de mecanismosinternos de processamento das pequenas recla-mações. Estabelecer-se-ia, também, o compromis-so de apenas se recorrer à Justiça do Trabalhoapós uma tentativa de acordo interna e autônomaentre as partes, por meio de comissões paritárias.

As câmaras setoriais têm seu papel reconhecidocomo ponto de partida para discussão de políticas

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setoriais de produção e das relações de trabalho.No entanto, a análise chama atenção para a neces-sidade de formulação de uma política industrialglobal para nortear o funcionamento dessas câ-maras, sob pena de se gerarem inconsistênciasentre estas.

O documento “Custo Brasil: Agenda no Con-gresso Nacional” [CNI (1996)] detalha alguns ou-tros aspectos da legislação trabalhista brasileiraque deveriam ser alterados para adequá-la ao am-biente econômico gerado pelo advento do novo pa-radigma produtivo. Os principais pontos temáti-cos são:

a) Participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas

A participação nos lucros ou resultados já estáprevista na constituição brasileira, e a CNI julgaque se esta for adequadamente regulamentada,pode constituir-se num eficiente instrumentopara as empresas induzirem a elevação da produ-tividade e a melhora da qualidade.

A análise pondera que o uso mais extensivodesse mecanismo tem sido limitado no Brasil porduas razões principais: os riscos trabalhistas as-sociados à habitualidade e os elevados custos damão-de-obra. Assim, seria fundamental que, naregulação da matéria, fossem observados os se-guintes princípios:

I. a regulamentação não deve ser rígida e deta-lhista;

II. o objetivo central a ser atingido é a elevaçãoda produtividade;

III. a participação nos lucros ou resultados deveser um produto da negociação, sem que hajaintervenção da Justiça do Trabalho;

IV. a participação dos trabalhadores nos lucrosou resultados deve ser definida em cada em-presa, mediante negociação entre o emprega-dor e seus empregados, sem interferênciasindical obrigatória; e

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V. as participações pagas devem ser deduzidasna apuração do lucro real, a fim de que nãogerem efeitos tais como o aumento dos encar-gos trabalhistas; assim, deve-se evitar a apli-cação do princípio da habitualidade.

b) Participação na gestão e o papel dos sindicatos

Dados os dispositivos legais existentes na cons-tituição, os empresários advogam que é a partir daparticipação nos lucros que deve surgir, de formanatural, a participação do trabalhador na gestãoda empresa. Ressaltam ainda que o desejável éque passe a existir a figura do empregado-acionista, permanente e definitivamente integra-do na vida do negócio para o qual despende sua for-ça de trabalho.

Quanto à participação dos sindicatos na gestão,a CNI julga que esta deve-se restringir apenas à ori-entação dos empregados para que estes partici-pem mais ativamente da vida do empreendimen-to, o que pode ser feito pelo estabelecimento de umplano de participação nos lucros que contemple aaquisição de ações ou cotas da empresa.

c) Remuneração, adicionais e benefícios indiretos

A lei só deve estabelecer o rol mínimo de direitostrabalhistas, o que inclui a determinação do salá-rio mínimo, deixando para a livre negociação, co-letiva ou individual, as questões que digam res-peito à remuneração e aos adicionais. No tocanteaos benefícios indiretos, defende-se que a legisla-ção não deve tratar deste tema, deixando sua con-cessão a critério exclusivo de cada empregador.

d) Fiscalização e inspeção do trabalho

Neste caso, a filosofia preconizada é a de aplica-ção de medidas preventivas ao invés de medidaspunitivas, pois estas oneram o custo das empre-sas, especialmente das micro, pequenas e médias,podendo até inviabilizar a continuidade do negó-cio. Assim, reclama-se nova regulação para a ma-téria, de modo que o agente fiscalizador, em um

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primeiro passo, oriente a empresa; em um segun-do, a notifique a cumprir as exigências em deter-minado prazo; e, somente em último caso, apliquemulta e, ainda assim, permitindo que esta seja re-levada se os prejuízos causados pelo ilícito foremsatisfatoriamente reparados.

e) Segurança e medicina do trabalho

A lei deve traçar os padrões mínimos necessári-os, dando ênfase a uma fiscalização mais orienta-dora do que punitiva, estimulando que emprega-dores e empregados velem para que o trabalho sedesenvolva em um ambiente com menos risco deacidentes.

Afora essas questões específicas sobre as rela-ções trabalhistas, os empresários também anali-sam os impactos da modernização produtiva so-bre o mercado de trabalho propriamente dito.Quanto à questão da geração de empregos, o do-cumento propõe a ação coordenada em váriasfrentes para se chegar a resultados positivos. As-sim, deve-se primeiro flexibilizar o mercado detrabalho; segundo, adotar políticas de incentivo àcriação de micro, pequenas e médias empresas,que sabidamente têm sido a maior fonte de gera-ção de empregos; e, terceiro, apoiar as atividadesde construção civil e do turismo, e a expansão dabase agrícola, o que não só traria um forte impactopositivo sobre a criação de empregos, como tam-bém contribuiria para a expansão da atividade e doemprego na indústria.

Quanto à determinação dos salários, a CNI acre-dita que, no contexto atual de estabilização mone-tária, impõe-se mais do que nunca a livre negocia-ção. A idéia básica é que a evolução dos saláriosdeve acompanhar a dos ganhos de produtividade,de maneira a permitir a preservação e a expansãodo nível de emprego.

Além disso, para tornar a economia brasileiramais competitiva, o documento enfatiza a neces-sidade de se desenvolverem políticas que visem

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aumentar o nível de escolaridade e de qualifica-ção da mão-de-obra brasileira. Assinala o textoque a educação básica universal, além de ser con-dição fundamental para a geração de uma força detrabalho com consciência de sua cidadania, tem,também, impacto decisivo sobre a distribuição derenda. Assim, a CNI propõe as seguintes linhas deação para essa temática:

a) universalização do ensino fundamental embusca de padrões elevados de educação básicaformal;

b) valorização da atividade de ensino e treina-mento;

c) paralela e complementarmente ao sistema bá-sico, o sistema de educação técnica profissio-nalizante, em que o SENAI representa um papelestratégico, deverá ser reforçado até como op-ção vocacional efetiva aos jovens que comple-tam seu período educacional; e

d) criação de programas especiais de reciclageme de educação de adultos, para a populaçãoanalfabeta ou com níveis mínimos de escola-ridade, com o objetivo de sanar deficiênciasacumuladas pelo sistema no passado.

A FIESP, em linhas gerais,defende as mesmas pro-postas da CNI. No entanto,

dadas as suas peculiaridades, apresenta um deta-lhamento das medidas necessárias para a conso-lidação do processo de modernização produtivana indústria paulista. O documento “Relações deTrabalho e Organização Sindical” [FIESP (1993)] ébem claro ao indicar que o Brasil se quiser teruma economia mais competitiva em nível inter-nacional, deve seguir em direção a um sistemanegocial de relações de trabalho, em substituiçãoao sistema estatutário hoje vigente, que é apoiadoem uma excessiva legislação trabalhista e no po-der normativo da Justiça do Trabalho.

2.2.2 Federação das Indústrias do Es-tado de São Paulo (FIESP)

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

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Para tal, recomenda-se que permaneçam na leiapenas os direitos e deveres fundamentais dostrabalhadores e empregadores, e flexibilizem-seas relações de trabalho, a fim de viabilizar umajuste mais rápido da estrutura produtiva peran-te as mudanças no ambiente macroeconômico, oque pode ser alcançado por meio da redução doexcesso de detalhamento existente dos dispositi-vos constitucionais e legais que regem as relaçõestrabalhistas.

A implementação do contrato coletivo, por suavez, não deve ser compulsória, mas sim, duranteum período de transição, opção para as partes.Nessa fase, as negociações devem ser livres atéque os atores alcancem um maior amadurecimen-to, de modo que tal instrumento e o processo queleva a este venham a se consolidar como um outromodelo para as negociações coletivas.

Quanto à configuração desse contrato coletivo, aFIESP não concorda com a idéia de que este deva serfeito em âmbito nacional envolvendo vários seg-mentos da atividade econômica. Nesse sentido,dadas as diferenças regionais e setoriais existen-tes no país, o acordo coletivo por empresa seriamais adequado.

O contrato coletivo pressupõe o estabelecimentode uma legislação mínima que não iniba a auto-nomia privativa das partes e, ao mesmo tempo,seja obedecida na ausência desse contrato, asse-gurando alguns direitos básicos, tais como saláriomínimo, duração anual do trabalho, férias, segu-rança e medicina do trabalho, e identificação pro-fissional.

O documento da FIESP aponta os seguintes pré-requisitos para a efetivação do contrato coletivo:

a) deve ser precedido de um amplo debate nacio-nal;

b) ocorra uma revisão da Constituição Federal,da CLT, e de toda a literatura esparsa sobre o as-sunto;

30 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS

c) deve prevalecer o pactuado sobre a norma le-gal;

d) o poder normativo da Justiça do Trabalhodeve ser limitado;

e) não deve existir uma política salarial, salvopara o salário mínimo;

f) deve-se suprimir o princípio de cumulativida-de (que considera concessões anteriores comoincorporadas ao contrato de trabalho);

g) deve ser mista a atual estrutura dos sindica-tos, o que consistiria no fim da unicidade sin-dical e da obrigatoriedade, ou compulsorieda-de, de qualquer contribuição para entidadessindicais;

h) a duração do contrato deverá ser estabelecidaentre partes, vedada a estipulação por prazoindeterminado;

i) a representação sindical nas empresas nãodeve ser obrigatória; e

j) deve haver a limitação do número de dirigen-tes sindicais com garantia de emprego.

O documento intitulado“Mudar para competir —A Nova Relação entre

Competitividade e Educação: Estratégias Empre-sarias” [IEDI (1992)] preocupa-se, exclusivamente,com o problema da defasagem educacional dostrabalhadores brasileiros. O trabalho destaca,fundamentalmente, as mudanças impostas pelonovo modelo de produção, cuja principal caracte-rística seria a flexibilidade decorrente do uso damicroeletrônica, da reorganização dos processosde produção e da maior divisão do trabalho entreas empresas.

Nesse contexto, os mecanismos de seleção damão-de-obra tendem a valorizar o raciocínio lógi-co, a capacidade de comunicação, de decisão e deresolução de problemas, a cooperação e a capaci-dade de aprender do trabalhador. Como esses

2.2.3 Instituto de Estudos deDesenvolvimento Industrial (IEDI)

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS 31

atributos são adquiridos por meio dos conteúdosgerais da educação básica, o texto ressalta o papelfundamental dos investimentos nessa área.

O documento critica o pequeno poder de abran-gência do SENAI, na medida em que a ausência deuma sólida formação educacional na maior parteda força de trabalho industrial torna os cursosoferecidos extremamente seletivos. Além disso, apartir de 1970, a prioridade conferida aos cursosde suprimento, de aperfeiçoamento ou atualização, le-vou o SENAI a uma situação na qual os cursos deiniciação profissional, objetivo primeiro do ór-gão, tiveram suas ofertas restringidas.

Em síntese, para o IEDI a ação empresarial nocampo da educação e da qualificação profissionaldeve-se dar em três níveis: participação na gestãodas políticas educacionais; utilização da capaci-dade instalada que a indústria já possui para ofuncionamento de suas próprias instituições deensino; e ações diretas executadas pelas empre-sas.

Para a Central Única dosTrabalhadores, segundoos Textos para Debate na

7a Plenária Nacional [CUT (1995)], a difusão dasinovações tecnológicas na estrutura produtivaenvolve uma nova forma de produzir, com a ado-ção de diferentes formas de organização e contro-le da produção, de gestão do trabalho que, ao ladoda desverticalização e terceirização, estão pro-movendo profundas alterações na estrutura in-dustrial.

Essas mudanças aceleram a diferenciação en-tre os trabalhadores, com a criação de um núcleomais estável, no qual estão aqueles multiqualifi-cados, responsáveis pela condução da produçãonas empresas mais modernas, e um outro no qualse situam os demais, que correm o risco de sofrer

2.3 Visão dos Trabalhadores

2.3.1 Central Única dosTrabalhadores (CUT)

32 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

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um processo de desqualificação profissional.Esta diferenciação seria fruto, também, da ofen-siva patronal contra a ação dos sindicatos e sobreos sistemas de contratações nacionais — horizon-tais e verticais — responsáveis por estabelecer ga-rantias básicas e fundamentais para o conjuntodos trabalhadores. Desse modo, a reestruturaçãoprodutiva tende a transformar-se em um podero-so instrumento de pressão empresarial para for-çar a redução dos direitos e garantias sociais, oumesmo para isolar os sindicatos.

Todavia, a análise reconhece que esses impactosnão se deram de forma homogênea entre países eempresas. Em algumas nações desenvolvidas, asorganizações sindicais aceitaram o desafio da re-estruturação como um dos principais elementosda contratação coletiva, e souberam reconhecer adiferenciação do mercado de trabalho na elabora-ção de uma estratégia sindical comum. Nesses ca-sos, os sindicatos foram capazes de manter-secomo principais interlocutores dos trabalhadoresnas negociações coletivas.

A CUT propõe-se a discutir a questão da qualidadee produtividade partindo de uma perspectiva demelhoria da qualidade de vida e do trabalho para apopulação, e da distribuição dos frutos do aumen-to da eficácia do trabalho para o conjunto dos as-salariados e da massa dos excluídos. Para a Cen-tral, é fundamental influir sobre o processo de re-estruturação de modo a perceber o que é novo e oque permanece do velho modelo, beneficiando, as-sim, os trabalhadores e a população como umtodo. No entanto, reafirma o caráter conflitivo dasrelações capital—trabalho e nega a ideologia deparceria empresarial.

A Central também faz uma autocrítica perante odesempenho dos sindicatos na formulação depropostas que dêem conta da questão tecnológica eorganizacional, reconhecendo, inclusive, a exis-tência de uma série de contradições entre traba-lhadores de diversos setores, o que acabaria por

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

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se refletir na atuação sindical. Entretanto, o do-cumento indica a década de 90 como um marco namudança de seu comportamento institucional,destacando sua efetiva participação em fórunsinstitucionais como as câmaras setoriais, o Pro-grama Brasileiro da Qualidade e Produtividade, oEstudo da Competitividade da Indústria Brasi-leira, o MERCOSUL, etc., nos quais se discutem as al-terações verificadas no mercado de trabalho,além dos efeitos sobre as relações trabalhistasprovenientes das inovações ocorridas na produ-ção.

A CUT apresenta as seguintes propostas de açãodiante da reestruturaçãoprodutiva:

a) a difusão das diretrizes apontadas na propos-ta unificada para negociações nacionais porramo, rumo ao contrato coletivo de trabalho,especialmente no que diz respeito à redução dajornada de trabalho, organização no local detrabalho, participação dos trabalhadores nosresultados das empresas, terceirização, mu-danças organizacionais e tecnológicas, mobi-lidade interna de pessoal e educação e forma-ção profissional; e

b) a manutenção, de forma coordenada e inte-grada, da presença da CUT nos diversos fórunsinstitucionais correlatos às políticas industriale tecnológica.

Na questão da educação e da qualificação pro-fissional, a CUT reconhece a importância do pro-blema e defende que, para solucioná-lo, é necessá-rio uma maior participação da comunidade e dossegmentos organizados da sociedade na gestão dosistema educacional como um todo. Para a Cen-tral, a formação profissional deve ser colocadasob a responsabilidade do trabalhador e estar in-tegrada ao sistema regular de ensino.

Sob esta ótica, o ensino profissional deve ter porobjetivo não só a formação de trabalhadores tec-

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PÚBLICAS

nicamente competentes, mas também a transmis-são de conhecimentos que viabilizem o encontroentre cultura e trabalho e possibilitem ao traba-lhador a compreensão crítica da vida social e daevolução tecnológica. Isso não exclui a necessi-dade de uma formação profissional mais especí-fica, que pode ser realizada por centros públicosou privados.

Em relação especificamente ao SENAI, a CUT pro-põe a gestão conjunta dos recursos desta institui-ção e critica os procedimentos utilizados na defi-nição da metodologia e dos conteúdos dos cursos,que são voltados, exclusivamente, para a qualifi-cação de trabalhadores e não para a formação decidadãos.

Quanto ao contrato coletivo de trabalho, a Cen-tral advoga que a organização sindical deve ser li-vre em todos os níveis, o que deverá ensejar o apa-recimento de lideranças autênticas e representa-tivas. Propõe, também, o fim da unicidade sindi-cal e a estruturação das organizações sindicaispor ramo de atividade. Além disso, a ausência derepresentação dos trabalhadores dentro das fá-bricas é vista como um grande empecilho à cons-trução de um sistema de relações de trabalho maisdemocrático; por isso, a CUT propõe representaçãopermanente e única, por local de trabalho. Defen-de, também, que a negociação coletiva deva ocor-rer de forma articulada em todos os níveis — na-cional, regional, por ramo de atividade e por em-presa.

Para a solução dos conflitos individuais de tra-balho, a Central postula que esta nasça, paritari-amente, a partir dos locais de trabalho, e que se re-corra menos ao uso de recursos judiciais. Nosconflitos coletivos, entende-se que somente os denatureza jurídica poderiam ser examinados pelaJustiça do Trabalho, que deveria perder a prerro-gativa de intervir, compulsoriamente, nos confli-tos de interesses e de estabelecer normas e condi-

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS 35

ções de trabalho; em outras palavras, deve ser ex-tinto o poder normativo da Justiça do Trabalho.

Com relação ao papel do Estado nas relações detrabalho, o documento preconiza que este deve serestringir apenas à fiscalização do cumprimentoda legislação trabalhista e à garantia da liberdadesindical, deixando aos trabalhadores e empresá-rios a condução da negociação trabalhista.

No período de transição para o novo modelo derelações de trabalho, a CUT defende que os direitosindividuais mínimos, inscritos na CLT, devemmanter sua condição de normas de ordem pública.Apenas futuramente estes direitos mínimos po-deriam vir a integrar um contrato coletivo nacio-nal de trabalho, ou um novo código mínimo de di-reitos. A CUT também propõe que esse novo modeloseja amplamente discutido por todos os atores so-ciais: governo, empregadores e trabalhadores.

Para a Força Sindical, a moder-nização do país exige mais do que

uma simples capacitação tecnológica. Para atin-gir o verdadeiro desenvolvimento social, será ne-cessária uma mudança de mentalidade na direçãodo abandono definitivo da atual política de con-fronto, que sempre caracterizou as relações entrecapital e trabalho, e da sua substituição por umapolítica de parceria reivindicativa entre traba-lhadores e empresários, empresas e consumido-res, sociedade e Estado.

Essa postura seria viabilizada pelo novo modelode produção globalizante, que se apóia sobre a par-ticipação/cooperação da força de trabalho na de-finição, implementação e realização da produção,modelo no qual não se espera uma atuação passi-va, mecânica da mão-de-obra, e sim uma atuaçãointelectualizada, participativa, crítica e co-responsável pelo processo global de produção.

Tais mudanças não representam um aspecto fi-losófico mais democrático. Trata-se de um meca-nismo imediato para potencializar rápidos ga-

2.3.2 Força Sindical

36 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

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nhos de produtividade e de qualidade, o que per-mite a redução dos custos e, por conseguinte, dospreços.

As premissas da transformação na estruturaprodutiva são a ruptura com mecanismos retró-grados e preconceituosos e a substituição do tra-balhador manual pelo trabalhador intelectual, oque exige a redefinição dos papéis por meio da re-educação global e sistemática dos segmentos soci-ais envolvidos. Nesse contexto, é indiscutível ainterligação entre qualidade, educação básica equalificação profissional, que, além do clássicopapel de instrumento da cidadania, representa oprincipal fator de competitividade.

A Força Sindical também defende a integraçãoentre educação formal e profissional e a necessi-dade da participação dos trabalhadores na defini-ção, gestão, acompanhamento, e avaliação do sis-tema educacional como um todo.

A partir desse enfoque, a entidade enumera osseguintes pressupostos para a ação sindical:

a) generalização e melhoria do ensino, contem-plando o papel da informática no mundo atuale priorizando um novo modelo de qualificaçãoprofissional centrado na educação global e nadifusão do conhecimento;

b) requalificação profissional, com participaçãodos trabalhadores, viabilizando o seu aprovei-tamento em outras atividades; e

c) participação dos trabalhadores nos resulta-dos das empresas, regulamentada em lei, sobum modelo livremente acordado entre as par-tes e compatível com as características da ati-vidade.

A entidade acredita que a modernização das re-lações trabalhistas passa pela aplicação da Con-venção 87 da Organização Internacional do Tra-balho (OIT), que aponta para a livre organizaçãosindical dos trabalhadores, sem a presença impo-

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS 37

sitiva do Estado, e que também assegura a repre-sentação e a organização dos trabalhadores den-tro das empresas. Esta última se daria a partir daexistência de organizações sindicais no local detrabalho, apoiadas pelo seu respectivo sindicato, jáque é nessa instância que se dará a fiscalização doscompromissos acordados.

Enfatiza, também, que a estrutura sindical deveser configurada de tal forma que sua organizaçãoseja por setor ou categoria, e que o imposto sindi-cal deve ser extinto de forma gradativa, de manei-ra que o movimento trabalhista seja fortalecido.

Por fim, julga imprescindível que o contrato co-letivo inclua, entre outros temas, os seguintes:

a) representação por local de trabalho;

b) direitos sindicais: os dirigentes sindicais,além das comissões dos empregados, devemexercer suas funções, dentro da empresa, semsofrer perseguições ou prejuízos salariais;

c) negociações permanentes: o contrato deve serflexível, no sentido de que, quando as partesdesejarem, possam negociar todo e qualquerassunto e incorporar os respectivos resulta-dos ao contrato, se acordado;

d) solução de conflito individual e coletivo: osconflitos devem, preferencialmente, ser solu-cionados, em primeira instância, no própriolocal de trabalho e/ou sindicato, onde a admi-nistração dos problemas seja feita pelas partesenvolvidas, evitando-se o recurso à Justiça;

e) jornada de trabalho;

f) formação profissional; e

g) terceirização.

A descrição feita anteriormen-te das posições das entidades

patronais e de trabalhadores mostra visões bas-

2.4 Considerações Finais

38 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS

tante diferenciadas quanto às potencialidades doprocesso de modernização em curso e às mudan-ças necessárias nas relações de trabalho paraadaptarem-se à nova realidade produtiva, masevidencia, também, uma acentuada preocupaçãocomum com a educação e a formação profissionaldo trabalhador brasileiro e com a necessidade dese reformular todo o arcabouço jurídico-institucional, no qual descansam as relações tra-balhistas.

A expectativa das centrais sindicais é a de que oprocesso de modernizaçãosignifique, além de aumento de produtividade,melhores condições de vida para os trabalhado-res. Dentro desta tônica, estas esperam do setorpúblico uma atuação que transcenda o viés me-ramente produtivo da modernização e que, ao estimu-lar as empresas a investirem na modernização deseus empreendimentos, exija uma contrapartidasocial.

Todavia, é importante destacar que os meca-nismos sociais, não necessariamente estatais, aserem desenvolvidos para o equacionamento dosproblemas magnificados pelo processo de moder-nização produtiva, devem ser gestados no âmbitode um amplo diálogo entre os atores nas arenasapropriadas. A disposição da CUT, por exemplo, emparticipar desses fóruns institucionais indica umcaminho promissor de ampliação das discussõese dos consensos. Cabe ao governo estimular a ne-gociação entre as partes e chamar todos os setoresda sociedade civil para o enfrentamento das ques-tões que começam a ser colocadas hoje, e que de-vem ser ampliadas no futuro.

O documento da CNI também enfatiza o diálogocomo o caminho mais eficiente ao contrapô-lo aoemaranhado de dispositivos legais e ao podernormativo da Justiça do Trabalho. Indica, ainda,os altos custos do trabalho como um sério impas-se para o aumento da competitividade e propõe,inclusive, a revisão dos direitos constitucionais e

MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS 39

da CLT — Consolidação das Leis Trabalhistas. Poroutro lado, enfatiza o papel da educação do traba-lhador, propondo a manutenção das atuais insti-tuições de formação profissional, sem apontarpara mudanças estruturais necessárias aos no-vos tempos.

O consenso existente sobre o papel da educaçãoe da formação profissional, como também da pri-oridade para a educação básica, se apropriado deum modo conveniente e no âmbito de um projetomaior de ações governamentais e sociais, pode ge-rar sinergias que atuem tanto no sentido de au-mentar a competitividade das empresas nacio-nais, quanto no de melhorar a distribuição derenda. Nesse contexto, a democratização das rela-ções de trabalho desempenha um papel funda-mental ao criar uma cultura de negociação quepropicie um salto de qualidade na formulação dealternativas para uma série de questões que afli-gem grande parte dos trabalhadores deste país.

Outro aspecto importante na agenda dos atores,principalmente da CNI e da CUT, refere-se à questãodo contrato coletivo de trabalho. Cabe ressaltarque, apesar de defenderem sua adoção, os atorespossuem visões bastante diferenciadas quanto àforma de implementá-lo. Nesse sentido, é misterreconhecer que instituir o contrato coletivo detrabalho em âmbito nacional, de fato, pode tornaro mercado de trabalho mais rígido. Entretanto, odirecionamento para um modelo de negociaçãoque possa ser articulado com as câmaras setoriaisem nível regional poderá respeitar as peculiari-dades das diferentes regiões e setores econômi-cos, aumentando a eficiência deste mecanismo.

O governo, por sua vez, deverá estar atento àsdiferentes posições dos atores envolvidos e às di-versas realidades intra e intersetores e regiõeseconômicas. A estratégia de condução dessa com-plexa articulação deverá ser a de fortalecer o diá-logo e definir claramente o novo papel do governo,para que este não tenha sobrecargas de atribui-

40 MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E RELAÇÕES DE TRABALHO: PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS

PÚBLICAS

ções indevidas, com conseqüentes ineficiênciasde atuação.

3 PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICASPARA

O MERCADO DE TRABALHO

O exposto nas seções anteriores mostra que oprocesso de modernização produtiva, se por umlado sinaliza para aumentos de produtividade e decompetitividade das empresas, por outro tem cau-sado uma grande mudança na quantidade e naqualidade dos empregos gerados. Como conse-qüência, diversos postos de trabalho têm sido des-truídos nos setores mais modernos da economia.Além disso, observa-se uma pressão crescentepara flexibilizar, de maneira generalizada, omercado de trabalho, o que, em determinadas si-tuações, poderá levar à precarização do emprego.Por isso, criar mais e melhores empregos será ogrande desafio do Brasil no futuro.

Nesse contexto, como apontam Cacciamali et alii

(1995), as idéias sobre o papel do Estado no que serefere à questão do emprego se situam em duasgrandes frentes. A primeira prevê que o processode ajustamento levará à minimização da partici-pação do Estado na economia; mais especifica-mente, preconiza a diminuição do custo do traba-lho, principalmente por meio de cortes nos encar-gos sociais e da desregulamentação do mercado detrabalho, com vistas a flexibilizá-lo para elevar onível de emprego. Entretanto, as experiências in-ternacionais mostram que este caminho não temlevado, necessariamente, a uma redução no de-semprego, além de ter elevados custos sociaispara os países que adotam esta estratégia.

A segunda frente admite que será necessárioreorientar o papel do Estado para que este imple-mente ações com o objetivo de redistribuir renda ede ampliar as oportunidades de emprego, a fim de

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minimizar os efeitos negativos da modernizaçãotecnológica e diminuir seus custos sociais.

O Estado brasileiro tem a oportunidade deaprender com a experiência dos países onde a glo-balização e o processo de modernização produtivaencontram-se em estágio bem mais avançado. Na-queles países desenvolvidos onde a ideologia doEstado Mínimo prevaleceu e foram adotadas políticas,por exemplo, de redução dos direitos trabalhistase de corte indiscriminado dos gastos sociais, osproblemas sociais acabaram por se agravar; tantoque hoje já há uma reação forte daquelas socieda-de motivada pelas medíocres taxas de crescimen-to do final dos anos 80 e início dos anos 90. Nospaíses em desenvolvimento, os custos dessesajustes também têm sido bastante elevados, comprejuízo, inclusive, em alguns casos, no âmbito dasegurança nacional, devido ao aumento da insta-bilidade social. Desse modo, as ações do governodevem levar em conta que os problemas sociaisbrasileiros diferem, e muito, dos encontrados nospaíses desenvolvidos, e que, por isso, há uma ne-cessidade ainda maior de políticas públicas queatenuem os aspectos negativos do processo.

Além disso, dadas as características econômi-cas e populacionais do Brasil, tratar a questão doemprego como prioritária nos próximos anos si-gnifica definir tanto políticas macroeconômicasde emprego, que comportem desde uma política decrescimento econômico propriamente dita, até po-líticas setoriais localizadas e políticas microeco-nômicas de emprego, que atentem às necessidadeslocais e regionais e que tenham a função sistêmicade complementar as primeiras.

A questão do novo papel do Estado na economiadeve ser colocada sob a perspectiva descrita ante-riormente. Nesse sentido, este capítulo pretendediscutir alguns pontos importantes e controver-sos desta temática e listar subsídios para a formu-lação de uma pauta de políticas públicas.

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Em primeiro lugar, uma vez estabilizada a eco-nomia, para garantir a continuidade do cresci-mento econômico é fundamental a melhora dadistribuição de renda, o que, além de atender aosobjetivos de justiça social, incorporaria ao mer-cado de consumo uma parcela considerável depessoas.3 Com isso, a atual estrutura de produçãocertamente teria de ser redimensionada levandoem conta a ampliação do mercado e sua novacomposição, o que poderá acarretar a criação demais empregos nos setores secundário e terciárioda economia. É primordial, também, que o Estadorecupere sua capacidade de implementar políticassociais eficientes — tarefa que tem como pré-requisito o ajuste fiscal.

Em segundo lugar, é necessário encaminhar acomplexa questão da flexibilização dos direitosdos trabalhadores e da redução dos encargos sala-riais no contexto da diversidade das relações edos vários mercados de trabalho existentes. Issosignifica que as mudanças propostas pelos seto-res econômicos mais modernos nem sempreatendem às necessidades dos demais setores, evice-versa. Essa situação reforça a idéia de que sedeve adotar uma estratégia de flexibilização pro-gressiva, o que permitirá aos setores mais avan-çados negociarem com maior rapidez os entravesao seu desenvolvimento.

Se o grande desafio é criar mais empregos e deboa qualidade, caberá ao Estado propor as mu-danças na legislação que facilitem a criação e/ou aformalização da relação de trabalho. Existe umasérie de medidas, que contam com razoável acei-tação da sociedade, que podem ser executadaspara viabilizar o alcance do anteriormente descri-to. A mais complexa refere-se aos encargos soci-

3 É interessante observar a imensa transformação que a

estrutura de consumo brasileira sofreu nos primeirosdoze meses do Plano Real, com o aumento da venda deprodutos não-duráveis, principalmente alimentares, e deaparelhos eletrônicos domésticos. Ver a esse respeitoNeri, Considera e Pinto (1996).

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ais, pois envolve questões muito delicadas, taiscomo direitos trabalhistas, arrecadação fiscal efinanciamento de instituições paraestatais deformação profissional.

Há uma série de propostas que concorrem paraa manutenção ou criação de empregos, em tornodos quais se pode chegar ao consenso sem grandesdificuldades. São elas: a redução e/ou flexibiliza-ção da jornada de trabalho; a regulamentação donúmero de horas extras; e o fornecimento de cur-sos supletivos e de qualificação profissional paraos trabalhadores. Parte dessas medidas já é apli-cada, com sucesso, nos países desenvolvidos, paraminimizar o grave problema do desemprego.

O governo pode, também, contribuir para a me-lhoria da qualidade do emprego a médio e a longoprazos por intermédio de políticas educacionaisque incentivem — por meio dos programas de ren-da mínima vinculados à educação, por exemplo —a permanência do aluno na escola e, portanto, re-tardem o ingresso do mesmo na população eco-nomicamente ativa. Assim, esses jovens traba-lhadores terão, quando concluírem seus estudos,maior probabilidade de encontrar postos de traba-lho que sejam de melhor qualidade.

Para os trabalhadores que estejam empregados,o governo deverá incentivar a adoção de progra-mas educativos, com vistas a aumentar o nível deescolaridade e, dessa forma, contribuir para a re-dução da alta taxa de rotatividade existente.Também deverá incentivar a reciclagem profissi-onal de seus empregados, coibindo a tendênciaverificada nas firmas de substituírem mão-de-obra desqualificada por outra com um perfil edu-cacional mais elevado. Assim, novas metodologi-as, currículos escolares e materiais de ensino de-verão ser pesquisados e colocados à disposiçãodas empresas e sindicatos, para viabilizarem aeducação em massa dos trabalhadores no menortempo possível.

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Se o plano de estabilização econômica se conso-lidar, com o ajuste fiscal já implementado, o go-verno voltará a ter condições de formular políti-cas públicas de emprego que possam fazer frenteaos impactos negativos da modernização produ-tiva sobre o emprego. Nesse contexto, existirãodois níveis nos quais o Estado poderá executaresta tarefa: mediante políticas macroeconômicase microeconômicas de emprego. O primeiro nívelcompreende grandes investimentos públicos eprivados, que ampliarão o número de postos detrabalho ofertados no mercado de trabalho, con-centrando sua atuação em setores cujas ativida-des sejam intensivas em mão-de-obra.

Se a economia brasileira voltar a ter um cres-cimento sustentável, criará espaços para uma po-lítica redistributiva de renda que, como já foi sali-entado, levará as empresas a redimensionaremsuas escalas de produção, o que, naturalmente, le-vará a um aumento da oferta de empregos nos se-tores secundário e terciário da economia.

Uma política ativa de recuperação do valor dosalário mínimo também pode ter impactos positi-vos sobre a redução da pobreza. A análise de Neri,Considera e Pinto (1996), por exemplo, aponta asincronia entre aumentos no salário mínimo ereduções nos diversos índices de pobreza, eviden-ciando que, de alguma forma, seja pela renda dochefe ou dos trabalhadores secundários da famí-lia, a elevação do valor do salário mínimo nos úl-timos anos tem apresentado impactos não-desprezíveis sobre o nível de pobreza.

Nesse sentido, a política de distribuição de ren-da, ao alterar o perfil da demanda, deverá ser si-nalizadora das prioridades de investimentos nossetores secundário e terciário. Além disso, como oacréscimo da demanda deverá ser maior nos se-tores mais tradicionais da indústria, é provávelque a criação adicional de empregos seja maior. OFundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) poderáser o grande instrumento dessa política conjunta

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de emprego e de crescimento econômico, identifi-cando ramos e setores cujos efeitos multiplicadoressejam maiores.

Tendo em vista que a finalidade do FAT é proverrecursos para o pagamento do seguro-desempregoe incentivar o crescimento econômico e a geraçãode emprego, sua administração requer um acom-panhamento fino da destinação de seus recursos.Cabe ressaltar, também, o impacto negativo que asdiversas propostas de redução de encargos e/oude reforma tributária podem ter sobre esse fundo.A experiência recente da Argentina, que não lo-grou a redução da taxa de desemprego e, ademais,teve que arcar com a redução de suas receitas fis-cais como conseqüência da redução de encargos,deve, no mínimo, servir de alerta.

Além disso, se o governo for bem-sucedido emseu ajuste fiscal e, por conseguinte, conseguir re-cuperar sua capacidade de investimento, terácondições de executar obras em diversas áreasestratégicas, como a de infra-estrutura (sanea-mento, habitação, estradas, entre outras), o quedeverá aumentar consideravelmente o número devagas disponíveis no mercado de trabalho.

Porém, mesmo que as políticas macroeconômi-cas propostas anteriormente alcancem relativosucesso, é provável que, dadas as característicasdo mercado de trabalho brasileiro e da estruturaeconômica gerada pelo processo de modernizaçãoprodutiva, o número de postos de trabalho gera-dos por tais políticas não seja suficiente para ab-sorver a crescente oferta de trabalho, sem contarque há a necessidade de assistir à parcela da popu-lação que sofreu os impactos mais negativos ense-jados pela modernização produtiva.

Isso explica a importância, em um segundo ní-vel, de implementar, como complemento às políti-cas macroeconômicas antes descritas, políticascompensatórias de emprego cujas medidas prio-rizariam determinadas regiões econômicas egrupos específicos de trabalhadores (desempre-

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gados ou não), que tenham pouca chance de en-contrar empregos no setor formal da economia, etambém ramos e setores econômicos específicos.O governo deve ser o principal agente implemen-tador dessas políticas, principalmente pela cons-tituição de um Sistema Público de Emprego (SPE).

Para atender essa demanda é preciso redese-nhar o aparato institucional que atende aos traba-lhadores desempregados. Atualmente, a políticade proteção ao desempregado é executada peloSistema Nacional de Emprego (SINE) sob a direçãodo Ministério do Trabalho, cujo desempenho nãotem sido satisfatório por vários motivos, que vãodesde um desenho institucional complicado atéuma baixa prioridade política local.

O Sistema Público de Emprego terá de preen-cher lacunas, tanto no que se refere ao conjunto deserviços prestados ao desempregado, quanto àsua capacidade de formular e implantar políticasestaduais de geração de emprego e renda, median-te a construção de cenários regionais que condu-zam a um direcionamento da política econômicalocal.

Dessa forma, a transformação qualitativa doSINE em um Sistema Público de Emprego (SPE) teráde contemplar algumas diretrizes básicas, taiscomo: a democratização da gestão do sistema, quedeve ser fundamentada na transparência e naparticipação da sociedade civil de modo a assegu-rar às políticas públicas efetiva resposta social; adescentralização das ações, pela delegação da exe-cução das atividades aos agentes locais, obede-cendo a uma diretriz global da União; e a parceriacom a sociedade civil.

Para operar com maior eficiência, o SPE terá dese estruturar em todos os estados para prestaratendimento integrado ao trabalhador e aos de-mais agentes envolvidos no mercado de trabalho,nas áreas de seguro-desemprego, intermediaçãode mão-de-obra, qualificação profissional, infor-mação e análise do mercado de trabalho, e pro-

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gramas específicos de geração de emprego e ren-da.

As políticas públicas dirigidas aos desemprega-dos devem levar em conta a necessidade de se es-truturar um sistema integrado de atendimentoque reúna as áreas de educação e qualificaçãoprofissional e de intermediação de mão-de-obra, ea do seguro-desemprego, quando for o caso.

A condição necessária para o bom funciona-mento desse sistema é a estruturação da área dequalificação profissional mediante o desenvol-vimento de novas metodologias de ensino, a am-pliação do leque de cursos oferecidos, e a adequa-ção dos currículos às necessidades do mercado.

Os investimentos em pesquisas, em nível local,sobre oportunidades de emprego, nichos de mer-cado, setores com alto risco de desemprego imi-nente, etc., servirão para conferir um melhoratendimento ao trabalhador, na medida em quepermitirá ao SPE antecipar-se às demandas futu-ras de emprego, tanto as do mercado formal quan-to as do mercado não-formal, permitindo orientare direcionar as demandas de mercado.

Os programas específicos de geração de empre-go e renda devem ser planejados pelo SPE de ma-neira a respeitar às especificidades locais. Nessesentido, tais programas devem priorizar o aten-dimento aos trabalhadores dos estratos sociaismais carentes e que se inserem no mercado detrabalho de forma precária. Por isso, políticas deapoio ao setor informal e à formação de coopera-tivas, por exemplo, podem aumentar a renda dasfamílias envolvidas nessas atividades, por meiodo treinamento gerencial e, conforme o caso, daabertura de linhas de crédito [Cacciamali et alii

(1995)]. Evidentemente, essas ações devem seracompanhadas de estudos identificando os ramose setores econômicos com maiores potencialida-des e, também, de uma avaliação sobre o perfil dobeneficiário e um preparo adequado deste paratornar-se um pequeno empresário competitivo.

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Os programas de incentivo às micro e pequenasempresas, por um lado, devem atentar para a qua-lidade dos empregos gerados neste segmento, que,em geral, oferecem uma baixa remuneração, epara o fato de que essas empresas têm grandes di-ficuldades para investir na qualificação da forçade trabalho ou mesmo na modernização de seusnegócios. Por outro, devem tentar integrar o SPE

às fontes de financiamento, uma vez que sua se-paração traz como conseqüência a lacuna de in-formação e de avaliação da viabilidade socioeco-nômica do empreendimento, levando a que hajauma alta taxa de mortalidade entre esse segmentode empresas.

As dificuldades das pequenas empresas refe-rem-se, particularmente, a uma série de proble-mas relacionados à ausência de escala, indivisibi-lidades, e escassez de informações. Nesse caso, acriação de mecanismos institucionais capazes delhes fornecer uma série de serviços, que podemincluir desde cursos conjuntos de formação e qua-lificação da mão-de-obra até o acesso a informa-ções básicas para a gestão eficiente dos negócios,possibilitaria uma dinâmica muito mais eficientee eficaz que uma simples política de subsídios,que, em geral, não tem obtido bons resultados.

A concepção de um sistema público de empregocom tal grau de complexidade e de exigências re-quer que o governo invista em treinamento e des-envolvimento de recursos humanos e em equi-pamentos modernos. Além disso, é necessário queseja capaz de articular e integrar a política macro-econômica de emprego nos diversos estados e in-fluenciar a definição do conteúdo das políticasespecíficas de emprego e renda, potencializandoseus resultados.

A qualificação da mão-de-obra é um pré-requisito fundamental para o sucesso das políti-cas públicas voltadas para o processo de moder-nização produtiva e, portanto, requer um deta-lhamento maior dos problemas e das propostas de

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solução. Nesse sentido, esta deverá desempenharum papel de destaque na formulação e na consoli-dação do Sistema Público de Emprego. O estudode Alves e Vieira (1995) detectou alguns dos en-traves a serem superados por essa política, quesão:

a) os baixos níveis de escolaridade dos traba-lhadores;

b) o grande número de jovens egressos, a cadaano, do sistema educacional, com preparoinadequado para enfrentar as exigências domercado de trabalho;

c) a desatualização e ineficiência do sistema deformação profissional para atender com rapi-dez às mudanças tecnológicas e gerenciais; e

d) a inexistência de metodologias de ensino (játestadas) adequadas às novas necessidades dosetor produtivo e ao perfil educacional desejadodo trabalhador.

É de suma importância, portanto, formularuma política nacional de formação profissionalque englobe os conhecimentos básicos da educa-ção formal e a formação profissional específica.Como sugere o estudo citado, o que se procura, emlinhas gerais, é a convergência entre as diretrizesde ação dos dois sistemas. Esse é um objetivo quesó se concretizará a longo prazo e, por isso, deve-se, desde já, lograr a incorporação do conteúdo doensino formal nas atividades dos institutos deformação profissional, de modo a preencher aslacunas pedagógicas dos trabalhadores já adultosque não tiveram acesso à escola.

A política nacional de qualificação profissionaldeveria ser construída por uma articulação entreempresas, sindicatos e governo, a fim de definirde modo mais consistente o seu conteúdo e, prin-cipalmente, gerar uma maior transparência nouso e no controle dos recursos destinados à suaexecução.

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