modernismo portuguÊs início – 1915 – revista orpheu fernando pessoa mário de sá carneiro...

40
MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carvalho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu 2ª -1927 – Revista Presença 3ª - 1940- Neorrealismo ( baseada no Modernismo brasileiro dos anos 30)

Upload: internet

Post on 28-Apr-2015

112 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

MODERNISMO PORTUGUÊS

Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carvalho - brasileiro

Fases1ª- 1915- Revista Orpheu2ª -1927 – Revista Presença3ª - 1940- Neorrealismo ( baseada no Modernismo

brasileiro dos anos 30)

Page 2: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 3: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA E SEUS HETERÔNIMOSCARTA DE F. PESSOA A ADOLFO CASAIS MONTEIRO

(...) Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterónimos. Vou ver se consigo responder-lhe completamente.

Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. (...)

(...)Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-lhe a história directa dos meus heterónimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro – os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida.

Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas cousas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) (...)

Page 4: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me não ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era, não sei em que, um rival do Chevalier de Pas... Cousas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades.(...)Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatura, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo... E tenho saudades deles.

Page 5: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

Mais uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 in de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.

Page 6: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

Como escrevo em nome desses três?... Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)

Page 7: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA E SEUS HETERÔNIMOS

Page 8: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA- IMAGENS

Page 9: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA

Page 10: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 11: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 12: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 13: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 14: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 15: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 16: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 17: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 18: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA – ELE MESMO- ORTÔNIMO

Fernando Pessoa (1888-1935) Ficou órfão de pai aos 5 anos de idade. Seu

padrasto foi nomeado cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Lá recebeu educação inglesa. Estudou em colégio de freiras e na Durban High School. Das quatro obras que publicou em vida, três são em inglês

Foi empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, e ao mesmo tempo produzia suas obras em verso e prosa.

Page 19: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA – ORTÔNIMO –CARACTERÍSTICAS LÍRICAS

Preferência por versos curtos -5 e 7 síl. Poéticas

Sentimental, melancólico, sebastianista, espiritualista

Musicalidade dos versos Metalinguagem –discute o fazer poético Divide sua poética em lírica e épica

PENSA COM O SENTIMENTO

Page 20: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ORTÔNIMO – POESIA LÍRICA Obra : CancioneiroO Amor

O AMOR, quando se revela,Não se sabe revelar.Sabe bem olhar p'ra ela,Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que senteNão sabe o que há de dizer.Fala: parece que mente...Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasseP'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;Quem quer dizer quanto senteFica sem alma nem fala,Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lheO que não lhe ouso contar,Já não terei que falar-lhePorque lhe estou a falar...

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti.Releio e digo: "Fui eu ?"Deus sabe, porque o escreveu.

Page 21: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ORTÔNIMO – POESIA LÍRICAAUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da rodaGira, a entreter a razão,Esse comboio de cordaQue se chama o coração.

Quando ela passa –

Quando eu me sento à janela P’los vidros que a neve embaça

Vejo a doce imagem dela Quando passa… passa … passa…

Lançou-me a mágoa seu véu: - Menos um ser neste mundo E mais um anjo no céu.

Quando eu me sento à janela, P’los vidros que a neve embaça

Julgo ver a imagem dela Que já não passa… não passa…

Page 22: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

FERNANDO PESSOA – ORTÔNIMO –CARACTERÍSTICAS DA ÉPICA – OBRA - MENSAGEM

Poesia épica sui generis Os 44 poemas agrupados em 3 partes, representam

as três etapas do Império Português: Nascimento, Realização e Morte, seguida de um Renascimento.

1ª parte - Brasão – informações sobre a formação da nacionalidade, heróis lendários e históricos.

2ª parte -Mar Portuguez – descobertas, aventura marítima, conquista do império, a ânsia do desconhecido e esforço heroico da luta com o mar.

3ª parte - O Encoberto – morte das energias de Portugal simbolizada pelo nevoeiro. Afirmação do Sebastianismo. País na estagnação à espera do ressurgir, do aparecer da Nova Luz (Quinto Império).

Page 23: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

O BRASÃO

Page 24: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

O BRASÃO - TRECHOS

OS CASTELOS

PRIMEIRO / ULISSES

O mytho é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mytho brilhante e mudo —-O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

AS QUINAS

PRIMEIRA / D. DUARTE, REI DE PORTUGAL

Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.

A regra de ser Rei almou meu ser,

Em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.

Cumpri contra o Destino o meu dever.

Inutilmente? Não, porque o cumpri.

Page 25: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

O BRASÃO - TRECHOSIV. A COROA

NUN'ÁLVARES PEREIRA

Que auréola te cerca?

É a espada que, volteando.

Faz que o ar alto perca

Seu azul negro e brando.

Mas que espada é que, erguida,

Faz esse halo no céu?

É Excalibur, a ungida,

Que o Rei Artur te deu.

'Sperança consumada,

S. Portugal em ser,

Ergue a luz da tua espada

Para a estrada se ver!

V. O TIMBRE

A CABEÇA DO GRIFO / O INFANTE D. HENRIOUE

Em seu trono entre o brilho das esferas,

Com seu manto de noite e solidão,

Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —

O único imperador que tem, deveras,

O globo mundo em sua mão.

Page 26: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

MAR PORTUGUEZ -TRECHOS

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez..

Do mar e nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

IV. O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

A roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tetos negros do fim do mundo?»

E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?»

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.

«Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:

«El-Rei D. João Segundo!»

Page 27: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

MAR PORTUGUEZ -TRECHOS MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

A ÚLTIMA NAU

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,

E erguendo, como um nome, alto o pendão

Do Império,

Foi-se a última nau, ao sol azíago

Erma, e entre choros de ânsia e de presago

Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta

Aportou? Voltará da sorte incerta

Que teve?

Deus guarda o corpo e a forma do futuro,

Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro

E breve.

Page 28: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

O ENCOBERTO -TRECHOSPRIMEIRO / D. SEBASTIÃO

'Sperai! Cai no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura

É Esse que regressarei.

/ NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer —

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora

Page 29: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ALBERTO CAEIRO- CARACTERÍSTICASObra -O Guardador de Rebanhos Características literáriasNega a metafísicaSó acredita no que vê, ouve , no que prova através dos

sentidosPoeta ligado à natureza - camponêsAteu – Deus nunca foi à casa dele, nunca O viuVisão materialista da vidaUtiliza a lógica

PENSA COM OS SENTIDOS

Page 30: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ALBERTO CAEIRO “ Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase

nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, uma tia-avó”

“Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. [...] Cara rapada [...] louro sem cor, olhos azuis.”

Data de Nascimento: 1885, em Lisboa Local de Residência: Viveu maior parte da sua vida numa Quinta

do Ribatejo Profissão: Não exercia qualquer profissão, o que faz com que

fosse pouco instruído, isto nota-se nos seus poemas por escrever mal o Português.

Data de Falecimento: 1915 É o “mestre” dos outros, até do próprio Fernando Pessoa. Caeiro tinha uma visão instintiva e ingênua da natureza,

procurando assim viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica.

Page 31: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ALBERTO CAEIRO -TEXTOSO Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de, vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender ... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...

Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas as flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes.

Page 32: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ALBERTO CAEIRO -TEXTOS Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,Mas é como se os guardasse.Minha alma é como um pastor,Conhece o vento e o solE anda pela mão das EstaçõesA seguir e a olhar.Toda a paz da Natureza sem genteVem sentar-se a meu lado.Mas eu fico triste como um pôr de solPara a nossa imaginação,Quando esfria no fundo da planícieE se sente a noite entradaComo uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossegoPorque é natural e justaE é o que deve estar na almaQuando já pensa que existeE as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada

Há metafísica bastante em não pensar em nada.O que penso eu do mundo?Sei lá o que penso do mundo!Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das cousas?Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?Que tenho eu meditado sobre Deus e a almaE sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhosE não pensar. É correr as cortinasDa minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!O único mistério é haver quem pense no mistério.Quem está ao sol e fecha os olhos,Começa a não saber o que é o solE a pensar muitas cousas cheias de calor.Mas abre os olhos e vê o sol,E já não pode pensar em nada,Porque a luz do sol vale mais que os pensamentosDe todos os filósofos e de todos os poetas.A luz do sol não sabe o que fazE por isso não erra e é comum e boa.

Page 33: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

RICARDO REIS

Data de nascimento: 1887, no Porto Profissão: Médico, mas no entanto não exercia Foi educado no colégio de jesuítas, recebeu uma

educação clássica (latina) Era um pagão intelectual, lúcido e consciente

Page 34: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

RICARDO REIS -CARACTERÍSTICAS Pagão –fala em deuses- Neoclássico Musa=Lídia- pastora Carpe diem –aproveite o dia, em qualquer idade Serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a

fugacidade de todas as coisas A verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena,

“sem desassossegos grandes” busca do prazer relativo; *estoicismo – aceitação calma e serena da ordem das coisas; *moralista – pretende levar os outros a adoptar a sua filosofia de vida; *intelectualiza as emoções; *temática da miséria da condição humana do FATUM (destino), da

velhice, da irreversibilidade da morte e da efemeridade da vida, do tempo;

*espírito grave , ansioso de perfeição; *aceitação do Fado, da ordem natural das coisas;

PENSA COM A RAZÃO

Page 35: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

RICARDO REIS - TEXTOS Cada Um

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, E deseja o destino que deseja;Nem cumpre o que deseja,Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros O Fado nos dispõe, e ali ficamos;Que a Sorte nos fez postosOnde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimentoDo que nos coube que de que nos coube.Cumpramos o que somos.Nada mais nos é dado

Breve o Dia

Breve o dia, breve o ano, breve tudo.Não tarda nada sermos.Isto, pensado, me de a mente absorveTodos mais pensamentos.O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,Que, inda que mágoa, é vida.

Page 36: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

RICARDO REIS - TEXTOS Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira

do rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes.

Coroai-me de rosas,Coroai-me em verdade,De rosas —

Rosas que se apagamEm fronte a apagar-seTão cedo!

Coroai-me de rosasE de folhas breves.E basta.abismo.

Page 37: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ÁLVARO DE CAMPOS

Data de nascimento: 1890, em Tavira Profissão: Engenheiro mecânico e naval -

Estudou na Escócia -Glasgow Local de residência: Lisboa Era um homem muito viajado Poeta do “ NÃO” Teve três fases: decadentista- futurista e nihilista A fase mais pedida é a futurista – elogio à

máquina, ao progresso Revoltado, beira a histeria, violento, inadequado

ao seu momento e lugar Dândi peregrino PENSA COM A EMOÇÃO

Page 38: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu
Page 39: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ÁLVARO DE CAMPOS - TEXTOS Graças a Deus que estou doido!

 Que tudo quanto dei me voltou em lixo,  E, como cuspo atirado ao vento,  Me dispersou pela cara livre!  Que tudo quanto fui se me atou aos pés,  Como a sarapilheira para embrulhar coisa nenhuma!  Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta  E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!  

 Graças a Deus, porque, como na bebedeira,  Isto é uma solução.  Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!  Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!  

Todas as cartas de amor são        Ridículas.        Não seriam cartas de amor se não fossem        Ridículas.     

   Também escrevi em meu tempo cartas de amor,         Como as outras,        Ridículas.

       As cartas de amor, se há amor,         Têm de ser        Ridículas.

       Mas, afinal,        Só as criaturas que nunca escreveram 

       Cartas de amor         É que são        Ridículas.

       Quem me dera no tempo em que escrevia         Sem dar por isso        Cartas de amor        Ridículas.

       A verdade é que hoje         As minhas memórias         Dessas cartas de amor         É que são        Ridículas.

       (Todas as palavras esdrúxulas,        Como os sentimentos esdrúxulos,        São naturalmente        Ridículas.)

Page 40: MODERNISMO PORTUGUÊS Início – 1915 – Revista Orpheu Fernando Pessoa Mário de Sá Carneiro Ronald de Carval ho - brasileiro Fases 1ª- 1915- Revista Orpheu

ÁLVARO DE CAMPOS – ODE TRIUNFAL - TRECHOS À dolorosa luz das grandes lâmpadas

eléctricas da fábrica  Tenho febre e escrevo.  Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,  Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!  Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!  Em fúria fora e dentro de mim,  Por todos os meus nervos dissecados fora,  Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!  Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,  De vos ouvir demasiadamente de perto,  E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso  De expressão de todas as minhas sensações,  Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

(...)! Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora

do jantar,  Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,  Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!  Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!  Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!  Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!  Eia todo o passado dentro do presente!  Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!  Eia! eia! eia!  Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!  Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!  Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.  Engatam-me em todos os comboios.  Içam-me em todos os cais.  Giro dentro das hélices de todos os navios.  Eia! eia-hô! eia!  Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!  Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!  Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!  Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!