modelos de predição linear para a análise de sinais...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ENGENHARIA ELÉTRICA PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA ELÉTRICA Modelos de Predição Linear para a Análise de Sinais Eletroencefalográficos (EEG) e de Matrizes Multieletrodo (MEA) Jaqueline Alves Ribeiro Maio 2006

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA FACULDADE DE ENGENHARIA ELTRICA

    PS-GRADUAO EM ENGENHARIA ELTRICA

    Modelos de Predio Linear para a Anlise

    de Sinais Eletroencefalogrficos (EEG) e de Matrizes Multieletrodo (MEA)

    Jaqueline Alves Ribeiro

    Maio 2006

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA FACULDADE DE ENGENHARIA ELTRICA

    PS-GRADUAO EM ENGENHARIA ELTRICA

    Modelos de Predio Linear para a Anlise de Sinais Eletroencefalogrficos (EEG) e

    de Matrizes Multieletrodo (MEA)

    Jaqueline Alves Ribeiro

    Texto da dissertao apresentada Universidade Federal de

    Uberlndia, perante a banca de examinadores abaixo, como parte dos

    requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    Aprovada em 29 de maio de 2006.

    Banca Examinadora:

    Prof. Elisngela P. Silveira Lacerda, Dra. (ICB/UFG)

    Prof. Gilberto Arantes Carrijo, Dr. (FEELT/UFU)

    Prof. Joo Batista Destro Filho, Dr. - Orientador (FEELT/UFU)

    Prof. Joo Yoshiyuki Ishihara, Dr. (ENE/UnB)

    Prof. Ubirajara Coutinho Filho, Dr. (Fequi/UFU)

    Prof. Wilson Felipe Pereira, Dr. (ICBIM/UFU)

  • FICHA CATALOGRFICA Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogao e Classificao

    R482m

    Ribeiro, Jaqueline Alves, 1981- Modelos de predio linear para a anlise de sinais eletroencefalogrficos (EEG) e de matrizes multieletrodo (MEA) / Jaqueline Alves Ribeiro. - Uberlndia, 2006. 174 f. : il. Orientador: Joo Batista Destro Filho. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia, Programa de Ps-Graduao em Engenharia Eltrica. Inclui bibliografia. 1. Engenharia biomdica - Teses. 2. Processamento de sinais - Teses. I. Destro Filho, Joo Batista. II. Universidade Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Engenharia Eltrica. III. Ttulo. CDU: 61:62

  • Modelos de Predio Linear para a Anlise de Sinais Eletroencefalogrficos (EEG) e

    de Matrizes Multieletrodo (MEA)

    Jaqueline Alves Ribeiro

    Texto da dissertao apresentada Universidade Federal de Uberlndia como parte dos

    requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    Prof. Joo Batista Destro Filho, Dr.

    Orientador

    Prof. Darizon Alves de Andrade, Ph.D.

    Coordenador do curso de Ps-Graduao

  • Aos meus pais, Antnio e Luzia, as minhas irms Adriana e Andrea

    e ao meu afilhado Gabriel Victor pelo apoio e incentivo.

    Esta no apenas uma conquista minha, mas sim de todos vocs, por tudo que fizeram por mim.

    Obrigada!

  • iv

    Agradecimentos A Deus pela vida e por guiar meus caminhos, por todas as bnos concedidas

    para superar os momentos difceis nesta jornada. Minha f em Ti me fez acreditar que as

    vitrias surgem atravs de esforos.

    Aos meus amados pais, Antnio e Luzia, pelos princpios com que me criaram,

    carinho e amor que tenho recebido; as minhas irms, Adriana e Andrea, em especial

    Andrea por me ajudar a superar a dor nos momentos mais difceis, pela amizade, e

    sempre estar do meu lado, incondicionalmente. Ao meu sobrinho Gabriel Victor, o

    filho da dindinha, que me faz ver a vida do jeito dele, com as brincadeiras e risadas; ao

    meu cunhado Alessandro, pelo apoio prestado, s vindas em Uberlndia, s mudanas,

    e a toda minha famlia, tios, tias, avs, primos e primas, que sempre torceram pelo

    meu sucesso.

    madrinha Ondina por todo carinho e apoio prestado durante esta caminhada,

    seus conselhos e sua amizade. Suas filhas Lara e Las, pelas descontraes.

    amiga Flvia, minha mezinha de Uberlndia, pelo carinho, fora e

    dedicao, por estar sempre por perto me auxiliando, em particular, s idas ao

    supermercado, hidroginstica, fisioterapia, e aos amigos que conheci a partir dela,

    clula Gerao guia pelos ensinamentos bblicos. Foi muito gratificante conhecer

    vocs!

    Aos meus amigos de longe e de perto pela fora e inspirao nessa jornada, as

    conversas jogadas fora, as brincadeiras, as comidas comunitrias na Kitnet, os

    conselhos, os passeios, os puxes de orelha merecidos, enfim... S Deus sabe o quanto

  • v

    foram importantes quando os colocaram em meu caminho. Obrigada por fazerem parte

    da minha vida!

    Ao meu orientador Joo Batista Destro Filho, pelo constante estmulo e toda

    ateno dedicada, e tambm pela compreenso nas minhas ausncias, por toda

    confiana depositada em mim para a finalizao da dissertao.

    Aos coordenadores da Ps-graduao com os quais tive contato durante minha

    caminhada pela compreenso e apoio, acreditando em minha capacidade para concluir

    esta jornada; secretria Marli Junqueira Buzzi pela dedicao e carinho e a todos os

    funcionrios da Faculdade de Engenharia Eltrica da Universidade Federal de

    Uberlndia que contriburam de alguma maneira para a concluso desta dissertao.

    CAPES pela oportunidade do financiamento, mas que no foi possvel at o

    final, pois tive que me ausentar durante o tratamento.

    Ao Laboratrio de Engenharia Biomdica (BIOLAB) pelo amparo

    tecnolgico e estrutural, aos colegas do BIOLAB, pela amizade e apoio durante esta

    jornada, em especial, queles que conviveram comigo, Ailton Jr., Eduardo, Geovane,

    Guilherme, Fbio, Karina, Marcelle, Saulo, Tiago Finotti. Obrigada a todos pelas

    contribuies!!

    A todos os professores que compem a banca, pelas discusses realizadas para a

    finalizao deste trabalho, e tambm a disponibilidade em participar da defesa.

    Aos alunos de Iniciao Cientfica, Rodrigo R. Cardoso e Aline R. de Assis

    pela ajuda no processamento dos sinais, com esforo e dedicao. Ao acadmico de

    Graduao de Engenharia Eltrica (UFU) Ronaldo J. Viana, por ter estudado toda a

    base de dados EEG que compem este trabalho.

    Universidade de Tampere (Finlndia), em particular ao Prof. A. Vrri, pelo

    fornecimento da base de dados EEG. Tambm ao Prof. S. Martinoia, ao doutorando A.

    N. Ide e todos os colegas da DIBE Universidade de Gnova, Itlia, pelo fornecimento

    dos dados MEA utilizados neste trabalho. Prof. Nathalia Peixoto, Universidade de

    Washington, USA, pelo registro das atividades eltricas neurais em microcrustceos.

  • vi

    Ao Dr. Aguinaldo Bertucci (Hospital de Clnicas de Uberlndia),

    neurocirurgio, e ao doutorando Fbio J. Parreira (BIOLAB), pelo intenso trabalho de

    anlise e classificao do banco de dados EEG.

    Ao Prof. Rodrigo Lemos Pinto (UFG) pelas referncias bibliogrficas, quando

    estava em Goinia.

    Aos colegas da Ps-Graduao, pelo companheirismo, colaborao e

    aprendizagem que desenvolvemos juntos.

    Por fim, agradeo a todos que direta e indiretamente contriburam para a

    realizao desse feito, por me auxiliarem na imensa e inacabvel tarefa de auto-

    conhecimento.

  • vii

    No sei... Se a vida curta ou longa demais pra ns,

    Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, Se no tocamos o corao das pessoas.

    Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe,

    Brao que envolve, Palavra que conforta, Silncio que respeita, Alegria que contagia,

    Lgrima que corre, Olhar que acaricia,

    Desejo que sacia, Amor que promove.

    E isso no coisa de outro mundo, o que d sentido vida. o que faz com que ela no seja nem curta, nem longa demais,

    Mas que seja intensa, verdadeira, pura... Enquanto durar...

    Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

    Cora Coralina

  • viii

    Resumo RIBEIRO, J. A. Modelos de Predio Linear para anlise de Sinais

    Eletroencefalogrficos (EEG) e de Matrizes Multieletrodo (MEA). Uberlndia: FEELT-

    UFU, 2006, 174 f.

    Esta dissertao objetiva propor modelos de sinais neurofisiolgicos, oriundos

    de matrizes multieletrodo (MEA), utilizadas para a aquisio da atividade neural

    espontnea a partir de clulas em cultura; bem como medidas neurolgicas obtidas de

    eletroencefalografia (EEG). Os modelos so desenvolvidos no contexto aplicativo de

    MEAs utilizadas como neuroimplantes, com especial enfoque na deteco e preveno

    de crises epilpticas a partir de sinais EEG ou de medidas mais invasivas, obtidas em

    nvel celular. Sob este enfoque, as tcnicas de processamento de sinais devem satisfazer

    um compromisso complicado, exigindo baixa complexidade computacional e operao

    em tempo real. Tais restries levam escolha da filtragem linear adaptativa, baseada

    em modelo auto-regressivo, e teoria de estatsticas de ordem elevada (EOE) para,

    respectivamente, processar sinais no-estacionrios e considerar a no-linearidade dos

    sistemas envolvidos. O filtro de predio linear funcionou adequadamente para ambos

    os sinais, sendo que para o caso da MEA, ele foi mais estvel e preciso. Observou-se

    um menor tempo de convergncia para sinais EEG relativamente aos sinais MEA, os

    quais, em sua maioria, podem ser considerados no-gaussianos e correlacionados,

    ocorrendo uma atividade peridica em eletrodos vizinhos. A atividade neural

    espontnea de pequenos grupos de neurnios pode ser considerada um rudo branco.

  • ix

    Palavras-chave: predio linear, estatstica de ordem elevada,

    eletroencefalografia, matriz multieletrodo, neuroimplante, codificao neural.

  • x

    Abstract RIBEIRO, J. A. Linear-Prediction Models for Electroencephalographic (EEG) and

    Multielectrode-Array (MEA) Signal Analysis. Uberlndia: FEELT-UFU, 2006, 174 f.

    This work establishes models of neurophysiological signals, which are

    composed of spontaneous activity measurements taken by means of multielectrode

    arrays (MEAs) applied on in vitro cell cultures; as well as of neurological signals based

    on electroencephalography. These models suppose that MEAs are employed as

    neuroprostheses applied for detection and forecast of epileptic seizures, based on EEG

    signals or on invasive measurements which are taken in a cellular level. From this point

    of view, the signal processing tools must fulfil a problematic trade-off involving low

    computational complexity and real-time operation. Such requirements lead to the choice

    of auto-regressive adaptive-linear filtering and high-order statistics (HOE) as the

    techniques to be used in order to cope with, respectively, non-stationary signals and

    nonlinear systems. Linear prediction of both signals is quite efficient, particularly in the

    case of MEA signals, for which the model is stable and accurate. On the other hand, the

    convergence times for EEG signals are lower then their respective counterparts for

    MEA signals, which may be considered mainly non-Gaussian and correlated. Cyclic

    activity was also observed for MEA signals associated with neighboring electrodes,

    whereas signals recorded from small groups of neurons present a white-noise behaviour.

    Key-words: linear prediction, high-order statistics, electroencephalography,

    multielectrode arrays, neuroprostheses, neural coding.

  • xi

    Contedo Lista de Figuras................................................................................ XVI

    Lista de Tabelas...............................................................................XXII

    Lista de Abreviaturas e Smbolos................................................ XXIV

    1. Introduo .......................................................................................26

    2. Conceitos bsicos em neurofisiologia e neurologia .....................31

    2.1 Introduo.................................................................................................... 31

    2.2 O neurnio .................................................................................................. 32

    2.2.1 Membrana Celular ............................................................................ 34

    2.2.2 Canais inicos................................................................................... 36

    2.3 Sinapses entre neurnios ............................................................................. 39

    2.4 Potencial de membrana dos neurnios ........................................................ 42

    2.4.1 Potencial de ao .............................................................................. 42

    2.4.2 Potencial Ps-Sinptico (PPS).......................................................... 46

    2.5 Medidas Neurofisiolgicas: Matrizes Multieletrodo (MEA) ...................... 47

    2.5.1 Culturas Celulares ............................................................................ 47

    2.5.2 Interface bioeletrnica ...................................................................... 49

    2.5.3 Matrizes Multieletrodo ..................................................................... 50

    2.5.4 Utilizao e Fabricao das MEAs................................................... 52

  • xii

    2.5.5 Histrico ........................................................................................... 55

    2.5.6 Aplicaes ........................................................................................ 56

    2.6 O Sistema Nervoso (SN) ............................................................................. 62

    2.6.1 Sistema Nervoso Central .................................................................. 64

    2.6.1.1 A medula.................................................................................................. 65

    2.6.1.2 O encfalo ................................................................................................ 67

    2.6.2 Sistema Nervoso Perifrico .............................................................. 70

    2.6.2.1 Sistema nervoso Autnomo. .................................................................... 70

    2.6.3 Crebro ............................................................................................. 71

    2.6.3.1 O crtex cerebral...................................................................................... 72

    2.7 Medidas Neurolgicas: O Eletroencefalograma (EEG) .............................. 74

    2.7.1 Introduo......................................................................................... 74

    2.7.2 Medio ............................................................................................ 76

    2.7.3 Caractersticas estatsticas do sinal EEG.......................................... 80

    2.7.4 Tipos de ondas EEG ......................................................................... 81

    2.8 Epilepsia ...................................................................................................... 83

    2.9 Concluso .................................................................................................... 85

    3. Sntese Bibliogrfica sobre Processamento de Sinais EEG e MEA .................................................................................................88

    3.1 Introduo.................................................................................................... 88

    3.2 Consideraes gerais e processamento digital de sinais EEG..................... 88

    3.3 Processamento de sinais MEA .................................................................... 90

    3.3.1 Pr-processamento e gerao da srie temporal e intervalos entre

    spikes ............................................................................................... 90

    3.3.2 Classificao dos spikes .................................................................. 93

  • xiii

    3.3.3 Estimao da conectividade neural ................................................. 95

    3.4 Concluso .................................................................................................... 97

    4. Predio Linear Adaptativa e Estatstica de Ordem Elevada (EOE) .............................................................................................100

    4.1 Introduo.................................................................................................. 100

    4.2 Filtragem Adaptativa................................................................................. 101

    4.3 Clculo dos Filtros .................................................................................... 105

    4.3.1 Filtro timo: aproximaes de Wiener .......................................... 105

    4.3.2 Filtros subtimos: aproximao estocstica .................................. 109

    4.4 Predio Linear Direta (forward)........................................................... 111

    4.4.1 Modelo auto-Regressivo (AR) ....................................................... 112

    4.4.2 Modelo da Predio Linear Direta ................................................. 112

    4.4.3 Critrios para uma boa predio..................................................... 113

    4.4.4 Soluo tima de Wiener para Predio Linear Direta .................. 113

    4.4.5 Soluo subtima usando aproximao estocstica do Gradiente . 117

    4.5 Predio Linear Reversa (backward) .................................................... 119

    4.5.1 Modelo auto-Regressivo (AR) Reverso ......................................... 119

    4.5.2 Modelo da Predio Linear Reversa............................................... 119

    4.5.3 Critrios para uma boa predio..................................................... 120

    4.5.4 Soluo tima de Wiener para Predio Linear Reversa ............... 120

    4.5.5 Soluo subtima usando aproximao estocstica do Gradiente

    Reversa ........................................................................................... 121

    4.6 Estatsticas de Ordem Elevada (EOE)....................................................... 122

    4.6.1 Funes com uma varivel aleatria ............................................. 123

    4.6.2 Funes com vrias variveis aleatrias......................................... 125

  • xiv

    4.6.3 O rudo branco e os ndices de descorrelao ................................ 128

    4.7 Concluso .................................................................................................. 129

    5. Simulaes e Resultados...............................................................132

    5.1 Introduo.................................................................................................. 132

    5.2 Aquisio dos Sinais ................................................................................. 133

    5.3 Ferramentas e Metodologia ....................................................................... 135

    5.3.1 Processamento dos dados e critrios utilizados na Predio Linear135

    5.3.2 Processamento de dados utilizado para estimao dos ndices de

    descorrelao .................................................................................. 140

    5.4 Resultados 1: EEG e Predio Linear ....................................................... 142

    5.4.1 Processamento do banco de dados contendo sinais EEG com crise142

    5.4.2 Processamento do banco de dados contendo sinais EEG sem crise144

    5.4.3 Comparao dos resultados do banco de dados EEG/Crise e

    EEG/SemCrise................................................................................ 146

    5.5 Resultados 2: MEA e Predio Linear ...................................................... 147

    5.5.1 Processamento de dados de sinais MEA Teste 1......................... 147

    5.5.2 Processamento de dados de sinais MEA Teste 2......................... 150

    5.5.3 Resumo dos resultados dos Testes 1 e 2 e comparao dos resultados

    obtidos com os sinais EEG............................................................. 151

    5.6 Resultados 3: MEA como Rudo Branco .................................................. 153

    5.7 Concluso .................................................................................................. 155

    6. Concluses e Trabalhos Futuros .................................................158

    6.1 Concluses gerais ...................................................................................... 158

    6.2 Trabalhos futuros....................................................................................... 162

    Referncias Bibliogrficas.................................................................163

  • xv

    Anexos .................................................................................................174

  • xvi

    Lista de Figuras Figura 1.1 Neurnios reais (adaptada de (LENT, 2001).......................................... 27

    Figura 2.1 Um neurnio motor e suas partes constituintes (adaptada de (URL 1)). 33

    Figura 2.2 Neurnios em conexo e o boto sinptico no detalhe (adaptada de

    (URL 2)) ................................................................................................. 34

    Figura 2.3 Desenho esquemtico de uma clula, evidenciando suas organelas e a

    membrana plasmtica (adaptada de (URL 4))........................................ 35

    Figura 2.4 Desenhos esquemticos da membrana plasmtica com seus canais

    proticos. Acima uma membrana com seus vrios canais numa viso

    tridimensional (adaptada de (CARDOSO, 2005)). Abaixo os canais

    inicos em evidncia (adaptada de (LENT, 2001))................................ 37

    Figura 2.5 Sinapse qumica (adaptada de (URL 5)) ................................................ 39

    Figura 2.6 Botes sinpticos em um neurnio receptor. Eles existem tanto no

    soma como nos dendritos, s vezes ocorrendo tambm no incio do

    axnio (cone axonal) (adaptada de (GUYTON, 2002)) ......................... 40

    Figura 2.7 Boto sinptico em detalhe, evidenciando as vesculas e as

    mitocndrias. Na fenda sinptica esto os neurotransmissores

    (adaptada de (FRISN, 1999))............................................................... 41

    Figura 2.8 Potencial de ao exibido em um osciloscpio (adaptada de (URL 6)). 43

    Figura 2.9 Representao de uma onda de despolarizao e repolarizao

    associada ao potencial de ao (adaptada de (GUYTON, 2002)) .......... 43

  • xvii

    Figura 2.10 Potencial de ao (adaptada de (VILELA, 2005)) ................................. 44

    Figura 2.11 Princpio do tudo-ou-nada: em A), o potencial de ao (PA) do

    neurnio pr-sinptico gera um potencial ps-sinptico excitatrio

    (PPSE) que no chega a atingir o limiar; em B), um trem de PAs gera

    um PPSE que ultrapassa o valor de limiar, o que faz com que seja

    deflagrado um PA no neurnio ps-sinptico (adaptada de (LENT,

    2001)) ..................................................................................................... 45

    Figura 2.12 Eventos eletroqumicos da sinapse excitatria e sinapse inibitria

    (adaptada de (GUYTON, 2002))............................................................ 47

    Figura 2.13 Interface bioeletrnica (adaptada de (FROMHERZ, 2003)).................. 49

    Figura 2.14 Caminho neurnio- chip - neurnio (adaptada de (FROMHERZ,

    2003)). Vide arranjo (c) da Figura 2.13.................................................. 50

    Figura 2.15 Conjunto de eletrodos em um tecido nervoso (adaptada de

    (RENNAKER, 2005)) ............................................................................ 51

    Figura 2.16 Exemplos de aplicao das matrizes de microeletrodos (adaptada de

    PEIXOTO, 2001) (a) corte de cultura em tecido do cerebelo sobre

    MEA, (b) cultura celular de neurnios isolados do gnglio da raiz

    dorsal de ratos em cultura (14 dias)........................................................ 52

    Figura 2.17 Matriz tridimensional fabricada com tcnicas de

    microeletromecanismos (adaptada de (BAY, 2000)) ............................. 53

    Figura 2.18 Esquema geral da fabricao da MEA (adaptada de (PEIXOTO, 2001))53

    Figura 2.19 (a) Matriz de microeletrodos com neurnios e sinais extracelulares

    medidos de vrios neurnios em cada eletrodo. Gnglio abdominal de

    Aplysia (adaptada de (STENGER, 1994)). (b) Sinais de uma matriz

    extracelular versus sinais medidos com eletrodos intracelulares

    (adaptada de (BEADLE, 1988)) ............................................................. 58

    Figura 2.20 MEA funcionando como neuroimplante em um nervo fibular (adaptada

    de (RUTTEN, 1999)).............................................................................. 59

  • xviii

    Figura 2.21 Esquema de um neuroimplante inteligente (adaptada de (PEREIRA,

    2004)) ..................................................................................................... 60

    Figura 2.22 Clulas gliares: astrcitos (nutrio), oligodentrcitos (sustentao) e

    clulas microgliais (defesa) (adaptada de (VILELA, 2005)................... 63

    Figura 2.23 Figura esquemtica mostrando o SNC, representado pelo encfalo e

    pela medula e o SNP, representado pelos nervos (adaptada de

    (FRISN, 1999)).................................................................................... 64

    Figura 2.24 Meninges: Dura-mter (mais externa), Aracnide (Intermediria) e

    Pia-mter (mais interna)(adaptada de (CARDOSO, 2005))................... 65

    Figura 2.25 Medula Espinhal e Encfalo (adaptada de (CARDOSO, 2005)) ........... 66

    Figura 2.26 O encfalo (adaptada de (URL 6)) ......................................................... 67

    Figura 2.27 Diencfalo e Tronco Enceflico. Vista posterior do encfalo com

    excluso do cerebelo (adaptada de (VILELA, 2005))............................ 68

    Figura 2.28 Ponte e Bulbo em evidncia, com o cerebelo ao fundo e parte do

    telencfalo acima. Vista anterior do encfalo (adaptada de CARDOSO,

    2005)) ..................................................................................................... 69

    Figura 2.29 Seco mostrando a metade direita do encfalo vista por dentro,

    evidenciando suas subdivises (adaptada de (VILELA, 2005)) ............ 69

    Figura 2.30 Sistema Nervoso Central e Perifrico. Evidncia de parte do Sistema

    Nervoso Autnomo (Simptico e Parassimptico), bem como de

    exemplo de nervos motores e sensoriais (adaptada de (CARDOSO,

    2005)) ..................................................................................................... 71

    Figura 2.31 Lobos do crtex cerebral (adaptada de (VILELA, 2005)) ..................... 72

    Figura 2.32 Subdivises funcionais corticais, cerebelo e tronco enceflico

    (adaptada de (VILELA, 2005)) .............................................................. 73

    Figura 2.33 Eletrodos posicionados no escalpo e o registro eletroencefalogrfico

    (adaptada de (LENT, 2001))................................................................... 76

    Figura 2.34 Eletrodos de disco de prata (modelos da Grass) (adaptada de

    (BUTTON, 2000)).................................................................................. 77

  • xix

    Figura 2.35 Eletrodos de agulha de platina (modelos da Grass) (adaptada de

    (BUTTON, 2000)).................................................................................. 77

    Figura 2.36 Eletrodos nasofarngeo (adaptada de (BUTTON, 2000))....................... 78

    Figura 2.37 Eletrodos prefixados em grade (adaptada de (BUTTON, 2000)). Touca

    com eletrodos posicionados (adaptada de (CARDOSO, 2005)) ............ 78

    Figura 2.38 Eletrodos tipo clipe de orelha (ear clip) (adaptada de (BUTTON,

    2000)) ..................................................................................................... 79

    Figura 2.39 Eletrodos corticais (adaptada de (BUTTON, 2000)).............................. 79

    Figura 2.40 Exemplos de ondas cerebrais (adaptada de (BUTTON, 2000) &

    BERNARDI, 1999)) ............................................................................... 83

    Figura 3.1 Forma de onda extracelular com diferentes potenciais de ao (adaptada

    de (LEWICKI, 1998)) ............................................................................ 90

    Figura 3.2 Mtodos de extrao da populao dos spikes (PS) (adaptada de (CHAN,

    2004)) ..................................................................................................... 93

    Figura 3.3 Histograma de intervalo de neurnio cruzado. Eixo y: intervalo entre

    spikes [ms]. Eixo x: tempo [ms] (adaptada de (CASTELLONE, 2003))96

    Figura 4.1 Diagrama de blocos representando o problema de filtragem estatstica

    (adaptada de (WIDROW, 1985)) ......................................................... 102

    Figura 4.2 Filtro Adaptativo usado para a identificao de um sistema (adaptada

    de (HAYKIN, 1991))............................................................................ 103

    Figura 4.3 Aplicao da filtragem adaptativa ao modelamento inverso (adaptada

    de (HAYKIN, 1991))............................................................................ 104

    Figura 4.4 Filtragem adaptativa aplicada predio. A sada 1 corresponde

    predio do valor de entrada; A sada 2 refere-se ao erro de predio

    ( adaptada de (HAYKIN, 1991)) .......................................................... 104

    Figura 4.5 Filtro adaptativo utilizado no cancelamento de interferncias (adaptada

    de (HAYKIN, 1991))............................................................................ 105

  • xx

    Figura 4.6 Ilustrao do problema geral do Filtro de Wiener. Dados dois

    processos estacionrios, x(n) e d(n), que so estatisticamente

    descorrelacionados entre si, o filtro W(z) minimiza a estimativa do erro

    mdio quadrtico, d (n), de d(n). (adaptada de (DE FATTA, 1988)). 106

    Figura 4.7 Filtro Transversal com N coeficientes (adaptada de (HAYKIN, 1991))107

    Figura 4.8 Representao grfica de w1 x freqncia ........................................... 116

    Figura 4.9 Representao grfica de w2 x freqncia ........................................... 116

    Figura 4.10 Grfico da Funo Laplaciana, com seus momentos e cumulantes de

    ordem 1 a 4 ........................................................................................... 127

    Figura 4.11 Grfico da Funo Gaussiana, com seus momentos e cumulantes de

    ordem 1 a 4. .......................................................................................... 127

    Figura 4.12 Grfico da Funo Uniforme, com seus momentos e cumulantes de

    ordem 1 a 4 ........................................................................................... 127

    Figura 5.1 Potenciais de ao associados a neurnios do gnglio cerebral do

    caramujo Tritonia diomedea (adaptada de (PEIXOTO, 2002)) ........... 134

    Figura 5.2 Exemplo de um grfico tpico de eqm x n. Eixo x: tempo. Eixo y: erro

    quadrtico mdio................................................................................... 137

    Figura 5.3 Exemplo de EQMr, em um grfico tpico de eqm x n. O valor de EQMr,

    calculado como mdia entre n=400 e n=600, . ................... 138 68EQMr

    Figura 5.4 Exemplo de um grfico tpico de eqm x n em que o PM representa o

    ponto mais alto do grfico, ocorrendo em n 600. ............................. 138

    Figura 5.5 Exemplo de um grfico tpico de eqm x n em que o TC representa a

    convergncia do sinal MEA TC 600. ................................................ 139

    Figura 5.6 Exemplo de grfico tpico de eqm x n para o caso de um sinal EEG

    com crise TE 600 ............................................................................... 140

    Figura 5.7 Grfico PM x N para o processamento do banco de dados EEG/Crise.142

  • xxi

    Figura 5.8 Grfico EQMr x N para o processamento do banco de dados

    EEG/Crise............................................................................................. 142

    Figura 5.9 Grfico TC x N para o processamento do banco de dados EEG/

    Crise. .................................................................................................... 143

    Figura 5.10 Grfico TE x N para o processamento do banco de dados EEG/Crise. 143

    Figura 5.11 Grfico PM x N para o processamento do banco de dados EEG/Sem

    Crise...................................................................................................... 144

    Figura 5.12 Grfico EQMr x N para o processamento do banco de dados EEG/Sem

    Crise...................................................................................................... 145

    Figura 5.13 Grfico TC x N para o processamento do banco de dados EEG/Sem

    Crise...................................................................................................... 145

    Figura 5.14 Grfico PM x N para o sinal de MEA. ................................................. 148

    Figura 5.15 Grfico EQMr x N para o sinal de MEA.............................................. 148

    Figura 5.16 Grfico TC x N para sinal de MEA...................................................... 149

    Figura 5.17 Grfico PM x N para o sinal de MEA. ................................................. 150

    Figura 5.18 Grfico EQMr x N para o sinal de MEA.............................................. 150

    Figura 5.19 Grfico TC x N para sinal de MEA...................................................... 151

  • xxii

    Lista de Tabelas Tabela 2.1 Ondas cerebrais (adaptada de (BUTTON, 2000)) ................................. 81

    Tabela 4.1 Algumas aplicaes da filtragem adaptativa. ....................................... 103

    Tabela 4.2 Funo Laplaciana................................................................................ 127

    Tabela 4.3 Funo Gaussiana................................................................................. 127

    Tabela 4.4 Funo Uniforme.................................................................................. 127

    Tabela 4.5 Sumrio das variveis do filtro de Wiener (adaptada de (HAYKIN,

    1991)) ................................................................................................... 130

    Tabela 5.1 Classificao dos sinais baseados nos ndices de descorrelao .......... 141

    Tabela 5.2 Comparao dos resultados EEG/Crise e EEG/Sem Crise: Ordem de

    filtro e passo de adaptao.................................................................... 146

    Tabela 5.3 Comparao dos resultados EEG/Crise e EEG/Sem Crise: Tempo de

    convergncia e tempo de estacionariedade........................................... 146

    Tabela 5.4 Comparao dos resultados EEG/Crise e EEG/Sem Crise: Pico Mximo

    e erro quadrtico mdio de regime permanente. .................................. 147

    Tabela 5.5 Comparao dos Resultados MEA: Ordem de filtro e passo de

    adaptao .............................................................................................. 152

    Tabela 5.6 Comparao dos Resultados MEA: Pico Mximo e erro quadrtico

    mdio de regime permanente................................................................ 152

    Tabela 5.7 Comparao dos Resultados MEA: Tempo de convergncia .............. 152

  • xxiii

    Tabela 5.8 ndices de descorrelao para diversos sinais ...................................... 153

    Tabela 5.9 IDE para os sinais MEA descorrelacionados ....................................... 154

    Tabela 5.10 IDE para os sinais MEA correlacionados............................................. 154

    Tabela 5.11 IDE para os sinais MEA cclicos.......................................................... 155

  • xxiv

    Lista de Abreviaturas e Smbolos ADP Adenosine Diphosphate (Difosfato de Adenosina ou Adenosina di-fosfato)

    Ag-AgCl Prata-cloreto de prata

    ATP Adenosine triphosphate (Trifosfato de Adenosina ou Adenosia tri-fosfato)

    ANE Atividade Neural Espontnea

    AR Modelo Auto-Regressivo

    CMRR Common-Mode Rejection Ratio (Razo de Rejeio em Modo Comum)

    EEG Eletroencefalografia, Eletroencefalograma ou Eletroencefalogrfico(a)

    eqm Erro Quadrado Mdio

    EOE Estatstica de Ordem Elevada

    EQMr Erro Quadrado Mdio de Regime Permanente

    ERG Eletroretinograma

    GPS Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global)

    ICM Interface Crebro-Mquina

    IDE ndice de Descorrelao Elevada

    K+ on Potssio

    LMS Least Mean Square (Mnimos Quadrados Mdios)

    MEA Multielectrode Array (Matriz Multieletrodo)

    N Ordem do Filtro

  • xxv

    Na+ on Sdio

    P on Fosfato

    PA Potencial de Ao

    pdf Funo de densidade de probabilidade

    PDS Processamento Digital de Sinais

    PM Pico Mximo

    PPS Potencial Ps-Sinptico

    PPSE Potencial Ps-sinptico Excitatrio

    PPSI Potencial Ps-sinptico Inibitrio

    SN Sistema Nervoso

    SNC Sistema Nervoso Central

    SNP Sistema Nervoso Perifrico

    SNR Signal-To-Noise Ratio (Relao Sinal-Rudo)

    SUS Sistema Pblico de Sade

    TC Tempo de Convergncia

    TE Tempo de Estacionariedade

    URL Uniform Resource Locator (localizao de informao na Internet)

    USA Estados Unidos da Amrica

    UTI Unidade de Tratamento Intensivo

    Passo de Adaptao

    Ohms

  • 26

    Captulo 1

    Introduo O crebro um rgo que surpreende e impressiona. como uma ponte, por

    assim dizer, entre conscincia e mundo exterior. Por isso mesmo tem sido, ao longo

    da histria humana, objeto de inmeros questionamentos, instigando cientistas e

    filsofos a elaborarem diferentes perspectivas a respeito de suas funes. Todavia,

    graas ao avano dos instrumentos mdicos e aos estudos fisiolgicos do corpo

    humano, o crebro est sendo melhor compreendido.

    Alm de funes motoras e sensitivas, o crebro responsvel ainda pelo

    desempenho de importantes atividades superiores como a memria e a cognio.

    Trata-se de um dos mais misteriosos rgos do corpo humano. E por mais que

    tentemos desvendar seus segredos, difcil compreend-lo.

    No entanto, a cincia mdica, assim como a engenharia eletrnica, a

    computao, e, atualmente, a engenharia neural, seguem de mos dadas com os

    avanos tecnolgicos no intuito de melhor conhecer esta mquina, a qual, por sua vez

    nos permite conhecer o mundo. Logo, o enfoque das pesquisas envolve o neurnio

    (vide Figura 1.1), a unidade bsica do sistema nervoso, e o grande responsvel pelo

    processamento das informaes no encfalo.

  • 27

    Figura 1.1 Neurnios reais (adaptada de (LENT, 2001)).

    O desenvolvimento de diversas tcnicas, no sculo XX e no incio do sculo

    XXI, capazes de realizar diferentes abordagens de estudo sobre o Sistema Nervoso

    Central (SNC), vem possibilitando uma melhor compreenso do seu funcionamento

    (HOLLAND, 2003). Contudo, ainda h muitos questionamentos acerca de diversas

    patologias que afetam o SNC. Tornou-se possvel estudar as atividades cerebrais,

    desde uma atividade motora ou sensitiva a uma atividade cognitiva, ou ainda o efeito

    de uma patologia. Todavia, diversas disfunes do corpo humano consistem em

    desafios para a medicina (Proc. IEEE, 2001). Dentre elas, devem-se destacar a

    epilepsia, o controle da dor, e as distrofias. Esses desafios envolvem o

    desenvolvimento de modelos matemticos eficientes e compatveis ao contexto

    fisiolgico humano.

    Uma das formas de modelar o crebro se baseia no estudo dos potenciais

    eltricos evocados do crtex cerebral e captados por eletrodos dispostos no escalpo.

    Para tal estudo, a eletroencefalografia (EEG) consiste em uma importante ferramenta

    que permite o diagnstico e a anlise de diversas patologias que perturbam o crebro,

    alm do monitoramento de pacientes em enfermarias ou UTIs e o acompanhamento

    de fenmenos cognitivos.

    Evidentemente, dentre estas patologias, pode-se citar a epilepsia, que atinge

    cerca de 1% da populao mundial, ou 50 milhes de pessoas, dos quais 25% no

    respondem ao tratamento com o mtodo tradicional (URL 10), que preconiza o uso de

  • 28

    drogas anticonvulsivantes. Pode-se citar, tambm, a dor crnica associada a processos

    metastticos em pacientes terminais (Proc. IEEE, 2001).

    As novas hipteses sobre os mecanismos desencadeantes das crises

    epilpticas, fruto concreto da interao entre mdicos e engenheiros, aliada

    moderna tecnologia de instrumentao biomdica, sugerem novas formas de terapia.

    Em LITT e colaboradores (2003), os autores descrevem planos para a construo de

    neuroimplantes que minimizariam crises epilpticas, incluindo experimentos

    preliminares de eletroestimulao em animais. Tais circuitos funcionariam como

    marcapassos cardacos, monitorando a atividade eltrica do crebro e identificando

    fatores responsveis por uma crise. Uma vez detectada a possibilidade iminente de

    crise, o dispositivo provocaria uma eletroestimulao no crebro ou em um nervo

    perifrico, com objetivo de eliminar a crise. Similarmente, neuroimplantes tambm

    poderiam ser utilizados para minimizar sensaes dolorosas, atravs da eletro-

    estimulao, ou da neuromodulao obtida atravs da filtragem seletiva de potenciais

    de ao do sistema nociceptivo.

    Por outro lado, as recentes pesquisas esto causando uma revoluo nos

    conceitos de instrumentao neurofisiolgica. Dentre elas, esto a interface

    bioeletrnica, que permite mecanismos de transduo de um impulso nervoso de um

    neurnio para dentro de um circuito eletrnico e vice-versa. Deve-se citar, tambm, as

    matrizes multieletrodo (RUTTEN, 2002), que permitem a aquisio sistemtica de

    potenciais de ao, utilizando os neurnios em cultura.

    Alm disso, atravs de estmulos eltricos e da anlise da resposta neural celular

    a estes, obtm-se resultados interessantes, diretamente aplicveis em neurocincia e em

    procedimentos ligados reabilitao. Esta pesquisa constitui a base essencial para a

    utilizao clnica de neuroimplantes especializados e/ou eletroestimulao em seres

    humanos, as quais so atualmente limitadas pelos elevados custos da tecnologia de

    matrizes multieletrodo (MEA).

    De qualquer forma, o desenvolvimento tecnolgico da MEA, aliada ao

    rompimento de barreiras no modelamento de sistemas complexos, tende em mdio e

    longo prazos estabelecer novos pontos de vista sobre as patologias do sistema nervoso,

    incluindo tambm os sinais EEG.

  • 29

    Enfim, surgem os desafios para a concretizao destas novas terapias, que so

    paralelos ao desafio do modelamento dos fenmenos biolgicos associados. Dentre

    estes, para o processamento de sinais, podem-se citar:

    Propor modelos simples para compreenso intuitiva e desempenho eficiente,

    atravs de algoritmos de baixa complexidade computacional;

    Estabelecer um conhecimento sobre as caractersticas estatsticas do sinal MEA,

    buscando novos pontos de vista sobre as patologias que envolvem a alterao da

    neurodinmica, associada transmisso de informaes atravs do SNC;

    Processar simultaneamente, atravs de MEA, vrios tipos de sinais biolgicos,

    tanto em nvel celular, como em nvel neurolgico (EEG).

    Esta dissertao representa um passo inicial para o desenvolvimento de

    tecnologia prpria, em resposta aos desafios mencionados no pargrafo anterior. As

    estratgias escolhidas para atingir as metas acima citadas esto descritas em detalhes em

    cada um dos captulos deste trabalho.

    No Captulo 2, faz-se uma sntese dos conceitos bsicos de neurofisiologia e

    neurologia, bem como sobre as respectivas medidas que fornecem os sinais eltricos

    utilizados nesta dissertao: a instrumentao atravs de MEAs, baseadas em culturas in

    vitro, e os exames EEG. Discutem-se tambm aspectos fisiolgicos e epidemiolgicos

    da epilepsia.

    No Captulo 3, faz-se uma breve sntese das principais tcnicas atualmente

    empregadas para o processamento de sinais oriundos de EEG e MEA, com enfoque

    neste ltimo.

    Com isso, no Captulo 4, apresentam-se as ferramentas tericas propostas que

    tentam, de certa maneira, minimizar as limitaes das tcnicas atualmente utilizadas na

    anlise da codificao neural e da epilepsia, buscando atender ao mximo os desafios

    especificados como metas deste trabalho.

    No Captulo 5, apresentam-se os resultados obtidos atravs da aplicao das

    tcnicas apresentadas no Captulo 4 anlise de sinais MEA e EEG. Apresentam-se os

    clculos e os resultados finais que conduzem aos modelos simples, em termos das

    aproximaes auto-regressiva e rudo branco.

  • 30

    Por fim, no Captulo 6, so analisados os resultados obtidos em comparao aos

    desafios iniciais. Sugestes importantes para trabalhos futuros, que podero ser

    realizados a partir desta dissertao, so tambm apresentadas.

    As principais contribuies desta dissertao so listadas logo abaixo:

    A apresentao de um texto nico, reunindo informaes fisiolgicas em nvel

    celular e neurolgico, que propicia uma conexo entre a epilepsia, o EEG, a

    MEA e os fenmenos fisiolgicos associados (Captulo 2);

    A discusso a respeito dos ndices de descorrelao elevada (Captulo 4);

    O estabelecimento de modelos paramtricos AR para sinais EEG e MEA, de

    baixa complexidade computacional (Captulo 5), permitindo concluses

    importantes no contexto aplicativo de neuroimplantes;

    A investigao detalhada, at a ordem n4, sobre a estrutura estatstica dos sinais

    MEA (Captulo 5), que sugere novas perspectivas para o estudo da codificao

    neural.

  • 31

    Captulo 2

    Conceitos bsicos em neurofisiologia e neurologia

    2.1 Introduo

    Neste captulo apresentam-se os conceitos sobre os quais se baseiam as medidas

    eletrofisiolgicas que contextualizam a aplicao deste trabalho. Tambm se apresentam

    as estruturas biolgicas de interesse, com suas respectivas instrumentaes, em dois

    nveis: celular e neurolgico.

    Inicialmente, faz-se um estudo do neurnio, em particular de suas propriedades

    especiais no que diz respeito aos potenciais eltricos. Em seguida, analisa-se o sinal de

    matriz de multieletrodo (MEA), sua fabricao e aplicaes, como tambm as novas

    tcnicas de instrumentao neurofisiolgica que sugerem a implementao de

    neuroimplantes especializados.

    Em seguida, de forma sucinta, explicam-se os princpios gerais do

    funcionamento do sistema nervoso, destacando-se algumas reas funcionais do crebro,

    uma vez que sua compreenso influencia a interpretao dos sinais de

    eletroencefalografia (EEG). Consequentemente, faz-se uma breve reviso sobre os

    sinais de EEG e suas caractersticas estatsticas; e tambm da epilepsia, suas causas,

    tipos e conseqncias na populao mundial, particularmente no Brasil.

  • 32

    2.2 O neurnio

    Todos os estmulos do nosso ambiente, causando sensaes como dor e calor; os

    sentimentos, pensamentos, programao de respostas emocionais e motoras; a

    aprendizagem e memria, a ao de drogas psicoativas, os distrbios mentais; bem

    como qualquer outra ao ou sensao do ser humano, no podem ser entendidas sem o

    conhecimento do processo de comunicao entre os neurnios.

    O neurnio uma clula como qualquer outra: possui organelas, ncleo

    individualizado, necessita de oxignio e nutrientes, e envolta por uma membrana

    plasmtica. O que diferencia um tipo de clula de outra a sua funo no nosso

    organismo. Portanto o que difere os neurnios de outras clulas, alm da sua maior

    necessidade metablica, a sua funo especializada. Ela tem como funo receber,

    processar e transmitir impulsos eletroqumicos, ou impulsos nervosos, que so sinais de

    comunicao e codificao. Pode, assim, ser considerado como a unidade funcional

    fundamental do sistema nervoso (LENT, 2001).

    Cada neurnio compreende (vide Figura 2.1):

    um corpo celular que contm um ncleo, retculo endoplasmtico muito

    abundante (corpos de Nissl), mitocndrias, aparelho de Golgi e neurofibrilas;

    uma ou mais ramificaes de filamentos citoplasmticos finos, denominados

    dendritos, que conduzem os impulsos at ao corpo celular;

    um prolongamento, o axnio, que pode ser muito longo e apresentar

    ramificaes na sua parte distal ou, ao longo da sua extenso, formando

    ramificaes colaterais. Em alguns casos, os axnios podem estar rodeados por

    uma substncia esbranquiada, de natureza lipdica, a mielina, recoberta por

    uma pelcula de citoplasma contendo ncleos, designada por bainha de

    Schwann. A bainha de mielina descontnua, dando origem formao de

    ndulos de Ranvier.

  • 33

    Figura 2.1 Um neurnio motor e suas partes constituintes (adaptada de (URL 1))

    Os neurnios so clulas grandes, com numerosas projees, denominadas

    dendritos. A maioria dos sinais recebida pelos neurnios em seus dendritos, outros

    sinais so recebidos no corpo celular e alguns poucos no incio do axnio. Acredita-se

    que no crebro existam cerca de 100 bilhes de neurnios.

    Qualquer funo cognitiva, como pensar, mover, dormir, olhar, sentir, envolve a

    integrao de um nmero desconhecido de neurnios, em reas especficas do crebro; e

    de estruturas nervosas do organismo, fora do crebro. Os neurnios se interconectam em

    complexas cadeias, e a mensagem viaja atravs de cada neurnio na forma de impulsos.

    Os sinais eltricos transmitidos pelos neurnios se baseiam na movimentao de

    ons (tomos, ou grupos de tomos, que perderam ou receberem eltrons), com cargas

    positivas ou negativas, que se formam ao longo do neurnio como fruto de reaes

    qumicas. Os neurnios podem ser classificados como:

    Neurnios sensoriais ou aferentes: transmitem impulsos do exterior para

    o sistema nervoso central;

    Neurnios motores ou eferentes: transmitem impulsos do sistema

    nervoso central para o exterior;

    Neurnios de associao: conduzem impulsos entre os outros dois tipos

    de neurnios.

    Como qualquer outra clula, o neurnio possui um certo potencial de membrana,

    a ser discutido mais adiante. O neurnio, por ser uma clula excitvel, tem este

    potencial modificado dependendo dos estmulos que sofre atravs de sinapses (Figura

  • 34

    2.2), ou de outros estmulos. A variao do potencial de membrana percorre o axnio

    como uma onda de despolarizao e repolarizao, que vai at os botes sinpticos.

    Figura 2.2 Neurnios em conexo e o boto sinptico no detalhe (adaptada de (URL 2))

    Devido bainha de mielina, a propagao do sinal ocorre de ndulo em ndulo,

    uma vez que o potencial de ao somente pode ser regenerado nos ndulos, o que faz

    com que este possa chegar ao seu destino de forma mais rpida. Este tipo de propagao

    denominado de conduo saltatria. Alm disso, a resultante do somatrio de

    capacitncias e resistncias adicionais das bainhas de mielina, envolvendo o axnio

    neuronal, contribuem muito para o aumento da velocidade de conduo das fibras

    nervosas.

    2.2.1 Membrana celular

    A membrana neuronal funciona como uma barreira para delimitar o citoplasma e

    excluir certas substncias presentes que banham os neurnios. Sua espessura de 5 nm,

    aproximadamente, e est repleta de protenas e lipdeos. A funo dos neurnios no

    pode ser compreendida sem o conhecimento da estrutura e funo da sua membrana,

    bem como das protenas associadas.

    Quase 70% de toda massa corprea de um ser humano adulto basicamente

    composto de gua, sendo o resto composto principalmente por sais dissolvidos na gua,

    lipdios, protenas e glicose. Logo, pode-se dizer que toda clula pode ser considerada

    como uma cpsula contendo uma soluo aquosa. O que separa esta cpsula do meio

    externo, denominado meio extracelular, uma membrana semipermevel constituda

  • 35

    basicamente de lipdios e protenas (membrana lipoprotica), conhecida como

    membrana plasmtica (Figura 2.3).

    Quando um sal se dissolve em gua, suas ligaes inicas se desfazem, uma vez

    que a elevada constante dieltrica da gua diminui a intensidade da fora inica e as

    molculas de gua solvatem os ons. Ou seja, sais dissolvidos em gua se transformam

    em ons livres (ctions e nions, molculas eletricamente carregadas positivamente e

    negativamente), o que origina potenciais eltricos tanto no meio intra quanto no meio

    extracelular.

    Figura 2.3 Desenho esquemtico de uma clula, evidenciando suas organelas e a membrana

    plasmtica (adaptada de (CARDOSO, 2005))

    Devido a este fenmeno, e como a composio inica do meio intracelular se

    difere da composio do meio extracelular, as clulas do nosso corpo apresentam uma

    diferena de potencial eltrico entre o meio interno e o meio externo, que denominada

    de potencial de membrana ou potencial de repouso da membrana. O interior da

    membrana celular apresenta uma carga eltrica menor que a carga eltrica exterior.

    Portanto, o potencial eltrico interno negativo em relao ao potencial eltrico

    externo, que tomado por referncia.

    A origem desse potencial eltrico pode ser explicada a partir da compreenso

    dos fenmenos eletroqumicos protagonizados pela membrana plasmtica e por dois

    importantes ons existentes em nosso corpo, dentro e fora das clulas: sdio (Na+) e

    potssio (K+).

    Quando em equilbrio (dinmico), existe uma diferena de concentrao desses

    ons entre os meios intra e extracelular: h maior concentrao de Na+ no meio externo

    clula e de K+ no meio interno, alm disso, h maior concentrao de nions orgnicos

    dentro da clula. Isso acontece devido semipermeabilidade da membrana plasmtica e

  • 36

    devido sua capacidade de selecionar o trnsito de substncias entre a clula e o meio

    em que ela se encontra, denominada permeabilidade seletiva.

    A gua trafega de um lado ao outro da membrana celular por presso osmtica.

    Ou seja, apesar de ser altamente insolvel nos lipdios da membrana, a gua atravessa

    prontamente a totalidade da membrana celular, passando, quase toda ela, atravs dos

    canais existentes nas molculas proticas (GUYTON, 2002).

    Podemos afirmar que o canal protico se liga a uma molcula de ATP (trifosfato

    de adenosina), que trafega no meio intracelular. Ocorre ento a quebra, formando ADP

    (difosfato de adenosina) e P (fosfato), liberando energia. Assim, o canal se modifica,

    atrai e se liga a trs ons de sdio (trs cargas positivas) no lado interno da membrana e

    a dois ons de potssio (duas cargas positivas) do lado externo. Portanto, injeta o

    potssio e ejeta o sdio. Isso ocorre de forma mais rpida que o funcionamento dos

    canais de transporte passivo, o que contribui para a permanncia de um potencial de

    cerca de -70 mV no meio intracelular em relao ao meio extracelular. Esse processo

    denominado de equilbrio dinmico.

    Alm de contribuir para a manuteno do potencial de membrana num dado

    valor de tenso, uma das principais funes da bomba Na+/ K+ o controle do volume

    das clulas. Sem o funcionamento dessa bomba, a maioria das clulas do corpo sofreria

    tumefao, at ocorrer sua ruptura (GUYTON, 2002).

    2.2.2 Canais inicos

    Os canais inicos regulam o fluxo de ons atravs da membrana de todas as

    clulas. Em particular, nas clulas neurais e musculares, eles so importantes para o

    controle das rpidas variaes do potencial de membrana, associadas ao potencial de

    ao e aos potenciais ps-sinpticos das clulas-alvo (KANDEL, 2000).

    Esses canais so grandes protenas que atravessam toda a estrutura da

    membrana, incluindo grupos carboidratos (glicoprotenas) presos sua superfcie,

    conforme a Figura 2.4. Todos os canais apresentam um poro aquoso central, que se

    estende de uma face outra da membrana. Muitos canais so formados por duas ou

    mais subunidades, que podem ser idnticas ou diferentes, permitindo o fluxo de ons de

  • 37

    modo seletivo, continuamente ou em resposta a estmulos eltricos, qumicos ou

    mecnicos (LENT, 2001).

    Figura 2.4 Desenhos esquemticos da membrana plasmtica com seus canais proticos. Acima uma membrana com seus vrios canais numa viso tridimensional (adaptada de (CARDOSO, 2005)). Abaixo os canais inicos em evidncia (adaptada de (LENT, 2001))

    A membrana plasmtica de todas as clulas, inclusive das neurais, consiste em

    um mosaico de lipdios e de protenas. A superfcie dessa membrana formada por uma

    dupla camada de fosfolipdios. Nessa lmina lipdica contnua, ficam embebidas as

    molculas de protena, inclusive os canais inicos.

    A facilidade com que um on se desloca dentro de uma soluo (sua

    mobilidade ou constante de difuso) no depende simplesmente da sua dimenso, como

    tambm do tamanho da molcula do solvente. O canal inico abre e fecha de forma

    tudo-ou-nada, resultando em breves pulsos de corrente atravs da membrana. Se o

    potencial eltrico variar atravs da membrana, a corrente que flui pelo canal se altera

  • 38

    proporcionalmente. A corrente linearmente relacionada fora propulsora; em outras

    palavras, o canal se comporta como um resistor eltrico (KANDEL, 2000).

    Os canais inicos so classificados em dois tipos:

    os canais catinicos, que, na maioria das vezes, permitem a passagem de

    ons sdio, quando esto abertos; mas s vezes, tambm permitem a

    passagem de ons potssio e/ou clcio;

    os canais aninicos, que permitem, sobretudo, a passagem de ons

    cloreto, mas, tambm, de quantidades diminutas de outros nions

    (GUYTON, 2002).

    Os canais catinicos que conduzem ons sdio so revestidos por cargas

    negativas. Essas cargas atraem os ons sdio carregados positivamente para dentro do

    canal, quando o dimetro deste aumenta at um tamanho maior que aquele do on sdio

    hidratado. Essas mesmas cargas negativas, porm, repelem os ons cloreto e outros

    nions, impedindo sua passagem.

    J para os canais aninicos, quando seu dimetro se torna suficientemente

    grande, conduzem ons cloreto para seu interior e seguem para o lado oposto; enquanto

    os ctions sdio, potssio e clcio so bloqueados, porque a dimenso de seus ons

    hidratados impedem sua passagem pelos canais aninicos.

    Portanto, uma substncia transmissora que abre os canais catinicos

    denominada de transmissor excitatrio. Ao contrrio, a abertura de canais aninicos,

    permitindo a entrada de cargas eltricas negativas, inibe o neurnio. Essas substncias

    transmissoras que abrem estes canais so denominadas de transmissores inibitrios.

    Quando a substncia transmissora ativa o canal inico, este se abre em frao de

    milissegundos; quando a substncia transmissora no est mais presente, o canal se

    fecha de modo igualmente rpido. Desta forma, a abertura e o fechamento dos canais

    inicos permite um meio para o controle rpido dos neurnios.

  • 39

    2.3 Sinapses entre neurnios

    Os neurnios devem desencadear informaes sobre o estado interno do

    organismo e seu ambiente externo, avaliar esta informao, e coordenar atividades

    apropriadas situao e s necessidades atuais do organismo. Cada neurnio se

    comunica com o seguinte por meio de sinapses nervosas (Figura 2.5), que pode ser

    definida como o conjunto de fenmenos bioqumicos ocorrendo no espao de conexo

    entre os neurnios. O nmero de conexes de um nico neurnio pode variar de

    algumas unidades at algumas centenas de milhares, segundo (GUYTON, 2002).

    Figura 2.5 - Sinapse qumica (adaptada de (URL 3))

    A clula nervosa cuja terminao do axnio se conecta ao soma ou ao dendrito

    do outro neurnio denominado de neurnio pr-sinptico, sendo responsvel pelo

    envio do impulso. O neurnio seguinte, que recebe o impulso, denominado de

    neurnio ps-sinptico. Entre esses dois neurnios existe a fenda sinptica, de largura

    compreendendo 200 a 300 Angstroms.

    Aproximadamente 80% a 95% dos botes ou terminais pr-sinpticos (Figura

    2.6) se situam nos dendritos dos neurnios ps-sinpticos, e apenas 5% a 20% se situam

    sobre o soma (GUYTON, 2002).

  • 40

    Figura 2.6 Botes sinpticos em um neurnio receptor. Eles existem tanto no soma como nos dendritos, s vezes ocorrendo tambm no incio do axnio (cone axonal) (adaptada de (GUYTON, 2002))

    So as sinapses que possibilitam a transmisso do impulso nervoso de um

    neurnio ao outro, ou de um neurnio a uma fibra muscular, determinando, inclusive, o

    sentido que este impulso deve tomar. Tal impulso a transmisso de um sinal

    codificado, como resultado de um estmulo ocorrido ao longo da membrana do

    neurnio. Dois tipos de fenmenos esto envolvidos no processamento do impulso

    nervoso: eltricos e qumicos. Eventos eltricos propagam um sinal dentro do neurnio,

    e processos qumicos transmitem o sinal de um neurnio a outro ou a uma clula

    muscular. Os processos qumicos ocorrem no final do axnio, que libera substncias

    qumicas ou neurotransmissores, os quais se unem a receptores qumicos situados nos

    canais inicos da membrana do neurnio seguinte, permitindo assim a troca de

    informaes entre duas clulas nervosas.

    Por exemplo, um neurnio motor colinrgico cujo neurotransmisssor principal

    a acetilcolina, e que inerva uma clula muscular esqueltica, produzir uma ao

    sinptica excitatria nesta clula. J um neurnio motor, tambm colinrgico, que inerva

  • 41

    uma clula muscular cardaca, produzir uma ao sinptica inibitria (LENT, 2001),

    permitindo que a ao do neurnio ps-sinptico seja restringida ou estimulada.

    As sinapses qumicas so extremamente importantes porque permitem a

    conduo do impulso nervoso numa nica direo: o impulso segue do neurnio pr-

    sinptico (transmissor) ao neurnio ps-sinptico (receptor). A importncia dessa

    transmisso unidirecional se justifica pela necessidade do sinal ser enviado a

    determinadas reas especificas do sistema nervoso, bem como pela necessidade de

    atuao de controle em determinados grupos musculares, ou em glndulas secretoras.

    No terminal pr-sinptico, temos duas estruturas bastante importantes: as

    vesculas sinpticas, que contm as substncias neurotransmissoras a serem liberadas na

    fenda sinptica; e as mitocndrias, que fornecem energia (ATP trifosfato de

    adenosina) para a sntese desses mesmos neurotransmissores (Figura 2.7). Estes ltimos

    apresentam ao rpida. Cada vez que um potencial de ao atinge o terminal pr-

    sinptico, algumas vesculas liberam, ao mesmo tempo, o transmissor para o interior da

    fenda sinptica, dentro de um intervalo de 1 ms ou menos. A ao desses transmissores

    sobre os canais inicos da membrana do neurnio ps-sinptico tambm ocorre dentro

    de 1 ms ou menos.

    Figura 2.7 Boto sinptico em detalhe, evidenciando as vesculas e as mitocndrias. Na fenda sinptica esto os neurotransmissores (adaptada de (FRISN, 1999))

  • 42

    2.4 Potencial de membrana dos neurnios

    A membrana do neurnio apresenta uma propriedade muito particular que o

    distingue da maioria das clulas do organismo. Essa propriedade, a excitabilidade,

    permite que o neurnio produza e transmita a outros neurnios os sinais eltricos em

    cdigo, que constituem a linguagem do sistema nervoso (LENT, 2001).

    Os biopotenciais enceflicos podem ser diferenciados em dois tipos (BUTTON,

    2000): o Potencial de Ao e o Potencial Ps-Sinptico (PPS). O primeiro caracteriza a

    transmisso dos impulsos eletroqumicos pelos axnios, ocorrendo de forma assncrona

    e em direes ortogonais superfcie do escalpo. O segundo o potencial de membrana

    resultante no neurnio ps-sinptico, com amplitude muito reduzida (LENT, 2001).

    2.4.1 Potencial de ao

    Os pesquisadores britnicos Alan Hodgkin (1914-1998) e Andrew Huxley

    (1917) foram os pioneiros em estudos para desvendar a bioeletrognese do impulso

    eltrico do neurnio (LENT, 2001). Na converso entre a energia bioeltrica, que ocorre

    na sinapse, os potenciais de ao convergem para o terminal sinptico, e a energia

    qumica, representada pela quantidade de neurotransmissor, liberada na fenda

    sinptica.

    O potencial de ao uma alterao rpida e brusca da diferena de potencial

    transmembrana. A membrana do neurnio polarizada em repouso em torno de -70

    mV. O potencial de ao consiste de uma reduo rpida da negatividade da membrana

    at 0 mV e inverso deste potencial at valores de aproximadamente de +30 mV,

    seguido de um retorno tambm rpido at valores negativos entre zero e o potencial de

    repouso, -70mV, conforme a Figura 2.8.

  • 43

    Figura 2.8 - Potencial de ao exibido em um osciloscpio (adaptada de (URL 4))

    O potencial de ao um fenmeno de natureza eletroqumica e ocorre devido a

    modificaes na permeabilidade da membrana do neurnio, que permitem a passagem

    de ons de um lado para o outro da membrana. Como os ons so partculas carregadas

    eletricamente, ocorrem tambm modificaes no campo eltrico gerado por essas

    cargas.

    A membrana de alguns tipos de neurnios polarizada em repouso com valor

    cerca de -90 mV (GUYTON, 2002). Com a despolarizao, h um pico de at cerca de

    +35 mV. Observa-se um aumento rpido do potencial de membrana; seguido de uma

    descida tambm rpida, at um valor inferior ao valor de repouso (cerca de -100 mV), e,

    por fim, um lento retorno at o valor de repouso de -90 mV (Figura 2.9).

    Figura 2.9 Representao de uma onda de despolarizao e repolarizao associada ao potencial de ao (adaptada de (GUYTON, 2002))

    No entanto, para que seja deflagrado um potencial de ao ao longo do axnio,

    necessrio que o estmulo sofrido pela membrana do neurnio (no dendrito, no corpo,

    ou no cone axonal) seja capaz de elevar abruptamente o potencial da membrana de 15 a

  • 44

    30 mV (GUYTON, 2002), ou seja, o potencial deve chegar a cerca de -65 mV

    (potencial de limiar).

    Apesar do impulso nervoso ocorrer no sentido do axnio, a onda de

    despolarizao/repolarizao da membrana se propaga em todos os sentidos a partir do

    ponto em que foi deflagrada (Figura 2.10). Todavia esta onda cessa ao atingir a regio

    da membrana prxima ao corpo do neurnio, bem como aos dendritos. Com relao ao

    axnio, a onda segue at os botes sinpticos e l desencadeia uma reao qumica, que

    caracterizar a comunicao do neurnio com a clula seguinte.

    Em virtude do gradiente de concentrao e da carga negativa do fluido

    extracelular, os ons entram na fibra atravs dos canais inicos. A entrada de sdio

    despolariza a membrana, isto , a face da membrana imersa no fluido extracelular das

    fibras se torna menos negativo, em relao ao interior. Se esta despolarizao,

    denominada potencial gerador, alcana o nvel crtico (limiar), a membrana ir gerar um

    potencial de ao.

    Figura 2.10 Potencial de ao (adaptada de (VILELA, 2005))

  • 45

    Uma vez atingido o limiar, o potencial de ao ocorre com amplitude e durao

    fixas. Se o limiar no for atingido, ou seja, a despolarizao ou o influxo de sdio no

    forem suficientemente fortes, no ocorre o potencial de ao (Figura 2.11). Este

    fenmeno conhecido como princpio do tudo-ou-nada (GUYTON, 2002).

    Ocasionalmente, o potencial de ao alcana um ponto na membrana onde no

    gerar voltagem suficiente para estimular a rea adjacente da membrana. Quando isso

    ocorre, a propagao da despolarizao interrompida. Portanto, para que a propagao

    de um impulso continue, a proporo entre o potencial de ao e o limiar de excitao

    deve ser, a qualquer tempo, maior que 1.

    Figura 2.11 Princpio do tudo-ou-nada: em A), o potencial de ao (PA) do neurnio pr-sinptico gera um potencial ps-sinptico excitatrio (PPSE) que no chega a atingir o limiar; em B), um trem de PAs gera um PPSE que ultrapassa o valor de limiar, o que faz com que seja deflagrado um PA no neurnio ps-sinptico (adaptada de (LENT, 2001))

    medida que se abrem os canais de sdio, abrem-se tambm os canais de

    potssio, entretanto de forma mais lenta. Quando os canais de sdio esto

    completamente abertos, os de potssio ainda esto se abrindo, ou seja, com o passar do

    tempo, aumenta a quantidade de potssio que sai da clula, fazendo com que a

    amplitude do potencial de ao comece a diminuir. Quanto menos positivo o potencial

    de membrana, menos sdio entra na clula, e com a sada de mais potssio, mais o

    potencial avana no sentido negativo, retornando ao repouso.

  • 46

    Porm, antes da membrana se repolarizar, o potencial ultrapassa o potencial de

    repouso, devido ainda lentido dos canais de potssio, que esto se fechando

    novamente. Desta forma, o potencial vai lentamente retornando ao valor de repouso.

    Isso pode ser observado na Figura 2.9.

    2.4.2 Potencial Ps-Sinptico (PPS)

    Para uma sinapse excitatria, o resultado do potencial de ao do neurnio pr-

    sinptico a gerao de um PPS despolarizante, ou seja, um potencial que tende a

    aproximar-se do potencial de limiar. Isso faz com que o neurnio ps-sinptico tenha

    mais facilidade em disparar potenciais de ao.

    Quando sinapses excitatrias descarregam sobre as superfcies dos dendritos ou

    do soma de um neurnio, gera-se um potencial ps-sinptico que persiste por muitos

    milissegundos, especialmente quando alguma das substncias transmissoras sinpticas

    de longa durao est envolvida. Esse potencial pode continuar a excitar o neurnio,

    fazendo com que ele transmita uma salva de impulsos de sada (GUYTON, 2002).

    J no caso de uma sinapse inibitria, o resultado do potencial de ao do

    neurnio pr-sinptico a gerao, no neurnio seguinte, de um PPS hiperpolarizante,

    ou seja, um potencial que tende a afastar-se do potencial de limiar. Isso faz com que o

    neurnio ps-sinptico tenha mais dificuldade em disparar potenciais de ao (LENT,

    2001).

    Como o neurnio ps-sinptico recebe inmeras aes sinpticas, sua atividade

    depende do somatrio de todos os potenciais gerados por todas as sinapses que ocorrem

    em sua membrana. Este processo de somao denominado de integrao sinptica.

    Por exemplo, o potencial de repouso da membrana do soma neuronal de alguns tipos de

    neurnios de cerca de -65 mV (Figura 2.12). Na sinapse excitatria, este potencial

    sobe para -45 mV (potencial ps-sinptico excitatrio PPSE). Entretanto, a descarga

    de um s terminal no capaz de elevar o potencial desta forma, assim, so necessrias

    vrias descargas simultneas de muitos terminais, por exemplo de 40 a 80 terminais

    para um neurnio motor comum (GUYTON, 2002). Na sinapse inibitria, o potencial

  • 47

    cai a -70 mV (potencial ps-sinptico inibitrio PPSI), impedindo a ao do neurnio

    ps-sinptico, ou seja, impedindo que os outros neurnios possam ativ-lo.

    Figura 2.12 Eventos eletroqumicos da sinapse excitatria e sinapse inibitria (adaptada de (GUYTON, 2002))

    2.5 Medidas Neurofisiolgicas: Matrizes Multieletrodo

    (MEA)

    2.5.1 Culturas celulares

    Em condies apropriadas, a maior parte das clulas vegetais e animais podero

    viver, multiplicar-se e at mesmo expressar propriedades diferenciadas em uma placa de

    cultura de tecidos. As clulas podem ser observadas sob o microscpio e vrias anlises

    analisadas bioquimicamente, e os seus aspectos morfolgicos, imunolgicos e

    farmacuticos podem ser explorados. Experimentos com clulas oriundas de cultura so,

    s vezes, ditos como tendo sido conduzidos in vitro para contrast-los daqueles

    experimentos com organismos intactos, os quais so referidos como conduzidos in vivo.

    Os termos podem ser confusos porque so freqentemente utilizados com sentidos

    diferentes por bioqumicos, para quem in vitro aplicado em referncia a reaes

  • 48

    bioqumicas ocorrendo em cultura; enquanto in vivo aplicado para qualquer reao que

    ocorra dentro de clula no seu ambiente natural.

    A tcnica de cultura celular foi inaugurada por Ross Granville Harrison, no

    incio do sculo XX (BEADLE, 1988). Ele realizou experimentos com sapos e

    posteriormente com pintinhos, mostrando que fibras nervosas desenvolvem-se a partir

    de corpos celulares individuais, ao contrrio do que at ento se acreditava. Entretanto,

    h apenas trinta anos atrs, os mtodos de cultura de clulas comearam a ganhar

    proeminncia na neurobiologia, motivados por duas descobertas. A primeira, os

    neuroblastos, so clulas embrionrias do tecido nervoso que originam outras clulas

    nervosas, obtidos de um tumor, que podiam ser investigados e controlados quando

    mantidos em cultura, de forma a induzir a diferenciao neural (SCHUBERT, 1969). A

    segunda, as culturas monitoradas in vitro, pela elongao axonal (BRAY, 1970).

    Existem basicamente trs mtodos para cultura de clulas: o uso de clulas

    dissociadas, cultura organotpica e de reagregao (BANKER, 1991). A cultura de

    clulas dissociadas ou dispersas apresenta como vantagem a manuteno das

    propriedades morfo e fisiolgicas presentes no tecido de origem. A cultura organotpica

    se refere transplantao de tecido; sua vantagem principal a preservao da

    arquitetura do tecido. Por outro lado, esta tcnica aplicvel apenas se o tecido ou

    pode ser manipulado na forma laminar. As clulas reagregadas so dissociadas e

    mantidas em suspenso; elas tendem a se reagregar em pequenas esferas se mantidas em

    frascos e centrifugadas. Este tipo de cultura adequado para o estudo do

    amadurecimento neural (STIER, 1993). A tcnica mais adequada para avaliao de

    crescimento axonal e formao de sinapses entre neurnios a dissociao. Nesta

    tcnica, as culturas podem ser primrias, sendo utilizadas nos experimentos diretamente

    logo aps extrao, sem qualquer alterao; e de linhagens celulares, em que o processo

    de mitose induzido. Neste ltimo caso, as clulas se multiplicam originam vrias

    geraes, criando uma populao com caractersticas genticas homogneas e bem

    conhecidas.

  • 49

    2.5.2 Interface bioeletrnica

    Uma interface bioeletrnica corresponde um sistema onde um pedao de tecido

    nervoso, geralmente mantido vivo em cultura celular, conectado a um circuito eltrico,

    na tentativa de se estabelecer um intercmbio bidirecional de informao.

    A Figura 2.13 ilustra o funcionamento dessa interface, ou seja, a integrao do

    sistema neural eletrnica digital (BONIFAZI, 2002). No primeiro passo (a), ilustrada

    a interface individual das clulas nervosas. No prximo passo, o par de clulas nervosas

    acoplado. No arranjo (b), a estimulao do neurnio A induz a transferncia do

    potencial de ao pela rede neural para o neurnio B, cujo sinal gravado atravs do

    transistor. No arranjo (c), o registro do sinal do neurnio A ocorre pelo transistor, sendo

    transferido posteriormente para o chip de microeletrnica, at atingir o neurnio B, que

    ento estimulado. No ltimo passo (d), as redes neurais so definidas e a criao do

    chip para a comunicao estabelecida, fornecendo uma rede dinmica e computacional

    para as comunicaes bidirecionais entre os sinais. Portanto, a conexo neurnio

    circuito neurnio o passo elementar da interface bioeletrnica.

    (a) (b)

    estimulador transistor

    Neurnio A

    Neurnio B Neurnio

    B

    estimulador transistor

    Rede Neuronal Neurnio

    A

    (c)

    (d)

    Dinmica Neural Neurnio Neurnio

    A B

    Sistema Digital estimuladorMicroeletrnicatransistor

    Figura 2.13 Interface bioeletrnica (adaptada de (FROMHERZ, 2003))

    Dentro do que foi acima exposto e, considerando dois circuitos hbridos com

    neurnios baseados em chip de silicone (arranjo (c) da Figura 2.13), a Figura 2.14

    ilustra a dinmica de cada neurnio A e B. No item (a) desta ltima figura, apresenta-se

  • 50

    o potencial de ao do neurnio A, correspondente atividade eltrica basal ou

    espontnea, a qual captada e amplificada por um circuito, gerando a onda (c). Em

    seguida, os picos da ltima onda, correspondentes ocorrncia de um potencial de ao

    no neurnio A, so detectados atravs de algoritmos de processamento, resultando na

    onda (e). Aps um ajuste de amplitude e de freqncia, de forma a garantir uma

    coerncia biolgica, o sinal (e) transformada em (f) atravs de circuitos lgicos, os

    quais, finalmente, geram uma onda de estimulao (d). Esta ltima aplicada ao

    neurnio B atravs de outra interface bioeletrnica, induzindo potenciais de ao em B,

    como mostrado em (b).

    Figura 2.14 Caminho neurnio- chip - neurnio (adaptada de (FROMHERZ, 2003)).

    Vide arranjo (c) da Figura 2.13

    2.5.3 Matrizes Multieletrodo (MEA)

    A atividade eltrica em sistemas biolgicos tradicionalmente monitorada com

    eletrodos, como por exemplo, na tcnica de patch-clamp(GUEDES, 1989).

    Matrizes Multieletrodo correspondem a um refinamento do conceito de interface

    bioeletrnica ((FROMHERZ, 2003), (BONIFAZI, 2002)), e consistem em circuitos de

    dimenses micromtricas montados sobre um substrato, e dotados de um conjunto de

    eletrodos, os quais so colocados no soma do neurnio (Figura 2.15). A condio ideal

    para o uso destas estruturas exige que o corpo celular se localize sobre um eletrodo, ou

    entre dois eletrodos vizinhos. Para que isto ocorra, necessrio o posicionamento da

    clula no local do eletrodo, bem como o tratamento adequado do substrato, de forma a

  • 51

    promover a aderncia celular, ou seja, o substrato uma das variveis a serem

    consideradas no processo de fabricao.

    Microeletrodo

    Tecido Nervoso

    Substrato

    Figura 2.15 - Conjunto de eletrodos em um tecido nervoso (adaptada de (RENNAKER, 2005))

    As MEAs so utilizados para acessar de forma sistemtica e seletiva os

    potenciais de ao associados a feixes ou fibras nervosas, sendo que vrios testes em

    modelos animais j so realizados em diversos centros de pesquisa (URL 5). Elas

    permitem registrar simultaneamente a atividade eltrica de cerca de centenas de

    neurnios. Os eletrodos da MEA podem tambm ser usados para estimular neurnios,

    de forma no-invasiva, seguindo uma conexo entre a rede neuronal de cultura e um

    computador.

    A Figura 2.16 ilustra a aplicao de MEAs em outros mtodos de cultura. Na

    primeira (a), um extrato da massa branca do cerebelo posicionado sobre um substrato

    contendo microeletrodos, para extrao dos sinais. J na segunda (b), os eletrodos

    (representados por hastes negras) so posicionados sobre os axnios de embries de

    ratos, aps 14 dias em cultura, evidenciando o nmero de clulas acessveis que foram

    atingidas.

  • 52

    Eletrodos

    Cerebelo (a) (b)

    Figura 2.16 - Exemplos de aplicao das matrizes de microeletrodos (adaptada de PEIXOTO, 2001) (a) corte de cultura em tecido do cerebelo sobre

    MEA, (b) cultura celular de neurnios isolados do gnglio da raiz dorsal de ratos em cultura (14 dias).

    2.5.4 Utilizao e Fabricao das MEAs

    Quando se mede a atividade nervosa de clulas individuais ou conjuntos bem

    determinados de clulas, seja em cultura in vitro ou in vivo, utilizam-se eletrodos

    micromtricos, os microeletrodos, que so fabricados em metal ou vidro, com pontas de

    dimetros variando de dcimos a dezenas de micrmetros (PEIXOTO, 2001).

    Existem duas formas de medida de microeletrodos: intra e extraceleular. Os

    microeletrodos para medidas intracelulares so fabricados a partir de capilares de vidro

    e preenchidos com soluo salina de alta molaridade. Estes eletrodos assim preparados

    so denominados de micropipetas e so projetados para insero na membrana celular,

    ou para formar um selo atravs de suco mecnica na membrana. O princpio de

    medida se baseia na capacitncia da parede de vidro e na alta concentrao inica da

    soluo salina interna do eletrodo. J para sinais extracelulares, eles so classicamente

    adquiridos atravs de eletrodos de tungstnio, tambm denominados de Wolfram, e com

    micropipetas.

    O posicionamento do microeletrodo o fator determinante para a obteno de

    um bom resultado na medida eletrofisiolgica. Alm disso, o tempo de medida

    limitado, impedindo, por exemplo, a utilizao de circuitos hbridos bioeletrnicos por

    mais do que algumas semanas.

    As MEAs tm sido desenvolvidas e diversificadas, como por exemplo com a

    incorporao de dispositivos eletrnicos integrados e a fabricao tridimensional de

  • 53

    eletrodos (Figura 2.17). Deve-se procurar manter os requisitos essenciais de

    biocompatibilidade, estabilidade mecnica, manuteno do ambiente fisioqumico

    (como a temperatura, o pH, a composio da soluo fisiolgica e a esterilidade)

    durante o experimento. Logo, as principais vantagens destas matrizes so a fabricao

    em larga escala de microeletrodos e a utilizao de sistemas de aquisio que no esto

    restritos ao posicionamento fino atravs de micromanipuladores.

    Figura 2.17 Matriz tridimensional fabricada com tcnicas de microeletromecanismos

    (adaptada de (BAY, 2000))

    Uma matriz de microeletrodos pode ser implementada sobre um substrato,

    usualmente de vidro ou silcio (vide Figura 2.18), sobre o qual uma camada metlica

    construda por meio de tcnicas fotolitogrficas, sendo protegida por um material

    isolante, atravs da camada passivadora. Nesta ltima, so abertas janelas atravs das

    quais o metal fica exposto cultura. A rea exposta ao metal denominada de

    microeletrodo (PEIXOTO, 2001).

    Figura 2.18 Esquema geral da fabricao da MEA

    (adaptada de (PEIXOTO, 2001))

  • 54

    A implementao de microeletrodos baseia-se em tcnicas tradicionais de

    microeletrnica, que so aplicadas com xito relativo, devido restries de

    encapsulamento e ao tempo de estabilidade reduzido. Estas limitaes so justificadas

    pela presena de solues fisiolgicas em contato com o circuito.

    Os eletrodos devem ser biocompatveis, durveis, e apresentar uma impedncia

    baixa (abaixo de 500 a 1 kHz), para conseguir captar pequenos sinais extracelulares,

    cuja amplitude atinge valores de ordem de 10 a 100 microvolts. A baixa impedncia

    tambm permite injetar uma corrente estimultoria, suficiente para atingir o tecido

    nervoso sem exceder a baixa voltagem eletromecnica da gua, ou de outros

    componentes do meio. Os eletrodos tm sido recobertos por poros de platina, de baixa

    durabilidade, aumentando assim a impedncia, de forma inaceitvel. Esse problema

    pode ser reduzido pelo uso de recobrimento de platina do tipo sonicating (PEREIRA,

    2004).

    Em relao ao problema de assegurar baixa impedncia, os eletrodos encapados

    so fabricados base de oxido de irdio ou de nitrito de titnio. A superfcie da MEA e

    as pontas dos eletrodos devem ser recobertas com algum protetor compatvel, que

    tambm deve promover a adeso celular. Este protetor leva em conta os substratos

    tradicionais da cultura celular, como os poliaminocidos e laminina. A fabricao de

    MEAs sem silicone permitiu alguns sucesso na estimulao do crescimento neuronal,

    principalmente atravs da incluso de substncias neurotrficas.

    Apesar da aparente simplicidade na fabricao, a escolha de materiais, a

    caracterizao das estruturas, a adequao para cada aplicao e propostas de modelos

    so temas correntes na literatura quando se trata de interfaces neurais para aplicaes,

    seja in vitro ou in vivo ((BOVE, 1997), (HAIDARLIU, 1995)). Na maioria destes

    sistemas, o projeto de uma microestrutura precedido de um estudo sobre a aplicao

    desejada, de um modelo do comportamento esperado e de propostas para a anlise de

    dados associadas aos experimentos, principalmente quando se trata de questes

    especficas em neurocincias.

    2.5.5 Histrico

  • 55

    Considera-se que a primeira MEA foi proposta em 1972 por Thomas et al., ou

    por Ken Wise em 1975 (WEIS, 1996), mas apenas em 1980 obteve-se a confirmao

    experimental de que as matrizes de fato medem sinais extracelulares, que so os

    correspondentes temporais dos sinais intracelulares. Pine (1980), usando uma MEA

    com passivao de xido de silcio, mostrou a validao do sistema atravs de medidas

    simultneas intra e extracelulares. Em 1984 (ISRAEL, 1984), obteve-se pela primeira

    vez a estimulao e a aquisio simultneas na mesma cultura, fato at ento indito

    com o uso de MEAs. Tambm se realizou implante de retina em uma mulher cega

    utilizando MEAs de 80 eletrodos (BRINDLEY, 1968). O implante no apresentou

    efeito clnico significativo, mas os resultados foram positivos no aspecto de segurana a

    longo prazo do circuito.

    Os primeiros resultados experimentais relativos interface bioeletrnica foram

    divulgados em 1991 e 1995, considerando clulas nervosas de sanguessuga acopladas a

    transistores abertos, bem como a estimulao atravs de chip de silicone baseados em

    circuitos integrados ((FROMHERZ, 1995), (BONIFAZI, 2002)). Os autores

    estabeleceram um sistema otimizado em interface de silicone neural. Outro ponto

    relevante foi a utilizao de sistemas hbridos baseados em redes neurais acoplados em

    circuitos de microeletrnica (BONIFAZI, 2002), (FROMHERZ, 1997). Desta maneira,

    a superviso de neurnios em uma rede por contatos no-invasivos em um substrato

    semicondutor possibilitou estudos do processo neurodinmico, tanto para leitura como

    para gravao dos dados. Baseado nestes resultados, surgiram os primeiros

    neuroimplantes utilizando as tcnicas de MEAs. Um exemplo desta aplicao o

    implante em nervo fibular, induzindo neuromodulao para o controle da dor

    (RUTTEN, 1999).

    Outros estudos baseiam-se em interfaces de redes neurais, como exemplo a

    prtese neural (SHAHAF, 2001). Alm disso, deve-se destacar que a excitao eltrica

    do tecido neural foi usada para muitos propsitos. Como exemplos, podem-se citar o

    m