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Modelos da comunicação Autoria Miquel Rodrigo Professor de Teoria da Comunicação na Universidade Pompeu Fabra (Barcelona). Forma parte do grupo de pesquisa da UNICA da Universitat Pompeu Fabra. Publicou mais de cem artigos em livros e revistas especializadas nacionais e internacionais, e diferentes monografias. Foi pesquisador e professor em várias universidades: Universitat Autònoma de Barcelona, Indiana University, Saint Louis University, Université René Descartes (Paris V), Universidad de Sonora, Universidad de Temuco, entre outras. Conteúdo Abstract Introdução Criar a legitimação académica A consolidação sociológica A viragem semiótica Acerca de um diálogo disciplinar: O modelo socio-semiótico da comunicação Epílogo Bibliografía ABSTRACT "Comecemos com uma história de Jorge Luís Borges (1981: 143-144): “Naquele império, a arte da cartografia atingiu tal perfeição que o mapa de uma só província ocupava toda uma cidade, e o mapa do império, toda uma província. Com o tempo, esses mapas desmesurados não bastaram e os colégios de cartógrafos fizeram um mapa do império, que tinha o tamanho do império e coincidia exactamente com ele. Menos interessadas no estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse extenso mapa era inútil e sem piedade entregaram-no à inclemência do sol e dos invernos. Nos desertos do oeste permanecem despedaçadas ruínas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o país não há outra relíquia das disciplinas geográficas. Suárez Miranda: Viajes de varones prudentes, livro quarto, Cap. XLV, Lérida, 1658.” Recordemos que o título da narração de Borges é, significativamente, “Do rigor na ciência”. Aquí está o paradoxo: se o rigor da ciência leva a fazer um modelo que reproduz ponto por ponto a realidade, a ciência torna-se inútil." […] INTRODUÇÃO Comecemos com uma história de Jorge Luís Borges [1] (1981: 143-144): “Naquele império, a arte da cartografia atingiu tal perfeição que o mapa de uma só província ocupava toda uma cidade, e o mapa do império, toda uma província. Com o tempo, esses mapas desmesurados não bastaram e os colégios de cartógrafos fizeram um mapa do império, que tinha o tamanho do império e coincidia exactamente com ele. Menos interessadas no estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse extenso mapa era inútil e sem piedade entregaram-no à inclemência do sol e dos invernos. Nos desertos do oeste permanecem despedaçadas ruínas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o país não há outra relíquia das disciplinas geográficas. Suárez Miranda: Viajes de varones prudentes, livro quarto, Cap. XLV, Lérida, 1658.” Recordemos que o título da narração de Borges é, significativamente, “Do rigor na ciência”. Aqui está o paradoxo: se o rigor da ciência leva a fazer um modelo que reproduz ponto por ponto a realidade, a ciência torna-se inútil. Um modelo é um plano da realidade [2] . Não se pode pedir a um modelo que tenha em conta todos os elementos existentes na realidade porque seria desnecessário e inútil. Seria desnecessário, porque não vale a pena fazer uma cópia exacta da realidade se já temos a própria realidade. Seria inútil, porque a realidade é tão completa que um modelo que desse conta de todos os seus elementos seria impraticável. Assim, deve ser claro que um modelo é uma representação simplificada da realidade. A um modelo não se lhe pode pedir para ser mais do que é: um instrumento que atesta determinados elementos que considera significativos do fenómeno analisado. Por isso, todo o modelo constitui uma visão reducionista da realidade. O problema não é tanto este reducionismo em si, mas que não se tenha consciência do mesmo e que o modelo se auto-apresente como uma proposta omni-compreensiva da realidade. Além do Lições do portal ISSN 2014-0576

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  • Modelos da comunicao

    Autoria

    Miquel Rodrigo Professor de Teoria da Comunicao na Universidade Pompeu Fabra (Barcelona). Forma parte do grupo de pesquisa daUNICA da Universitat Pompeu Fabra. Publicou mais de cem artigos em livros e revistas especializadas nacionais einternacionais, e diferentes monografias. Foi pesquisador e professor em vrias universidades: Universitat Autnoma deBarcelona, Indiana University, Saint Louis University, Universit Ren Descartes (Paris V), Universidad de Sonora, Universidad

    de Temuco, entre outras.

    Contedo

    Abstract

    Introduo

    Criar a legitimao acadmica

    A consolidao sociolgica

    A viragem semitica

    Acerca de um dilogo disciplinar: O modelo socio-semitico da comunicao

    Eplogo

    Bibliografa

    ABSTRACT

    "Comecemos com uma histria de Jorge Lus Borges (1981: 143-144): Naquele imprio, a arte dacartografia atingiu tal perfeio que o mapa de uma s provncia ocupava toda uma cidade, e o mapa doimprio, toda uma provncia. Com o tempo, esses mapas desmesurados no bastaram e os colgios decartgrafos fizeram um mapa do imprio, que tinha o tamanho do imprio e coincidia exactamente comele. Menos interessadas no estudo da cartografia, as geraes seguintes entenderam que esse extensomapa era intil e sem piedade entregaram-no inclemncia do sol e dos invernos. Nos desertos do oestepermanecem despedaadas runas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o pas noh outra relquia das disciplinas geogrficas. Surez Miranda: Viajes de varones prudentes, livro quarto,Cap. XLV, Lrida, 1658. Recordemos que o ttulo da narrao de Borges , significativamente, Do rigor

    na cincia. Aqu est o paradoxo: se o rigor da cincia leva a fazer um modelo que reproduz ponto por ponto a realidade, acincia torna-se intil." []

    INTRODUO

    Comecemos com uma histria de Jorge Lus Borges [1] (1981: 143-144):

    Naquele imprio, a arte da cartografia atingiu tal perfeio que o mapa de uma s provncia ocupava toda uma cidade, eo mapa do imprio, toda uma provncia. Com o tempo, esses mapas desmesurados no bastaram e os colgios decartgrafos fizeram um mapa do imprio, que tinha o tamanho do imprio e coincidia exactamente com ele. Menosinteressadas no estudo da cartografia, as geraes seguintes entenderam que esse extenso mapa era intil e sempiedade entregaram-no inclemncia do sol e dos invernos. Nos desertos do oeste permanecem despedaadas runasdo mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o pas no h outra relquia das disciplinas geogrficas.Surez Miranda: Viajes de varones prudentes, livro quarto, Cap. XLV, Lrida, 1658.

    Recordemos que o ttulo da narrao de Borges , significativamente, Do rigor na cincia. Aqui est o paradoxo: se o rigor da cincialeva a fazer um modelo que reproduz ponto por ponto a realidade, a cincia torna-se intil.

    Um modelo um plano da realidade [2] . No se pode pedir a um modelo que tenha em conta todos os elementos existentes narealidade porque seria desnecessrio e intil. Seria desnecessrio, porque no vale a pena fazer uma cpia exacta da realidade se jtemos a prpria realidade. Seria intil, porque a realidade to completa que um modelo que desse conta de todos os seus elementosseria impraticvel. Assim, deve ser claro que um modelo uma representao simplificada da realidade. A um modelo no se lhe podepedir para ser mais do que : um instrumento que atesta determinados elementos que considera significativos do fenmeno analisado.

    Por isso, todo o modelo constitui uma viso reducionista da realidade. O problema no tanto este reducionismo em si, mas que nose tenha conscincia do mesmo e que o modelo se auto-apresente como uma proposta omni-compreensiva da realidade. Alm do

    Lies do portalISSN 2014-0576

    http://portalcomunicacion.com/

  • mais, graas a esta focalizao, lana tambm um olhar esclarecedor sobre certos aspectos da realidade.

    Recordemos que um modelo implica no s uma descrio simplificada da realidade, seria o propsito do conto com que inicimoseste texto, mas tambm uma explicao da realidade descrita, que seria o princpio racional que sustenta o modelo. Sucintamente, ummodelo no mais do que um instrumento de interpretao da realidade. Os modelos so construes feitas por investigadores. Nodeixa de ser significativo que os modelos, na maioria dos casos, so conhecidos pelo nome dos investigadores que os propem.Evidentemente, os investigadores tm interesses e objectivos diferentes, por isso os seus modelos so distintos. Para compreenderuma realidade heterclita, em que intervm muitos elementos comunicativos distintos, e complexa, necessrio um instrumentoorganizador que permita descobrir a estrutura desta realidade para torn-la apreensvel. Um modelo uma construo terico-hipottica da realidade. um postulado de interpretao da realidade: descreve e explica a realidade definida. Esta descrio eexplicao fazem-se a partir de um princpio racional que fornece congruncia ao modelo. Este princpio racional determinar quaisso os elementos significativos para o modelo e quais no sero tidos em conta.

    Em cada momento histrico os modelos cumpriram diferentes funes. Por um lado, cada modelo tentava fornecer uma explicao squestes que o seu objecto de estudo abordava. Por outro, cada modelo reflectia e coadjuvava a evoluo das teorias dacomunicao.

    Torna-se difcil fazer uma seleco dos principais modelos da comunicao por vrios motivos. Em primeiro lugar porque os modelosexistentes da comunicao so bastante numerosos e em segundo lugar porque os critrios de relevncia podem sempre serdiscutveis. Neste texto irei seleccionar quatro modelos que me parecem representativos da evoluo das teorias da comunicao.Assim, veremos brevemente a histria da investigao, o papel que teve cada modelo no seu momento e a perspectiva a partir da qualse abordou o estudo da comunicao. 2. No vou entrar numa discusso ontolgica sobre o conceito de realidade, mas tenha-se em conta que as cincias constroem os seus objectos deestudo. Por conseguinte, sobretudo a partir de uma perspectiva interpretativa, claro que a realidade uma realidade construda (Rodrigo 2001:163-182).

    CRIAR A LEGITIMAO ACADMICA

    As teorias da comunicao necessitaro, como qualquer disciplina acadmica, de uma legitimao para ser consideradas no mbitodo campo cientifico. Em meados do sculo XX o sistema dos meios de comunicao de massas (imprensa, rdio e televiso)constitua j um fenmeno social digno da mxima ateno. Iniciava-se ento a abordagem do mesmo a partir do meio cientfico(Moragas 1993). Da a importncia do modelo de Shannon [3] e Weaver [4] , que atravs da teoria matemtica da comunicao,abordaram o primeiro modelo, em 1949, que ajudaria a consolidar a teoria da comunicao no mbito das cincias sociais. Emmeados do sculo XX, de acordo com os princpios da modernidade, para que uma disciplina fosse considerada cientfica deviaaproximar-se das cincias naturais, embora tambm se aceitasse a existncia de outro campo, o das humanidades, no qual osrequisitos eram diferentes. No campo da comunicao existem ambas as tradies: a cientfica e a humanstica. Segundo esta ltima,a comunicao seria uma forma de conhecimento e de expresso, como a filosofia ou a arte. Mas para os que consideravam que acincia da comunicao era uma das cincias sociais, como a sociologia ou a economia, tornava-se imprescindvel a legitimaocientfica que poderia trazer um modelo matemtico da comunicao.

    Para compreender melhor a gnese deste modelo devemos destacar dois factores. Em primeiro lugar, recordemos a influncia domatemtico Norbert Wiener [5] , que considerado o fundador da ciberntica e que foi um dos mestres de Shannon. A cibernticaestuda como um estmulo se transforma em informao (input) e como o sistema receptor reage com uma resposta (output).

    Em segundo lugar h que ter em conta o contexto. Em 1966, Wiener (1972: 50) observava: Se os sculos XVII e a primeira parte doXVIII foram a idade dos relgios e o final do sculo XVIII e o sculo XIX foram a idade das mquinas a vapor, o presente a idade dacomunicao e controlo. Em meados do sculo XX o desenvolvimento das telecomunicaes fundamental e torna-se necessria aexistncia de um modelo cientfico que d conta desta nova realidade.

    A proposta de Shannon e Weaver, baseada no paradigma da teoria matemtica da comunicao, foi pioneira e influenciounotavelmente os estudos da comunicao e muitos dos modelos que se seguiram so seus devedores, tais como por exemplo os doisprximos modelos.

    Uma das causas do xito do modelo de Shannon e Weaver deve-se a terem acertado claramente com o esquema Estmulo-Respostado behaviorismo, aproximao dominante no incio do sculo XX. O esquema E-R pode facilmente converter-se no modelo cannicoda comunicao E-M-R que tem dominado amplamente a teoria da comunicao funcionalista. Como escreve Abril (1997: 21) Ascorrentes funcionalistas e behavioristas da sociologia e da psicologia social foram especialmente sensveis ao feitio econmico domodelo E -MRO modelo de Shannon e Weaver ainda se centrava num aspecto concreto da comunicao: a eficcia na transmisso da mensagem,no entanto partia de uma concepo ampla do fenmeno comunicativo. Weaver (1981: 20) considerava a comunicao como oconjunto de procedimentos por meio dos quais um mecanismo () afecta outro mecanismo.. Como se pode considerar, esta ideiacapta perfeitamente um dos elementos fundamentais do processo de comunicao como a sua capacidade de influncia. Ainda quepara Weaver (1981: 20) na comunicao tenhamos que distinguir trs problemas distintos e sucessivos. Em primeiro lugar, nacomunicao, temos um problema tcnico: Com que exactido se podem transmitir os sinais da comunicao? O segundo problema semntico: Com que exactido as mensagens so recebidas com o significado desejado? Por ltimo estaria um problema de eficcia:Com que eficcia o significado recebido afecta a conduta do destinatrio no sentido desejado pela Fonte da informao? Para a teoriamatem