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7/21/2019 Modelo Tie Bout Econ http://slidepdf.com/reader/full/modelo-tie-bout-econ 1/11 Competição tributária e externalidade: uma abordagem a partir dos conceitos básicos de finanças públicas Patrícia Lopes Rosado 1 Maria Aparecida Silva Oliveira 2 Marília Fernandes Maciel Gomes 3 Viviani Silva Lirio 4 Resumo Este estudo visou elucidar as contribuições teóricas para as externalidades geradas  pela competição tributária, a partir dos conceitos básicos de finanças públicas, procurando mostrar algumas de suas conseqüências na economia brasileira. Os resultados apontam a competição tributária criando conflitos entre as unidades federativas e contrariando objetivos de políticas nacionais que visam ao desenvolvimento regional ou à desconcentração da  produção, já que, com o aumento das renúncias fiscais os estados de menor poder financeiro  perdem capacidade de prover serviços e infra-estrutura que as empresas necessitam para  produzir e escoar a produção. Assim, a competição tributária acaba sendo vencida pelos estados mais desenvolvidos que têm maior poder financeiro, sendo, capazes de suportar o ônus das renunciais e, ainda, assegurar razoável qualidade dos serviços públicos. Conclui-se,  portanto, que no processo de competição tributária os estímulos econômicos que pautam o comportamento de cada um dos governos estaduais provocam ações cujo resultado pode ser  prejudicial ao país.  Palavras-chave : Externalidade, ICMS, competição tributária. 1. Introdução Em uma estrutura de mercados livres e competitivos, nem sempre a economia vai conseguir alocar eficientemente os recursos, ou seja, nem sempre será possível uma solução Pareto-ótima. A teoria econômica neoclássica, a partir do teorema da economia do bem-estar,  procurou compreender as razões da não-eficiência, desenvolvendo o estudo das economias externas como explicação para a falha de mercado em termos de maximização de bem-estar. Pigou denominou essas economias externas de externalidades. Portanto, as externalidades são resultados de ações de agentes econômicos, as quais refletem, positiva ou negativamente, no bem-estar social. Esses reflexos, quando positivos, tendem a trazer melhorias à sociedade; contrariamente, as externalidades negativas ou deseconomias externas trazem ônus à sociedade, sem que esta seja compensada pelo mal que suporta. Assim, as externalidades ocasionam desvios de eficiência de mercado porque inibem a possibilidade dos seus preços refletirem, de modo exato, informações sobre as quantidades que deverão ser produzidas e consumidas (PINDYCK e RUBINFELD, 1994). Durante muito tempo, a abordagem da externalidade esteve voltada apenas para as questões ambientais; nos últimos anos, esta tem sido empregada também em outras questões como a das finanças públicas, mais especificamente aquela voltada para a questão da competição tributária travada entre os Estados, especialmente em torno do imposto estadual sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), que é objeto de estudo do presente trabalho. O fenômeno da competição tributária tem ocorrido em países federativos, sobretudo naqueles onde os governos subnacionais possuem ampla autonomia fiscal. De acordo com

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Competição tributária e externalidade: uma abordagem a partir dos conceitos

básicos de finanças públicas

Patrícia Lopes Rosado1

Maria Aparecida Silva Oliveira2Marília Fernandes Maciel Gomes3

Viviani Silva Lirio4

Resumo

Este estudo visou elucidar as contribuições teóricas para as externalidades geradas pela competição tributária, a partir dos conceitos básicos de finanças públicas, procurandomostrar algumas de suas conseqüências na economia brasileira. Os resultados apontam acompetição tributária criando conflitos entre as unidades federativas e contrariando objetivosde políticas nacionais que visam ao desenvolvimento regional ou à desconcentração da

 produção, já que, com o aumento das renúncias fiscais os estados de menor poder financeiro perdem capacidade de prover serviços e infra-estrutura que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. Assim, a competição tributária acaba sendo vencida pelosestados mais desenvolvidos que têm maior poder financeiro, sendo, capazes de suportar oônus das renunciais e, ainda, assegurar razoável qualidade dos serviços públicos. Conclui-se,

 portanto, que no processo de competição tributária os estímulos econômicos que pautam ocomportamento de cada um dos governos estaduais provocam ações cujo resultado pode ser

 prejudicial ao país. 

Palavras-chave: Externalidade, ICMS, competição tributária.

1.  Introdução

Em uma estrutura de mercados livres e competitivos, nem sempre a economia vaiconseguir alocar eficientemente os recursos, ou seja, nem sempre será possível uma soluçãoPareto-ótima. A teoria econômica neoclássica, a partir do teorema da economia do bem-estar,

 procurou compreender as razões da não-eficiência, desenvolvendo o estudo das economiasexternas como explicação para a falha de mercado em termos de maximização de bem-estar.Pigou denominou essas economias externas de externalidades.

Portanto, as externalidades são resultados de ações de agentes econômicos, as quaisrefletem, positiva ou negativamente, no bem-estar social. Esses reflexos, quando positivos,

tendem a trazer melhorias à sociedade; contrariamente, as externalidades negativas oudeseconomias externas trazem ônus à sociedade, sem que esta seja compensada pelo mal quesuporta. Assim, as externalidades ocasionam desvios de eficiência de mercado porque inibema possibilidade dos seus preços refletirem, de modo exato, informações sobre as quantidadesque deverão ser produzidas e consumidas (PINDYCK e RUBINFELD, 1994).

Durante muito tempo, a abordagem da externalidade esteve voltada apenas para asquestões ambientais; nos últimos anos, esta tem sido empregada também em outras questõescomo a das finanças públicas, mais especificamente aquela voltada para a questão dacompetição tributária travada entre os Estados, especialmente em torno do imposto estadualsobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), que é objeto de estudo do presentetrabalho.

O fenômeno da competição tributária tem ocorrido em países federativos, sobretudonaqueles onde os governos subnacionais possuem ampla autonomia fiscal. De acordo com

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MINTZ e TULKENS (1986), a competição tributária existe quando cada governo tem a possibilidade de modificar o tamanho de sua base tributária mediante alteração de suasalíquotas em relação àquelas presentes em outras jurisdições. Visto dessa forma, a competiçãotributária pode ser entendida como um problema de externalidade.

Assim, as ineficiências geradas pela competição tributária, em relação ao Imposto

Sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias, sobre Prestação de Serviços deTransportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) são advindas deexternalidades, uma vez que o grande problema do ambiente federativo competitivo é que osestados não levam em consideração, quando decidem questões sobre política tributária, o

 benefício ou a malefício imposto a outros estados.Os estados brasileiros têm disputado entre si a recepção de novos empreendimentos,

mediante concessão de incentivos financeiros fiscais relacionados com tributação, o que vem prejudicando suas deterioradas condições financeiras.

Diante desse fato, o estudo da competição tributária, que procura enfocar a questão dasexternalidades geradas nesse processo, torna-se relevante. Isso porque, com a grandemobilidade dos fatores decorrente do processo de globalização, a competição tributária temdeixado de ser assunto interno de cada federação para atingir âmbito internacional. De fato, osagentes econômicos têm buscado beneficiar-se dos diferenciais de tributação existentes entreos diversos sistemas tributários e, com isso, têm incentivado a proliferação de áreas de regimetributário preferencial. São óbvios os prejuízos que esse tipo de jurisdição impõe sobre osdemais estados ou países, que vêem suas bases tributárias migrarem em busca de umatributação mais favorecida. Portanto, a política tributária baseada em impostos distorcivos,quando operada em ambiente federativo competitivo, gera uma série de externalidadesimpostas por determinados governos sobre outros, levando a um resultado ineficiente do

 ponto de vista econômico.Assim, este estudo objetivou elucidar as contribuições teóricas para as externalidades

geradas pela competição tributária, a partir dos conceitos básicos de finanças públicas, procurando mostrar algumas de suas conseqüências na economia brasileira.Para atingir os objetivos propostos foi feito, inicialmente, um levantamento dos

aspectos teóricos da competição tributária e do ICMS e, posteriormente, uma análise empíricada competição tributária por meio da evolução da arrecadação estadual do ICMS.

2.  Abordagens teóricas da competição tributária e externalidades

O livre mercado é o principal sustentáculo da teoria econômica neoclássica.Entretanto, em algumas vezes, o mercado não é capaz de conduzir à obtenção de eficiênciaeconômica. Nesses casos, justifica-se a intervenção do Estado na atividade econômica. De

acordo com MUSGRAVE (1980), o Estado deve desempenhar três funções básicas naeconomia: alocativa, distributiva e estabilizadora. A função alocativa consiste nofornecimento eficiente de bens públicos, enquanto a distributiva se dá com um ajuste nadistribuição de renda e riqueza, visando assegurar a distribuição que a sociedade julga justa.Por sua vez, a função estabilizadora é a ação do estado que visa manter a estabilidade dasvariáveis macroeconômicas, como níveis de emprego, de preço, balança de pagamentos e taxade crescimento aceitáveis.

Contudo, existem na literatura econômica opiniões divergentes sobre a maneira comoo Estado deve agir na economia. Uma corrente prega que a atuação do setor público deve sersemelhante à do setor privado; assim, a competição entre diferentes jurisdições promoveria aeficiência econômica. A corrente oposta afirma que essa competição entre jurisdições é umafonte de distorção econômica, já que não leva à provisão ótima de bens públicos, razão pelaqual é causa de externalidades.

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  A seguir, são expostas algumas formulações teóricas representativas dascorrentes citadas.

2.1. O Modelo de Tiebout

Segundo o modelo elaborado por Tiebout, em 1956, com base em hipóteses bastanterestritivas, a competição entre federações conduz à eficiência econômica. Muitos outrostrabalhos que comungam dessa conclusão utilizaram esse modelo como referência(VARSANO et al., 2002).

De acordo com LEMGRUBER (1999), o modelo de Tiebout pressupõe que hajagrande número de federações que competem entre si e que os agentes escolhem a federaçãoonde irão residir de acordo com suas combinações preferidas de impostos e bens públicos, deforma semelhante à escolha de uma cesta de bens no mercado privado. Assim, quando hálivre mobilidade, há migração em destino àqueles estados cujas decisões governamentaisforam tomadas eficientemente.

Dessa forma, os estados ajustariam suas estrutura de tributação e provisão de bens públicos de para atender, eficientemente, às necessidades da sociedade. Tiebout conclui que adescentralização assume o papel de “mão invisível” do setor público; assim, a competiçãointerjurisdicional traz benefícios a todas as federações.

A semelhança desse modelo com a teoria da concorrência perfeita levou Tiebout aconsiderar, em seu modelo, que as condições dos teoremas do bem-estar são satisfeitas e quenão existem falhas de mercado como externalidades. Nessa última pressuposição está uma das

 principais críticas ao Modelo de Tiebout. Além desta, estão passíveis a críticas, por não teremaderência ao mundo real, as pressuposições da existência de grande número de federações ede que essas agem como empresa maximizadoras de lucro, não sendo esse, na realidade, ofator determinante das decisões governamentais.

o  O Modelo de Gordon

Em oposição ao modelo de Tiebout, dentre a corrente que acredita que a lógica dacompetição privada não pode ser assumida pelo setor público, o modelo de Gordon tem sido

 bastante utilizado, principalmente devido ao caráter geral como o modelo trata a questão dasexternalidades advindas da competição fiscal.

A partir do modelo de Gordon (1982), os estudos sobre competição tributária passaram a ser mais realistas. Por meio de sua análise, determinam-se os tipos deexternalidades que resultam da competição entre federações descentralizadas e não-coordenadas.

As pressuposições sob as quais o modelo foi desenvolvido são:•  Existe um governo central e k governos intermediários (estados), e cada

um deles tem a competência de arrecadar impostos sobre bens, serviços e fatores de produção;

•  Os estados adotam o princípio da origem (as receitas dos tributos são doestado onde os fatores foram empregados);

•  Os agentes que compõem a economia são firmas, indivíduos e governos.Os primeiros adquirem fatores de produção, vendem bens e serviços privados,consomem bens e serviços públicos e pagam impostos. Os indivíduos vendem fatoresde produção, consomem bens e serviços públicos e privados e pagam impostos. Já o

governo arrecada impostos e provém a sociedade bens e serviços públicos;

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•  Cada firma escolhe o nível de produção que lhe proporcione o lucromáximo. O indivíduo, por sua vez, escolhe onde morar para maximizar sua utilidade,

 baseando-se em preços de bens, serviços e fatores, após o pagamento dos impostos, eno nível e quantidade de serviços públicos disponíveis;

•  Os gastos do governo com a aquisição de fatores são iguais ao montante de

impostos arrecadados (orçamento equilibrado);•  Os governos dispõem apenas de impostos distorcivos como instrumento de

 política tributária, mas visa minimizar as distorções causadas na utilidade dosindivíduos com a imposição de impostos;

•  O bem-estar social é composto pela soma das utilidades individuais;•  Os governos maximizam a função de bem-estar da sociedade sujeita à

restrição do equilíbrio orçamentário.A análise da qual modelo se propõe é realizada considerando-se dois casos, a saber:

(1) o coordenado, em que a política tributária adotada em um estado leva em consideraçãoseus efeitos na utilidade dos cidadãos dos outros estados; por isso, na função de bem-estar

social considera-se a utilidade de todos os cidadãos da federação e, na restrição, a soma doorçamento de todos os estados; (2) o não-coordenado,em que cada estado toma suas decisõestributárias sem considerar os impactos que elas provocam nos cidadãos dos outros estados;então sua função de bem-estar social soma somente as utilidades dos seus residentes e suarestrição é composta de seus gastos e receitas.

Pela maximização do bem-estar social, sujeita às restrições orçamentárias dosgovernos, o modelo identifica os efeitos da ação realizada por cada governo sobre a eficiênciaeconômica, nos casos coordenados e não-coordenados. Esses efeitos ou externalidades estãodescritos a seguir:

a)  Efeito direto sobre a arrecadação

Quando um governo reduz a alíquota de impostos, ele está aumentando a capacidadede consumo privado dos indivíduos; por outro lado, os benefícios promovidos pelo estado

 para a sociedade são reduzidos.Se as políticas tributárias adotadas pelos governos ocorressem de forma coordenada,

os custos e benefícios seriam internalizados. Caso contrário, os indivíduos não residentes emum estado se beneficiariam com a redução de impostos sem compensar os residentes por isso.Os residentes subsidiariam os não-residentes por meio da exportação de tributos.

 b)  Efeito distributivoA redução de impostos sobre bens ou fatores provoca efeitos na renda dos indivíduos,

causando uma redistribuição de renda. Esses efeitos são diferenciados entre os grupos sociaisdistintos, podendo privilegiar alguns grupos em detrimento de outros.

 No caso coordenado, esses efeitos são internalizados; entretanto, no caso não-coordenado, a competição entre os estados provoca o deslocamento dos fatores móveis,geralmente pertencentes aos indivíduos mais ricos. Assim, trabalhadores menos qualificados e

 proprietários de terra e imóveis, por não terem opção de deslocamento em busca de tributosmenores, suportam a carga tributária do estado que não tivesse suas alíquotas reduzidas.Dessa forma, a redução da tributação beneficiaria os indivíduos mais ricos em detrimento dosmais pobres, proprietários de fatores imóveis. Como resultado, haveria uma redistribuição darenda.

c) 

Efeito congestionamento

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Por meio da alteração de tributos, um estado tem o poder de expulsar ou atrairindivíduos e atividades para sua jurisdição. Os indivíduos que permanecem no estado queapresentaram redução em suas alíquotas terão disponíveis bens públicos como ruas, hospitaise escolas mais congestionado, e assim obterão diminuição da qualidade de vida. No caso não-coordenado, há benefício para os não-residentes que são afetados por uma externalidade

 positiva, tendo elevação da qualidade de vida pelo efeito do descongestiomento de seus bens públicos.

d)  Efeito indireto sobre a arrecadaçãoAlterações no consumo dos indivíduos ocorrem quando há alguma mudança na

 política tributária, ou seja, se um estado diminuísse seus impostos, os seus residentes etambém os não-residentes ajustariam seus consumos a essa nova tributação. Tal fato causariaum deslocamento da demanda de outros estados para esse, reduzindo a arrecadação tributáriados primeiros.

Coordenadamente, os ganhos e perdas seriam computados. Entretanto, de forma não-coordenada, o estado que reduziu os tributos só enxergaria os ganhos que obteve, e osestados que tiveram suas demandas deslocadas em busca de alíquotas só enxergariam suas

 perdas.

e)  Efeito indireto sobre os gastos públicosHavendo mobilidade dos fatores, o estado que reduziu sua tributação atrairia a oferta

dos fatores de outros estados. Com o aumento da oferta, esses fatores teriam seus preçosreduzidos. Uma vez que o setor público é demandante de fatores de produção, seu dispêndiocom esses fatores se reduzirá. Para o caso coordenado será considerada a externalidadenegativa, que se dá com a perda que os outros estados têm com a redução da oferta de fatorese conseqüente elevação nos preços e nos seus gastos.

f)  Efeito sobre os termos de trocaEsses efeitos mensuram o impacto gerado pela alteração na alíquota sobre os preços de

 bens e fatores pré-imposto e nas rendas pré-imposto da sociedade. No caso não-coordenadoalguns agentes ganham, a custas de outros, com a competição tributária no curto prazo, pois,no longo prazo, as renda privada se anula devido à hipótese de lucro zero, no longo prazo, daconcorrência perfeita. Para o caso coordenado, mesmo no curto prazo, a soma dos impostossobre a renda privada de toda a federação é

3. Concepção teórica do ICMS

A teoria da tributação defende que um sistema tributário, para ser considerado ideal,deve atender aos princípios de eqüidade, progressividade, simplicidade e neutralidade. Aeqüidade consiste em impor a cada contribuinte uma parcela justa da carga tributária dasociedade. A subjetividade do termo “justo” é amenizada pela utilização do princípio do

 beneficio, em que cada indivíduo contribui, proporcionalmente, para os benefícios gerados pelo consumo de bens públicos; pelo princípio da capacidade de pagamento, contribuintescom a mesma capacidade de pagamento devem pagar o mesmo nível de imposto, assim,quanto maior a capacidade de pagamento, maior a contribuição do indivíduo. Baseado nesseúltimo, também, está o princípio da progressividade, que significa uma razão tributo rendacrescente. O princípio da simplicidade está relacionado com a facilidade da operacionalizaçãoda cobrança do tributo, ou seja, o imposto deve ser de fácil entendimento, seja para quem vai

 pagá-lo, arrecadá-lo e fiscalizá-lo (GIAMBIAGI e ALÉM, 2000).

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O princípio da neutralidade é o mais relevante neste estudo, por estar relacionado como conceito de eficiência econômica. Um imposto neutro é aquele que não interfere nasdecisões de alocação de recursos. Essas decisões são consideradas eficientes quando baseadasnos preços relativos determinados pelo mercado. Se a tributação alterar os preços relativos,haveria uma distorção na alocação dos recursos e, assim, redução no nível geral de bem-estar

social (SILVA, 1983).Convém ressaltar que a aplicação do imposto neutro é válida quando a economia se

encontra eficiente no sentido de Pareto. Caso contrário, como já mencionado, havendo falhasde mercado como externalidades, é a intervenção do governo que pode conduzir à obtençãoda eficiência.

O Imposto sobre Valor Adicionado – IVA – é um imposto neutro e, por isso, éconsiderado o mais eficiente imposto sobre vendas. O IVA incide sobre o valor acrescido ao

 produto em cada estágio de venda, diferentemente do imposto em cascata, cuja base detributação é o valor total do produto em todas as etapas de produção e distribuição. Aexplicação didática que SANDRONI (1999) expõe ao mecanismo do IVA é: “o imposto é

cobrado em cada Estado da federação, por ocasião da primeira operação de venda de uma

mercadoria. Nas etapas subseqüentes da circulação dessa mercadoria, o tributo incide

apenas sobre o valor acrescentado em relação à operação anterior ”.Além da neutralidade, SILVA (1983) cita a vantagem de o IVA não afetar a posição

de competição inter-regional de uma indústria. Isso ocorre, pois o IVA é uma proporçãoconstante do valor adicionado em cada estágio da atividade econômica; assim, é uma

 proporção constante do valor adicionado total, não variando a condição de competitividade deuma indústria pela aplicação do imposto. O autor menciona também a vantagem do IVA denão concentrar a carga tributária em um único estágio. Como todos os estágios são tributadosisso evita também a transferência de funções entre estágios, o que poderia trazer, comoconseqüências, distorções na atividade econômica.

GIAMBIARGI e ALÉM (2000) apontam, ainda, a vantagem do IVA de dificultar aevasão fiscal, pois a receita da incidência do imposto é maior nos estágios pré-varejistas, quesão de mais difícil evasão. Assim, mesmo que haja evasão no estágio de venda a varejo, que éde difícil fiscalização, parte significativa da arrecadação já terá sido realizada. Outro ponto

 positivo do IVA é seu caráter autofiscalizado. Como o imposto incide sobre a diferença entreos preços de compra e de venda, a empresa compradora não será impulsionada a subfaturarsuas notas fiscais quando for repassar o produto para o estágio subseqüente, da mesma forma,agirá a empresa vendedora.

O ICMS, um dos principais impostos sobre vendas utilizado no Brasil, emprega ocritério do IVA para apuração da base de cálculo do imposto, mas difere quanto a outrascaracterísticas.

O antecessor do ICMS foi o ICM –Imposto sobre Circulação de Mercadoria –introduzido em 1967 em substituição ao Imposto sobre Vendas e Consignações –IVC.Quando da sua criação, o ICM foi considerado um imposto adequado às peculiaridades dasunidades federativas brasileiras e logo se transformou no principal instrumento dearrecadação estadual.

O ICM tinha duas características básicas: primeira, ser um imposto nacional comalíquotas intra e interestaduais fixadas pelo Senado Federal; segunda, ser um imposto sobre

 produto, com presumida neutralidade fiscal.De acordo com VARSANO (1994), o ICM assumiu características e distorções em seu

 princípio básico de neutralidade fiscal e nos seus métodos de cobrança no decorrer de suaimplementação. Ao isentar os bens de capital, o ICM passou a ser um imposto sobre oconsumo, e o princípio de origem e destino passou a ter um tratamento ad hoc, ao se tratar detransações internas interestaduais e operações de comércio exterior. Finalmente, a base de

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incidência, que era fundamentalmente centrada no valor adicionado, passou a ser deterioradaao permitir a exclusão de grande número de produtos e admitir exceções de caráter regional.Com isso, o ICM tornou-se um dos mais importantes tributos do país.

A reforma constitucional de 1988 trouxe alterações no sistema tributário, que visavam buscar a descentralização do sistema como um todo, proporcionando maior autonomia aos

governos locais. No caso do ICM, a sua base de incidência foi ampliada com a incorporaçãodos impostos únicos preexistentes e dos tributos sobre serviços, passando então o imposto adenominar-se ICMS. Ao Senado Federal, foi conservada a atribuição de determinar o teto e o

 piso das alíquotas interestaduais.

4. Análise empírica da competição tributária

Embora não seja um fato recente, a competição entre os estados começou a ser maisvisível no início da década 90, como resultado da reforma constitucional de 1988, quedelegou aos estados e municípios maior poder decisório sobre suas receitas tributárias. Oexame da evolução da arrecadação do ICMS, no período de 1990 a 2002, permite avisualização dos efeitos da reforma constitucional de 1988.

A Tabela 1 apresenta as taxas geométricas anuais de crescimento da arrecadação doICMS, marcada por intervenções econômicas e regimes monetários, conjugados com planosde estabilização que tiveram pouco sucesso. A estabilidade de regras, requisito tão importante

 para a consolidação e êxito de qualquer regime tributário, pouco existiu. No período de 1990 a 1992, foi observado crescimento anual de 202,87% na

arrecadação do ICMS no Brasil, crescimento também verificado em todas as regiões brasileiras nesse período de consolidação da disputa fiscal. A intensidade de crescimento foihomogênea nessa fase, já que a região que obteve maior taxa de crescimento anual foi oCentro-Oeste do país, com 209,84%, seguido das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, com

207,15%, 203,34% e 203,32%, respectivamente. A taxa de crescimento anual da arrecadaçãodo ICMS da região Norte ficou abaixo destas, mas foi também bastante significativa, igual a169,50%.

Entretanto, a partir desse período começou a emergir a tentativa dos estados de reduzirsuas relativas desvantagens competitivas por meio da competição fiscal. Esse comportamentoé natural dadas as desigualdades da distribuição de fatores de produção existentes no Brasil.Assim, os estados, ao terem a oportunidade de utilizar políticas fiscais para atrairinvestimentos privados, buscaram posicionar seus retornos marginais do capital privadoacima daqueles níveis definidos pelas condições de livre mercado.

Ao perceber os retornos positivos da isenção ou redução tributária sobre a arrecadaçãoocorrida nesse curto prazo, a disputa entre os estados tornou-se mais acirrada e as concessões

de benefícios oferecidas pelos estados, para atrair investimentos privados, foramsubstancialmente elevadas. Nos esforços dos estados para atrair investimento e gerarempregos incluía também a concessão de incentivos creditícios. Além da política queutilizava o ICMS, os estados passaram a ceder terrenos e instalações, financiar infra-estrutura,reduzir outros impostos como o IPTU, e até mesmo tornarem-se acionistas das empresas

 privadas instaladas nas suas jurisdição (www.pnbe.org.br).Dessa forma, um governo não pode permanecer passivo em face à concessão de

 benefícios por parte de outros governos. Pois, se determinado governo não conceder isençõesem um montante que venha a contrabalançar as concessões dos outros estados, perderá achance de implantar novas empresas em seu estado.

Como pode ser observada na Tabela 1, a taxa de crescimento anual da arrecadaçãodesse imposto, no período de 1990 a 1995, foi negativa para todos os estados brasileiros.Também nesse período, o decréscimo deu-se de forma homogênea com o Brasil, que obteve

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uma redução anual de 74,69% na arrecadação do ICMS, e nas regiões do país essas taxasobservadas foram aproximadamente equivalentes.

Tabela 1 – Taxas geométricas de crescimento da arrecadação do ICMS, 1990- 2002

Estados 1990/1992 1993/2002 1990/1995 1990/2002Região Norte 169,50 -4,18 -74,78 -42,55Acre 173,99 1,70 -74,24 -39,37Amazonas 148,97 -5,20 -74,66 -43,70Pará 179,02 -4,27 -74,86 -42,25Rondônia 173,20 -4,34 -75,70 -42,40

Amapá 208,12 -0,75 -73,94 -40,60Roraima 203,65 -1,74 -74,55 -40,78Tocantins 244,69 -2,19 -73,79 -39,41Região Nordeste 207,15 -5,16 -74,49 -42,30Maranhão 227,26 -9,34 -74,41 -43,99Piauí 213,29 -4,69 -73,80 -41,67Ceará 213,34 -4,56 -73,92 -41,65Rio Grande do Norte 188,18 0,35 -74,34 -40,61Paraíba 197,73 -2,83 -74,13 -41,71Pernambuco 198,03 -5,42 -74,91 -42,83Alagoas 195,41 -4,11 -75,06 -43,00Sergipe 202,55 -4,14 -74,41 -41,99Bahia 212,43 -6,15 -74,57 -42,42Região Sudeste 203,34 -7,35 -74,68 -43,32Minas Gerais 216,31 -7,64 -74,37 -43,08Espírito Santo 212,07 -4,78 -72,80 -42,13Rio de Janeiro 219,44 -6,87 -74,54 -42,72São Paulo 195,95 -7,56 -74,89 -43,60Região Sul 203,32 -7,00 -74,85 -43,17

Paraná 202,36 -6,24 -74,92 -43,01Santa Catarina 197,22 -5,64 -74,66 -42,83

Rio Grande do Sul 206,72 -8,15 -74,90 -43,45Região Centro-Oeste 209,84 -5,15 -74,74 -42,25

Mato Grosso 207,12 -4,43 -74,17 -41,72Mato Grosso do Sul 235,68 -8,50 -75,43 -43,43Goiás 204,00 -4,88 -75,13 -42,58Distrito Federal 193,32 -3,14 -73,86 -41,02Brasil 202,87 -6,72 -74,69 -43,05

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras com base nos dados do IPEA.

Ao analisar o período de 1990 a 2002, constata-se que a arrecadação do ICMS anual,

no período, foi negativa em todos os estados brasileiros, o que mostra que o crescimentoinicial não compensou a tendência de queda ocorrida a partir do aquecimento da disputa entre

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Por último, vale a pena salientar que a ineficiência econômica, em relação à decisão daalíquota de ICMS e dos incentivos concedidos por determinado estado, não leva em conta o

 prejuízo que sua imposição gerará no Estado vizinho. Isso implicaria, dentre outros efeitos,uma oferta de bens públicos abaixo do socialmente desejável, dado que existem custos sociaisignorados em sua decisão, além de não existir um mercado para a externalidade gerada pelo

estado.

5. Considerações finais

A conclusão principal deste trabalho é de que os estados brasileiros optaram por uma política de atração de investimentos via guerra fiscal, em detrimento de uma política fiscalque propiciasse o saneamento de suas finanças. Tal política foi implementada por meio de

 benefícios fiscais baseados no ICMS e em concessões de crédito. Assim, o ICMS perdeu suavitalidade como tributo neutro incidente sobre o valor adicionado.

A concessão indiscriminada de isenções fiscais, combinadas com generosas linhas decrédito subsidiado, impediu o crescimento da arrecadação do ICMS e tornaram extremamentecomplexas quaisquer estimativas de seus custos reais.

A generalização das concessões fiscais anulam o caráter seletivo que, a princípio,deveria ter, e não contemplam, na maioria dos estados, as vantagens locacionais existentes,

 bem como as dotações de recursos disponíveis em nível estadual.A competição tributária cria conflitos entre as unidades da federação, e seus resultados

tendem a contrariar objetivos de políticas nacionais que visam ao desenvolvimento regionalou à desconcentração da produção, já que, com o aumento das renúncias fiscais, os estados demenor poder financeiro perdem a capacidade de prover bens públicos necessários para

 produção e comercialização. Dessa forma, os estados mais desenvolvidos acabam vencendo acompetição tributária, por serem capazes de suportar o ônus das renunciais e, ainda, assegurar

razoável qualidade dos serviços públicos.Além dos incentivos concedidos às empresas que queiram se instalar em determinadoestado, tem-se também o diferencial de alíquotas cobrado por eles, com vistas em proteger sua

 produção e a empresa local, mas que, por outro lado, acaba impondo um aumento da alíquotado ICMS, o que tem contribuído para a ampliação da economia informal e para a sonegaçãode impostos, reduzindo ainda mais a arrecadação.

Conclui-se, portanto, que no processo de competição tributária, os estímuloseconômicos que pautam o comportamento de cada um dos governos estaduais provocamações cujo resultado é indispensável ao país. Se todos os estados parassem de concederincentivos, todos ganhariam, mas, se um estado se abstiver de tal política e os demaiscontinuarem a praticá-la, ele perderia. Assim, todos os estados acabam participando dessa

guerra fiscal.Pelos fatos elucidados neste trabalho, percebe-se que se está diante de um jogo entre

os estados, onde cada um escolhe suas ações de modo a obter maior benefício para si mesmo,não se importando como suas ações vão afetar o seu vizinho e a nação, pois o que está

 predominando é a não-cooperação. Portanto, torna-se necessária maior coordenação por partedo governo nacional, impondo limites precisos para as ações dos governos na área deincentivos fiscais, alterando a sinalização econômica percebida por eles para evitar que suasações individuais não contrariem o interesse nacional.

6. Referências bibliográficas

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