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8 MÓDULO BIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO Coordenação – Professor Marco Antonio Mello Guimarães Ementa A disciplina trata da análise das modificações funcionais, celulares e moleculares relacionadas ao envelhecimento cronológico no ser humano e em modelos experimentais pertinentes. Será dada ênfase a aspectos relacionados com resposta imune e inflamatória, variação em susceptibilidade à neoplasia, diabetes mellitus e aterosclerose. Conteúdo programático e docentes Teorias biológicas do envelhecimento Marco Antonio Mello Gui- marães. Médico, professor adjunto do Departamento de Patologia e Laboratórios da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ e coordenador de Ensino do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas/ UERJ, pós-doutor em Bioquímica e Biologia Molecular pela Monash University, Austrália. Imunosenescência: alterações na atividade do sistema imunológico provocadas pelo envelhecimento Danuza Esquenazi. Bióloga, professo- ra assistente da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ e pesquisadora assistente do Instituto Oswaldo Cruz/ Fiocruz, mestre em Ciências pelo Instituto Oswaldo Cruz/ Fiocruz. A aterosclerose e suas implicações no envelhecimento Ana Maria Freire Tovar. Médica, professora adjunta aposentada do Departamento de Patologia da UFF e professora associada do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, doutora em Patologia – Patologia Experimental – pela UFF. Câncer e envelhecimento Maria Helena Faria Ornellas de Souza.

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8MÓDULO

BIOLOGIA DO ENVELHECIMENTOCoordenação – Professor Marco Antonio Mello Guimarães

EmentaA disciplina trata da análise das modificações funcionais,

celulares e moleculares relacionadas ao envelhecimento cronológico noser humano e em modelos experimentais pertinentes. Será dada ênfasea aspectos relacionados com resposta imune e inflamatória, variação emsusceptibilidade à neoplasia, diabetes mellitus e aterosclerose.

Conteúdo programático e docentesTeorias biológicas do envelhecimento – Marco Antonio Mello Gui-

marães. Médico, professor adjunto do Departamento de Patologia eLaboratórios da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ e coordenadorde Ensino do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas/ UERJ,pós-doutor em Bioquímica e Biologia Molecular pela Monash University,Austrália.

Imunosenescência: alterações na atividade do sistema imunológicoprovocadas pelo envelhecimento – Danuza Esquenazi. Bióloga, professo-ra assistente da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ e pesquisadoraassistente do Instituto Oswaldo Cruz/ Fiocruz, mestre em Ciências peloInstituto Oswaldo Cruz/ Fiocruz.

A aterosclerose e suas implicações no envelhecimento – Ana MariaFreire Tovar. Médica, professora adjunta aposentada do Departamento dePatologia da UFF e professora associada do Instituto de Bioquímica Médicada UFRJ, doutora em Patologia – Patologia Experimental – pela UFF.

Câncer e envelhecimento – Maria Helena Faria Ornellas de Souza.

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Médica, professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas/ UERJ epesquisadora do Centro Nacional do Transplante de Medula Óssea, Ins-tituto Nacional do Câncer, doutora pela Universidade Federal Fluminense.

Diabetes mellitus no idoso – Maria Luiza de Lima Aguilar Fernandes.Médica, professora adjunta de Patologia Geral e coordenadora da disciplinade Patologia Geral da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, doutora emClínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas/ Unicamp.

Ementas Teorias biológicas do envelhecimento – Marco Antonio Mello

GuimarãesSão apresentadas propostas teóricas para explicar o inevitável en-

velhecimento no plano celular e molecular no homem e em modelosexperimentais. Abordagem mais detalhada do papel dos radicais livres eda senescência de células em cultura.

Imunosenescência: alterações na atividade do sistema imunológicoprovocadas pelo envelhecimento – Danuza Esquenazi

São abordados parâmetros de resposta imune no envelhecimentofisiológico e nos processos patológicos relacionados com a idade. Sãodiscutidas as teorias imunológicas do envelhecimento e exemplificadosos processos imunogerontológicos nos quais mudanças progressivas nofuncionamento de todos os órgãos do corpo levam à queda na qualidadede vida, à incapacidades funcionais e ao aumento da susceptibilidade ainfecções, tumores e doenças degenerativas.

A aterosclerose e suas implicações no envelhecimento – AnaMaria Freire Tovar

A aterosclerose é a principal causa dos altos índices mundiais demortalidade por doença cardiovascular. Neste tópico, são abordados as-pectos relacionados ao processo aterogênico e às estratégias usualmenteempregadas na prevenção de suas complicações.

Câncer e envelhecimento – Maria Helena Faria Ornellas de SouzaO envelhecimento é o fator de risco demográfico mais importante

para o câncer no ser humano. Vias implicadas no envelhecimento e nocâncer. Aspectos celulares e aspectos moleculares. Telômero e telomerase.

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Diabetes mellitus no idoso – Maria Luiza de Lima Aguilar FernandesDefinição de diabetes mellitus. Classificação. Etiopatogenia. Sinto-

mas clínicos no idoso. Diagnóstico. Sinalização da insulina e sua impor-tância no envelhecimento e no Sistema Nervoso Central.

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Pela lógica da seleção natural, envelhecemos após o perío-do reprodutivo, garantida com isto a perpetuação da espécie. Esta teo-ria, nem qualquer outra, pode ser aceita como a verdadeira e únicarazão para envelhecermos. Envelhecemos porque nossas células envelhe-cem; com elas, os tecidos e o conseqüente mau funcionamento dosórgãos. É um processo inexorável, comum a todos os seres vivos. Se todasas causas principais de morte fossem retiradas, a expectativa de vidacontinuaria praticamente fixa.

Durante a primeira metade do século XX, acreditava-se na imor-talidade celular, o envelhecimento seria causado somente por eventosextracelulares. Portanto, a origem do envelhecimento não estaria nointerior das células. Naquela época, dizia-se que células deixadas emcultura eram imortais, desde que fornecidos todos os ingredientes ne-cessários à sua sobrevivência.

Somente após o clássico trabalho de Leonard Hayflick e PaulMoorhead, no início da década de 1960, soubemos que células normaistinham uma capacidade limitada de se dividirem. Os fibroblastos se di-vidiam em torno de 50 vezes para, em seguida, entrar em um estado desenescência. Então, nossas células envelhecem após número limitado dedivisões, e este fenômeno é hoje conhecido como Limite de Hayflick.

Apesar do crescente entendimento do que se passa no plano celularquando envelhecemos, a complexidade do assunto faz com que surjamnovas teorias à medida que hipóteses são testadas. Existem várias propostasteóricas que tentam explicar o inevitável envelhecimento no plano celularou molecular, na tentativa de entendimento deste complexo processo.

Envelhecemos por vários motivos, divididos em duas grandes cate-gorias: estocásticas e genéticas.

AULA 1

TEORIAS BIOLÓGICAS DOENVELHECIMENTOMarco Antonio Mello Guimarães

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Teorias biológicas do envelhecimento

Teorias estocásticas

Teorias Descrição

Radicais livres O metabolismo celular produz radicais deoxigênio altamente reativos que danificamlipídeos, proteínas e o DNA.

Erro catastrófico Acúmulo de proteínas alteradas aleatoriamentedecorrentes da incapacidade de ativação dosmecanismos de reparo do DNA.

Mudanças pós-tradução em proteínas Alterações qualitativas na tradução deproteínas geram mudanças funcionais eestruturais.

Mutações somáticas e reparo do DNA Mutações somáticas durante a vida produzemalteração da informação genética, com reduçãoda eficiência da célula a um nível incompatívelcom a vida.

Teorias genéticas

Teorias Descrição

Telomérica/ Senescência celular Fenótipos de envelhecimento são causados peloaumento na freqüência de células senescentes,resultado do encurtamento do telômero –senescência replicativa.

Imunológica O declínio de função imune com oenvelhecimento resulta na diminuição daincidência de infecções e aumento de doençasauto-imunes.

Regulação gênica Envelhecimento é causado por alteração naexpressão de genes que regulam ambos,desenvolvimento e envelhecimento.

Neuroendócrina Alterações na produção de hormônios queregulam a homeostasia resultam nas mudançasfisiológicas relacionadas ao envelhecimento.

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As teorias estocásticas são conseqüentes a reações aleatórias, causa-das por danos que se acumulam no organismo durante a vida. Nestecaso, podemos definir envelhecimento como um processo estocásticoque ocorre após a maturação reprodutiva e resulta da diminuição deenergia disponível para manter a fidelidade molecular. Já as teoriasgenéticas são resultantes de um processo programático, que sucede odesenvolvimento embrionário e o crescimento.

Envelhecemos porque nossos constituintes, tanto intra comoextracelulares, já não funcionam da mesma forma. Trabalham mais len-tamente, erram mais do que no passado, livram-se com maior dificulda-de de seus erros ou os degradam mais lentamente. São inúmeras reaçõesque acontecem a todo instante, e é necessário que ocorram de formasincronizada, compassada e ritmada, para que não tenhamos excesso deprodutos alterados ou com defeitos. Logicamente, vez por outra, algo saierrado e este erro pode se acumular, lesar ou estimular, de maneirainadequada, células ou moléculas, ou ambos. Este crescente acúmulo dedefeitos pode, por exemplo, ser responsabilizado pelo progressivo enve-lhecimento que experimentamos após a idade reprodutiva.

A hipótese do dano oxidativo é conhecida desde a década de1950, a partir dos trabalhos de Harman e colaboradores. Em 1956, elespropõem a Teoria dos Radicais Livres, ao verificarem que radicais deoxigênio eram formados pela irradiação, pela dissociação das moléculasde água. Observaram que o tempo de sobrevivência de camundongosirradiados era maior quando estes eram alimentados com dieta comcompostos que os protegiam da radiação.

A Teoria dos Radicais Livres atualmente tem sido muito estudada eaceita pela grande maioria dos pesquisadores. Reações metabólicas liberam,além de energia e outros componentes essenciais, radicais reativos de oxi-gênio ou nitrogênio. Estes radicais iniciam o acúmulo progressivo de desor-dens funcionais e estruturais associadas ou responsáveis pelo processo deenvelhecimento, como, por exemplo, a síntese de proteínas alteradas.

A caracterização de doenças humanas associadas com envelheci-mento prematuro, os estudos de senescência de células animais emcultura, assim como a identificação de controle genético da expectativade vida em organismos invertebrados, respaldam as teorias genéticas.

A senescência celular in vitro pode ser explicada pela presença dostelômeros, estruturas nucleoprotéicas que possuem função crítica naproteção das extremidades dos cromossomos. São considerados como

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nosso relógio biológico, e determinam a vida útil da célula. O tamanhodo telômero se relaciona ao número de divisões celulares e depende datelomerase – transcriptase reversa –, compreendida em uma subunidadecatalítica e um componente de RNA.

O interesse pelo estudo do envelhecimento, pelos mais diversospontos de vista, tem crescido acentuadamente nos últimos anos, impul-sionado pelo envelhecimento da população em todo o mundo. Entre-tanto, se levarmos em consideração a dimensão de nosso ser e amultiplicidade de funções desempenhadas, a pesquisa laboratorial relacio-nada ao envelhecimento tem necessariamente que envolver pesquisadoresdos mais diversos setores do conhecimento. Tal fato ressalta o carátermultidisciplinar dos estudos sobre envelhecimento, mesmo no campo bioló-gico. Portanto, uma vez que se trata de um processo complexo e multifatorial,sua explicação requer a integração de vários modelos e teorias.

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Fatores inerentes ao processo do envelhecimento deter-minam um limite na duração da vida. Quando a homeostase é perdida,decresce a adaptabilidade do indivíduo ao estresse interno e externo eaumenta a susceptibilidade a doenças. O sistema imune se mantém comonosso principal “escudeiro” na defesa contra essas doenças, e suas célulase mediadores interagem continuamente. Porém, apesar de sua enormeplasticidade e capacidade de renovação, mesmo em indivíduos idosos, jáque novas células de defesa são geradas a cada dia, os mesmos mecanis-mos biológicos que fazem com que células percam atividade funcional emorram também afetam aos órgãos linfóides.

A principal característica do sistema imunológico é a sua grandeespecificidade e capacidade de reconhecer e reagir aos mais variadostipos de agentes endógenos ou exógenos. A sensibilidade do reconheci-mento faz com que mesmo uma pequena quantidade de antígeno ativeo sistema. A diversidade garante a eficácia na proteção contra milharesde microorganismos diferentes e a aquisição da memória imunológicapermite que a resposta a algum agente infeccioso volte a ocorrer, mes-mo após um longo período sem contato com ele.

A Teoria Imunológica do Envelhecimento postula que as funçõesdo sistema imune são programadas geneticamente para diminuir ao longodo tempo, o que leva a uma maior vulnerabilidade a doenças. Comefeito, o processo de envelhecimento modifica progressivamente o funcio-namento de todos os órgãos do corpo e leva à queda na qualidade de vida,à incapacidades funcionais e ao aumento da susceptibilidade a infecções,tumores e doenças degenerativas. Dentro dessa complexa alteração corpo-ral, a imunosenescência é uma das mais representativas causas das alteraçõesobservadas em praticamente todas as patologias que acometem os idosos.

AULA 2

IMUNOSENESCÊNCIA: ALTERAÇÕES NAATIVIDADE DO SISTEMA IMUNOLÓGICOPROVOCADAS PELO ENVELHECIMENTODanuza Esquenazi

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O evento central crítico para a imunosenescência é a involução dotimo, em conseqüência de um processo degenerativo normal observadodesde a puberdade. A atrofia do órgão ocorre paralelamente a umainibição na produção dos hormônios tímicos, a partir da diminuição dosníveis do hormônio do crescimento, o que leva à queda na secreção detimulina e de IL-7, e à redução da população e da diferenciação delinfócitos T virgens e da expressão dos receptores de linfócitos T (TCR).

Fatores psicossociais – estresse, depressão, ansiedade –, as altera-ções do ciclo circadiano – modificações no sono, redução da reservafuncional – e fatores neuroendócrinos – diminuição na produção dehormônios neurotransmissores e neuropeptídeos – estão associados commorte de linfócitos e diminuição da amplitude de parâmetros imunitáriosno envelhecimento. Trabalhos que relacionam parâmetros de resposta imu-ne com depressão têm demonstrado que a grande maioria de pacientesgeriátricos portadores de depressão severa apresenta produção aumentadade mediadores inflamatórios e de auto-anticorpos, o que leva a um maioracometimento de inflamações crônicas e doenças auto-imunes.

Dentre os resultados recentes de estudos imunológicos em idososdeprimidos, destaca-se a formação acelerada da placa ateromatosa de-corrente da diminuição na expressão de receptores TOLL em macrófagos,um evento relacionado com efetuação da imunidade inata. As principaisinfluências das alterações observadas no eixo neuroimuno-endócrino sobreo envelhecimento estão relacionadas na Tabela 1.

Tabela 1 Alterações hormonais no envelhecimento e modificações nosparâmetros de resposta imune

Hormônios Função imuneAumento de glicocorticóide Aumento de TNF-α e IL-6, diminuição da função NK,

queda do número de receptores de linfócitos T (TCR).Diminuição de melatonina Diminuição da produção de IL-2 e IFN-γ por linfócitos

T CD4+.Diminuição do hormônio do Diminuição de IGF-1, atrofia tímica, redução decrescimento linfócitos B.Diminuição de d-hidro- Diminuição na produção de IFN-γ e aumento nos níveisepiandrosterona (DHEA) de IL-6 e IL-10; sua queda leva a um aumento de

cortisol, que induz à produção de TGF-β.Diminuição de ACTH Apoptose de timócitos, aumento na produção de IL-1.Diminuição de estrogênio Atrofia tímica e apoptose de timócitos, alteração no

rearranjo de receptores de linfócitos T (TCR).

Diminuição de testosterona Atrofia tímica e apoptose de timócitos.

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No final do século passado surgiu a “hipótese inflamatória” paraexplicar diferenças nas alterações do sistema imune observadas nos ido-sos. Essa conjetura toma por base a origem de várias patologias relacio-nadas com o envelhecimento após exposição prévia a agentes infecciosose outras fontes geradoras de respostas inflamatórias, inclusive as ambientais,em fases mais precoces da vida, e também a forma como o organismo decada indivíduo reage a elas.

A demonstração de polimorfismos em genes envolvidos com medi-adores inflamatórios, como as citocinas, sugere que uma maior ou menorindução na produção, tanto de citocinas pró (IL-1, IL-6, IFN-γ, TNF-α)quanto de anti-inflamatórias (IL-4, IL-10), podem realmente afetar aexpectativa de vida de cada indivíduo pela influência no tipo de respos-ta contra os mais diversos agentes agressores. Indivíduos geneticamentepredispostos a uma resposta inflamatória de baixa intensidade possuemmaior chance de sobreviver por mais tempo. Por outro lado, indivíduosque apresentam um background genético propício a longos períodos deativação imunológica constante, principalmente na infância e na juven-tude, têm menor expectativa de vida pelo acometimento de doençasrelacionadas com o envelhecimento.

Assim, os polimorfismos genéticos responsáveis por baixos níveis derespostas inflamatórias podem auxiliar o organismo a controlar aaterogênese e as complicações subseqüentes à aterosclerose. Por outrolado, a secreção aumentada de citocinas pró-inflamatórias, especialmen-te TNF-α, IL-1β e IFN-γ, está envolvida na imunopatogênese da Doençade Alzheimer, por induzir aumento na produção do peptídeo β-amilóidee, conseqüentemente, na neurodegeneração. Ainda a respeito do TNF-α, foi demonstrado que a produção aumentada dessa citocina emidosos induz à secreção de auto-anticorpos, e é indicativa de processoinflamatório ligado a doenças auto-imunes relacionadas com o enve-lhecimento.

Com relação às doenças infecciosas, a morbidade e a mortalidadesão maiores em idosos em conseqüência das alterações imunológicas queos tornam mais susceptíveis a elas. Isto é particularmente mais evidentequando novos patógenos surgem, como no caso da SARS, mas tambémé comumente observada nos resfriados comuns. A diminuição na fre-qüência de linfócitos T virgens é o evento inicialmente responsável pelareduzida resposta imune celular efetora contra um determinadomicroorganismo.

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Além disso, devido à senescência celular, mesmo após o contatocom algum agente infeccioso, pode ocorrer a seleção de clones menoseficientes, o que resulta em conseqüências patológicas distintas do agen-te em questão. Nesses casos, a imunosenescência não-somente contribuipara a diminuição da defesa contra doenças infecciosas no envelheci-mento como também ela mesma pode ser substancialmente causada poragentes infecciosos.

Tomados em conjunto, os dados analisados aqui sugerem que aimunosenescência é secundária a numerosos fatores, como declíniohormonal, estresse, e especialmente a involução tímica. Porém, a redu-ção do repertório imunológico relacionada com a idade parece ser com-pensada por uma adaptação na defesa inespecífica, que direciona osistema imune a efetuar somente respostas potencialmente menos infla-matórias. Em outras palavras, uma resposta imune eficaz nos idosos vaidepender diretamente do equilíbrio entre os efeitos benéficos e malé-ficos das respostas inflamatórias. E, finalmente, a intensidade das infla-mações ocorridas ao longo da vida parece ser determinante para ahomeostase da imunosenescência.

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O grupo das doenças cardiovasculares constitui a principalcausa de morte no mundo. Dentro desse grupo, a doença coronarianae o acidente vascular cerebral lideram essa estatística e são responsáveispor cerca de 75% das mortes decorrentes de doença cardiovascular. Oenvelhecimento, per se, é um fator de risco para as doenças cardiovascu-lares. E se observa um aumento acentuado da taxa de mortalidade pordoença coronariana e acidente vascular cerebral após a quarta e quintadécadas de vida.

Alterações “fisiológicas”, inerentes ao processo de envelhecimento,poderiam contribuir no agravamento das doenças cardiovasculares como avançar da idade. Entretanto, as duas doenças que lideram o índice demortalidade no grupo das doenças cardiovasculares são principalmentedecorrentes do comprometimento da parede arterial por um tipo delesão conhecida como aterosclerose.

A idade é um fator de risco isolado para a aterosclerose dentro dogrupo de fatores não modificáveis, no qual também se encontra a histó-ria familiar. Quanto aos fatores de risco independentes potencialmentemodificáveis, destacamos quatro reconhecidos como principais: ahipercolesterolemia, a hipertensão, o tabagismo e o diabetes. Apesar daaterosclerose ser associada como uma doença de pessoas idosas, na rea-lidade são suas manifestações clínicas que ocorrem após a terceira equarta décadas de vida, mas as lesões podem estar presentes desde ainfância.

A aterosclerose é caracterizada por lesão conhecida como ateromaou placa fibrogordurosa, constituída por uma capa de tecido conjuntivodenso entremeado com células musculares lisas, que encobre um núcleolipídico e debris necróticos. O depósito lipídico tem sua origem no

AULA 3

A ATEROSCLEROSE E SUASIMPLICAÇÕES NO ENVELHECIMENTOAna Maria Freire Tovar

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colesterol plasmático, mormente o colesterol transportado pela LDL. Aelucidação do metabolismo da LDL e de como a célula controla o seuconteúdo de colesterol provocou um grande avanço no entendimentoda aterogênese.

A metabolização da LDL se dá por meio da sua endocitose medi-ada por receptor específico de alta afinidade – receptor de LDL –,presente em praticamente em todas as células. Após se dissociar doreceptor, a LDL endocitada sofre degradação lisossomal e libera colesterolpara ser utilizado pela célula. O aumento do colesterol intracelular pro-voca uma diminuição da exposição do receptor para LDL na superfíciecelular e controla a entrada de colesterol por esta via. Por outro lado,quando a LDL sofre modificações – por exemplo, oxidação – não é maisreconhecida por seu receptor clássico, mas em contrapartida passa a serreconhecida por receptores da superfície de macrófagos conhecidoscomo receptores de varredura. Esses receptores ligam e endocitam aLDL modificada com grande eficiência, porém sua exposição na super-fície celular não sofre influência do conteúdo de colesterol intracelular.Com a falta deste controle, o macrófago é capaz de endocitar grandequantidade de LDL modificada e favorecer o acúmulo de ésteres decolesterol no seu citoplasma, e se transformar em uma célula típica dalesão aterosclerótica – a célula espumosa.

Outro marco na compreensão do processo aterogênico foi areformulação da hipótese de que a aterosclerose, até então tida comouma doença de depósito lipídico, seria decorrente da resposta da pare-de arterial às agressões sofridas – Resposta à Injúria. A aterosclerose setraduz como uma resposta inflamatória contínua, na qual o endotélio éo principal alvo das agressões.

Além de controlar o tráfico molecular entre o sangue e os tecidos,o endotélio também regula as atividades contrátil, secretora, mitogênicae hemostática da parede vascular. Agentes agressores levariam a umadisfunção do endotélio arterial.

A LDL modificada é um grande promotor de disfunção endotelial.Portanto, a retenção e modificação da LDL na parede arterial consti-tuem processos-chaves na aterogênese. O endotélio agredido tem suaspropriedades modificadas, o que leva ao aparecimento de moléculas deadesão na sua superfície. Monócitos e linfócitos T circulantes se ligam aesses sítios e migram para o espaço subendotelial, sob a influência devários fatores quimiotáxicos liberados, tanto pelas células endoteliais le-

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sadas como pelos leucócitos aderidos e, possivelmente, por células mus-culares lisas situadas abaixo do endotélio. Neste local, os monócitos setransformam em macrófagos, acumulam lipídeos em seus citoplasmas ese transformam em células espumosas, o que forma as estrias gordurosas– a primeira lesão reconhecida da aterosclerose (Figura 1). Devido aocaráter crônico dos fatores de risco, as agressões e a resposta a elas sãopermanentes, e resultam na perpetuação e agravamento do processoinflamatório na parede arterial.

Figura 1 Formação das estrias gordurosas

A aterosclerose era classicamente reconhecida como um problemade entupimento das artérias. Entretanto, a maioria dos infartos domiocárdio e muitos acidentes vasculares cerebrais acontecem por ruptu-ras de placas que não chegam a obstruir 50% da luz do vaso. A placapropensa a rupturas é composta de abundante material lipídico, circun-dado por fina camada fibrosa, e exibe uma alta densidade de célulasinflamatórias. Ao se romper, observa-se um extravasamento do conteúdoda placa, trombose e oclusão da artéria, o que culmina com o infarto dotecido abastecido pelo vaso afetado.

A prevenção da aterosclerose e de suas complicações passa pelaavaliação do risco do paciente, na qual os fatores de risco potencialmen-te modificáveis de maior relevância são os principais alvos a seremgerenciados. Neste contexto, o emprego de medicamentos como asestatinas, no controle dos níveis plasmáticos do colesterol, e o de inibidoresda enzima conversora de angiotensina (ECA), no controle da pressão

Fonte: LIBBY, Peter. Inflammation in atherosclerosis, Nature420, p. 868-874, 19 December 2002

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arterial, tem revolucionado os eventos cardiovasculares em pacientes dealto risco. É importante ressaltar que a melhora clínica obtida com essestratamentos é muitas vezes independente do efeito sobre os níveis docolesterol – estatinas – ou da pressão arterial – inibidores da ECA –, oque sugere uma ação direta ou indireta dessas drogas na estabilização daplaca de ateroma. Por outro lado, o uso de vitaminas antioxidantes temtido resultados clínicos desapontadores.

O conjunto de medidas na prevenção de doença cardiovasculardeve incluir modificações do estilo de vida, tais como parar de fumar,praticar exercício diário, controlar o peso corporal e adotar uma dietasaudável. Evidências substanciais têm indicado que dietas pobres emgorduras saturadas e com oferta adequada de ácidos graxos w-3, comutilização de grãos integrais e abundância de frutas e legumes, podemoferecer proteção significativa contra as doenças cardiovasculares. É bomsalientar que o efeito benéfico da dieta pode envolver múltiplas rotasmetabólicas e não passa, necessariamente, pela redução dos níveisplasmáticos do colesterol.

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O envelhecimento é o fator de risco demográfico maisimportante para o câncer no homem, uma vez que dois terços deles sãodiagnosticados em indivíduos com mais de 65 anos, e a taxa de morta-lidade ultrapassa a 80%. Estes dados são encontrados em vários países,inclusive no Brasil. Como há tendência para expansão da populaçãoidosa, estes índices tenderão a crescer nos próximos anos, o que levaráà demanda de medidas específicas de prevenção e tratamento. A “epi-demia” de câncer e do envelhecimento tem despertado interesse parti-cular por parte de muitos pesquisadores. Entre as questões mais deba-tidas, destaca-se: como o envelhecimento é um fator de risco para adoença maligna? Embora haja pontos a serem elucidados, muita coisaevoluiu nos últimos anos.

Aspectos celulares envolvidos no câncer e envelhecimentoTradicionalmente, a senescência celular é descrita como um pro-

cesso de proteção contra a oncogênese, na medida em que limita onúmero de divisões celulares. No final da vida replicativa, as célulassenescentes permanecem viáveis e se mantêm na fase G1, mesmo comos estímulos fisiológicos mitogênicos. O câncer é uma doença genéticafortemente influenciada por fatores ambientais. Como a carcinogêneseé constituída por múltiplas etapas – iniciação, promoção e progressão –, aexposição mais prolongada a carcinógenos e a promotores tumorais re-sultará em maior chance de se adquirir uma doença maligna.

Diante disto, é de se esperar que quanto mais se vive, maioresserão as chances de se adquirir e morrer por câncer. Isto realmenteocorre em idosos até a sétima década. Entretanto, a partir dos 85 anos,a mortalidade por câncer tende a não mais subir, o que leva a supor que

AULA 4

CÂNCER E ENVELHECIMENTOMaria Helena Faria Ornellas de Souza

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outros fatores estejam envolvidos nestes indivíduos. Os carcinógenos –químicos, físicos e biológicos –, responsáveis pela iniciação tumoral, sãocapazes de efetuar a mutação e alterar, de forma definitiva, a constitui-ção genética da célula. Seguem os promotores responsáveis pela expan-são clonal desta célula.

Este estímulo pode ser substância química exógena, ou agentefísico, ou pode refletir um mecanismo endógeno – estimulação hormonal:mama e próstata. A progressão tumoral está associada a eventos genéti-cos seqüenciais não-randômicos – deleções, oncogenes, genes supressores,etc. –, e confere superioridade em termos de crescimento. A maiorparte dos trabalhos foi realizada em modelos experimentais. No entanto,em doenças humanas – cânceres de pulmão, cólon, pele, esôfago –,comuns em idosos, são exemplos bem estudados (Figura 1).

Figura 1 Câncer e microambientes

Um fato curioso quanto ao envelhecimento é que trabalhos expe-rimentais evidenciaram que, após exposição à mesma dose decarcinógenos, apareciam mais tumores nos camundongos idosos quandocomparados com os mais jovens. Esta suscetibilidade aumentada podeser em parte devida ao reparo macromolecular ou detoxicaçãoxenobiótica, ou ambos, vigilância imune diminuída e resposta estromalà transformação maligna. No entanto, faltam estudos clínicos e evidên-cias diretas para cânceres humanos específicos. Por isso foi importantedesvendar os mecanismos moleculares que unem envelhecimento e

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câncer. Tornou-se evidente que vários fatores e vias implicados no enve-lhecimento também são importantes no desenvolvimento e progressãodo câncer. Entre eles, é essencial ressaltar os telômeros e telomerase.

Telômeros são estruturas especializadas constituídas por DNA-pro-teína que envolvem os finais dos cromossomos, cuja função é protegê-losde degradação e de fusão. São essenciais para manutenção da integri-dade e estabilidade genômicas. O status funcional dos telômeros temefeitos profundos sobre o fenótipo das células e por extrapolação dosorganismos. Nos vertebrados, os telômeros consistem de vários pares dekilobases de DNA com a seguinte seqüência: TTAGGG. A hipótese di-fundida pelos cientistas é a de que o encurtamento progressivo dotelômero seja o relógio tanto mitótico quanto biológico da célula, o quelimita suas replicações e contém seu crescimento quando estes estãosuficientemente pequenos.

Contudo, existem formas de evitar esse processo, como pelatelomerase. Essa é uma enzima transcriptase reversa capaz de adicionarseqüências hexaméricas ao final dos cromossomos e manter o tamanhodos telômeros de maneira a permitir a continuidade das divisões celula-res. Estudos mostram que a introdução do componente hTERT – pro-teína catalítica – da telomerase em fibroblastos normais e em célulasepiteliais previne a diminuição dos telômeros e resulta na imortalizaçãoda célula – fenótipo maligno. A atividade da telomerase é encontradaem vários tumores.

Recentemente, aventou-se a hipótese que alterações associadas aproteínas relacionadas a telômeros pudessem resultar em alteraçõesgenômicas pelo mau funcionamento destes e levar, como conseqüência,à lesão do DNA. Como a instabilidade genômica é causa do câncer etambém contribui para o envelhecimento, começou a ser pensado quea disfunção telomérica estivesse envolvida no aparecimento do câncer naterceira idade.

Estudos experimentais evidenciaram que co-culturas de célulasepiteliais com fibroblastos senescentes estimulavam a tumorigênese doepitélio, enquanto em fibroblastos jovens não ocorria. Os fibroblastossenescentes, ao contrário dos jovens, secretam fatores de crescimentosolúveis, citocinas inflamatórias – como a IL-6 – que estimulam a proli-feração do epitélio, produzem proteínas da matriz extracelular e proteí-nas degradantes de matriz, que favorecem a proliferação e invasão dascélulas tumorais.

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Este fenômeno foi denominado pleotropia antagônica. Desta for-ma, enquanto a senescência pode ter evoluído em proteger tumoresque ocorrem precocemente no homem, a duração de vida aumentadapode levar a efeitos indesejáveis, como o câncer.

Recentemente, vários pesquisadores têm mostrado que estudos depolimorfismos, que envolvem o gene supressor tumoral p53, são tambémimportantes para a transformação neoplásica e para a longevidade, umavez que alguns podem ser menos supressores tumorais que outros. Estasevidências sugerem que a função dos telômeros no envelhecimento émuito mais complexa do que a visão tradicional de relógio molecularpara a duração de vida, e desempenham papel crucial na oncogênesedo indivíduo idoso. No momento, faz-se necessário o desenvolvimentode novas estratégias de diagnóstico e tratamento destes pacientes, queocupam cada vez mais parcela significativa da população mundial.

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A incidência de diabetes mellitus (DM) no mundo crescea níveis epidêmicos. Sua prevalência na população brasileira é de 7,4%e passa para 17,4% na faixa etária entre 60 e 69 anos. Esta diferençaé atribuída principalmente ao aumento da obesidade, porém, o en-velhecimento da população mundial também contribui para este cres-cimento.

Podemos definir DM como um grupo de doenças metabólicas quese caracterizam pela presença de hiperglicemia – maior taxa de glicoseno sangue – e que são classificadas em quatro tipos (Tabela 1).

Tabela 1 Classificação do diabetes mellitus

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DIABETES MELLITUS NO IDOSOMaria Luiza de Lima Aguilar Fernandes

• Tipo 1 – Destruição das células betaa) Tipo 1A – Auto-imunidadeb) Tipo 1B – Idiopática

• Tipo 2 – Grupo heterogêneo caracterizado por resistência à insulina, dificuldade nasecreção da insulina e aumento da produção de glicose.

• Outros tipos específicosa) Defeitos genéticos caracterizados por defeitos na função da célula β MODY

1; 2; 3; 4 e 5.b) Doenças do pâncreas exócrino. Por exemplo, pancreatite, outras.c) Endocrinopatias. Por exemplo, Cushing, feocromocitoma, hipertiroidismo.d) Indutores químicos ou drogas. Por exemplo, tiazídicos, glicocorticóides.e) Infecções. Por exemplo, rubéola congênita, citomegalovírus.f) Outras síndromes genéticas associadas com diabetes. Por exemplo,

Síndrome de Down.• Diabetes mellitus gestacional.

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A insulina é o principal regulador da glicemia e age para que osníveis de glicose sangüínea se mantenham dentro de limites necessáriosao bom funcionamento do organismo, tanto nos períodos de jejum quantona alimentação ou nos excessos alimentares. A insulina é um hormôniosecretado pelas células β pancreáticas. Sua síntese e liberação são ativadasprincipalmente pelos níveis de glicose circulante após as refeições. Ageem praticamente todos os tecidos. Seus efeitos metabólicos imediatosincluem aumento da captação de glicose, principalmente nos tecidosmuscular e adiposo, aumento da síntese de proteínas, ácidos graxos eglicogênio, além do bloqueio da produção hepática de glicose – peladiminuição da neoglicogênese e glicogenólise –, da lipólise e da proteólise.Além disso, a insulina tem efeitos tardios na expressão de genes e sínteseprotéica, assim como na proliferação e diferenciação celular. Suas outrasfunções incluem o aumento da produção de óxido nítrico no endotélio,a prevenção da apoptose – morte celular – e a promoção da sobrevivên-cia das células.

Em 1922, Banting e Best descobriram a insulina, e o diabetes mellituspassou a ter sua origem explicada exclusivamente pela sua deficiênciaou ausência. Apenas dez anos após, Himsworth, pelas observações nasrespostas à insulina de pacientes diabéticos, sugeriu que a redução dasensibilidade à insulina constituía o mecanismo fisiológico central emgrande número de diabéticos. Essa idéia da resistência à insulina perma-neceu desacreditada por muito tempo, porém, por meio de vários estu-dos posteriores ficou demonstrada sua importância para o desenvolvi-mento do diabetes mellitus do tipo 2 (DM2).

Portanto, diante dos conhecimentos atuais, para que se desenvolvao DM é necessário que ocorram defeitos na secreção da insulina oudefeitos na sua ação – resistência à insulina – ou em ambas, e seuaparecimento depende de fatores genéticos, ambientais e do estilode vida.

A incidência maior do DM no idoso está relacionada a um aumen-to na resistência à insulina e a outros fatores vinculados ao próprio pro-cesso de envelhecimento, como a diminuição da massa magra, o aumen-to proporcional da massa adiposa, a redução da atividade física, doençascoexistentes, maior ingesta de carboidratos e uso de medicamentos va-riados. Sua expressão clínica é variável, com algumas diferenças empacientes idosos. O diagnóstico é feito pela dosagem da glicemiasangüínea (Tabela 2).

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Tabela 2 Diagnóstico

Insulina, diabetes e envelhecimentoO envelhecimento leva a uma progressiva deterioração de várias

funções controladas pela insulina, como resistência à insulina e intole-rância à glicose. A insulina é o hormônio mais potente até hoje identi-ficado. Ela exerce seus efeitos quando se liga a seu receptor específico,o receptor da insulina (IR), presente na membrana celular de pratica-mente todas as células do organismo. Quando esta ligação ocorre, o IRse autofosforila e se torna capaz de ativar outros elementos celulares emcascata. Atualmente já foram identificadas dez moléculas que são ativadasdiretamente pelo IR. As melhor estudadas são os substratos do receptorde insulina (IRS-s) e a Shc que, quando ativadas, são capazes de se ligarou ativar, ou ambos, outras moléculas citoplasmáticas, como a PI3-K e aAKT, e assim permitir que as diversas ações da insulina possam ocorrer.

Hormônio e longevidade estão intrinsecamente ligados. Dezenasde genes aumentam a longevidade, e muitos estão envolvidos nos sinaishormonais de forma marcante. A supressão destes hormônios pode au-mentar a expectativa de vida e retardar o declínio das funções depen-dentes da idade. A insulina é um hormônio muito potente, e ela própriae o IR são muito antigos, filogeneticamente. Várias moléculas utilizadasna sua sinalização estão com sua ativação e associações alteradas em váriosmodelos animais de envelhecimento. O tempo de vida pode estar rela-cionado com a capacidade de modular estas suas vias da sinalização quecontrolam o metabolismo e o estresse oxidativo.

Existem evidências do controle do SNC no tempo de vida. Isto sedá não só pelo controle do apetite, da temperatura, da pressão arterial,da resposta ao estresse, dos ritmos cardíacos e da respiração, como tam-

Glicemia de jejum entre 100-125 mg/dl – Intolerância à glicose (IG) ou pré-diabetes.Glicemia de jejum = ou >126 mg/dl – Possível diabetes mellitus.Glicemia ao acaso = ou > que 200 mg/dl – Diabetes mellitus.

Teste de tolerância oral à glicose (tog) de 2 horas

2 horas após ingesta de glicose < 140 mg/dl – Normal.2 horas após ingesta de glicose entre 140 mg/dl e 199mg/dl – IG ou pré-diabetes.2 horas após ingesta de glicose = ou < 200 mg/dl – possível diabetes mellitus.

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bém pelo aprendizado e acúmulo de experiências que são utilizados naresolução de problemas. No tecido neural, a captação da glicose é inde-pendente da insulina, mas é responsável pelo controle do apetite etermogênese, do aprendizado e da memória. Em mamíferos, a ativaçãono SNC das vias de sinalização da insulina e do IGF-1 induz à produçãode GH e prolactina, que promovem uma série de vias metabólicas quefavorecem o envelhecimento.

Estudos epidemiológicos demostraram uma associação entre a pre-sença de DM e Doença de Alzheimer (DA) e também com a Doença deParkinson – ambas com grande incidência em pessoas idosas. Váriosmecanismos moleculares têm sido investigados e demonstram uma liga-ção entre estas patologias e a sinalização da insulina. Recentemente,demonstrou-se que a insulina regula uma protease que é responsávelpela destruição dos depósitos de β amilóide no cérebro – substânciaresponsável pela DA.

Muito tem sido descrito na tentativa de se entender o processo doenvelhecimento e do DM. Insulina e envelhecimento estão intrinseca-mente relacionados. O desafio está presente.

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