moblidade urbana, cidadania e inclusÃo social

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 1 MOBILIDADE URBANA Mobilidade Urbana, Cidadania e Inclusão Social Jayme Lopes do Couto,  economista A partir do século XVII, o conceito de cidadania começou a formar-se, fundamentado, certamente, no de nacionalismo. Este surgiu na Europa com vigor e como resultado de reação ao feudalismo, a partir do século XVI, em função da eliminação dos conceitos tribais das diversas etnias. Foi um processo demorado, razão de reflexões do Humanismo, que se estendeu na Renascença e que, no século XVIII terminou por ser reconhecido, após veementes e enfáticos debates sobre direitos civis, políticos e sociais. A Revolução Francesa e as que se seguiram até meados do século XIX, são a face doída e trágica dessas ideias e reflexões dos filósofos, pensadores e juristas, que puseram em xeque a ordem política e social vigente rejeitando os desgastados privilégios da parte dominante e mais rica das sociedades da época e forjando, no século XIX, o moderno conceito de cidadania. As revoluções intelectuais, das quais se originaram as industriais e sociais da segunda metade daquele século, avançaram até o século XX e ampliaram o reconhecimento de novos direitos, o que introduziu modificações no entendimento de cidadania. A legislação que se foi organizando sobre esses direitos (civis, políticos e sociais), por outro lado, caracterizavam as desigualdades que, do ponto de vista prático, persistiam na sociedade, agora com novas faces. Atualmente verifica-se que há segmentos da sociedade que, de alguma forma não são atingidos pelos direitos instituídos ou simplesmente lhes são vedados; logo, são segregados, estão à margem da lei, excluídos do exercício da cidadania plena, idealizada nos diversos regimes de governo quer seja a democracia, o socialismo, o fascismo ou por suas derivações ou pelos que os substituíram. O reconhecimento de tal situação levou diversos estudiosos a identificarem fatores de segregação (como pobreza, concentração de renda, banditismo etc) no espaço urbano e no ambiente rural que, ainda hoje emperram a mobilidade social nos seus movimentos horizontais ou verticais de ascensão social. A mobilidade urbana (nela incluída a acessibilidad e), por seu lado, pode ser fator de segregação (portanto, vício no exercício da cidadania plena), se houver algum tipo de omissão ou impedimento no deslocamento desejado, quer por parte dos operadores dos serviços de transporte ou trânsito quer por parte do Poder Público (Legislativo, Executivo, Judiciário); ou pode também ser fator de inclusão social se, ao contrário, o Poder Público e os operadores de transporte e trânsito incentivarem ou determinarem meios que permitam os deslocamentos desejados pelos indivíduos.

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MOBILIDADE URBANA Mobilidade Urbana, Cidadania e Inclusão Social Jayme Lopes do Couto, economista 

A partir do século XVII, o conceito de cidadania começou a formar-se, fundamentado,certamente, no de nacionalismo. Este surgiu na Europa com vigor e como resultado de reaçãoao feudalismo, a partir do século XVI, em função da eliminação dos conceitos tribais dasdiversas etnias.

Foi um processo demorado, razão de reflexões do Humanismo, que se estendeu na Renascençae que, no século XVIII terminou por ser reconhecido, após veementes e enfáticos debates sobredireitos civis, políticos e sociais.

A Revolução Francesa e as que se seguiram até meados do século XIX, são a face doída e trágica

dessas ideias e reflexões dos filósofos, pensadores e juristas, que puseram em xeque a ordempolítica e social vigente rejeitando os desgastados privilégios da parte dominante e mais ricadas sociedades da época e forjando, no século XIX, o moderno conceito de cidadania.

As revoluções intelectuais, das quais se originaram as industriais e sociais da segunda metadedaquele século, avançaram até o século XX e ampliaram o reconhecimento de novos direitos, oque introduziu modificações no entendimento de cidadania.

A legislação que se foi organizando sobre esses direitos (civis, políticos e sociais), por outrolado, caracterizavam as desigualdades que, do ponto de vista prático, persistiam na sociedade,

agora com novas faces.

Atualmente verifica-se que há segmentos da sociedade que, de alguma forma não são atingidospelos direitos instituídos ou simplesmente lhes são vedados; logo, são segregados, estão àmargem da lei, excluídos do exercício da cidadania plena, idealizada nos diversos regimes degoverno quer seja a democracia, o socialismo, o fascismo ou por suas derivações ou pelos queos substituíram.

O reconhecimento de tal situação levou diversos estudiosos a identificarem fatores desegregação (como pobreza, concentração de renda, banditismo etc) no espaço urbano e no

ambiente rural que, ainda hoje emperram a mobilidade social nos seus movimentos horizontaisou verticais de ascensão social.

A mobilidade urbana (nela incluída a acessibilidade), por seu lado, pode ser fator de segregação(portanto, vício no exercício da cidadania plena), se houver algum tipo de omissão ouimpedimento no deslocamento desejado, quer por parte dos operadores dos serviços detransporte ou trânsito quer por parte do Poder Público (Legislativo, Executivo, Judiciário); oupode também ser fator de inclusão social se, ao contrário, o Poder Público e os operadores detransporte e trânsito incentivarem ou determinarem meios que permitam os deslocamentosdesejados pelos indivíduos.

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1 - Cidadania

Lembremo-nos que a  polis dos gregos e a civitas dos romanos, tinham conceitos bemdiferentes, mas comungavam de um traço comum: a estratificação das sociedades que nelasviviam, nas quais se identificavam diferenças refletidas nos seus direitos civis, políticos e sociais.

Até pelo menos o século III de nossa era, essas estratificações permaneceram, bem como asdesigualdades que os direitos e deveres regiam.

O advento do cristianismo provocou, a partir do século III, algumas importantes modificaçõesno relacionamento entre cidadãos e entre Estado e cidadãos. A partir do século XIV filósofos epensadores introduziram novos conceitos, empolgados por um esprit nouveau que aguçava acuriosidade das pessoas e impactaram tais relacionamentos.

Finalmente, com o advento do Iluminismo, ao longo do século XVIII e sua filha, a Revolução

Francesa, iniciou-se radical reformulação nos conceitos de cidadão e cidadania. Tal evoluçãocontinuou nos séculos seguintes.

A partir do século XIX, a Revolução Industrial trouxe a “descoberta social” (expressão usada, por

Polanyi, apud  Ribeiro1) “para caracterizar o momento em que a sociedade se dá conta da

ameaça de destruição que representava o livre jogo do mercado” – o laisser-faire, propostopelo liberal Adam Smith (Riqueza das Nações, 1776)  – em reação ao mercantilismo e aoabsolutismo. Sem dúvida, no limite, essa proposição poderia inevitavelmente, confirmarHobbes que afirmava ser o homem o lobo do homem.

Necessário se tornava que o Poder Público – ainda, na época – se conscientizasse de seu papelde mediador dos conflitos de interesse que naturalmente se formam entre os membros dasociedade.

1.1 Conceito e sua Evolução

Segundo Lavalle (2003), T. H. Marshall, complementado por Reinhart Bendix  – embora amatéria já viesse sendo abordada por vários pensadores de diversas tendências (liberais,socialistas, comunistas, conservadores, absolutistas, anarquistas etc)  – foram os que, na

primeira metade do século XX, melhor trataram do assunto e fixaram um conceito modernopara cidadania.

Ambos os sociólogos  – apesar de não terem ficado isentos de contradições em matéria tãocomplexa – sustentavam um modelo evolutivo em que o conceito de cidadania se alargaria namesma proporção em que os direitos e deveres civis, políticos e sociais incorporassem novasideias e concepções, função das atividades que surgissem ou desaparecessem na dinâmica davida social.

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Ribeiro, L.C.Q. – Desafios da Construção da Cidadania na Metrópole Brasileira  – in Sociedade e Estado, Brasília,v.22 a ## -525-544, set./dez., 2007

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Por exemplo, no século XIX, qualquer direito ou dever vinculado à cibernética não existia; masno século XX foi o assunto novo e que nesta primeira década do século XXI é temaimportantíssimo, inclusive do ponto de vista da cidadania e da mobilidade urbana.

Para Marshall, a cidadania supõe, resumidamente:

a) sua universalidade, no sentido de a cidadania incorporar direitos universais paracategorias sociais claramente definidas e acabar com estratos sociais que se apresentem comqualidades substantivas inerentes; ou seja, a cidadania compreende direitos para todos, semdistinções, próprias ou particulares dos indivíduos; exemplo claro é o caput  do art. 5º daConstituição Federal de 1988, em que se declara serem “todos iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza...”; 

b) a territorialidade, no sentido de que a cidadania deve ser reconhecida nacionalmentee, pelo menos para os direitos e garantias fundamentais, também, naquele território nacional,

para os estrangeiros, o que abre horizonte internacional; exemplo disto se encontra no mesmoartigo acima citado, de que aos estrangeiros se reconhece, como aos brasileiros, “o direito àvida, à liberdade, à segurança e à propriedade...”; combinada com a universalidade, delimita

politicamente esse conjunto de direitos e elimina princípios corporativos;

c) a individualidade, no sentido de que, entre o indivíduo e o Estado só existem vínculosdiretos como forma legítima de reconhecer a subordinação política; são eliminados quaisquerintermediários entre o Estado e o indivíduo; o Estado não reconhece qualquer tipo decorporação ou associação que pretenda qualquer princípio funcional ou de tutela no seurelacionamento com o indivíduo;

d) a  índole estatal-nacional , no sentido de que o vínculo entre cidadania e Estadorepresentativo da nação e fundamentado pela centralização  – naquele território nacional  – deum poder único, o qual a população  – constituída como comunidade política, cultural e social eidentificada em termos nacionais – reconhece como instituição legítima para governa-la.

A cidadania se apresenta, por conseguinte, como um conceito sintético-descritivo e não comocategoria normativa. Trata-se de um status que se desenvolveu e continua evoluindo, dentrode limites momentâneos, abrangem direitos civis, políticos e sociais – direcionados à sociedadecomo um todo e a cada indivíduo que a compõe  – e que se foram sedimentando, não sem

conflitos. 

Citando Marshall, apud Lavalle:

“A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade.Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigaçõespertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determinou o que estes direitose obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição emdesenvolvimento, criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso podeser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida (Conferência Cidadania e Classe

Social , Marshall, 1949)”. 

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No último quartel do século XX, no bojo das críticas a essa concepção marshalliana e nosdebates acadêmicos da filosofia política e das teorias sociais, abriram-se novas vias conceituaispara a cidadania, principalmente no âmbito europeu.

Tais discussões, segundo Lavalle (2003)  – embora no sentido geral fossem corretas  – não

explicitaram a verdadeira divergência que reside na centralidade conferida ao marxismo e àluta de classes, relativamente ao fundamento liberal e conservador de Marshall e seusseguidores.

Não se pretende entrar na discussão da temática, mas simplesmente compreender osignificado da cidadania e sua importância para a mobilidade urbana.

Devemos, portanto, considerar que a ideias de Marshall, apesar das novas consideraçõesapontadas nos tempos recentes, não foram invalidadas, mas também não se pode deixar delevar em conta tais contribuições. Aliás, como o próprio Marshall ensina, o conceito de

cidadania evolui em conformidade com novas instituições do Direito Positivo.

A legislação tanto pode reduzir o exercício da cidadania por supressão de direitos ou alteraçãode conceitos quanto enriquecê-la por acréscimo de novos direitos ou por abrir novos conceitosque alarguem seus horizontes.

A democracia, idealmente praticada, seria o regime político que oferece maiores oportunidadesno sentido do debate sobre a validade e a relevância dos direitos do cidadão, embora, naprática, permita imperfeições no exercício da cidadania, principalmente no que se refere àdesigualdade de oportunidades.

Observe-se que a cidadania comporta as possibilidades de segregação e de inclusão, isto é, aomesmo tempo em que oferece e provoca situações de inclusão social, também gera a exclusão,em especial quanto ao status do cidadão. Essa característica torna a cidadania dinâmica emuitas vezes carregada de contradições.

Às tentativas de universalização dos direitos e de igualdade de oportunidades para os cidadãoscorrespondem reações de limitações e diferenciações de status para as quais o Estado deveestar atento e, sempre que necessário, exercer seu poder de mediador de conflitos deinteresses.

Compreende-se, assim, que conceituar cidadania não é tarefa simples face aos seus aspectosdifusos, que atingem  – com repercussões inesperadas  – diversas áreas das atividades nasociedade, bem como a liberdade de agir individual e comunitariamente, nelas incluída a delocomoção e de uso do espaço urbano.

Modernamente, o grande tema da cidadania é a articulação entre a legitimidade, a identidadee a integração social, onde se incluem questões como a pobreza, forma de acesso à moradia,banditismo e tantas outras, indistintamente, nos países desenvolvidos, nos emergentes e nossubdesenvolvidos e com intensidades diferenciadas.

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Pode-se talvez conceituar cidadania como a capacidade de exercício livre e autônomo dosdireitos fundamentais do homem como cidadão/cidadã, independentemente de seu status,garantido pelo Estado.

Importante observar que tal conceito está, ainda, longe de ser constatado em qualquer país,

pois, em todos, o Estado tem grande dificuldade em administrar diferenças e desigualdades.

1.2 – Para Construir Cidadania

Ribeiro (2007) vê estreita relação entre as características das cidades brasileiras e os padrõesde segregação social existentes no país, tendo, como fator importante, a má distribuição darenda, geratriz de concentrações injustas. Diríamos mesmo que tais fenômenos se apresentamna distribuição espacial da habitação, na locomoção, na referência espacial da violência ebanditismo, da exposição da miséria, nos entraves à mobilidade social quer em seus

movimentos horizontais quer nos verticais.

Afirma ainda que o “déficit ” habitacional é medida clara de impedimentos do direito

fundamental da moradia (EC 026/2000), reforçando a ideia de que estamos longe da justiçasocial e da mobilidade urbana ideal.

Há, sem dúvida, um longo caminho a percorrer, não só pelo Poder Público (Legislativo,Executivo, Judiciário), mas também pelos indivíduos no sentido da eliminação dosimpedimentos ao exercício pleno da cidadania.

No Brasil  – não desconsiderando movimentos mais antigos, mas citando fatos mais recentesvividos pelas gerações deste tempo  – Ribeiro relembra que, nos anos de 1970 me 1980,“conhecemos intenso movimento de organização e mobilização da sociedade em torno da lutacontra o autoritarismo e a favor do reconhecimento de necessidades da população comodireitos sociais”. Não só sociais, também direitos políticos que representaram a conquista dademocracia e de um programa de reforma social.

“A Constituição de 1988, considerada como Constituição Cidadã”, procurou dar formainstitucional a essas conquistas.

Todos os problemas foram resolvidos?

Certamente não, pois a construção da cidadania é um processo longo, cheio de progressos eretrocessos que exige paciência, tenacidade, vontade determinada e principalmente,transformação comportamental, só adquirida com a educação.

Os impedimentos, que frequentemente surgem nesse processo, se revestem de diversosmatizes e são gerados por causas e concausas que se espraiam pelos diversos campos daatividade do homem e solicitam o concurso de todos para que sejam integralmente eliminados.

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Como abordamos acima, é necessário extremo cuidado nas decisões tomadas, pois não é rarodeterminada ação, direcionada à inclusão social, ser também motivo de segregação: achar adosagem certa é a grande questão.

Disciplinar a expansão urbana certamente é a regra de ouro de inclusão social e da segregação,

mas a forma de realizá-la deve ser a preocupação principal. Outros elementos políticos e sociaistambém são requeridos, mas no caso da mobilidade urbana, os vetores da expansão urbana(urbanísticos, econômicos, sociais e políticos) devem ser disciplinados para que os impactos desuas respectivas dinâmicas sejam direcionados como objetivo de uma política sustentada nabusca da justiça social.

É trabalho complexo que exige visão de conjunto perspicaz e astuta, muito bem embasada naética e na moral.

Observe-se que tais qualificações não devem nem podem limitar o empreendedorismo nem

impedirão erros de avaliação e de projeto nem falhas de execução, mas impõem condutadisciplinada e disciplinante, tolerante, mas justa.

2 – Segregação: Fatores de Desrespeito à Cidadania

As questões de segregação social estão vinculadas a processos sociais e econômicos muitasvezes seculares e inerentes à conduta do Poder Público e dos próprios indivíduos.

No caso do Poder Público  – onde se inserem o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder

Judiciário – a segregação social é provocada por ações que levam a conflitos pela incapacidadeou pela incompetência de resolvê-los.

No caso dos indivíduos, a segregação ocorre pela tendência de se estabelecerem desigualdadespor infinitos diferenciais que no fundo visam à exclusividade como forma de identificar umstatus pretendido.

Também vários são os autores que procuram entender a temática e explicá-la, mas que, anosso ver, se resume no egoísmo e no seu subproduto o orgulho.

Não vamos perder-nos nessa discussão, pois cabe-nos, neste momento, apenas alertar quemuitos problemas da mobilidade urbana e da acessibilidade são resultados de açõesequivocadas do poder Público e dos indivíduos e da incapacidade de compreender onde residea causa fundamental e determinante e – quando é identificada – da omissão.

Idealmente, o exercício da cidadania se deve dar plenamente.

Significa dizer que qualquer cidadão, no mínimo potencialmente, tem o direito de fruir, notempo e no espaço, dos bens e serviços desejados sem quaisquer restrições, desde queamparado pela legislação vigente.

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Por outro lado, a lei deve assegurar a todo e qualquer cidadão as mesmas oportunidades defruição considerando as capacitações e habilitações que caracterizam suas individualidades.

Entre os direitos básicos do cidadão brasileiros, a Constituição Federal de 1988 no inciso XV deseu artigo 5º, por exemplo, assegura a todo cidadão, o direito de locomoção (ir e vir). Logo,

qualquer impedimento ou obstáculo a esse direito é fator de segregação; a cidadania não estásendo exercida plenamente.

Uma vez que nosso assunto é mobilidade urbana, limitemo-nos a observar os fatores principaisda segregação individual e social. Podem-se citar: cerceamento ao direito de ir e vir; limitaçõesao espaço urbano e ao ambiente rural; concentração de renda e pobreza; banditismo eviolência; entraves à mobilidade social.

2.1 – Cerceamento ao Direito de Locomoção

Neste caso, as principais causas se vinculam ao preço dos serviços e à acessibilidade em relaçãoaos veículos, aos terminais, aos pontos de parada, à frequência da linha, à velocidade média depercurso.

Preço dos Serviços

Os preços das passagens dos serviços de transporte devem ser tais que permitam a todos selocomoverem. Evidentemente, essa limitação só é discutível nos casos em que a renda pessoalnão é suficiente para pagar a tarifa cobrada do transporte mais barato.

Como e quando o preço da passagem (tarifa) se torna limitação ao direito de ir e vir?

Quando o poder de negociação do indivíduo, em relação ao do operador do serviço detransporte, é tal que o operador sempre imporá seu preço (preço de monopólio). Neste caso, oPoder Concedente deverá intervir para que os níveis de quantidade e qualidade da oferta sejamcompatíveis com as necessidades de segurança, conforto (mínimo) e confiabilidade em termosde receita e custos.

Por outro lado, estamos debatendo o assunto, tendo como dados do problema as condições

normais de um regime democrático em sistema econômico tipicamente capitalista.

O Estado poderá intervir sempre que conflitos de interesse ocorram.

Não será neste momento, porém, que o tema será discutido, mas deve-se aqui, pelo menos,serem identificadas as bases da discussão.

O que está envolvido?

A intervenção do Poder Concedente sobre o nível tarifário, no sentido de compatibilizar o nível

de renda da população regional com o preço da passagem (que deve cobrir a remuneração dos

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fatores de produção), para que os indivíduos possam exercer seu direito de locomoção. Duasquestões fundamentais se apresentam:

a) quanto maior as exigências de segurança, conforto e confiabilidade, maior serão oscustos e consequentemente, o nível tarifário;

b) uma vez que os custos existem e devem ser pagos, o Poder Concedente poderádefinir o nível de subsídio – que poderá crescer de zero a 100% do preço – aconceder, sabendo das vantagens ou desvantagens monetárias, políticas e sociaispara cada nível de subsídio.

No caso do transporte público coletivo de passageiros, no que se refere à tarifa, por exemplo,deve-se lembrar que, entre 1994 e 2003, segundo Ribeiro (2007), houve aumento de 242%enquanto a renda média dos segmentos de menor renda – os passageiros cativos desse modode transporte  – diminuiu em 24%. Certamente esse foi fator determinante para a redução da

demanda que se identificou nesse serviço com evidente aumento de viagens a pé. Essa “criseda mobilidade nas metrópoles brasileiras é responsável hoje por parte do desemprego nasáreas metropolitanas”

2.

Acessibilidade ao Veículo

Distinguem-se duas causas importantes em relação à acessibilidade das pessoas aos veículos:

a) as vias (calçadas, ruas e avenidas, por exemplo) que por si sós prejudicam alocomoção e também não permitem a adoção de melhorias dos veículos para

facilidade de embarque e desembarque, em função dos desnivelamentos nos pontosde parada;

b) condições do próprio veículo que permitam qualquer pessoa com ou sem deficiênciaso uso de veículos para suas locomoções.

Os fabricantes de veículos (carros, ônibus, aeronaves, navios etc) e as montadoras devematender às particularidades de idosos, obesos, deficientes visuais ou auditivos, deficientesmotores (permanentes ou temporários) e outros para que os veículos fabricados não excluampessoas em suas necessidades de locomoção autônoma. Nesses casos a segurança e o conforto

são itens importantes.

Terminais e Pontos de Parada

Não só o acesso às edificações dos terminais ou pontos de parada para embarque edesembarque, mas também o mobiliário, a decoração e os serviços oferecidos devem prever ouso por pessoas cujas características pessoais exigem cuidados especiais para se locomoverem.Também neste caso a segurança e o conforto são necessários.

2 Ribeiro, L.C.Q. – Desafios da Construção da Cidadania na Metrópole Brasileira  – in Sociedade e Estado, Brasília,

v.22 a ## -525-544, set./dez., 2007

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Frequência nas Linhas

Oura forma de limitar o direito de locomoção é através do mau uso dos veículos em suas linhas;usar veículos inadequados à extensão das linhas, em que a frequência fique limitada ou asuperlotação dos veículos seja prática constante, significa que as condições operacionais levam

a desrespeito dos direitos da cidadania.

Velocidade Média de Percurso

Vários são os fatores que contribuem para a redução da velocidade média de percurso: osobstáculos de lombadas desnecessárias; os estacionamentos ao longo do meio-fio, permitidosou não; os obstáculos diversos nas ruas e calçadas; os congestionamentos com suas diversascausas (acidentes, saturação de vias etc); os desrespeitos à sinalização de trânsito, osdesrespeitos às prioridades, o uso excessivo de automóveis particulares, enfim os condutores eos não condutores, todos, contribuem para reduzir a fluidez no trânsito.

Essas causas levam a que se perca muito tempo nas viagens  – o que implica em redução davelocidade média de percurso  – com o desconforto e a desconfiança inerentes ao sistema.Ainda mais: todos contribuem para os diversos tipos de poluição.

Não cabem, somente ao Poder Público, ações para a solução dos problemas, mas também oscidadãos podem contribuir para que a velocidade média aumente e não se fique mais que otempo necessário nas viagens entre um ponto e outro da cidade ou do município.

2.2 –

Algumas Questões do Espaço Urbano e do Ambiente Rural

As omissões do Poder Público ficam mais evidentes nas questões de espaço urbano e doquadro rural. A grande questão que os urbanistas propõem é – pensando em termos do direitode moradia e, portanto, da ocupação do espaço urbano  – como ocupar espaços públicos deforma a garantir o exercício pleno da cidadania a todos?

Para os gregos, a  polis tinha como função principal a ocupação dos espaços públicos paraalcançar a felicidade, segundo os pré-socráticos a principal razão da vida do cidadão. ApósAlexandre, o Grande, com o helenismo, a metrópole pretendia divulgar o modo de vida grego

como a forma de chegar a esse objetivo.

Para Paula Teles (2005), planejar e “projetar cidades é tentar perceber o seu funcionamentoestrutural como suporte dos mais variados fluxos que, pela sua multiplicidade, atravessam,cruzam e sobrepõem todo esse território, num tempo que se perde na velocidade. Exige-se,desse modo, a ligação de todos os diferentes conceitos de mobilidade, na formação de umúnico conceito: aquele que possa transmitir total liberdade de movimentos”. 

“A cidade é a rua, o lugar de encontros (...) A cidade do desejo não é a cidade ideal, utópica e

especulativa, mas a cidade que se quer e reclama, repleta de conhecimento quotidiano e de

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mistério, de segurança e de encontros, de liberdades prováveis e de transgressões possíveis,com direito à liberdade...”(Borja, 2002), apud Teles

3.

Com tal entendimento, o planejamento da mobilidade urbana, condicionada pela expansãourbana, implica em reconhecer como o espaço público deve compatibilizar-se com o espaço

privado ou econômico, no sentido de que o termo dessa compatibilização é o exercício plenoda cidadania. Não se pode admitir que se estabeleça concorrência entre eles, mas acompreensão de que tanto o Estado quanto os indivíduo devem preocupar-se com o bemcomum. Já não mais estamos no século XIX, quando, na visão socialista, o Estado liberal-burguês estava em confronto com a monarquia e o Terceiro Estado (no caso francês).

Podem-se alinhar diversos fenómenos que se agravam por esses dois motivos principais:

- o descontrole das migrações (inclusive invasões);- as especulações imobiliárias, com suas consequências;

- as dificuldades de regularizações fundiárias;- o “déficit ” habitacional e as sub-habitações;- a falta de saneamento básico e os problemas de saúde pública;- a falta de serviços públicos- o êxodo rural;- as deficiências de zoneamento, uso e parcelamento do solo,

enfim, um extenso conjunto de questões que se formam por falta de ações adequadas pelaincapacidade financeira e pela incompetência do Poder Público, onde se abrigam pessoas depouca instrução, de mentalidade tacanha e provinciana, politicamente despreparadas,

propensas a conchavos e negociatas, ao lado de pessoas competentes que se perdem no marda incompetência, do que provêm leis equivocadas, clientelismo, falta de planejamento.

De outro lado, há  – apesar de demonstrações de solidariedade que os indivíduos, cada qual aseu modo, demonstram em relação aos outros  – forte tendência no comportamento humanopara buscar formas de benefícios particulares e desprezo pelo bem comum: primeiro suaindividualidade e depois as necessidades dos outros.

Nessa linha, do ponto de vista da mobilidade urbana, podem ser destacadas algumas questõesimportantes.

Distribuição Espacial da Demanda

Em função das várias formas de especulação imobiliária, nota-se, na esmagadora maioria dascidades, uma concentração da população pobre nos terrenos de menor valor, cheios deproblemas construtivos, onde a ocupação se dá ou por invasão ou por aquisição de posse, semdocumento hábil, na maioria das vezes.

3

Teles, P. – Desenhar Cidades com Mobilidade para Todos: O Caso Prático da Rede Nacional de Cidades e Vilascom Mobilidade para Todos  – in Cadernos Sociedade e Trabalho, nº 8, 2007, pp. 57-68

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É evidente a dificuldade de acesso à terra (nele incluído o acesso à habitação, direitofundamental que só foi contemplado em 2000 na CF, mediante uma emenda, a EC 026/2000) ea consequente regularização documental, o que causa vários transtornos de ordem prática.Trata-se do fenômeno da exclusão periférica, em que os de mais baixa renda se afastam cadavez mais do centro.

Atualmente se constata também nova forma de segregação social através da reserva de terrasrepresentada pelos loteamentos e formação de extensos condomínios. Basicamente essasáreas pretendem que os moradores não venham a necessitar dos serviços públicos (segurança,transporte etc) e não necessitem sair da área nem mesmo para momentos de lazer ou decomprar o que é necessário para a vida cotidiana (comer, manutenção da moradia etc). Mastudo isso tem custos que os moradores devem pagar. Cria-se a ilusão da exclusividade e do“status”, no sentido de que o condomínio tudo supre. Mas se esquecem, por exemplo, de que asegurança dada pela polícia (que muitos dizem não funcionar), não entra no condomínio; que oserviço de transporte será rateado pelos condôminos, ou seja, um número menor de usuários

e, por isso é mais caro..

O uso e o parcelamento do solo praticados nas áreas periféricas, na maioria das vezes,desconhece a legislação sobre o assunto e, em muitas outras vezes, tal legislação é deficiente,principalmente no que se refere às calçadas, ruas avenidas, estradas vicinais e os serviçospúblicos de modo geral.

O legislador, na sua míope visão de conjunto, não consegue prever nem prover recursos (porexemplo, áreas para expansão das vias ou para logradouros públicos para o bem estar dapopulação).

Por outro lado, a localização de tais áreas não obedece a zoneamentos para usos compatíveisnem ao parcelamento do solo, para que o adensamento populacional seja limitado e atendarequisitos de saúde pública ou de prevenção de acidentes e catástrofes, inclusive as climáticas.Tanto o zoneamento quanto o adensamento demográfico tocam profundamente a mobilidadeurbana e a segurança pública.

Ora, como o principal motivo dos deslocamentos é o trabalho, nota-se, em praticamente todasas cidades de porte médio para pequenas, que o padrão de viagens é o de pessoas que sedeslocam dos bairros mais pobres para o local de trabalho que necessariamente passam pelo

centro.

O Brasil já vem, de algum tempo para esta data (pelo menos 40 anos) desenvolvendo umprocesso de urbanização sustentado pelo que se chamou, no momento mais agudo, de êxodo

rural , provocado em grande parte por forte capitalização nas atividades agrícolas, geratriz degrande produtividade e elevado desemprego no campo. Tais pessoas se dirigiram para ascidades e se concentraram nas periferias das grandes metrópoles.

Em Macaé, por exemplo, as atividades na área do petróleo atraíram migrantes de diversasqualificações que impactaram a área urbana de várias maneiras e a mobilidade urbana de

modo especial.

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2.3 – Questões de Concentração de Renda e da Pobreza

Tais questões estão intimamente ligadas às políticas públicas de desenvolvimento econômico esocial, nas quais as fronteiras da exclusão e da inclusão social estão constantemente sendotrabalhadas e desafiadas por um índice fundamental, a produtividade, e pela maior ou menor

compreensão do conceito de bem comum.

Os processos de segregação e de inclusão estão permanentemente em correlação efrequentemente em referência aos aspectos econômicos que repercutem nas relações sociais epolíticas. Por sua vez, estas relações repercutem na mobilidade urbana, cada qual a seu modo ecom maior ou menor intensidade.

Mas a pobreza, segundo Faleiros (2006) “é a forma de exclusão mais generalizada”4.

A Declaração dos Direitos Humanos, ONU, 1948, informa que o “reconhecimento da dignidade

inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis,constitui o fundamento de liberdade, da justiça e da paz no mundo”. 

Nesse sentido Pochmann e Amorim (2003), apud Faleiros (2006), afirmam que a exclusão  – emoutras palavras, impedimentos ao pleno exercício da cidadania – “é configurada por segmentos

sociais deserdados de alguma condição de vida digna e por segmentos que nunca foramdignamente considerados”. 

Na concepção de Stoer, Magalhães e Rodrigues (2004), a pobreza “esconde” as pessoas , isto é,os pobres não são percebidos pelos das classes mais altas de renda e muitas vezes, do ponto de

vista prático, pelo Poder Público também: há uma perda generalizada quanto às funçõessociais, econômicas e políticas, ou seja, o pobre não é considerado como cidadão.

Um dos fatores mais importantes na geração da desigualdade que sustenta a força queempurra as pessoas para a pobreza é a concentração de renda 5. No Brasil, nos últimos anosdeste século, tem decrescido fortemente; em 2009 se encontrava no patamar de 0,51; em 2008era de 0,54. Mas até esses anos, por exemplo, ao encerrar-se o século XX, ocupava o 125º lugarentre os países para os quais esse índice era medido pelo PNUD. Para se ter ideia dessa relaçãodeve-se informar que em 2008, o Paraguai apresentava um índice de 0,67; a Noruega 0,25;Portugal, 0,38; Estados Unidos 0,45; França 0,33; Bolívia 0,60.

Apesar de uma progressão favorável nos últimos anos, o Brasil ainda se encontra longe de umadistribuição mais equitativa da Renda Nacional. Significa dizer que as camadas mais ricas dapopulação continuam a deter grande parte desses valores, enquanto parcela pouco expressivase distribui entre a massa maior de população. Consequentemente, a cidadania, do ponto devista do exercício efetivo e pleno dos direitos fundamentais do homem, ainda está longe de ser

4 Faleiros, V. P, - Inclusão Social e Cidadania – documento apresentado na ICSW Conference, 2006 .5 O índice que mede a desigualdade e a concentração de renda, adotado pelo PNUD, ONU, é o índice do matemático italiano

Corrado Gini, que compara a concentração de renda entre os mais pobres e os mais ricos. Esse índice varia de 0 a 1. O índice deGini quanto mais próximo de 1 demonstra maior desigualdade; a situação ideal ocorrerá quando chegar a zero

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alcançada. E, se dentro desses direitos se inclui o da locomoção, é certo que temos muito aprogredir.

Considerando, por exemplo, a velocidade média de percurso como índice expressivo dasegurança, do conforto e da confiabilidade na locomoção, comecemos a pensar no quanto se

necessita investir se soubermos que o México, por exemplo, investiu cerca de US$ 1,4 bilhõespara elevar essa velocidade e, depois de 10 anos, chegou à conclusão de que pouco avançou.

Se medirmos outros índices sociais brasileiros e o compararmos com os de outros paísesveremos que, mesmo sendo o 6º PIB do Mundo, muito ainda temos que realizar paraprovocarmos significativa inclusão social através da mobilidade urbana. Esse progresso não sefará sentir enquanto o Poder Público e os indivíduos não se conscientizarem da necessidade demudanças de atitude.

2.4 –

O Banditismo

O banditismo é característica do espaço urbano popular. Na verdade, trata-se de um grupo depessoas que encontra nesse espaço pouca resistência. A população ordeira e pacífica nãodispõe de meios suficientes nem é suficientemente apoiada pelo Poder Público para defender-se dessa intrusão.

A pobreza, representada por desemprego, subemprego, pouca qualificação profissional etc,resulta em redução de rendimento, que traz diversos pontos de vulnerabilidade para essesaglomerados sociais na cidade e instala um processo de desestruturação social  – a começar

pela da família – que passa pelo empobrecimento e pelo isolamento social, pela estigmatizaçãoda população, pelos preconceitos, pela carência cívica, podendo chegar à guetificação6.

O banditismo  – por trazer a violência como forma de dominação  – impõe regras que acabampor expulsar o Poder Público daquele que passou a ser o “seu” território. Tal dominação

necessita também, para continuar, de ações sociais de clientelismo que impedem os serviçospúblicos de atuarem com regularidade.

Segundo Luís Eduardo Soares (2000) citado por Ribeiro, distingue os seguintes efeitos daviolência ou banditismo:

“a) desorganização da vida associativa e política das comunidades; b) imposição de um regime despótico nas favelas e bairros populares;c) recrutamento da força de trabalho infantil e adolescente;d) disseminação de valores bélicos, contrários ao universalismo democrático e

cidadão, fazendo com que os princípios de orientação dos comportamentos sociais,especialmente dos jovens, sejam aqueles ligados à lealdade, honra e coragem,

6 Apud Ribeiro, L. C. Q. (2007), citando Wacquant, 2001b, p.34, [...] “o gueto é um dispositivo socioespacial que permite a um

grupo estatutário, dominante em um quadro urbano, desterrar e explorar um grupo dominado e portador de um capital simbólico

negativo, isto é, uma propriedade corporal percebida como fator capaz de tornar qualquer contato com ele degradante, em virtude

daquilo que Max Weber chama de “estimação social negativa da honra”. Em outros termos, um gueto é uma relação etnoracial decontrole e de fechamento composta de quatro elementos: estigma, coação, confinamento territorial e segregação institucional”. 

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próprios da sociedade feudalizada, havendo retração dos valores civilizatórios quehabilitam seu portador com disposições subjetivas para o respeito às regras dasociabilidade e para a racionalidade estrategicamente orientada;

e) como consequência, nos bairros populares, observa-se o predomínio agressivo dosvalores da guerra feudalizada, fundados na crença da supremacia da coragem e da

lealdade, o que leva, invariavelmente, a um quadro social de faccionalismo fatricida;f) destruição das estruturas familiares e da dinâmica da reprodução cultural ao se

inverterem as relações de autoridade intergeracionais, convertendo-as em laços depoder militarizado. Em decorrência da vigência destes valores, há, nos bairrospopulares, uma permanente disputa em torno da supremacia moral de duasestruturas de hierarquia; a familiar e a do tráfico. A consequência é a degradação da“lealdade comunitária tradicional, substituindo-a por relações exclusivistas comgrupos paramilitares e por um narcisismo consumista extremo”. Nos bairros em que

o tráfico tem presença marcante, “a identidade predominante passa a ser o grupo

criminoso, que usa o vínculo simbólico de uma das grandes ‘famílias’ do tráfico...

para diferenciar-se dos rivais. Esse processo tende a ser mais traumático quando ostraficantes são invasores, isto é, não originários da favela que dominam”; 

g) fortalecimento e disseminação do patriarcalismo, da homofobia e da misogonia;h) estimulação de reações que tendem a estigmatizar a pobreza e os pobres,

promovendo imagens negativas das comunidades dos bairros populares, que passama ser vistos como fontes do mal. Essas imagens inspiram e reforçam práticasdiscriminatórias da sociedade como um todo em relação às favelas e aos bairrospopulares, sobre os quais passam a vigorar concepções e discursos estigmatizadores.Bem sabemos, a partir dos resultados das pesquisas de Wacquant (2001) sobre osguetos negros de Chicago e sobre as periferias pobres de Paris que o estigma acaba

sendo incorporado pelos estigmatizados, o que os leva a comportamentos orientadospela busca em se dissociar desses lugares”.

Pode-se ainda acrescentar que a ação de posse ou despossessão de imóveis tambémobedecessem a regras determinadas pelo banditismo. Os piores índices de repetência e evasãoescolar, de mortalidade de jovens, de mães jovens solteiras, de analfabetismo, de desocupadossão próprios dessas áreas marginalizadas.

Constitui-se, portanto, numa marginalização de área considerável que passa a funcionar como“praça de guerra” para que a segurança dos bandidos seja assegurada. 

3 – Mobilidade Urbana: Meio de Eliminar a Segregação

Avaliemos, agora, como a mobilidade urbana, principalmente a acessibilidade, poderáconstituir-se em instrumento para a eliminação da segregação social. É certo que não hásoluções geniais nem receitas infalíveis; cada cidade terá seus problemas e, por isso, assoluções dependerão de estudo da situação particular de cada uma.

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3.1 – Ações do Poder Público

Evidentemente, o Poder Público tem a maior responsabilidade na eliminação das causas dasegregação social na cidade em questão. Por isto, deverá organizar-se para, ao identificar oproblema e diagnosticar suas origens, mobilizar-se e à população para as soluções possíveis.

O Poder Público e a população são partes complementares interessadas diretamente emrealizar a inclusão. É utópico jogar a responsabilidade total das ações necessárias para um oupara outro.

Portanto, a primeira preocupação do Poder Público é a de ser eficiente e eficaz na mobilizaçãode todos os cidadãos para a solução do problema. Essa preocupação pressupõe a existência, naestrutura governamental, de um órgão que coordene as ações possíveis e adequadas.

Trata-se de uma equipe interdisciplinar básica, um núcleo de profissionais, com visão de

conjunto, atento aos desequilíbrios da cidade e que proporá medidas de curto e longo prazo:tenha um plano de trabalho claro, objetivo, convincente, com as políticas públicas para ainclusão social já definidas. A divulgação do documento e a convocação da população deveexplicitar de antemão, claramente, quem vai fazer o que, porquê, para que, o volume derecursos disponíveis, como será aplicado, onde e quando.

Esse órgão deve fazer parte da Assessoria da Governança da cidade, com atribuições ecompetências para auxiliar o Chefe do Executivo nas tarefas a serem executadas.

Se tal órgão será uma Secretaria ou não, dependerá do entendimento que cada Chefe de

Executivo dos níveis governamentais (federal, estadual ou municipal) sobre sua estrutura deorganização administrativa. Também neste aspecto não há fórmula definida. O bomadministrador se caracteriza por sua capacidade de gerir e liderar pessoas e recursos materiaispara atingir seus objetivos. Cada um, por seu conhecimento das pessoas, por sua experiência,por seu sentimento (ou instinto) saberá como colocar em funcionamento aqueles que chamarpara estruturar e utilizar os recursos necessários e suficientes no processo de desenvolvimentodas ações para alcançar o que pretende.

O Poder Público, na figura de Poder Concedente, é o gestor da mobilidade urbana no que serefere ao trânsito e ao transporte. Consequentemente, um dos elementos importantes é a

fiscalização. A forma de exercer a fiscalização permitirá que o usuário reconheça que seusdireitos e deveres relativamente à segurança, conforto e confiabilidade em seus deslocamentosestão sendo preservados e exigidos.

3.2 – As Principais Acessibilidades

Ao tratar-se das acessibilidades, estamos pensando em facilitar às pessoas a fruição de seusdireitos fundamentais da cidadania e na igualdade de oportunidades para qualquer pessoaexercer seus direitos, cujos principais componentes, em relação à mobilidade urbana, são

transporte e trânsito.

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Procuremos, na ordem, identificar as acessibilidades:

a) as pessoas a serem incluídas;b) os elementos do que querem fruir, no nosso caso a mobilidade urbana;c) os impedimentos que possam ter, do ponto de vista de espaço e tempo em relação ao

modo de deslocamento.

As Pessoas

Comecemos por afirmar que as pessoas, não importam suas características pessoais físicas oumorais, têm o direito de ir e vir, até mesmo os confinados por decisão judicial.

Por conseguinte, relativamente à mobilidade urbana, os diferenciais estão no conjunto dascaracterísticas físico-temporais; predicados políticos, morais, econômicos ou sociais ou cor, oucrenças religiosas, não limitam o direito de ir e vir lato sensu.

Logo, o que se deve levar em consideração é a acessibilidade em relação:

a) à capacidade locomotora;b) à capacidade auditiva ou visual;c) à idade cronológica e mental;d) às condições de saúde do momento;e) ao tempo de gravidez, no caso das mulheres.

Em outras palavras, podem-se grupar as pessoas da seguinte forma:

- sadias, sem deficiências físicas graves;- com deficiência físicas temporárias ou permanentes;- com deficiências visuais graves;- com deficiências auditivas graves;- acima de 65 anos de idade;- crianças até cinco anos de idade;- com deficiência mental (neuróticas, psicóticas, etc) ou demente;- com obesidade mórbida ou não;- com nanismo ou gigantismo;

- mulheres grávidas

Elementos do Deslocamento

Tais pessoas exigem ou não cuidados adequados e apropriados em função da frequência e tiposde veículos, do ambiente de deslocamento (terra, água, ar), das vias e sua pavimentação, dosterminais de embarque e desembarque, dos pontos de parada.

O condutor do veículo e os outros profissionais que participam do transporte tem especialimportância no relacionamento com usuários.

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Do ponto de vista do deslocamento em si, há que se pensar nos três itens clássicos: segurança,conforto e confiabilidade. Na verdade, esses são os elementos que podem reduzir ainconveniência, à falta de palavra melhor, do deslocamento.

É, mediante a segurança do deslocamento, o conforto proporcionado pelo ambiente e pelo

veículo do modo de transporte e a confiança de que o serviço não será descontinuado, ou seja,que o usuário chegará no tempo previsto, ao seu destino, que o contrato do serviço foicumprido satisfatoriamente; portanto, o direito de locomoção foi exercido integralmente. Isto ,no fundo, é o que o Capítulo II da Lei 8987/1985, quer definir como serviço adequado.

Ambiente de Deslocamento e os Modos de Transporte

A rede estrutural trata do ambiente do deslocamento, dos modos de transporte, dos veículosem relação às pessoas que deles se utilizam e dos elementos que reduzem a penalizaçãoimposta pelos deslocamentos: segurança, conforto e confiança. Que se entende sobre cada um

desses requisitos?

Segurança – Todo cidadão, ao iniciar seu deslocamento pretende que, ao longo do percurso, apé ou em algum veículo, não haja qualquer empecilho ou obstáculo ou risco para chegar ao seudestino; isto é (a) as vias estejam desimpedidas, sem qualquer bloqueio e (b) o veículo de que ousuário se utiliza possa representar um risco ou venha a ser envolvido em acidente que, comocondutor ou passageiro, sofra ferimentos leves ou graves ou seja impedido de prosseguir suaviagem.

Conforto – A viagem, a pé ou em veículo, deve ser realizada de forma que represente o mínimo

de esforço e o máximo de bem estar do usuário do serviço; e os serviços, em quantidade equalidade, sejam compatíveis com os preços cobrados.

Confiabilidade  – Por ser um serviço público essencial, os usuários dos serviços de transportedevem esperar que não haja descontinuidade na operação, qualquer que seja o motivo alegado(inclusive greve) e que o operador do transporte, caso ocorra imprevistos, disponibilize meiosde deslocamento iguais aos contratados para o prosseguimento da viagem; no ponto inicial, àhora contratada, do dia aprazado, o operador deve ter o veículo contratado funcionandoperfeitamente para levar o usuário ao seu destino de tal maneira que os horários e datas dechegada sejam cumpridos como previstos.

A Rede Estrutural compreende:

- as vias utilizadas pelas linhas dos serviços de transporte, principalmente, no caso dospedestres e dos veículos leves (bicicletas e outros não motorizados, motocicletas,automóveis), em que a segurança e o conforto são importantes; nelas sãofundamentais as dimensões, o tipo de pavimento, a ausência de obstáculos ouirregularidades no pavimento, a segregação do tráfego, as defensas e as sinalizaçõespara um trânsito mais seguro e com menos impedâncias;

- os Terminais e os estacionamentos de qualquer modo de transporte servem como

lugares seguros, adequados, apropriados e confortáveis para cada grupo de pessoas

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embarcar ou desembarcar; neles devem existir mobiliário urbano e serviços públicosou privados que também devem permitir a todos os grupos de pessoas deles seutilizarem com segurança, conforto e confiança;

- os veículos e a operação dos sistemas de transporte para os quais deve ser dadaatenção específica e particular aos seus usuários; os veículos devem atender às

especificidades de cada grupo de pessoas, considerando as respectivas características,uma vez que qualquer pessoa de qualquer idade, com deficiências ou não, combiometrias exageradas ou não, podem desejar usar os veículos do sistema; osconstrutores e montadores de veículos devem estudar a forma mais barata paradisponibilizar veículos adequados e apropriados para uma política de inclusão social; aoperação dos sistemas deve ter a preocupação maior com a confiabilidade, pois umamá operação traz redução da confiabilidade; o condutor dos veículos é figuraimportante no conjunto dos elementos da operação; a perícia e a prudência, o bomrelacionamento com os passageiros, o conhecimento sobre o veículo, sobre o contratodos serviços e o regulamento (legislação) fazem parte do treinamento do condutor; um

condutor bem treinado aumenta a confiança nele e no sistema.

4 – Inclusão Social e suas Políticas Públicas

No Brasil, na década de 90, generalizou-se a compreensão de que algo deveria ser realizado paraeliminar as denúncias contra a exclusão social, contra os diversos tipos de dependência e dificuldadespara o exercício da cidadania.

Para tal contribuíram estudos elaborados por organismos internacionais (CEPAL, principalmente emrelação à América Latina) e, regionalmente, no Brasil, os diversos programas de iniciativa governamentalque surgiram na época e outros acontecidos no decorrer dos anos recentes e que se foram implantandona tônica de políticas públicas inclusivas também na mobilidade urbana e na acessibilidade.

Passadas aproximadamente duas décadas, o Brasil continua longe de considerar os problemas dapobreza, da mobilidade urbana, da acessibilidade generalizada e da cidadania plena equacionados ouresolvidos. Mas não devem ser motivos de desânimo; os índices alcançados  – pois houve progresso  – continuam como desafios a serem vencidos. A mobilidade urbana é um desses.

4.1 – Necessidades e Cuidados com as Políticas Públicas Inclusivas na Mobilidade Urbana

Já deixamos claro que a mobilidade urbana é uma das principais atividades das sociedades de cadacultura. Mais ainda, não há receitas nem fórmulas padrões que se possam aplicar indistintamente àscidades; o diagnóstico das situações particulares e os prognósticos indicarão as políticas a seremadotadas. Nada disso é novidade, mas a reafirmação de que as políticas públicas a serem definidasdevem adequar-se e serem apropriadas a cada situação específica.

É necessário reconhecer também que o inclusivismo tem seus limites e cada sociedade não devedescartar suas características culturais e exceder limites que transformem boas ideias em fracassosretumbantes.

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Portanto, as estratégias para desenvolver projetos inclusivos de mobilidade urbana devem originar-seem ideias claras e precisas, como contribuição à solução de problemas identificados, diagnosticados eaceitos pelos interessados como os mais importantes.

Quem tem conhecimento de causa  – os técnicos especialistas  – tem a obrigação de ajudar quem é

curioso e não tem conhecimento do assunto. Deve alertar, mediante prognósticos bem fundamentados,para as possíveis e prováveis consequências de soluções propostas pelos interessados. O técnicoespecialista não deve impor sua vontade, mas convencer com alternativas melhores. Analise, porém,com acuidade as propostas dos interessados, pois além de a dor ensinar a gemer, só quem a sofre sabeonde dói. Mas não se esqueça de avaliar sob a ótica do bem comum, pois políticas inclusivas podem setornar-se políticas de exclusão por algum viés particular mal avaliado. 

Insistimos que o bem, comum não corresponde ao bem da maioria, mas aquele que se oferecea todos sem criar exceções ou discriminações. Nesse sentido é que se pode falar decomunidades: “arenas de inclusão política para a cidadania ativa”

7. A comunidade, sem dúvidadeve ser compreendida como um agrupamento onde a solidariedade é fundamental , pois sem

eles, os fatos e atos econômicos provocam lutas de classes, como explica MacMurray, citadopor Shiroma (2001).

Nesse sentido, a pobreza é o elemento determinante da exclusão social. Logo, políticas públicasfundamentais são as que se direcionam à redução do nível de pobreza. Do ponto de vista damobilidade urbana, as políticas devem estar atentas à modicidade das tarifas, em que osubsídio não significará necessariamente a tarifa zero.

A redução da pobreza, sociologicamente, implica formas de inclusão e, economicamente, oaumento do mercado consumidor. Consequentemente, ações solidárias contribuem para oferta

de oportunidades para uso de bens comuns, embora a solidariedade não signifique,necessariamente, em filantropia.

As políticas públicas não podem estar atreladas a programas de filantropia, cujos objetivos sãoespecíficos e limitados pela própria natureza do que se propõem. Todas as ações filantrópicassão benvindas e devem ser incentivadas, mas o foco do Poder Público são políticas públicas dehorizontes mais amplos: a inclusão social compreende também a inclusão política e aeconômica, pois o objetivo a atingir é o homem integral, isto é, o homem em todas as suasdimensões.

Entendemos não se tratar somente de criar maiores oportunidades de ascensão social, mas deproporcionar o usofruto de bens e serviços que estejam disponíveis a todos os que desejem epossam utilizá-los, sem distinção. Nenhum bem ou serviço, contudo, é ilimitado; daí o valor quelhes é imputado.

A derrocada do comunismo com todos os seus valores e ideias provocou nova reflexão sobre asocialização dos fatores de produção. Mesmo numa economia com planejamento centralizadoe com forte socialização dos fatores de produção e dos bens e serviços, as leis da oferta e daprocura sempre determinarão o valor dos bens e serviços à disposição no mercado.

7Shiroma, D. E. – A Outra Face da Inclusão  – in TEIAS, Ano 2, nº n3, jan/jun 2001

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Ao Poder Público caberá amenizar desigualdades, aplicando políticas públicas que sepreocupem em reduzi-las, mas sabendo que essa redução se fará em maior ou menorvelocidade em função da maior ou menor compreensão da sociedade em relação à necessidadeda solidariedade, não somente de boca nem no que lhe for indiferente ou supérfluo.Nesse sentido é que políticas públicas de uma cidade inovadora devem tomar rumo no âmbito

municipal. Tais políticas necessitam de, a nível nacional e estadual, terem seu respaldo,; nonosso caso, as referentes à mobilidade urbana.

Nesse aspecto muito se pode lucrar ao tomar como referência o Texto para Discussão nº 960  – Transporte Urbano e Inclusão Social: Elementos para Políticas Públicas (IPEA, jul/2003)apresentado por Gomide (2003).

O Brasil, entre 1995 e 2001, apresentou índices crescentes de pobreza: de 50,2 milhões depessoas em 1995, passou para 55,4 milhões de pessoas, o que representava cerca de 34% dapopulação total em 2001.

Desses cerca de 55 milhões, 14% estão incluídos no gripo de indigentes, aqueles que não têmrenda suficiente para o consumo do mínimo de calorias determinado pela OMS  – OrganizaçãoMundial da Saúde.

Passada uma década, considerando os dados do IBGE (Censo Demográfico de 2010 e PNAD de2009) tem-se a seguinte posição: o número de pessoas de 10 anos e mais que não declararamrendimentos (50,6 milhões de pessoas), somado ao das pessoas sem rendimento (2,4 milhõesde pessoas) chega a 53,0 milhões pessoas. Isto é, as pessoas que se consideram como pobresou abaixo da linha de pobreza representavam, em relação à população total cerca de 28%, o

que significou uma forte redução nos níveis de pobreza e indigência, ainda mais se seconsiderar que o índice de Gini, no mesmo período, também se reduziu; ou seja além de menornúmero de pobres, aconteceu maior distribuição da renda.

Onde se encontra essa população pobre?

Cerca de 76% da população total, situa-se no quadro urbano e é a principal fonte depreocupação dos Municípios e também de quem trata da mobilidade urbana. Esse grupo, se seconsiderar que guardará a mesma proporção na população do quadro urbano, estarárepresentado por cerca de 42 milhões de pessoas.

Observe-se que as políticas públicas não devem, quanto à mobilidade urbana, limitar-se àsquestões tarifárias, pois as questões de urbanização, da rede estrutural de transporte, dossistemas operacionais, do trânsito contêm elementos que podem atuar no sentido da exclusão.

Logo, a discussão se amplia ainda que o foco na pobreza seja preferencial. Todos os agentes damobilidade urbana devem sentir-se convocados a acharem soluções inclusivistas,principalmente o Poder Público e os operadores dos sistemas de transporte  – quanto mais nãoseja para aumentar o mercado – do ponto de vista prático e os especialistas do ponto de vistateórico. Esses agentes devem unir-se para esforços produtivos no sentido de abrir espaços para

o exercício pleno da cidadania.

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O aumento da velocidade média de percursos  – índice importante em função das implicaçõesno transporte e no trânsito  – faz parte das políticas públicas da mobilidade urbana e é fatornecessário para a governança das cidades.

Em grandes metrópoles, como S. Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras – da mesma

forma que as grandes cidades do mundo  – são exemplos do que pode acontecer com cidadesmenores se não forem tomadas providências corretas e não se realizarem investimentos queno mínimo sustentem a mesma velocidade média de percurso.

Se temos exemplos – e maus exemplos – das consequências no transporte e no trânsito quantoà redução da velocidade média de percurso, será insano nada realizar em cidades queapresentem fortes índices de expansão urbana, como os de algumas regiões metropolitanasbrasileiras, os das cidades do Estado do Rio de Janeiro vinculadas à economia do petróleo(Quissamã, Macaé, Rio das Ostras, Itaboraí, por exemplo) e tantas outras cujos índices decrescimento demográfico excedem 3% a.a. ou que receberão fortes investimentos em unidades

industriais (como por exemplo, S. João da Barra, RJ).

As Prefeituras de tais Municípios não dispõem de pessoal capacitado para pensar sobre oassunto nem para desenvolver as ações necessárias, nem de recursos financeiros parainvestimentos, pois a maioria tem orçamentos comprometidos com suas folhas de pagamentode pessoal e muitas estão em situação de inadimplência com o Governo Federal, o que asimpossibilita de recorrer a financiamentos.

Há que se encontrar solução para cada caso, o que significa a necessidade de uma políticapública a nível federal e estadual, para que o financiamento desses investimentos se realize. A

população desses municípios, principalmente as de baixa renda, são aquelas que mais sofrem.Nessas políticas públicas, a fiscalização do uso do financiamento é aspecto fundamental;organizar a fiscalização vem antes de qualquer ação. Repetimos que tais investimentos não selimitam ao projeto em si, mas devem contemplar aqueles itens necessários à inclusão dohomem integral.

Cada nível governamental deve, com base em suas realidades orçamentárias, definir suaspolíticas públicas capazes de aumentar a inclusão social.

4.2 –

Base de Políticas Públicas para a Mobilidade Urbana

Há que firmar-se serem a pobreza e a exclusão coisas diferentes. A pobreza é uma situaçãoeconômica e/ou financeira momentânea  – que evidentemente pode se tornar crônica  – enquanto a exclusão social está incluída nas questões do relacionamento e da participação dosgrupos sociais na vida em sociedade. Pobre ou não qualquer pessoa pode tornar-se impedidode um relacionamento social; sem dúvida, a pobreza é um das vertentes mais importantes daexclusão social.

Mas do que se quer tratar é que a mobilidade urbana pode ser também importante fator de

inclusão social; mas pode contribuir também para a exclusão.

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Gomide (2003) lembra que o transporte urbano pode, desde que bem operado, promover oacesso ao emprego, às fontes de renda e aos serviços públicos sociais, além de reduzir as taxasde poluição ambiental.

Na União Europeia (principalmente no Reino Unido, na França e na Alemanha) diversos estudos

e trabalhos se têm realizado e algumas políticas públicas estão sendo aplicadas,particularmente em questões de acessibilidade.

Church e Frost (1999), por exemplo, apud Daniela Carvalho (2010), enumeram sete tipos deexclusão social que a mobilidade urbana pode reduzir, neles incluído o tempo de viagem entreorigem e destino e dificuldades de acesso a locais de trabalho e a serviços públicos (inclusive ahospitais).

Os diversos autores pesquisados, de modo geral, concordam em que, relativamente àmobilidade urbana, os fatores de exclusão ou inclusão social, isoladamente, são pouco eficazes;

mas o conjunto das condicionantes socioeconômicas, politico-institucionais, tecnológicas, porinovações a elas inerentes, poderá alterar os quadros vigentes no sentido de maior inclusãosocial mediante a mobilidade urbana como definida anteriormente.

O que Zioni, S. (2011)8 apresenta como fatores de crise do transporte público urbano poderáser aproveitado, mutatis mutandi , para a mobilidade urbana (transporte nas diversasmodalidades, e trânsito), nela incluída a acessibilidade:

“(i) Descompasso entre custo do transporte e capacidade de pagamento do usuário,predominantemente, população trabalhadora de baixa renda, o que resulta no círculo

vicioso de tendente queda de demanda e aumento dos custos.

(ii) Barreiras ao acesso ao serviço público transporte demonstrada pelo aumento deviagens a pé indicam a crescente exclusão da população às oportunidades urbanas, e aconsequente intensificação da segregação espacial urbana.

(iii) Disputa entre modos de transporte e sistemas de mobilidade no espaço viário econflito entre atores e classes sociais pelo domínio do espaço público.

(iv) Externalidades crescentes, principalmente aquelas produzidas pelo transporte

individual e que não são compensadas pelos usuários do modo auto, oneram os custosgerais de urbanização.

(v) Organização do setor de transporte segundo processos de concentração de gruposempresariais e de informalidade e improvisação da oferta de serviços indica afragilidade do quadro institucional de regulação econômica da atividade.

(vi) Perspectiva ainda incerta quanto a possíveis ganhos de investimentos e avanços deregulação permitidos pelo quadro institucional e novos instrumentos urbanísticos.

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  Zioni, S.  –  Como Usar CT&I para Promover a Inclusão Social? Políticas |Públicas  –  Transporte Urbano  –   in Seminário Preparatório – 3ª CNCTI – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE

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(vii) Financiamento dos sistemas de transporte dependentes ou restritos a recursostarifários.

(viii) Inovações tecnológicas e de gestão do setor limitadas e restritas a objetivosoperacionais.

(ix) Coordenação institucional falha entre níveis de poder afeta a organização dossistemas nas aglomerações urbana, e principalmente nas regiões metropolitanas”.

Evidentemente, para cada sistema de transporte (rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário)há particularidades que devem ser levadas em conta na formulação das políticas públicas decada município. Contudo, os aspectos levantados são aplicáveis em qualquer das situações,alguns com mais ou menos relevância neste ou naquele sistema, neste ou naquele Município,mas todos estão neles presentes.

O Governo Federal, através do Ministério das Cidades vem contribuindo para a elaboração depolíticas públicas; todavia, as Agências Regulamentadoras conservam-se tímidas em suas açõesfiscalizadoras e regulamentadoras.

Alguns Estados e Municípios (principalmente as Capitais e seus Distritos Sedes bem comoAlgumas Regiões Metropolitanas) já se encontram em fase bem adiantada na formulação desuas políticas públicas particulares, enquanto outros não perceberam que fazem parte dessecontexto. A maioria, contudo, como canais de transformação de políticas públicas nacionais empolíticas públicas apropriadas e adequadas às particularidades das realidades locais, está aindalonge dessas metas nacionais.

Necessário, portanto, despertar os Estados e os respectivos Municípios para avaliarem suasrealidades e desenvolverem ações inclusivas nos seus territórios pelo desenvolvimento damobilidade urbana.