m&m andre final

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20 6 JAN 2014 comunicação Má notícia para as agências di- gitais: elas precisam se reinven- tar ou morrerão. Sim, esse é um fato autoevidente e alarmante (já que qual- quer negócio competitivo que não se adap- ta e se reinventa de tempos em tempos aca- ba morrendo de qualquer maneira), mas de análise necessária. Alguns temas recorren- tes que muitas noites de sono me tiraram: Digital não é mais uma especialidade, e sim um mindset Vale a pena ouvir uma última vez: estamos saindo da estrutura de impressão frequente de mensagens vazias nas retinas dos nossos consumidores para uma conexão baseada em diálogos abertos, constantes, e centra- dos em ajudá-lo a realizar seus desejos e vi- ver seus sonhos. O mundo “digital” é apenas um sinônimo de diálogo em rede, de conta- tos, de conexões, não é uma mídia específica. Para quem ainda não entendeu e absor- veu essa ideia em sua cultura empresarial, faça o favor de pagar US$ 5 mil e vá sentar numa das dezenas de palestras pouco inspi- radas de Cannes em 2014 e ouvir essa mes- ma história em vários formatos da boca dos maiores talentos do mundo do marketing. A competição pela posição de concubina-mor no reino do cliente é gigante As campanhas mais inovadoras e premia- das da atualidade não saem de agências di- gitais. As grandes agências tradicionais têm muito mais dinheiro e contas sedutoras do que você para atrair os melhores talentos digitais locais. Parceiros de mídia, como Vice, criam con- teúdo para qualquer plataforma, muitas ve- zes muito melhor do que qualquer agência criativa. Eles vão atrás do seu cliente ofere- cendo quase tudo o que você oferece, e mais um mundo de serviços que você nunca po- derá oferecer. A mesma coisa vale para parceiros de tecnologia, como Google e Facebook, que começam a contratar os melhores talentos do mercado e têm um network de mídia de performance e uma gama imensa de pro- dutos internos com os quais você não po- de competir. Agências especializadas de PR, social, conteúdo, etc. também abriram o foco. Até as grandes consultorias estratégicas, de Big Data ou SEO, estão tentando morder a par- te estratégica da conta de grandes marcas — deixando apenas a execução para ou- tros parceiros. É difícil provar que o que você faz realmente afeta o bottom-line Sim, você pode medir tudo o que faz e ter uma área desenvolvida de business intelli- gence — embora provavelmente não tenha. Seu cliente provavelmente não paga por is- so ou você não sabe fazer. Tudo bem. Esse não é seu problema real. Para um CMO ainda é muito mais fácil me- dir o impacto de um flight massivo de TV no bottom-line do que uma conversa de suces- so por meio do Facebook. Ainda não é claro como ações de engajamento de fato tocam o bottom-line, e isso é o fator decisivo para o investimento em mídias de engajamento. No Brasil, é difícil fazer grana com um novo modelo Nesse novo e interessante mundo que se descortina, consumidores provavelmente se relacionarão muito mais com a propos- ta da marca pelos canais gratuitos. E você sabe o que isso significa no Brasil: dez ve- zes mais trabalho criativo durante dez ve- zes mais tempo, consumindo criativos dez vezes mais caros, onde você comprará dez vezes menos mídia paga, historicamente o ganha-pão das agências tradicionais. Vejo dois caminhos para agências digitais no futuro: ou se transformam em fornece- dores de soluções muito específicas ou par- tem para uma relação direta e de alto valor estratégico com o cliente. Se achar que deve seguir o segundo caminho, tenho algumas reflexões para 2014: 1. Pare de falar em “digital” Saia do debate de mídia A ou B. No final, o trabalho de qualquer agência criativa é gerar ideias que influenciam comportamento de Se eu tivesse um centavo para cada agência que se descreve de maneira heroica e inovadora, mas trabalha de maneira arcaica, eu estaria milionário CRIATIVIDADE Morte às agências digitais Por ANDRÉ MATTARAZZO* compra e transformam audiência em consu- midores. Saiba que o mundo do marketing se interessa por empresas que nasceram no mundo digital e sabem fazer diferente. Uti- lize essa faceta sem se rotular diretamente para se transformar na parceira estratégica de branding de uma marca. 2. Repense seus objetivos Seu objetivo não pode ser “trabalhar mí- dias que são digitais” . Eles devem ser ligados à criação de his- tórias, produtos ou serviços com (e não pa- ra) consumidores, onde cada canal é visto como uma oportunidade de continuação dessa história. Não importa se o consumi- dor está no banheiro com o celular na mão para matar o tempo ou se ele está paqueran- do num bar. É tudo parte da mesma história. 3. Mude a maneira como trabalha Você não chegará a um resultado muito diferente trabalhando da mesma forma. Se eu tivesse um centavo para cada agência que se descreve de maneira heroica e inovado- ra, mas trabalha de maneira arcaica, eu es- taria milionário. Seu atendimento precisa existir? Se sim, quais os novos skillsets para essa nova es- trutura de contato com o cliente? Você cria conteúdo como uma máquina pré-históri- ca com 20 rounds de feedback por meses a fio ou tem um time de criação ágil e modu- lar que pode criar e publicar em tempo real? Aliás, quem são seus criativos — a velha du- pla redator e diretor de arte? 4. Você agora vive num mundo feito de conexões Agências precisam abrir seu leque de conexões e estabelecer parcerias. As me- lhores ideias atuais não são aquelas on- de a agência controla todas as variáveis. É preciso estar preparado para abraçar ris- cos, entrar em aspectos legais e logísticos como você nunca antes imaginou. Você fará parcerias de mídia, conectará marca a artistas, seus consumidores vão se enga- jar com a sua proposta e reagir de manei- ras difíceis de prever. Ao final, a morte da agência digital não precisa ser entendida como uma má notí- cia. Talvez ela tenha sido uma estrutura ne- cessária de transição num mundo que hoje não se comporta como no século passado. As pessoas não são as mesmas, não se re- lacionam da mesma maneira e certamen- te não têm as mesmas expectativas. Viva a morte da agência digital. * André Mattarazzo fundou a Gringo, comprada pelo WPP em 2011, e nos últimos anos dirigiu equipes de criação na SapientNitro Miami e Side Lee Amsterdã DIVULGAÇÃO

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Page 1: M&m andre final

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6 JAN 2014

comunicação

Má notícia para as agências di-gitais: elas precisam se reinven-tar ou morrerão. Sim, esse é um

fato autoevidente e alarmante (já que qual-quer negócio competitivo que não se adap-ta e se reinventa de tempos em tempos aca-ba morrendo de qualquer maneira), mas de análise necessária. Alguns temas recorren-tes que muitas noites de sono me tiraram:

Digital não é mais uma especialidade, e sim um mindset

Vale a pena ouvir uma última vez: estamos saindo da estrutura de impressão frequente de mensagens vazias nas retinas dos nossos consumidores para uma conexão baseada em diálogos abertos, constantes, e centra-dos em ajudá-lo a realizar seus desejos e vi-ver seus sonhos. O mundo “digital” é apenas um sinônimo de diálogo em rede, de conta-tos, de conexões, não é uma mídia específica.

Para quem ainda não entendeu e absor-veu essa ideia em sua cultura empresarial, faça o favor de pagar US$ 5 mil e vá sentar numa das dezenas de palestras pouco inspi-radas de Cannes em 2014 e ouvir essa mes-ma história em vários formatos da boca dos maiores talentos do mundo do marketing.

A competição pela posição de concubina-mor no reino do cliente é gigante

As campanhas mais inovadoras e premia-das da atualidade não saem de agências di-gitais. As grandes agências tradicionais têm muito mais dinheiro e contas sedutoras do que você para atrair os melhores talentos digitais locais.

Parceiros de mídia, como Vice, criam con-teúdo para qualquer plataforma, muitas ve-zes muito melhor do que qualquer agência criativa. Eles vão atrás do seu cliente ofere-cendo quase tudo o que você oferece, e mais um mundo de serviços que você nunca po-derá oferecer.

A mesma coisa vale para parceiros de tecnologia, como Google e Facebook, que começam a contratar os melhores talentos do mercado e têm um network de mídia de performance e uma gama imensa de pro-dutos internos com os quais você não po-de competir.

Agências especializadas de PR, social, conteúdo, etc. também abriram o foco. Até as grandes consultorias estratégicas, de Big Data ou SEO, estão tentando morder a par-te estratégica da conta de grandes marcas — deixando apenas a execução para ou-tros parceiros.

É difícil provar que o que você faz realmente afeta o bottom-line

Sim, você pode medir tudo o que faz e ter uma área desenvolvida de business intelli-

gence — embora provavelmente não tenha. Seu cliente provavelmente não paga por is-so ou você não sabe fazer. Tudo bem. Esse não é seu problema real.

Para um CMO ainda é muito mais fácil me-dir o impacto de um flight massivo de TV no bottom-line do que uma conversa de suces-so por meio do Facebook. Ainda não é claro como ações de engajamento de fato tocam o bottom-line, e isso é o fator decisivo para o investimento em mídias de engajamento.

No Brasil, é difícil fazer grana com um novo modelo

Nesse novo e interessante mundo que se descortina, consumidores provavelmente se relacionarão muito mais com a propos-ta da marca pelos canais gratuitos. E você sabe o que isso significa no Brasil: dez ve-zes mais trabalho criativo durante dez ve-zes mais tempo, consumindo criativos dez vezes mais caros, onde você comprará dez vezes menos mídia paga, historicamente o ganha-pão das agências tradicionais.

Vejo dois caminhos para agências digitais no futuro: ou se transformam em fornece-dores de soluções muito específicas ou par-tem para uma relação direta e de alto valor estratégico com o cliente. Se achar que deve seguir o segundo caminho, tenho algumas reflexões para 2014:

1. Pare de falar em “digital”Saia do debate de mídia A ou B. No final, o

trabalho de qualquer agência criativa é gerar ideias que influenciam comportamento de

Se eu tivesse um centavo

para cada agência que se descreve de maneira heroica e inovadora, mas trabalha de maneira arcaica, eu estaria milionário

CRIATIVIDADE

Morte às agências digitaisPor ANDRÉ MATTARAZZO*

compra e transformam audiência em consu-midores. Saiba que o mundo do marketing se interessa por empresas que nasceram no mundo digital e sabem fazer diferente. Uti-lize essa faceta sem se rotular diretamente para se transformar na parceira estratégica de branding de uma marca.

2. Repense seus objetivosSeu objetivo não pode ser “trabalhar mí-

dias que são digitais”. Eles devem ser ligados à criação de his-

tórias, produtos ou serviços com (e não pa-ra) consumidores, onde cada canal é visto como uma oportunidade de continuação dessa história. Não importa se o consumi-dor está no banheiro com o celular na mão para matar o tempo ou se ele está paqueran-do num bar. É tudo parte da mesma história.

3. Mude a maneira como trabalhaVocê não chegará a um resultado muito

diferente trabalhando da mesma forma. Se eu tivesse um centavo para cada agência que se descreve de maneira heroica e inovado-ra, mas trabalha de maneira arcaica, eu es-taria milionário.

Seu atendimento precisa existir? Se sim, quais os novos skillsets para essa nova es-trutura de contato com o cliente? Você cria conteúdo como uma máquina pré-históri-ca com 20 rounds de feedback por meses a fio ou tem um time de criação ágil e modu-lar que pode criar e publicar em tempo real? Aliás, quem são seus criativos — a velha du-pla redator e diretor de arte?

4. Você agora vive num mundo feito de conexões

Agências precisam abrir seu leque de conexões e estabelecer parcerias. As me-lhores ideias atuais não são aquelas on-de a agência controla todas as variáveis. É preciso estar preparado para abraçar ris-cos, entrar em aspectos legais e logísticos como você nunca antes imaginou. Você fará parcerias de mídia, conectará marca a artistas, seus consumidores vão se enga-jar com a sua proposta e reagir de manei-ras difíceis de prever.

Ao final, a morte da agência digital não precisa ser entendida como uma má notí-cia. Talvez ela tenha sido uma estrutura ne-cessária de transição num mundo que hoje não se comporta como no século passado. As pessoas não são as mesmas, não se re-lacionam da mesma maneira e certamen-te não têm as mesmas expectativas. Viva a morte da agência digital.

* André Mattarazzo fundou a Gringo, comprada pelo

WPP em 2011, e nos últimos anos dirigiu equipes de

criação na SapientNitro Miami e Side Lee Amsterdã

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