ministÉrio da educaÇÃo universidade federal da … · face de cristo tem me ajudado a cada dia...

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MÁRCIO JOSÉ DE OLVEIRA ROCHA ANA WOLLERMAN: EDUCAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO EM AMAMBAI-MS (1947-1954) DOURADOS 2013

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Page 1: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA … · face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso com a Vida e com o Próximo. A

MINISTEacuteRIO DA EDUCACcedilAtildeO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

FACULDADE DE EDUCACcedilAtildeO

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO

MAacuteRCIO JOSEacute DE OLVEIRA ROCHA

ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM

AMAMBAI-MS (1947-1954)

DOURADOS

2013

MAacuteRCIO JOSEacute DE OLIVEIRA ROCHA

ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM

AMAMBAI-MS (1947-1954)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade

Federal da Grande Dourados para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Mestre em Educaccedilatildeo na aacuterea Histoacuteria Poliacuteticas e Gestatildeo

da Educaccedilatildeo

Orientadora Profordf Dra Magda Sarat

DOURADOS

2013

Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD

370981

R72a

Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira

Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em

Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira

Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013

137 f

Orientadora Profa Dra Magda Sarat

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade

Federal da Grande Dourados

1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -

Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I

Wollerman Ana II Tiacutetulo

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Dourados MS2013

BANCA EXAMINADORA

1ordm Examinadora (Presidente)

Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

2ordm Examinadora

Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal

Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________

3ordm Examinadora

Profordm Drordm Ademir Gebara

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Suplente

Profordm Drordm Reinaldo dos Santos

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Dedicatoacuteria

A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas

Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha

Em especial a Nair minha companheira que amo com

profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas

ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa

AGRADECIMENTOS

A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na

face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso

com a Vida e com o Proacuteximo

A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-

doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos

percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em

alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador

A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir

participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense

Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr

Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da

pesquisa

A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de

Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos

maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos

A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche

do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas

reflexotildees sobre minha pesquisa

A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos

no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo

Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na

continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou

sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista

e educadora Martha Watts

A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e

da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees

ortograacuteficas do trabalho final

Aos entrevistados

Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para

educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana

Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e

Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr

Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a

histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o

terceiro com sua participaccedilatildeo

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo

Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada

ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados

Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA

1993 Rom 10 13-15)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora

Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que

ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para

outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo

treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e

memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de

evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e

sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu

perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a

metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para

analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e

degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para

produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana

Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos

Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico

de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o

indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias

utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau

para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de

representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em

cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos

mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana

Wollerman no Brasil

Palavras Chaves

Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo

ABSTRACT

The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator

Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period

that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving

on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the

training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of

familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization

for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its

importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations

of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for

the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical

operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman

produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History

for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were

involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural

History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural

practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted

representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the

autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the

bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana

Wollerman in Brazil

Key words

Ana Wollerman History of Education Protestantism

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08

Formaccedilatildeo familiar e escolar 13

Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25

O lugar da mulher no pensamento batista 30

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO

PROJETO DE ANA WOLLERMAN

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS

PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

A escola que Ana Wollerman criou 68

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os

ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-

mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu

interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos

anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute

socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou

provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo

Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)

ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo

tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-

grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem

tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser

analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava

uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem

Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca

(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de

cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual

natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo

tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como

pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e

especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma

contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do

Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas

de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo

Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma

Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo

protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a

1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a

pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica

(PROCAD)

2

formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o

desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento

analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da

educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que

levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do

metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional

acima referido

Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no

Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia

Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um

estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas

no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica

brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo

ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da

educaccedilatildeo protestante

Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por

exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de

civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa

as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-

americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a

1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A

obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de

fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo

presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em

conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um

papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria

Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que

seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma

nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos

missionaacuterios no Brasil

Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade

a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do

seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e

3

desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social

entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre

catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional

que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons

Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de

afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a

educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas

diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos

protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo

dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a

investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria

servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos

protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas

escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas

viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles

do que pelos demais grupos protestantes

Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica

voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo

em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a

formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da

Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio

de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando

as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e

dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se

encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este

trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de

mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado

a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier

Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil

que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista

(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a

2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do

projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente

4

Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar

a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no

periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela

partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde

conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu

casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico

material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e

natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo

defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra

do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de

seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no

Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do

coleacutegio

O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo

batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de

praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo

do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura

escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto

educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute

Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade

Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA

contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise

complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando

praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da

participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo

batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa

perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo

ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites

da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas

escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas

Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash

1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e

5

sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor

analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-

alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da

Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do

coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo

direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos

para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral

E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema

de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta

poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia

muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez

pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul

O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de

missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia

as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual

razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana

Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo

atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos

depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia

independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica

missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo

A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de

anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o

periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash

para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio

Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados

da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo

No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de

formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico

quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre

6

sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia

escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste

capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir

da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva

(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a

memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das

necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre

passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o

lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a

especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na

segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta

cidade

O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no

Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai

(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura

da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria

socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas

da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo

Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as

praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-

se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se

que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-

noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o

individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de

convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees

de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo

destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)

No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana

Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e

7

educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo

especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza

A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos

seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes

utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo

da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a

professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e

continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo

Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e

Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O

tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador

na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a

ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das

materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por

meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica

dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente

concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por

ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado

a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento

8

CAPITULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA

FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA

Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas

missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como

essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute

analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-

educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas

como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece

o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil

Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo

A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana

Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de

Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da

centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente

(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave

medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente

(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema

encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o

processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo

gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de

um(a) missionaacuterio(a) batista

Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo

sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em

seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA

3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem

gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute

que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los

literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa

9

Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o

irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus

porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo

vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4

Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se

reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que

documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime

o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE

GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana

Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado

segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)

Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim

como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana

Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a

colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria

de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi

quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos

anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave

1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse

consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo

batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil

(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA

Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois

diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em

com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu

tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como

diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara

municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo

douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita

Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando

numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de

4 Grifo meu

5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de

alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs

elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em

virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees

especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com

relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)

10

distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria

por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo

meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)

O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso

ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um

ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um

discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado

em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar

ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo

reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso

ideoloacutegico serve

Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da

figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de

suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como

estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994

p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que

compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual

nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia

social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder

Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute

limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo

religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e

com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades

- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica

Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas

do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo

7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs

funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste

sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo

por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de

deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme

os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido

ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma

ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo

oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal

assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na

formaccedilatildeo do pensamento batista

11

Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem

estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)

portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja

reconhecido como cientiacutefico

- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo

batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do

Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos

As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou

funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos

homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional

status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo

dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp

5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que

os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima

uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)

Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros

nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos

contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos

conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria

(Halbwachs Pollack)

Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas

socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na

relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna

inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de

ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja

ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade

criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis

ela conceitua

Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio

imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo

Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico

porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira

(PESAVENTO 2004 p4445)

12

Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque

eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo

religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria

ldquoenviada por Deusrdquo

Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a

memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos

pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu

falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos

indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees

coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias

pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque

se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem

ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo

Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees

fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta

pesquisa

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele

saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a

chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles

eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a

famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se

chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos

eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee

nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna

Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes

mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e

Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim

meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo

para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de

ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele

foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema

com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu

Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para

estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi

ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p 140)

Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu

nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto

Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo

13

concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas

lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas

lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da

estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman

com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo

para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo

soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas

Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)

que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de

referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo

presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as

lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre

verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de

referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da

colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem

se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para

aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e

outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na

histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda

psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os

registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)

Formaccedilatildeo familiar e escolar

Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por

Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff

- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille

Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de

Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da

comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil

ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff

experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos

14

principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos

fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio

Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a

cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para

quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e

portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo

(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata

[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de

estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito

bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000

mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de

vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas

todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas

de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e

muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos

meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)

Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das

informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este

tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA

No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata

A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute

terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis

anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de

dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze

anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles

anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me

lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de

sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a

atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela

fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas

o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana

Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou

mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse

influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola

eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou

paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram

originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria

15

no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de

ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria

missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando

questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU

2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de

ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm

interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a

narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua

trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute

descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios

Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho

10

Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria

o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se

caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de

formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos

9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012

10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem

perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-

metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na

mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do

seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em

httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012

Ao fundo os pais da Ana

Wollerman Sr August

Wollerman e Sra Minna

Wollerman Em primeiro

plano da esquerda para direita

Ana e seus irmatildeos Edwin e

Mildred - Acervo Biblioteca

Faculdade Teoloacutegica Batista

Ana Wollerman

16

Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas

devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo

apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e

reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social

Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e

doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos

meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles

nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal

organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se

ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das

ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e

outros paiacuteses11

Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de

evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio

ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176)

Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana

Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos

personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo

reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento

Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei

muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me

lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo

creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava

voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades

sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)

O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede

interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para

construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori

foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto

marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de

vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil

11

Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de

Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)

17

Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo

do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao

menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os

primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)

Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria

se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute

desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que

ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a

este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente

consagradardquo12

Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece

muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo

queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco

deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha

assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha

vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada

realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)

Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na

universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando

da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para

os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez

com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um

escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se

afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos

negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 141)

Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se

refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que

temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o

porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo

sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira

encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste

12

O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente

bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um

processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como

oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo

se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso

18

sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo

menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela

Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico

de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi

possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o

missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de

igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil

Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins

Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte

americano Bill Sherwood diz

[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e

entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela

tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu

sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados

[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do

que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da

entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os

missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no

Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua

fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em

Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda

guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD

Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de

Ana Wollerman

[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer

De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a

Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o

jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo

porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um

salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho

que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito

satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez

(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e

voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se

deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-

nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que

19

tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento

da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao

assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins

interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood

Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma

perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a

nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood

[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de

Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui

nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o

segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser

com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir

a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da

minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo

deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p

142 p 147)

Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A

questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)

desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas

Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas

representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se

criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13

Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez

para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de

referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14

Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive

encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser

nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas

tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou

deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)

Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil

possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada

pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste

13

Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

20

missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15

ele teve dificuldades em

aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o

questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood

ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por

ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento

satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o

exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se

configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar

aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de

machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude

do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU

1998 pp 91s)16

Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria

Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e

identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido

um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo

autobiograacuteficardquo

- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo

inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria

histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas

mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos

religiosos e lideranccedilas sociais

- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e

psicologicamente

- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um

sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste

autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que

ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos

15

Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16

Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia

tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as

taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo

consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio

proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc

21

outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade

admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos

valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)

Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois

Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida

Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de

legitimar seu projeto missionaacuterio

Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi

perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da

minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido

em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela

noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja

farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo

que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer

isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois

para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)

A experiecircncia religiosa17

eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano

ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da

situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na

escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto

nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas

quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade

de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda

mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA

Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia

religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para

o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que

paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo

participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta

dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio

que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua

17

Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do

protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no

humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida

(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que

levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma

religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo

ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)

22

vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do

que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp

15s)

A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel

em Artes da Ouachita Baptist College18

em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos

de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo

Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas

teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que

queria ser missionaacuteria em outro paiacutes

Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo

que cursou Bacharel em Artes

[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19

graccedilas ao meu Pai

[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o

que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei

sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria

Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem

desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o

desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares

pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando

Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser

realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar

de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser

salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de

trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma

missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)

Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20

possivelmente seu interesse de vir para

o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e

18

Hoje Ouachita Baptist University

19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra

para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de

graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com

Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em

httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira

expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser

encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS

quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte

biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo

20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde

amambaense para Ana Wollerman

23

Anna Luther Bagby21

(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve

relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na

Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os

missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o

trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo

somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio

Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff

onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite

do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para

trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi

homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos

21

Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o

trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo

Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no

Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da

Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

24

serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas

instituiccedilotildees e ao seu paiacutes

Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do

protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman

sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato

autobiograacutefico

Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na

universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e

para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma

dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos

papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim

coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu

posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que

eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como

professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo

ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

176)

A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos

biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins

de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico

pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio

de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico

para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas

especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo

em sua formaccedilatildeo

Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de

Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou

um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades

religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter

missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou

com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que

trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua

famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a

ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi

aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua

decisatildeo

25

Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a

nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22

tens que abrir a porta [] eu andei umas horas

depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele

perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele

disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse

como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei

Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)

abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma

mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 pp 142 143)

Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado

brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans

Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e

chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

145146)

Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana

Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi

fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte

Contexto de formaccedilatildeo religiosa

O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por

um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua

vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana

Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e

queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais

eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os

valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []

ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []

Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha

famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando

muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja

aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23

Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o

iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na

22

Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23

Grifo meu

26

origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua

fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e

pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre

a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo

para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores

transmitidos pelos seus pais

Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja

mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos

bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do

aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo

estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman

A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente

em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda

fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres

sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram

por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las

aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em

meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do

pensamento batista

O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias

interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do

mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as

praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia

tomista24

eclesiologia hieraacuterquica25

intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos

24

Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)

25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave

condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado

canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como

estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do

impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o

constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima

dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro

estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio

social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o

estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo

(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)

27

sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a

sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos

bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical

entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios

de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber

(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo

No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do

anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em

Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura

somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se

outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a

mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo

Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu

falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas

eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu

quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na

parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei

mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais

tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os

olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como

Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes

ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148

149)

Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana

Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas

e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo

porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu

trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles

eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)

Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre

calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os

calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de

Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo

28

em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a

humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus

eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade

depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de

construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a

salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute

Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo

retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26

Em

siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a

responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da

graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo

Weber

Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta

inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus

interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da

consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de

conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o

presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que

seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por

considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)

Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo

inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel

perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-

moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso

missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da

salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado

numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio

Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de

uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando

26

As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a

Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados

de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma

congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de

ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido

comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos

via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo

resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO

1996 pp 84s)

29

a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior

envolvimento com a comunidade religiosa

Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos

trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para

Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus

Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder

assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)

O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era

irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por

ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a

Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela

meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja

Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas

participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista

mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a

legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja

local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo

Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi

formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores

do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a

ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo

A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e

o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras

naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul

era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando

a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros

paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997

p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern

Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um

rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e

culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o

norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a

se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na

cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para

30

o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria

mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no

Brasil

Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento

fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave

modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia

europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia

buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto

de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e

outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute

cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por

conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas

criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como

presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios

teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos

textos biacuteblicos27

O lugar da mulher no pensamento batista

As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em

um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina

Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana

Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da

pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo

27

Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram

1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos

seus autores

2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave

argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e

ldquoCristo da feacuterdquo

3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da

humanidade para livraacute-la de seus pecados

4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando

que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja

no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais

5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que

eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)

31

Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher

na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de

vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de

mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja

ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)

1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como

um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e

ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem

poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28

2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do

lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo

Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento

batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar

as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao

homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para

o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo

divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da

ldquoordem socialrdquo

Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo

de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber

de que forma a mulher eacute representada

A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a

essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher

governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha

para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor

gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos

guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da

mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser

jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB

1954 p 5)

Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo

e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da

existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista

28

The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012

32

pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas

mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee

mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver

com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos

sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e

esposa abnegada

Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do

iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar

tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais

mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas

ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por

conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a

experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de

civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado

nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)

Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra

funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a

maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das

mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres

missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das

Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute

1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4

Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas

especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do

trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)

O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo

apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949

(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo

trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da

Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho

missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel

fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras

mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras

atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam

33

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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57

Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de

1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46

Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por

exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma

concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem

diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino

na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que

como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra

uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute

vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana

Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria

executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de

Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense

ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004

p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de

feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo

Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo

tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por

pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood

34

3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres

norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais

as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos

seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de

retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente

eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de

compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso

que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas

para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e

sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc

Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos

dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees

radicais sobre o sufragismo ao conformismo

Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais

sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute

afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo

questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias

(SILVA 2011 p 34)

Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre

esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos

limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo

ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o

ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja

local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo

de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a

ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria

Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo

de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo

status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a

vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves

mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que

Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no

seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de

35

Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de

conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia

Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo

de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto

fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem

impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)

Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as

instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o

assunto da seguinte forma

O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como

restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no

pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com

autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November

11 2000 p2)29

Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista

a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo

Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe

claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo

de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes

Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um

lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo

zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)

A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na

Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de

21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo

sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais

O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de

20 a 24 de janeiro de 1995

29

Traduccedilatildeo livre

36

Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo

Luiacutes - MA 1995 p 512

O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela

uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que

participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa

Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas

possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi

resolvida entre os batistas

Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de

ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra

complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra

583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam

desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de

quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso

PERGUNTAS SIM NAtildeO

Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067

Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049

Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320

Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193

Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599

Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583

Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466

Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372

Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290

Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457

37

desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a

Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo

1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista

Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da

lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as

Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios

como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia

Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que

a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como

missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias

especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente

avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz

da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de

Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)

A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas

Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do

que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral

Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave

tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30

e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas

da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem

natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute

presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman

Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz

realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como

pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era

uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 156)31

Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de

Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender

que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como

missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem

necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica

retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que

intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier

[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio

possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos

e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em

30

Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1

Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre

Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31

Grifo meu

38

afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a

dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio

consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a

insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)

Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco

mais

[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me

consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo

isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje

em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada

era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160

161)32

O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para

entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul

Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul

criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque

pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um

conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher

A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas

nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de

lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em

Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente

nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa

de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa

32

Grifo meu

39

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS

NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana

Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos

do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil

No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil

e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado

em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional

batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo

entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta

missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia

A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo

de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33

tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo

Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas

religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as

representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas

interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo

na ldquocomunidade imaginadardquo34

dos batistas

Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no

ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da

realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35

(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de

sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre

33

Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34

Benedict Anderson (2008 p 39s) 35

No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)

40

batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na

ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais

pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a

presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou

culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os

oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de

mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das

almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar

sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si

pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem

de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam

(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato

Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo

interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil

Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo

no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo

de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos

do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde

o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil

e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -

comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta

ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa

Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente

proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias

nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a

evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os

Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros

holandeses franceses e suiacuteccedilos

A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de

missionaacuterios colportores36

O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista

36 Vendedores de biacuteblia

41

Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do

Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul

do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)

Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais

(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas

mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e

distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e

fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo

O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo

XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica

de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais

liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do

republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que

fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees

traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios

liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro

estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na

estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de

manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro

todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)

Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos

liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio

circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo

com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora

Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho

que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo

trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias

liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se

um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres

jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento

catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil

42

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil

Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos

por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do

Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro

Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste

mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de

Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma

igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e

teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996

pp192193)

O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes

sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em

solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua

esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin

(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar

missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu

para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-

combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos

relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck

Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp

330 ndash 336 450 ndash 456)37

Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste

mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira

igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades

brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996

p 194)

Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da

proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram

organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43

delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo

37

As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do

trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)

enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond

43

provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)

(REILY 1984 p 175)

A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois

princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre

estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro

e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a

formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas

missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar

sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas

ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo

de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela

publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas

jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura

religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)

Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que

significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998

pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma

linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de

estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das

praacuteticas religiosas38

e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees

drsquoOJB

Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de

criaccedilatildeo drsquoOJB diz

O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista

especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista

Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando

resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido

doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas

CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar

representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e

38

Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde

problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e

exclusotildees de membros da igreja

44

denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo

de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39

Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio

grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos

impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de

formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos

centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais

produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais

grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo

tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p

22-28)

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil

Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)

uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos

Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores

vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias

colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara

Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos

voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute

estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)

Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado

para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser

pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a

periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das

escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em

cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898

- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees

de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta

39

Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante

na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode

ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e

concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro

texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do

pensamento batista no Brasilrdquo

45

de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo

marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos

dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da

Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo

indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos

seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute

poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da

documentaccedilatildeo40

Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros

missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno

porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil

Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees

ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela

iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41

esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se

dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para

elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as

casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)

Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura

Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor

School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do

fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que

40

O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por

missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo

Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou

conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do

Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)

este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo

Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da

Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees

acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas

ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos

poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das

lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de

1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional

(MACHADO 1994 pp 63-67) 41

A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em

relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir

para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o

general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond

46

a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto

de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)

As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees

teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos

seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo

religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e

fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao

seu projeto educacional

Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por

Pedro Arauacutejo eacute relatado

O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta

com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como

espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para

engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos

preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande

perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute

promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a

nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir

duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma

mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos

membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor

o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja

subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua

mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os

pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)

Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem

educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas

escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos

batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora

pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles

precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na

cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o

que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da

Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se

membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto

para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do

grupo

47

Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos

filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros

motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade

brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns

casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo

religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO

2006 p201s)

Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados

de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos

liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o

Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA

O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e

pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e

ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas

e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais

cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica

mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores

puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do

collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde

o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo

christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande

valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo

christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros

christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud

ARAUacuteJO 2006 p 200)

Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo

quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como

espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo

(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que

levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus

Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um

ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de

Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo

ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo

fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja

existir

Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos

perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de

48

ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa

ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In

TRUETT LOVE 1950 p36)

Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do

compromisso com o que entendem ser sua missatildeo

As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos

hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na

paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e

povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e

recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos

dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)

A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois

propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a

funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a

ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da

educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza

Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de

1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde

O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos

princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo

incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que

adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que

disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo

(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio

para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara

para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um

peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se

consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que

seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este

tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-

284)42

Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive

promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na

caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais

[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram

valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira

repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento

norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como

42

Grifo meu

49

ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os

traccedilos culturais do seu modus vivendi

Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de

evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo

voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo

indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que

equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana

a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior

preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a

documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era

ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da

Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse

na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos

prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a

finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo

porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo

Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees

podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO

Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel

na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais

elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os

serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de

Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova

organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos

principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover

programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra

ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto

evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de

estudantes (LEONARDT 1963 p316)

Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente

ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas

priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades

que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica

pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam

intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e

as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda

regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma

orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas

A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo

deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples

50

deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926

apud MACHADO 1999 p80)

A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte

de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os

ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino

religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio

Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as

diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em

relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as

aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo

delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem

propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a

visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)

O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento

batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente

desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43

Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da

noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa

que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal

discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de

seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente

desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no

tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste

sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio

religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso

conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a

ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta

pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de

uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma

ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do

aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para

aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)

43

Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo

entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia

(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de

censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base

legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre

se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos

Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)

51

Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista

vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma

ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui

ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a

educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo

Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e

educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista

se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44

Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser

relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns

professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam

a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que

supostamente estivessem agindo da mesma forma

Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a

pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o

pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma

instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta

afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves

vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute

claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948

pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes

direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico

tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo

Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento

maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX

tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no

graacutefico em seguida

44

Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em

seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo

Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de

alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola

52

MENDONCcedilA 2008 p52

Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882

porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45

As informaccedilotildees do

graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando

a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na

abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos

batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de

evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios

protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso

Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o

trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um

45

Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao

serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880

53

planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de

migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil

No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou

esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem

estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)

Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910

sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional

pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do

tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste

liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou

um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento

na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro

(NOGUEIRA 2003 p 48-52)

Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre

outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio

do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram

uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional

em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da

Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado

pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja

Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)

A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram

igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo

Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em

Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob

a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A

Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou

de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos

batistas mato-grossenses

Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia

outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai

este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e

54

seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e

Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim

de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila

batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)

ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)

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16 10 20 6 4 947

Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso

mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam

estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute

na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em

Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e

autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de

igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o

crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana

Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as

estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e

treinamento de lideranccedilas

Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora

nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos

que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo

ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe

mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou

para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles

conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era

nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou

55

animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo

presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com

a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a

sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil

Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins

aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua

caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria

em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman

aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada

por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito

federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este

disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a

cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo

palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel

Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer

na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que

vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor

Ana Wollerman (37 anos) assim que

chegou ao Brasil em 1947 Acervo

Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica

Batista Ana Wollerman

56

Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto

quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas

malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala

grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me

falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na

minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus

mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria

de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio

de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de

missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a

gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p 147)

Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo

resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de

entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou

publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento

de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)

Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida

pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio

Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava

ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura

fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia

Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas

nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei

elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que

perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas

reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46

Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os

homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47

Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento

algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade

eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa

Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na

ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem

de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo

Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos

homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora

46

Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47

Idem

57

de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da

igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher

missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como

fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de

reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local

Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor

Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo

de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs

com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe

ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123

58

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS

Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir

Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute

entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo

na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho

progredisserdquo

Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita

aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele

pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho

progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e

fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo

uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p 148)

Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito

de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do

Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que

tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate

O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade

pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48

mas sim porque desde o

iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas

para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo

ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a

demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este

apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo

ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49

foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena

local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p

120 121)

48

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo

de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio

Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los

diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta

Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a

capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em

18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato

Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em

15122012 49

ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos

fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore

com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)

59

Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai

era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por

Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal

atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma

rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para

encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que

garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)

Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o

pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro

urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo

seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de

religiosidade protestante

Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as

crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute

criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas

Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor

ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)

em volta da mesma mesa para estudar

Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter

condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam

dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e

fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)

As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros

com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na

regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser

atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias

ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)

O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender

este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash

memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na

60

histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50

Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo

numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo

[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E

aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele

tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo

tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia

fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras

porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar

as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam

porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar

carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por

aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo

vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia

pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo

quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO

2012)

Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do

professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais

escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os

cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em

dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173

VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)

50

Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para

esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de

Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai

inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de

pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados

inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT

61

Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51

melhorou o acesso

agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas

ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno

(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas

rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei

Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo

federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento

aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens

abaixo

51

Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram

intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas

escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham

certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram

ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando

o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o

professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo

Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO

2009 p173

62

Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito

Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para

criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde

chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos

depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO

2009 p191)

Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que

principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana

Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que

era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim

de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve

tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes

amigos e outros interessados

Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de

Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto

Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)

63

Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja

Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52

por conta disto em 1943 a igreja enviou o

ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um

ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em

Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de

comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)

proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as

atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar

sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e

foi seu aluno

O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais

ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como

evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma

escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu

tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do

Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos

3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este

iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)

Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua

casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo

evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do

espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim

passarmanifestar sua mensagem religiosa

A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar

assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia

para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para

fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela

organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947

quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia

Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a

Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de

Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia

auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham

52

Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08

64

comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes

resultados por eles esperados

Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para

abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha

fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe

outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens

[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos

crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra

metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem

ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo

de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se

isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo

Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido

Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman

possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade

ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus

saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do

impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner

na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que

desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-

americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados

A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e

outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente

quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem

este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes

passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se

apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida

criativamenterdquo53

por agravequeles que dela se aproximavam

Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de

amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das

primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida

53

Michel de Certeau

65

como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais

famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o

Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana

Wollerman comenta

Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo

direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu

ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai

deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era

madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola

Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente

servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria

inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha

manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou

Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana

Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas

escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E

em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse

Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem

pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido

qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma

vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um

pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de

fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO

2012 p 3)

Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho

da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos

ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor

Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma

congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel

Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo

de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949

Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a

66

famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando

na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia

[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua

filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo

havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que

serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas

de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro

e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a

casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta

casa

A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e

eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo

pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para

sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de

cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de

dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas

mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e

usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um

guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito

simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais

alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o

apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e

aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela

foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito

Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio

Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a

ponto de

Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei

do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude

estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma

lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

152)

No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a

Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola

Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo

o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a

grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes

67

podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo

precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute

com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou

ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce

Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam

eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana

noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora

vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra

professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana

Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou

muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai

[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e

tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas

a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era

alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei

impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia

caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA

2003 p 186)

E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola

Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de

sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas

praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave

leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai

68

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN

INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a

estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto

educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos

demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo

poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se

mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as

condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto

histoacuterico e social de Amambai-MS

No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria

de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no

municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o

entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos

estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash

professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana

Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria

A escola que Ana Wollerman criou

Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em

Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito

influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e

ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um

detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo

catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na

famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a

famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma

significativa autoridade abaixo apenas dos pais

69

Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas

famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana

Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher

branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo

No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona

Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar

mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi

visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo

existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o

que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela

tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman

Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar

no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de

dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula

para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e

outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona

Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p 149)

O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor

Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de

escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54

mas vai se

estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de

desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana

Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com

divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava

abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este

milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato

da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse

comeccedilado com todo o primaacuterio formado

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas

provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela

foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola

primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano

mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (ERGAS 2012)

54

ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em

estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar

70

O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que

por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto

Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se

tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute

provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo

mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de

Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que

tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou

seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma

ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo

Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas

questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana

Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute

monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que

enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste

caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios

Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

71

Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas

bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o

que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num

grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura

personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de

alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que

ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que

daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o

ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no

Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e

natildeo de Ana Wollerman

Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos

batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo

sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond

que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo

aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e

ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias

palavras tais representaccedilotildees

Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela

primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram

grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum

lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo

sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em

Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas

peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto

mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez

muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

55

Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em

1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute

importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo

eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute

entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta

Poratilde-MS

55

Grifo meu

72

No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as

atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a

Igreja Batista em Amambai56

e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho

(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso

a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman

tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato

Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria

de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e

auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo

o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este

dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao

lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de

Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma

homenagem posterior que a Igreja fez a ela

56

Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela

foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio

Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham

em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de

ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo

ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo

Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde

amambaiense para Ana Wollerman

73

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo

Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente

a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas

que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista

Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia

Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto

de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a

incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a

finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas

sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes

que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar

dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os

professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da

escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de

pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos

que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por

intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a

escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso

analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou

com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente

compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido

antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o

afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud

VIDAL 2005 p24)

Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo

como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de

conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as

culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com

seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de

escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da

trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a

criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas

estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns

elementos da cultura da escola como chave de leitura

A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente

municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada

majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo

apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo

Sul de Mato Grosso

74

Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato

Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos

344214 rurais57

Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo

moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que

fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a

Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai

(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro

como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das

dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo

Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas

escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os

ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola

Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de

laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu

pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por

intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela

eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da

Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim

pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)

Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa

necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de

escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que

certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas

proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que

se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais

encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a

fim de poder dar continuidade aos estudos

Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os

que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)

Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros

motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de

estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte

Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu

completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte

57

Fonte IBGE

75

eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana

Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno

Hudson Otantildeo da Rosa

No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa

de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da

cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha

simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos

lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas

emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo

Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se

comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo

ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo

somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com

bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente

Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era

brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo

Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior

progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do

precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa

Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de

progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor

tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia

ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que

ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em

seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas

natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a

cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois

voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu

anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo

tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus

irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para

o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira

dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia

suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas

proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra

esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da

minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande

brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu

povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma

me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus

estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58

O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais

colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis

motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar

58

Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta

pesquisa

76

a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de

representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de

encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como

atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de

forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma

infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e

assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de

trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em

conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o

periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a

partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59

As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da

escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o

Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento

anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar

Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento

do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia

desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico

por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha

que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado

E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da

escola60

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles

trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os

pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute

considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito

prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja

convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se

destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam

distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)

O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da

educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as

decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61

Em sua fala

aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da

escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar

Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os

59

Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60

Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes

documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso

natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61

Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado

77

alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas

alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior

nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de

prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter

satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola

Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento

estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo

nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com

assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de

fechamento do ano de 1951

Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista

nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo

da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se

voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes

despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos

ao fim do curso letivo

Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo

de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com

que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de

ensino

Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo

impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por

muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)

Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais

realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao

trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os

remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente

representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de

algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda

que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que

se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E

neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz

O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto

da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute

como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos

determinados (FARIA FILHO 2008 p81)

A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e

Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser

78

analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a

relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares

para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar

que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se

configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado

mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de

1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do

Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por

diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de

ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos

participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte

Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha

normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc

terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as

meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para

aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)

Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de

intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de

escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo

Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos

diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo

quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc

(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento

estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de

poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto

talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o

estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras

assim ela relembra a experiecircncia

Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um

corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que

tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes

dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas

surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino

Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo

sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda

razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca

da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que

para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo

79

ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que

era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e

mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro

nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62

Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das

autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana

Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no

Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente

limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua

inglesa ao da liacutengua portuguesa

Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado

Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde

quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser

ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da

Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das

pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias

buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia

patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees

fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo

do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do

Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais

poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS

MULLER 2009)

Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de

Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas

apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula

Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que

prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo

fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que

62 Grifo meu

80

todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os

resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da

Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana

Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona

Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente

preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional

Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro

fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos

E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da

semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era

hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira

e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa

parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)

Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana

Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era

realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em

posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E

assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova

geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de

suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que

pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela

populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar

81

E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas

atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para

os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes

A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando

agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus

Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a

realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo

em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as

coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se

ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de

missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara

(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63

Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da

tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo

numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo

(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e

Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia

63

Grifo meu

Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo

042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman

82

entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos

biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio

Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome

do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)

Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas

testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos

confins da terra (At 18)64

Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica

missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho

missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se

apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai

Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos

salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute

no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Compare os vocaacutebulos grifados com

Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso

acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos

(At 247)

E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo

continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz

Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha

salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos

aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o

Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro

dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir

todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

151)

Compare os vocaacutebulos grifados com

E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo

Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)

Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se

que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora

da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana

Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma

oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

64

Grifo meu

83

Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria

das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e

alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros

ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo

(WOLLERMAN 2003)

ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO

2012)

ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)

ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e

laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era

infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)

Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu

lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos

protestantes65

sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das

Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66

E nos casos acima os

propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas

praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes

das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em

segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca

um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir

valores eacuteticos morais e religiosos

As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto

significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos

elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de

educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva

cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da

relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo

tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)

Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana

Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute

comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se

deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da

evangelizaccedilatildeo na cidade

65

Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66

Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE

Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo

(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees

Paulinas 2010

84

Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo

muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E

ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho

progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou

uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola

Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus

contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles

tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o

evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar

porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de

algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela

escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze

anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde

Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-

adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho

missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute

discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e

ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo

85

Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades

evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao

templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o

templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca

de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da

mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes

termos

Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no

Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as

classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria

na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a

histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e

contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67

cantava-se

67

A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram

cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes

Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

86

hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por

exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho

que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a

muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal

maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar

Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)

Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho

hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees

estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute

apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo

Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os

pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador

Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na

paacutetria celestial Perto do Salvador

Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos

chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador

Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar

no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador

Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o

amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68

Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor

evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes

batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre

consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante

profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69

Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman

tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para

ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo

Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a

primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo

68

Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de

Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio

G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo

Paulo ndash Edusp 2008 69

Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma

ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e

parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo

de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando

crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos

como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando

atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de

decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo

87

aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e

muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que

fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela

eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a

estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os

hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)

Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para

cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a

doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de

estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes

visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente

com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para

tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva

Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido

discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de

suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os

conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados

anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca

de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana

Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a

partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia

se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras

Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que

aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito

dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o

ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito

bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de

algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem

lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho

que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com

bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu

aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)

Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos

ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas

ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo

Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam

recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou

88

muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana

Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em

laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais

representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas

tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai

Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras

povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o

evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns

irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens

mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem

estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas

Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do

evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava

recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu

sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que

por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70

Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana

Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde

ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71

que queria tiraacute-lo da escola

porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar

para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar

na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens

de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para

Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao

falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da

escola participante do ldquosucessordquo deles

Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs

certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do

70

O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos

fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o

atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas

visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo

entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )

71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um

dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai

89

banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e

doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco

(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene

Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja

Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque

Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai

inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai

para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB

foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta

parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com

Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se

aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento

interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem

interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas

que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato

estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava

sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e

muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele

apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da

Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a

ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino

foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute

advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente

morava todos na mesma casa (LIMA 2012)

No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que

Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees

A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu

alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor

Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores

advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as

mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel

90

Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma

toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem

deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por

que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer

coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs

O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um

produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco

mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer

prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)

Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo

em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da

sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da

Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos

para preparar a merenda escolar

Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola

ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos

alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no

primeiro segundo ano (LIMA 2012)

Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela

pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a

ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade

Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn

Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo

do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72

e eu achei

que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do

Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se

passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus

Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn

Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles

eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam

recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu

usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil

doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)

Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que

a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil

pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi

integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai

Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana

Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo

72

Grifo nosso

91

pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman

tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e

segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por

uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)

Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca

que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado

por Ana Wollerman aos alunos e alunas

Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer

visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era

sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na

parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra

sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto

Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando

ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)

Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus

hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo

que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A

interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades

devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham

momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio

batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua

autoridade como ldquoautoritarismordquo

Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel

Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um

homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre

criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa

que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa

assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)

Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se

mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia

tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava

perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava

Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de

todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito

dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta

que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)

Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se

perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta

92

fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se

natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas

as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta

natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um

exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo

indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de

comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com

comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos

mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)

Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da

relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz

E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou

me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes

soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que

Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me

respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)

Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a

temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva

tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as

missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo

Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de

conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem

E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem

como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e

marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se

mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso

com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas

conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA

2011 p 35)

Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de

pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa

condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia

financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de

algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil

93

Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num

alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com

os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela

Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas

relata

Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim

qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer

achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa

muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a

vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)

A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman

era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e

coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil

Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta

parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira

(2003)

Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu

trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense

Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias

convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a

importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja

(NOGUEIRA 2003 p91)

Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da

Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil

(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e

agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e

distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada

jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da

Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava

financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras

94

A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob

os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em

condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com

ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de

poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana

Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi

indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em

Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da

referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens

Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma

nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de

Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava

progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)

E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar

como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)

filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis

ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e

concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato

Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e

passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai

(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)

Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se

uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque

segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o

exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam

bem colocados

Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o

filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na

eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda

no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc

tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um

exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como

quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa

mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era

ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora

95

aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da

credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais

e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas

profissionais

Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional

que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram

palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras

por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais

ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras

profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A

escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de

produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse

sentido (SOBRINHO 2012)

Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou

em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio

onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da

Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi

embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais

exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das

atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e

demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum

soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de

60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana

Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha

fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo

encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola

Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco

rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem

continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia

se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando

assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho

Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas

as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de

96

Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas

um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)

Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo

e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval

Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do

Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em

Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e

seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003

p105)

Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades

vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das

Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)

Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu

estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para

eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para

serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara

Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia

rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana

que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a

auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os

filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para

construccedilatildeo da escola e da Igreja

Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste

lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns

terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num

outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a

Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir

laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da

cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos

ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de

boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo

de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles

troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo

com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja

Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos

e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de

tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p156)

97

Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as

pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder

em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma

experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola

e passavam o dia inteiro nela

A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da

cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os

pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e

ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar

pois era distante (ERGAS 2012)

E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a

missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando

mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e

evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)

Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em

Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se

concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato

Grosso

Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do

Mato Grosso73

para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste

iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul

Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para

o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que

Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis

ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)

Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos

Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de

treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em

Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem

as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto

passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-

se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)

73

Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso

98

Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez

algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos

anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e

sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi

transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de

estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a

Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98

anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes

estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny

Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na

continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um

poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)

Whether I live for many days

O if they should be few

I will not cling to earthly ways

But gladly go where all is new

Jesus surely knows my name

Has prepared a place for me

Where forever I shall remain

And his Lovely Face IrsquoII see

How can I fear the great unknown

When Jesus stands and wits for me

Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity

Se eu viver muitos dias

Ou se eles forem poucos

Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas

Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo

Jesus seguramente conhece meu nome

Tem preparado um lugar para mim

Onde para sempre vou permanecer

E sua amada face contemplarei

Como eu posso temer o grande desconhecido

Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim

Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial

E entatildeo entender o que eacute a eternidade

99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito

estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo

ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado

iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na

contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura

sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de

Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute

com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo

Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os

mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste

sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa

ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como

noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e

prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver

Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo

estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar

leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o

tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo

digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida

Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo

que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e

ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo

E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da

Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os

encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute

preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA

Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as

dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de

crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus

100

ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo

constroacutei de si

Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma

seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria

aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o

fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias

calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um

sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio

O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia

missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do

seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como

jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo

de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano

pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a

criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e

sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo

Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila

ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio

Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes

missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram

representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a

accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste

ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-

determinaccedilatildeo divina

No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu

frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo

por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa

configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava

contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada

Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar

pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia

interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No

101

protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a

vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana

Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para

sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de

exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de

ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio

teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um

ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse

sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo

A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da

educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo

social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas

feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no

Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo

na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo

Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns

pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser

relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora

da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria

sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que

assediava os alunos diariamente

Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo

vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos

batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da

Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta

Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o

Brasil

Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento

fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um

conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que

acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem

mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana

102

na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de

atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que

Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar

ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional

Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista

tiveram sua participaccedilatildeo direta

Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram

analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a

figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais

quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas

Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense

porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores

longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas

praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar

inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no

pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato

com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres

Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas

atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo

estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e

com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho

evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares

Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja

Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre

mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o

presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de

muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo

que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo

analisadas por outras pesquisas

103

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__________ Histoacuteria dos Batistas em Amambai Amambai-MS Graacutefica ldquoA Gazetardquo 2005

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

108

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

SOUZA Manoel Avelino de Sermotildees do puacutelpito batista Rio de Janeiro Casa Publicadora

Batista 1936

SOURTH CONVENCION BAPTIST ndash SCB Resolution On Divorce Disponiacutevel em

httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

_______________ Social Service Committee Recommendation On Divorce Disponiacutevel

em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

TAMAYO Juan Joseacute Fundamentalismos y diaacutelogo entre religiones Madrid Trotta 2004

THOMPSON P A voz do passado ndash Histoacuteria Oral 2 ediccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1998

TRAPP Carlos Osmar Evangeacutelicos em Campo Grande Origens e Desenvolvimento

Campo Grande-MS AEVB Prefeitura Municipal de Campo Grande 1999

_______Urbieta amp Sherwood Pioneiros na obra de evangelizaccedilatildeo em terras mato-

grossenses Ediccedilatildeo Comemorativa em homenagem ao primeiro Centenaacuterio Batista em Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul 1911-2011 Campo Grande-MS Graacutefica e Editora Brasiacutelia

Ltda 2011

VIEIRA David Gueiros O Protestantismo a Maccedilonaria e a Questatildeo religiosa no Brasil

2ed Brasilia Editora UnB 1999

VIEIRA Nery In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008

Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema

Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 42-44)

VEIGA Cyntia G FONSECA Thais Nivia de Lima (org) Histoacuteria e Historiografia da

Educaccedilatildeo no Brasil Belo Horizonte - MG editora Autecircntica 2008

WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo Satildeo Paulo Editora Martin

Claret 2005

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa

Publicadora Batista 1950

109

ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo

referenciado

As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua

pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento

autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas

entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e

respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae

Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo

Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191

110

ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas

Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria

Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi

missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de

escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas

Entrevista

Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber

conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman

Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes

de vir para o Brasil

Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram

alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E

laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha

se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a

famiacutelia de trecircs filhos

Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham

conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha

lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila

Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio

Entrevistador Ainda quando crianccedila

Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em

oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau

preparaccedilatildeo para o segundo grau

Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja

Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram

pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz

que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio

111

primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas

eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus

ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava

trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi

para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do

valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos

arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador

daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth

Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela

Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio

das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu

Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio

Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que

foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo

conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial

Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre

isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman

Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute

com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram

a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente

Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos

estudos no EUA

Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu

nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia

de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu

sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar

Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete

vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava

aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas

igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do

Brasil e ela interpretava

112

Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo

XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e

insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente

no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado

alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava

Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites

das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana

Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca

Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir

para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute

reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem

positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes

do Brasil

Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta

pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita

pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto

ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou

Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem

nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca

comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse

em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que

houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em

falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo

Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa

conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A

senhora poderia falar sobre isso

Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher

sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como

que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era

professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para

viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam

mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula

113

O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para

Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e

remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens

Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito

ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona

Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta

mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro

Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai

Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis

homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns

cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a

era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a

Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o

agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de

escola nada

Sobre o objetivo da Escola

Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os

dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash

2129)

Iniacutecio da Escola

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz

de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela

havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute

tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (3003 ndash 3042)

Onde moravam os alunos

Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas

Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar

naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no

comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais

114

estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute

conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)

Escola oferecia almoccedilomerenda escolar

Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo

Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas

crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo

estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais

contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)

A escola cobrava um valor por crianccedila

Entrevistador A escola era mantida por quem

Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola

porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o

ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)

Professoras

Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego

quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era

uma das professoras

Entrevistador Em principio ela era professora sozinha

Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute

Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas

Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute

tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam

foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)

A Escola

Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo

Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de

nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes

Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute

115

estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -

3451)

Conteuacutedo escolar

Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola

Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja

onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo

nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino

Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra

crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)

As crianccedilas

Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola

Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de

nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz

Entrevistador Soacute de ouvir falar

Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo

tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila

(3643 ndash 3721)

Curriacuteculo da escola

Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo

era ensinado

Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e

pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem

lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta

Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas

que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma

professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias

Entrevistador Como as famiacutelias viam isto

116

Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra

dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos

muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash

3957)

Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos

Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas

Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes

iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente

andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)

Importacircncia da Igreja para cidade

Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade

Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se

tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita

dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)

Doaccedilotildees que AW fez

Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos

que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito

discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de

Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia

ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se

interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu

estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a

senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o

obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns

cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)

Uma escola para cada Igreja

Entrevistador

A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas

Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa

Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e

117

era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que

atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e

Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram

menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)

Cotidiano da escola

Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila

12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash

todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas

entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam

Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia

Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um

discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos

ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash

5626)

118

ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho

Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de

Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor

memorialista da cidade

Entrevista

Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com

alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas

ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a

estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista

Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou

menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele

atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o

salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio

Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3

alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi

embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui

organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18

de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe

que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o

aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos

iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola

praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo

ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver

quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se

comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando

porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha

aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista

Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma

novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas

dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola

batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes

119

Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um

programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o

quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas

particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu

sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as

escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam

utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha

que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar

por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar

um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando

vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia

pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu

fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia

nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles

chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles

usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra

turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano

laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu

sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia

o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas

coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei

ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo

mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor

jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias

Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana

que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela

tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito

importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a

gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia

desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc

projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas

tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola

120

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa

com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela

mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte

ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em

fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino

agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte

ciacutevica tambeacutem bem colocada

Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em

Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo

cristatildersquo

Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a

semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma

leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola

dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso

que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde

Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a

histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade

Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola

Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado

ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra

vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era

uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a

escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no

quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam

daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do

ensino que era bem feito bem ministrado

Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar

Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles

falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas

eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo

121

escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem

estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que

tinha na eacutepoca

Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola

Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia

muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo

pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o

aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto

entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que

o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu

isso

Entrevistador Qual o valor cobrado

Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se

pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem

diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do

tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava

menos que uma latinha

Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje

salaacuterio uma diaacuteria

Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela

eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor

Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam

a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do

medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino

superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um

carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros

alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido

122

Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que

deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta

como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino

oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50

cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre

as escolas e essas ajudas

Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na

chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na

cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava

envolvido

Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o

Catolicismo por exemplo

Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui

na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D

Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre

Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre

vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia

Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao

Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto

falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o

motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que

aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse

Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha

aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia

assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas

coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de

uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem

Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o

senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma

relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no

ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar

123

Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era

uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os

professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite

existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito

draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da

escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por

exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou

fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio

do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se

formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde

tambeacutem

Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem

Colaborador Natildeo tinha professores

Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados

Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma

sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na

igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um

lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no

recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem

aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio

das meninas todo mundo ficava tirando sarro

Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem

Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas

Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos

alguns eram meio danados

Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual

Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que

estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com

bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem

comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era

feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava

124

os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo

outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as

matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que

aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de

fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica

Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na

EBD

Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de

Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era

distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia

juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando

elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas

bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas

Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja

Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha

filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por

exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A

grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo

tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar

Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles

usavam eles recebiam uma ajuda da escola

Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno

laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever

qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do

ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a

serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles

davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois

Entrevistador Isso sem custo para aluno

Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela

mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era

125

distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito

tempo

Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material

que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo

Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo

126

ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima

Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A

mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e

depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie

Entrevista

Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma

pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo

somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos

conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria

Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que

agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas

moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave

peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso

Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola

que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo

aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida

Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou

com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao

lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali

Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela

eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me

trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute

falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino

que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro

nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar

e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles

E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute

atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles

127

Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava

com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me

cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute

que eu entrasse no Coleacutegio

Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora

Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles

cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia

mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute

com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um

tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns

anos eles foram embora me parece que pra Jardim

Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute

eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar

com ela uma temporada

Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu

tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali

na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo

Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa

Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente

era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela

em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua

obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia

todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada

Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos

Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha

noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia

ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo

vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi

ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente

aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava

tambeacutem sobre o culto domeacutestico

128

Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico

Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do

cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita

ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca

dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava

um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a

evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai

tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas

todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas

ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa

Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de

fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende

Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem

preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que

demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo

comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio

ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por

exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito

mas ficavaficava obedecia

Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos

Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos

Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute

E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava

muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu

aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma

passagem da Biacuteblia era assim nossa vida

Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto

responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman

que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela

mostrava sua autoridade

129

Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo

era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito

eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre

trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as

pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade

Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado

mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela

pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela

tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia

que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar

uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe

isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute

estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda

muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando

Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola

Batista ainda

Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda

natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava

comeccedilando jaacute

Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou

professora como foi isto

Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando

ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra

fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem

ali a lecionar ali no primeiro segundo ano

Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos

Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o

quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei

a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca

em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de

Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de

pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A

130

igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma

escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e

assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por

exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A

maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela

nossa Igreja pela Igreja Batista

Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana

Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo

Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde

foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a

gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros

permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei

Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter

ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro

Entrevistador Porque a senhora acha que errou

Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido

hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a

gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei

a decisatildeo

Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo

queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar

estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55

[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu

nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com

eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na

mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute

crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou

bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta

talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais

resolverem que eu podia ficar mais

Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a

gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com

131

dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa

onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da

casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca

Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente

jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash

Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria

o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito

bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo

trabalhando

Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de

Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e

alunos

Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute

que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas

que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da

Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo

Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra

cidade pra continuar os estudos sair dali preparado

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as

pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees

e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele

presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E

sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi

ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem

era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca

ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes

dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar

Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser

o mesmo lugar a mesma coisa

Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem

ela

132

Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham

na escola

Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia

Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra

Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela

usava

Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim

Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de

fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria

Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola

Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em

Rincatildeo de Julho

Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta

falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela

eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali

Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia

possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria

para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto

para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute

com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E

ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim

Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que

funcionava isto dentro da escola

Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o

Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela

Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da

Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se

corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens

Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem

133

usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316

ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava

aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe

Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo

Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola

biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de

Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos

caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada

Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram

convertidos

Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A

gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor

Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o

ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo

a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um

rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na

Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro

da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O

Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente

e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus

viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a

Biacuteblia mesmo fala

Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman

mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora

chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um

trabalho de evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era

quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para

fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos

e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era

muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair

134

visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que

foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco

As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que

trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem

que veio e fazia este trabalho

Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que

fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela

Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa

trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira

de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita

gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum

lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe

aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que

muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo

existe Eu aprendi muita coisa muita coisa

Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a

senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder

em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto

Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com

muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma

diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca

Era muito gratificante era muito bom

Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria

Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a

histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha

facilidade de aprender as datas decorar datas

Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas

partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais

Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil

Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga

Colaboradora Assim como o senhor fala

135

Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente

ensinavam a partir da Biacuteblia

Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o

primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que

Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar

Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula

Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam

pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa

que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o

objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo

deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo

uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno

Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem

ajudavam na escola biacuteblia no templo

Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora

formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu

conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam

aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo

envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha

cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque

o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este

era a coisa principal da Dona Ana

Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas

Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela

ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana

Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se

fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu

Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele

jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das

Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela

era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando

136

terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute

tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona

Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona

Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute

Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou

pouco tempo

Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro

Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana

Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute

nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor

Valdir

Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas

Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura

machista ainda eacute muito forte

Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque

tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem

uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas

eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute

que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha

Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA

Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita

preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha

muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava

cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o

momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia

dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela

Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil

ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca

Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que

eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que

uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora

137

Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade

de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do

Sul

Colaboradora Eu que agradeccedilo

Page 2: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA … · face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso com a Vida e com o Próximo. A

MAacuteRCIO JOSEacute DE OLIVEIRA ROCHA

ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM

AMAMBAI-MS (1947-1954)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade

Federal da Grande Dourados para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de

Mestre em Educaccedilatildeo na aacuterea Histoacuteria Poliacuteticas e Gestatildeo

da Educaccedilatildeo

Orientadora Profordf Dra Magda Sarat

DOURADOS

2013

Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD

370981

R72a

Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira

Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em

Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira

Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013

137 f

Orientadora Profa Dra Magda Sarat

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade

Federal da Grande Dourados

1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -

Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I

Wollerman Ana II Tiacutetulo

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Dourados MS2013

BANCA EXAMINADORA

1ordm Examinadora (Presidente)

Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

2ordm Examinadora

Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal

Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________

3ordm Examinadora

Profordm Drordm Ademir Gebara

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Suplente

Profordm Drordm Reinaldo dos Santos

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Dedicatoacuteria

A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas

Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha

Em especial a Nair minha companheira que amo com

profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas

ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa

AGRADECIMENTOS

A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na

face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso

com a Vida e com o Proacuteximo

A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-

doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos

percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em

alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador

A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir

participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense

Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr

Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da

pesquisa

A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de

Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos

maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos

A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche

do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas

reflexotildees sobre minha pesquisa

A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos

no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo

Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na

continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou

sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista

e educadora Martha Watts

A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e

da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees

ortograacuteficas do trabalho final

Aos entrevistados

Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para

educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana

Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e

Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr

Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a

histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o

terceiro com sua participaccedilatildeo

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo

Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada

ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados

Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA

1993 Rom 10 13-15)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora

Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que

ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para

outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo

treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e

memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de

evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e

sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu

perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a

metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para

analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e

degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para

produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana

Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos

Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico

de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o

indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias

utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau

para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de

representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em

cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos

mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana

Wollerman no Brasil

Palavras Chaves

Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo

ABSTRACT

The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator

Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period

that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving

on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the

training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of

familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization

for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its

importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations

of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for

the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical

operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman

produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History

for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were

involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural

History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural

practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted

representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the

autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the

bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana

Wollerman in Brazil

Key words

Ana Wollerman History of Education Protestantism

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08

Formaccedilatildeo familiar e escolar 13

Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25

O lugar da mulher no pensamento batista 30

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO

PROJETO DE ANA WOLLERMAN

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS

PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

A escola que Ana Wollerman criou 68

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os

ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-

mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu

interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos

anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute

socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou

provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo

Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)

ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo

tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-

grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem

tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser

analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava

uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem

Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca

(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de

cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual

natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo

tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como

pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e

especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma

contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do

Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas

de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo

Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma

Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo

protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a

1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a

pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica

(PROCAD)

2

formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o

desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento

analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da

educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que

levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do

metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional

acima referido

Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no

Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia

Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um

estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas

no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica

brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo

ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da

educaccedilatildeo protestante

Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por

exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de

civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa

as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-

americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a

1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A

obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de

fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo

presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em

conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um

papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria

Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que

seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma

nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos

missionaacuterios no Brasil

Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade

a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do

seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e

3

desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social

entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre

catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional

que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons

Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de

afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a

educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas

diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos

protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo

dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a

investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria

servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos

protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas

escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas

viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles

do que pelos demais grupos protestantes

Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica

voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo

em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a

formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da

Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio

de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando

as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e

dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se

encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este

trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de

mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado

a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier

Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil

que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista

(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a

2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do

projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente

4

Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar

a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no

periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela

partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde

conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu

casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico

material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e

natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo

defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra

do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de

seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no

Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do

coleacutegio

O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo

batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de

praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo

do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura

escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto

educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute

Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade

Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA

contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise

complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando

praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da

participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo

batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa

perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo

ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites

da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas

escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas

Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash

1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e

5

sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor

analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-

alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da

Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do

coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo

direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos

para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral

E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema

de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta

poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia

muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez

pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul

O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de

missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia

as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual

razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana

Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo

atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos

depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia

independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica

missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo

A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de

anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o

periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash

para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio

Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados

da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo

No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de

formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico

quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre

6

sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia

escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste

capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir

da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva

(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a

memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das

necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre

passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o

lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a

especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na

segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta

cidade

O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no

Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai

(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura

da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria

socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas

da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo

Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as

praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-

se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se

que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-

noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o

individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de

convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees

de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo

destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)

No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana

Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e

7

educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo

especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza

A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos

seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes

utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo

da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a

professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e

continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo

Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e

Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O

tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador

na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a

ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das

materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por

meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica

dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente

concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por

ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado

a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento

8

CAPITULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA

FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA

Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas

missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como

essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute

analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-

educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas

como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece

o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil

Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo

A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana

Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de

Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da

centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente

(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave

medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente

(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema

encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o

processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo

gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de

um(a) missionaacuterio(a) batista

Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo

sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em

seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA

3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem

gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute

que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los

literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa

9

Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o

irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus

porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo

vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4

Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se

reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que

documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime

o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE

GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana

Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado

segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)

Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim

como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana

Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a

colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria

de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi

quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos

anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave

1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse

consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo

batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil

(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA

Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois

diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em

com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu

tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como

diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara

municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo

douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita

Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando

numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de

4 Grifo meu

5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de

alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs

elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em

virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees

especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com

relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)

10

distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria

por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo

meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)

O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso

ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um

ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um

discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado

em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar

ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo

reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso

ideoloacutegico serve

Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da

figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de

suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como

estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994

p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que

compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual

nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia

social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder

Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute

limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo

religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e

com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades

- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica

Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas

do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo

7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs

funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste

sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo

por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de

deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme

os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido

ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma

ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo

oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal

assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na

formaccedilatildeo do pensamento batista

11

Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem

estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)

portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja

reconhecido como cientiacutefico

- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo

batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do

Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos

As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou

funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos

homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional

status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo

dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp

5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que

os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima

uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)

Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros

nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos

contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos

conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria

(Halbwachs Pollack)

Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas

socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na

relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna

inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de

ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja

ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade

criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis

ela conceitua

Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio

imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo

Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico

porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira

(PESAVENTO 2004 p4445)

12

Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque

eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo

religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria

ldquoenviada por Deusrdquo

Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a

memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos

pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu

falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos

indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees

coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias

pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque

se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem

ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo

Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees

fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta

pesquisa

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele

saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a

chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles

eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a

famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se

chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos

eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee

nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna

Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes

mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e

Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim

meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo

para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de

ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele

foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema

com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu

Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para

estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi

ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p 140)

Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu

nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto

Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo

13

concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas

lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas

lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da

estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman

com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo

para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo

soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas

Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)

que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de

referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo

presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as

lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre

verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de

referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da

colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem

se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para

aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e

outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na

histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda

psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os

registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)

Formaccedilatildeo familiar e escolar

Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por

Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff

- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille

Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de

Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da

comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil

ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff

experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos

14

principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos

fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio

Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a

cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para

quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e

portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo

(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata

[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de

estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito

bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000

mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de

vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas

todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas

de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e

muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos

meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)

Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das

informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este

tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA

No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata

A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute

terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis

anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de

dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze

anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles

anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me

lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de

sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a

atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela

fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas

o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana

Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou

mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse

influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola

eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou

paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram

originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria

15

no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de

ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria

missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando

questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU

2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de

ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm

interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a

narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua

trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute

descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios

Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho

10

Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria

o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se

caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de

formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos

9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012

10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem

perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-

metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na

mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do

seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em

httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012

Ao fundo os pais da Ana

Wollerman Sr August

Wollerman e Sra Minna

Wollerman Em primeiro

plano da esquerda para direita

Ana e seus irmatildeos Edwin e

Mildred - Acervo Biblioteca

Faculdade Teoloacutegica Batista

Ana Wollerman

16

Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas

devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo

apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e

reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social

Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e

doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos

meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles

nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal

organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se

ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das

ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e

outros paiacuteses11

Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de

evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio

ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176)

Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana

Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos

personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo

reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento

Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei

muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me

lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo

creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava

voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades

sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)

O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede

interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para

construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori

foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto

marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de

vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil

11

Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de

Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)

17

Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo

do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao

menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os

primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)

Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria

se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute

desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que

ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a

este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente

consagradardquo12

Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece

muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo

queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco

deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha

assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha

vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada

realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)

Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na

universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando

da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para

os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez

com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um

escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se

afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos

negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 141)

Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se

refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que

temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o

porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo

sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira

encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste

12

O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente

bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um

processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como

oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo

se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso

18

sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo

menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela

Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico

de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi

possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o

missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de

igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil

Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins

Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte

americano Bill Sherwood diz

[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e

entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela

tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu

sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados

[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do

que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da

entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os

missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no

Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua

fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em

Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda

guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD

Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de

Ana Wollerman

[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer

De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a

Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o

jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo

porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um

salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho

que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito

satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez

(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e

voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se

deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-

nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que

19

tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento

da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao

assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins

interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood

Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma

perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a

nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood

[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de

Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui

nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o

segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser

com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir

a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da

minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo

deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p

142 p 147)

Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A

questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)

desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas

Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas

representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se

criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13

Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez

para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de

referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14

Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive

encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser

nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas

tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou

deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)

Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil

possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada

pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste

13

Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

20

missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15

ele teve dificuldades em

aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o

questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood

ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por

ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento

satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o

exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se

configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar

aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de

machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude

do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU

1998 pp 91s)16

Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria

Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e

identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido

um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo

autobiograacuteficardquo

- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo

inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria

histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas

mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos

religiosos e lideranccedilas sociais

- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e

psicologicamente

- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um

sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste

autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que

ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos

15

Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16

Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia

tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as

taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo

consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio

proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc

21

outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade

admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos

valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)

Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois

Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida

Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de

legitimar seu projeto missionaacuterio

Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi

perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da

minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido

em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela

noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja

farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo

que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer

isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois

para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)

A experiecircncia religiosa17

eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano

ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da

situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na

escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto

nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas

quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade

de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda

mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA

Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia

religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para

o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que

paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo

participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta

dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio

que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua

17

Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do

protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no

humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida

(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que

levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma

religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo

ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)

22

vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do

que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp

15s)

A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel

em Artes da Ouachita Baptist College18

em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos

de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo

Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas

teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que

queria ser missionaacuteria em outro paiacutes

Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo

que cursou Bacharel em Artes

[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19

graccedilas ao meu Pai

[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o

que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei

sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria

Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem

desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o

desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares

pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando

Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser

realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar

de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser

salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de

trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma

missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)

Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20

possivelmente seu interesse de vir para

o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e

18

Hoje Ouachita Baptist University

19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra

para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de

graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com

Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em

httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira

expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser

encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS

quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte

biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo

20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde

amambaense para Ana Wollerman

23

Anna Luther Bagby21

(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve

relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na

Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os

missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o

trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo

somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio

Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff

onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite

do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para

trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi

homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos

21

Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o

trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo

Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no

Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da

Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

24

serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas

instituiccedilotildees e ao seu paiacutes

Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do

protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman

sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato

autobiograacutefico

Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na

universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e

para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma

dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos

papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim

coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu

posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que

eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como

professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo

ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

176)

A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos

biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins

de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico

pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio

de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico

para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas

especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo

em sua formaccedilatildeo

Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de

Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou

um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades

religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter

missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou

com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que

trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua

famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a

ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi

aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua

decisatildeo

25

Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a

nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22

tens que abrir a porta [] eu andei umas horas

depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele

perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele

disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse

como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei

Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)

abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma

mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 pp 142 143)

Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado

brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans

Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e

chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

145146)

Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana

Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi

fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte

Contexto de formaccedilatildeo religiosa

O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por

um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua

vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana

Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e

queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais

eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os

valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []

ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []

Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha

famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando

muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja

aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23

Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o

iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na

22

Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23

Grifo meu

26

origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua

fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e

pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre

a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo

para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores

transmitidos pelos seus pais

Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja

mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos

bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do

aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo

estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman

A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente

em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda

fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres

sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram

por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las

aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em

meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do

pensamento batista

O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias

interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do

mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as

praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia

tomista24

eclesiologia hieraacuterquica25

intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos

24

Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)

25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave

condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado

canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como

estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do

impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o

constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima

dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro

estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio

social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o

estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo

(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)

27

sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a

sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos

bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical

entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios

de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber

(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo

No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do

anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em

Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura

somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se

outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a

mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo

Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu

falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas

eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu

quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na

parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei

mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais

tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os

olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como

Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes

ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148

149)

Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana

Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas

e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo

porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu

trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles

eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)

Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre

calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os

calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de

Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo

28

em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a

humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus

eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade

depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de

construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a

salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute

Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo

retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26

Em

siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a

responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da

graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo

Weber

Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta

inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus

interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da

consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de

conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o

presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que

seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por

considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)

Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo

inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel

perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-

moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso

missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da

salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado

numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio

Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de

uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando

26

As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a

Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados

de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma

congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de

ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido

comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos

via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo

resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO

1996 pp 84s)

29

a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior

envolvimento com a comunidade religiosa

Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos

trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para

Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus

Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder

assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)

O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era

irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por

ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a

Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela

meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja

Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas

participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista

mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a

legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja

local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo

Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi

formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores

do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a

ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo

A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e

o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras

naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul

era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando

a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros

paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997

p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern

Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um

rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e

culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o

norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a

se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na

cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para

30

o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria

mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no

Brasil

Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento

fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave

modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia

europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia

buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto

de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e

outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute

cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por

conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas

criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como

presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios

teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos

textos biacuteblicos27

O lugar da mulher no pensamento batista

As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em

um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina

Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana

Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da

pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo

27

Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram

1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos

seus autores

2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave

argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e

ldquoCristo da feacuterdquo

3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da

humanidade para livraacute-la de seus pecados

4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando

que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja

no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais

5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que

eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)

31

Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher

na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de

vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de

mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja

ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)

1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como

um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e

ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem

poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28

2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do

lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo

Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento

batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar

as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao

homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para

o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo

divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da

ldquoordem socialrdquo

Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo

de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber

de que forma a mulher eacute representada

A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a

essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher

governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha

para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor

gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos

guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da

mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser

jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB

1954 p 5)

Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo

e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da

existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista

28

The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012

32

pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas

mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee

mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver

com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos

sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e

esposa abnegada

Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do

iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar

tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais

mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas

ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por

conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a

experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de

civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado

nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)

Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra

funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a

maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das

mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres

missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das

Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute

1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4

Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas

especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do

trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)

O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo

apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949

(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo

trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da

Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho

missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel

fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras

mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras

atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam

33

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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57

Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de

1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46

Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por

exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma

concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem

diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino

na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que

como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra

uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute

vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana

Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria

executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de

Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense

ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004

p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de

feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo

Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo

tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por

pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood

34

3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres

norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais

as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos

seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de

retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente

eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de

compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso

que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas

para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e

sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc

Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos

dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees

radicais sobre o sufragismo ao conformismo

Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais

sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute

afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo

questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias

(SILVA 2011 p 34)

Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre

esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos

limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo

ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o

ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja

local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo

de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a

ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria

Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo

de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo

status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a

vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves

mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que

Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no

seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de

35

Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de

conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia

Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo

de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto

fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem

impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)

Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as

instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o

assunto da seguinte forma

O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como

restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no

pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com

autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November

11 2000 p2)29

Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista

a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo

Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe

claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo

de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes

Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um

lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo

zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)

A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na

Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de

21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo

sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais

O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de

20 a 24 de janeiro de 1995

29

Traduccedilatildeo livre

36

Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo

Luiacutes - MA 1995 p 512

O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela

uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que

participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa

Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas

possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi

resolvida entre os batistas

Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de

ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra

complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra

583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam

desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de

quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso

PERGUNTAS SIM NAtildeO

Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067

Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049

Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320

Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193

Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599

Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583

Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466

Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372

Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290

Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457

37

desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a

Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo

1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista

Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da

lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as

Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios

como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia

Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que

a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como

missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias

especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente

avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz

da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de

Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)

A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas

Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do

que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral

Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave

tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30

e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas

da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem

natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute

presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman

Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz

realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como

pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era

uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 156)31

Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de

Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender

que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como

missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem

necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica

retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que

intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier

[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio

possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos

e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em

30

Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1

Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre

Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31

Grifo meu

38

afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a

dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio

consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a

insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)

Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco

mais

[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me

consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo

isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje

em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada

era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160

161)32

O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para

entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul

Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul

criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque

pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um

conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher

A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas

nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de

lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em

Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente

nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa

de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa

32

Grifo meu

39

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS

NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana

Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos

do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil

No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil

e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado

em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional

batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo

entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta

missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia

A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo

de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33

tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo

Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas

religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as

representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas

interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo

na ldquocomunidade imaginadardquo34

dos batistas

Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no

ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da

realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35

(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de

sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre

33

Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34

Benedict Anderson (2008 p 39s) 35

No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)

40

batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na

ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais

pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a

presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou

culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os

oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de

mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das

almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar

sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si

pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem

de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam

(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato

Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo

interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil

Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo

no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo

de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos

do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde

o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil

e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -

comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta

ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa

Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente

proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias

nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a

evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os

Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros

holandeses franceses e suiacuteccedilos

A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de

missionaacuterios colportores36

O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista

36 Vendedores de biacuteblia

41

Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do

Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul

do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)

Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais

(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas

mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e

distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e

fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo

O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo

XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica

de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais

liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do

republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que

fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees

traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios

liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro

estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na

estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de

manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro

todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)

Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos

liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio

circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo

com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora

Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho

que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo

trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias

liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se

um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres

jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento

catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil

42

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil

Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos

por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do

Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro

Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste

mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de

Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma

igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e

teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996

pp192193)

O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes

sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em

solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua

esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin

(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar

missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu

para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-

combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos

relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck

Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp

330 ndash 336 450 ndash 456)37

Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste

mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira

igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades

brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996

p 194)

Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da

proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram

organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43

delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo

37

As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do

trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)

enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond

43

provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)

(REILY 1984 p 175)

A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois

princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre

estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro

e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a

formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas

missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar

sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas

ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo

de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela

publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas

jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura

religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)

Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que

significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998

pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma

linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de

estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das

praacuteticas religiosas38

e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees

drsquoOJB

Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de

criaccedilatildeo drsquoOJB diz

O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista

especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista

Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando

resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido

doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas

CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar

representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e

38

Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde

problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e

exclusotildees de membros da igreja

44

denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo

de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39

Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio

grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos

impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de

formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos

centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais

produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais

grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo

tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p

22-28)

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil

Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)

uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos

Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores

vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias

colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara

Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos

voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute

estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)

Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado

para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser

pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a

periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das

escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em

cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898

- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees

de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta

39

Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante

na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode

ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e

concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro

texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do

pensamento batista no Brasilrdquo

45

de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo

marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos

dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da

Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo

indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos

seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute

poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da

documentaccedilatildeo40

Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros

missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno

porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil

Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees

ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela

iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41

esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se

dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para

elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as

casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)

Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura

Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor

School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do

fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que

40

O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por

missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo

Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou

conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do

Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)

este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo

Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da

Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees

acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas

ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos

poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das

lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de

1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional

(MACHADO 1994 pp 63-67) 41

A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em

relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir

para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o

general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond

46

a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto

de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)

As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees

teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos

seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo

religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e

fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao

seu projeto educacional

Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por

Pedro Arauacutejo eacute relatado

O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta

com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como

espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para

engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos

preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande

perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute

promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a

nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir

duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma

mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos

membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor

o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja

subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua

mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os

pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)

Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem

educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas

escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos

batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora

pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles

precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na

cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o

que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da

Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se

membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto

para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do

grupo

47

Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos

filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros

motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade

brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns

casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo

religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO

2006 p201s)

Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados

de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos

liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o

Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA

O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e

pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e

ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas

e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais

cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica

mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores

puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do

collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde

o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo

christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande

valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo

christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros

christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud

ARAUacuteJO 2006 p 200)

Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo

quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como

espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo

(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que

levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus

Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um

ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de

Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo

ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo

fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja

existir

Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos

perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de

48

ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa

ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In

TRUETT LOVE 1950 p36)

Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do

compromisso com o que entendem ser sua missatildeo

As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos

hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na

paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e

povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e

recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos

dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)

A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois

propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a

funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a

ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da

educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza

Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de

1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde

O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos

princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo

incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que

adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que

disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo

(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio

para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara

para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um

peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se

consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que

seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este

tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-

284)42

Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive

promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na

caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais

[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram

valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira

repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento

norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como

42

Grifo meu

49

ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os

traccedilos culturais do seu modus vivendi

Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de

evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo

voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo

indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que

equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana

a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior

preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a

documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era

ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da

Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse

na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos

prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a

finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo

porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo

Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees

podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO

Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel

na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais

elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os

serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de

Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova

organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos

principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover

programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra

ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto

evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de

estudantes (LEONARDT 1963 p316)

Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente

ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas

priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades

que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica

pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam

intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e

as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda

regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma

orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas

A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo

deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples

50

deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926

apud MACHADO 1999 p80)

A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte

de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os

ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino

religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio

Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as

diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em

relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as

aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo

delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem

propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a

visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)

O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento

batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente

desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43

Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da

noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa

que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal

discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de

seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente

desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no

tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste

sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio

religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso

conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a

ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta

pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de

uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma

ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do

aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para

aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)

43

Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo

entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia

(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de

censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base

legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre

se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos

Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)

51

Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista

vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma

ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui

ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a

educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo

Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e

educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista

se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44

Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser

relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns

professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam

a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que

supostamente estivessem agindo da mesma forma

Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a

pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o

pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma

instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta

afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves

vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute

claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948

pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes

direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico

tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo

Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento

maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX

tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no

graacutefico em seguida

44

Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em

seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo

Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de

alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola

52

MENDONCcedilA 2008 p52

Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882

porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45

As informaccedilotildees do

graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando

a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na

abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos

batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de

evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios

protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso

Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o

trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um

45

Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao

serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880

53

planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de

migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil

No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou

esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem

estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)

Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910

sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional

pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do

tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste

liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou

um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento

na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro

(NOGUEIRA 2003 p 48-52)

Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre

outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio

do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram

uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional

em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da

Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado

pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja

Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)

A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram

igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo

Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em

Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob

a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A

Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou

de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos

batistas mato-grossenses

Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia

outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai

este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e

54

seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e

Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim

de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila

batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)

ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)

Igre

jas

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s

16 10 20 6 4 947

Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso

mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam

estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute

na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em

Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e

autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de

igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o

crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana

Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as

estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e

treinamento de lideranccedilas

Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora

nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos

que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo

ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe

mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou

para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles

conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era

nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou

55

animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo

presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com

a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a

sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil

Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins

aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua

caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria

em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman

aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada

por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito

federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este

disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a

cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo

palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel

Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer

na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que

vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor

Ana Wollerman (37 anos) assim que

chegou ao Brasil em 1947 Acervo

Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica

Batista Ana Wollerman

56

Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto

quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas

malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala

grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me

falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na

minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus

mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria

de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio

de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de

missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a

gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p 147)

Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo

resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de

entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou

publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento

de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)

Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida

pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio

Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava

ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura

fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia

Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas

nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei

elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que

perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas

reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46

Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os

homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47

Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento

algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade

eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa

Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na

ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem

de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo

Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos

homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora

46

Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47

Idem

57

de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da

igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher

missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como

fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de

reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local

Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor

Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo

de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs

com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe

ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123

58

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS

Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir

Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute

entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo

na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho

progredisserdquo

Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita

aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele

pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho

progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e

fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo

uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p 148)

Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito

de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do

Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que

tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate

O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade

pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48

mas sim porque desde o

iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas

para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo

ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a

demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este

apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo

ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49

foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena

local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p

120 121)

48

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo

de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio

Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los

diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta

Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a

capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em

18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato

Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em

15122012 49

ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos

fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore

com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)

59

Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai

era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por

Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal

atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma

rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para

encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que

garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)

Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o

pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro

urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo

seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de

religiosidade protestante

Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as

crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute

criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas

Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor

ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)

em volta da mesma mesa para estudar

Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter

condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam

dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e

fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)

As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros

com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na

regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser

atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias

ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)

O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender

este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash

memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na

60

histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50

Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo

numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo

[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E

aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele

tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo

tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia

fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras

porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar

as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam

porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar

carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por

aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo

vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia

pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo

quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO

2012)

Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do

professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais

escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os

cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em

dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173

VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)

50

Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para

esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de

Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai

inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de

pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados

inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT

61

Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51

melhorou o acesso

agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas

ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno

(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas

rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei

Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo

federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento

aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens

abaixo

51

Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram

intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas

escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham

certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram

ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando

o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o

professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo

Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO

2009 p173

62

Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito

Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para

criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde

chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos

depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO

2009 p191)

Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que

principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana

Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que

era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim

de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve

tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes

amigos e outros interessados

Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de

Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto

Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)

63

Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja

Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52

por conta disto em 1943 a igreja enviou o

ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um

ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em

Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de

comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)

proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as

atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar

sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e

foi seu aluno

O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais

ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como

evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma

escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu

tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do

Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos

3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este

iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)

Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua

casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo

evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do

espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim

passarmanifestar sua mensagem religiosa

A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar

assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia

para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para

fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela

organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947

quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia

Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a

Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de

Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia

auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham

52

Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08

64

comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes

resultados por eles esperados

Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para

abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha

fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe

outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens

[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos

crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra

metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem

ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo

de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se

isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo

Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido

Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman

possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade

ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus

saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do

impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner

na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que

desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-

americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados

A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e

outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente

quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem

este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes

passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se

apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida

criativamenterdquo53

por agravequeles que dela se aproximavam

Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de

amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das

primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida

53

Michel de Certeau

65

como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais

famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o

Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana

Wollerman comenta

Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo

direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu

ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai

deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era

madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola

Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente

servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria

inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha

manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou

Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana

Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas

escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E

em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse

Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem

pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido

qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma

vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um

pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de

fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO

2012 p 3)

Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho

da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos

ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor

Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma

congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel

Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo

de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949

Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a

66

famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando

na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia

[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua

filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo

havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que

serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas

de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro

e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a

casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta

casa

A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e

eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo

pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para

sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de

cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de

dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas

mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e

usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um

guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito

simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais

alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o

apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e

aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela

foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito

Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio

Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a

ponto de

Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei

do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude

estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma

lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

152)

No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a

Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola

Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo

o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a

grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes

67

podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo

precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute

com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou

ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce

Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam

eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana

noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora

vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra

professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana

Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou

muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai

[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e

tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas

a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era

alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei

impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia

caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA

2003 p 186)

E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola

Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de

sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas

praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave

leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai

68

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN

INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a

estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto

educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos

demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo

poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se

mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as

condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto

histoacuterico e social de Amambai-MS

No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria

de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no

municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o

entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos

estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash

professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana

Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria

A escola que Ana Wollerman criou

Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em

Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito

influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e

ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um

detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo

catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na

famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a

famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma

significativa autoridade abaixo apenas dos pais

69

Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas

famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana

Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher

branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo

No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona

Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar

mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi

visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo

existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o

que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela

tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman

Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar

no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de

dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula

para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e

outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona

Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p 149)

O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor

Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de

escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54

mas vai se

estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de

desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana

Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com

divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava

abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este

milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato

da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse

comeccedilado com todo o primaacuterio formado

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas

provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela

foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola

primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano

mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (ERGAS 2012)

54

ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em

estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar

70

O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que

por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto

Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se

tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute

provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo

mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de

Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que

tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou

seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma

ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo

Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas

questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana

Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute

monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que

enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste

caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios

Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

71

Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas

bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o

que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num

grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura

personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de

alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que

ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que

daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o

ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no

Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e

natildeo de Ana Wollerman

Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos

batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo

sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond

que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo

aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e

ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias

palavras tais representaccedilotildees

Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela

primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram

grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum

lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo

sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em

Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas

peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto

mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez

muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

55

Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em

1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute

importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo

eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute

entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta

Poratilde-MS

55

Grifo meu

72

No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as

atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a

Igreja Batista em Amambai56

e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho

(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso

a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman

tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato

Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria

de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e

auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo

o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este

dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao

lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de

Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma

homenagem posterior que a Igreja fez a ela

56

Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela

foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio

Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham

em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de

ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo

ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo

Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde

amambaiense para Ana Wollerman

73

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo

Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente

a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas

que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista

Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia

Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto

de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a

incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a

finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas

sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes

que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar

dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os

professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da

escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de

pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos

que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por

intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a

escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso

analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou

com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente

compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido

antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o

afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud

VIDAL 2005 p24)

Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo

como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de

conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as

culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com

seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de

escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da

trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a

criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas

estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns

elementos da cultura da escola como chave de leitura

A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente

municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada

majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo

apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo

Sul de Mato Grosso

74

Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato

Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos

344214 rurais57

Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo

moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que

fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a

Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai

(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro

como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das

dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo

Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas

escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os

ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola

Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de

laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu

pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por

intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela

eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da

Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim

pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)

Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa

necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de

escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que

certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas

proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que

se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais

encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a

fim de poder dar continuidade aos estudos

Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os

que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)

Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros

motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de

estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte

Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu

completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte

57

Fonte IBGE

75

eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana

Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno

Hudson Otantildeo da Rosa

No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa

de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da

cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha

simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos

lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas

emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo

Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se

comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo

ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo

somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com

bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente

Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era

brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo

Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior

progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do

precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa

Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de

progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor

tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia

ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que

ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em

seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas

natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a

cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois

voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu

anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo

tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus

irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para

o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira

dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia

suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas

proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra

esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da

minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande

brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu

povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma

me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus

estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58

O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais

colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis

motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar

58

Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta

pesquisa

76

a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de

representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de

encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como

atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de

forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma

infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e

assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de

trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em

conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o

periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a

partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59

As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da

escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o

Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento

anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar

Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento

do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia

desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico

por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha

que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado

E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da

escola60

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles

trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os

pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute

considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito

prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja

convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se

destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam

distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)

O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da

educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as

decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61

Em sua fala

aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da

escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar

Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os

59

Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60

Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes

documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso

natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61

Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado

77

alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas

alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior

nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de

prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter

satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola

Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento

estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo

nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com

assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de

fechamento do ano de 1951

Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista

nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo

da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se

voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes

despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos

ao fim do curso letivo

Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo

de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com

que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de

ensino

Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo

impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por

muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)

Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais

realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao

trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os

remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente

representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de

algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda

que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que

se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E

neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz

O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto

da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute

como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos

determinados (FARIA FILHO 2008 p81)

A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e

Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser

78

analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a

relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares

para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar

que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se

configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado

mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de

1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do

Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por

diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de

ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos

participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte

Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha

normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc

terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as

meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para

aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)

Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de

intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de

escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo

Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos

diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo

quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc

(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento

estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de

poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto

talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o

estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras

assim ela relembra a experiecircncia

Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um

corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que

tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes

dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas

surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino

Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo

sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda

razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca

da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que

para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo

79

ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que

era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e

mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro

nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62

Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das

autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana

Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no

Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente

limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua

inglesa ao da liacutengua portuguesa

Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado

Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde

quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser

ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da

Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das

pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias

buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia

patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees

fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo

do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do

Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais

poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS

MULLER 2009)

Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de

Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas

apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula

Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que

prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo

fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que

62 Grifo meu

80

todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os

resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da

Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana

Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona

Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente

preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional

Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro

fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos

E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da

semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era

hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira

e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa

parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)

Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana

Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era

realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em

posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E

assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova

geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de

suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que

pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela

populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar

81

E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas

atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para

os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes

A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando

agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus

Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a

realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo

em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as

coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se

ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de

missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara

(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63

Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da

tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo

numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo

(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e

Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia

63

Grifo meu

Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo

042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman

82

entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos

biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio

Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome

do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)

Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas

testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos

confins da terra (At 18)64

Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica

missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho

missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se

apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai

Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos

salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute

no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Compare os vocaacutebulos grifados com

Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso

acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos

(At 247)

E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo

continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz

Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha

salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos

aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o

Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro

dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir

todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

151)

Compare os vocaacutebulos grifados com

E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo

Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)

Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se

que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora

da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana

Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma

oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

64

Grifo meu

83

Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria

das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e

alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros

ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo

(WOLLERMAN 2003)

ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO

2012)

ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)

ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e

laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era

infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)

Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu

lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos

protestantes65

sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das

Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66

E nos casos acima os

propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas

praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes

das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em

segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca

um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir

valores eacuteticos morais e religiosos

As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto

significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos

elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de

educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva

cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da

relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo

tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)

Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana

Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute

comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se

deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da

evangelizaccedilatildeo na cidade

65

Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66

Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE

Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo

(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees

Paulinas 2010

84

Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo

muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E

ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho

progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou

uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola

Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus

contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles

tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o

evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar

porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de

algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela

escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze

anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde

Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-

adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho

missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute

discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e

ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo

85

Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades

evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao

templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o

templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca

de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da

mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes

termos

Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no

Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as

classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria

na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a

histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e

contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67

cantava-se

67

A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram

cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes

Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

86

hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por

exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho

que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a

muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal

maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar

Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)

Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho

hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees

estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute

apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo

Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os

pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador

Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na

paacutetria celestial Perto do Salvador

Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos

chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador

Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar

no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador

Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o

amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68

Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor

evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes

batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre

consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante

profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69

Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman

tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para

ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo

Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a

primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo

68

Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de

Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio

G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo

Paulo ndash Edusp 2008 69

Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma

ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e

parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo

de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando

crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos

como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando

atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de

decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo

87

aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e

muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que

fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela

eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a

estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os

hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)

Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para

cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a

doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de

estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes

visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente

com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para

tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva

Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido

discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de

suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os

conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados

anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca

de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana

Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a

partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia

se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras

Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que

aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito

dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o

ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito

bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de

algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem

lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho

que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com

bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu

aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)

Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos

ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas

ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo

Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam

recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou

88

muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana

Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em

laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais

representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas

tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai

Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras

povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o

evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns

irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens

mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem

estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas

Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do

evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava

recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu

sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que

por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70

Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana

Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde

ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71

que queria tiraacute-lo da escola

porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar

para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar

na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens

de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para

Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao

falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da

escola participante do ldquosucessordquo deles

Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs

certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do

70

O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos

fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o

atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas

visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo

entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )

71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um

dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai

89

banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e

doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco

(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene

Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja

Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque

Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai

inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai

para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB

foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta

parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com

Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se

aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento

interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem

interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas

que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato

estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava

sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e

muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele

apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da

Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a

ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino

foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute

advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente

morava todos na mesma casa (LIMA 2012)

No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que

Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees

A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu

alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor

Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores

advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as

mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel

90

Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma

toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem

deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por

que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer

coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs

O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um

produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco

mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer

prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)

Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo

em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da

sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da

Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos

para preparar a merenda escolar

Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola

ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos

alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no

primeiro segundo ano (LIMA 2012)

Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela

pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a

ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade

Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn

Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo

do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72

e eu achei

que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do

Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se

passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus

Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn

Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles

eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam

recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu

usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil

doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)

Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que

a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil

pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi

integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai

Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana

Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo

72

Grifo nosso

91

pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman

tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e

segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por

uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)

Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca

que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado

por Ana Wollerman aos alunos e alunas

Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer

visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era

sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na

parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra

sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto

Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando

ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)

Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus

hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo

que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A

interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades

devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham

momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio

batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua

autoridade como ldquoautoritarismordquo

Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel

Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um

homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre

criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa

que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa

assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)

Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se

mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia

tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava

perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava

Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de

todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito

dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta

que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)

Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se

perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta

92

fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se

natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas

as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta

natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um

exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo

indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de

comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com

comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos

mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)

Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da

relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz

E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou

me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes

soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que

Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me

respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)

Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a

temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva

tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as

missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo

Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de

conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem

E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem

como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e

marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se

mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso

com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas

conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA

2011 p 35)

Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de

pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa

condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia

financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de

algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil

93

Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num

alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com

os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela

Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas

relata

Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim

qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer

achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa

muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a

vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)

A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman

era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e

coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil

Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta

parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira

(2003)

Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu

trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense

Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias

convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a

importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja

(NOGUEIRA 2003 p91)

Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da

Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil

(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e

agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e

distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada

jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da

Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava

financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras

94

A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob

os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em

condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com

ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de

poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana

Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi

indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em

Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da

referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens

Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma

nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de

Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava

progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)

E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar

como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)

filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis

ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e

concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato

Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e

passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai

(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)

Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se

uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque

segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o

exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam

bem colocados

Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o

filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na

eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda

no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc

tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um

exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como

quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa

mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era

ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora

95

aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da

credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais

e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas

profissionais

Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional

que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram

palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras

por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais

ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras

profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A

escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de

produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse

sentido (SOBRINHO 2012)

Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou

em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio

onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da

Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi

embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais

exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das

atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e

demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum

soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de

60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana

Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha

fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo

encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola

Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco

rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem

continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia

se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando

assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho

Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas

as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de

96

Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas

um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)

Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo

e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval

Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do

Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em

Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e

seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003

p105)

Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades

vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das

Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)

Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu

estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para

eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para

serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara

Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia

rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana

que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a

auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os

filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para

construccedilatildeo da escola e da Igreja

Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste

lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns

terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num

outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a

Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir

laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da

cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos

ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de

boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo

de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles

troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo

com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja

Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos

e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de

tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p156)

97

Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as

pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder

em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma

experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola

e passavam o dia inteiro nela

A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da

cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os

pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e

ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar

pois era distante (ERGAS 2012)

E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a

missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando

mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e

evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)

Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em

Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se

concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato

Grosso

Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do

Mato Grosso73

para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste

iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul

Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para

o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que

Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis

ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)

Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos

Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de

treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em

Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem

as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto

passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-

se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)

73

Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso

98

Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez

algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos

anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e

sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi

transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de

estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a

Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98

anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes

estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny

Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na

continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um

poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)

Whether I live for many days

O if they should be few

I will not cling to earthly ways

But gladly go where all is new

Jesus surely knows my name

Has prepared a place for me

Where forever I shall remain

And his Lovely Face IrsquoII see

How can I fear the great unknown

When Jesus stands and wits for me

Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity

Se eu viver muitos dias

Ou se eles forem poucos

Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas

Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo

Jesus seguramente conhece meu nome

Tem preparado um lugar para mim

Onde para sempre vou permanecer

E sua amada face contemplarei

Como eu posso temer o grande desconhecido

Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim

Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial

E entatildeo entender o que eacute a eternidade

99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito

estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo

ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado

iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na

contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura

sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de

Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute

com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo

Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os

mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste

sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa

ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como

noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e

prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver

Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo

estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar

leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o

tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo

digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida

Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo

que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e

ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo

E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da

Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os

encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute

preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA

Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as

dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de

crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus

100

ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo

constroacutei de si

Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma

seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria

aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o

fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias

calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um

sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio

O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia

missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do

seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como

jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo

de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano

pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a

criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e

sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo

Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila

ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio

Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes

missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram

representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a

accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste

ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-

determinaccedilatildeo divina

No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu

frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo

por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa

configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava

contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada

Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar

pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia

interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No

101

protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a

vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana

Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para

sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de

exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de

ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio

teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um

ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse

sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo

A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da

educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo

social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas

feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no

Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo

na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo

Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns

pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser

relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora

da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria

sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que

assediava os alunos diariamente

Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo

vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos

batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da

Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta

Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o

Brasil

Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento

fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um

conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que

acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem

mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana

102

na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de

atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que

Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar

ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional

Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista

tiveram sua participaccedilatildeo direta

Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram

analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a

figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais

quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas

Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense

porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores

longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas

praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar

inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no

pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato

com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres

Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas

atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo

estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e

com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho

evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares

Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja

Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre

mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o

presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de

muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo

que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo

analisadas por outras pesquisas

103

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David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

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Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

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WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa

Publicadora Batista 1950

109

ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo

referenciado

As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua

pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento

autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas

entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e

respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae

Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo

Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191

110

ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas

Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria

Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi

missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de

escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas

Entrevista

Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber

conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman

Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes

de vir para o Brasil

Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram

alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E

laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha

se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a

famiacutelia de trecircs filhos

Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham

conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha

lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila

Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio

Entrevistador Ainda quando crianccedila

Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em

oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau

preparaccedilatildeo para o segundo grau

Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja

Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram

pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz

que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio

111

primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas

eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus

ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava

trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi

para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do

valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos

arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador

daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth

Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela

Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio

das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu

Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio

Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que

foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo

conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial

Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre

isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman

Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute

com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram

a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente

Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos

estudos no EUA

Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu

nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia

de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu

sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar

Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete

vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava

aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas

igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do

Brasil e ela interpretava

112

Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo

XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e

insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente

no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado

alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava

Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites

das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana

Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca

Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir

para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute

reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem

positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes

do Brasil

Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta

pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita

pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto

ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou

Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem

nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca

comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse

em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que

houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em

falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo

Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa

conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A

senhora poderia falar sobre isso

Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher

sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como

que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era

professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para

viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam

mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula

113

O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para

Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e

remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens

Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito

ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona

Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta

mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro

Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai

Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis

homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns

cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a

era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a

Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o

agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de

escola nada

Sobre o objetivo da Escola

Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os

dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash

2129)

Iniacutecio da Escola

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz

de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela

havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute

tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (3003 ndash 3042)

Onde moravam os alunos

Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas

Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar

naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no

comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais

114

estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute

conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)

Escola oferecia almoccedilomerenda escolar

Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo

Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas

crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo

estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais

contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)

A escola cobrava um valor por crianccedila

Entrevistador A escola era mantida por quem

Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola

porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o

ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)

Professoras

Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego

quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era

uma das professoras

Entrevistador Em principio ela era professora sozinha

Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute

Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas

Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute

tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam

foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)

A Escola

Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo

Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de

nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes

Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute

115

estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -

3451)

Conteuacutedo escolar

Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola

Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja

onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo

nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino

Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra

crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)

As crianccedilas

Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola

Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de

nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz

Entrevistador Soacute de ouvir falar

Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo

tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila

(3643 ndash 3721)

Curriacuteculo da escola

Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo

era ensinado

Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e

pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem

lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta

Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas

que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma

professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias

Entrevistador Como as famiacutelias viam isto

116

Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra

dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos

muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash

3957)

Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos

Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas

Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes

iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente

andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)

Importacircncia da Igreja para cidade

Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade

Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se

tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita

dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)

Doaccedilotildees que AW fez

Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos

que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito

discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de

Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia

ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se

interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu

estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a

senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o

obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns

cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)

Uma escola para cada Igreja

Entrevistador

A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas

Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa

Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e

117

era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que

atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e

Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram

menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)

Cotidiano da escola

Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila

12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash

todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas

entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam

Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia

Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um

discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos

ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash

5626)

118

ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho

Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de

Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor

memorialista da cidade

Entrevista

Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com

alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas

ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a

estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista

Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou

menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele

atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o

salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio

Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3

alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi

embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui

organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18

de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe

que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o

aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos

iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola

praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo

ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver

quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se

comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando

porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha

aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista

Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma

novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas

dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola

batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes

119

Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um

programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o

quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas

particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu

sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as

escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam

utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha

que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar

por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar

um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando

vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia

pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu

fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia

nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles

chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles

usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra

turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano

laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu

sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia

o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas

coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei

ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo

mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor

jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias

Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana

que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela

tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito

importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a

gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia

desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc

projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas

tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola

120

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa

com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela

mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte

ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em

fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino

agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte

ciacutevica tambeacutem bem colocada

Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em

Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo

cristatildersquo

Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a

semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma

leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola

dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso

que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde

Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a

histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade

Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola

Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado

ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra

vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era

uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a

escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no

quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam

daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do

ensino que era bem feito bem ministrado

Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar

Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles

falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas

eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo

121

escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem

estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que

tinha na eacutepoca

Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola

Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia

muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo

pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o

aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto

entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que

o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu

isso

Entrevistador Qual o valor cobrado

Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se

pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem

diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do

tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava

menos que uma latinha

Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje

salaacuterio uma diaacuteria

Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela

eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor

Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam

a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do

medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino

superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um

carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros

alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido

122

Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que

deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta

como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino

oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50

cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre

as escolas e essas ajudas

Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na

chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na

cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava

envolvido

Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o

Catolicismo por exemplo

Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui

na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D

Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre

Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre

vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia

Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao

Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto

falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o

motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que

aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse

Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha

aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia

assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas

coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de

uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem

Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o

senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma

relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no

ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar

123

Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era

uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os

professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite

existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito

draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da

escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por

exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou

fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio

do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se

formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde

tambeacutem

Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem

Colaborador Natildeo tinha professores

Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados

Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma

sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na

igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um

lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no

recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem

aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio

das meninas todo mundo ficava tirando sarro

Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem

Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas

Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos

alguns eram meio danados

Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual

Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que

estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com

bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem

comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era

feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava

124

os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo

outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as

matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que

aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de

fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica

Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na

EBD

Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de

Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era

distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia

juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando

elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas

bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas

Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja

Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha

filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por

exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A

grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo

tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar

Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles

usavam eles recebiam uma ajuda da escola

Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno

laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever

qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do

ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a

serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles

davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois

Entrevistador Isso sem custo para aluno

Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela

mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era

125

distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito

tempo

Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material

que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo

Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo

126

ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima

Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A

mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e

depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie

Entrevista

Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma

pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo

somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos

conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria

Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que

agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas

moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave

peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso

Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola

que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo

aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida

Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou

com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao

lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali

Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela

eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me

trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute

falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino

que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro

nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar

e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles

E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute

atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles

127

Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava

com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me

cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute

que eu entrasse no Coleacutegio

Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora

Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles

cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia

mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute

com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um

tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns

anos eles foram embora me parece que pra Jardim

Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute

eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar

com ela uma temporada

Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu

tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali

na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo

Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa

Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente

era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela

em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua

obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia

todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada

Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos

Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha

noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia

ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo

vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi

ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente

aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava

tambeacutem sobre o culto domeacutestico

128

Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico

Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do

cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita

ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca

dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava

um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a

evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai

tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas

todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas

ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa

Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de

fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende

Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem

preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que

demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo

comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio

ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por

exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito

mas ficavaficava obedecia

Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos

Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos

Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute

E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava

muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu

aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma

passagem da Biacuteblia era assim nossa vida

Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto

responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman

que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela

mostrava sua autoridade

129

Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo

era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito

eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre

trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as

pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade

Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado

mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela

pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela

tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia

que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar

uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe

isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute

estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda

muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando

Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola

Batista ainda

Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda

natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava

comeccedilando jaacute

Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou

professora como foi isto

Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando

ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra

fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem

ali a lecionar ali no primeiro segundo ano

Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos

Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o

quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei

a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca

em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de

Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de

pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A

130

igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma

escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e

assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por

exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A

maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela

nossa Igreja pela Igreja Batista

Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana

Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo

Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde

foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a

gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros

permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei

Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter

ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro

Entrevistador Porque a senhora acha que errou

Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido

hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a

gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei

a decisatildeo

Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo

queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar

estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55

[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu

nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com

eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na

mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute

crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou

bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta

talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais

resolverem que eu podia ficar mais

Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a

gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com

131

dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa

onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da

casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca

Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente

jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash

Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria

o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito

bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo

trabalhando

Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de

Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e

alunos

Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute

que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas

que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da

Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo

Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra

cidade pra continuar os estudos sair dali preparado

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as

pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees

e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele

presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E

sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi

ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem

era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca

ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes

dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar

Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser

o mesmo lugar a mesma coisa

Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem

ela

132

Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham

na escola

Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia

Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra

Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela

usava

Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim

Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de

fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria

Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola

Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em

Rincatildeo de Julho

Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta

falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela

eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali

Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia

possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria

para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto

para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute

com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E

ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim

Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que

funcionava isto dentro da escola

Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o

Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela

Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da

Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se

corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens

Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem

133

usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316

ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava

aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe

Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo

Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola

biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de

Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos

caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada

Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram

convertidos

Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A

gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor

Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o

ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo

a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um

rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na

Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro

da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O

Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente

e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus

viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a

Biacuteblia mesmo fala

Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman

mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora

chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um

trabalho de evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era

quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para

fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos

e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era

muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair

134

visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que

foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco

As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que

trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem

que veio e fazia este trabalho

Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que

fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela

Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa

trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira

de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita

gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum

lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe

aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que

muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo

existe Eu aprendi muita coisa muita coisa

Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a

senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder

em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto

Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com

muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma

diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca

Era muito gratificante era muito bom

Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria

Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a

histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha

facilidade de aprender as datas decorar datas

Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas

partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais

Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil

Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga

Colaboradora Assim como o senhor fala

135

Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente

ensinavam a partir da Biacuteblia

Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o

primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que

Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar

Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula

Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam

pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa

que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o

objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo

deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo

uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno

Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem

ajudavam na escola biacuteblia no templo

Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora

formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu

conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam

aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo

envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha

cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque

o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este

era a coisa principal da Dona Ana

Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas

Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela

ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana

Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se

fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu

Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele

jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das

Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela

era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando

136

terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute

tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona

Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona

Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute

Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou

pouco tempo

Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro

Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana

Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute

nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor

Valdir

Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas

Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura

machista ainda eacute muito forte

Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque

tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem

uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas

eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute

que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha

Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA

Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita

preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha

muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava

cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o

momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia

dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela

Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil

ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca

Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que

eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que

uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora

137

Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade

de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do

Sul

Colaboradora Eu que agradeccedilo

Page 3: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA … · face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso com a Vida e com o Próximo. A

Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD

370981

R72a

Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira

Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em

Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira

Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013

137 f

Orientadora Profa Dra Magda Sarat

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade

Federal da Grande Dourados

1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -

Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I

Wollerman Ana II Tiacutetulo

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Dourados MS2013

BANCA EXAMINADORA

1ordm Examinadora (Presidente)

Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

2ordm Examinadora

Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal

Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________

3ordm Examinadora

Profordm Drordm Ademir Gebara

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Suplente

Profordm Drordm Reinaldo dos Santos

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Dedicatoacuteria

A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas

Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha

Em especial a Nair minha companheira que amo com

profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas

ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa

AGRADECIMENTOS

A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na

face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso

com a Vida e com o Proacuteximo

A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-

doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos

percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em

alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador

A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir

participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense

Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr

Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da

pesquisa

A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de

Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos

maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos

A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche

do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas

reflexotildees sobre minha pesquisa

A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos

no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo

Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na

continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou

sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista

e educadora Martha Watts

A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e

da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees

ortograacuteficas do trabalho final

Aos entrevistados

Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para

educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana

Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e

Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr

Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a

histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o

terceiro com sua participaccedilatildeo

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo

Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada

ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados

Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA

1993 Rom 10 13-15)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora

Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que

ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para

outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo

treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e

memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de

evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e

sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu

perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a

metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para

analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e

degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para

produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana

Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos

Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico

de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o

indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias

utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau

para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de

representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em

cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos

mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana

Wollerman no Brasil

Palavras Chaves

Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo

ABSTRACT

The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator

Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period

that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving

on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the

training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of

familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization

for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its

importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations

of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for

the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical

operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman

produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History

for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were

involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural

History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural

practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted

representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the

autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the

bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana

Wollerman in Brazil

Key words

Ana Wollerman History of Education Protestantism

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08

Formaccedilatildeo familiar e escolar 13

Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25

O lugar da mulher no pensamento batista 30

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO

PROJETO DE ANA WOLLERMAN

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS

PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

A escola que Ana Wollerman criou 68

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os

ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-

mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu

interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos

anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute

socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou

provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo

Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)

ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo

tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-

grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem

tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser

analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava

uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem

Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca

(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de

cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual

natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo

tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como

pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e

especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma

contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do

Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas

de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo

Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma

Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo

protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a

1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a

pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica

(PROCAD)

2

formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o

desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento

analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da

educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que

levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do

metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional

acima referido

Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no

Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia

Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um

estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas

no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica

brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo

ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da

educaccedilatildeo protestante

Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por

exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de

civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa

as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-

americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a

1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A

obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de

fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo

presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em

conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um

papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria

Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que

seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma

nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos

missionaacuterios no Brasil

Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade

a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do

seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e

3

desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social

entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre

catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional

que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons

Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de

afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a

educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas

diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos

protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo

dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a

investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria

servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos

protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas

escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas

viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles

do que pelos demais grupos protestantes

Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica

voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo

em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a

formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da

Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio

de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando

as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e

dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se

encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este

trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de

mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado

a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier

Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil

que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista

(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a

2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do

projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente

4

Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar

a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no

periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela

partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde

conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu

casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico

material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e

natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo

defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra

do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de

seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no

Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do

coleacutegio

O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo

batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de

praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo

do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura

escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto

educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute

Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade

Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA

contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise

complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando

praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da

participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo

batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa

perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo

ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites

da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas

escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas

Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash

1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e

5

sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor

analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-

alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da

Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do

coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo

direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos

para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral

E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema

de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta

poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia

muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez

pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul

O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de

missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia

as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual

razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana

Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo

atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos

depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia

independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica

missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo

A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de

anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o

periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash

para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio

Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados

da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo

No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de

formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico

quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre

6

sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia

escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste

capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir

da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva

(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a

memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das

necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre

passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o

lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a

especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na

segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta

cidade

O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no

Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai

(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura

da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria

socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas

da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo

Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as

praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-

se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se

que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-

noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o

individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de

convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees

de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo

destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)

No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana

Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e

7

educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo

especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza

A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos

seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes

utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo

da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a

professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e

continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo

Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e

Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O

tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador

na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a

ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das

materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por

meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica

dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente

concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por

ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado

a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento

8

CAPITULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA

FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA

Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas

missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como

essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute

analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-

educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas

como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece

o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil

Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo

A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana

Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de

Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da

centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente

(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave

medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente

(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema

encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o

processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo

gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de

um(a) missionaacuterio(a) batista

Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo

sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em

seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA

3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem

gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute

que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los

literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa

9

Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o

irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus

porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo

vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4

Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se

reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que

documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime

o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE

GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana

Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado

segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)

Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim

como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana

Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a

colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria

de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi

quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos

anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave

1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse

consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo

batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil

(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA

Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois

diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em

com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu

tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como

diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara

municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo

douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita

Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando

numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de

4 Grifo meu

5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de

alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs

elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em

virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees

especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com

relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)

10

distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria

por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo

meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)

O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso

ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um

ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um

discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado

em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar

ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo

reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso

ideoloacutegico serve

Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da

figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de

suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como

estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994

p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que

compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual

nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia

social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder

Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute

limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo

religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e

com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades

- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica

Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas

do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo

7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs

funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste

sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo

por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de

deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme

os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido

ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma

ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo

oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal

assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na

formaccedilatildeo do pensamento batista

11

Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem

estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)

portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja

reconhecido como cientiacutefico

- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo

batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do

Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos

As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou

funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos

homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional

status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo

dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp

5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que

os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima

uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)

Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros

nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos

contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos

conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria

(Halbwachs Pollack)

Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas

socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na

relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna

inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de

ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja

ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade

criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis

ela conceitua

Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio

imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo

Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico

porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira

(PESAVENTO 2004 p4445)

12

Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque

eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo

religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria

ldquoenviada por Deusrdquo

Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a

memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos

pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu

falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos

indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees

coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias

pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque

se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem

ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo

Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees

fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta

pesquisa

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele

saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a

chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles

eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a

famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se

chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos

eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee

nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna

Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes

mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e

Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim

meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo

para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de

ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele

foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema

com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu

Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para

estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi

ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p 140)

Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu

nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto

Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo

13

concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas

lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas

lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da

estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman

com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo

para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo

soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas

Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)

que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de

referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo

presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as

lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre

verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de

referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da

colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem

se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para

aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e

outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na

histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda

psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os

registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)

Formaccedilatildeo familiar e escolar

Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por

Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff

- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille

Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de

Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da

comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil

ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff

experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos

14

principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos

fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio

Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a

cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para

quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e

portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo

(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata

[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de

estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito

bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000

mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de

vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas

todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas

de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e

muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos

meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)

Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das

informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este

tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA

No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata

A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute

terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis

anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de

dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze

anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles

anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me

lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de

sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a

atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela

fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas

o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana

Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou

mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse

influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola

eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou

paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram

originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria

15

no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de

ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria

missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando

questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU

2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de

ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm

interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a

narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua

trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute

descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios

Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho

10

Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria

o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se

caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de

formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos

9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012

10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem

perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-

metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na

mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do

seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em

httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012

Ao fundo os pais da Ana

Wollerman Sr August

Wollerman e Sra Minna

Wollerman Em primeiro

plano da esquerda para direita

Ana e seus irmatildeos Edwin e

Mildred - Acervo Biblioteca

Faculdade Teoloacutegica Batista

Ana Wollerman

16

Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas

devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo

apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e

reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social

Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e

doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos

meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles

nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal

organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se

ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das

ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e

outros paiacuteses11

Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de

evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio

ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176)

Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana

Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos

personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo

reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento

Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei

muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me

lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo

creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava

voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades

sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)

O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede

interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para

construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori

foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto

marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de

vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil

11

Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de

Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)

17

Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo

do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao

menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os

primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)

Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria

se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute

desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que

ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a

este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente

consagradardquo12

Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece

muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo

queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco

deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha

assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha

vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada

realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)

Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na

universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando

da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para

os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez

com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um

escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se

afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos

negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 141)

Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se

refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que

temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o

porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo

sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira

encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste

12

O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente

bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um

processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como

oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo

se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso

18

sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo

menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela

Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico

de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi

possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o

missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de

igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil

Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins

Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte

americano Bill Sherwood diz

[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e

entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela

tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu

sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados

[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do

que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da

entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os

missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no

Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua

fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em

Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda

guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD

Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de

Ana Wollerman

[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer

De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a

Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o

jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo

porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um

salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho

que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito

satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez

(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e

voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se

deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-

nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que

19

tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento

da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao

assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins

interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood

Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma

perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a

nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood

[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de

Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui

nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o

segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser

com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir

a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da

minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo

deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p

142 p 147)

Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A

questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)

desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas

Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas

representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se

criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13

Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez

para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de

referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14

Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive

encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser

nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas

tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou

deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)

Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil

possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada

pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste

13

Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

20

missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15

ele teve dificuldades em

aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o

questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood

ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por

ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento

satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o

exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se

configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar

aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de

machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude

do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU

1998 pp 91s)16

Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria

Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e

identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido

um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo

autobiograacuteficardquo

- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo

inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria

histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas

mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos

religiosos e lideranccedilas sociais

- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e

psicologicamente

- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um

sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste

autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que

ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos

15

Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16

Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia

tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as

taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo

consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio

proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc

21

outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade

admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos

valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)

Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois

Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida

Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de

legitimar seu projeto missionaacuterio

Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi

perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da

minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido

em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela

noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja

farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo

que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer

isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois

para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)

A experiecircncia religiosa17

eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano

ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da

situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na

escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto

nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas

quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade

de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda

mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA

Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia

religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para

o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que

paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo

participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta

dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio

que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua

17

Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do

protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no

humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida

(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que

levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma

religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo

ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)

22

vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do

que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp

15s)

A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel

em Artes da Ouachita Baptist College18

em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos

de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo

Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas

teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que

queria ser missionaacuteria em outro paiacutes

Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo

que cursou Bacharel em Artes

[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19

graccedilas ao meu Pai

[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o

que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei

sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria

Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem

desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o

desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares

pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando

Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser

realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar

de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser

salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de

trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma

missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)

Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20

possivelmente seu interesse de vir para

o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e

18

Hoje Ouachita Baptist University

19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra

para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de

graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com

Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em

httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira

expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser

encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS

quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte

biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo

20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde

amambaense para Ana Wollerman

23

Anna Luther Bagby21

(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve

relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na

Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os

missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o

trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo

somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio

Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff

onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite

do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para

trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi

homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos

21

Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o

trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo

Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no

Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da

Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

24

serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas

instituiccedilotildees e ao seu paiacutes

Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do

protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman

sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato

autobiograacutefico

Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na

universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e

para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma

dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos

papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim

coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu

posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que

eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como

professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo

ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

176)

A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos

biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins

de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico

pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio

de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico

para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas

especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo

em sua formaccedilatildeo

Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de

Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou

um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades

religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter

missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou

com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que

trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua

famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a

ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi

aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua

decisatildeo

25

Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a

nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22

tens que abrir a porta [] eu andei umas horas

depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele

perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele

disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse

como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei

Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)

abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma

mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 pp 142 143)

Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado

brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans

Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e

chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

145146)

Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana

Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi

fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte

Contexto de formaccedilatildeo religiosa

O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por

um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua

vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana

Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e

queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais

eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os

valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []

ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []

Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha

famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando

muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja

aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23

Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o

iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na

22

Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23

Grifo meu

26

origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua

fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e

pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre

a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo

para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores

transmitidos pelos seus pais

Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja

mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos

bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do

aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo

estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman

A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente

em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda

fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres

sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram

por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las

aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em

meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do

pensamento batista

O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias

interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do

mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as

praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia

tomista24

eclesiologia hieraacuterquica25

intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos

24

Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)

25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave

condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado

canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como

estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do

impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o

constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima

dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro

estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio

social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o

estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo

(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)

27

sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a

sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos

bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical

entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios

de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber

(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo

No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do

anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em

Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura

somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se

outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a

mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo

Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu

falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas

eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu

quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na

parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei

mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais

tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os

olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como

Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes

ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148

149)

Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana

Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas

e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo

porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu

trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles

eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)

Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre

calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os

calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de

Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo

28

em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a

humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus

eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade

depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de

construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a

salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute

Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo

retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26

Em

siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a

responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da

graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo

Weber

Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta

inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus

interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da

consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de

conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o

presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que

seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por

considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)

Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo

inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel

perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-

moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso

missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da

salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado

numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio

Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de

uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando

26

As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a

Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados

de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma

congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de

ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido

comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos

via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo

resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO

1996 pp 84s)

29

a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior

envolvimento com a comunidade religiosa

Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos

trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para

Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus

Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder

assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)

O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era

irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por

ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a

Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela

meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja

Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas

participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista

mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a

legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja

local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo

Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi

formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores

do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a

ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo

A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e

o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras

naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul

era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando

a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros

paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997

p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern

Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um

rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e

culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o

norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a

se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na

cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para

30

o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria

mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no

Brasil

Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento

fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave

modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia

europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia

buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto

de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e

outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute

cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por

conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas

criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como

presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios

teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos

textos biacuteblicos27

O lugar da mulher no pensamento batista

As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em

um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina

Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana

Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da

pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo

27

Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram

1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos

seus autores

2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave

argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e

ldquoCristo da feacuterdquo

3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da

humanidade para livraacute-la de seus pecados

4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando

que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja

no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais

5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que

eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)

31

Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher

na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de

vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de

mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja

ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)

1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como

um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e

ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem

poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28

2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do

lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo

Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento

batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar

as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao

homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para

o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo

divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da

ldquoordem socialrdquo

Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo

de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber

de que forma a mulher eacute representada

A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a

essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher

governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha

para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor

gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos

guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da

mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser

jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB

1954 p 5)

Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo

e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da

existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista

28

The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012

32

pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas

mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee

mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver

com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos

sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e

esposa abnegada

Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do

iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar

tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais

mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas

ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por

conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a

experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de

civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado

nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)

Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra

funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a

maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das

mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres

missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das

Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute

1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4

Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas

especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do

trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)

O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo

apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949

(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo

trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da

Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho

missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel

fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras

mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras

atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam

33

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Sras 653 13857 195816 134440 293190 193067 11963 8340 10403 48778450 195

Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57

Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de

1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46

Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por

exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma

concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem

diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino

na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que

como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra

uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute

vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana

Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria

executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de

Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense

ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004

p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de

feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo

Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo

tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por

pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood

34

3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres

norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais

as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos

seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de

retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente

eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de

compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso

que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas

para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e

sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc

Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos

dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees

radicais sobre o sufragismo ao conformismo

Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais

sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute

afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo

questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias

(SILVA 2011 p 34)

Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre

esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos

limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo

ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o

ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja

local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo

de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a

ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria

Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo

de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo

status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a

vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves

mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que

Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no

seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de

35

Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de

conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia

Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo

de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto

fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem

impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)

Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as

instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o

assunto da seguinte forma

O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como

restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no

pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com

autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November

11 2000 p2)29

Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista

a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo

Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe

claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo

de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes

Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um

lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo

zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)

A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na

Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de

21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo

sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais

O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de

20 a 24 de janeiro de 1995

29

Traduccedilatildeo livre

36

Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo

Luiacutes - MA 1995 p 512

O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela

uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que

participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa

Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas

possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi

resolvida entre os batistas

Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de

ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra

complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra

583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam

desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de

quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso

PERGUNTAS SIM NAtildeO

Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067

Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049

Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320

Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193

Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599

Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583

Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466

Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372

Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290

Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457

37

desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a

Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo

1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista

Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da

lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as

Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios

como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia

Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que

a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como

missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias

especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente

avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz

da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de

Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)

A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas

Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do

que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral

Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave

tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30

e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas

da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem

natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute

presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman

Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz

realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como

pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era

uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 156)31

Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de

Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender

que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como

missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem

necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica

retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que

intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier

[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio

possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos

e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em

30

Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1

Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre

Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31

Grifo meu

38

afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a

dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio

consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a

insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)

Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco

mais

[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me

consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo

isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje

em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada

era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160

161)32

O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para

entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul

Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul

criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque

pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um

conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher

A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas

nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de

lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em

Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente

nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa

de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa

32

Grifo meu

39

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS

NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana

Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos

do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil

No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil

e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado

em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional

batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo

entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta

missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia

A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo

de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33

tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo

Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas

religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as

representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas

interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo

na ldquocomunidade imaginadardquo34

dos batistas

Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no

ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da

realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35

(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de

sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre

33

Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34

Benedict Anderson (2008 p 39s) 35

No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)

40

batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na

ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais

pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a

presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou

culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os

oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de

mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das

almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar

sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si

pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem

de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam

(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato

Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo

interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil

Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo

no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo

de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos

do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde

o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil

e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -

comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta

ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa

Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente

proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias

nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a

evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os

Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros

holandeses franceses e suiacuteccedilos

A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de

missionaacuterios colportores36

O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista

36 Vendedores de biacuteblia

41

Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do

Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul

do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)

Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais

(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas

mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e

distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e

fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo

O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo

XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica

de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais

liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do

republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que

fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees

traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios

liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro

estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na

estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de

manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro

todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)

Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos

liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio

circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo

com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora

Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho

que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo

trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias

liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se

um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres

jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento

catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil

42

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil

Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos

por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do

Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro

Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste

mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de

Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma

igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e

teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996

pp192193)

O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes

sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em

solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua

esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin

(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar

missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu

para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-

combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos

relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck

Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp

330 ndash 336 450 ndash 456)37

Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste

mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira

igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades

brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996

p 194)

Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da

proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram

organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43

delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo

37

As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do

trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)

enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond

43

provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)

(REILY 1984 p 175)

A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois

princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre

estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro

e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a

formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas

missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar

sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas

ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo

de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela

publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas

jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura

religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)

Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que

significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998

pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma

linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de

estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das

praacuteticas religiosas38

e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees

drsquoOJB

Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de

criaccedilatildeo drsquoOJB diz

O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista

especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista

Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando

resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido

doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas

CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar

representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e

38

Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde

problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e

exclusotildees de membros da igreja

44

denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo

de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39

Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio

grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos

impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de

formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos

centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais

produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais

grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo

tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p

22-28)

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil

Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)

uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos

Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores

vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias

colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara

Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos

voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute

estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)

Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado

para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser

pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a

periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das

escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em

cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898

- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees

de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta

39

Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante

na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode

ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e

concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro

texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do

pensamento batista no Brasilrdquo

45

de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo

marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos

dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da

Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo

indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos

seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute

poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da

documentaccedilatildeo40

Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros

missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno

porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil

Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees

ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela

iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41

esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se

dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para

elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as

casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)

Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura

Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor

School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do

fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que

40

O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por

missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo

Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou

conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do

Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)

este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo

Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da

Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees

acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas

ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos

poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das

lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de

1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional

(MACHADO 1994 pp 63-67) 41

A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em

relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir

para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o

general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond

46

a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto

de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)

As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees

teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos

seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo

religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e

fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao

seu projeto educacional

Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por

Pedro Arauacutejo eacute relatado

O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta

com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como

espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para

engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos

preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande

perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute

promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a

nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir

duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma

mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos

membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor

o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja

subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua

mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os

pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)

Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem

educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas

escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos

batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora

pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles

precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na

cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o

que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da

Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se

membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto

para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do

grupo

47

Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos

filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros

motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade

brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns

casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo

religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO

2006 p201s)

Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados

de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos

liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o

Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA

O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e

pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e

ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas

e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais

cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica

mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores

puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do

collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde

o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo

christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande

valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo

christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros

christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud

ARAUacuteJO 2006 p 200)

Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo

quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como

espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo

(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que

levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus

Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um

ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de

Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo

ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo

fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja

existir

Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos

perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de

48

ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa

ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In

TRUETT LOVE 1950 p36)

Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do

compromisso com o que entendem ser sua missatildeo

As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos

hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na

paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e

povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e

recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos

dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)

A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois

propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a

funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a

ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da

educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza

Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de

1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde

O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos

princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo

incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que

adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que

disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo

(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio

para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara

para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um

peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se

consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que

seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este

tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-

284)42

Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive

promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na

caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais

[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram

valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira

repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento

norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como

42

Grifo meu

49

ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os

traccedilos culturais do seu modus vivendi

Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de

evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo

voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo

indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que

equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana

a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior

preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a

documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era

ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da

Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse

na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos

prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a

finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo

porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo

Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees

podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO

Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel

na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais

elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os

serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de

Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova

organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos

principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover

programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra

ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto

evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de

estudantes (LEONARDT 1963 p316)

Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente

ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas

priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades

que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica

pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam

intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e

as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda

regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma

orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas

A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo

deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples

50

deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926

apud MACHADO 1999 p80)

A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte

de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os

ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino

religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio

Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as

diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em

relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as

aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo

delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem

propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a

visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)

O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento

batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente

desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43

Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da

noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa

que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal

discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de

seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente

desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no

tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste

sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio

religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso

conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a

ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta

pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de

uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma

ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do

aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para

aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)

43

Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo

entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia

(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de

censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base

legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre

se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos

Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)

51

Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista

vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma

ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui

ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a

educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo

Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e

educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista

se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44

Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser

relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns

professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam

a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que

supostamente estivessem agindo da mesma forma

Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a

pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o

pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma

instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta

afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves

vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute

claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948

pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes

direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico

tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo

Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento

maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX

tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no

graacutefico em seguida

44

Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em

seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo

Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de

alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola

52

MENDONCcedilA 2008 p52

Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882

porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45

As informaccedilotildees do

graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando

a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na

abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos

batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de

evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios

protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso

Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o

trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um

45

Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao

serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880

53

planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de

migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil

No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou

esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem

estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)

Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910

sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional

pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do

tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste

liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou

um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento

na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro

(NOGUEIRA 2003 p 48-52)

Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre

outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio

do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram

uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional

em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da

Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado

pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja

Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)

A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram

igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo

Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em

Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob

a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A

Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou

de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos

batistas mato-grossenses

Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia

outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai

este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e

54

seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e

Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim

de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila

batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)

ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)

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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso

mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam

estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute

na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em

Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e

autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de

igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o

crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana

Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as

estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e

treinamento de lideranccedilas

Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora

nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos

que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo

ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe

mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou

para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles

conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era

nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou

55

animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo

presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com

a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a

sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil

Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins

aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua

caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria

em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman

aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada

por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito

federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este

disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a

cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo

palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel

Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer

na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que

vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor

Ana Wollerman (37 anos) assim que

chegou ao Brasil em 1947 Acervo

Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica

Batista Ana Wollerman

56

Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto

quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas

malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala

grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me

falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na

minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus

mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria

de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio

de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de

missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a

gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p 147)

Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo

resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de

entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou

publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento

de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)

Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida

pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio

Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava

ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura

fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia

Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas

nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei

elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que

perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas

reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46

Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os

homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47

Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento

algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade

eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa

Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na

ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem

de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo

Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos

homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora

46

Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47

Idem

57

de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da

igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher

missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como

fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de

reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local

Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor

Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo

de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs

com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe

ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123

58

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS

Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir

Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute

entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo

na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho

progredisserdquo

Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita

aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele

pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho

progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e

fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo

uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p 148)

Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito

de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do

Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que

tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate

O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade

pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48

mas sim porque desde o

iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas

para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo

ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a

demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este

apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo

ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49

foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena

local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p

120 121)

48

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo

de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio

Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los

diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta

Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a

capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em

18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato

Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em

15122012 49

ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos

fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore

com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)

59

Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai

era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por

Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal

atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma

rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para

encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que

garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)

Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o

pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro

urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo

seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de

religiosidade protestante

Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as

crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute

criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas

Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor

ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)

em volta da mesma mesa para estudar

Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter

condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam

dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e

fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)

As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros

com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na

regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser

atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias

ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)

O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender

este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash

memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na

60

histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50

Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo

numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo

[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E

aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele

tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo

tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia

fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras

porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar

as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam

porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar

carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por

aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo

vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia

pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo

quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO

2012)

Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do

professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais

escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os

cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em

dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173

VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)

50

Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para

esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de

Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai

inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de

pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados

inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT

61

Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51

melhorou o acesso

agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas

ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno

(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas

rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei

Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo

federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento

aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens

abaixo

51

Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram

intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas

escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham

certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram

ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando

o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o

professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo

Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO

2009 p173

62

Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito

Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para

criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde

chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos

depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO

2009 p191)

Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que

principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana

Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que

era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim

de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve

tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes

amigos e outros interessados

Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de

Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto

Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)

63

Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja

Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52

por conta disto em 1943 a igreja enviou o

ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um

ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em

Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de

comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)

proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as

atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar

sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e

foi seu aluno

O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais

ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como

evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma

escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu

tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do

Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos

3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este

iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)

Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua

casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo

evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do

espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim

passarmanifestar sua mensagem religiosa

A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar

assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia

para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para

fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela

organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947

quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia

Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a

Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de

Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia

auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham

52

Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08

64

comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes

resultados por eles esperados

Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para

abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha

fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe

outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens

[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos

crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra

metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem

ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo

de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se

isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo

Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido

Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman

possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade

ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus

saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do

impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner

na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que

desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-

americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados

A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e

outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente

quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem

este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes

passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se

apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida

criativamenterdquo53

por agravequeles que dela se aproximavam

Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de

amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das

primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida

53

Michel de Certeau

65

como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais

famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o

Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana

Wollerman comenta

Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo

direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu

ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai

deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era

madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola

Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente

servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria

inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha

manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou

Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana

Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas

escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E

em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse

Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem

pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido

qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma

vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um

pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de

fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO

2012 p 3)

Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho

da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos

ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor

Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma

congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel

Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo

de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949

Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a

66

famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando

na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia

[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua

filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo

havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que

serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas

de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro

e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a

casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta

casa

A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e

eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo

pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para

sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de

cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de

dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas

mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e

usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um

guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito

simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais

alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o

apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e

aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela

foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito

Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio

Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a

ponto de

Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei

do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude

estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma

lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

152)

No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a

Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola

Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo

o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a

grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes

67

podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo

precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute

com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou

ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce

Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam

eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana

noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora

vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra

professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana

Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou

muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai

[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e

tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas

a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era

alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei

impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia

caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA

2003 p 186)

E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola

Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de

sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas

praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave

leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai

68

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN

INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a

estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto

educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos

demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo

poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se

mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as

condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto

histoacuterico e social de Amambai-MS

No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria

de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no

municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o

entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos

estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash

professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana

Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria

A escola que Ana Wollerman criou

Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em

Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito

influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e

ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um

detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo

catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na

famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a

famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma

significativa autoridade abaixo apenas dos pais

69

Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas

famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana

Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher

branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo

No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona

Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar

mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi

visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo

existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o

que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela

tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman

Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar

no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de

dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula

para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e

outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona

Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p 149)

O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor

Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de

escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54

mas vai se

estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de

desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana

Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com

divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava

abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este

milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato

da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse

comeccedilado com todo o primaacuterio formado

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas

provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela

foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola

primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano

mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (ERGAS 2012)

54

ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em

estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar

70

O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que

por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto

Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se

tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute

provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo

mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de

Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que

tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou

seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma

ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo

Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas

questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana

Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute

monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que

enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste

caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios

Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

71

Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas

bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o

que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num

grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura

personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de

alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que

ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que

daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o

ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no

Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e

natildeo de Ana Wollerman

Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos

batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo

sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond

que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo

aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e

ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias

palavras tais representaccedilotildees

Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela

primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram

grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum

lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo

sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em

Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas

peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto

mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez

muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

55

Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em

1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute

importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo

eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute

entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta

Poratilde-MS

55

Grifo meu

72

No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as

atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a

Igreja Batista em Amambai56

e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho

(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso

a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman

tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato

Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria

de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e

auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo

o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este

dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao

lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de

Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma

homenagem posterior que a Igreja fez a ela

56

Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela

foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio

Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham

em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de

ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo

ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo

Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde

amambaiense para Ana Wollerman

73

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo

Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente

a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas

que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista

Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia

Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto

de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a

incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a

finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas

sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes

que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar

dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os

professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da

escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de

pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos

que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por

intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a

escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso

analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou

com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente

compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido

antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o

afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud

VIDAL 2005 p24)

Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo

como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de

conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as

culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com

seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de

escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da

trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a

criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas

estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns

elementos da cultura da escola como chave de leitura

A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente

municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada

majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo

apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo

Sul de Mato Grosso

74

Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato

Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos

344214 rurais57

Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo

moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que

fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a

Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai

(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro

como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das

dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo

Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas

escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os

ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola

Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de

laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu

pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por

intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela

eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da

Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim

pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)

Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa

necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de

escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que

certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas

proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que

se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais

encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a

fim de poder dar continuidade aos estudos

Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os

que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)

Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros

motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de

estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte

Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu

completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte

57

Fonte IBGE

75

eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana

Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno

Hudson Otantildeo da Rosa

No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa

de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da

cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha

simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos

lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas

emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo

Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se

comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo

ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo

somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com

bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente

Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era

brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo

Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior

progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do

precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa

Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de

progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor

tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia

ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que

ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em

seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas

natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a

cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois

voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu

anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo

tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus

irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para

o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira

dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia

suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas

proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra

esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da

minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande

brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu

povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma

me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus

estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58

O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais

colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis

motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar

58

Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta

pesquisa

76

a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de

representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de

encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como

atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de

forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma

infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e

assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de

trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em

conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o

periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a

partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59

As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da

escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o

Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento

anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar

Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento

do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia

desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico

por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha

que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado

E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da

escola60

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles

trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os

pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute

considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito

prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja

convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se

destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam

distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)

O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da

educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as

decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61

Em sua fala

aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da

escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar

Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os

59

Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60

Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes

documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso

natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61

Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado

77

alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas

alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior

nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de

prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter

satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola

Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento

estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo

nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com

assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de

fechamento do ano de 1951

Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista

nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo

da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se

voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes

despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos

ao fim do curso letivo

Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo

de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com

que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de

ensino

Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo

impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por

muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)

Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais

realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao

trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os

remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente

representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de

algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda

que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que

se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E

neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz

O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto

da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute

como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos

determinados (FARIA FILHO 2008 p81)

A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e

Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser

78

analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a

relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares

para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar

que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se

configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado

mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de

1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do

Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por

diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de

ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos

participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte

Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha

normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc

terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as

meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para

aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)

Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de

intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de

escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo

Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos

diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo

quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc

(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento

estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de

poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto

talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o

estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras

assim ela relembra a experiecircncia

Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um

corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que

tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes

dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas

surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino

Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo

sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda

razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca

da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que

para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo

79

ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que

era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e

mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro

nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62

Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das

autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana

Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no

Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente

limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua

inglesa ao da liacutengua portuguesa

Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado

Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde

quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser

ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da

Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das

pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias

buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia

patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees

fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo

do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do

Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais

poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS

MULLER 2009)

Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de

Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas

apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula

Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que

prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo

fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que

62 Grifo meu

80

todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os

resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da

Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana

Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona

Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente

preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional

Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro

fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos

E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da

semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era

hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira

e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa

parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)

Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana

Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era

realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em

posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E

assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova

geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de

suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que

pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela

populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar

81

E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas

atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para

os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes

A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando

agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus

Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a

realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo

em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as

coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se

ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de

missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara

(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63

Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da

tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo

numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo

(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e

Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia

63

Grifo meu

Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo

042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman

82

entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos

biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio

Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome

do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)

Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas

testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos

confins da terra (At 18)64

Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica

missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho

missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se

apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai

Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos

salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute

no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Compare os vocaacutebulos grifados com

Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso

acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos

(At 247)

E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo

continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz

Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha

salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos

aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o

Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro

dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir

todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

151)

Compare os vocaacutebulos grifados com

E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo

Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)

Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se

que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora

da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana

Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma

oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

64

Grifo meu

83

Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria

das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e

alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros

ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo

(WOLLERMAN 2003)

ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO

2012)

ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)

ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e

laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era

infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)

Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu

lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos

protestantes65

sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das

Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66

E nos casos acima os

propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas

praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes

das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em

segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca

um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir

valores eacuteticos morais e religiosos

As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto

significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos

elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de

educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva

cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da

relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo

tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)

Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana

Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute

comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se

deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da

evangelizaccedilatildeo na cidade

65

Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66

Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE

Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo

(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees

Paulinas 2010

84

Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo

muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E

ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho

progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou

uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola

Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus

contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles

tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o

evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar

porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de

algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela

escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze

anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde

Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-

adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho

missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute

discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e

ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo

85

Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades

evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao

templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o

templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca

de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da

mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes

termos

Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no

Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as

classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria

na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a

histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e

contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67

cantava-se

67

A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram

cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes

Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

86

hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por

exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho

que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a

muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal

maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar

Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)

Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho

hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees

estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute

apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo

Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os

pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador

Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na

paacutetria celestial Perto do Salvador

Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos

chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador

Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar

no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador

Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o

amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68

Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor

evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes

batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre

consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante

profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69

Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman

tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para

ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo

Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a

primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo

68

Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de

Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio

G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo

Paulo ndash Edusp 2008 69

Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma

ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e

parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo

de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando

crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos

como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando

atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de

decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo

87

aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e

muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que

fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela

eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a

estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os

hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)

Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para

cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a

doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de

estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes

visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente

com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para

tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva

Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido

discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de

suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os

conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados

anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca

de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana

Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a

partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia

se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras

Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que

aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito

dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o

ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito

bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de

algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem

lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho

que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com

bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu

aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)

Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos

ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas

ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo

Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam

recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou

88

muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana

Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em

laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais

representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas

tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai

Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras

povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o

evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns

irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens

mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem

estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas

Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do

evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava

recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu

sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que

por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70

Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana

Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde

ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71

que queria tiraacute-lo da escola

porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar

para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar

na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens

de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para

Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao

falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da

escola participante do ldquosucessordquo deles

Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs

certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do

70

O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos

fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o

atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas

visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo

entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )

71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um

dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai

89

banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e

doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco

(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene

Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja

Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque

Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai

inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai

para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB

foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta

parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com

Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se

aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento

interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem

interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas

que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato

estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava

sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e

muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele

apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da

Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a

ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino

foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute

advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente

morava todos na mesma casa (LIMA 2012)

No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que

Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees

A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu

alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor

Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores

advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as

mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel

90

Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma

toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem

deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por

que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer

coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs

O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um

produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco

mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer

prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)

Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo

em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da

sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da

Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos

para preparar a merenda escolar

Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola

ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos

alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no

primeiro segundo ano (LIMA 2012)

Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela

pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a

ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade

Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn

Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo

do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72

e eu achei

que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do

Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se

passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus

Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn

Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles

eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam

recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu

usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil

doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)

Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que

a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil

pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi

integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai

Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana

Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo

72

Grifo nosso

91

pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman

tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e

segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por

uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)

Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca

que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado

por Ana Wollerman aos alunos e alunas

Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer

visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era

sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na

parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra

sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto

Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando

ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)

Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus

hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo

que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A

interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades

devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham

momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio

batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua

autoridade como ldquoautoritarismordquo

Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel

Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um

homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre

criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa

que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa

assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)

Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se

mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia

tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava

perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava

Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de

todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito

dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta

que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)

Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se

perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta

92

fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se

natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas

as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta

natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um

exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo

indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de

comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com

comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos

mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)

Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da

relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz

E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou

me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes

soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que

Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me

respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)

Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a

temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva

tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as

missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo

Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de

conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem

E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem

como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e

marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se

mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso

com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas

conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA

2011 p 35)

Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de

pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa

condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia

financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de

algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil

93

Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num

alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com

os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela

Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas

relata

Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim

qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer

achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa

muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a

vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)

A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman

era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e

coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil

Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta

parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira

(2003)

Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu

trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense

Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias

convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a

importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja

(NOGUEIRA 2003 p91)

Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da

Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil

(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e

agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e

distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada

jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da

Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava

financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras

94

A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob

os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em

condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com

ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de

poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana

Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi

indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em

Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da

referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens

Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma

nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de

Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava

progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)

E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar

como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)

filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis

ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e

concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato

Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e

passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai

(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)

Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se

uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque

segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o

exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam

bem colocados

Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o

filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na

eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda

no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc

tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um

exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como

quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa

mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era

ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora

95

aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da

credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais

e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas

profissionais

Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional

que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram

palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras

por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais

ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras

profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A

escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de

produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse

sentido (SOBRINHO 2012)

Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou

em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio

onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da

Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi

embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais

exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das

atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e

demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum

soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de

60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana

Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha

fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo

encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola

Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco

rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem

continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia

se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando

assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho

Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas

as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de

96

Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas

um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)

Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo

e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval

Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do

Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em

Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e

seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003

p105)

Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades

vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das

Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)

Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu

estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para

eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para

serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara

Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia

rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana

que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a

auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os

filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para

construccedilatildeo da escola e da Igreja

Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste

lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns

terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num

outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a

Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir

laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da

cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos

ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de

boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo

de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles

troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo

com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja

Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos

e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de

tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p156)

97

Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as

pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder

em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma

experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola

e passavam o dia inteiro nela

A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da

cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os

pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e

ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar

pois era distante (ERGAS 2012)

E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a

missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando

mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e

evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)

Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em

Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se

concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato

Grosso

Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do

Mato Grosso73

para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste

iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul

Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para

o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que

Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis

ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)

Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos

Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de

treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em

Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem

as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto

passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-

se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)

73

Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso

98

Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez

algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos

anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e

sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi

transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de

estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a

Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98

anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes

estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny

Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na

continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um

poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)

Whether I live for many days

O if they should be few

I will not cling to earthly ways

But gladly go where all is new

Jesus surely knows my name

Has prepared a place for me

Where forever I shall remain

And his Lovely Face IrsquoII see

How can I fear the great unknown

When Jesus stands and wits for me

Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity

Se eu viver muitos dias

Ou se eles forem poucos

Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas

Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo

Jesus seguramente conhece meu nome

Tem preparado um lugar para mim

Onde para sempre vou permanecer

E sua amada face contemplarei

Como eu posso temer o grande desconhecido

Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim

Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial

E entatildeo entender o que eacute a eternidade

99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito

estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo

ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado

iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na

contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura

sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de

Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute

com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo

Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os

mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste

sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa

ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como

noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e

prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver

Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo

estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar

leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o

tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo

digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida

Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo

que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e

ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo

E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da

Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os

encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute

preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA

Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as

dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de

crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus

100

ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo

constroacutei de si

Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma

seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria

aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o

fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias

calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um

sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio

O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia

missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do

seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como

jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo

de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano

pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a

criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e

sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo

Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila

ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio

Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes

missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram

representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a

accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste

ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-

determinaccedilatildeo divina

No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu

frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo

por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa

configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava

contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada

Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar

pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia

interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No

101

protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a

vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana

Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para

sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de

exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de

ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio

teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um

ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse

sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo

A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da

educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo

social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas

feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no

Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo

na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo

Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns

pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser

relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora

da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria

sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que

assediava os alunos diariamente

Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo

vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos

batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da

Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta

Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o

Brasil

Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento

fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um

conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que

acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem

mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana

102

na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de

atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que

Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar

ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional

Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista

tiveram sua participaccedilatildeo direta

Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram

analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a

figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais

quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas

Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense

porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores

longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas

praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar

inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no

pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato

com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres

Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas

atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo

estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e

com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho

evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares

Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja

Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre

mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o

presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de

muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo

que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo

analisadas por outras pesquisas

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WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa

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109

ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo

referenciado

As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua

pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento

autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas

entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e

respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae

Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo

Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191

110

ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas

Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria

Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi

missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de

escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas

Entrevista

Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber

conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman

Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes

de vir para o Brasil

Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram

alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E

laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha

se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a

famiacutelia de trecircs filhos

Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham

conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha

lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila

Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio

Entrevistador Ainda quando crianccedila

Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em

oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau

preparaccedilatildeo para o segundo grau

Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja

Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram

pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz

que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio

111

primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas

eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus

ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava

trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi

para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do

valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos

arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador

daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth

Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela

Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio

das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu

Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio

Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que

foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo

conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial

Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre

isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman

Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute

com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram

a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente

Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos

estudos no EUA

Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu

nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia

de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu

sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar

Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete

vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava

aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas

igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do

Brasil e ela interpretava

112

Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo

XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e

insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente

no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado

alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava

Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites

das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana

Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca

Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir

para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute

reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem

positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes

do Brasil

Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta

pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita

pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto

ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou

Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem

nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca

comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse

em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que

houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em

falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo

Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa

conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A

senhora poderia falar sobre isso

Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher

sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como

que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era

professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para

viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam

mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula

113

O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para

Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e

remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens

Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito

ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona

Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta

mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro

Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai

Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis

homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns

cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a

era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a

Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o

agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de

escola nada

Sobre o objetivo da Escola

Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os

dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash

2129)

Iniacutecio da Escola

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz

de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela

havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute

tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (3003 ndash 3042)

Onde moravam os alunos

Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas

Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar

naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no

comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais

114

estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute

conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)

Escola oferecia almoccedilomerenda escolar

Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo

Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas

crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo

estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais

contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)

A escola cobrava um valor por crianccedila

Entrevistador A escola era mantida por quem

Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola

porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o

ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)

Professoras

Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego

quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era

uma das professoras

Entrevistador Em principio ela era professora sozinha

Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute

Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas

Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute

tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam

foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)

A Escola

Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo

Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de

nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes

Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute

115

estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -

3451)

Conteuacutedo escolar

Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola

Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja

onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo

nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino

Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra

crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)

As crianccedilas

Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola

Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de

nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz

Entrevistador Soacute de ouvir falar

Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo

tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila

(3643 ndash 3721)

Curriacuteculo da escola

Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo

era ensinado

Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e

pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem

lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta

Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas

que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma

professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias

Entrevistador Como as famiacutelias viam isto

116

Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra

dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos

muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash

3957)

Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos

Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas

Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes

iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente

andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)

Importacircncia da Igreja para cidade

Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade

Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se

tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita

dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)

Doaccedilotildees que AW fez

Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos

que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito

discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de

Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia

ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se

interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu

estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a

senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o

obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns

cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)

Uma escola para cada Igreja

Entrevistador

A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas

Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa

Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e

117

era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que

atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e

Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram

menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)

Cotidiano da escola

Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila

12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash

todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas

entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam

Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia

Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um

discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos

ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash

5626)

118

ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho

Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de

Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor

memorialista da cidade

Entrevista

Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com

alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas

ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a

estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista

Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou

menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele

atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o

salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio

Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3

alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi

embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui

organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18

de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe

que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o

aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos

iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola

praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo

ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver

quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se

comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando

porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha

aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista

Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma

novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas

dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola

batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes

119

Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um

programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o

quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas

particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu

sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as

escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam

utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha

que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar

por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar

um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando

vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia

pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu

fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia

nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles

chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles

usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra

turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano

laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu

sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia

o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas

coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei

ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo

mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor

jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias

Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana

que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela

tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito

importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a

gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia

desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc

projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas

tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola

120

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa

com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela

mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte

ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em

fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino

agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte

ciacutevica tambeacutem bem colocada

Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em

Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo

cristatildersquo

Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a

semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma

leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola

dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso

que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde

Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a

histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade

Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola

Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado

ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra

vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era

uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a

escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no

quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam

daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do

ensino que era bem feito bem ministrado

Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar

Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles

falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas

eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo

121

escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem

estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que

tinha na eacutepoca

Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola

Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia

muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo

pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o

aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto

entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que

o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu

isso

Entrevistador Qual o valor cobrado

Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se

pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem

diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do

tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava

menos que uma latinha

Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje

salaacuterio uma diaacuteria

Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela

eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor

Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam

a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do

medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino

superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um

carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros

alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido

122

Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que

deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta

como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino

oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50

cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre

as escolas e essas ajudas

Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na

chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na

cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava

envolvido

Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o

Catolicismo por exemplo

Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui

na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D

Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre

Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre

vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia

Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao

Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto

falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o

motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que

aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse

Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha

aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia

assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas

coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de

uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem

Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o

senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma

relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no

ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar

123

Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era

uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os

professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite

existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito

draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da

escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por

exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou

fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio

do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se

formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde

tambeacutem

Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem

Colaborador Natildeo tinha professores

Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados

Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma

sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na

igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um

lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no

recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem

aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio

das meninas todo mundo ficava tirando sarro

Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem

Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas

Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos

alguns eram meio danados

Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual

Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que

estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com

bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem

comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era

feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava

124

os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo

outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as

matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que

aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de

fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica

Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na

EBD

Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de

Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era

distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia

juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando

elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas

bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas

Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja

Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha

filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por

exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A

grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo

tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar

Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles

usavam eles recebiam uma ajuda da escola

Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno

laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever

qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do

ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a

serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles

davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois

Entrevistador Isso sem custo para aluno

Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela

mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era

125

distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito

tempo

Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material

que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo

Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo

126

ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima

Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A

mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e

depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie

Entrevista

Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma

pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo

somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos

conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria

Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que

agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas

moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave

peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso

Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola

que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo

aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida

Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou

com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao

lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali

Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela

eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me

trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute

falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino

que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro

nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar

e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles

E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute

atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles

127

Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava

com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me

cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute

que eu entrasse no Coleacutegio

Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora

Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles

cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia

mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute

com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um

tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns

anos eles foram embora me parece que pra Jardim

Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute

eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar

com ela uma temporada

Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu

tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali

na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo

Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa

Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente

era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela

em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua

obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia

todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada

Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos

Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha

noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia

ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo

vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi

ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente

aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava

tambeacutem sobre o culto domeacutestico

128

Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico

Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do

cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita

ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca

dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava

um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a

evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai

tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas

todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas

ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa

Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de

fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende

Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem

preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que

demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo

comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio

ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por

exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito

mas ficavaficava obedecia

Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos

Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos

Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute

E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava

muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu

aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma

passagem da Biacuteblia era assim nossa vida

Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto

responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman

que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela

mostrava sua autoridade

129

Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo

era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito

eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre

trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as

pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade

Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado

mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela

pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela

tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia

que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar

uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe

isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute

estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda

muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando

Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola

Batista ainda

Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda

natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava

comeccedilando jaacute

Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou

professora como foi isto

Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando

ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra

fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem

ali a lecionar ali no primeiro segundo ano

Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos

Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o

quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei

a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca

em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de

Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de

pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A

130

igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma

escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e

assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por

exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A

maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela

nossa Igreja pela Igreja Batista

Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana

Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo

Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde

foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a

gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros

permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei

Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter

ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro

Entrevistador Porque a senhora acha que errou

Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido

hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a

gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei

a decisatildeo

Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo

queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar

estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55

[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu

nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com

eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na

mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute

crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou

bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta

talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais

resolverem que eu podia ficar mais

Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a

gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com

131

dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa

onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da

casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca

Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente

jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash

Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria

o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito

bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo

trabalhando

Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de

Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e

alunos

Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute

que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas

que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da

Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo

Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra

cidade pra continuar os estudos sair dali preparado

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as

pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees

e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele

presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E

sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi

ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem

era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca

ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes

dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar

Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser

o mesmo lugar a mesma coisa

Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem

ela

132

Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham

na escola

Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia

Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra

Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela

usava

Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim

Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de

fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria

Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola

Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em

Rincatildeo de Julho

Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta

falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela

eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali

Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia

possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria

para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto

para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute

com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E

ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim

Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que

funcionava isto dentro da escola

Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o

Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela

Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da

Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se

corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens

Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem

133

usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316

ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava

aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe

Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo

Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola

biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de

Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos

caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada

Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram

convertidos

Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A

gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor

Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o

ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo

a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um

rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na

Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro

da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O

Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente

e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus

viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a

Biacuteblia mesmo fala

Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman

mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora

chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um

trabalho de evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era

quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para

fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos

e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era

muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair

134

visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que

foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco

As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que

trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem

que veio e fazia este trabalho

Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que

fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela

Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa

trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira

de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita

gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum

lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe

aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que

muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo

existe Eu aprendi muita coisa muita coisa

Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a

senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder

em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto

Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com

muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma

diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca

Era muito gratificante era muito bom

Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria

Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a

histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha

facilidade de aprender as datas decorar datas

Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas

partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais

Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil

Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga

Colaboradora Assim como o senhor fala

135

Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente

ensinavam a partir da Biacuteblia

Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o

primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que

Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar

Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula

Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam

pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa

que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o

objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo

deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo

uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno

Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem

ajudavam na escola biacuteblia no templo

Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora

formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu

conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam

aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo

envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha

cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque

o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este

era a coisa principal da Dona Ana

Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas

Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela

ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana

Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se

fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu

Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele

jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das

Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela

era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando

136

terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute

tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona

Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona

Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute

Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou

pouco tempo

Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro

Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana

Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute

nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor

Valdir

Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas

Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura

machista ainda eacute muito forte

Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque

tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem

uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas

eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute

que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha

Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA

Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita

preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha

muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava

cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o

momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia

dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela

Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil

ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca

Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que

eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que

uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora

137

Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade

de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do

Sul

Colaboradora Eu que agradeccedilo

Page 4: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA … · face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso com a Vida e com o Próximo. A

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Dourados MS2013

BANCA EXAMINADORA

1ordm Examinadora (Presidente)

Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

2ordm Examinadora

Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal

Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________

3ordm Examinadora

Profordm Drordm Ademir Gebara

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Suplente

Profordm Drordm Reinaldo dos Santos

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________

Dedicatoacuteria

A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas

Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha

Em especial a Nair minha companheira que amo com

profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas

ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa

AGRADECIMENTOS

A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na

face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso

com a Vida e com o Proacuteximo

A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-

doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos

percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em

alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador

A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir

participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense

Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr

Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da

pesquisa

A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de

Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos

maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos

A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche

do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas

reflexotildees sobre minha pesquisa

A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos

no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo

Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na

continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou

sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista

e educadora Martha Watts

A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e

da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees

ortograacuteficas do trabalho final

Aos entrevistados

Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para

educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana

Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e

Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr

Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a

histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o

terceiro com sua participaccedilatildeo

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo

Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada

ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados

Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA

1993 Rom 10 13-15)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora

Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que

ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para

outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo

treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e

memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de

evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e

sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu

perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a

metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para

analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e

degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para

produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana

Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos

Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico

de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o

indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias

utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau

para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de

representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em

cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos

mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana

Wollerman no Brasil

Palavras Chaves

Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo

ABSTRACT

The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator

Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period

that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving

on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the

training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of

familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization

for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its

importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations

of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for

the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical

operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman

produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History

for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were

involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural

History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural

practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted

representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the

autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the

bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana

Wollerman in Brazil

Key words

Ana Wollerman History of Education Protestantism

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08

Formaccedilatildeo familiar e escolar 13

Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25

O lugar da mulher no pensamento batista 30

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO

PROJETO DE ANA WOLLERMAN

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS

PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

A escola que Ana Wollerman criou 68

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os

ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-

mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu

interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos

anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute

socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou

provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo

Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)

ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo

tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-

grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem

tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser

analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava

uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem

Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca

(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de

cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual

natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo

tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como

pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e

especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma

contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do

Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas

de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo

Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma

Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo

protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a

1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a

pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica

(PROCAD)

2

formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o

desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento

analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da

educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que

levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do

metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional

acima referido

Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no

Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia

Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um

estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas

no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica

brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo

ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da

educaccedilatildeo protestante

Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por

exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de

civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa

as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-

americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a

1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A

obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de

fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo

presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em

conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um

papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria

Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que

seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma

nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos

missionaacuterios no Brasil

Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade

a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do

seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e

3

desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social

entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre

catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional

que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons

Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de

afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a

educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas

diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos

protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo

dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a

investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria

servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos

protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas

escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas

viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles

do que pelos demais grupos protestantes

Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica

voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo

em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a

formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da

Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio

de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando

as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e

dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se

encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este

trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de

mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado

a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier

Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil

que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista

(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a

2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do

projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente

4

Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar

a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no

periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela

partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde

conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu

casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico

material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e

natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo

defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra

do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de

seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no

Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do

coleacutegio

O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo

batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de

praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo

do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura

escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto

educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute

Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade

Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA

contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise

complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando

praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da

participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo

batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa

perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo

ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites

da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas

escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas

Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash

1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e

5

sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor

analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-

alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da

Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do

coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo

direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos

para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral

E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema

de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta

poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia

muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez

pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul

O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de

missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia

as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual

razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana

Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo

atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos

depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia

independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica

missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo

A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de

anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o

periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash

para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio

Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados

da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo

No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de

formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico

quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre

6

sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia

escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste

capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir

da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva

(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a

memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das

necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre

passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o

lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a

especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na

segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta

cidade

O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no

Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai

(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura

da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria

socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas

da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo

Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as

praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-

se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se

que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-

noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o

individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de

convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees

de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo

destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)

No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana

Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e

7

educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo

especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza

A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos

seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes

utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo

da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a

professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e

continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo

Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e

Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O

tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador

na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a

ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das

materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por

meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica

dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente

concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por

ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado

a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento

8

CAPITULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA

FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA

Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas

missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como

essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute

analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-

educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas

como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece

o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil

Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo

A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana

Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de

Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da

centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente

(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave

medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente

(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema

encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o

processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo

gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de

um(a) missionaacuterio(a) batista

Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo

sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em

seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA

3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem

gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute

que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los

literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa

9

Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o

irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus

porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo

vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4

Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se

reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que

documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime

o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE

GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana

Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado

segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)

Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim

como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana

Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a

colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria

de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi

quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos

anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave

1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse

consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo

batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil

(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA

Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois

diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em

com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu

tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como

diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara

municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo

douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita

Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando

numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de

4 Grifo meu

5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de

alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs

elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em

virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees

especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com

relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)

10

distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria

por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo

meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)

O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso

ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um

ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um

discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado

em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar

ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo

reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso

ideoloacutegico serve

Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da

figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de

suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como

estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994

p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que

compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual

nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia

social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder

Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute

limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo

religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e

com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades

- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica

Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas

do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo

7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs

funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste

sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo

por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de

deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme

os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido

ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma

ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo

oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal

assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na

formaccedilatildeo do pensamento batista

11

Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem

estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)

portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja

reconhecido como cientiacutefico

- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo

batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do

Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos

As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou

funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos

homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional

status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo

dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp

5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que

os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima

uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)

Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros

nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos

contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos

conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria

(Halbwachs Pollack)

Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas

socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na

relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna

inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de

ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja

ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade

criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis

ela conceitua

Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio

imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo

Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico

porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira

(PESAVENTO 2004 p4445)

12

Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque

eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo

religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria

ldquoenviada por Deusrdquo

Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a

memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos

pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu

falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos

indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees

coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias

pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque

se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem

ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo

Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees

fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta

pesquisa

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele

saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a

chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles

eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a

famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se

chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos

eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee

nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna

Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes

mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e

Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim

meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo

para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de

ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele

foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema

com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu

Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para

estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi

ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p 140)

Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu

nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto

Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo

13

concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas

lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas

lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da

estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman

com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo

para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo

soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas

Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)

que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de

referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo

presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as

lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre

verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de

referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da

colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem

se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para

aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e

outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na

histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda

psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os

registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)

Formaccedilatildeo familiar e escolar

Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por

Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff

- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille

Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de

Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da

comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil

ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff

experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos

14

principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos

fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio

Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a

cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para

quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e

portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo

(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata

[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de

estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito

bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000

mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de

vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas

todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas

de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e

muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos

meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)

Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das

informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este

tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA

No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata

A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute

terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis

anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de

dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze

anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles

anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me

lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de

sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a

atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela

fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas

o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana

Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou

mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse

influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola

eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou

paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram

originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria

15

no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de

ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria

missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando

questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU

2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de

ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm

interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a

narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua

trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute

descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios

Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho

10

Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria

o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se

caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de

formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos

9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012

10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem

perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-

metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na

mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do

seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em

httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012

Ao fundo os pais da Ana

Wollerman Sr August

Wollerman e Sra Minna

Wollerman Em primeiro

plano da esquerda para direita

Ana e seus irmatildeos Edwin e

Mildred - Acervo Biblioteca

Faculdade Teoloacutegica Batista

Ana Wollerman

16

Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas

devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo

apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e

reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social

Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e

doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos

meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles

nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal

organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se

ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das

ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e

outros paiacuteses11

Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de

evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio

ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176)

Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana

Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos

personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo

reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento

Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei

muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me

lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo

creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava

voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades

sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)

O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede

interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para

construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori

foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto

marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de

vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil

11

Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de

Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)

17

Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo

do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao

menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os

primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)

Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria

se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute

desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que

ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a

este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente

consagradardquo12

Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece

muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo

queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco

deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha

assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha

vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada

realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)

Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na

universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando

da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para

os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez

com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um

escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se

afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos

negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 141)

Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se

refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que

temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o

porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo

sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira

encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste

12

O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente

bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um

processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como

oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo

se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso

18

sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo

menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela

Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico

de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi

possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o

missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de

igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil

Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins

Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte

americano Bill Sherwood diz

[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e

entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela

tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu

sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados

[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do

que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da

entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os

missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no

Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua

fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em

Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda

guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD

Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de

Ana Wollerman

[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer

De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a

Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o

jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo

porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um

salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho

que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito

satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez

(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e

voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se

deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-

nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que

19

tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento

da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao

assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins

interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood

Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma

perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a

nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood

[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de

Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui

nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o

segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser

com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir

a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da

minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo

deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p

142 p 147)

Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A

questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)

desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas

Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas

representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se

criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13

Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez

para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de

referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14

Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive

encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser

nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas

tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou

deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)

Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil

possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada

pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste

13

Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

20

missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15

ele teve dificuldades em

aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o

questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood

ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por

ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento

satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o

exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se

configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar

aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de

machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude

do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU

1998 pp 91s)16

Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria

Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e

identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido

um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo

autobiograacuteficardquo

- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo

inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria

histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas

mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos

religiosos e lideranccedilas sociais

- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e

psicologicamente

- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um

sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste

autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que

ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos

15

Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16

Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia

tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as

taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo

consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio

proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc

21

outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade

admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos

valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)

Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois

Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida

Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de

legitimar seu projeto missionaacuterio

Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi

perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da

minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido

em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela

noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja

farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo

que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer

isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois

para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)

A experiecircncia religiosa17

eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano

ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da

situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na

escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto

nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas

quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade

de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda

mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA

Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia

religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para

o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que

paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo

participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta

dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio

que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua

17

Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do

protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no

humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida

(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que

levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma

religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo

ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)

22

vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do

que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp

15s)

A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel

em Artes da Ouachita Baptist College18

em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos

de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo

Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas

teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que

queria ser missionaacuteria em outro paiacutes

Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo

que cursou Bacharel em Artes

[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19

graccedilas ao meu Pai

[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o

que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei

sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria

Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem

desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o

desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares

pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando

Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser

realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar

de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser

salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de

trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma

missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)

Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20

possivelmente seu interesse de vir para

o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e

18

Hoje Ouachita Baptist University

19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra

para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de

graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com

Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em

httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira

expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser

encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS

quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte

biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo

20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde

amambaense para Ana Wollerman

23

Anna Luther Bagby21

(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve

relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na

Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os

missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o

trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo

somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio

Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff

onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite

do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para

trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi

homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos

21

Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o

trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo

Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no

Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da

Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

24

serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas

instituiccedilotildees e ao seu paiacutes

Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do

protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman

sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato

autobiograacutefico

Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na

universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e

para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma

dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos

papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim

coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu

posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que

eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como

professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo

ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

176)

A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos

biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins

de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico

pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio

de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico

para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas

especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo

em sua formaccedilatildeo

Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de

Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou

um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades

religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter

missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou

com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que

trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua

famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a

ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi

aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua

decisatildeo

25

Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a

nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22

tens que abrir a porta [] eu andei umas horas

depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele

perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele

disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse

como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei

Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)

abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma

mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 pp 142 143)

Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado

brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans

Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e

chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

145146)

Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana

Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi

fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte

Contexto de formaccedilatildeo religiosa

O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por

um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua

vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana

Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e

queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais

eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os

valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []

ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []

Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha

famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando

muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja

aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23

Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o

iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na

22

Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23

Grifo meu

26

origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua

fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e

pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre

a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo

para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores

transmitidos pelos seus pais

Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja

mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos

bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do

aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo

estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman

A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente

em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda

fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres

sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram

por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las

aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em

meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do

pensamento batista

O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias

interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do

mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as

praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia

tomista24

eclesiologia hieraacuterquica25

intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos

24

Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)

25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave

condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado

canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como

estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do

impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o

constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima

dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro

estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio

social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o

estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo

(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)

27

sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a

sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos

bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical

entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios

de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber

(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo

No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do

anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em

Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura

somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se

outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a

mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo

Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu

falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas

eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu

quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na

parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei

mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais

tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os

olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como

Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes

ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148

149)

Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana

Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas

e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo

porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu

trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles

eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)

Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre

calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os

calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de

Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo

28

em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a

humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus

eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade

depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de

construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a

salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute

Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo

retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26

Em

siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a

responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da

graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo

Weber

Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta

inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus

interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da

consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de

conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o

presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que

seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por

considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)

Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo

inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel

perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-

moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso

missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da

salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado

numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio

Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de

uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando

26

As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a

Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados

de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma

congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de

ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido

comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos

via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo

resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO

1996 pp 84s)

29

a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior

envolvimento com a comunidade religiosa

Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos

trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para

Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus

Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder

assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)

O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era

irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por

ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a

Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela

meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja

Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas

participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista

mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a

legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja

local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo

Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi

formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores

do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a

ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo

A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e

o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras

naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul

era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando

a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros

paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997

p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern

Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um

rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e

culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o

norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a

se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na

cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para

30

o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria

mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no

Brasil

Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento

fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave

modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia

europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia

buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto

de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e

outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute

cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por

conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas

criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como

presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios

teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos

textos biacuteblicos27

O lugar da mulher no pensamento batista

As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em

um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina

Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana

Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da

pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo

27

Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram

1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos

seus autores

2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave

argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e

ldquoCristo da feacuterdquo

3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da

humanidade para livraacute-la de seus pecados

4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando

que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja

no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais

5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que

eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)

31

Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher

na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de

vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de

mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja

ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)

1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como

um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e

ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem

poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28

2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do

lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo

Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento

batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar

as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao

homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para

o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo

divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da

ldquoordem socialrdquo

Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo

de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber

de que forma a mulher eacute representada

A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a

essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher

governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha

para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor

gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos

guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da

mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser

jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB

1954 p 5)

Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo

e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da

existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista

28

The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012

32

pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas

mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee

mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver

com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos

sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e

esposa abnegada

Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do

iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar

tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais

mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas

ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por

conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a

experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de

civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado

nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)

Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra

funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a

maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das

mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres

missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das

Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute

1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4

Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas

especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do

trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)

O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo

apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949

(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo

trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da

Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho

missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel

fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras

mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras

atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam

33

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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57

Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de

1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46

Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por

exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma

concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem

diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino

na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que

como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra

uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute

vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana

Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria

executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de

Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense

ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004

p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de

feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo

Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo

tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por

pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood

34

3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres

norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais

as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos

seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de

retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente

eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de

compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso

que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas

para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e

sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc

Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos

dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees

radicais sobre o sufragismo ao conformismo

Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais

sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute

afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo

questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias

(SILVA 2011 p 34)

Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre

esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos

limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo

ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o

ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja

local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo

de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a

ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria

Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo

de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo

status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a

vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves

mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que

Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no

seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de

35

Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de

conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia

Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo

de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto

fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem

impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)

Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as

instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o

assunto da seguinte forma

O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como

restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no

pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com

autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November

11 2000 p2)29

Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista

a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo

Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe

claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo

de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes

Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um

lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo

zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)

A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na

Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de

21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo

sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais

O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de

20 a 24 de janeiro de 1995

29

Traduccedilatildeo livre

36

Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo

Luiacutes - MA 1995 p 512

O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela

uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que

participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa

Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas

possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi

resolvida entre os batistas

Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de

ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra

complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra

583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam

desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de

quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso

PERGUNTAS SIM NAtildeO

Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067

Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049

Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320

Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193

Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599

Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583

Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466

Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372

Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290

Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457

37

desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a

Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo

1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista

Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da

lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as

Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios

como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia

Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que

a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como

missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias

especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente

avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz

da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de

Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)

A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas

Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do

que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral

Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave

tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30

e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas

da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem

natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute

presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman

Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz

realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como

pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era

uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 156)31

Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de

Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender

que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como

missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem

necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica

retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que

intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier

[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio

possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos

e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em

30

Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1

Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre

Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31

Grifo meu

38

afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a

dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio

consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a

insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)

Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco

mais

[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me

consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo

isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje

em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada

era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160

161)32

O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para

entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul

Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul

criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque

pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um

conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher

A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas

nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de

lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em

Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente

nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa

de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa

32

Grifo meu

39

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS

NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana

Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos

do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil

No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil

e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado

em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional

batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo

entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta

missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia

A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo

de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33

tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo

Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas

religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as

representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas

interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo

na ldquocomunidade imaginadardquo34

dos batistas

Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no

ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da

realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35

(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de

sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre

33

Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34

Benedict Anderson (2008 p 39s) 35

No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)

40

batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na

ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais

pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a

presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou

culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os

oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de

mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das

almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar

sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si

pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem

de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam

(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato

Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo

interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil

Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo

no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo

de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos

do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde

o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil

e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -

comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta

ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa

Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente

proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias

nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a

evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os

Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros

holandeses franceses e suiacuteccedilos

A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de

missionaacuterios colportores36

O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista

36 Vendedores de biacuteblia

41

Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do

Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul

do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)

Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais

(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas

mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e

distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e

fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo

O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo

XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica

de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais

liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do

republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que

fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees

traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios

liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro

estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na

estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de

manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro

todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)

Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos

liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio

circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo

com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora

Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho

que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo

trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias

liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se

um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres

jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento

catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil

42

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil

Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos

por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do

Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro

Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste

mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de

Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma

igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e

teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996

pp192193)

O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes

sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em

solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua

esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin

(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar

missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu

para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-

combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos

relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck

Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp

330 ndash 336 450 ndash 456)37

Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste

mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira

igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades

brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996

p 194)

Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da

proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram

organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43

delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo

37

As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do

trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)

enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond

43

provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)

(REILY 1984 p 175)

A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois

princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre

estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro

e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a

formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas

missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar

sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas

ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo

de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela

publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas

jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura

religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)

Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que

significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998

pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma

linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de

estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das

praacuteticas religiosas38

e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees

drsquoOJB

Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de

criaccedilatildeo drsquoOJB diz

O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista

especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista

Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando

resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido

doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas

CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar

representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e

38

Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde

problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e

exclusotildees de membros da igreja

44

denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo

de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39

Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio

grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos

impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de

formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos

centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais

produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais

grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo

tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p

22-28)

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil

Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)

uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos

Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores

vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias

colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara

Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos

voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute

estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)

Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado

para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser

pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a

periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das

escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em

cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898

- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees

de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta

39

Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante

na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode

ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e

concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro

texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do

pensamento batista no Brasilrdquo

45

de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo

marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos

dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da

Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo

indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos

seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute

poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da

documentaccedilatildeo40

Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros

missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno

porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil

Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees

ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela

iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41

esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se

dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para

elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as

casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)

Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura

Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor

School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do

fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que

40

O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por

missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo

Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou

conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do

Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)

este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo

Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da

Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees

acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas

ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos

poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das

lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de

1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional

(MACHADO 1994 pp 63-67) 41

A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em

relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir

para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o

general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond

46

a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto

de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)

As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees

teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos

seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo

religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e

fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao

seu projeto educacional

Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por

Pedro Arauacutejo eacute relatado

O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta

com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como

espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para

engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos

preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande

perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute

promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a

nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir

duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma

mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos

membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor

o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja

subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua

mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os

pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)

Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem

educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas

escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos

batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora

pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles

precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na

cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o

que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da

Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se

membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto

para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do

grupo

47

Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos

filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros

motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade

brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns

casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo

religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO

2006 p201s)

Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados

de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos

liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o

Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA

O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e

pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e

ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas

e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais

cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica

mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores

puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do

collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde

o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo

christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande

valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo

christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros

christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud

ARAUacuteJO 2006 p 200)

Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo

quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como

espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo

(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que

levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus

Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um

ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de

Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo

ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo

fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja

existir

Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos

perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de

48

ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa

ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In

TRUETT LOVE 1950 p36)

Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do

compromisso com o que entendem ser sua missatildeo

As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos

hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na

paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e

povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e

recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos

dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)

A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois

propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a

funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a

ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da

educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza

Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de

1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde

O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos

princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo

incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que

adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que

disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo

(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio

para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara

para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um

peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se

consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que

seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este

tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-

284)42

Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive

promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na

caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais

[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram

valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira

repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento

norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como

42

Grifo meu

49

ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os

traccedilos culturais do seu modus vivendi

Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de

evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo

voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo

indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que

equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana

a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior

preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a

documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era

ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da

Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse

na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos

prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a

finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo

porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo

Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees

podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO

Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel

na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais

elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os

serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de

Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova

organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos

principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover

programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra

ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto

evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de

estudantes (LEONARDT 1963 p316)

Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente

ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas

priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades

que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica

pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam

intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e

as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda

regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma

orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas

A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo

deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples

50

deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926

apud MACHADO 1999 p80)

A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte

de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os

ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino

religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio

Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as

diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em

relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as

aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo

delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem

propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a

visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)

O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento

batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente

desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43

Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da

noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa

que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal

discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de

seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente

desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no

tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste

sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio

religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso

conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a

ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta

pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de

uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma

ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do

aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para

aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)

43

Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo

entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia

(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de

censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base

legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre

se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos

Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)

51

Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista

vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma

ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui

ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a

educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo

Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e

educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista

se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44

Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser

relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns

professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam

a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que

supostamente estivessem agindo da mesma forma

Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a

pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o

pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma

instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta

afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves

vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute

claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948

pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes

direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico

tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo

Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento

maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX

tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no

graacutefico em seguida

44

Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em

seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo

Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de

alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola

52

MENDONCcedilA 2008 p52

Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882

porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45

As informaccedilotildees do

graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando

a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na

abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos

batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de

evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios

protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso

Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o

trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um

45

Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao

serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880

53

planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de

migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil

No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou

esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem

estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)

Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910

sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional

pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do

tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste

liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou

um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento

na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro

(NOGUEIRA 2003 p 48-52)

Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre

outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio

do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram

uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional

em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da

Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado

pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja

Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)

A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram

igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo

Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em

Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob

a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A

Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou

de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos

batistas mato-grossenses

Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia

outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai

este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e

54

seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e

Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim

de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila

batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)

ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)

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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso

mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam

estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute

na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em

Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e

autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de

igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o

crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana

Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as

estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e

treinamento de lideranccedilas

Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora

nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos

que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo

ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe

mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou

para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles

conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era

nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou

55

animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo

presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com

a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a

sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil

Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins

aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua

caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria

em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman

aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada

por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito

federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este

disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a

cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo

palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel

Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer

na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que

vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor

Ana Wollerman (37 anos) assim que

chegou ao Brasil em 1947 Acervo

Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica

Batista Ana Wollerman

56

Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto

quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas

malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala

grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me

falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na

minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus

mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria

de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio

de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de

missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a

gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p 147)

Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo

resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de

entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou

publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento

de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)

Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida

pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio

Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava

ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura

fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia

Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas

nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei

elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que

perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas

reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46

Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os

homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47

Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento

algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade

eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa

Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na

ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem

de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo

Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos

homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora

46

Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47

Idem

57

de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da

igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher

missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como

fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de

reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local

Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor

Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo

de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs

com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe

ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123

58

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS

Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir

Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute

entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo

na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho

progredisserdquo

Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita

aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele

pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho

progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e

fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo

uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p 148)

Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito

de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do

Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que

tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate

O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade

pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48

mas sim porque desde o

iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas

para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo

ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a

demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este

apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo

ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49

foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena

local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p

120 121)

48

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo

de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio

Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los

diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta

Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a

capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em

18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato

Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em

15122012 49

ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos

fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore

com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)

59

Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai

era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por

Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal

atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma

rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para

encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que

garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)

Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o

pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro

urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo

seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de

religiosidade protestante

Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as

crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute

criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas

Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor

ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)

em volta da mesma mesa para estudar

Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter

condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam

dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e

fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)

As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros

com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na

regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser

atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias

ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)

O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender

este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash

memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na

60

histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50

Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo

numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo

[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E

aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele

tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo

tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia

fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras

porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar

as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam

porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar

carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por

aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo

vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia

pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo

quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO

2012)

Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do

professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais

escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os

cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em

dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173

VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)

50

Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para

esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de

Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai

inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de

pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados

inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT

61

Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51

melhorou o acesso

agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas

ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno

(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas

rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei

Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo

federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento

aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens

abaixo

51

Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram

intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas

escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham

certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram

ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando

o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o

professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo

Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO

2009 p173

62

Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito

Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para

criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde

chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos

depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO

2009 p191)

Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que

principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana

Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que

era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim

de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve

tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes

amigos e outros interessados

Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de

Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto

Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)

63

Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja

Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52

por conta disto em 1943 a igreja enviou o

ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um

ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em

Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de

comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)

proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as

atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar

sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e

foi seu aluno

O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais

ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como

evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma

escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu

tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do

Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos

3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este

iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)

Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua

casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo

evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do

espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim

passarmanifestar sua mensagem religiosa

A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar

assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia

para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para

fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela

organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947

quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia

Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a

Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de

Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia

auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham

52

Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08

64

comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes

resultados por eles esperados

Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para

abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha

fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe

outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens

[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos

crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra

metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem

ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo

de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se

isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo

Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido

Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman

possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade

ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus

saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do

impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner

na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que

desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-

americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados

A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e

outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente

quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem

este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes

passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se

apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida

criativamenterdquo53

por agravequeles que dela se aproximavam

Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de

amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das

primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida

53

Michel de Certeau

65

como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais

famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o

Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana

Wollerman comenta

Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo

direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu

ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai

deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era

madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola

Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente

servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria

inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha

manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou

Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana

Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas

escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E

em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse

Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem

pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido

qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma

vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um

pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de

fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO

2012 p 3)

Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho

da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos

ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor

Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma

congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel

Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo

de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949

Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a

66

famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando

na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia

[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua

filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo

havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que

serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas

de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro

e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a

casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta

casa

A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e

eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo

pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para

sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de

cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de

dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas

mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e

usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um

guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito

simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais

alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o

apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e

aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela

foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito

Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio

Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a

ponto de

Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei

do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude

estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma

lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

152)

No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a

Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola

Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo

o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a

grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes

67

podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo

precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute

com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou

ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce

Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam

eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana

noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora

vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra

professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana

Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou

muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai

[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e

tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas

a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era

alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei

impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia

caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA

2003 p 186)

E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola

Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de

sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas

praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave

leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai

68

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN

INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a

estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto

educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos

demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo

poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se

mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as

condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto

histoacuterico e social de Amambai-MS

No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria

de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no

municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o

entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos

estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash

professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana

Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria

A escola que Ana Wollerman criou

Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em

Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito

influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e

ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um

detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo

catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na

famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a

famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma

significativa autoridade abaixo apenas dos pais

69

Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas

famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana

Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher

branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo

No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona

Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar

mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi

visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo

existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o

que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela

tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman

Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar

no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de

dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula

para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e

outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona

Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p 149)

O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor

Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de

escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54

mas vai se

estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de

desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana

Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com

divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava

abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este

milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato

da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse

comeccedilado com todo o primaacuterio formado

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas

provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela

foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola

primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano

mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (ERGAS 2012)

54

ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em

estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar

70

O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que

por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto

Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se

tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute

provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo

mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de

Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que

tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou

seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma

ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo

Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas

questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana

Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute

monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que

enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste

caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios

Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

71

Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas

bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o

que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num

grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura

personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de

alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que

ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que

daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o

ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no

Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e

natildeo de Ana Wollerman

Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos

batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo

sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond

que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo

aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e

ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias

palavras tais representaccedilotildees

Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela

primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram

grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum

lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo

sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em

Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas

peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto

mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez

muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

55

Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em

1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute

importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo

eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute

entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta

Poratilde-MS

55

Grifo meu

72

No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as

atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a

Igreja Batista em Amambai56

e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho

(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso

a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman

tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato

Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria

de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e

auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo

o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este

dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao

lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de

Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma

homenagem posterior que a Igreja fez a ela

56

Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela

foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio

Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham

em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de

ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo

ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo

Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde

amambaiense para Ana Wollerman

73

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo

Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente

a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas

que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista

Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia

Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto

de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a

incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a

finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas

sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes

que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar

dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os

professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da

escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de

pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos

que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por

intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a

escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso

analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou

com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente

compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido

antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o

afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud

VIDAL 2005 p24)

Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo

como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de

conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as

culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com

seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de

escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da

trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a

criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas

estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns

elementos da cultura da escola como chave de leitura

A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente

municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada

majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo

apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo

Sul de Mato Grosso

74

Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato

Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos

344214 rurais57

Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo

moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que

fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a

Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai

(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro

como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das

dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo

Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas

escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os

ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola

Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de

laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu

pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por

intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela

eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da

Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim

pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)

Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa

necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de

escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que

certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas

proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que

se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais

encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a

fim de poder dar continuidade aos estudos

Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os

que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)

Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros

motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de

estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte

Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu

completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte

57

Fonte IBGE

75

eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana

Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno

Hudson Otantildeo da Rosa

No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa

de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da

cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha

simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos

lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas

emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo

Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se

comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo

ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo

somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com

bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente

Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era

brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo

Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior

progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do

precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa

Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de

progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor

tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia

ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que

ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em

seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas

natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a

cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois

voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu

anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo

tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus

irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para

o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira

dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia

suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas

proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra

esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da

minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande

brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu

povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma

me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus

estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58

O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais

colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis

motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar

58

Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta

pesquisa

76

a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de

representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de

encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como

atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de

forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma

infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e

assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de

trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em

conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o

periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a

partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59

As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da

escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o

Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento

anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar

Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento

do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia

desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico

por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha

que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado

E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da

escola60

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles

trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os

pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute

considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito

prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja

convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se

destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam

distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)

O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da

educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as

decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61

Em sua fala

aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da

escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar

Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os

59

Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60

Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes

documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso

natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61

Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado

77

alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas

alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior

nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de

prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter

satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola

Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento

estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo

nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com

assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de

fechamento do ano de 1951

Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista

nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo

da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se

voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes

despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos

ao fim do curso letivo

Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo

de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com

que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de

ensino

Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo

impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por

muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)

Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais

realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao

trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os

remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente

representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de

algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda

que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que

se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E

neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz

O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto

da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute

como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos

determinados (FARIA FILHO 2008 p81)

A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e

Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser

78

analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a

relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares

para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar

que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se

configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado

mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de

1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do

Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por

diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de

ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos

participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte

Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha

normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc

terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as

meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para

aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)

Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de

intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de

escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo

Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos

diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo

quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc

(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento

estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de

poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto

talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o

estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras

assim ela relembra a experiecircncia

Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um

corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que

tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes

dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas

surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino

Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo

sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda

razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca

da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que

para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo

79

ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que

era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e

mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro

nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62

Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das

autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana

Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no

Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente

limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua

inglesa ao da liacutengua portuguesa

Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado

Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde

quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser

ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da

Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das

pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias

buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia

patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees

fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo

do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do

Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais

poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS

MULLER 2009)

Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de

Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas

apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula

Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que

prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo

fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que

62 Grifo meu

80

todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os

resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da

Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana

Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona

Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente

preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional

Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro

fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos

E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da

semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era

hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira

e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa

parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)

Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana

Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era

realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em

posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E

assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova

geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de

suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que

pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela

populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar

81

E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas

atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para

os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes

A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando

agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus

Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a

realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo

em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as

coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se

ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de

missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara

(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63

Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da

tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo

numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo

(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e

Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia

63

Grifo meu

Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo

042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman

82

entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos

biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio

Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome

do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)

Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas

testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos

confins da terra (At 18)64

Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica

missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho

missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se

apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai

Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos

salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute

no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Compare os vocaacutebulos grifados com

Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso

acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos

(At 247)

E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo

continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz

Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha

salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos

aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o

Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro

dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir

todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

151)

Compare os vocaacutebulos grifados com

E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo

Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)

Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se

que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora

da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana

Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma

oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

64

Grifo meu

83

Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria

das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e

alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros

ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo

(WOLLERMAN 2003)

ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO

2012)

ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)

ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e

laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era

infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)

Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu

lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos

protestantes65

sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das

Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66

E nos casos acima os

propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas

praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes

das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em

segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca

um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir

valores eacuteticos morais e religiosos

As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto

significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos

elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de

educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva

cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da

relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo

tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)

Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana

Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute

comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se

deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da

evangelizaccedilatildeo na cidade

65

Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66

Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE

Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo

(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees

Paulinas 2010

84

Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo

muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E

ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho

progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou

uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola

Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus

contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles

tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o

evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar

porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de

algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela

escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze

anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde

Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-

adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho

missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute

discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e

ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo

85

Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades

evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao

templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o

templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca

de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da

mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes

termos

Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no

Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as

classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria

na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a

histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e

contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67

cantava-se

67

A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram

cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes

Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

86

hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por

exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho

que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a

muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal

maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar

Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)

Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho

hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees

estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute

apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo

Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os

pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador

Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na

paacutetria celestial Perto do Salvador

Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos

chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador

Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar

no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador

Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o

amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68

Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor

evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes

batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre

consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante

profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69

Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman

tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para

ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo

Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a

primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo

68

Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de

Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio

G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo

Paulo ndash Edusp 2008 69

Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma

ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e

parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo

de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando

crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos

como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando

atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de

decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo

87

aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e

muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que

fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela

eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a

estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os

hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)

Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para

cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a

doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de

estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes

visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente

com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para

tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva

Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido

discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de

suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os

conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados

anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca

de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana

Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a

partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia

se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras

Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que

aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito

dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o

ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito

bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de

algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem

lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho

que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com

bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu

aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)

Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos

ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas

ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo

Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam

recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou

88

muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana

Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em

laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais

representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas

tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai

Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras

povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o

evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns

irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens

mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem

estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas

Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do

evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava

recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu

sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que

por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70

Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana

Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde

ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71

que queria tiraacute-lo da escola

porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar

para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar

na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens

de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para

Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao

falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da

escola participante do ldquosucessordquo deles

Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs

certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do

70

O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos

fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o

atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas

visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo

entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )

71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um

dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai

89

banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e

doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco

(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene

Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja

Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque

Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai

inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai

para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB

foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta

parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com

Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se

aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento

interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem

interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas

que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato

estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava

sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e

muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele

apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da

Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a

ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino

foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute

advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente

morava todos na mesma casa (LIMA 2012)

No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que

Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees

A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu

alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor

Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores

advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as

mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel

90

Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma

toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem

deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por

que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer

coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs

O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um

produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco

mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer

prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)

Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo

em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da

sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da

Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos

para preparar a merenda escolar

Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola

ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos

alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no

primeiro segundo ano (LIMA 2012)

Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela

pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a

ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade

Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn

Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo

do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72

e eu achei

que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do

Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se

passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus

Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn

Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles

eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam

recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu

usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil

doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)

Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que

a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil

pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi

integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai

Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana

Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo

72

Grifo nosso

91

pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman

tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e

segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por

uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)

Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca

que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado

por Ana Wollerman aos alunos e alunas

Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer

visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era

sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na

parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra

sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto

Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando

ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)

Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus

hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo

que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A

interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades

devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham

momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio

batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua

autoridade como ldquoautoritarismordquo

Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel

Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um

homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre

criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa

que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa

assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)

Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se

mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia

tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava

perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava

Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de

todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito

dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta

que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)

Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se

perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta

92

fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se

natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas

as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta

natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um

exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo

indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de

comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com

comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos

mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)

Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da

relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz

E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou

me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes

soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que

Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me

respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)

Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a

temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva

tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as

missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo

Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de

conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem

E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem

como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e

marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se

mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso

com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas

conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA

2011 p 35)

Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de

pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa

condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia

financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de

algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil

93

Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num

alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com

os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela

Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas

relata

Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim

qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer

achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa

muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a

vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)

A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman

era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e

coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil

Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta

parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira

(2003)

Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu

trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense

Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias

convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a

importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja

(NOGUEIRA 2003 p91)

Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da

Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil

(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e

agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e

distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada

jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da

Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava

financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras

94

A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob

os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em

condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com

ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de

poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana

Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi

indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em

Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da

referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens

Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma

nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de

Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava

progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)

E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar

como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)

filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis

ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e

concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato

Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e

passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai

(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)

Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se

uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque

segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o

exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam

bem colocados

Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o

filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na

eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda

no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc

tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um

exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como

quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa

mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era

ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora

95

aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da

credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais

e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas

profissionais

Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional

que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram

palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras

por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais

ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras

profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A

escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de

produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse

sentido (SOBRINHO 2012)

Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou

em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio

onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da

Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi

embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais

exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das

atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e

demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum

soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de

60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana

Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha

fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo

encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola

Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco

rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem

continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia

se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando

assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho

Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas

as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de

96

Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas

um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)

Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo

e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval

Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do

Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em

Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e

seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003

p105)

Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades

vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das

Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)

Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu

estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para

eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para

serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara

Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia

rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana

que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a

auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os

filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para

construccedilatildeo da escola e da Igreja

Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste

lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns

terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num

outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a

Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir

laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da

cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos

ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de

boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo

de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles

troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo

com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja

Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos

e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de

tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p156)

97

Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as

pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder

em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma

experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola

e passavam o dia inteiro nela

A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da

cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os

pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e

ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar

pois era distante (ERGAS 2012)

E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a

missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando

mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e

evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)

Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em

Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se

concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato

Grosso

Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do

Mato Grosso73

para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste

iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul

Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para

o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que

Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis

ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)

Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos

Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de

treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em

Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem

as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto

passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-

se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)

73

Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso

98

Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez

algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos

anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e

sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi

transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de

estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a

Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98

anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes

estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny

Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na

continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um

poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)

Whether I live for many days

O if they should be few

I will not cling to earthly ways

But gladly go where all is new

Jesus surely knows my name

Has prepared a place for me

Where forever I shall remain

And his Lovely Face IrsquoII see

How can I fear the great unknown

When Jesus stands and wits for me

Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity

Se eu viver muitos dias

Ou se eles forem poucos

Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas

Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo

Jesus seguramente conhece meu nome

Tem preparado um lugar para mim

Onde para sempre vou permanecer

E sua amada face contemplarei

Como eu posso temer o grande desconhecido

Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim

Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial

E entatildeo entender o que eacute a eternidade

99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito

estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo

ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado

iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na

contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura

sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de

Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute

com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo

Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os

mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste

sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa

ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como

noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e

prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver

Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo

estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar

leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o

tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo

digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida

Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo

que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e

ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo

E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da

Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os

encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute

preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA

Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as

dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de

crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus

100

ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo

constroacutei de si

Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma

seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria

aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o

fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias

calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um

sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio

O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia

missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do

seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como

jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo

de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano

pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a

criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e

sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo

Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila

ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio

Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes

missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram

representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a

accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste

ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-

determinaccedilatildeo divina

No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu

frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo

por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa

configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava

contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada

Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar

pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia

interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No

101

protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a

vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana

Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para

sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de

exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de

ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio

teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um

ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse

sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo

A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da

educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo

social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas

feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no

Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo

na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo

Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns

pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser

relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora

da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria

sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que

assediava os alunos diariamente

Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo

vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos

batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da

Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta

Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o

Brasil

Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento

fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um

conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que

acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem

mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana

102

na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de

atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que

Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar

ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional

Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista

tiveram sua participaccedilatildeo direta

Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram

analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a

figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais

quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas

Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense

porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores

longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas

praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar

inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no

pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato

com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres

Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas

atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo

estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e

com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho

evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares

Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja

Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre

mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o

presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de

muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo

que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo

analisadas por outras pesquisas

103

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ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo

referenciado

As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua

pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento

autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas

entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e

respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae

Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo

Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191

110

ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas

Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria

Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi

missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de

escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas

Entrevista

Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber

conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman

Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes

de vir para o Brasil

Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram

alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E

laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha

se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a

famiacutelia de trecircs filhos

Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham

conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha

lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila

Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio

Entrevistador Ainda quando crianccedila

Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em

oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau

preparaccedilatildeo para o segundo grau

Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja

Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram

pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz

que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio

111

primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas

eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus

ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava

trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi

para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do

valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos

arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador

daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth

Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela

Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio

das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu

Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio

Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que

foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo

conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial

Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre

isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman

Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute

com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram

a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente

Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos

estudos no EUA

Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu

nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia

de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu

sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar

Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete

vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava

aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas

igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do

Brasil e ela interpretava

112

Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo

XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e

insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente

no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado

alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava

Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites

das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana

Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca

Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir

para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute

reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem

positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes

do Brasil

Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta

pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita

pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto

ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou

Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem

nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca

comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse

em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que

houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em

falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo

Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa

conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A

senhora poderia falar sobre isso

Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher

sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como

que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era

professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para

viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam

mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula

113

O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para

Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e

remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens

Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito

ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona

Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta

mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro

Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai

Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis

homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns

cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a

era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a

Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o

agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de

escola nada

Sobre o objetivo da Escola

Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os

dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash

2129)

Iniacutecio da Escola

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz

de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela

havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute

tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (3003 ndash 3042)

Onde moravam os alunos

Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas

Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar

naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no

comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais

114

estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute

conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)

Escola oferecia almoccedilomerenda escolar

Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo

Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas

crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo

estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais

contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)

A escola cobrava um valor por crianccedila

Entrevistador A escola era mantida por quem

Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola

porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o

ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)

Professoras

Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego

quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era

uma das professoras

Entrevistador Em principio ela era professora sozinha

Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute

Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas

Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute

tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam

foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)

A Escola

Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo

Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de

nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes

Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute

115

estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -

3451)

Conteuacutedo escolar

Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola

Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja

onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo

nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino

Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra

crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)

As crianccedilas

Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola

Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de

nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz

Entrevistador Soacute de ouvir falar

Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo

tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila

(3643 ndash 3721)

Curriacuteculo da escola

Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo

era ensinado

Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e

pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem

lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta

Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas

que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma

professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias

Entrevistador Como as famiacutelias viam isto

116

Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra

dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos

muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash

3957)

Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos

Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas

Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes

iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente

andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)

Importacircncia da Igreja para cidade

Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade

Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se

tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita

dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)

Doaccedilotildees que AW fez

Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos

que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito

discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de

Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia

ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se

interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu

estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a

senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o

obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns

cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)

Uma escola para cada Igreja

Entrevistador

A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas

Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa

Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e

117

era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que

atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e

Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram

menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)

Cotidiano da escola

Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila

12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash

todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas

entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam

Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia

Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um

discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos

ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash

5626)

118

ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho

Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de

Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor

memorialista da cidade

Entrevista

Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com

alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas

ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a

estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista

Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou

menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele

atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o

salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio

Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3

alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi

embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui

organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18

de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe

que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o

aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos

iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola

praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo

ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver

quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se

comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando

porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha

aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista

Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma

novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas

dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola

batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes

119

Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um

programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o

quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas

particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu

sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as

escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam

utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha

que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar

por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar

um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando

vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia

pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu

fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia

nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles

chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles

usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra

turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano

laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu

sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia

o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas

coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei

ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo

mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor

jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias

Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana

que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela

tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito

importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a

gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia

desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc

projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas

tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola

120

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa

com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela

mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte

ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em

fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino

agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte

ciacutevica tambeacutem bem colocada

Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em

Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo

cristatildersquo

Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a

semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma

leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola

dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso

que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde

Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a

histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade

Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola

Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado

ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra

vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era

uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a

escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no

quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam

daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do

ensino que era bem feito bem ministrado

Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar

Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles

falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas

eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo

121

escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem

estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que

tinha na eacutepoca

Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola

Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia

muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo

pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o

aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto

entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que

o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu

isso

Entrevistador Qual o valor cobrado

Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se

pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem

diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do

tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava

menos que uma latinha

Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje

salaacuterio uma diaacuteria

Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela

eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor

Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam

a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do

medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino

superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um

carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros

alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido

122

Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que

deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta

como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino

oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50

cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre

as escolas e essas ajudas

Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na

chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na

cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava

envolvido

Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o

Catolicismo por exemplo

Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui

na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D

Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre

Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre

vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia

Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao

Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto

falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o

motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que

aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse

Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha

aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia

assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas

coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de

uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem

Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o

senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma

relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no

ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar

123

Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era

uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os

professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite

existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito

draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da

escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por

exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou

fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio

do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se

formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde

tambeacutem

Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem

Colaborador Natildeo tinha professores

Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados

Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma

sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na

igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um

lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no

recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem

aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio

das meninas todo mundo ficava tirando sarro

Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem

Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas

Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos

alguns eram meio danados

Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual

Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que

estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com

bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem

comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era

feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava

124

os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo

outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as

matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que

aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de

fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica

Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na

EBD

Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de

Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era

distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia

juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando

elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas

bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas

Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja

Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha

filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por

exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A

grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo

tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar

Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles

usavam eles recebiam uma ajuda da escola

Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno

laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever

qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do

ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a

serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles

davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois

Entrevistador Isso sem custo para aluno

Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela

mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era

125

distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito

tempo

Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material

que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo

Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo

126

ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima

Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A

mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e

depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie

Entrevista

Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma

pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo

somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos

conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria

Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que

agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas

moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave

peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso

Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola

que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo

aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida

Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou

com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao

lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali

Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela

eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me

trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute

falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino

que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro

nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar

e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles

E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute

atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles

127

Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava

com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me

cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute

que eu entrasse no Coleacutegio

Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora

Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles

cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia

mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute

com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um

tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns

anos eles foram embora me parece que pra Jardim

Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute

eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar

com ela uma temporada

Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu

tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali

na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo

Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa

Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente

era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela

em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua

obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia

todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada

Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos

Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha

noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia

ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo

vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi

ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente

aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava

tambeacutem sobre o culto domeacutestico

128

Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico

Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do

cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita

ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca

dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava

um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a

evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai

tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas

todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas

ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa

Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de

fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende

Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem

preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que

demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo

comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio

ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por

exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito

mas ficavaficava obedecia

Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos

Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos

Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute

E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava

muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu

aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma

passagem da Biacuteblia era assim nossa vida

Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto

responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman

que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela

mostrava sua autoridade

129

Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo

era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito

eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre

trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as

pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade

Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado

mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela

pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela

tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia

que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar

uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe

isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute

estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda

muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando

Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola

Batista ainda

Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda

natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava

comeccedilando jaacute

Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou

professora como foi isto

Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando

ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra

fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem

ali a lecionar ali no primeiro segundo ano

Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos

Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o

quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei

a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca

em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de

Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de

pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A

130

igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma

escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e

assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por

exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A

maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela

nossa Igreja pela Igreja Batista

Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana

Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo

Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde

foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a

gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros

permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei

Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter

ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro

Entrevistador Porque a senhora acha que errou

Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido

hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a

gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei

a decisatildeo

Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo

queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar

estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55

[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu

nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com

eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na

mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute

crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou

bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta

talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais

resolverem que eu podia ficar mais

Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a

gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com

131

dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa

onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da

casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca

Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente

jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash

Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria

o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito

bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo

trabalhando

Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de

Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e

alunos

Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute

que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas

que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da

Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo

Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra

cidade pra continuar os estudos sair dali preparado

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as

pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees

e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele

presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E

sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi

ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem

era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca

ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes

dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar

Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser

o mesmo lugar a mesma coisa

Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem

ela

132

Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham

na escola

Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia

Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra

Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela

usava

Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim

Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de

fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria

Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola

Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em

Rincatildeo de Julho

Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta

falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela

eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali

Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia

possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria

para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto

para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute

com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E

ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim

Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que

funcionava isto dentro da escola

Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o

Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela

Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da

Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se

corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens

Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem

133

usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316

ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava

aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe

Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo

Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola

biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de

Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos

caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada

Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram

convertidos

Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A

gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor

Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o

ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo

a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um

rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na

Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro

da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O

Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente

e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus

viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a

Biacuteblia mesmo fala

Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman

mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora

chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um

trabalho de evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era

quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para

fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos

e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era

muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair

134

visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que

foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco

As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que

trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem

que veio e fazia este trabalho

Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que

fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela

Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa

trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira

de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita

gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum

lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe

aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que

muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo

existe Eu aprendi muita coisa muita coisa

Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a

senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder

em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto

Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com

muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma

diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca

Era muito gratificante era muito bom

Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria

Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a

histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha

facilidade de aprender as datas decorar datas

Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas

partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais

Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil

Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga

Colaboradora Assim como o senhor fala

135

Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente

ensinavam a partir da Biacuteblia

Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o

primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que

Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar

Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula

Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam

pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa

que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o

objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo

deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo

uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno

Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem

ajudavam na escola biacuteblia no templo

Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora

formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu

conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam

aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo

envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha

cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque

o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este

era a coisa principal da Dona Ana

Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas

Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela

ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana

Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se

fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu

Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele

jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das

Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela

era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando

136

terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute

tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona

Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona

Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute

Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou

pouco tempo

Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro

Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana

Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute

nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor

Valdir

Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas

Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura

machista ainda eacute muito forte

Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque

tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem

uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas

eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute

que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha

Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA

Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita

preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha

muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava

cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o

momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia

dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela

Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil

ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca

Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que

eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que

uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora

137

Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade

de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do

Sul

Colaboradora Eu que agradeccedilo

Page 5: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA … · face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso com a Vida e com o Próximo. A

Dedicatoacuteria

A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas

Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha

Em especial a Nair minha companheira que amo com

profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas

ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa

AGRADECIMENTOS

A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na

face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso

com a Vida e com o Proacuteximo

A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-

doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos

percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em

alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador

A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir

participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense

Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr

Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da

pesquisa

A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de

Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos

maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos

A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche

do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas

reflexotildees sobre minha pesquisa

A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos

no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo

Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na

continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou

sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista

e educadora Martha Watts

A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e

da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees

ortograacuteficas do trabalho final

Aos entrevistados

Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para

educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana

Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e

Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr

Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a

histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o

terceiro com sua participaccedilatildeo

Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo

Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada

ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados

Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA

1993 Rom 10 13-15)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora

Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que

ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para

outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo

treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e

memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de

evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e

sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu

perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a

metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para

analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e

degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para

produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana

Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos

Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico

de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o

indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias

utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau

para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de

representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em

cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos

mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana

Wollerman no Brasil

Palavras Chaves

Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo

ABSTRACT

The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator

Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period

that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving

on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the

training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of

familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization

for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its

importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations

of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for

the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical

operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman

produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History

for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were

involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural

History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural

practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted

representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the

autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the

bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana

Wollerman in Brazil

Key words

Ana Wollerman History of Education Protestantism

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08

Formaccedilatildeo familiar e escolar 13

Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25

O lugar da mulher no pensamento batista 30

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO

PROJETO DE ANA WOLLERMAN

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS

PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

A escola que Ana Wollerman criou 68

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

1

INTRODUCcedilAtildeO

Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os

ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-

mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu

interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos

anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute

socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou

provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo

Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)

ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo

tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-

grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem

tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser

analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava

uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem

Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca

(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de

cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual

natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo

tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como

pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e

especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma

contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do

Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas

de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo

Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma

Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo

protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a

1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a

pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica

(PROCAD)

2

formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o

desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento

analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da

educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que

levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do

metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional

acima referido

Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no

Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia

Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um

estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas

no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica

brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo

ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da

educaccedilatildeo protestante

Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por

exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de

civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa

as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-

americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a

1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A

obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de

fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo

presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em

conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um

papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria

Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que

seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma

nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos

missionaacuterios no Brasil

Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade

a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do

seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e

3

desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social

entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre

catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional

que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons

Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de

afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a

educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas

diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos

protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo

dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a

investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria

servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos

protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas

escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas

viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles

do que pelos demais grupos protestantes

Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica

voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo

em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a

formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da

Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio

de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando

as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e

dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se

encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este

trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de

mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado

a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier

Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil

que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista

(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a

2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do

projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente

4

Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar

a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no

periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela

partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde

conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu

casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico

material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e

natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo

defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra

do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de

seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no

Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do

coleacutegio

O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo

batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de

praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo

do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura

escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto

educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute

Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade

Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA

contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise

complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando

praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da

participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo

batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa

perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo

ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites

da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas

escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas

Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash

1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e

5

sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor

analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-

alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da

Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do

coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo

direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos

para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral

E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema

de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta

poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia

muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez

pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e

Mato Grosso do Sul

O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de

missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia

as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual

razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana

Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo

atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos

depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia

independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica

missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo

A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de

anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o

periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash

para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio

Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados

da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo

No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de

formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico

quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre

6

sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia

escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste

capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir

da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva

(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a

memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das

necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre

passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o

lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a

especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na

segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta

cidade

O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no

Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai

(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura

da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria

socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas

da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo

Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as

praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-

se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se

que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-

noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o

individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de

convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees

de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo

destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)

No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana

Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e

7

educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo

especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza

A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos

seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes

utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo

da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a

professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e

continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo

Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e

Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O

tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador

na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a

ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das

materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por

meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica

dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente

concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por

ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado

a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento

8

CAPITULO 1

ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA

FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA

Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas

missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como

essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute

analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-

educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas

como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece

o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil

Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo

A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana

Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de

Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da

centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente

(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave

medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente

(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema

encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o

processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo

gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de

um(a) missionaacuterio(a) batista

Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo

sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em

seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA

3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem

gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute

que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los

literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa

9

Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o

irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus

porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo

vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4

Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se

reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que

documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime

o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE

GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana

Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado

segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)

Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim

como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana

Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a

colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria

de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi

quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos

anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave

1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse

consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo

batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil

(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA

Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois

diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em

com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu

tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como

diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara

municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo

douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita

Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando

numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de

4 Grifo meu

5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de

alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs

elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em

virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees

especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com

relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)

10

distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria

por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological

Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo

meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)

O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso

ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um

ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um

discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado

em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar

ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo

reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso

ideoloacutegico serve

Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da

figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de

suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como

estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994

p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que

compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual

nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia

social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder

Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute

limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo

religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e

com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades

- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica

Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas

do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo

7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs

funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste

sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo

por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de

deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme

os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido

ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma

ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo

oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal

assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na

formaccedilatildeo do pensamento batista

11

Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem

estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)

portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja

reconhecido como cientiacutefico

- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo

batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do

Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos

As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou

funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos

homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional

status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo

dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp

5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que

os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima

uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)

Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros

nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos

contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos

conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria

(Halbwachs Pollack)

Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas

socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na

relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna

inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de

ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja

ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade

criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis

ela conceitua

Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio

imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo

Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico

porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira

(PESAVENTO 2004 p4445)

12

Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque

eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo

religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria

ldquoenviada por Deusrdquo

Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a

memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos

pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu

falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos

indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees

coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias

pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque

se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem

ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo

Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees

fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta

pesquisa

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele

saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a

chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles

eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a

famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se

chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos

eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee

nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna

Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes

mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e

Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim

meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo

para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de

ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele

foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema

com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu

Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para

estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi

ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p 140)

Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu

nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto

Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo

13

concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas

lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas

lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da

estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman

com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo

para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo

soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas

Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)

que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de

referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo

presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as

lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas

do passado e da tradiccedilatildeo

E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre

verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de

referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da

colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem

se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para

aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e

outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na

histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda

psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os

registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)

Formaccedilatildeo familiar e escolar

Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por

Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff

- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille

Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de

Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da

comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil

ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff

experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos

14

principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos

fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio

Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a

cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para

quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e

portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo

(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata

[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de

estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito

bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000

mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de

vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas

todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas

de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e

muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos

meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)

Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das

informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este

tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA

No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata

A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute

terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis

anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de

dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze

anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles

anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me

lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de

sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a

atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela

fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas

o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana

Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou

mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse

influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola

eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou

paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram

originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria

15

no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de

ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria

missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando

questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU

2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de

ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm

interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a

narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua

trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute

descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios

Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho

10

Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria

o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se

caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de

formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos

9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012

10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem

perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-

metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na

mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do

seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em

httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012

Ao fundo os pais da Ana

Wollerman Sr August

Wollerman e Sra Minna

Wollerman Em primeiro

plano da esquerda para direita

Ana e seus irmatildeos Edwin e

Mildred - Acervo Biblioteca

Faculdade Teoloacutegica Batista

Ana Wollerman

16

Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas

devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo

apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e

reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social

Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e

doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos

meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles

nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal

organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se

ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das

ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e

outros paiacuteses11

Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de

evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio

ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176)

Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana

Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos

personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo

reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento

Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei

muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me

lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo

creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava

voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades

sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)

O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede

interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para

construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori

foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto

marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de

vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil

11

Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de

Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)

17

Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo

do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao

menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os

primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)

Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria

se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute

desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que

ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a

este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente

consagradardquo12

Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece

muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo

queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco

deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha

assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha

vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada

realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)

Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na

universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando

da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para

os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez

com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um

escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se

afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos

negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 141)

Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se

refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que

temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o

porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo

sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira

encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste

12

O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente

bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um

processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como

oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo

se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso

18

sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo

menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela

Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico

de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi

possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o

missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de

igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil

Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins

Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte

americano Bill Sherwood diz

[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e

entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela

tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu

sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados

[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do

que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da

entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os

missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no

Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua

fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em

Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda

guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD

Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de

Ana Wollerman

[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer

De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a

Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o

jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo

porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um

salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho

que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito

satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez

(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)

Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e

voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se

deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-

nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que

19

tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento

da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao

assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins

interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood

Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma

perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a

nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood

[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de

Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui

nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o

segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser

com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir

a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da

minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo

deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p

142 p 147)

Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A

questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)

desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas

Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas

representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se

criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13

Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez

para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de

referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14

Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive

encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser

nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas

tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou

deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)

Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil

possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada

pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste

13

Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

20

missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15

ele teve dificuldades em

aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o

questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood

ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por

ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento

satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o

exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se

configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar

aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de

machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude

do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU

1998 pp 91s)16

Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria

Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e

identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido

um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo

autobiograacuteficardquo

- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo

inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria

histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas

mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos

religiosos e lideranccedilas sociais

- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e

psicologicamente

- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um

sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste

autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que

ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos

15

Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16

Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia

tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as

taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo

consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio

proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc

21

outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade

admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos

valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)

Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois

Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida

Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de

legitimar seu projeto missionaacuterio

Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi

perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da

minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido

em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela

noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja

farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo

que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer

isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois

para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)

A experiecircncia religiosa17

eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano

ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da

situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na

escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto

nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas

quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade

de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda

mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA

Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia

religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para

o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que

paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo

participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta

dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio

que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua

17

Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do

protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no

humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida

(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que

levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma

religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo

ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)

22

vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do

que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp

15s)

A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel

em Artes da Ouachita Baptist College18

em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos

de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo

Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas

teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que

queria ser missionaacuteria em outro paiacutes

Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo

que cursou Bacharel em Artes

[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19

graccedilas ao meu Pai

[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o

que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei

sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria

Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem

desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o

desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares

pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando

Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser

realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar

de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser

salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de

trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma

missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)

Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20

possivelmente seu interesse de vir para

o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e

18

Hoje Ouachita Baptist University

19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra

para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de

graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com

Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em

httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira

expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser

encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS

quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte

biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo

20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde

amambaense para Ana Wollerman

23

Anna Luther Bagby21

(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve

relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na

Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os

missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o

trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo

somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de

cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio

Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff

onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite

do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para

trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi

homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos

21

Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o

trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo

Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no

Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da

Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

24

serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas

instituiccedilotildees e ao seu paiacutes

Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do

protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman

sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato

autobiograacutefico

Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na

universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e

para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma

dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos

papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim

coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu

posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que

eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como

professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo

ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

176)

A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos

biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins

de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico

pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio

de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico

para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas

especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo

em sua formaccedilatildeo

Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de

Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou

um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades

religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter

missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou

com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que

trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua

famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a

ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi

aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua

decisatildeo

25

Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a

nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22

tens que abrir a porta [] eu andei umas horas

depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele

perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele

disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse

como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei

Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)

abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma

mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 pp 142 143)

Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado

brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans

Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e

chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p

145146)

Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana

Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi

fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte

Contexto de formaccedilatildeo religiosa

O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por

um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua

vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana

Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e

queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais

eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os

valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista

Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na

Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da

economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []

ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []

Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha

famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando

muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja

aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23

Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o

iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na

22

Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23

Grifo meu

26

origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua

fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e

pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre

a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo

para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores

transmitidos pelos seus pais

Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja

mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos

bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do

aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)

Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo

estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman

A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente

em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda

fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres

sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram

por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las

aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em

meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do

pensamento batista

O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias

interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do

mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as

praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia

tomista24

eclesiologia hieraacuterquica25

intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos

24

Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)

25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave

condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado

canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como

estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do

impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o

constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima

dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro

estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio

social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o

estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo

(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)

27

sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a

sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos

bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical

entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios

de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber

(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo

No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do

anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em

Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura

somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se

outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a

mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo

Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu

falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas

eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu

quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na

parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei

mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais

tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os

olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como

Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes

ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148

149)

Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana

Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas

e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo

porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu

trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles

eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)

Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre

calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os

calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de

Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo

28

em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a

humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus

eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade

depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de

construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a

salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute

Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo

retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26

Em

siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a

responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da

graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo

Weber

Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta

inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus

interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da

consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de

conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o

presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que

seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por

considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)

Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo

inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel

perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-

moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso

missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da

salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado

numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio

Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de

uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando

26

As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a

Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados

de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma

congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de

ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido

comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos

via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo

resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO

1996 pp 84s)

29

a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior

envolvimento com a comunidade religiosa

Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos

trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para

Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus

Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder

assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)

O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era

irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por

ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a

Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela

meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja

Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas

participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista

mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a

legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja

local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo

Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi

formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores

do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a

ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo

A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e

o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras

naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul

era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando

a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros

paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997

p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern

Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um

rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e

culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o

norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a

se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na

cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para

30

o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria

mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no

Brasil

Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento

fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave

modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia

europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia

buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto

de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e

outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute

cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por

conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas

criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como

presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios

teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos

textos biacuteblicos27

O lugar da mulher no pensamento batista

As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em

um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina

Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana

Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da

pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo

27

Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram

1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos

seus autores

2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave

argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e

ldquoCristo da feacuterdquo

3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da

humanidade para livraacute-la de seus pecados

4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando

que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja

no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais

5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que

eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)

31

Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher

na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de

vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de

mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja

ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)

1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como

um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e

ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem

poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28

2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do

lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo

Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento

batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar

as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao

homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para

o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo

divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da

ldquoordem socialrdquo

Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo

de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber

de que forma a mulher eacute representada

A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a

essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher

governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha

para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor

gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos

guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da

mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser

jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB

1954 p 5)

Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo

e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da

existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista

28

The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012

32

pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas

mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee

mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver

com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos

sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e

esposa abnegada

Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do

iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar

tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais

mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas

ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por

conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a

experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de

civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado

nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)

Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra

funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a

maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das

mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres

missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das

Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute

1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4

Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas

especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do

trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)

O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo

apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949

(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo

trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da

Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho

missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel

fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras

mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras

atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam

33

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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57

Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de

1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46

Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por

exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma

concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem

diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino

na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que

como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra

uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute

vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana

Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria

executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de

Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense

ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004

p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de

feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo

Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo

tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por

pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood

34

3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres

norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais

as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos

seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de

retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente

eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de

compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso

que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas

para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e

sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc

Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos

dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees

radicais sobre o sufragismo ao conformismo

Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais

sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute

afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo

questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias

(SILVA 2011 p 34)

Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre

esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos

limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo

ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o

ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja

local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo

de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a

ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria

Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo

de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo

status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a

vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves

mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que

Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no

seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de

35

Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de

conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia

Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo

de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto

fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem

impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)

Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as

instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o

assunto da seguinte forma

O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como

restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no

pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com

autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November

11 2000 p2)29

Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista

a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo

Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe

claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo

de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes

Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um

lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo

zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)

A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na

Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de

21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo

sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais

O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de

20 a 24 de janeiro de 1995

29

Traduccedilatildeo livre

36

Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo

Luiacutes - MA 1995 p 512

O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela

uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que

participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa

Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas

possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi

resolvida entre os batistas

Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de

ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra

complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra

583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam

desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de

quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso

PERGUNTAS SIM NAtildeO

Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067

Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049

Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320

Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193

Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599

Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583

Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466

Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372

Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290

Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457

37

desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a

Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo

1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista

Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da

lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as

Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios

como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia

Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que

a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como

missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias

especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente

avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz

da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de

Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)

A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas

Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do

que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral

Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave

tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30

e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas

da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem

natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute

presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman

Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz

realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como

pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era

uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2004 p 156)31

Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de

Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender

que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como

missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem

necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica

retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que

intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier

[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio

possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos

e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em

30

Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1

Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre

Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31

Grifo meu

38

afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a

dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio

consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a

insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)

Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco

mais

[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me

consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo

isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje

em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada

era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160

161)32

O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para

entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul

Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul

criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque

pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um

conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher

A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas

nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de

lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em

Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente

nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa

de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa

32

Grifo meu

39

CAPITULO 2

A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS

NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana

Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos

do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil

No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil

e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado

em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional

batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana

Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo

entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta

missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo

Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia

A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo

de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33

tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo

Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas

religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as

representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas

interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo

na ldquocomunidade imaginadardquo34

dos batistas

Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no

ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da

realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35

(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de

sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre

33

Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34

Benedict Anderson (2008 p 39s) 35

No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)

40

batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na

ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais

pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a

presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou

culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os

oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de

mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das

almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar

sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si

pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem

de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam

(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato

Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo

interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem

Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil

Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo

no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo

de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos

do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde

o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil

e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -

comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta

ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa

Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente

proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias

nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a

evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os

Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros

holandeses franceses e suiacuteccedilos

A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de

missionaacuterios colportores36

O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista

36 Vendedores de biacuteblia

41

Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do

Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul

do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)

Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais

(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas

mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e

distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e

fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo

O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo

XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica

de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais

liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do

republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que

fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees

traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios

liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro

estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na

estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de

manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro

todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)

Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos

liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio

circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo

com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora

Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho

que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo

trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias

liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se

um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres

jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento

catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil

42

A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil

Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos

por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do

Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro

Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste

mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de

Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma

igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e

teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996

pp192193)

O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes

sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em

solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua

esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin

(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar

missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu

para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-

combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos

relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck

Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp

330 ndash 336 450 ndash 456)37

Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste

mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira

igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades

brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996

p 194)

Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da

proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram

organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43

delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo

37

As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do

trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)

enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond

43

provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)

(REILY 1984 p 175)

A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois

princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre

estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro

e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a

formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas

missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar

sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas

ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo

de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela

publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas

jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura

religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)

Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que

significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998

pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma

linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de

estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das

praacuteticas religiosas38

e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees

drsquoOJB

Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de

criaccedilatildeo drsquoOJB diz

O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista

especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista

Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando

resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido

doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas

CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)

Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar

representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e

38

Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo

religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde

problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e

exclusotildees de membros da igreja

44

denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo

de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39

Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio

grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos

impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de

formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos

centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais

produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais

grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo

tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p

22-28)

A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil

Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)

uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos

Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores

vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias

colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara

Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos

voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute

estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)

Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado

para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser

pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a

periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das

escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em

cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898

- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees

de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta

39

Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante

na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode

ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e

concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro

texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do

pensamento batista no Brasilrdquo

45

de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo

marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos

dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da

Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo

indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos

seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute

poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da

documentaccedilatildeo40

Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros

missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno

porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil

Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees

ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela

iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41

esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se

dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para

elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as

casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)

Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura

Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor

School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do

fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que

40

O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por

missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo

Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou

conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do

Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)

este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo

Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da

Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees

acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas

ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos

poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das

lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de

1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional

(MACHADO 1994 pp 63-67) 41

A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em

relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir

para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o

general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond

46

a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto

de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)

As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees

teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos

seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo

religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e

fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao

seu projeto educacional

Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por

Pedro Arauacutejo eacute relatado

O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta

com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como

espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para

engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos

preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande

perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute

promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a

nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir

duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma

mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos

membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor

o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja

subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua

mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os

pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)

Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem

educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas

escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos

batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora

pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles

precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na

cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o

que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da

Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se

membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto

para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do

grupo

47

Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos

filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros

motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade

brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns

casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo

religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO

2006 p201s)

Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados

de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos

liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o

Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA

O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e

pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e

ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas

e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais

cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica

mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores

puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do

collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde

o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo

christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande

valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo

christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros

christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud

ARAUacuteJO 2006 p 200)

Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo

quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como

espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo

(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que

levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus

Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um

ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de

Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo

ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo

fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja

existir

Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos

perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de

48

ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa

ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In

TRUETT LOVE 1950 p36)

Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do

compromisso com o que entendem ser sua missatildeo

As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos

hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na

paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e

povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e

recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos

dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)

A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois

propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a

funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a

ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da

educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza

Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de

1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde

O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos

princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo

incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que

adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que

disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo

(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio

para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara

para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um

peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se

consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que

seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este

tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-

284)42

Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive

promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na

caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais

[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram

valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira

repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento

norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como

42

Grifo meu

49

ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os

traccedilos culturais do seu modus vivendi

Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de

evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo

voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo

indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que

equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana

a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior

preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a

documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era

ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da

Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse

na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos

prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a

finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo

porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo

Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees

podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO

Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel

na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais

elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os

serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de

Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova

organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos

principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover

programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra

ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto

evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de

estudantes (LEONARDT 1963 p316)

Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente

ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas

priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades

que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica

pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam

intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e

as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda

regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma

orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas

A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo

deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples

50

deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926

apud MACHADO 1999 p80)

A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte

de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os

ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino

religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio

Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as

diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em

relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as

aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo

delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem

propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a

visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)

O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento

batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente

desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43

Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da

noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa

que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal

discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de

seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente

desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no

tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste

sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio

religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso

conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a

ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta

pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de

uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma

ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do

aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para

aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)

43

Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo

entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia

(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de

censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base

legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre

se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos

Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)

51

Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista

vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma

ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui

ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a

educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo

Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e

educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista

se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44

Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser

relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns

professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam

a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que

supostamente estivessem agindo da mesma forma

Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a

pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o

pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma

instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta

afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves

vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute

claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948

pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes

direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico

tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo

Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento

maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX

tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no

graacutefico em seguida

44

Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em

seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo

Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de

alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola

52

MENDONCcedilA 2008 p52

Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882

porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45

As informaccedilotildees do

graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando

a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na

abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos

batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de

evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios

protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)

Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso

Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o

trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um

45

Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao

serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880

53

planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de

migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil

No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou

esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem

estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)

Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910

sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional

pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do

tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste

liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou

um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento

na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro

(NOGUEIRA 2003 p 48-52)

Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre

outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio

do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram

uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional

em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da

Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado

pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja

Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)

A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram

igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo

Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em

Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob

a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A

Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou

de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos

batistas mato-grossenses

Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia

outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai

este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e

54

seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e

Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim

de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila

batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)

ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)

Igre

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16 10 20 6 4 947

Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso

mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam

estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute

na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em

Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e

autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de

igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o

crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana

Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as

estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e

treinamento de lideranccedilas

Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora

nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos

que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo

ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe

mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou

para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles

conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era

nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou

55

animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo

presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com

a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a

sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil

Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins

aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua

caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria

em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman

aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada

por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito

federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este

disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a

cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo

palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel

Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer

na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que

vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor

Ana Wollerman (37 anos) assim que

chegou ao Brasil em 1947 Acervo

Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica

Batista Ana Wollerman

56

Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto

quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas

malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala

grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me

falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na

minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus

mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria

de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio

de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de

missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a

gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p 147)

Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo

resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de

entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou

publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento

de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)

Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida

pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio

Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava

ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura

fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia

Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas

nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei

elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que

perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas

reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46

Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os

homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47

Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento

algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade

eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa

Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na

ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem

de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo

Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos

homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora

46

Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47

Idem

57

de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da

igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher

missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como

fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de

reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local

Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor

Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo

de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs

com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe

ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)

Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123

58

Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS

Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir

Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute

entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo

na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho

progredisserdquo

Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita

aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele

pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho

progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e

fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo

uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p 148)

Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito

de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do

Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que

tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate

O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade

pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48

mas sim porque desde o

iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas

para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo

ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a

demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este

apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo

ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49

foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena

local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p

120 121)

48

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo

de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio

Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los

diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta

Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a

capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em

18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato

Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em

15122012 49

ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos

fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore

com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)

59

Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai

era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por

Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal

atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma

rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para

encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que

garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)

Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o

pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro

urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo

seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de

religiosidade protestante

Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as

crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute

criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas

Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor

ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)

em volta da mesma mesa para estudar

Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter

condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam

dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e

fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)

As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros

com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na

regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser

atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias

ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)

O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender

este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash

memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na

60

histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50

Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo

numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo

[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E

aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele

tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo

tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia

fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras

porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar

as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam

porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar

carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por

aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo

vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia

pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo

quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO

2012)

Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do

professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais

escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os

cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em

dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173

VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)

50

Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para

esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de

Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai

inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de

pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados

inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT

61

Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51

melhorou o acesso

agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas

ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno

(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas

rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei

Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo

federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento

aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens

abaixo

51

Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram

intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas

escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham

certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram

ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando

o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o

professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo

Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO

2009 p173

62

Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito

Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para

criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde

chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos

depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO

2009 p191)

Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que

principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana

Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que

era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim

de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve

tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes

amigos e outros interessados

Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de

Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto

Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)

63

Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja

Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52

por conta disto em 1943 a igreja enviou o

ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um

ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em

Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de

comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)

proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as

atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar

sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e

foi seu aluno

O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais

ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como

evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma

escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu

tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do

Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos

3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este

iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)

Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua

casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo

evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do

espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim

passarmanifestar sua mensagem religiosa

A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar

assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia

para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para

fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela

organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947

quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia

Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a

Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de

Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia

auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham

52

Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08

64

comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes

resultados por eles esperados

Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para

abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha

fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe

outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens

[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos

crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra

metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem

ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo

de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se

isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo

Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido

Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman

possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade

ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus

saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do

impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner

na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que

desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-

americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados

A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e

outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente

quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem

este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes

passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se

apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida

criativamenterdquo53

por agravequeles que dela se aproximavam

Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de

amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das

primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida

53

Michel de Certeau

65

como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais

famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o

Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana

Wollerman comenta

Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo

direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu

ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai

deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era

madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola

Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente

servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria

inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha

manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou

Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana

Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas

escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E

em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse

Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem

pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido

qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma

vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um

pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de

fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO

2012 p 3)

Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho

da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos

ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor

Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma

congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel

Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo

de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949

Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a

66

famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando

na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia

[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua

filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo

havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que

serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas

de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro

e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a

casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta

casa

A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e

eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo

pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para

sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de

cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de

dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas

mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e

usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um

guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito

simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais

alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p149)

Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o

apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e

aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela

foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito

Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio

Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a

ponto de

Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei

do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude

estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma

lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

152)

No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a

Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola

Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo

o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a

grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes

67

podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo

precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute

com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou

ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce

Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam

eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana

noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora

vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra

professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana

Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou

muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai

[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e

tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas

a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era

alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei

impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia

caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA

2003 p 186)

E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola

Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de

sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas

praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave

leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai

68

CAPITULO 3

ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN

INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES

No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a

estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto

educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos

demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo

poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se

mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as

condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto

histoacuterico e social de Amambai-MS

No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria

de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no

municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o

entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos

estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash

professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana

Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria

A escola que Ana Wollerman criou

Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em

Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito

influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e

ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um

detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo

catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na

famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a

famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma

significativa autoridade abaixo apenas dos pais

69

Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas

famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana

Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher

branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo

No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona

Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar

mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi

visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo

existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o

que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela

tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman

Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar

no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de

dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula

para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e

outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona

Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003

p 149)

O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor

Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de

escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54

mas vai se

estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de

desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana

Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com

divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava

abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este

milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato

da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse

comeccedilado com todo o primaacuterio formado

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas

provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela

foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola

primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano

mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (ERGAS 2012)

54

ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em

estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar

70

O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que

por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto

Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se

tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute

provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo

mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de

Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que

tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou

seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma

ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo

Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas

questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana

Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute

monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que

enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste

caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios

Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

71

Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas

bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o

que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num

grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura

personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de

alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que

ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que

daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o

ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no

Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e

natildeo de Ana Wollerman

Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos

batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo

sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond

que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo

aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e

ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias

palavras tais representaccedilotildees

Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela

primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram

grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum

lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo

sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em

Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas

peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto

mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez

muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

55

Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em

1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute

importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo

eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute

entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta

Poratilde-MS

55

Grifo meu

72

No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as

atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a

Igreja Batista em Amambai56

e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho

(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso

a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman

tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato

Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria

de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e

auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo

o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este

dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao

lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de

Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma

homenagem posterior que a Igreja fez a ela

56

Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela

foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio

Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham

em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de

ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo

ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo

Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde

amambaiense para Ana Wollerman

73

Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo

Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente

a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas

que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista

Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia

Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas

que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto

de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a

incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a

finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas

sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes

que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar

dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os

professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da

escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de

pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos

que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por

intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a

escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso

analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou

com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente

compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido

antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o

afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud

VIDAL 2005 p24)

Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo

como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de

conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as

culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com

seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de

escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da

trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a

criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas

estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns

elementos da cultura da escola como chave de leitura

A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente

municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada

majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo

apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo

Sul de Mato Grosso

74

Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato

Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos

344214 rurais57

Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo

moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que

fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a

Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai

(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro

como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das

dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo

Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas

escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os

ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola

Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de

laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu

pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por

intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela

eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da

Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim

pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)

Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa

necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de

escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que

certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas

proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que

se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais

encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a

fim de poder dar continuidade aos estudos

Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os

que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)

Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros

motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de

estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte

Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu

completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte

57

Fonte IBGE

75

eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana

Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno

Hudson Otantildeo da Rosa

No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa

de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da

cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha

simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos

lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas

emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo

Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se

comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo

ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo

somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com

bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente

Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era

brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo

Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior

progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do

precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa

Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de

progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor

tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia

ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que

ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em

seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas

natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a

cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois

voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu

anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo

tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus

irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para

o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira

dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia

suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas

proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra

esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da

minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande

brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu

povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma

me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus

estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58

O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais

colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis

motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar

58

Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta

pesquisa

76

a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de

representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de

encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como

atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de

forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma

infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e

assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de

trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em

conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o

periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a

partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59

As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da

escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o

Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento

anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar

Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento

do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia

desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico

por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha

que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado

E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da

escola60

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles

trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os

pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute

considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito

prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja

convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se

destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam

distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)

O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da

educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as

decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61

Em sua fala

aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da

escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar

Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os

59

Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60

Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes

documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso

natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61

Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado

77

alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas

alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior

nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de

prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter

satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola

Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento

estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo

nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com

assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de

fechamento do ano de 1951

Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista

nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo

da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se

voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes

despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos

ao fim do curso letivo

Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo

de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com

que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de

ensino

Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo

impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por

muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)

Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais

realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao

trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os

remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente

representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de

algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda

que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que

se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E

neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz

O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto

da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute

como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos

determinados (FARIA FILHO 2008 p81)

A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e

Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser

78

analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a

relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares

para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar

que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se

configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado

mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de

1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do

Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por

diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de

ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos

participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte

Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha

normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc

terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as

meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para

aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)

Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de

intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de

escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo

Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos

diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo

quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc

(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento

estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de

poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto

talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o

estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras

assim ela relembra a experiecircncia

Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um

corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que

tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes

dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas

surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino

Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo

sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda

razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca

da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que

para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo

79

ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que

era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e

mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro

nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62

Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das

autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana

Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no

Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente

limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua

inglesa ao da liacutengua portuguesa

Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado

Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde

quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser

ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da

Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das

pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias

buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia

patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no

Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees

fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo

do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do

Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais

poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS

MULLER 2009)

Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de

Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas

apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula

Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que

prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo

fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que

62 Grifo meu

80

todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os

resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas

Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da

Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana

Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona

Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente

preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional

Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro

fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos

E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da

semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era

hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira

e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa

parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)

Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana

Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era

realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em

posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E

assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova

geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de

suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que

pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela

populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar

81

E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas

atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para

os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes

A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando

agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus

Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a

realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo

em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as

coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se

ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de

missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara

(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63

Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da

tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo

numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo

(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e

Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia

63

Grifo meu

Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo

Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo

042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman

82

entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos

biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio

Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome

do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)

Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas

testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos

confins da terra (At 18)64

Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica

missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho

missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se

apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai

Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos

salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute

no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Compare os vocaacutebulos grifados com

Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso

acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos

(At 247)

E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo

continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz

Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha

salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos

aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o

Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro

dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir

todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p

151)

Compare os vocaacutebulos grifados com

E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo

Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)

Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se

que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora

da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana

Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma

oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta

64

Grifo meu

83

Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria

das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e

alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros

ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo

(WOLLERMAN 2003)

ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO

2012)

ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)

ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e

laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era

infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)

Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu

lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos

protestantes65

sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das

Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66

E nos casos acima os

propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas

praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes

das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em

segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca

um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir

valores eacuteticos morais e religiosos

As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto

significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos

elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de

educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva

cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da

relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo

tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)

Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana

Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute

comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se

deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da

evangelizaccedilatildeo na cidade

65

Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66

Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE

Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo

(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees

Paulinas 2010

84

Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja

de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo

muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E

ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma

escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho

progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)

Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou

uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola

Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus

contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles

tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o

evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar

porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de

algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela

escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)

Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze

anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde

Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-

adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho

missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute

discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e

ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo

85

Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades

evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao

templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o

templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca

de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da

mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes

termos

Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no

Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as

classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria

na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a

histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e

contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67

cantava-se

67

A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram

cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes

Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai

(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

86

hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por

exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho

que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a

muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal

maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar

Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)

Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho

hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees

estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute

apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo

Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os

pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador

Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na

paacutetria celestial Perto do Salvador

Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos

chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador

Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar

no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador

Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o

amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68

Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor

evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes

batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre

consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante

profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69

Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman

tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para

ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo

Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a

primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo

68

Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de

Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio

G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo

Paulo ndash Edusp 2008 69

Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma

ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e

parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo

de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando

crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos

como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando

atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de

decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo

87

aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e

muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que

fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela

eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a

estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os

hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)

Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para

cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a

doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de

estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes

visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente

com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para

tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas

Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva

Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido

discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de

suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os

conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados

anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca

de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana

Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a

partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia

se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras

Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que

aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito

dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o

ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito

bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de

algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem

lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho

que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com

bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu

aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)

Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos

ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas

ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo

Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam

recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou

88

muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana

Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em

laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais

representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas

tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai

Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras

povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o

evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns

irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens

mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem

estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas

Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do

evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)

Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava

recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu

sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que

por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70

Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana

Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde

ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71

que queria tiraacute-lo da escola

porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar

para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar

na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens

de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para

Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao

falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da

escola participante do ldquosucessordquo deles

Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs

certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do

70

O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos

fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o

atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas

visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo

entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )

71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um

dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai

89

banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e

doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco

(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene

Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja

Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque

Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai

inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai

para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB

foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA

2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta

parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com

Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se

aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)

A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento

interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem

interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas

que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato

estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava

sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e

muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele

apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da

Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a

ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino

foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute

advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente

morava todos na mesma casa (LIMA 2012)

No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que

Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees

A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu

alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor

Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores

advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as

mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel

90

Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma

toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem

deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por

que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer

coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs

O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um

produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco

mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer

prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)

Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo

em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da

sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da

Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos

para preparar a merenda escolar

Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola

ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos

alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no

primeiro segundo ano (LIMA 2012)

Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela

pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a

ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade

Teoloacutegica Batista Ana Wollerman

Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn

Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo

do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72

e eu achei

que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do

Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se

passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus

Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn

Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles

eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam

recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu

usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil

doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)

Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que

a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil

pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi

integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai

Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana

Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo

72

Grifo nosso

91

pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman

tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e

segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por

uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)

Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca

que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado

por Ana Wollerman aos alunos e alunas

Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer

visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era

sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na

parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra

sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto

Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando

ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)

Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus

hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo

que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A

interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades

devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham

momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio

batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua

autoridade como ldquoautoritarismordquo

Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel

Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um

homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre

criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa

que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa

assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)

Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se

mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia

tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava

perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava

Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de

todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito

dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta

que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)

Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se

perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta

92

fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se

natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas

as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta

natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um

exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo

indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de

comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com

comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos

mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)

Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da

relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz

E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou

me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes

soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que

Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me

respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)

Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a

temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva

tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as

missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo

Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de

conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem

E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem

como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e

marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se

mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso

com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas

conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA

2011 p 35)

Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de

pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa

condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia

financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de

algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil

93

Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num

alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com

os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela

Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas

relata

Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim

qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer

achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa

muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a

vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)

A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman

era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e

coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social

De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil

Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria

missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta

parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira

(2003)

Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu

trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense

Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias

convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a

importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja

(NOGUEIRA 2003 p91)

Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da

Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil

(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e

agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e

distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada

jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da

Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava

financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras

94

A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob

os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em

condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com

ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de

poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana

Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi

indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em

Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da

referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens

Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande

exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista

Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma

nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de

Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava

progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)

E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar

como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)

filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis

ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e

concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato

Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e

passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai

(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)

Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se

uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque

segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o

exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam

bem colocados

Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o

filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na

eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda

no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc

tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um

exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como

quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa

mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era

ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora

95

aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da

credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado

(SOBRINHO 2012)

Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais

e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas

profissionais

Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional

que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram

palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras

por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais

ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras

profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A

escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de

produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse

sentido (SOBRINHO 2012)

Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou

em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio

onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da

Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi

embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais

exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das

atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e

demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum

soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de

60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana

Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha

fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo

encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola

Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco

rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem

continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia

se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando

assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho

Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas

as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de

96

Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas

um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)

Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo

e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval

Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do

Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em

Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e

seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003

p105)

Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades

vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das

Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras

(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)

Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu

estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para

eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para

serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p177)

Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara

Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia

rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana

que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a

auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os

filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para

construccedilatildeo da escola e da Igreja

Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste

lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns

terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num

outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a

Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir

laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da

cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos

ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de

boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo

de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles

troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo

com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja

Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos

e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de

tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN

In NOGUEIRA 2003 p156)

97

Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as

pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder

em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma

experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola

e passavam o dia inteiro nela

A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da

cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os

pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e

ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar

pois era distante (ERGAS 2012)

E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a

missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando

mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e

evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)

Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em

Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se

concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato

Grosso

Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do

Mato Grosso73

para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste

iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul

Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para

o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que

Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis

ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)

Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos

Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de

treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In

NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em

Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem

as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto

passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-

se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)

73

Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso

98

Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez

algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos

anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e

sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi

transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de

estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a

Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98

anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes

estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny

Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na

continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um

poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)

Whether I live for many days

O if they should be few

I will not cling to earthly ways

But gladly go where all is new

Jesus surely knows my name

Has prepared a place for me

Where forever I shall remain

And his Lovely Face IrsquoII see

How can I fear the great unknown

When Jesus stands and wits for me

Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity

Se eu viver muitos dias

Ou se eles forem poucos

Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas

Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo

Jesus seguramente conhece meu nome

Tem preparado um lugar para mim

Onde para sempre vou permanecer

E sua amada face contemplarei

Como eu posso temer o grande desconhecido

Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim

Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial

E entatildeo entender o que eacute a eternidade

99

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito

estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo

ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado

iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na

contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura

sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de

Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute

com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo

Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo

historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os

mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste

sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa

ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como

noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e

prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver

Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo

estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar

leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o

tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo

digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida

Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo

que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e

ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo

E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da

Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os

encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute

preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA

Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as

dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de

crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus

100

ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo

constroacutei de si

Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma

seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria

aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o

fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias

calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um

sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio

O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia

missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do

seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como

jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo

de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano

pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a

criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e

sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo

Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila

ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio

Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes

missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram

representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a

accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste

ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-

determinaccedilatildeo divina

No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu

frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo

por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa

configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava

contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada

Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar

pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia

interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No

101

protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a

vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana

Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para

sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de

exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de

ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio

teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um

ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse

sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo

A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da

educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo

social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas

feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no

Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo

na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo

Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns

pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser

relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora

da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria

sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que

assediava os alunos diariamente

Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo

vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos

batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da

Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta

Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o

Brasil

Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento

fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um

conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que

acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem

mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana

102

na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de

atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que

Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar

ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional

Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista

tiveram sua participaccedilatildeo direta

Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram

analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a

figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais

quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas

Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense

porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores

longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas

praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar

inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no

pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato

com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres

Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas

atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo

estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e

com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho

evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares

Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja

Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre

mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o

presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de

muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta

trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo

que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo

analisadas por outras pesquisas

103

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da Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 179 - 185

SARAT Magda SANTOS Reinaldo Histoacuteria Oral como fonte Apontamentos

metodoloacutegicos e teacutecnicos da pesquisa In COSTA MELO FABIANO Fontes e Meacutetodos

em histoacuteria da Educaccedilatildeo Dourados MS UFGD 2010

SANTOS Ademir Valdir MULLER Helena Isabel Nacionalismo e Cultura Escolar no

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Educaccedilatildeo Ano nordm02 julho-dez 2009 ISSN 1082-7806 Disponiacutevel em

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Cultura e Religiatildeo Ano 12 ndeg 16 2008 Satildeo Bernardo do Campo UMESP

_________ Missionaacuterias protestantes americanas (1870 - 1920) Gecircnero Cultura Histoacuteria

Revista brasileira de histoacuteria das religiotildees ndash ANPUH Ano III n 9 Jan 2011 ISSN

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SILVA Ivanilson Bezerra A Cidade a Igreja e a Escola Relaccedilotildees de Poder entre

Maccedilons e Presbiterianos em Sorocaba na segunda metade do seacuteculo XIX Dissertaccedilatildeo

(Mestrado em Educaccedilatildeo) Satildeo Paulo USP 2010

SILVA Ademar Alves A Presenccedila da Igreja Batista no contexto do desenvolvimento da

cidade de Trecircs Lagoas-MT (1920-1940) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) Dourados-MS

UFGD 2009

SILVA Ricardo Souza da Mato Grosso do Sul Labirintos da Memoacuteria Dissertaccedilatildeo

(Mestrado em Histoacuteria) Dourados-MS UFGD 2006

SOBRINHO Almiro Pinto Entrevista com Almiro P Sobrinho [03 mai 2011]

Entrevistador Maacutercio J O Rocha Amambai ndash MS 2012

___________ Amambai memoacuteria e histoacuteria da nossa gente Satildeo Carlos-SP Pedro amp Joatildeo

Editores 2009

_________ In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008

Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema

Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 30-34)

__________ Histoacuteria dos Batistas em Amambai Amambai-MS Graacutefica ldquoA Gazetardquo 2005

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

108

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

SOUZA Manoel Avelino de Sermotildees do puacutelpito batista Rio de Janeiro Casa Publicadora

Batista 1936

SOURTH CONVENCION BAPTIST ndash SCB Resolution On Divorce Disponiacutevel em

httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012

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em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012

TAMAYO Juan Joseacute Fundamentalismos y diaacutelogo entre religiones Madrid Trotta 2004

THOMPSON P A voz do passado ndash Histoacuteria Oral 2 ediccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1998

TRAPP Carlos Osmar Evangeacutelicos em Campo Grande Origens e Desenvolvimento

Campo Grande-MS AEVB Prefeitura Municipal de Campo Grande 1999

_______Urbieta amp Sherwood Pioneiros na obra de evangelizaccedilatildeo em terras mato-

grossenses Ediccedilatildeo Comemorativa em homenagem ao primeiro Centenaacuterio Batista em Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul 1911-2011 Campo Grande-MS Graacutefica e Editora Brasiacutelia

Ltda 2011

VIEIRA David Gueiros O Protestantismo a Maccedilonaria e a Questatildeo religiosa no Brasil

2ed Brasilia Editora UnB 1999

VIEIRA Nery In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008

Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema

Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 42-44)

VEIGA Cyntia G FONSECA Thais Nivia de Lima (org) Histoacuteria e Historiografia da

Educaccedilatildeo no Brasil Belo Horizonte - MG editora Autecircntica 2008

WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo Satildeo Paulo Editora Martin

Claret 2005

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa

Publicadora Batista 1950

109

ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo

referenciado

As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua

pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento

autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas

entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira

WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA

Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para

historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da

Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170

SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood

David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise

Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo

do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196

ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e

respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae

Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo

Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191

110

ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas

Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria

Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi

missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de

escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas

Entrevista

Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber

conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman

Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes

de vir para o Brasil

Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram

alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E

laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha

se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a

famiacutelia de trecircs filhos

Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham

conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha

lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila

Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio

Entrevistador Ainda quando crianccedila

Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em

oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau

preparaccedilatildeo para o segundo grau

Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja

Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram

pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz

que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio

111

primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas

eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus

ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava

trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi

para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do

valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos

arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador

daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth

Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela

Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio

das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu

Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio

Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que

foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo

conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial

Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre

isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman

Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute

com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram

a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente

Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos

estudos no EUA

Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu

nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia

de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu

sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar

Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete

vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava

aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas

igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do

Brasil e ela interpretava

112

Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo

XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e

insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente

no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado

alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava

Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites

das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana

Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca

Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir

para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute

reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem

positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes

do Brasil

Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta

pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita

pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto

ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou

Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem

nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca

comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse

em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que

houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em

falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo

Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa

conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A

senhora poderia falar sobre isso

Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher

sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como

que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era

professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para

viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam

mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula

113

O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para

Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e

remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens

Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito

ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona

Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta

mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro

Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai

Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis

homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns

cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a

era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a

Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o

agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de

escola nada

Sobre o objetivo da Escola

Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os

dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash

2129)

Iniacutecio da Escola

Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz

de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela

havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute

tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do

iniacutecio (3003 ndash 3042)

Onde moravam os alunos

Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas

Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar

naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no

comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais

114

estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute

conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)

Escola oferecia almoccedilomerenda escolar

Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo

Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas

crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo

estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais

contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)

A escola cobrava um valor por crianccedila

Entrevistador A escola era mantida por quem

Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola

porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o

ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)

Professoras

Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego

quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era

uma das professoras

Entrevistador Em principio ela era professora sozinha

Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute

Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas

Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute

tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam

foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)

A Escola

Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo

Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de

nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes

Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute

115

estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -

3451)

Conteuacutedo escolar

Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola

Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja

onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo

nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino

Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra

crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)

As crianccedilas

Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola

Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de

nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz

Entrevistador Soacute de ouvir falar

Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo

tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila

(3643 ndash 3721)

Curriacuteculo da escola

Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo

era ensinado

Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e

pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem

lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta

Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas

que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma

professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias

Entrevistador Como as famiacutelias viam isto

116

Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra

dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos

muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash

3957)

Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos

Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas

Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes

iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente

andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)

Importacircncia da Igreja para cidade

Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade

Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se

tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita

dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)

Doaccedilotildees que AW fez

Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos

que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito

discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de

Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia

ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se

interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu

estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a

senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o

obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns

cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)

Uma escola para cada Igreja

Entrevistador

A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas

Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa

Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e

117

era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que

atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e

Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram

menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)

Cotidiano da escola

Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila

12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash

todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas

entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam

Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia

Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um

discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos

ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash

5626)

118

ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho

Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de

Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor

memorialista da cidade

Entrevista

Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com

alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas

ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a

estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista

Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou

menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele

atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o

salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio

Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3

alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi

embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui

organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18

de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe

que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o

aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos

iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola

praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo

ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver

quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se

comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando

porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha

aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista

Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma

novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas

dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola

batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes

119

Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um

programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o

quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas

particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu

sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as

escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam

utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha

que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar

por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar

um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando

vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia

pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu

fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia

nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles

chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles

usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra

turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano

laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu

sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia

o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas

coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei

ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo

mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais

Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor

jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias

Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana

que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela

tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito

importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a

gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia

desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc

projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas

tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola

120

No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa

com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela

mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte

ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em

fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino

agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte

ciacutevica tambeacutem bem colocada

Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em

Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo

cristatildersquo

Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a

semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma

leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola

dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso

que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde

Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a

histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade

Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo

pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola

Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado

ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra

vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era

uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a

escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no

quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam

daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de

admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do

ensino que era bem feito bem ministrado

Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar

Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles

falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas

eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo

121

escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem

estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que

tinha na eacutepoca

Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola

Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia

muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo

pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o

aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro

todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto

entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que

o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu

isso

Entrevistador Qual o valor cobrado

Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se

pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem

diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do

tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava

menos que uma latinha

Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje

salaacuterio uma diaacuteria

Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela

eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor

Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria

Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam

a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do

medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino

superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um

carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do

carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros

alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido

122

Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que

deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta

como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino

oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50

cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre

as escolas e essas ajudas

Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na

chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na

cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava

envolvido

Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o

Catolicismo por exemplo

Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui

na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D

Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre

Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre

vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia

Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao

Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto

falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o

motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que

aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse

Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha

aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia

assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas

coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de

uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem

Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o

senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma

relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no

ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar

123

Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era

uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os

professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite

existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito

draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da

escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por

exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou

fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio

do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se

formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde

tambeacutem

Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem

Colaborador Natildeo tinha professores

Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados

Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma

sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na

igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um

lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no

recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem

aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio

das meninas todo mundo ficava tirando sarro

Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem

Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas

Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos

alguns eram meio danados

Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual

Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que

estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com

bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem

comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era

feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava

124

os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo

outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as

matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que

aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de

fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica

Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na

EBD

Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de

Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era

distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia

juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando

elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas

bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas

Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja

Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha

filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por

exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A

grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo

tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar

Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles

usavam eles recebiam uma ajuda da escola

Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno

laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever

qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do

ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a

serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os

joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles

davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois

Entrevistador Isso sem custo para aluno

Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela

mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era

125

distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito

tempo

Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material

que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo

Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo

126

ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima

Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A

mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e

depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie

Entrevista

Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma

pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo

somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos

conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria

Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que

eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que

agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas

moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave

peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso

Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola

que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo

aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida

Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou

com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao

lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali

Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela

eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me

trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute

falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino

que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro

nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar

e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles

E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute

atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles

127

Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava

com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me

cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute

que eu entrasse no Coleacutegio

Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora

Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles

cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia

mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute

com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um

tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns

anos eles foram embora me parece que pra Jardim

Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute

eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar

com ela uma temporada

Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu

tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali

na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo

Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa

Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a

gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente

era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela

em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua

obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia

todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada

Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos

Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha

noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia

ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo

vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi

ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente

aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava

tambeacutem sobre o culto domeacutestico

128

Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico

Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do

cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita

ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca

dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava

um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a

evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai

tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas

todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas

ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa

Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de

fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende

Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem

preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que

demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo

comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio

ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por

exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito

mas ficavaficava obedecia

Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos

Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos

Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute

E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava

muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu

aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma

passagem da Biacuteblia era assim nossa vida

Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto

responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman

que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela

mostrava sua autoridade

129

Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo

era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito

eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre

trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as

pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade

Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado

mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela

pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela

tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia

que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar

uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe

isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute

estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda

muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando

Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola

Batista ainda

Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda

natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava

comeccedilando jaacute

Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou

professora como foi isto

Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando

ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra

fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem

ali a lecionar ali no primeiro segundo ano

Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos

Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o

quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei

a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca

em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de

Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de

pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A

130

igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma

escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e

assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por

exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A

maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela

nossa Igreja pela Igreja Batista

Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana

Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo

Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde

foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a

gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros

permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei

Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter

ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro

Entrevistador Porque a senhora acha que errou

Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido

hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a

gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei

a decisatildeo

Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo

queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar

estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55

[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu

nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com

eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na

mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute

crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou

bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta

talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais

resolverem que eu podia ficar mais

Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a

gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com

131

dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa

onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da

casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca

Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente

jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash

Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria

o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito

bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo

trabalhando

Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de

Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e

alunos

Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute

que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas

que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da

Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo

Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra

cidade pra continuar os estudos sair dali preparado

O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as

pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees

e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele

presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E

sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi

ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem

era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca

ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes

dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar

Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser

o mesmo lugar a mesma coisa

Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem

ela

132

Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham

na escola

Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia

Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra

Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela

usava

Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim

Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de

fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria

Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola

Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em

Rincatildeo de Julho

Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta

falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela

eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali

Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia

possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria

para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto

para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute

com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E

ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim

Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que

funcionava isto dentro da escola

Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o

Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional

Entrevistador Como que era a devocional

Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela

Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da

Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se

corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens

Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem

133

usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316

ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava

aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as

classes Cada uma para sua classe

Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo

Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola

biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de

Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos

caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada

Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram

convertidos

Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A

gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor

Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o

ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo

a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um

rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na

Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro

da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O

Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente

e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus

viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a

Biacuteblia mesmo fala

Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman

mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora

chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um

trabalho de evangelizaccedilatildeo

Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era

quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para

fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos

e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era

muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair

134

visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que

foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco

As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que

trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem

que veio e fazia este trabalho

Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que

fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela

Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa

trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira

de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita

gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum

lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe

aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que

muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo

existe Eu aprendi muita coisa muita coisa

Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a

senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder

em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto

Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com

muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma

diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca

Era muito gratificante era muito bom

Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria

Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a

histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha

facilidade de aprender as datas decorar datas

Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas

partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais

Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil

Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga

Colaboradora Assim como o senhor fala

135

Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente

ensinavam a partir da Biacuteblia

Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o

primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que

Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar

Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula

Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam

pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa

que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o

objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo

deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo

uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno

Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem

ajudavam na escola biacuteblia no templo

Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora

formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu

conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam

aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo

envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha

cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque

o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este

era a coisa principal da Dona Ana

Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas

Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela

ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana

Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se

fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu

Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele

jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das

Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela

era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando

136

terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute

tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona

Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona

Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute

Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou

pouco tempo

Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro

Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana

Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute

nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor

Valdir

Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas

Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura

machista ainda eacute muito forte

Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque

tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem

uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas

eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute

que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha

Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA

Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita

preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha

muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava

cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o

momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia

dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela

Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil

ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca

Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que

eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que

uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora

137

Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade

de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do

Sul

Colaboradora Eu que agradeccedilo

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