MINISTEacuteRIO DA EDUCACcedilAtildeO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
FACULDADE DE EDUCACcedilAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO
MAacuteRCIO JOSEacute DE OLVEIRA ROCHA
ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM
AMAMBAI-MS (1947-1954)
DOURADOS
2013
MAacuteRCIO JOSEacute DE OLIVEIRA ROCHA
ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM
AMAMBAI-MS (1947-1954)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade
Federal da Grande Dourados para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Educaccedilatildeo na aacuterea Histoacuteria Poliacuteticas e Gestatildeo
da Educaccedilatildeo
Orientadora Profordf Dra Magda Sarat
DOURADOS
2013
Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
370981
R72a
Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira
Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em
Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira
Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013
137 f
Orientadora Profa Dra Magda Sarat
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade
Federal da Grande Dourados
1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -
Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I
Wollerman Ana II Tiacutetulo
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Dourados MS2013
BANCA EXAMINADORA
1ordm Examinadora (Presidente)
Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
2ordm Examinadora
Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal
Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________
3ordm Examinadora
Profordm Drordm Ademir Gebara
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Suplente
Profordm Drordm Reinaldo dos Santos
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Dedicatoacuteria
A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas
Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha
Em especial a Nair minha companheira que amo com
profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas
ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa
AGRADECIMENTOS
A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na
face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso
com a Vida e com o Proacuteximo
A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-
doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos
percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em
alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador
A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir
participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense
Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr
Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da
pesquisa
A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de
Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos
maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos
A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche
do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas
reflexotildees sobre minha pesquisa
A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos
no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo
Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na
continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou
sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista
e educadora Martha Watts
A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e
da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees
ortograacuteficas do trabalho final
Aos entrevistados
Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para
educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana
Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e
Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr
Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a
histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o
terceiro com sua participaccedilatildeo
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo
Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada
ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados
Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA
1993 Rom 10 13-15)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora
Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que
ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para
outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo
treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e
memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de
evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e
sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu
perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a
metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para
analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e
degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para
produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana
Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos
Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico
de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o
indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias
utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau
para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de
representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em
cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos
mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana
Wollerman no Brasil
Palavras Chaves
Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo
ABSTRACT
The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator
Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period
that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving
on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the
training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of
familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization
for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its
importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations
of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for
the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical
operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman
produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History
for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were
involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural
History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural
practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted
representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the
autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the
bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana
Wollerman in Brazil
Key words
Ana Wollerman History of Education Protestantism
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 01
CAPIacuteTULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08
Formaccedilatildeo familiar e escolar 13
Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25
O lugar da mulher no pensamento batista 30
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO
PROJETO DE ANA WOLLERMAN
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS
PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
A escola que Ana Wollerman criou 68
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os
ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-
mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu
interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos
anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute
socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou
provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo
Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)
ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo
tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-
grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem
tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser
analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava
uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem
Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca
(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de
cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual
natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo
tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como
pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e
especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma
contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do
Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas
de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo
Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma
Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo
protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a
1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a
pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica
(PROCAD)
2
formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o
desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento
analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da
educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que
levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do
metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional
acima referido
Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no
Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia
Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um
estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas
no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica
brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo
ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da
educaccedilatildeo protestante
Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por
exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de
civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa
as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-
americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a
1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A
obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de
fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo
presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em
conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um
papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria
Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que
seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma
nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos
missionaacuterios no Brasil
Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade
a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do
seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e
3
desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social
entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre
catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional
que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons
Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de
afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a
educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas
diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos
protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo
dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a
investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria
servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos
protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas
escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas
viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles
do que pelos demais grupos protestantes
Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica
voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo
em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a
formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio
de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando
as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e
dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se
encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este
trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de
mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado
a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier
Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil
que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista
(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a
2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do
projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente
4
Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar
a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no
periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela
partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde
conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu
casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico
material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e
natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo
defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra
do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de
seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no
Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do
coleacutegio
O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo
batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de
praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo
do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura
escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto
educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute
Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade
Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA
contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise
complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando
praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da
participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo
batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa
perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo
ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites
da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas
escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas
Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash
1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e
5
sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor
analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-
alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da
Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do
coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo
direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos
para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral
E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema
de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta
poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia
muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez
pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul
O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de
missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia
as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual
razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana
Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo
atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos
depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia
independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica
missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo
A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de
anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o
periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash
para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio
Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados
da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo
No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de
formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico
quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre
6
sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia
escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste
capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir
da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva
(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a
memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das
necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre
passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o
lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a
especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na
segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta
cidade
O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no
Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai
(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura
da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria
socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas
da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo
Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as
praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-
se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se
que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-
noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o
individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de
convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees
de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo
destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)
No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana
Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e
7
educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo
especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza
A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos
seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes
utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo
da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a
professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e
continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo
Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e
Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O
tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador
na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a
ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das
materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por
meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica
dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente
concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por
ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado
a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento
8
CAPITULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA
FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA
Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas
missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como
essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute
analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-
educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas
como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece
o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil
Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo
A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana
Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de
Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da
centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente
(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave
medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente
(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema
encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o
processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo
gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de
um(a) missionaacuterio(a) batista
Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo
sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em
seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA
3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem
gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute
que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los
literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa
9
Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o
irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus
porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo
vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4
Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se
reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que
documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime
o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE
GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana
Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado
segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)
Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim
como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana
Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a
colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria
de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi
quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos
anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave
1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse
consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo
batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil
(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA
Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois
diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em
com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu
tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como
diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara
municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo
douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita
Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando
numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de
4 Grifo meu
5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de
alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs
elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em
virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees
especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com
relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)
10
distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria
por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo
meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)
O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso
ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um
ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um
discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado
em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar
ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo
reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso
ideoloacutegico serve
Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da
figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de
suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como
estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994
p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que
compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual
nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia
social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder
Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute
limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo
religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e
com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades
- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica
Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas
do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo
7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs
funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste
sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo
por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de
deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme
os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido
ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma
ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo
oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal
assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na
formaccedilatildeo do pensamento batista
11
Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem
estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)
portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja
reconhecido como cientiacutefico
- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo
batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do
Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos
As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou
funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos
homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional
status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo
dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp
5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que
os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima
uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)
Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros
nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos
contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos
conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria
(Halbwachs Pollack)
Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas
socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na
relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna
inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de
ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja
ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade
criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis
ela conceitua
Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio
imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo
Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico
porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira
(PESAVENTO 2004 p4445)
12
Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque
eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo
religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria
ldquoenviada por Deusrdquo
Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a
memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos
pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu
falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos
indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees
coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias
pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque
se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem
ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo
Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees
fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta
pesquisa
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele
saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a
chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles
eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a
famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se
chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos
eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee
nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna
Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes
mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e
Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim
meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo
para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de
ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele
foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema
com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu
Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para
estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi
ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p 140)
Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu
nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto
Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo
13
concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas
lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas
lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da
estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman
com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo
para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo
soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas
Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)
que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de
referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo
presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as
lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre
verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de
referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da
colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem
se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para
aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e
outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na
histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda
psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os
registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)
Formaccedilatildeo familiar e escolar
Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por
Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff
- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille
Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de
Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da
comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil
ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff
experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos
14
principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos
fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio
Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a
cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para
quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e
portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo
(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata
[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de
estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito
bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000
mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de
vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas
todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas
de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e
muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos
meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)
Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das
informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este
tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA
No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata
A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute
terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis
anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de
dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze
anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles
anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me
lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de
sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a
atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela
fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas
o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana
Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou
mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse
influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola
eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou
paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram
originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria
15
no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de
ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria
missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando
questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU
2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de
ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm
interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a
narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua
trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute
descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios
Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho
10
Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria
o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se
caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de
formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos
9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012
10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem
perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-
metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na
mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do
seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em
httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012
Ao fundo os pais da Ana
Wollerman Sr August
Wollerman e Sra Minna
Wollerman Em primeiro
plano da esquerda para direita
Ana e seus irmatildeos Edwin e
Mildred - Acervo Biblioteca
Faculdade Teoloacutegica Batista
Ana Wollerman
16
Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas
devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo
apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e
reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social
Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e
doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos
meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles
nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal
organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se
ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das
ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e
outros paiacuteses11
Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de
evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio
ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176)
Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana
Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos
personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo
reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento
Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei
muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me
lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo
creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava
voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades
sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)
O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede
interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para
construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori
foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto
marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de
vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil
11
Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de
Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)
17
Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo
do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao
menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os
primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)
Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria
se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute
desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que
ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a
este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente
consagradardquo12
Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece
muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo
queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco
deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha
assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha
vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada
realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)
Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na
universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando
da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para
os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez
com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um
escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se
afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos
negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 141)
Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se
refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que
temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o
porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo
sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira
encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste
12
O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente
bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um
processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como
oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo
se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso
18
sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo
menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela
Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico
de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi
possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o
missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de
igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil
Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins
Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte
americano Bill Sherwood diz
[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e
entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela
tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu
sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados
[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do
que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da
entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os
missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no
Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua
fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em
Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda
guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD
Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de
Ana Wollerman
[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer
De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a
Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o
jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo
porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um
salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho
que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito
satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez
(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e
voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se
deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-
nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que
19
tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento
da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao
assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins
interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood
Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma
perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a
nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood
[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de
Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui
nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o
segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser
com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir
a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da
minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo
deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p
142 p 147)
Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A
questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)
desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas
Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas
representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se
criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13
Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez
para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de
referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14
Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive
encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser
nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas
tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou
deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)
Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil
possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada
pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste
13
Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
20
missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15
ele teve dificuldades em
aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o
questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood
ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por
ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento
satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o
exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se
configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar
aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de
machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude
do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU
1998 pp 91s)16
Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria
Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e
identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido
um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo
autobiograacuteficardquo
- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo
inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria
histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas
mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos
religiosos e lideranccedilas sociais
- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e
psicologicamente
- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um
sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste
autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que
ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos
15
Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16
Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia
tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as
taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo
consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio
proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc
21
outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade
admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos
valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)
Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois
Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida
Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de
legitimar seu projeto missionaacuterio
Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi
perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da
minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido
em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela
noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja
farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo
que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer
isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois
para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)
A experiecircncia religiosa17
eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano
ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da
situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na
escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto
nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas
quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade
de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda
mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA
Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia
religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para
o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que
paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo
participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta
dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio
que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua
17
Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do
protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no
humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida
(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que
levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma
religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo
ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)
22
vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do
que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp
15s)
A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel
em Artes da Ouachita Baptist College18
em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos
de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo
Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas
teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que
queria ser missionaacuteria em outro paiacutes
Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo
que cursou Bacharel em Artes
[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19
graccedilas ao meu Pai
[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o
que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei
sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria
Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem
desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o
desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares
pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando
Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser
realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar
de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser
salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de
trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma
missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)
Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20
possivelmente seu interesse de vir para
o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e
18
Hoje Ouachita Baptist University
19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra
para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de
graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com
Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em
httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira
expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser
encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS
quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte
biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo
20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde
amambaense para Ana Wollerman
23
Anna Luther Bagby21
(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve
relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na
Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os
missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o
trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo
somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio
Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff
onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite
do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para
trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi
homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos
21
Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o
trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo
Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no
Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da
Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
24
serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas
instituiccedilotildees e ao seu paiacutes
Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do
protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman
sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato
autobiograacutefico
Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na
universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e
para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma
dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos
papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim
coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu
posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que
eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como
professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo
ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
176)
A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos
biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins
de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico
pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio
de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico
para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas
especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo
em sua formaccedilatildeo
Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de
Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou
um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades
religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter
missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou
com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que
trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua
famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a
ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi
aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua
decisatildeo
25
Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a
nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22
tens que abrir a porta [] eu andei umas horas
depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele
perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele
disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse
como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei
Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)
abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma
mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 pp 142 143)
Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado
brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans
Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e
chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
145146)
Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana
Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi
fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte
Contexto de formaccedilatildeo religiosa
O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por
um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua
vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana
Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e
queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais
eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os
valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []
ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []
Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha
famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando
muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja
aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23
Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o
iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na
22
Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23
Grifo meu
26
origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua
fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e
pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre
a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo
para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores
transmitidos pelos seus pais
Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja
mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos
bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do
aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo
estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman
A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente
em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda
fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres
sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram
por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las
aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em
meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do
pensamento batista
O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias
interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do
mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as
praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia
tomista24
eclesiologia hieraacuterquica25
intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos
24
Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)
25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave
condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado
canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como
estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do
impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o
constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima
dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro
estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio
social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o
estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo
(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)
27
sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a
sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos
bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical
entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios
de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber
(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo
No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do
anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em
Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura
somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se
outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a
mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo
Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu
falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas
eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu
quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na
parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei
mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais
tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os
olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como
Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes
ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148
149)
Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana
Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas
e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo
porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu
trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles
eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)
Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre
calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os
calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de
Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo
28
em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a
humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus
eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade
depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de
construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a
salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute
Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo
retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26
Em
siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a
responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da
graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo
Weber
Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta
inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus
interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da
consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de
conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o
presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que
seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por
considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)
Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo
inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel
perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-
moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso
missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da
salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado
numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio
Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de
uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando
26
As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a
Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados
de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma
congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de
ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido
comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos
via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo
resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO
1996 pp 84s)
29
a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior
envolvimento com a comunidade religiosa
Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos
trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para
Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus
Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder
assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)
O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era
irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por
ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a
Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela
meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja
Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas
participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista
mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a
legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja
local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo
Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi
formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores
do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a
ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo
A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e
o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras
naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul
era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando
a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros
paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997
p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern
Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um
rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e
culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o
norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a
se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na
cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para
30
o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria
mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no
Brasil
Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento
fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave
modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia
europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia
buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto
de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e
outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute
cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por
conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas
criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como
presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios
teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos
textos biacuteblicos27
O lugar da mulher no pensamento batista
As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em
um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina
Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana
Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da
pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo
27
Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram
1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos
seus autores
2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave
argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e
ldquoCristo da feacuterdquo
3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da
humanidade para livraacute-la de seus pecados
4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando
que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja
no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais
5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que
eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)
31
Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher
na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de
vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de
mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja
ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)
1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como
um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e
ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem
poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28
2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do
lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo
Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento
batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar
as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao
homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para
o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo
divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da
ldquoordem socialrdquo
Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo
de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber
de que forma a mulher eacute representada
A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a
essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher
governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha
para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor
gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos
guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da
mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser
jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB
1954 p 5)
Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo
e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da
existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista
28
The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012
32
pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas
mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee
mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver
com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos
sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e
esposa abnegada
Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do
iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar
tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais
mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas
ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por
conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a
experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de
civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado
nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)
Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra
funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a
maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das
mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres
missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das
Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute
1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4
Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas
especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do
trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)
O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo
apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949
(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo
trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da
Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho
missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel
fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras
mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras
atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam
33
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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57
Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de
1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46
Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por
exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma
concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem
diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino
na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que
como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra
uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute
vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana
Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria
executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de
Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense
ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004
p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de
feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo
Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo
tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por
pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood
34
3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres
norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais
as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos
seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de
retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente
eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de
compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso
que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas
para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e
sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc
Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos
dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees
radicais sobre o sufragismo ao conformismo
Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais
sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute
afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo
questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias
(SILVA 2011 p 34)
Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre
esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos
limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo
ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o
ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja
local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo
de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a
ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria
Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo
de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo
status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a
vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves
mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que
Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no
seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de
35
Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de
conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia
Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo
de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto
fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem
impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)
Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as
instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o
assunto da seguinte forma
O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como
restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no
pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com
autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November
11 2000 p2)29
Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista
a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo
Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe
claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo
de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes
Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um
lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo
zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)
A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na
Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de
21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo
sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais
O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de
20 a 24 de janeiro de 1995
29
Traduccedilatildeo livre
36
Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo
Luiacutes - MA 1995 p 512
O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela
uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que
participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa
Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas
possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi
resolvida entre os batistas
Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de
ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra
complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra
583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam
desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de
quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso
PERGUNTAS SIM NAtildeO
Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067
Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049
Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320
Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193
Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599
Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583
Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466
Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372
Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290
Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457
37
desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a
Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo
1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista
Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da
lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as
Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios
como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia
Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que
a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como
missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias
especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente
avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz
da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de
Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)
A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas
Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do
que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral
Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave
tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30
e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas
da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem
natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute
presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman
Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz
realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como
pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era
uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 156)31
Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de
Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender
que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como
missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem
necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica
retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que
intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier
[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio
possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos
e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em
30
Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1
Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre
Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31
Grifo meu
38
afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a
dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio
consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a
insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)
Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco
mais
[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me
consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo
isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje
em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada
era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160
161)32
O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para
entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul
Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul
criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque
pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um
conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher
A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas
nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de
lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em
Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente
nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa
de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa
32
Grifo meu
39
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS
NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana
Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos
do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil
No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil
e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado
em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional
batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo
entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta
missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia
A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo
de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33
tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo
Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas
religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as
representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas
interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo
na ldquocomunidade imaginadardquo34
dos batistas
Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no
ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da
realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35
(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de
sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre
33
Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34
Benedict Anderson (2008 p 39s) 35
No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)
40
batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na
ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais
pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a
presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou
culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os
oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de
mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das
almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar
sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si
pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem
de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam
(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato
Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo
interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil
Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo
no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo
de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos
do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde
o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil
e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -
comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta
ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa
Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente
proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias
nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a
evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os
Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros
holandeses franceses e suiacuteccedilos
A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de
missionaacuterios colportores36
O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista
36 Vendedores de biacuteblia
41
Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do
Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul
do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)
Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais
(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas
mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e
distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e
fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo
O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo
XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica
de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais
liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do
republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que
fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees
traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios
liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro
estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na
estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de
manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro
todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)
Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos
liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio
circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo
com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora
Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho
que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo
trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias
liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se
um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres
jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento
catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil
42
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil
Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos
por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do
Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro
Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste
mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de
Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma
igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e
teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996
pp192193)
O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes
sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em
solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua
esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin
(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar
missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu
para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-
combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos
relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck
Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp
330 ndash 336 450 ndash 456)37
Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste
mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira
igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades
brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996
p 194)
Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da
proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram
organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43
delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo
37
As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do
trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)
enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond
43
provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)
(REILY 1984 p 175)
A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois
princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre
estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro
e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a
formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas
missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar
sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas
ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo
de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela
publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas
jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura
religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)
Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que
significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998
pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma
linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de
estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das
praacuteticas religiosas38
e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees
drsquoOJB
Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de
criaccedilatildeo drsquoOJB diz
O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista
especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista
Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando
resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido
doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas
CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar
representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e
38
Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde
problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e
exclusotildees de membros da igreja
44
denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo
de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39
Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio
grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos
impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de
formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos
centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais
produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais
grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo
tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p
22-28)
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil
Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)
uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos
Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores
vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias
colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara
Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos
voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute
estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)
Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado
para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser
pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a
periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das
escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em
cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898
- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees
de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta
39
Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante
na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode
ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e
concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro
texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do
pensamento batista no Brasilrdquo
45
de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo
marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos
dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da
Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo
indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos
seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute
poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da
documentaccedilatildeo40
Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros
missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno
porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil
Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees
ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela
iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41
esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se
dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para
elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as
casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)
Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura
Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor
School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do
fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que
40
O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por
missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou
conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do
Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)
este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo
Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da
Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees
acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas
ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos
poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das
lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de
1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional
(MACHADO 1994 pp 63-67) 41
A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em
relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir
para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o
general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond
46
a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto
de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)
As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees
teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos
seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo
religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e
fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao
seu projeto educacional
Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por
Pedro Arauacutejo eacute relatado
O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta
com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como
espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para
engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos
preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande
perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute
promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a
nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir
duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma
mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos
membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor
o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja
subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua
mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os
pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)
Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem
educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas
escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos
batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora
pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles
precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na
cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o
que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da
Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se
membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto
para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do
grupo
47
Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos
filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros
motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade
brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns
casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo
religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO
2006 p201s)
Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados
de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos
liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o
Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA
O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e
pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e
ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas
e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais
cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica
mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores
puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do
collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde
o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo
christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande
valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo
christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros
christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud
ARAUacuteJO 2006 p 200)
Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo
quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como
espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo
(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que
levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus
Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um
ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de
Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo
ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo
fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja
existir
Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos
perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de
48
ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa
ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In
TRUETT LOVE 1950 p36)
Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do
compromisso com o que entendem ser sua missatildeo
As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos
hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na
paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e
povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e
recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos
dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)
A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois
propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a
funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a
ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da
educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza
Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de
1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde
O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos
princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo
incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que
adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que
disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo
(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio
para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara
para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um
peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se
consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que
seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este
tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-
284)42
Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive
promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na
caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais
[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram
valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira
repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento
norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como
42
Grifo meu
49
ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os
traccedilos culturais do seu modus vivendi
Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de
evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo
voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo
indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que
equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana
a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior
preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a
documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era
ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da
Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse
na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos
prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a
finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo
porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo
Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees
podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO
Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel
na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais
elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os
serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de
Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova
organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos
principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover
programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra
ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto
evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de
estudantes (LEONARDT 1963 p316)
Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente
ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas
priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades
que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica
pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam
intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e
as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda
regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma
orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas
A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo
deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples
50
deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926
apud MACHADO 1999 p80)
A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte
de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os
ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino
religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio
Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as
diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em
relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as
aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo
delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem
propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a
visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)
O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento
batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente
desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43
Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da
noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa
que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal
discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de
seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente
desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no
tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste
sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio
religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso
conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a
ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta
pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de
uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma
ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do
aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para
aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)
43
Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia
(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de
censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base
legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre
se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos
Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)
51
Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista
vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma
ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui
ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a
educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo
Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e
educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista
se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44
Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser
relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns
professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam
a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que
supostamente estivessem agindo da mesma forma
Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a
pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o
pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma
instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta
afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves
vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute
claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948
pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes
direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico
tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo
Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento
maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX
tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no
graacutefico em seguida
44
Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em
seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo
Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de
alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola
52
MENDONCcedilA 2008 p52
Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882
porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45
As informaccedilotildees do
graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando
a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na
abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos
batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de
evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios
protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso
Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o
trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um
45
Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao
serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880
53
planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de
migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil
No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou
esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem
estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)
Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910
sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional
pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do
tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste
liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou
um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento
na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro
(NOGUEIRA 2003 p 48-52)
Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre
outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio
do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram
uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional
em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da
Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado
pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja
Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)
A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram
igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo
Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em
Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob
a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A
Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou
de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos
batistas mato-grossenses
Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia
outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai
este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e
54
seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e
Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim
de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila
batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)
ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)
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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso
mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam
estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute
na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em
Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e
autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de
igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o
crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana
Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as
estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e
treinamento de lideranccedilas
Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora
nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos
que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo
ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe
mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou
para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles
conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era
nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou
55
animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo
presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com
a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a
sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil
Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins
aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua
caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria
em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman
aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada
por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito
federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este
disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a
cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo
palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel
Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer
na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que
vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor
Ana Wollerman (37 anos) assim que
chegou ao Brasil em 1947 Acervo
Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica
Batista Ana Wollerman
56
Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto
quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas
malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala
grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me
falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na
minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus
mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria
de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio
de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de
missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a
gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p 147)
Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo
resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de
entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou
publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento
de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)
Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida
pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio
Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava
ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura
fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia
Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas
nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei
elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que
perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas
reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46
Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47
Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento
algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade
eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa
Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na
ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem
de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo
Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos
homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora
46
Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47
Idem
57
de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da
igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher
missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como
fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de
reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local
Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor
Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo
de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs
com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe
ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123
58
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS
Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir
Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute
entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo
na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho
progredisserdquo
Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita
aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele
pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho
progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e
fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo
uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p 148)
Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito
de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do
Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que
tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate
O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade
pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48
mas sim porque desde o
iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas
para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo
ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a
demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este
apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo
ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49
foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena
local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p
120 121)
48
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo
de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio
Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los
diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta
Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a
capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em
18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato
Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em
15122012 49
ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos
fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore
com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)
59
Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai
era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por
Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal
atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma
rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para
encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que
garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)
Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o
pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro
urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo
seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de
religiosidade protestante
Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as
crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute
criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas
Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor
ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)
em volta da mesma mesa para estudar
Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter
condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam
dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e
fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)
As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros
com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na
regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser
atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias
ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)
O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender
este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash
memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na
60
histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50
Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo
numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo
[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E
aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele
tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo
tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia
fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras
porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar
as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam
porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar
carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por
aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo
vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia
pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo
quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO
2012)
Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do
professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais
escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os
cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em
dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173
VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)
50
Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para
esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de
Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai
inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de
pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados
inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT
61
Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51
melhorou o acesso
agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas
ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno
(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas
rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei
Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo
federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento
aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens
abaixo
51
Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram
intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas
escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham
certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram
ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando
o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o
professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo
Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO
2009 p173
62
Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito
Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para
criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde
chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos
depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO
2009 p191)
Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que
principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana
Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que
era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim
de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve
tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes
amigos e outros interessados
Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de
Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto
Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)
63
Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja
Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52
por conta disto em 1943 a igreja enviou o
ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um
ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em
Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de
comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)
proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as
atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar
sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e
foi seu aluno
O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais
ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como
evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma
escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu
tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do
Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos
3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este
iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)
Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua
casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo
evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do
espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim
passarmanifestar sua mensagem religiosa
A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar
assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia
para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para
fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela
organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947
quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia
Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a
Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de
Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia
auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham
52
Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08
64
comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes
resultados por eles esperados
Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para
abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha
fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe
outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens
[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos
crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra
metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem
ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo
de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se
isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo
Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido
Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman
possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade
ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus
saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do
impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner
na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que
desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-
americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados
A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e
outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente
quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem
este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes
passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se
apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida
criativamenterdquo53
por agravequeles que dela se aproximavam
Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de
amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das
primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida
53
Michel de Certeau
65
como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais
famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o
Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana
Wollerman comenta
Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo
direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu
ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai
deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era
madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola
Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente
servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria
inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha
manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou
Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana
Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas
escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E
em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse
Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem
pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido
qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma
vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um
pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de
fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO
2012 p 3)
Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho
da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos
ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor
Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma
congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel
Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo
de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949
Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a
66
famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando
na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia
[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua
filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo
havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que
serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas
de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro
e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a
casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta
casa
A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e
eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo
pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para
sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de
cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de
dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas
mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e
usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um
guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito
simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais
alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o
apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e
aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela
foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito
Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio
Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a
ponto de
Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei
do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude
estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma
lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
152)
No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a
Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola
Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo
o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a
grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes
67
podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo
precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute
com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou
ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce
Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam
eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana
noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora
vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra
professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana
Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou
muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai
[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e
tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas
a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era
alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei
impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia
caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA
2003 p 186)
E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola
Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de
sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas
praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave
leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai
68
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN
INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a
estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto
educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos
demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo
poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se
mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as
condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto
histoacuterico e social de Amambai-MS
No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria
de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no
municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o
entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos
estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash
professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana
Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria
A escola que Ana Wollerman criou
Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em
Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito
influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e
ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um
detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo
catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na
famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a
famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma
significativa autoridade abaixo apenas dos pais
69
Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas
famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana
Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher
branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo
No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona
Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar
mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi
visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo
existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o
que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela
tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman
Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar
no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de
dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula
para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e
outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona
Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p 149)
O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor
Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de
escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54
mas vai se
estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de
desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana
Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com
divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava
abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este
milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato
da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse
comeccedilado com todo o primaacuterio formado
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas
provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela
foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola
primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano
mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (ERGAS 2012)
54
ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em
estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar
70
O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que
por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto
Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se
tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute
provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo
mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de
Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que
tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou
seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma
ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo
Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas
questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana
Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute
monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que
enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste
caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios
Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
71
Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas
bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o
que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num
grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura
personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de
alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que
ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que
daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o
ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no
Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e
natildeo de Ana Wollerman
Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos
batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo
sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond
que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo
aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e
ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias
palavras tais representaccedilotildees
Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela
primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram
grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum
lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo
sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em
Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas
peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto
mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez
muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
55
Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em
1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute
importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo
eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute
entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta
Poratilde-MS
55
Grifo meu
72
No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as
atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a
Igreja Batista em Amambai56
e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho
(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso
a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman
tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato
Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria
de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e
auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo
o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este
dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao
lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de
Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma
homenagem posterior que a Igreja fez a ela
56
Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela
foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio
Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham
em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de
ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo
ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo
Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde
amambaiense para Ana Wollerman
73
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo
Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente
a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas
que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista
Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia
Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto
de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a
incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas
sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes
que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar
dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os
professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da
escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de
pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos
que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por
intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a
escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso
analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou
com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente
compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido
antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o
afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud
VIDAL 2005 p24)
Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo
como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de
conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as
culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com
seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de
escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da
trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a
criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas
estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns
elementos da cultura da escola como chave de leitura
A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente
municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada
majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo
apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo
Sul de Mato Grosso
74
Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato
Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos
344214 rurais57
Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo
moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que
fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a
Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai
(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro
como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das
dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo
Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas
escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os
ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola
Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de
laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu
pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por
intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela
eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da
Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim
pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)
Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa
necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de
escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que
certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas
proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que
se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais
encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a
fim de poder dar continuidade aos estudos
Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os
que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)
Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros
motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de
estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte
Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu
completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte
57
Fonte IBGE
75
eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana
Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno
Hudson Otantildeo da Rosa
No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa
de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da
cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha
simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos
lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas
emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo
Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se
comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo
ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo
somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com
bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente
Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era
brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo
Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior
progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do
precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa
Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de
progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor
tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia
ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que
ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em
seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas
natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a
cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois
voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu
anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo
tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus
irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para
o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira
dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia
suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas
proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra
esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da
minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande
brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu
povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma
me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus
estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58
O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais
colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis
motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar
58
Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta
pesquisa
76
a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de
representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de
encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como
atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de
forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma
infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e
assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de
trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em
conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o
periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a
partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59
As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da
escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o
Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento
anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar
Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento
do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia
desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico
por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha
que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado
E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da
escola60
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles
trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os
pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute
considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito
prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja
convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se
destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam
distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)
O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da
educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as
decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61
Em sua fala
aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da
escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar
Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os
59
Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60
Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes
documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso
natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61
Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado
77
alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas
alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior
nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de
prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter
satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola
Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento
estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo
nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com
assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de
fechamento do ano de 1951
Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista
nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo
da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se
voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes
despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos
ao fim do curso letivo
Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo
de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com
que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de
ensino
Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo
impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por
muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)
Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais
realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao
trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os
remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente
representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de
algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda
que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que
se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E
neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz
O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto
da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute
como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos
determinados (FARIA FILHO 2008 p81)
A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e
Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser
78
analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a
relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares
para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar
que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se
configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado
mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de
1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do
Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por
diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de
ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos
participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte
Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha
normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc
terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as
meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para
aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)
Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de
intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de
escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo
Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos
diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo
quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc
(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento
estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de
poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto
talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o
estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras
assim ela relembra a experiecircncia
Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um
corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que
tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes
dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas
surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino
Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo
sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda
razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca
da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que
para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo
79
ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que
era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e
mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro
nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62
Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das
autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana
Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no
Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente
limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua
inglesa ao da liacutengua portuguesa
Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado
Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde
quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser
ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da
Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das
pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias
buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia
patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees
fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo
do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do
Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais
poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS
MULLER 2009)
Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de
Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas
apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula
Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que
prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo
fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que
62 Grifo meu
80
todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os
resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da
Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana
Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona
Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente
preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional
Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro
fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos
E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da
semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era
hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira
e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa
parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)
Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana
Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era
realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em
posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E
assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova
geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de
suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que
pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela
populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar
81
E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas
atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para
os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes
A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando
agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus
Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a
realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo
em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as
coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se
ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de
missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara
(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63
Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da
tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo
numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo
(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e
Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia
63
Grifo meu
Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo
042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman
82
entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos
biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio
Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)
Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos
confins da terra (At 18)64
Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica
missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho
missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se
apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai
Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos
salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute
no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Compare os vocaacutebulos grifados com
Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso
acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos
(At 247)
E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo
continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz
Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha
salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos
aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o
Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro
dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir
todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
151)
Compare os vocaacutebulos grifados com
E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)
Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se
que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora
da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana
Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma
oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
64
Grifo meu
83
Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria
das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e
alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros
ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo
(WOLLERMAN 2003)
ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO
2012)
ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)
ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e
laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era
infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)
Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu
lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos
protestantes65
sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das
Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66
E nos casos acima os
propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas
praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes
das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em
segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca
um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir
valores eacuteticos morais e religiosos
As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto
significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos
elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de
educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva
cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da
relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo
tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)
Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana
Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute
comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se
deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da
evangelizaccedilatildeo na cidade
65
Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66
Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE
Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo
(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees
Paulinas 2010
84
Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo
muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E
ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho
progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou
uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola
Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus
contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles
tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o
evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar
porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de
algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela
escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze
anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde
Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-
adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho
missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute
discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e
ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo
85
Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades
evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao
templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o
templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca
de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da
mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes
termos
Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no
Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as
classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria
na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a
histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e
contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67
cantava-se
67
A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram
cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes
Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
86
hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por
exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho
que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a
muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar
Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)
Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho
hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees
estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute
apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo
Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os
pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador
Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na
paacutetria celestial Perto do Salvador
Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos
chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador
Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar
no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador
Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o
amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68
Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor
evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes
batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre
consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante
profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69
Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman
tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para
ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo
Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a
primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo
68
Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de
Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio
G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo
Paulo ndash Edusp 2008 69
Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma
ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e
parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo
de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando
crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos
como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando
atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de
decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo
87
aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e
muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que
fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela
eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a
estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os
hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)
Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para
cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a
doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de
estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes
visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente
com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para
tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva
Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido
discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de
suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os
conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados
anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca
de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana
Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a
partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia
se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras
Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que
aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito
dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o
ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito
bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de
algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem
lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho
que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com
bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu
aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)
Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos
ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas
ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo
Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam
recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou
88
muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana
Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em
laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais
representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas
tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai
Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras
povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o
evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns
irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens
mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem
estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas
Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do
evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava
recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu
sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que
por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70
Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana
Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde
ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71
que queria tiraacute-lo da escola
porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar
para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar
na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens
de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para
Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao
falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da
escola participante do ldquosucessordquo deles
Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs
certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do
70
O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos
fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o
atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas
visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo
entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )
71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um
dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai
89
banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e
doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco
(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene
Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja
Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque
Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai
inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai
para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB
foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta
parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com
Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se
aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento
interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem
interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas
que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato
estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava
sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e
muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele
apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da
Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a
ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino
foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute
advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente
morava todos na mesma casa (LIMA 2012)
No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que
Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees
A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu
alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor
Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores
advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as
mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel
90
Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma
toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem
deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por
que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer
coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs
O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um
produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco
mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer
prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)
Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo
em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da
sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da
Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos
para preparar a merenda escolar
Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola
ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos
alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no
primeiro segundo ano (LIMA 2012)
Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela
pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a
ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade
Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn
Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo
do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72
e eu achei
que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do
Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se
passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus
Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn
Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles
eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam
recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu
usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil
doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)
Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que
a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil
pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi
integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai
Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana
Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo
72
Grifo nosso
91
pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman
tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e
segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por
uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)
Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca
que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado
por Ana Wollerman aos alunos e alunas
Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer
visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era
sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na
parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra
sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto
Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando
ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)
Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus
hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo
que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A
interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades
devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham
momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio
batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua
autoridade como ldquoautoritarismordquo
Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel
Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um
homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre
criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa
que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa
assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)
Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se
mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia
tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava
perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava
Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de
todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito
dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta
que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)
Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se
perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta
92
fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se
natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas
as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta
natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um
exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo
indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de
comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com
comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos
mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)
Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da
relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz
E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou
me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes
soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que
Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me
respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)
Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a
temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva
tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as
missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo
Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de
conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem
E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem
como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e
marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se
mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso
com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas
conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA
2011 p 35)
Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de
pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa
condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia
financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de
algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil
93
Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num
alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com
os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela
Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas
relata
Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim
qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer
achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa
muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a
vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)
A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman
era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e
coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil
Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta
parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira
(2003)
Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu
trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense
Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias
convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a
importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja
(NOGUEIRA 2003 p91)
Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da
Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil
(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e
agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e
distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada
jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da
Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava
financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras
94
A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob
os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em
condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com
ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de
poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana
Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi
indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em
Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da
referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens
Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma
nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de
Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava
progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)
E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar
como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)
filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis
ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e
concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato
Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e
passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai
(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)
Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se
uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque
segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o
exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam
bem colocados
Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o
filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na
eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda
no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc
tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um
exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como
quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa
mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era
ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora
95
aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da
credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais
e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas
profissionais
Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional
que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram
palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras
por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais
ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras
profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A
escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de
produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse
sentido (SOBRINHO 2012)
Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou
em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio
onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da
Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi
embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais
exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das
atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e
demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum
soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de
60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana
Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha
fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo
encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola
Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco
rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem
continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia
se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando
assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho
Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas
as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de
96
Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas
um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)
Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo
e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval
Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do
Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em
Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e
seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003
p105)
Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades
vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das
Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)
Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu
estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para
eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para
serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara
Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia
rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana
que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a
auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os
filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para
construccedilatildeo da escola e da Igreja
Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste
lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns
terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num
outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a
Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir
laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da
cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos
ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de
boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo
de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles
troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo
com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja
Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos
e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de
tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p156)
97
Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as
pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder
em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma
experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola
e passavam o dia inteiro nela
A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da
cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os
pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e
ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar
pois era distante (ERGAS 2012)
E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a
missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando
mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e
evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)
Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em
Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se
concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato
Grosso
Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do
Mato Grosso73
para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste
iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul
Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para
o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que
Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis
ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)
Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos
Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de
treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em
Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem
as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto
passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-
se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)
73
Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso
98
Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez
algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos
anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e
sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi
transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de
estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a
Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98
anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes
estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny
Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na
continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um
poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)
Whether I live for many days
O if they should be few
I will not cling to earthly ways
But gladly go where all is new
Jesus surely knows my name
Has prepared a place for me
Where forever I shall remain
And his Lovely Face IrsquoII see
How can I fear the great unknown
When Jesus stands and wits for me
Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity
Se eu viver muitos dias
Ou se eles forem poucos
Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas
Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo
Jesus seguramente conhece meu nome
Tem preparado um lugar para mim
Onde para sempre vou permanecer
E sua amada face contemplarei
Como eu posso temer o grande desconhecido
Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim
Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial
E entatildeo entender o que eacute a eternidade
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito
estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo
ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado
iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na
contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura
sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de
Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute
com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo
Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os
mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste
sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa
ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como
noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e
prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver
Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo
estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar
leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o
tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo
digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida
Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo
que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e
ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo
E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da
Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os
encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute
preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA
Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as
dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de
crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus
100
ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo
constroacutei de si
Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma
seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria
aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o
fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias
calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um
sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio
O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia
missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como
jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo
de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano
pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a
criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e
sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo
Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila
ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio
Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes
missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram
representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a
accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste
ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-
determinaccedilatildeo divina
No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu
frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo
por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa
configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava
contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada
Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar
pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia
interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No
101
protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a
vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana
Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para
sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de
exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de
ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio
teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um
ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse
sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo
A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da
educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo
social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas
feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no
Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo
na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo
Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns
pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser
relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora
da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria
sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que
assediava os alunos diariamente
Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo
vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos
batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da
Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta
Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o
Brasil
Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento
fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um
conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que
acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem
mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana
102
na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de
atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que
Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar
ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional
Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista
tiveram sua participaccedilatildeo direta
Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram
analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a
figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais
quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas
Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense
porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores
longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas
praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar
inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no
pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato
com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres
Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas
atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo
estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e
com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho
evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares
Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja
Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre
mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o
presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de
muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo
que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo
analisadas por outras pesquisas
103
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_______________ Social Service Committee Recommendation On Divorce Disponiacutevel
em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
TAMAYO Juan Joseacute Fundamentalismos y diaacutelogo entre religiones Madrid Trotta 2004
THOMPSON P A voz do passado ndash Histoacuteria Oral 2 ediccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1998
TRAPP Carlos Osmar Evangeacutelicos em Campo Grande Origens e Desenvolvimento
Campo Grande-MS AEVB Prefeitura Municipal de Campo Grande 1999
_______Urbieta amp Sherwood Pioneiros na obra de evangelizaccedilatildeo em terras mato-
grossenses Ediccedilatildeo Comemorativa em homenagem ao primeiro Centenaacuterio Batista em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul 1911-2011 Campo Grande-MS Graacutefica e Editora Brasiacutelia
Ltda 2011
VIEIRA David Gueiros O Protestantismo a Maccedilonaria e a Questatildeo religiosa no Brasil
2ed Brasilia Editora UnB 1999
VIEIRA Nery In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008
Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema
Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 42-44)
VEIGA Cyntia G FONSECA Thais Nivia de Lima (org) Histoacuteria e Historiografia da
Educaccedilatildeo no Brasil Belo Horizonte - MG editora Autecircntica 2008
WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo Satildeo Paulo Editora Martin
Claret 2005
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa
Publicadora Batista 1950
109
ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo
referenciado
As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua
pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento
autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas
entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e
respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae
Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo
Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191
110
ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas
Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria
Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi
missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de
escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas
Entrevista
Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber
conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman
Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes
de vir para o Brasil
Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram
alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E
laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha
se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a
famiacutelia de trecircs filhos
Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham
conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha
lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila
Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio
Entrevistador Ainda quando crianccedila
Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em
oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau
preparaccedilatildeo para o segundo grau
Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja
Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram
pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz
que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio
111
primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas
eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus
ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava
trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi
para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do
valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos
arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador
daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth
Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela
Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio
das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu
Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio
Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que
foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo
conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial
Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre
isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman
Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute
com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram
a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente
Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos
estudos no EUA
Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu
nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia
de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu
sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar
Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete
vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava
aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas
igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do
Brasil e ela interpretava
112
Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo
XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e
insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente
no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado
alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava
Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites
das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana
Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca
Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir
para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute
reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem
positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes
do Brasil
Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta
pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita
pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto
ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou
Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem
nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca
comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse
em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que
houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em
falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo
Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa
conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A
senhora poderia falar sobre isso
Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher
sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como
que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era
professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para
viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam
mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula
113
O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para
Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e
remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens
Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito
ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona
Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta
mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro
Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai
Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis
homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns
cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a
era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a
Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o
agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de
escola nada
Sobre o objetivo da Escola
Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os
dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash
2129)
Iniacutecio da Escola
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz
de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela
havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute
tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (3003 ndash 3042)
Onde moravam os alunos
Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas
Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar
naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no
comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais
114
estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute
conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)
Escola oferecia almoccedilomerenda escolar
Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo
Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas
crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo
estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais
contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)
A escola cobrava um valor por crianccedila
Entrevistador A escola era mantida por quem
Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola
porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o
ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)
Professoras
Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego
quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era
uma das professoras
Entrevistador Em principio ela era professora sozinha
Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute
Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas
Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute
tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam
foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)
A Escola
Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo
Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de
nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes
Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute
115
estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -
3451)
Conteuacutedo escolar
Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola
Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja
onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo
nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino
Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra
crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)
As crianccedilas
Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola
Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de
nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz
Entrevistador Soacute de ouvir falar
Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo
tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila
(3643 ndash 3721)
Curriacuteculo da escola
Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo
era ensinado
Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e
pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem
lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta
Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas
que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma
professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias
Entrevistador Como as famiacutelias viam isto
116
Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra
dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos
muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash
3957)
Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos
Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas
Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes
iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente
andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)
Importacircncia da Igreja para cidade
Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade
Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se
tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita
dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)
Doaccedilotildees que AW fez
Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos
que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito
discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de
Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia
ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se
interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu
estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a
senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o
obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns
cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)
Uma escola para cada Igreja
Entrevistador
A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas
Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa
Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e
117
era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que
atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e
Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram
menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)
Cotidiano da escola
Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila
12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash
todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas
entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam
Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia
Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um
discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos
ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash
5626)
118
ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho
Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de
Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor
memorialista da cidade
Entrevista
Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com
alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas
ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a
estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista
Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou
menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele
atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o
salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio
Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3
alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi
embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui
organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18
de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe
que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o
aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos
iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola
praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo
ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver
quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se
comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando
porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha
aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista
Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma
novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas
dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola
batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes
119
Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um
programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o
quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas
particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu
sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as
escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam
utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha
que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar
por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar
um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando
vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia
pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu
fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia
nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles
chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles
usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra
turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano
laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu
sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia
o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas
coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei
ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo
mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor
jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias
Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana
que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela
tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito
importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a
gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia
desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc
projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas
tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola
120
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa
com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela
mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte
ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em
fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino
agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte
ciacutevica tambeacutem bem colocada
Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em
Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo
cristatildersquo
Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a
semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma
leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola
dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso
que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde
Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a
histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade
Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola
Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado
ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra
vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era
uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a
escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no
quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam
daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do
ensino que era bem feito bem ministrado
Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar
Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles
falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas
eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo
121
escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem
estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que
tinha na eacutepoca
Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola
Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia
muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo
pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o
aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto
entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que
o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu
isso
Entrevistador Qual o valor cobrado
Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se
pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem
diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do
tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava
menos que uma latinha
Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje
salaacuterio uma diaacuteria
Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela
eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor
Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam
a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do
medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino
superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um
carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros
alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido
122
Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que
deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta
como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino
oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50
cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre
as escolas e essas ajudas
Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na
chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na
cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava
envolvido
Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o
Catolicismo por exemplo
Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui
na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D
Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre
Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre
vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia
Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao
Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto
falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o
motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que
aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse
Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha
aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia
assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas
coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de
uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem
Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o
senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma
relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no
ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar
123
Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era
uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os
professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite
existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito
draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da
escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por
exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou
fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio
do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se
formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde
tambeacutem
Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem
Colaborador Natildeo tinha professores
Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados
Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma
sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na
igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um
lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no
recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem
aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio
das meninas todo mundo ficava tirando sarro
Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem
Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas
Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos
alguns eram meio danados
Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual
Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que
estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com
bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem
comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era
feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava
124
os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo
outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as
matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que
aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de
fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica
Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na
EBD
Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de
Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era
distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia
juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando
elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas
bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas
Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja
Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha
filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por
exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A
grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo
tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar
Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles
usavam eles recebiam uma ajuda da escola
Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno
laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever
qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do
ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a
serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles
davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois
Entrevistador Isso sem custo para aluno
Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela
mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era
125
distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito
tempo
Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material
que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo
Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo
126
ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima
Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A
mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e
depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie
Entrevista
Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma
pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo
somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos
conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria
Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que
agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas
moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave
peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso
Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola
que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo
aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida
Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou
com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao
lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali
Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela
eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me
trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute
falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino
que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro
nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar
e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles
E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute
atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles
127
Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava
com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me
cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute
que eu entrasse no Coleacutegio
Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora
Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles
cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia
mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute
com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um
tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns
anos eles foram embora me parece que pra Jardim
Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute
eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar
com ela uma temporada
Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu
tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali
na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo
Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa
Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente
era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela
em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua
obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia
todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada
Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos
Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha
noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia
ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo
vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi
ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente
aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava
tambeacutem sobre o culto domeacutestico
128
Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico
Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do
cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita
ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca
dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava
um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a
evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai
tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas
todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas
ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa
Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de
fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende
Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem
preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que
demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo
comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio
ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por
exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito
mas ficavaficava obedecia
Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos
Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos
Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute
E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava
muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu
aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma
passagem da Biacuteblia era assim nossa vida
Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto
responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman
que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela
mostrava sua autoridade
129
Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo
era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito
eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre
trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as
pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade
Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado
mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela
pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela
tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia
que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar
uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe
isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute
estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda
muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando
Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola
Batista ainda
Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda
natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava
comeccedilando jaacute
Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou
professora como foi isto
Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando
ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra
fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem
ali a lecionar ali no primeiro segundo ano
Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos
Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o
quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei
a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca
em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de
Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de
pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A
130
igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma
escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e
assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por
exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A
maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela
nossa Igreja pela Igreja Batista
Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana
Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo
Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde
foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a
gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros
permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei
Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter
ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro
Entrevistador Porque a senhora acha que errou
Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido
hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a
gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei
a decisatildeo
Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo
queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar
estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55
[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu
nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com
eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na
mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute
crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou
bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta
talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais
resolverem que eu podia ficar mais
Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a
gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com
131
dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa
onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da
casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca
Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente
jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash
Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria
o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito
bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo
trabalhando
Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de
Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e
alunos
Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute
que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas
que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da
Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo
Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra
cidade pra continuar os estudos sair dali preparado
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as
pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees
e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele
presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E
sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi
ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem
era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca
ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes
dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar
Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser
o mesmo lugar a mesma coisa
Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem
ela
132
Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham
na escola
Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia
Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra
Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela
usava
Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim
Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de
fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria
Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola
Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em
Rincatildeo de Julho
Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta
falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela
eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali
Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia
possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria
para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto
para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute
com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E
ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim
Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que
funcionava isto dentro da escola
Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o
Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela
Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da
Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se
corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens
Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem
133
usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316
ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava
aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe
Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo
Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola
biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de
Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos
caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada
Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram
convertidos
Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A
gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor
Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o
ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo
a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um
rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na
Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro
da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O
Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente
e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus
viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a
Biacuteblia mesmo fala
Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman
mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora
chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um
trabalho de evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era
quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para
fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos
e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era
muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair
134
visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que
foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco
As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que
trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem
que veio e fazia este trabalho
Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que
fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela
Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa
trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira
de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita
gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum
lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe
aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que
muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo
existe Eu aprendi muita coisa muita coisa
Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a
senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder
em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto
Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com
muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma
diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca
Era muito gratificante era muito bom
Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria
Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a
histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha
facilidade de aprender as datas decorar datas
Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas
partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais
Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil
Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga
Colaboradora Assim como o senhor fala
135
Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente
ensinavam a partir da Biacuteblia
Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o
primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que
Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar
Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula
Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam
pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa
que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o
objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo
deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo
uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno
Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem
ajudavam na escola biacuteblia no templo
Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora
formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu
conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam
aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo
envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha
cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque
o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este
era a coisa principal da Dona Ana
Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas
Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela
ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana
Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se
fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu
Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele
jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das
Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela
era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando
136
terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute
tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona
Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona
Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute
Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou
pouco tempo
Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro
Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana
Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute
nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor
Valdir
Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas
Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura
machista ainda eacute muito forte
Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque
tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem
uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas
eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute
que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha
Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA
Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita
preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha
muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava
cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o
momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia
dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela
Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil
ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca
Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que
eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que
uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora
137
Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade
de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do
Sul
Colaboradora Eu que agradeccedilo
MAacuteRCIO JOSEacute DE OLIVEIRA ROCHA
ANA WOLLERMAN EDUCACcedilAtildeO E EVANGELIZACcedilAtildeO EM
AMAMBAI-MS (1947-1954)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade
Federal da Grande Dourados para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Educaccedilatildeo na aacuterea Histoacuteria Poliacuteticas e Gestatildeo
da Educaccedilatildeo
Orientadora Profordf Dra Magda Sarat
DOURADOS
2013
Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
370981
R72a
Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira
Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em
Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira
Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013
137 f
Orientadora Profa Dra Magda Sarat
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade
Federal da Grande Dourados
1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -
Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I
Wollerman Ana II Tiacutetulo
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Dourados MS2013
BANCA EXAMINADORA
1ordm Examinadora (Presidente)
Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
2ordm Examinadora
Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal
Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________
3ordm Examinadora
Profordm Drordm Ademir Gebara
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Suplente
Profordm Drordm Reinaldo dos Santos
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Dedicatoacuteria
A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas
Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha
Em especial a Nair minha companheira que amo com
profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas
ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa
AGRADECIMENTOS
A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na
face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso
com a Vida e com o Proacuteximo
A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-
doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos
percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em
alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador
A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir
participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense
Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr
Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da
pesquisa
A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de
Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos
maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos
A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche
do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas
reflexotildees sobre minha pesquisa
A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos
no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo
Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na
continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou
sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista
e educadora Martha Watts
A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e
da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees
ortograacuteficas do trabalho final
Aos entrevistados
Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para
educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana
Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e
Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr
Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a
histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o
terceiro com sua participaccedilatildeo
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo
Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada
ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados
Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA
1993 Rom 10 13-15)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora
Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que
ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para
outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo
treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e
memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de
evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e
sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu
perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a
metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para
analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e
degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para
produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana
Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos
Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico
de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o
indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias
utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau
para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de
representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em
cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos
mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana
Wollerman no Brasil
Palavras Chaves
Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo
ABSTRACT
The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator
Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period
that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving
on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the
training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of
familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization
for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its
importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations
of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for
the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical
operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman
produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History
for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were
involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural
History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural
practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted
representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the
autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the
bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana
Wollerman in Brazil
Key words
Ana Wollerman History of Education Protestantism
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 01
CAPIacuteTULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08
Formaccedilatildeo familiar e escolar 13
Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25
O lugar da mulher no pensamento batista 30
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO
PROJETO DE ANA WOLLERMAN
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS
PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
A escola que Ana Wollerman criou 68
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os
ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-
mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu
interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos
anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute
socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou
provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo
Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)
ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo
tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-
grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem
tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser
analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava
uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem
Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca
(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de
cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual
natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo
tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como
pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e
especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma
contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do
Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas
de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo
Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma
Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo
protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a
1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a
pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica
(PROCAD)
2
formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o
desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento
analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da
educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que
levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do
metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional
acima referido
Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no
Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia
Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um
estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas
no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica
brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo
ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da
educaccedilatildeo protestante
Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por
exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de
civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa
as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-
americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a
1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A
obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de
fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo
presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em
conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um
papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria
Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que
seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma
nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos
missionaacuterios no Brasil
Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade
a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do
seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e
3
desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social
entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre
catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional
que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons
Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de
afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a
educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas
diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos
protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo
dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a
investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria
servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos
protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas
escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas
viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles
do que pelos demais grupos protestantes
Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica
voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo
em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a
formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio
de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando
as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e
dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se
encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este
trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de
mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado
a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier
Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil
que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista
(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a
2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do
projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente
4
Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar
a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no
periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela
partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde
conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu
casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico
material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e
natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo
defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra
do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de
seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no
Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do
coleacutegio
O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo
batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de
praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo
do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura
escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto
educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute
Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade
Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA
contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise
complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando
praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da
participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo
batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa
perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo
ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites
da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas
escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas
Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash
1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e
5
sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor
analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-
alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da
Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do
coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo
direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos
para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral
E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema
de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta
poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia
muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez
pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul
O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de
missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia
as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual
razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana
Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo
atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos
depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia
independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica
missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo
A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de
anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o
periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash
para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio
Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados
da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo
No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de
formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico
quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre
6
sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia
escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste
capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir
da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva
(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a
memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das
necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre
passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o
lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a
especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na
segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta
cidade
O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no
Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai
(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura
da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria
socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas
da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo
Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as
praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-
se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se
que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-
noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o
individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de
convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees
de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo
destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)
No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana
Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e
7
educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo
especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza
A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos
seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes
utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo
da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a
professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e
continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo
Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e
Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O
tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador
na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a
ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das
materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por
meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica
dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente
concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por
ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado
a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento
8
CAPITULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA
FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA
Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas
missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como
essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute
analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-
educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas
como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece
o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil
Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo
A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana
Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de
Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da
centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente
(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave
medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente
(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema
encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o
processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo
gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de
um(a) missionaacuterio(a) batista
Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo
sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em
seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA
3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem
gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute
que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los
literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa
9
Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o
irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus
porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo
vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4
Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se
reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que
documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime
o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE
GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana
Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado
segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)
Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim
como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana
Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a
colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria
de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi
quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos
anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave
1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse
consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo
batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil
(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA
Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois
diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em
com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu
tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como
diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara
municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo
douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita
Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando
numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de
4 Grifo meu
5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de
alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs
elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em
virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees
especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com
relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)
10
distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria
por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo
meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)
O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso
ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um
ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um
discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado
em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar
ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo
reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso
ideoloacutegico serve
Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da
figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de
suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como
estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994
p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que
compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual
nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia
social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder
Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute
limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo
religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e
com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades
- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica
Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas
do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo
7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs
funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste
sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo
por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de
deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme
os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido
ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma
ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo
oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal
assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na
formaccedilatildeo do pensamento batista
11
Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem
estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)
portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja
reconhecido como cientiacutefico
- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo
batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do
Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos
As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou
funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos
homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional
status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo
dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp
5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que
os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima
uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)
Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros
nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos
contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos
conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria
(Halbwachs Pollack)
Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas
socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na
relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna
inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de
ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja
ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade
criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis
ela conceitua
Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio
imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo
Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico
porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira
(PESAVENTO 2004 p4445)
12
Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque
eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo
religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria
ldquoenviada por Deusrdquo
Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a
memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos
pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu
falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos
indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees
coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias
pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque
se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem
ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo
Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees
fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta
pesquisa
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele
saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a
chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles
eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a
famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se
chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos
eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee
nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna
Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes
mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e
Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim
meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo
para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de
ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele
foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema
com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu
Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para
estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi
ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p 140)
Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu
nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto
Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo
13
concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas
lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas
lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da
estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman
com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo
para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo
soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas
Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)
que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de
referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo
presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as
lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre
verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de
referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da
colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem
se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para
aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e
outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na
histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda
psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os
registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)
Formaccedilatildeo familiar e escolar
Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por
Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff
- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille
Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de
Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da
comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil
ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff
experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos
14
principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos
fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio
Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a
cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para
quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e
portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo
(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata
[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de
estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito
bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000
mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de
vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas
todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas
de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e
muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos
meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)
Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das
informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este
tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA
No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata
A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute
terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis
anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de
dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze
anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles
anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me
lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de
sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a
atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela
fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas
o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana
Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou
mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse
influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola
eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou
paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram
originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria
15
no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de
ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria
missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando
questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU
2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de
ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm
interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a
narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua
trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute
descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios
Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho
10
Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria
o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se
caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de
formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos
9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012
10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem
perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-
metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na
mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do
seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em
httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012
Ao fundo os pais da Ana
Wollerman Sr August
Wollerman e Sra Minna
Wollerman Em primeiro
plano da esquerda para direita
Ana e seus irmatildeos Edwin e
Mildred - Acervo Biblioteca
Faculdade Teoloacutegica Batista
Ana Wollerman
16
Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas
devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo
apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e
reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social
Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e
doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos
meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles
nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal
organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se
ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das
ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e
outros paiacuteses11
Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de
evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio
ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176)
Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana
Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos
personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo
reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento
Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei
muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me
lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo
creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava
voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades
sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)
O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede
interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para
construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori
foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto
marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de
vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil
11
Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de
Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)
17
Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo
do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao
menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os
primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)
Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria
se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute
desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que
ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a
este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente
consagradardquo12
Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece
muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo
queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco
deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha
assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha
vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada
realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)
Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na
universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando
da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para
os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez
com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um
escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se
afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos
negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 141)
Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se
refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que
temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o
porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo
sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira
encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste
12
O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente
bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um
processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como
oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo
se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso
18
sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo
menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela
Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico
de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi
possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o
missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de
igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil
Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins
Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte
americano Bill Sherwood diz
[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e
entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela
tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu
sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados
[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do
que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da
entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os
missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no
Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua
fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em
Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda
guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD
Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de
Ana Wollerman
[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer
De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a
Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o
jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo
porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um
salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho
que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito
satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez
(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e
voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se
deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-
nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que
19
tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento
da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao
assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins
interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood
Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma
perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a
nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood
[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de
Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui
nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o
segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser
com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir
a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da
minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo
deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p
142 p 147)
Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A
questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)
desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas
Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas
representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se
criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13
Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez
para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de
referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14
Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive
encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser
nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas
tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou
deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)
Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil
possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada
pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste
13
Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
20
missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15
ele teve dificuldades em
aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o
questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood
ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por
ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento
satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o
exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se
configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar
aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de
machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude
do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU
1998 pp 91s)16
Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria
Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e
identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido
um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo
autobiograacuteficardquo
- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo
inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria
histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas
mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos
religiosos e lideranccedilas sociais
- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e
psicologicamente
- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um
sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste
autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que
ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos
15
Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16
Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia
tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as
taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo
consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio
proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc
21
outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade
admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos
valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)
Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois
Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida
Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de
legitimar seu projeto missionaacuterio
Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi
perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da
minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido
em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela
noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja
farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo
que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer
isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois
para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)
A experiecircncia religiosa17
eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano
ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da
situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na
escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto
nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas
quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade
de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda
mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA
Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia
religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para
o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que
paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo
participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta
dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio
que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua
17
Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do
protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no
humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida
(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que
levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma
religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo
ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)
22
vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do
que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp
15s)
A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel
em Artes da Ouachita Baptist College18
em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos
de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo
Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas
teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que
queria ser missionaacuteria em outro paiacutes
Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo
que cursou Bacharel em Artes
[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19
graccedilas ao meu Pai
[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o
que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei
sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria
Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem
desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o
desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares
pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando
Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser
realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar
de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser
salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de
trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma
missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)
Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20
possivelmente seu interesse de vir para
o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e
18
Hoje Ouachita Baptist University
19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra
para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de
graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com
Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em
httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira
expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser
encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS
quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte
biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo
20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde
amambaense para Ana Wollerman
23
Anna Luther Bagby21
(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve
relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na
Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os
missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o
trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo
somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio
Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff
onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite
do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para
trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi
homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos
21
Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o
trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo
Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no
Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da
Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
24
serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas
instituiccedilotildees e ao seu paiacutes
Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do
protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman
sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato
autobiograacutefico
Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na
universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e
para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma
dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos
papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim
coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu
posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que
eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como
professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo
ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
176)
A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos
biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins
de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico
pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio
de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico
para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas
especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo
em sua formaccedilatildeo
Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de
Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou
um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades
religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter
missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou
com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que
trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua
famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a
ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi
aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua
decisatildeo
25
Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a
nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22
tens que abrir a porta [] eu andei umas horas
depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele
perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele
disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse
como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei
Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)
abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma
mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 pp 142 143)
Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado
brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans
Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e
chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
145146)
Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana
Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi
fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte
Contexto de formaccedilatildeo religiosa
O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por
um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua
vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana
Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e
queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais
eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os
valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []
ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []
Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha
famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando
muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja
aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23
Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o
iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na
22
Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23
Grifo meu
26
origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua
fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e
pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre
a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo
para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores
transmitidos pelos seus pais
Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja
mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos
bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do
aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo
estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman
A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente
em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda
fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres
sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram
por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las
aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em
meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do
pensamento batista
O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias
interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do
mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as
praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia
tomista24
eclesiologia hieraacuterquica25
intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos
24
Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)
25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave
condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado
canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como
estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do
impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o
constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima
dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro
estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio
social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o
estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo
(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)
27
sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a
sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos
bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical
entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios
de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber
(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo
No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do
anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em
Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura
somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se
outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a
mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo
Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu
falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas
eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu
quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na
parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei
mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais
tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os
olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como
Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes
ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148
149)
Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana
Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas
e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo
porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu
trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles
eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)
Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre
calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os
calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de
Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo
28
em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a
humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus
eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade
depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de
construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a
salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute
Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo
retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26
Em
siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a
responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da
graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo
Weber
Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta
inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus
interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da
consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de
conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o
presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que
seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por
considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)
Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo
inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel
perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-
moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso
missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da
salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado
numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio
Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de
uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando
26
As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a
Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados
de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma
congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de
ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido
comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos
via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo
resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO
1996 pp 84s)
29
a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior
envolvimento com a comunidade religiosa
Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos
trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para
Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus
Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder
assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)
O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era
irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por
ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a
Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela
meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja
Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas
participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista
mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a
legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja
local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo
Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi
formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores
do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a
ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo
A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e
o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras
naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul
era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando
a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros
paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997
p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern
Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um
rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e
culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o
norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a
se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na
cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para
30
o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria
mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no
Brasil
Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento
fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave
modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia
europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia
buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto
de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e
outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute
cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por
conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas
criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como
presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios
teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos
textos biacuteblicos27
O lugar da mulher no pensamento batista
As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em
um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina
Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana
Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da
pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo
27
Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram
1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos
seus autores
2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave
argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e
ldquoCristo da feacuterdquo
3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da
humanidade para livraacute-la de seus pecados
4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando
que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja
no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais
5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que
eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)
31
Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher
na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de
vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de
mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja
ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)
1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como
um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e
ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem
poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28
2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do
lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo
Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento
batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar
as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao
homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para
o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo
divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da
ldquoordem socialrdquo
Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo
de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber
de que forma a mulher eacute representada
A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a
essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher
governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha
para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor
gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos
guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da
mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser
jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB
1954 p 5)
Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo
e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da
existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista
28
The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012
32
pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas
mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee
mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver
com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos
sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e
esposa abnegada
Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do
iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar
tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais
mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas
ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por
conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a
experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de
civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado
nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)
Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra
funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a
maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das
mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres
missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das
Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute
1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4
Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas
especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do
trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)
O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo
apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949
(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo
trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da
Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho
missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel
fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras
mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras
atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam
33
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Sras 653 13857 195816 134440 293190 193067 11963 8340 10403 48778450 195
Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57
Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de
1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46
Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por
exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma
concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem
diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino
na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que
como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra
uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute
vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana
Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria
executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de
Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense
ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004
p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de
feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo
Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo
tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por
pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood
34
3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres
norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais
as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos
seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de
retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente
eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de
compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso
que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas
para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e
sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc
Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos
dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees
radicais sobre o sufragismo ao conformismo
Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais
sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute
afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo
questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias
(SILVA 2011 p 34)
Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre
esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos
limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo
ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o
ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja
local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo
de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a
ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria
Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo
de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo
status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a
vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves
mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que
Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no
seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de
35
Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de
conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia
Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo
de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto
fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem
impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)
Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as
instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o
assunto da seguinte forma
O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como
restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no
pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com
autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November
11 2000 p2)29
Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista
a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo
Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe
claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo
de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes
Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um
lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo
zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)
A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na
Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de
21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo
sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais
O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de
20 a 24 de janeiro de 1995
29
Traduccedilatildeo livre
36
Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo
Luiacutes - MA 1995 p 512
O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela
uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que
participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa
Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas
possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi
resolvida entre os batistas
Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de
ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra
complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra
583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam
desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de
quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso
PERGUNTAS SIM NAtildeO
Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067
Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049
Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320
Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193
Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599
Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583
Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466
Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372
Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290
Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457
37
desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a
Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo
1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista
Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da
lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as
Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios
como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia
Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que
a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como
missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias
especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente
avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz
da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de
Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)
A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas
Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do
que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral
Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave
tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30
e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas
da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem
natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute
presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman
Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz
realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como
pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era
uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 156)31
Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de
Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender
que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como
missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem
necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica
retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que
intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier
[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio
possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos
e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em
30
Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1
Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre
Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31
Grifo meu
38
afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a
dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio
consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a
insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)
Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco
mais
[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me
consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo
isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje
em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada
era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160
161)32
O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para
entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul
Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul
criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque
pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um
conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher
A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas
nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de
lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em
Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente
nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa
de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa
32
Grifo meu
39
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS
NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana
Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos
do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil
No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil
e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado
em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional
batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo
entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta
missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia
A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo
de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33
tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo
Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas
religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as
representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas
interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo
na ldquocomunidade imaginadardquo34
dos batistas
Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no
ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da
realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35
(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de
sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre
33
Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34
Benedict Anderson (2008 p 39s) 35
No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)
40
batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na
ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais
pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a
presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou
culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os
oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de
mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das
almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar
sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si
pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem
de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam
(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato
Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo
interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil
Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo
no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo
de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos
do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde
o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil
e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -
comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta
ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa
Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente
proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias
nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a
evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os
Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros
holandeses franceses e suiacuteccedilos
A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de
missionaacuterios colportores36
O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista
36 Vendedores de biacuteblia
41
Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do
Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul
do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)
Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais
(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas
mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e
distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e
fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo
O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo
XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica
de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais
liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do
republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que
fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees
traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios
liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro
estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na
estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de
manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro
todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)
Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos
liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio
circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo
com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora
Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho
que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo
trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias
liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se
um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres
jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento
catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil
42
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil
Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos
por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do
Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro
Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste
mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de
Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma
igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e
teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996
pp192193)
O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes
sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em
solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua
esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin
(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar
missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu
para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-
combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos
relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck
Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp
330 ndash 336 450 ndash 456)37
Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste
mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira
igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades
brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996
p 194)
Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da
proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram
organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43
delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo
37
As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do
trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)
enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond
43
provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)
(REILY 1984 p 175)
A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois
princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre
estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro
e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a
formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas
missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar
sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas
ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo
de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela
publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas
jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura
religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)
Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que
significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998
pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma
linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de
estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das
praacuteticas religiosas38
e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees
drsquoOJB
Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de
criaccedilatildeo drsquoOJB diz
O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista
especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista
Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando
resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido
doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas
CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar
representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e
38
Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde
problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e
exclusotildees de membros da igreja
44
denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo
de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39
Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio
grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos
impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de
formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos
centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais
produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais
grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo
tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p
22-28)
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil
Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)
uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos
Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores
vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias
colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara
Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos
voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute
estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)
Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado
para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser
pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a
periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das
escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em
cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898
- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees
de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta
39
Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante
na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode
ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e
concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro
texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do
pensamento batista no Brasilrdquo
45
de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo
marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos
dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da
Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo
indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos
seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute
poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da
documentaccedilatildeo40
Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros
missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno
porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil
Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees
ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela
iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41
esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se
dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para
elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as
casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)
Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura
Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor
School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do
fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que
40
O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por
missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou
conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do
Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)
este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo
Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da
Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees
acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas
ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos
poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das
lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de
1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional
(MACHADO 1994 pp 63-67) 41
A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em
relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir
para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o
general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond
46
a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto
de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)
As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees
teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos
seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo
religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e
fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao
seu projeto educacional
Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por
Pedro Arauacutejo eacute relatado
O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta
com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como
espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para
engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos
preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande
perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute
promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a
nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir
duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma
mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos
membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor
o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja
subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua
mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os
pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)
Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem
educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas
escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos
batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora
pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles
precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na
cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o
que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da
Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se
membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto
para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do
grupo
47
Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos
filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros
motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade
brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns
casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo
religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO
2006 p201s)
Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados
de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos
liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o
Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA
O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e
pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e
ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas
e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais
cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica
mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores
puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do
collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde
o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo
christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande
valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo
christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros
christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud
ARAUacuteJO 2006 p 200)
Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo
quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como
espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo
(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que
levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus
Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um
ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de
Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo
ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo
fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja
existir
Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos
perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de
48
ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa
ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In
TRUETT LOVE 1950 p36)
Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do
compromisso com o que entendem ser sua missatildeo
As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos
hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na
paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e
povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e
recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos
dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)
A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois
propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a
funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a
ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da
educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza
Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de
1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde
O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos
princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo
incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que
adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que
disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo
(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio
para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara
para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um
peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se
consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que
seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este
tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-
284)42
Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive
promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na
caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais
[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram
valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira
repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento
norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como
42
Grifo meu
49
ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os
traccedilos culturais do seu modus vivendi
Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de
evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo
voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo
indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que
equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana
a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior
preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a
documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era
ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da
Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse
na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos
prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a
finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo
porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo
Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees
podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO
Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel
na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais
elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os
serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de
Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova
organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos
principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover
programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra
ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto
evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de
estudantes (LEONARDT 1963 p316)
Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente
ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas
priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades
que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica
pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam
intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e
as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda
regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma
orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas
A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo
deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples
50
deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926
apud MACHADO 1999 p80)
A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte
de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os
ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino
religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio
Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as
diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em
relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as
aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo
delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem
propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a
visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)
O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento
batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente
desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43
Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da
noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa
que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal
discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de
seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente
desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no
tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste
sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio
religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso
conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a
ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta
pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de
uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma
ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do
aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para
aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)
43
Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia
(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de
censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base
legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre
se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos
Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)
51
Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista
vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma
ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui
ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a
educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo
Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e
educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista
se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44
Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser
relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns
professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam
a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que
supostamente estivessem agindo da mesma forma
Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a
pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o
pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma
instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta
afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves
vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute
claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948
pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes
direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico
tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo
Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento
maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX
tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no
graacutefico em seguida
44
Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em
seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo
Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de
alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola
52
MENDONCcedilA 2008 p52
Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882
porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45
As informaccedilotildees do
graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando
a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na
abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos
batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de
evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios
protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso
Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o
trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um
45
Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao
serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880
53
planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de
migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil
No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou
esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem
estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)
Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910
sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional
pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do
tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste
liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou
um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento
na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro
(NOGUEIRA 2003 p 48-52)
Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre
outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio
do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram
uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional
em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da
Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado
pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja
Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)
A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram
igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo
Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em
Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob
a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A
Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou
de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos
batistas mato-grossenses
Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia
outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai
este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e
54
seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e
Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim
de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila
batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)
ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)
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16 10 20 6 4 947
Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso
mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam
estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute
na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em
Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e
autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de
igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o
crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana
Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as
estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e
treinamento de lideranccedilas
Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora
nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos
que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo
ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe
mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou
para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles
conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era
nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou
55
animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo
presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com
a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a
sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil
Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins
aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua
caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria
em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman
aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada
por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito
federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este
disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a
cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo
palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel
Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer
na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que
vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor
Ana Wollerman (37 anos) assim que
chegou ao Brasil em 1947 Acervo
Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica
Batista Ana Wollerman
56
Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto
quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas
malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala
grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me
falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na
minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus
mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria
de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio
de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de
missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a
gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p 147)
Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo
resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de
entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou
publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento
de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)
Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida
pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio
Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava
ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura
fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia
Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas
nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei
elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que
perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas
reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46
Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47
Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento
algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade
eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa
Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na
ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem
de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo
Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos
homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora
46
Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47
Idem
57
de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da
igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher
missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como
fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de
reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local
Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor
Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo
de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs
com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe
ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123
58
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS
Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir
Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute
entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo
na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho
progredisserdquo
Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita
aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele
pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho
progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e
fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo
uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p 148)
Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito
de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do
Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que
tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate
O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade
pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48
mas sim porque desde o
iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas
para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo
ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a
demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este
apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo
ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49
foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena
local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p
120 121)
48
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo
de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio
Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los
diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta
Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a
capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em
18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato
Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em
15122012 49
ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos
fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore
com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)
59
Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai
era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por
Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal
atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma
rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para
encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que
garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)
Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o
pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro
urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo
seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de
religiosidade protestante
Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as
crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute
criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas
Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor
ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)
em volta da mesma mesa para estudar
Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter
condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam
dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e
fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)
As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros
com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na
regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser
atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias
ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)
O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender
este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash
memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na
60
histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50
Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo
numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo
[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E
aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele
tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo
tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia
fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras
porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar
as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam
porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar
carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por
aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo
vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia
pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo
quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO
2012)
Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do
professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais
escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os
cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em
dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173
VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)
50
Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para
esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de
Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai
inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de
pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados
inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT
61
Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51
melhorou o acesso
agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas
ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno
(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas
rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei
Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo
federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento
aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens
abaixo
51
Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram
intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas
escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham
certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram
ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando
o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o
professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo
Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO
2009 p173
62
Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito
Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para
criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde
chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos
depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO
2009 p191)
Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que
principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana
Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que
era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim
de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve
tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes
amigos e outros interessados
Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de
Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto
Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)
63
Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja
Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52
por conta disto em 1943 a igreja enviou o
ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um
ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em
Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de
comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)
proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as
atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar
sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e
foi seu aluno
O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais
ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como
evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma
escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu
tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do
Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos
3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este
iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)
Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua
casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo
evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do
espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim
passarmanifestar sua mensagem religiosa
A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar
assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia
para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para
fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela
organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947
quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia
Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a
Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de
Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia
auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham
52
Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08
64
comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes
resultados por eles esperados
Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para
abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha
fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe
outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens
[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos
crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra
metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem
ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo
de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se
isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo
Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido
Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman
possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade
ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus
saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do
impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner
na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que
desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-
americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados
A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e
outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente
quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem
este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes
passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se
apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida
criativamenterdquo53
por agravequeles que dela se aproximavam
Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de
amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das
primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida
53
Michel de Certeau
65
como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais
famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o
Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana
Wollerman comenta
Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo
direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu
ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai
deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era
madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola
Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente
servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria
inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha
manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou
Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana
Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas
escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E
em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse
Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem
pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido
qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma
vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um
pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de
fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO
2012 p 3)
Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho
da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos
ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor
Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma
congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel
Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo
de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949
Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a
66
famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando
na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia
[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua
filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo
havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que
serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas
de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro
e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a
casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta
casa
A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e
eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo
pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para
sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de
cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de
dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas
mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e
usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um
guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito
simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais
alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o
apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e
aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela
foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito
Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio
Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a
ponto de
Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei
do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude
estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma
lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
152)
No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a
Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola
Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo
o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a
grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes
67
podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo
precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute
com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou
ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce
Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam
eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana
noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora
vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra
professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana
Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou
muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai
[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e
tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas
a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era
alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei
impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia
caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA
2003 p 186)
E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola
Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de
sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas
praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave
leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai
68
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN
INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a
estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto
educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos
demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo
poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se
mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as
condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto
histoacuterico e social de Amambai-MS
No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria
de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no
municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o
entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos
estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash
professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana
Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria
A escola que Ana Wollerman criou
Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em
Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito
influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e
ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um
detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo
catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na
famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a
famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma
significativa autoridade abaixo apenas dos pais
69
Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas
famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana
Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher
branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo
No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona
Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar
mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi
visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo
existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o
que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela
tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman
Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar
no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de
dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula
para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e
outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona
Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p 149)
O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor
Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de
escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54
mas vai se
estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de
desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana
Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com
divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava
abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este
milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato
da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse
comeccedilado com todo o primaacuterio formado
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas
provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela
foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola
primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano
mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (ERGAS 2012)
54
ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em
estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar
70
O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que
por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto
Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se
tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute
provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo
mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de
Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que
tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou
seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma
ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo
Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas
questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana
Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute
monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que
enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste
caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios
Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
71
Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas
bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o
que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num
grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura
personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de
alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que
ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que
daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o
ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no
Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e
natildeo de Ana Wollerman
Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos
batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo
sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond
que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo
aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e
ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias
palavras tais representaccedilotildees
Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela
primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram
grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum
lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo
sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em
Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas
peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto
mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez
muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
55
Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em
1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute
importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo
eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute
entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta
Poratilde-MS
55
Grifo meu
72
No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as
atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a
Igreja Batista em Amambai56
e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho
(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso
a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman
tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato
Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria
de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e
auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo
o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este
dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao
lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de
Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma
homenagem posterior que a Igreja fez a ela
56
Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela
foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio
Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham
em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de
ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo
ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo
Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde
amambaiense para Ana Wollerman
73
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo
Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente
a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas
que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista
Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia
Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto
de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a
incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas
sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes
que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar
dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os
professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da
escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de
pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos
que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por
intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a
escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso
analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou
com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente
compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido
antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o
afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud
VIDAL 2005 p24)
Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo
como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de
conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as
culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com
seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de
escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da
trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a
criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas
estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns
elementos da cultura da escola como chave de leitura
A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente
municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada
majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo
apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo
Sul de Mato Grosso
74
Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato
Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos
344214 rurais57
Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo
moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que
fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a
Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai
(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro
como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das
dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo
Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas
escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os
ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola
Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de
laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu
pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por
intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela
eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da
Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim
pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)
Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa
necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de
escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que
certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas
proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que
se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais
encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a
fim de poder dar continuidade aos estudos
Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os
que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)
Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros
motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de
estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte
Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu
completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte
57
Fonte IBGE
75
eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana
Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno
Hudson Otantildeo da Rosa
No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa
de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da
cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha
simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos
lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas
emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo
Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se
comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo
ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo
somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com
bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente
Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era
brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo
Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior
progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do
precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa
Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de
progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor
tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia
ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que
ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em
seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas
natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a
cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois
voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu
anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo
tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus
irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para
o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira
dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia
suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas
proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra
esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da
minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande
brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu
povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma
me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus
estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58
O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais
colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis
motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar
58
Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta
pesquisa
76
a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de
representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de
encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como
atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de
forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma
infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e
assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de
trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em
conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o
periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a
partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59
As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da
escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o
Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento
anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar
Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento
do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia
desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico
por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha
que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado
E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da
escola60
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles
trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os
pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute
considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito
prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja
convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se
destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam
distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)
O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da
educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as
decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61
Em sua fala
aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da
escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar
Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os
59
Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60
Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes
documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso
natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61
Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado
77
alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas
alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior
nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de
prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter
satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola
Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento
estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo
nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com
assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de
fechamento do ano de 1951
Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista
nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo
da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se
voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes
despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos
ao fim do curso letivo
Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo
de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com
que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de
ensino
Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo
impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por
muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)
Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais
realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao
trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os
remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente
representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de
algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda
que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que
se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E
neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz
O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto
da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute
como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos
determinados (FARIA FILHO 2008 p81)
A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e
Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser
78
analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a
relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares
para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar
que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se
configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado
mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de
1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do
Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por
diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de
ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos
participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte
Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha
normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc
terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as
meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para
aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)
Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de
intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de
escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo
Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos
diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo
quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc
(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento
estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de
poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto
talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o
estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras
assim ela relembra a experiecircncia
Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um
corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que
tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes
dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas
surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino
Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo
sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda
razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca
da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que
para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo
79
ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que
era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e
mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro
nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62
Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das
autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana
Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no
Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente
limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua
inglesa ao da liacutengua portuguesa
Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado
Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde
quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser
ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da
Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das
pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias
buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia
patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees
fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo
do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do
Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais
poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS
MULLER 2009)
Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de
Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas
apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula
Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que
prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo
fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que
62 Grifo meu
80
todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os
resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da
Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana
Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona
Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente
preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional
Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro
fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos
E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da
semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era
hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira
e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa
parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)
Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana
Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era
realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em
posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E
assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova
geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de
suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que
pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela
populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar
81
E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas
atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para
os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes
A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando
agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus
Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a
realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo
em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as
coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se
ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de
missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara
(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63
Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da
tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo
numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo
(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e
Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia
63
Grifo meu
Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo
042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman
82
entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos
biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio
Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)
Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos
confins da terra (At 18)64
Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica
missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho
missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se
apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai
Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos
salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute
no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Compare os vocaacutebulos grifados com
Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso
acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos
(At 247)
E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo
continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz
Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha
salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos
aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o
Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro
dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir
todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
151)
Compare os vocaacutebulos grifados com
E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)
Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se
que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora
da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana
Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma
oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
64
Grifo meu
83
Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria
das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e
alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros
ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo
(WOLLERMAN 2003)
ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO
2012)
ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)
ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e
laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era
infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)
Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu
lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos
protestantes65
sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das
Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66
E nos casos acima os
propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas
praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes
das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em
segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca
um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir
valores eacuteticos morais e religiosos
As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto
significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos
elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de
educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva
cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da
relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo
tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)
Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana
Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute
comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se
deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da
evangelizaccedilatildeo na cidade
65
Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66
Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE
Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo
(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees
Paulinas 2010
84
Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo
muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E
ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho
progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou
uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola
Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus
contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles
tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o
evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar
porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de
algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela
escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze
anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde
Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-
adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho
missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute
discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e
ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo
85
Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades
evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao
templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o
templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca
de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da
mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes
termos
Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no
Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as
classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria
na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a
histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e
contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67
cantava-se
67
A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram
cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes
Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
86
hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por
exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho
que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a
muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar
Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)
Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho
hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees
estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute
apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo
Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os
pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador
Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na
paacutetria celestial Perto do Salvador
Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos
chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador
Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar
no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador
Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o
amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68
Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor
evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes
batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre
consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante
profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69
Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman
tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para
ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo
Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a
primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo
68
Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de
Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio
G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo
Paulo ndash Edusp 2008 69
Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma
ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e
parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo
de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando
crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos
como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando
atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de
decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo
87
aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e
muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que
fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela
eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a
estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os
hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)
Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para
cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a
doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de
estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes
visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente
com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para
tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva
Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido
discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de
suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os
conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados
anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca
de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana
Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a
partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia
se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras
Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que
aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito
dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o
ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito
bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de
algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem
lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho
que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com
bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu
aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)
Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos
ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas
ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo
Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam
recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou
88
muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana
Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em
laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais
representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas
tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai
Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras
povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o
evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns
irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens
mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem
estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas
Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do
evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava
recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu
sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que
por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70
Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana
Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde
ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71
que queria tiraacute-lo da escola
porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar
para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar
na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens
de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para
Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao
falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da
escola participante do ldquosucessordquo deles
Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs
certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do
70
O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos
fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o
atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas
visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo
entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )
71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um
dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai
89
banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e
doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco
(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene
Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja
Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque
Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai
inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai
para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB
foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta
parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com
Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se
aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento
interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem
interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas
que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato
estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava
sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e
muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele
apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da
Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a
ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino
foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute
advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente
morava todos na mesma casa (LIMA 2012)
No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que
Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees
A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu
alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor
Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores
advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as
mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel
90
Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma
toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem
deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por
que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer
coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs
O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um
produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco
mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer
prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)
Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo
em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da
sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da
Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos
para preparar a merenda escolar
Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola
ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos
alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no
primeiro segundo ano (LIMA 2012)
Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela
pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a
ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade
Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn
Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo
do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72
e eu achei
que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do
Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se
passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus
Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn
Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles
eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam
recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu
usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil
doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)
Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que
a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil
pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi
integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai
Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana
Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo
72
Grifo nosso
91
pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman
tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e
segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por
uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)
Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca
que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado
por Ana Wollerman aos alunos e alunas
Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer
visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era
sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na
parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra
sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto
Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando
ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)
Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus
hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo
que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A
interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades
devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham
momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio
batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua
autoridade como ldquoautoritarismordquo
Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel
Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um
homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre
criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa
que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa
assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)
Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se
mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia
tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava
perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava
Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de
todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito
dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta
que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)
Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se
perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta
92
fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se
natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas
as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta
natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um
exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo
indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de
comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com
comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos
mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)
Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da
relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz
E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou
me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes
soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que
Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me
respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)
Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a
temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva
tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as
missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo
Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de
conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem
E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem
como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e
marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se
mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso
com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas
conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA
2011 p 35)
Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de
pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa
condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia
financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de
algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil
93
Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num
alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com
os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela
Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas
relata
Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim
qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer
achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa
muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a
vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)
A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman
era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e
coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil
Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta
parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira
(2003)
Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu
trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense
Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias
convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a
importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja
(NOGUEIRA 2003 p91)
Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da
Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil
(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e
agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e
distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada
jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da
Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava
financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras
94
A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob
os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em
condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com
ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de
poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana
Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi
indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em
Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da
referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens
Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma
nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de
Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava
progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)
E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar
como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)
filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis
ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e
concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato
Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e
passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai
(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)
Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se
uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque
segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o
exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam
bem colocados
Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o
filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na
eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda
no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc
tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um
exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como
quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa
mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era
ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora
95
aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da
credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais
e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas
profissionais
Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional
que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram
palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras
por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais
ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras
profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A
escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de
produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse
sentido (SOBRINHO 2012)
Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou
em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio
onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da
Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi
embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais
exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das
atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e
demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum
soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de
60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana
Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha
fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo
encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola
Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco
rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem
continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia
se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando
assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho
Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas
as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de
96
Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas
um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)
Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo
e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval
Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do
Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em
Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e
seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003
p105)
Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades
vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das
Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)
Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu
estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para
eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para
serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara
Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia
rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana
que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a
auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os
filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para
construccedilatildeo da escola e da Igreja
Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste
lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns
terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num
outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a
Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir
laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da
cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos
ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de
boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo
de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles
troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo
com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja
Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos
e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de
tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p156)
97
Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as
pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder
em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma
experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola
e passavam o dia inteiro nela
A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da
cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os
pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e
ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar
pois era distante (ERGAS 2012)
E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a
missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando
mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e
evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)
Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em
Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se
concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato
Grosso
Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do
Mato Grosso73
para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste
iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul
Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para
o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que
Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis
ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)
Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos
Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de
treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em
Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem
as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto
passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-
se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)
73
Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso
98
Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez
algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos
anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e
sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi
transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de
estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a
Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98
anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes
estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny
Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na
continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um
poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)
Whether I live for many days
O if they should be few
I will not cling to earthly ways
But gladly go where all is new
Jesus surely knows my name
Has prepared a place for me
Where forever I shall remain
And his Lovely Face IrsquoII see
How can I fear the great unknown
When Jesus stands and wits for me
Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity
Se eu viver muitos dias
Ou se eles forem poucos
Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas
Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo
Jesus seguramente conhece meu nome
Tem preparado um lugar para mim
Onde para sempre vou permanecer
E sua amada face contemplarei
Como eu posso temer o grande desconhecido
Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim
Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial
E entatildeo entender o que eacute a eternidade
99
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito
estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo
ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado
iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na
contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura
sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de
Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute
com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo
Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os
mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste
sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa
ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como
noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e
prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver
Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo
estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar
leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o
tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo
digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida
Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo
que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e
ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo
E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da
Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os
encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute
preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA
Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as
dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de
crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus
100
ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo
constroacutei de si
Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma
seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria
aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o
fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias
calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um
sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio
O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia
missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como
jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo
de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano
pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a
criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e
sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo
Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila
ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio
Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes
missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram
representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a
accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste
ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-
determinaccedilatildeo divina
No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu
frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo
por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa
configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava
contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada
Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar
pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia
interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No
101
protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a
vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana
Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para
sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de
exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de
ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio
teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um
ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse
sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo
A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da
educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo
social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas
feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no
Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo
na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo
Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns
pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser
relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora
da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria
sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que
assediava os alunos diariamente
Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo
vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos
batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da
Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta
Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o
Brasil
Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento
fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um
conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que
acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem
mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana
102
na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de
atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que
Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar
ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional
Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista
tiveram sua participaccedilatildeo direta
Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram
analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a
figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais
quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas
Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense
porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores
longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas
praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar
inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no
pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato
com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres
Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas
atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo
estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e
com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho
evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares
Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja
Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre
mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o
presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de
muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo
que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo
analisadas por outras pesquisas
103
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WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa
Publicadora Batista 1950
109
ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo
referenciado
As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua
pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento
autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas
entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e
respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae
Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo
Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191
110
ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas
Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria
Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi
missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de
escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas
Entrevista
Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber
conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman
Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes
de vir para o Brasil
Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram
alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E
laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha
se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a
famiacutelia de trecircs filhos
Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham
conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha
lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila
Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio
Entrevistador Ainda quando crianccedila
Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em
oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau
preparaccedilatildeo para o segundo grau
Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja
Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram
pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz
que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio
111
primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas
eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus
ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava
trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi
para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do
valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos
arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador
daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth
Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela
Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio
das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu
Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio
Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que
foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo
conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial
Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre
isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman
Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute
com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram
a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente
Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos
estudos no EUA
Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu
nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia
de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu
sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar
Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete
vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava
aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas
igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do
Brasil e ela interpretava
112
Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo
XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e
insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente
no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado
alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava
Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites
das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana
Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca
Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir
para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute
reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem
positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes
do Brasil
Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta
pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita
pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto
ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou
Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem
nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca
comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse
em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que
houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em
falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo
Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa
conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A
senhora poderia falar sobre isso
Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher
sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como
que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era
professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para
viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam
mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula
113
O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para
Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e
remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens
Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito
ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona
Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta
mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro
Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai
Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis
homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns
cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a
era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a
Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o
agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de
escola nada
Sobre o objetivo da Escola
Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os
dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash
2129)
Iniacutecio da Escola
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz
de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela
havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute
tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (3003 ndash 3042)
Onde moravam os alunos
Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas
Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar
naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no
comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais
114
estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute
conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)
Escola oferecia almoccedilomerenda escolar
Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo
Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas
crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo
estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais
contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)
A escola cobrava um valor por crianccedila
Entrevistador A escola era mantida por quem
Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola
porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o
ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)
Professoras
Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego
quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era
uma das professoras
Entrevistador Em principio ela era professora sozinha
Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute
Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas
Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute
tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam
foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)
A Escola
Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo
Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de
nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes
Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute
115
estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -
3451)
Conteuacutedo escolar
Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola
Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja
onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo
nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino
Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra
crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)
As crianccedilas
Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola
Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de
nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz
Entrevistador Soacute de ouvir falar
Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo
tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila
(3643 ndash 3721)
Curriacuteculo da escola
Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo
era ensinado
Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e
pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem
lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta
Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas
que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma
professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias
Entrevistador Como as famiacutelias viam isto
116
Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra
dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos
muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash
3957)
Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos
Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas
Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes
iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente
andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)
Importacircncia da Igreja para cidade
Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade
Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se
tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita
dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)
Doaccedilotildees que AW fez
Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos
que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito
discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de
Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia
ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se
interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu
estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a
senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o
obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns
cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)
Uma escola para cada Igreja
Entrevistador
A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas
Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa
Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e
117
era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que
atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e
Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram
menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)
Cotidiano da escola
Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila
12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash
todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas
entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam
Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia
Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um
discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos
ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash
5626)
118
ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho
Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de
Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor
memorialista da cidade
Entrevista
Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com
alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas
ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a
estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista
Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou
menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele
atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o
salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio
Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3
alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi
embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui
organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18
de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe
que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o
aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos
iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola
praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo
ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver
quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se
comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando
porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha
aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista
Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma
novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas
dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola
batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes
119
Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um
programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o
quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas
particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu
sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as
escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam
utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha
que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar
por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar
um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando
vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia
pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu
fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia
nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles
chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles
usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra
turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano
laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu
sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia
o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas
coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei
ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo
mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor
jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias
Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana
que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela
tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito
importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a
gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia
desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc
projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas
tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola
120
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa
com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela
mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte
ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em
fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino
agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte
ciacutevica tambeacutem bem colocada
Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em
Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo
cristatildersquo
Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a
semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma
leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola
dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso
que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde
Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a
histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade
Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola
Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado
ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra
vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era
uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a
escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no
quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam
daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do
ensino que era bem feito bem ministrado
Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar
Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles
falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas
eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo
121
escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem
estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que
tinha na eacutepoca
Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola
Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia
muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo
pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o
aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto
entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que
o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu
isso
Entrevistador Qual o valor cobrado
Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se
pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem
diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do
tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava
menos que uma latinha
Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje
salaacuterio uma diaacuteria
Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela
eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor
Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam
a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do
medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino
superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um
carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros
alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido
122
Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que
deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta
como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino
oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50
cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre
as escolas e essas ajudas
Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na
chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na
cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava
envolvido
Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o
Catolicismo por exemplo
Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui
na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D
Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre
Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre
vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia
Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao
Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto
falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o
motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que
aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse
Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha
aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia
assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas
coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de
uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem
Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o
senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma
relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no
ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar
123
Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era
uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os
professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite
existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito
draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da
escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por
exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou
fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio
do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se
formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde
tambeacutem
Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem
Colaborador Natildeo tinha professores
Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados
Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma
sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na
igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um
lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no
recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem
aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio
das meninas todo mundo ficava tirando sarro
Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem
Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas
Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos
alguns eram meio danados
Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual
Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que
estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com
bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem
comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era
feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava
124
os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo
outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as
matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que
aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de
fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica
Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na
EBD
Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de
Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era
distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia
juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando
elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas
bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas
Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja
Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha
filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por
exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A
grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo
tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar
Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles
usavam eles recebiam uma ajuda da escola
Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno
laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever
qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do
ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a
serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles
davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois
Entrevistador Isso sem custo para aluno
Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela
mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era
125
distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito
tempo
Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material
que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo
Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo
126
ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima
Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A
mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e
depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie
Entrevista
Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma
pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo
somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos
conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria
Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que
agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas
moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave
peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso
Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola
que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo
aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida
Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou
com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao
lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali
Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela
eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me
trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute
falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino
que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro
nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar
e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles
E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute
atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles
127
Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava
com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me
cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute
que eu entrasse no Coleacutegio
Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora
Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles
cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia
mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute
com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um
tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns
anos eles foram embora me parece que pra Jardim
Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute
eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar
com ela uma temporada
Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu
tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali
na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo
Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa
Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente
era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela
em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua
obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia
todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada
Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos
Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha
noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia
ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo
vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi
ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente
aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava
tambeacutem sobre o culto domeacutestico
128
Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico
Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do
cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita
ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca
dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava
um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a
evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai
tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas
todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas
ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa
Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de
fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende
Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem
preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que
demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo
comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio
ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por
exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito
mas ficavaficava obedecia
Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos
Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos
Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute
E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava
muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu
aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma
passagem da Biacuteblia era assim nossa vida
Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto
responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman
que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela
mostrava sua autoridade
129
Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo
era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito
eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre
trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as
pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade
Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado
mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela
pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela
tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia
que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar
uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe
isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute
estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda
muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando
Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola
Batista ainda
Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda
natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava
comeccedilando jaacute
Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou
professora como foi isto
Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando
ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra
fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem
ali a lecionar ali no primeiro segundo ano
Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos
Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o
quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei
a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca
em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de
Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de
pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A
130
igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma
escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e
assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por
exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A
maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela
nossa Igreja pela Igreja Batista
Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana
Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo
Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde
foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a
gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros
permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei
Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter
ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro
Entrevistador Porque a senhora acha que errou
Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido
hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a
gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei
a decisatildeo
Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo
queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar
estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55
[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu
nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com
eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na
mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute
crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou
bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta
talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais
resolverem que eu podia ficar mais
Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a
gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com
131
dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa
onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da
casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca
Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente
jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash
Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria
o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito
bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo
trabalhando
Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de
Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e
alunos
Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute
que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas
que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da
Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo
Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra
cidade pra continuar os estudos sair dali preparado
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as
pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees
e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele
presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E
sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi
ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem
era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca
ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes
dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar
Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser
o mesmo lugar a mesma coisa
Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem
ela
132
Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham
na escola
Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia
Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra
Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela
usava
Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim
Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de
fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria
Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola
Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em
Rincatildeo de Julho
Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta
falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela
eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali
Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia
possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria
para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto
para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute
com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E
ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim
Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que
funcionava isto dentro da escola
Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o
Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela
Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da
Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se
corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens
Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem
133
usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316
ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava
aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe
Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo
Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola
biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de
Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos
caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada
Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram
convertidos
Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A
gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor
Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o
ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo
a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um
rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na
Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro
da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O
Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente
e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus
viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a
Biacuteblia mesmo fala
Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman
mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora
chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um
trabalho de evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era
quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para
fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos
e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era
muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair
134
visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que
foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco
As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que
trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem
que veio e fazia este trabalho
Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que
fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela
Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa
trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira
de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita
gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum
lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe
aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que
muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo
existe Eu aprendi muita coisa muita coisa
Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a
senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder
em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto
Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com
muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma
diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca
Era muito gratificante era muito bom
Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria
Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a
histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha
facilidade de aprender as datas decorar datas
Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas
partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais
Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil
Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga
Colaboradora Assim como o senhor fala
135
Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente
ensinavam a partir da Biacuteblia
Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o
primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que
Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar
Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula
Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam
pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa
que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o
objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo
deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo
uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno
Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem
ajudavam na escola biacuteblia no templo
Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora
formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu
conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam
aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo
envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha
cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque
o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este
era a coisa principal da Dona Ana
Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas
Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela
ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana
Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se
fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu
Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele
jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das
Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela
era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando
136
terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute
tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona
Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona
Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute
Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou
pouco tempo
Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro
Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana
Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute
nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor
Valdir
Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas
Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura
machista ainda eacute muito forte
Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque
tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem
uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas
eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute
que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha
Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA
Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita
preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha
muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava
cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o
momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia
dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela
Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil
ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca
Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que
eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que
uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora
137
Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade
de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do
Sul
Colaboradora Eu que agradeccedilo
Ficha catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
370981
R72a
Rocha Maacutercio Joseacute de Oliveira
Ana Wollerman Educaccedilatildeo e Evangelizaccedilatildeo em
Amambai-MS (1947-1954) Maacutercio Joseacute de Oliveira
Rocha ndash Dourados MS UFGD 2013
137 f
Orientadora Profa Dra Magda Sarat
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade
Federal da Grande Dourados
1 Educaccedilatildeo ndash Histoacuteria 2 Educaccedilatildeo -
Amambai 3 Protestantismo 4 Evangelizaccedilatildeo I
Wollerman Ana II Tiacutetulo
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Dourados MS2013
BANCA EXAMINADORA
1ordm Examinadora (Presidente)
Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
2ordm Examinadora
Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal
Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________
3ordm Examinadora
Profordm Drordm Ademir Gebara
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Suplente
Profordm Drordm Reinaldo dos Santos
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Dedicatoacuteria
A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas
Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha
Em especial a Nair minha companheira que amo com
profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas
ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa
AGRADECIMENTOS
A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na
face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso
com a Vida e com o Proacuteximo
A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-
doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos
percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em
alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador
A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir
participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense
Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr
Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da
pesquisa
A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de
Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos
maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos
A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche
do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas
reflexotildees sobre minha pesquisa
A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos
no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo
Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na
continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou
sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista
e educadora Martha Watts
A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e
da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees
ortograacuteficas do trabalho final
Aos entrevistados
Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para
educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana
Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e
Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr
Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a
histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o
terceiro com sua participaccedilatildeo
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo
Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada
ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados
Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA
1993 Rom 10 13-15)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora
Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que
ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para
outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo
treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e
memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de
evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e
sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu
perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a
metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para
analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e
degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para
produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana
Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos
Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico
de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o
indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias
utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau
para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de
representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em
cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos
mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana
Wollerman no Brasil
Palavras Chaves
Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo
ABSTRACT
The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator
Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period
that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving
on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the
training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of
familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization
for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its
importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations
of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for
the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical
operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman
produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History
for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were
involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural
History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural
practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted
representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the
autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the
bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana
Wollerman in Brazil
Key words
Ana Wollerman History of Education Protestantism
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 01
CAPIacuteTULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08
Formaccedilatildeo familiar e escolar 13
Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25
O lugar da mulher no pensamento batista 30
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO
PROJETO DE ANA WOLLERMAN
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS
PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
A escola que Ana Wollerman criou 68
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os
ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-
mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu
interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos
anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute
socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou
provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo
Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)
ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo
tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-
grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem
tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser
analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava
uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem
Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca
(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de
cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual
natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo
tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como
pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e
especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma
contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do
Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas
de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo
Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma
Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo
protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a
1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a
pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica
(PROCAD)
2
formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o
desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento
analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da
educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que
levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do
metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional
acima referido
Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no
Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia
Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um
estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas
no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica
brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo
ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da
educaccedilatildeo protestante
Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por
exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de
civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa
as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-
americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a
1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A
obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de
fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo
presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em
conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um
papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria
Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que
seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma
nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos
missionaacuterios no Brasil
Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade
a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do
seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e
3
desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social
entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre
catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional
que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons
Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de
afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a
educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas
diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos
protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo
dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a
investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria
servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos
protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas
escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas
viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles
do que pelos demais grupos protestantes
Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica
voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo
em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a
formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio
de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando
as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e
dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se
encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este
trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de
mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado
a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier
Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil
que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista
(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a
2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do
projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente
4
Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar
a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no
periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela
partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde
conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu
casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico
material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e
natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo
defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra
do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de
seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no
Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do
coleacutegio
O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo
batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de
praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo
do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura
escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto
educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute
Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade
Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA
contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise
complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando
praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da
participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo
batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa
perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo
ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites
da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas
escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas
Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash
1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e
5
sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor
analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-
alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da
Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do
coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo
direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos
para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral
E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema
de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta
poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia
muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez
pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul
O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de
missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia
as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual
razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana
Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo
atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos
depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia
independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica
missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo
A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de
anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o
periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash
para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio
Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados
da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo
No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de
formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico
quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre
6
sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia
escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste
capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir
da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva
(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a
memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das
necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre
passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o
lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a
especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na
segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta
cidade
O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no
Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai
(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura
da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria
socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas
da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo
Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as
praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-
se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se
que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-
noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o
individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de
convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees
de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo
destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)
No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana
Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e
7
educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo
especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza
A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos
seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes
utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo
da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a
professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e
continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo
Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e
Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O
tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador
na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a
ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das
materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por
meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica
dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente
concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por
ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado
a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento
8
CAPITULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA
FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA
Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas
missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como
essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute
analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-
educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas
como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece
o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil
Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo
A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana
Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de
Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da
centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente
(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave
medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente
(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema
encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o
processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo
gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de
um(a) missionaacuterio(a) batista
Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo
sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em
seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA
3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem
gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute
que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los
literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa
9
Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o
irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus
porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo
vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4
Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se
reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que
documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime
o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE
GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana
Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado
segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)
Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim
como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana
Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a
colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria
de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi
quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos
anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave
1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse
consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo
batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil
(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA
Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois
diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em
com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu
tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como
diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara
municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo
douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita
Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando
numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de
4 Grifo meu
5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de
alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs
elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em
virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees
especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com
relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)
10
distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria
por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo
meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)
O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso
ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um
ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um
discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado
em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar
ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo
reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso
ideoloacutegico serve
Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da
figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de
suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como
estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994
p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que
compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual
nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia
social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder
Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute
limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo
religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e
com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades
- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica
Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas
do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo
7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs
funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste
sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo
por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de
deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme
os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido
ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma
ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo
oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal
assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na
formaccedilatildeo do pensamento batista
11
Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem
estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)
portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja
reconhecido como cientiacutefico
- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo
batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do
Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos
As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou
funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos
homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional
status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo
dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp
5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que
os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima
uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)
Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros
nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos
contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos
conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria
(Halbwachs Pollack)
Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas
socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na
relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna
inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de
ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja
ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade
criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis
ela conceitua
Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio
imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo
Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico
porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira
(PESAVENTO 2004 p4445)
12
Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque
eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo
religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria
ldquoenviada por Deusrdquo
Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a
memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos
pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu
falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos
indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees
coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias
pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque
se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem
ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo
Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees
fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta
pesquisa
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele
saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a
chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles
eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a
famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se
chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos
eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee
nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna
Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes
mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e
Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim
meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo
para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de
ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele
foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema
com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu
Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para
estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi
ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p 140)
Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu
nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto
Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo
13
concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas
lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas
lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da
estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman
com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo
para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo
soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas
Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)
que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de
referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo
presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as
lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre
verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de
referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da
colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem
se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para
aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e
outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na
histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda
psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os
registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)
Formaccedilatildeo familiar e escolar
Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por
Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff
- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille
Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de
Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da
comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil
ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff
experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos
14
principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos
fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio
Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a
cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para
quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e
portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo
(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata
[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de
estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito
bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000
mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de
vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas
todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas
de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e
muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos
meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)
Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das
informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este
tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA
No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata
A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute
terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis
anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de
dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze
anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles
anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me
lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de
sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a
atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela
fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas
o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana
Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou
mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse
influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola
eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou
paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram
originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria
15
no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de
ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria
missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando
questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU
2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de
ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm
interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a
narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua
trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute
descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios
Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho
10
Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria
o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se
caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de
formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos
9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012
10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem
perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-
metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na
mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do
seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em
httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012
Ao fundo os pais da Ana
Wollerman Sr August
Wollerman e Sra Minna
Wollerman Em primeiro
plano da esquerda para direita
Ana e seus irmatildeos Edwin e
Mildred - Acervo Biblioteca
Faculdade Teoloacutegica Batista
Ana Wollerman
16
Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas
devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo
apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e
reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social
Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e
doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos
meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles
nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal
organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se
ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das
ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e
outros paiacuteses11
Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de
evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio
ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176)
Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana
Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos
personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo
reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento
Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei
muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me
lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo
creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava
voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades
sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)
O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede
interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para
construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori
foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto
marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de
vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil
11
Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de
Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)
17
Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo
do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao
menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os
primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)
Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria
se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute
desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que
ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a
este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente
consagradardquo12
Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece
muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo
queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco
deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha
assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha
vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada
realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)
Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na
universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando
da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para
os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez
com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um
escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se
afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos
negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 141)
Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se
refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que
temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o
porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo
sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira
encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste
12
O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente
bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um
processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como
oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo
se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso
18
sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo
menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela
Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico
de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi
possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o
missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de
igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil
Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins
Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte
americano Bill Sherwood diz
[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e
entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela
tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu
sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados
[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do
que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da
entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os
missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no
Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua
fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em
Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda
guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD
Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de
Ana Wollerman
[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer
De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a
Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o
jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo
porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um
salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho
que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito
satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez
(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e
voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se
deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-
nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que
19
tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento
da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao
assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins
interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood
Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma
perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a
nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood
[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de
Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui
nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o
segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser
com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir
a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da
minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo
deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p
142 p 147)
Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A
questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)
desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas
Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas
representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se
criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13
Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez
para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de
referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14
Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive
encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser
nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas
tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou
deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)
Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil
possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada
pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste
13
Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
20
missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15
ele teve dificuldades em
aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o
questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood
ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por
ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento
satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o
exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se
configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar
aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de
machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude
do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU
1998 pp 91s)16
Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria
Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e
identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido
um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo
autobiograacuteficardquo
- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo
inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria
histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas
mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos
religiosos e lideranccedilas sociais
- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e
psicologicamente
- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um
sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste
autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que
ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos
15
Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16
Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia
tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as
taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo
consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio
proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc
21
outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade
admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos
valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)
Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois
Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida
Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de
legitimar seu projeto missionaacuterio
Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi
perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da
minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido
em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela
noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja
farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo
que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer
isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois
para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)
A experiecircncia religiosa17
eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano
ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da
situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na
escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto
nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas
quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade
de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda
mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA
Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia
religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para
o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que
paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo
participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta
dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio
que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua
17
Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do
protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no
humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida
(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que
levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma
religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo
ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)
22
vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do
que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp
15s)
A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel
em Artes da Ouachita Baptist College18
em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos
de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo
Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas
teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que
queria ser missionaacuteria em outro paiacutes
Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo
que cursou Bacharel em Artes
[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19
graccedilas ao meu Pai
[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o
que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei
sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria
Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem
desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o
desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares
pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando
Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser
realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar
de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser
salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de
trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma
missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)
Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20
possivelmente seu interesse de vir para
o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e
18
Hoje Ouachita Baptist University
19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra
para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de
graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com
Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em
httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira
expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser
encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS
quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte
biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo
20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde
amambaense para Ana Wollerman
23
Anna Luther Bagby21
(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve
relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na
Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os
missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o
trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo
somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio
Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff
onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite
do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para
trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi
homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos
21
Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o
trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo
Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no
Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da
Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
24
serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas
instituiccedilotildees e ao seu paiacutes
Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do
protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman
sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato
autobiograacutefico
Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na
universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e
para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma
dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos
papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim
coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu
posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que
eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como
professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo
ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
176)
A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos
biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins
de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico
pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio
de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico
para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas
especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo
em sua formaccedilatildeo
Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de
Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou
um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades
religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter
missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou
com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que
trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua
famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a
ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi
aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua
decisatildeo
25
Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a
nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22
tens que abrir a porta [] eu andei umas horas
depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele
perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele
disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse
como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei
Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)
abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma
mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 pp 142 143)
Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado
brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans
Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e
chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
145146)
Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana
Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi
fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte
Contexto de formaccedilatildeo religiosa
O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por
um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua
vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana
Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e
queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais
eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os
valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []
ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []
Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha
famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando
muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja
aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23
Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o
iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na
22
Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23
Grifo meu
26
origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua
fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e
pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre
a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo
para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores
transmitidos pelos seus pais
Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja
mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos
bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do
aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo
estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman
A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente
em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda
fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres
sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram
por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las
aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em
meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do
pensamento batista
O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias
interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do
mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as
praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia
tomista24
eclesiologia hieraacuterquica25
intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos
24
Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)
25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave
condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado
canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como
estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do
impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o
constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima
dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro
estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio
social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o
estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo
(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)
27
sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a
sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos
bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical
entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios
de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber
(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo
No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do
anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em
Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura
somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se
outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a
mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo
Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu
falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas
eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu
quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na
parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei
mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais
tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os
olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como
Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes
ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148
149)
Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana
Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas
e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo
porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu
trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles
eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)
Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre
calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os
calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de
Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo
28
em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a
humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus
eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade
depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de
construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a
salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute
Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo
retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26
Em
siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a
responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da
graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo
Weber
Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta
inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus
interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da
consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de
conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o
presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que
seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por
considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)
Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo
inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel
perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-
moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso
missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da
salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado
numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio
Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de
uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando
26
As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a
Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados
de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma
congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de
ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido
comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos
via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo
resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO
1996 pp 84s)
29
a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior
envolvimento com a comunidade religiosa
Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos
trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para
Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus
Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder
assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)
O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era
irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por
ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a
Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela
meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja
Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas
participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista
mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a
legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja
local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo
Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi
formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores
do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a
ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo
A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e
o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras
naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul
era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando
a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros
paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997
p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern
Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um
rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e
culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o
norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a
se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na
cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para
30
o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria
mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no
Brasil
Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento
fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave
modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia
europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia
buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto
de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e
outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute
cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por
conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas
criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como
presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios
teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos
textos biacuteblicos27
O lugar da mulher no pensamento batista
As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em
um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina
Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana
Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da
pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo
27
Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram
1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos
seus autores
2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave
argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e
ldquoCristo da feacuterdquo
3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da
humanidade para livraacute-la de seus pecados
4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando
que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja
no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais
5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que
eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)
31
Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher
na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de
vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de
mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja
ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)
1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como
um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e
ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem
poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28
2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do
lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo
Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento
batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar
as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao
homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para
o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo
divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da
ldquoordem socialrdquo
Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo
de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber
de que forma a mulher eacute representada
A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a
essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher
governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha
para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor
gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos
guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da
mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser
jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB
1954 p 5)
Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo
e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da
existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista
28
The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012
32
pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas
mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee
mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver
com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos
sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e
esposa abnegada
Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do
iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar
tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais
mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas
ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por
conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a
experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de
civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado
nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)
Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra
funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a
maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das
mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres
missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das
Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute
1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4
Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas
especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do
trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)
O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo
apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949
(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo
trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da
Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho
missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel
fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras
mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras
atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam
33
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s
Sras 653 13857 195816 134440 293190 193067 11963 8340 10403 48778450 195
Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57
Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de
1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46
Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por
exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma
concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem
diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino
na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que
como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra
uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute
vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana
Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria
executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de
Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense
ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004
p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de
feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo
Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo
tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por
pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood
34
3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres
norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais
as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos
seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de
retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente
eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de
compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso
que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas
para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e
sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc
Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos
dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees
radicais sobre o sufragismo ao conformismo
Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais
sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute
afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo
questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias
(SILVA 2011 p 34)
Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre
esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos
limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo
ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o
ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja
local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo
de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a
ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria
Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo
de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo
status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a
vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves
mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que
Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no
seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de
35
Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de
conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia
Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo
de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto
fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem
impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)
Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as
instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o
assunto da seguinte forma
O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como
restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no
pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com
autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November
11 2000 p2)29
Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista
a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo
Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe
claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo
de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes
Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um
lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo
zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)
A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na
Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de
21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo
sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais
O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de
20 a 24 de janeiro de 1995
29
Traduccedilatildeo livre
36
Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo
Luiacutes - MA 1995 p 512
O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela
uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que
participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa
Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas
possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi
resolvida entre os batistas
Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de
ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra
complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra
583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam
desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de
quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso
PERGUNTAS SIM NAtildeO
Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067
Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049
Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320
Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193
Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599
Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583
Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466
Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372
Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290
Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457
37
desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a
Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo
1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista
Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da
lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as
Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios
como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia
Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que
a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como
missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias
especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente
avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz
da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de
Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)
A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas
Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do
que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral
Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave
tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30
e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas
da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem
natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute
presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman
Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz
realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como
pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era
uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 156)31
Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de
Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender
que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como
missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem
necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica
retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que
intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier
[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio
possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos
e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em
30
Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1
Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre
Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31
Grifo meu
38
afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a
dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio
consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a
insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)
Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco
mais
[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me
consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo
isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje
em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada
era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160
161)32
O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para
entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul
Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul
criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque
pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um
conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher
A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas
nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de
lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em
Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente
nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa
de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa
32
Grifo meu
39
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS
NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana
Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos
do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil
No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil
e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado
em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional
batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo
entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta
missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia
A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo
de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33
tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo
Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas
religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as
representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas
interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo
na ldquocomunidade imaginadardquo34
dos batistas
Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no
ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da
realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35
(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de
sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre
33
Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34
Benedict Anderson (2008 p 39s) 35
No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)
40
batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na
ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais
pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a
presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou
culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os
oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de
mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das
almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar
sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si
pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem
de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam
(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato
Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo
interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil
Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo
no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo
de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos
do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde
o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil
e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -
comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta
ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa
Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente
proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias
nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a
evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os
Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros
holandeses franceses e suiacuteccedilos
A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de
missionaacuterios colportores36
O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista
36 Vendedores de biacuteblia
41
Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do
Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul
do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)
Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais
(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas
mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e
distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e
fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo
O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo
XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica
de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais
liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do
republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que
fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees
traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios
liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro
estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na
estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de
manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro
todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)
Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos
liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio
circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo
com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora
Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho
que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo
trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias
liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se
um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres
jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento
catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil
42
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil
Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos
por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do
Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro
Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste
mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de
Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma
igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e
teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996
pp192193)
O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes
sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em
solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua
esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin
(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar
missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu
para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-
combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos
relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck
Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp
330 ndash 336 450 ndash 456)37
Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste
mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira
igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades
brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996
p 194)
Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da
proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram
organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43
delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo
37
As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do
trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)
enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond
43
provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)
(REILY 1984 p 175)
A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois
princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre
estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro
e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a
formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas
missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar
sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas
ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo
de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela
publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas
jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura
religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)
Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que
significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998
pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma
linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de
estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das
praacuteticas religiosas38
e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees
drsquoOJB
Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de
criaccedilatildeo drsquoOJB diz
O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista
especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista
Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando
resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido
doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas
CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar
representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e
38
Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde
problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e
exclusotildees de membros da igreja
44
denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo
de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39
Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio
grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos
impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de
formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos
centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais
produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais
grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo
tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p
22-28)
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil
Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)
uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos
Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores
vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias
colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara
Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos
voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute
estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)
Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado
para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser
pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a
periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das
escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em
cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898
- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees
de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta
39
Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante
na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode
ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e
concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro
texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do
pensamento batista no Brasilrdquo
45
de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo
marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos
dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da
Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo
indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos
seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute
poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da
documentaccedilatildeo40
Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros
missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno
porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil
Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees
ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela
iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41
esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se
dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para
elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as
casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)
Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura
Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor
School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do
fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que
40
O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por
missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou
conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do
Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)
este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo
Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da
Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees
acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas
ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos
poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das
lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de
1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional
(MACHADO 1994 pp 63-67) 41
A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em
relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir
para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o
general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond
46
a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto
de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)
As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees
teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos
seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo
religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e
fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao
seu projeto educacional
Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por
Pedro Arauacutejo eacute relatado
O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta
com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como
espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para
engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos
preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande
perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute
promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a
nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir
duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma
mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos
membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor
o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja
subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua
mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os
pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)
Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem
educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas
escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos
batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora
pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles
precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na
cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o
que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da
Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se
membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto
para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do
grupo
47
Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos
filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros
motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade
brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns
casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo
religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO
2006 p201s)
Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados
de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos
liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o
Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA
O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e
pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e
ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas
e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais
cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica
mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores
puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do
collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde
o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo
christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande
valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo
christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros
christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud
ARAUacuteJO 2006 p 200)
Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo
quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como
espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo
(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que
levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus
Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um
ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de
Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo
ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo
fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja
existir
Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos
perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de
48
ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa
ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In
TRUETT LOVE 1950 p36)
Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do
compromisso com o que entendem ser sua missatildeo
As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos
hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na
paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e
povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e
recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos
dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)
A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois
propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a
funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a
ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da
educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza
Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de
1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde
O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos
princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo
incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que
adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que
disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo
(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio
para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara
para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um
peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se
consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que
seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este
tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-
284)42
Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive
promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na
caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais
[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram
valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira
repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento
norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como
42
Grifo meu
49
ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os
traccedilos culturais do seu modus vivendi
Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de
evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo
voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo
indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que
equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana
a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior
preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a
documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era
ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da
Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse
na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos
prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a
finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo
porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo
Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees
podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO
Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel
na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais
elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os
serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de
Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova
organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos
principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover
programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra
ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto
evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de
estudantes (LEONARDT 1963 p316)
Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente
ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas
priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades
que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica
pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam
intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e
as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda
regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma
orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas
A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo
deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples
50
deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926
apud MACHADO 1999 p80)
A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte
de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os
ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino
religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio
Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as
diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em
relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as
aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo
delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem
propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a
visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)
O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento
batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente
desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43
Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da
noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa
que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal
discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de
seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente
desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no
tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste
sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio
religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso
conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a
ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta
pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de
uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma
ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do
aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para
aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)
43
Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia
(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de
censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base
legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre
se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos
Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)
51
Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista
vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma
ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui
ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a
educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo
Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e
educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista
se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44
Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser
relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns
professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam
a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que
supostamente estivessem agindo da mesma forma
Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a
pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o
pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma
instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta
afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves
vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute
claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948
pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes
direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico
tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo
Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento
maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX
tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no
graacutefico em seguida
44
Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em
seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo
Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de
alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola
52
MENDONCcedilA 2008 p52
Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882
porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45
As informaccedilotildees do
graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando
a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na
abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos
batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de
evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios
protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso
Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o
trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um
45
Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao
serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880
53
planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de
migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil
No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou
esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem
estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)
Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910
sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional
pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do
tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste
liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou
um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento
na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro
(NOGUEIRA 2003 p 48-52)
Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre
outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio
do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram
uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional
em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da
Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado
pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja
Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)
A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram
igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo
Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em
Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob
a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A
Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou
de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos
batistas mato-grossenses
Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia
outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai
este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e
54
seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e
Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim
de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila
batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)
ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)
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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso
mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam
estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute
na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em
Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e
autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de
igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o
crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana
Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as
estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e
treinamento de lideranccedilas
Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora
nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos
que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo
ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe
mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou
para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles
conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era
nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou
55
animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo
presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com
a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a
sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil
Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins
aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua
caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria
em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman
aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada
por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito
federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este
disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a
cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo
palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel
Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer
na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que
vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor
Ana Wollerman (37 anos) assim que
chegou ao Brasil em 1947 Acervo
Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica
Batista Ana Wollerman
56
Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto
quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas
malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala
grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me
falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na
minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus
mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria
de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio
de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de
missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a
gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p 147)
Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo
resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de
entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou
publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento
de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)
Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida
pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio
Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava
ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura
fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia
Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas
nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei
elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que
perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas
reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46
Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47
Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento
algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade
eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa
Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na
ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem
de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo
Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos
homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora
46
Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47
Idem
57
de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da
igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher
missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como
fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de
reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local
Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor
Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo
de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs
com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe
ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123
58
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS
Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir
Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute
entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo
na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho
progredisserdquo
Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita
aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele
pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho
progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e
fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo
uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p 148)
Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito
de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do
Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que
tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate
O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade
pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48
mas sim porque desde o
iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas
para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo
ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a
demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este
apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo
ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49
foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena
local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p
120 121)
48
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo
de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio
Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los
diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta
Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a
capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em
18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato
Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em
15122012 49
ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos
fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore
com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)
59
Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai
era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por
Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal
atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma
rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para
encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que
garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)
Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o
pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro
urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo
seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de
religiosidade protestante
Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as
crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute
criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas
Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor
ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)
em volta da mesma mesa para estudar
Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter
condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam
dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e
fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)
As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros
com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na
regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser
atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias
ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)
O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender
este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash
memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na
60
histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50
Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo
numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo
[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E
aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele
tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo
tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia
fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras
porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar
as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam
porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar
carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por
aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo
vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia
pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo
quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO
2012)
Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do
professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais
escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os
cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em
dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173
VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)
50
Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para
esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de
Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai
inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de
pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados
inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT
61
Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51
melhorou o acesso
agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas
ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno
(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas
rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei
Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo
federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento
aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens
abaixo
51
Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram
intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas
escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham
certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram
ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando
o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o
professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo
Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO
2009 p173
62
Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito
Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para
criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde
chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos
depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO
2009 p191)
Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que
principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana
Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que
era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim
de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve
tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes
amigos e outros interessados
Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de
Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto
Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)
63
Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja
Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52
por conta disto em 1943 a igreja enviou o
ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um
ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em
Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de
comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)
proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as
atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar
sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e
foi seu aluno
O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais
ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como
evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma
escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu
tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do
Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos
3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este
iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)
Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua
casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo
evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do
espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim
passarmanifestar sua mensagem religiosa
A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar
assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia
para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para
fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela
organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947
quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia
Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a
Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de
Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia
auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham
52
Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08
64
comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes
resultados por eles esperados
Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para
abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha
fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe
outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens
[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos
crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra
metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem
ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo
de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se
isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo
Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido
Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman
possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade
ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus
saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do
impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner
na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que
desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-
americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados
A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e
outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente
quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem
este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes
passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se
apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida
criativamenterdquo53
por agravequeles que dela se aproximavam
Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de
amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das
primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida
53
Michel de Certeau
65
como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais
famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o
Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana
Wollerman comenta
Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo
direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu
ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai
deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era
madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola
Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente
servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria
inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha
manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou
Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana
Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas
escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E
em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse
Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem
pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido
qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma
vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um
pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de
fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO
2012 p 3)
Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho
da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos
ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor
Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma
congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel
Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo
de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949
Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a
66
famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando
na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia
[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua
filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo
havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que
serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas
de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro
e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a
casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta
casa
A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e
eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo
pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para
sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de
cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de
dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas
mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e
usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um
guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito
simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais
alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o
apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e
aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela
foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito
Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio
Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a
ponto de
Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei
do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude
estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma
lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
152)
No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a
Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola
Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo
o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a
grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes
67
podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo
precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute
com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou
ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce
Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam
eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana
noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora
vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra
professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana
Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou
muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai
[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e
tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas
a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era
alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei
impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia
caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA
2003 p 186)
E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola
Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de
sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas
praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave
leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai
68
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN
INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a
estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto
educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos
demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo
poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se
mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as
condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto
histoacuterico e social de Amambai-MS
No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria
de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no
municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o
entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos
estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash
professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana
Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria
A escola que Ana Wollerman criou
Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em
Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito
influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e
ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um
detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo
catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na
famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a
famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma
significativa autoridade abaixo apenas dos pais
69
Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas
famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana
Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher
branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo
No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona
Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar
mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi
visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo
existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o
que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela
tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman
Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar
no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de
dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula
para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e
outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona
Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p 149)
O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor
Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de
escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54
mas vai se
estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de
desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana
Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com
divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava
abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este
milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato
da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse
comeccedilado com todo o primaacuterio formado
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas
provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela
foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola
primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano
mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (ERGAS 2012)
54
ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em
estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar
70
O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que
por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto
Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se
tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute
provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo
mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de
Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que
tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou
seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma
ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo
Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas
questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana
Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute
monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que
enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste
caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios
Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
71
Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas
bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o
que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num
grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura
personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de
alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que
ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que
daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o
ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no
Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e
natildeo de Ana Wollerman
Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos
batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo
sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond
que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo
aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e
ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias
palavras tais representaccedilotildees
Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela
primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram
grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum
lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo
sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em
Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas
peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto
mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez
muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
55
Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em
1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute
importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo
eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute
entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta
Poratilde-MS
55
Grifo meu
72
No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as
atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a
Igreja Batista em Amambai56
e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho
(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso
a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman
tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato
Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria
de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e
auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo
o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este
dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao
lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de
Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma
homenagem posterior que a Igreja fez a ela
56
Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela
foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio
Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham
em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de
ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo
ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo
Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde
amambaiense para Ana Wollerman
73
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo
Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente
a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas
que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista
Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia
Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto
de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a
incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas
sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes
que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar
dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os
professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da
escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de
pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos
que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por
intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a
escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso
analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou
com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente
compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido
antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o
afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud
VIDAL 2005 p24)
Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo
como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de
conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as
culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com
seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de
escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da
trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a
criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas
estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns
elementos da cultura da escola como chave de leitura
A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente
municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada
majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo
apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo
Sul de Mato Grosso
74
Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato
Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos
344214 rurais57
Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo
moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que
fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a
Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai
(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro
como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das
dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo
Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas
escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os
ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola
Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de
laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu
pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por
intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela
eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da
Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim
pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)
Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa
necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de
escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que
certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas
proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que
se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais
encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a
fim de poder dar continuidade aos estudos
Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os
que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)
Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros
motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de
estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte
Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu
completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte
57
Fonte IBGE
75
eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana
Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno
Hudson Otantildeo da Rosa
No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa
de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da
cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha
simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos
lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas
emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo
Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se
comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo
ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo
somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com
bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente
Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era
brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo
Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior
progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do
precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa
Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de
progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor
tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia
ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que
ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em
seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas
natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a
cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois
voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu
anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo
tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus
irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para
o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira
dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia
suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas
proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra
esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da
minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande
brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu
povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma
me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus
estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58
O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais
colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis
motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar
58
Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta
pesquisa
76
a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de
representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de
encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como
atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de
forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma
infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e
assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de
trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em
conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o
periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a
partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59
As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da
escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o
Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento
anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar
Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento
do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia
desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico
por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha
que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado
E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da
escola60
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles
trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os
pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute
considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito
prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja
convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se
destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam
distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)
O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da
educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as
decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61
Em sua fala
aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da
escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar
Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os
59
Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60
Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes
documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso
natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61
Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado
77
alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas
alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior
nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de
prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter
satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola
Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento
estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo
nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com
assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de
fechamento do ano de 1951
Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista
nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo
da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se
voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes
despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos
ao fim do curso letivo
Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo
de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com
que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de
ensino
Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo
impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por
muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)
Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais
realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao
trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os
remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente
representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de
algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda
que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que
se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E
neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz
O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto
da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute
como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos
determinados (FARIA FILHO 2008 p81)
A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e
Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser
78
analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a
relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares
para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar
que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se
configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado
mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de
1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do
Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por
diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de
ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos
participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte
Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha
normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc
terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as
meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para
aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)
Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de
intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de
escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo
Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos
diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo
quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc
(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento
estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de
poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto
talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o
estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras
assim ela relembra a experiecircncia
Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um
corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que
tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes
dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas
surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino
Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo
sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda
razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca
da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que
para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo
79
ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que
era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e
mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro
nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62
Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das
autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana
Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no
Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente
limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua
inglesa ao da liacutengua portuguesa
Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado
Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde
quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser
ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da
Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das
pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias
buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia
patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees
fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo
do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do
Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais
poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS
MULLER 2009)
Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de
Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas
apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula
Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que
prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo
fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que
62 Grifo meu
80
todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os
resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da
Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana
Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona
Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente
preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional
Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro
fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos
E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da
semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era
hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira
e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa
parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)
Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana
Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era
realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em
posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E
assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova
geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de
suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que
pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela
populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar
81
E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas
atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para
os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes
A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando
agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus
Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a
realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo
em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as
coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se
ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de
missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara
(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63
Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da
tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo
numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo
(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e
Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia
63
Grifo meu
Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo
042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman
82
entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos
biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio
Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)
Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos
confins da terra (At 18)64
Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica
missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho
missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se
apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai
Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos
salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute
no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Compare os vocaacutebulos grifados com
Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso
acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos
(At 247)
E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo
continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz
Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha
salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos
aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o
Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro
dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir
todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
151)
Compare os vocaacutebulos grifados com
E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)
Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se
que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora
da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana
Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma
oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
64
Grifo meu
83
Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria
das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e
alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros
ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo
(WOLLERMAN 2003)
ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO
2012)
ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)
ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e
laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era
infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)
Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu
lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos
protestantes65
sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das
Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66
E nos casos acima os
propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas
praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes
das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em
segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca
um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir
valores eacuteticos morais e religiosos
As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto
significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos
elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de
educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva
cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da
relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo
tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)
Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana
Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute
comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se
deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da
evangelizaccedilatildeo na cidade
65
Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66
Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE
Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo
(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees
Paulinas 2010
84
Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo
muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E
ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho
progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou
uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola
Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus
contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles
tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o
evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar
porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de
algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela
escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze
anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde
Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-
adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho
missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute
discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e
ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo
85
Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades
evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao
templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o
templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca
de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da
mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes
termos
Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no
Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as
classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria
na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a
histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e
contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67
cantava-se
67
A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram
cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes
Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
86
hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por
exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho
que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a
muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar
Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)
Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho
hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees
estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute
apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo
Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os
pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador
Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na
paacutetria celestial Perto do Salvador
Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos
chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador
Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar
no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador
Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o
amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68
Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor
evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes
batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre
consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante
profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69
Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman
tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para
ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo
Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a
primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo
68
Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de
Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio
G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo
Paulo ndash Edusp 2008 69
Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma
ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e
parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo
de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando
crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos
como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando
atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de
decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo
87
aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e
muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que
fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela
eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a
estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os
hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)
Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para
cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a
doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de
estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes
visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente
com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para
tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva
Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido
discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de
suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os
conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados
anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca
de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana
Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a
partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia
se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras
Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que
aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito
dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o
ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito
bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de
algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem
lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho
que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com
bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu
aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)
Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos
ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas
ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo
Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam
recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou
88
muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana
Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em
laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais
representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas
tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai
Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras
povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o
evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns
irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens
mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem
estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas
Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do
evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava
recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu
sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que
por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70
Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana
Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde
ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71
que queria tiraacute-lo da escola
porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar
para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar
na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens
de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para
Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao
falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da
escola participante do ldquosucessordquo deles
Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs
certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do
70
O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos
fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o
atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas
visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo
entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )
71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um
dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai
89
banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e
doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco
(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene
Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja
Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque
Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai
inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai
para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB
foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta
parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com
Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se
aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento
interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem
interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas
que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato
estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava
sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e
muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele
apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da
Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a
ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino
foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute
advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente
morava todos na mesma casa (LIMA 2012)
No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que
Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees
A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu
alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor
Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores
advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as
mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel
90
Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma
toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem
deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por
que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer
coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs
O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um
produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco
mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer
prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)
Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo
em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da
sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da
Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos
para preparar a merenda escolar
Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola
ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos
alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no
primeiro segundo ano (LIMA 2012)
Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela
pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a
ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade
Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn
Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo
do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72
e eu achei
que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do
Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se
passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus
Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn
Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles
eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam
recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu
usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil
doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)
Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que
a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil
pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi
integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai
Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana
Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo
72
Grifo nosso
91
pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman
tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e
segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por
uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)
Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca
que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado
por Ana Wollerman aos alunos e alunas
Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer
visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era
sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na
parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra
sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto
Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando
ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)
Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus
hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo
que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A
interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades
devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham
momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio
batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua
autoridade como ldquoautoritarismordquo
Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel
Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um
homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre
criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa
que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa
assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)
Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se
mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia
tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava
perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava
Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de
todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito
dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta
que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)
Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se
perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta
92
fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se
natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas
as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta
natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um
exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo
indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de
comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com
comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos
mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)
Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da
relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz
E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou
me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes
soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que
Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me
respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)
Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a
temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva
tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as
missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo
Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de
conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem
E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem
como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e
marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se
mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso
com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas
conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA
2011 p 35)
Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de
pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa
condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia
financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de
algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil
93
Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num
alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com
os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela
Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas
relata
Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim
qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer
achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa
muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a
vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)
A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman
era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e
coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil
Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta
parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira
(2003)
Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu
trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense
Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias
convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a
importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja
(NOGUEIRA 2003 p91)
Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da
Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil
(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e
agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e
distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada
jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da
Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava
financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras
94
A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob
os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em
condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com
ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de
poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana
Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi
indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em
Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da
referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens
Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma
nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de
Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava
progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)
E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar
como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)
filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis
ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e
concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato
Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e
passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai
(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)
Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se
uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque
segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o
exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam
bem colocados
Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o
filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na
eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda
no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc
tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um
exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como
quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa
mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era
ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora
95
aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da
credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais
e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas
profissionais
Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional
que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram
palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras
por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais
ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras
profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A
escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de
produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse
sentido (SOBRINHO 2012)
Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou
em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio
onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da
Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi
embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais
exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das
atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e
demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum
soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de
60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana
Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha
fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo
encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola
Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco
rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem
continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia
se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando
assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho
Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas
as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de
96
Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas
um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)
Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo
e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval
Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do
Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em
Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e
seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003
p105)
Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades
vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das
Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)
Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu
estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para
eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para
serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara
Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia
rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana
que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a
auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os
filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para
construccedilatildeo da escola e da Igreja
Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste
lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns
terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num
outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a
Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir
laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da
cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos
ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de
boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo
de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles
troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo
com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja
Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos
e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de
tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p156)
97
Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as
pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder
em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma
experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola
e passavam o dia inteiro nela
A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da
cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os
pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e
ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar
pois era distante (ERGAS 2012)
E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a
missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando
mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e
evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)
Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em
Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se
concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato
Grosso
Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do
Mato Grosso73
para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste
iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul
Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para
o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que
Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis
ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)
Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos
Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de
treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em
Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem
as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto
passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-
se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)
73
Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso
98
Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez
algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos
anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e
sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi
transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de
estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a
Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98
anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes
estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny
Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na
continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um
poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)
Whether I live for many days
O if they should be few
I will not cling to earthly ways
But gladly go where all is new
Jesus surely knows my name
Has prepared a place for me
Where forever I shall remain
And his Lovely Face IrsquoII see
How can I fear the great unknown
When Jesus stands and wits for me
Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity
Se eu viver muitos dias
Ou se eles forem poucos
Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas
Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo
Jesus seguramente conhece meu nome
Tem preparado um lugar para mim
Onde para sempre vou permanecer
E sua amada face contemplarei
Como eu posso temer o grande desconhecido
Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim
Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial
E entatildeo entender o que eacute a eternidade
99
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito
estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo
ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado
iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na
contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura
sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de
Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute
com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo
Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os
mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste
sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa
ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como
noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e
prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver
Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo
estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar
leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o
tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo
digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida
Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo
que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e
ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo
E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da
Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os
encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute
preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA
Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as
dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de
crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus
100
ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo
constroacutei de si
Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma
seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria
aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o
fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias
calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um
sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio
O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia
missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como
jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo
de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano
pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a
criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e
sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo
Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila
ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio
Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes
missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram
representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a
accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste
ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-
determinaccedilatildeo divina
No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu
frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo
por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa
configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava
contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada
Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar
pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia
interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No
101
protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a
vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana
Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para
sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de
exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de
ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio
teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um
ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse
sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo
A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da
educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo
social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas
feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no
Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo
na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo
Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns
pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser
relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora
da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria
sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que
assediava os alunos diariamente
Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo
vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos
batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da
Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta
Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o
Brasil
Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento
fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um
conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que
acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem
mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana
102
na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de
atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que
Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar
ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional
Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista
tiveram sua participaccedilatildeo direta
Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram
analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a
figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais
quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas
Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense
porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores
longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas
praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar
inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no
pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato
com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres
Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas
atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo
estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e
com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho
evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares
Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja
Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre
mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o
presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de
muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo
que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo
analisadas por outras pesquisas
103
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Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) Salvador-BA Universidade Federal da Bahia (UFBa)
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WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa
Publicadora Batista 1950
109
ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo
referenciado
As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua
pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento
autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas
entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e
respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae
Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo
Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191
110
ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas
Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria
Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi
missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de
escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas
Entrevista
Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber
conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman
Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes
de vir para o Brasil
Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram
alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E
laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha
se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a
famiacutelia de trecircs filhos
Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham
conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha
lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila
Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio
Entrevistador Ainda quando crianccedila
Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em
oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau
preparaccedilatildeo para o segundo grau
Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja
Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram
pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz
que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio
111
primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas
eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus
ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava
trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi
para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do
valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos
arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador
daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth
Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela
Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio
das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu
Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio
Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que
foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo
conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial
Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre
isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman
Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute
com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram
a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente
Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos
estudos no EUA
Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu
nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia
de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu
sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar
Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete
vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava
aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas
igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do
Brasil e ela interpretava
112
Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo
XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e
insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente
no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado
alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava
Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites
das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana
Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca
Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir
para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute
reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem
positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes
do Brasil
Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta
pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita
pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto
ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou
Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem
nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca
comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse
em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que
houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em
falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo
Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa
conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A
senhora poderia falar sobre isso
Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher
sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como
que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era
professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para
viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam
mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula
113
O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para
Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e
remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens
Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito
ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona
Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta
mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro
Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai
Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis
homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns
cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a
era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a
Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o
agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de
escola nada
Sobre o objetivo da Escola
Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os
dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash
2129)
Iniacutecio da Escola
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz
de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela
havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute
tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (3003 ndash 3042)
Onde moravam os alunos
Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas
Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar
naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no
comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais
114
estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute
conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)
Escola oferecia almoccedilomerenda escolar
Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo
Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas
crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo
estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais
contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)
A escola cobrava um valor por crianccedila
Entrevistador A escola era mantida por quem
Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola
porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o
ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)
Professoras
Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego
quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era
uma das professoras
Entrevistador Em principio ela era professora sozinha
Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute
Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas
Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute
tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam
foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)
A Escola
Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo
Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de
nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes
Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute
115
estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -
3451)
Conteuacutedo escolar
Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola
Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja
onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo
nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino
Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra
crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)
As crianccedilas
Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola
Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de
nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz
Entrevistador Soacute de ouvir falar
Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo
tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila
(3643 ndash 3721)
Curriacuteculo da escola
Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo
era ensinado
Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e
pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem
lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta
Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas
que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma
professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias
Entrevistador Como as famiacutelias viam isto
116
Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra
dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos
muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash
3957)
Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos
Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas
Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes
iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente
andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)
Importacircncia da Igreja para cidade
Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade
Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se
tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita
dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)
Doaccedilotildees que AW fez
Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos
que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito
discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de
Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia
ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se
interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu
estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a
senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o
obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns
cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)
Uma escola para cada Igreja
Entrevistador
A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas
Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa
Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e
117
era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que
atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e
Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram
menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)
Cotidiano da escola
Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila
12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash
todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas
entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam
Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia
Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um
discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos
ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash
5626)
118
ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho
Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de
Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor
memorialista da cidade
Entrevista
Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com
alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas
ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a
estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista
Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou
menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele
atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o
salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio
Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3
alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi
embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui
organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18
de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe
que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o
aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos
iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola
praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo
ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver
quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se
comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando
porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha
aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista
Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma
novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas
dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola
batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes
119
Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um
programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o
quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas
particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu
sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as
escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam
utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha
que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar
por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar
um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando
vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia
pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu
fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia
nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles
chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles
usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra
turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano
laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu
sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia
o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas
coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei
ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo
mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor
jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias
Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana
que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela
tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito
importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a
gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia
desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc
projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas
tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola
120
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa
com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela
mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte
ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em
fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino
agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte
ciacutevica tambeacutem bem colocada
Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em
Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo
cristatildersquo
Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a
semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma
leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola
dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso
que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde
Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a
histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade
Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola
Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado
ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra
vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era
uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a
escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no
quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam
daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do
ensino que era bem feito bem ministrado
Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar
Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles
falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas
eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo
121
escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem
estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que
tinha na eacutepoca
Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola
Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia
muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo
pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o
aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto
entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que
o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu
isso
Entrevistador Qual o valor cobrado
Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se
pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem
diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do
tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava
menos que uma latinha
Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje
salaacuterio uma diaacuteria
Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela
eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor
Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam
a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do
medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino
superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um
carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros
alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido
122
Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que
deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta
como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino
oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50
cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre
as escolas e essas ajudas
Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na
chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na
cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava
envolvido
Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o
Catolicismo por exemplo
Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui
na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D
Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre
Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre
vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia
Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao
Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto
falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o
motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que
aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse
Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha
aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia
assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas
coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de
uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem
Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o
senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma
relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no
ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar
123
Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era
uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os
professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite
existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito
draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da
escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por
exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou
fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio
do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se
formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde
tambeacutem
Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem
Colaborador Natildeo tinha professores
Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados
Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma
sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na
igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um
lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no
recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem
aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio
das meninas todo mundo ficava tirando sarro
Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem
Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas
Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos
alguns eram meio danados
Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual
Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que
estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com
bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem
comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era
feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava
124
os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo
outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as
matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que
aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de
fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica
Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na
EBD
Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de
Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era
distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia
juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando
elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas
bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas
Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja
Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha
filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por
exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A
grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo
tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar
Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles
usavam eles recebiam uma ajuda da escola
Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno
laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever
qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do
ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a
serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles
davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois
Entrevistador Isso sem custo para aluno
Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela
mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era
125
distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito
tempo
Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material
que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo
Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo
126
ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima
Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A
mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e
depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie
Entrevista
Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma
pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo
somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos
conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria
Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que
agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas
moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave
peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso
Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola
que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo
aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida
Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou
com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao
lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali
Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela
eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me
trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute
falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino
que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro
nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar
e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles
E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute
atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles
127
Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava
com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me
cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute
que eu entrasse no Coleacutegio
Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora
Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles
cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia
mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute
com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um
tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns
anos eles foram embora me parece que pra Jardim
Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute
eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar
com ela uma temporada
Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu
tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali
na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo
Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa
Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente
era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela
em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua
obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia
todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada
Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos
Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha
noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia
ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo
vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi
ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente
aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava
tambeacutem sobre o culto domeacutestico
128
Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico
Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do
cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita
ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca
dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava
um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a
evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai
tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas
todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas
ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa
Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de
fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende
Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem
preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que
demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo
comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio
ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por
exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito
mas ficavaficava obedecia
Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos
Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos
Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute
E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava
muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu
aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma
passagem da Biacuteblia era assim nossa vida
Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto
responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman
que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela
mostrava sua autoridade
129
Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo
era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito
eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre
trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as
pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade
Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado
mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela
pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela
tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia
que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar
uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe
isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute
estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda
muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando
Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola
Batista ainda
Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda
natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava
comeccedilando jaacute
Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou
professora como foi isto
Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando
ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra
fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem
ali a lecionar ali no primeiro segundo ano
Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos
Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o
quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei
a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca
em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de
Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de
pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A
130
igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma
escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e
assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por
exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A
maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela
nossa Igreja pela Igreja Batista
Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana
Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo
Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde
foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a
gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros
permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei
Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter
ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro
Entrevistador Porque a senhora acha que errou
Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido
hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a
gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei
a decisatildeo
Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo
queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar
estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55
[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu
nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com
eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na
mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute
crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou
bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta
talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais
resolverem que eu podia ficar mais
Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a
gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com
131
dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa
onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da
casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca
Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente
jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash
Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria
o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito
bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo
trabalhando
Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de
Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e
alunos
Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute
que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas
que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da
Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo
Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra
cidade pra continuar os estudos sair dali preparado
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as
pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees
e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele
presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E
sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi
ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem
era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca
ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes
dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar
Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser
o mesmo lugar a mesma coisa
Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem
ela
132
Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham
na escola
Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia
Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra
Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela
usava
Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim
Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de
fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria
Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola
Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em
Rincatildeo de Julho
Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta
falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela
eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali
Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia
possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria
para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto
para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute
com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E
ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim
Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que
funcionava isto dentro da escola
Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o
Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela
Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da
Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se
corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens
Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem
133
usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316
ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava
aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe
Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo
Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola
biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de
Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos
caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada
Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram
convertidos
Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A
gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor
Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o
ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo
a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um
rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na
Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro
da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O
Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente
e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus
viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a
Biacuteblia mesmo fala
Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman
mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora
chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um
trabalho de evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era
quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para
fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos
e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era
muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair
134
visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que
foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco
As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que
trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem
que veio e fazia este trabalho
Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que
fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela
Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa
trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira
de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita
gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum
lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe
aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que
muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo
existe Eu aprendi muita coisa muita coisa
Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a
senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder
em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto
Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com
muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma
diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca
Era muito gratificante era muito bom
Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria
Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a
histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha
facilidade de aprender as datas decorar datas
Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas
partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais
Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil
Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga
Colaboradora Assim como o senhor fala
135
Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente
ensinavam a partir da Biacuteblia
Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o
primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que
Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar
Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula
Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam
pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa
que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o
objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo
deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo
uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno
Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem
ajudavam na escola biacuteblia no templo
Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora
formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu
conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam
aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo
envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha
cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque
o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este
era a coisa principal da Dona Ana
Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas
Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela
ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana
Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se
fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu
Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele
jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das
Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela
era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando
136
terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute
tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona
Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona
Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute
Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou
pouco tempo
Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro
Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana
Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute
nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor
Valdir
Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas
Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura
machista ainda eacute muito forte
Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque
tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem
uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas
eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute
que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha
Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA
Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita
preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha
muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava
cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o
momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia
dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela
Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil
ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca
Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que
eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que
uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora
137
Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade
de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do
Sul
Colaboradora Eu que agradeccedilo
FOLHA DE APROVACcedilAtildeO
Dourados MS2013
BANCA EXAMINADORA
1ordm Examinadora (Presidente)
Profordf Drordf Magda Sarat ndash Orientadora
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
2ordm Examinadora
Profordf Drordf Diana Gonccedilalves Vidal
Universidade de Satildeo Paulo (USP) Assinatura ___________________
3ordm Examinadora
Profordm Drordm Ademir Gebara
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Suplente
Profordm Drordm Reinaldo dos Santos
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Assinatura ___________________
Dedicatoacuteria
A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas
Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha
Em especial a Nair minha companheira que amo com
profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas
ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa
AGRADECIMENTOS
A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na
face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso
com a Vida e com o Proacuteximo
A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-
doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos
percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em
alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador
A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir
participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense
Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr
Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da
pesquisa
A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de
Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos
maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos
A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche
do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas
reflexotildees sobre minha pesquisa
A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos
no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo
Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na
continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou
sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista
e educadora Martha Watts
A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e
da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees
ortograacuteficas do trabalho final
Aos entrevistados
Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para
educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana
Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e
Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr
Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a
histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o
terceiro com sua participaccedilatildeo
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo
Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada
ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados
Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA
1993 Rom 10 13-15)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora
Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que
ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para
outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo
treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e
memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de
evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e
sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu
perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a
metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para
analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e
degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para
produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana
Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos
Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico
de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o
indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias
utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau
para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de
representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em
cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos
mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana
Wollerman no Brasil
Palavras Chaves
Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo
ABSTRACT
The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator
Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period
that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving
on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the
training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of
familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization
for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its
importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations
of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for
the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical
operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman
produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History
for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were
involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural
History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural
practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted
representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the
autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the
bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana
Wollerman in Brazil
Key words
Ana Wollerman History of Education Protestantism
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 01
CAPIacuteTULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08
Formaccedilatildeo familiar e escolar 13
Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25
O lugar da mulher no pensamento batista 30
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO
PROJETO DE ANA WOLLERMAN
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS
PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
A escola que Ana Wollerman criou 68
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os
ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-
mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu
interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos
anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute
socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou
provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo
Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)
ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo
tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-
grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem
tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser
analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava
uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem
Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca
(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de
cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual
natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo
tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como
pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e
especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma
contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do
Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas
de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo
Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma
Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo
protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a
1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a
pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica
(PROCAD)
2
formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o
desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento
analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da
educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que
levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do
metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional
acima referido
Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no
Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia
Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um
estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas
no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica
brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo
ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da
educaccedilatildeo protestante
Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por
exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de
civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa
as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-
americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a
1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A
obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de
fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo
presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em
conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um
papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria
Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que
seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma
nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos
missionaacuterios no Brasil
Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade
a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do
seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e
3
desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social
entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre
catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional
que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons
Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de
afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a
educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas
diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos
protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo
dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a
investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria
servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos
protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas
escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas
viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles
do que pelos demais grupos protestantes
Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica
voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo
em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a
formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio
de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando
as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e
dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se
encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este
trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de
mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado
a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier
Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil
que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista
(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a
2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do
projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente
4
Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar
a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no
periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela
partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde
conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu
casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico
material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e
natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo
defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra
do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de
seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no
Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do
coleacutegio
O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo
batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de
praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo
do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura
escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto
educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute
Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade
Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA
contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise
complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando
praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da
participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo
batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa
perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo
ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites
da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas
escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas
Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash
1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e
5
sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor
analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-
alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da
Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do
coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo
direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos
para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral
E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema
de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta
poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia
muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez
pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul
O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de
missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia
as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual
razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana
Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo
atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos
depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia
independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica
missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo
A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de
anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o
periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash
para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio
Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados
da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo
No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de
formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico
quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre
6
sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia
escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste
capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir
da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva
(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a
memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das
necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre
passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o
lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a
especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na
segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta
cidade
O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no
Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai
(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura
da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria
socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas
da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo
Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as
praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-
se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se
que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-
noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o
individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de
convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees
de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo
destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)
No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana
Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e
7
educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo
especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza
A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos
seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes
utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo
da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a
professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e
continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo
Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e
Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O
tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador
na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a
ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das
materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por
meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica
dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente
concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por
ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado
a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento
8
CAPITULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA
FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA
Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas
missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como
essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute
analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-
educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas
como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece
o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil
Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo
A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana
Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de
Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da
centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente
(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave
medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente
(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema
encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o
processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo
gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de
um(a) missionaacuterio(a) batista
Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo
sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em
seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA
3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem
gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute
que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los
literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa
9
Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o
irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus
porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo
vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4
Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se
reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que
documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime
o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE
GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana
Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado
segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)
Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim
como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana
Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a
colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria
de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi
quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos
anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave
1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse
consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo
batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil
(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA
Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois
diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em
com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu
tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como
diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara
municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo
douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita
Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando
numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de
4 Grifo meu
5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de
alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs
elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em
virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees
especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com
relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)
10
distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria
por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo
meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)
O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso
ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um
ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um
discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado
em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar
ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo
reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso
ideoloacutegico serve
Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da
figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de
suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como
estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994
p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que
compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual
nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia
social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder
Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute
limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo
religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e
com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades
- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica
Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas
do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo
7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs
funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste
sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo
por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de
deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme
os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido
ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma
ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo
oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal
assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na
formaccedilatildeo do pensamento batista
11
Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem
estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)
portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja
reconhecido como cientiacutefico
- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo
batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do
Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos
As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou
funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos
homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional
status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo
dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp
5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que
os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima
uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)
Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros
nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos
contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos
conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria
(Halbwachs Pollack)
Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas
socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na
relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna
inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de
ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja
ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade
criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis
ela conceitua
Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio
imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo
Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico
porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira
(PESAVENTO 2004 p4445)
12
Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque
eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo
religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria
ldquoenviada por Deusrdquo
Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a
memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos
pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu
falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos
indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees
coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias
pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque
se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem
ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo
Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees
fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta
pesquisa
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele
saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a
chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles
eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a
famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se
chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos
eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee
nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna
Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes
mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e
Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim
meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo
para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de
ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele
foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema
com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu
Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para
estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi
ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p 140)
Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu
nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto
Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo
13
concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas
lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas
lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da
estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman
com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo
para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo
soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas
Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)
que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de
referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo
presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as
lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre
verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de
referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da
colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem
se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para
aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e
outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na
histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda
psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os
registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)
Formaccedilatildeo familiar e escolar
Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por
Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff
- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille
Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de
Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da
comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil
ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff
experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos
14
principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos
fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio
Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a
cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para
quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e
portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo
(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata
[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de
estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito
bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000
mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de
vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas
todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas
de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e
muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos
meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)
Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das
informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este
tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA
No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata
A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute
terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis
anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de
dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze
anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles
anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me
lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de
sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a
atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela
fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas
o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana
Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou
mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse
influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola
eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou
paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram
originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria
15
no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de
ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria
missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando
questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU
2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de
ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm
interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a
narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua
trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute
descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios
Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho
10
Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria
o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se
caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de
formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos
9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012
10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem
perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-
metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na
mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do
seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em
httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012
Ao fundo os pais da Ana
Wollerman Sr August
Wollerman e Sra Minna
Wollerman Em primeiro
plano da esquerda para direita
Ana e seus irmatildeos Edwin e
Mildred - Acervo Biblioteca
Faculdade Teoloacutegica Batista
Ana Wollerman
16
Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas
devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo
apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e
reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social
Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e
doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos
meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles
nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal
organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se
ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das
ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e
outros paiacuteses11
Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de
evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio
ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176)
Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana
Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos
personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo
reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento
Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei
muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me
lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo
creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava
voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades
sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)
O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede
interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para
construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori
foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto
marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de
vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil
11
Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de
Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)
17
Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo
do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao
menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os
primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)
Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria
se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute
desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que
ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a
este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente
consagradardquo12
Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece
muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo
queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco
deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha
assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha
vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada
realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)
Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na
universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando
da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para
os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez
com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um
escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se
afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos
negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 141)
Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se
refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que
temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o
porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo
sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira
encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste
12
O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente
bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um
processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como
oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo
se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso
18
sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo
menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela
Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico
de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi
possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o
missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de
igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil
Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins
Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte
americano Bill Sherwood diz
[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e
entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela
tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu
sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados
[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do
que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da
entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os
missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no
Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua
fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em
Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda
guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD
Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de
Ana Wollerman
[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer
De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a
Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o
jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo
porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um
salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho
que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito
satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez
(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e
voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se
deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-
nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que
19
tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento
da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao
assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins
interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood
Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma
perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a
nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood
[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de
Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui
nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o
segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser
com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir
a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da
minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo
deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p
142 p 147)
Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A
questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)
desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas
Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas
representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se
criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13
Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez
para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de
referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14
Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive
encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser
nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas
tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou
deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)
Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil
possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada
pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste
13
Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
20
missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15
ele teve dificuldades em
aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o
questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood
ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por
ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento
satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o
exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se
configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar
aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de
machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude
do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU
1998 pp 91s)16
Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria
Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e
identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido
um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo
autobiograacuteficardquo
- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo
inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria
histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas
mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos
religiosos e lideranccedilas sociais
- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e
psicologicamente
- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um
sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste
autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que
ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos
15
Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16
Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia
tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as
taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo
consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio
proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc
21
outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade
admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos
valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)
Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois
Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida
Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de
legitimar seu projeto missionaacuterio
Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi
perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da
minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido
em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela
noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja
farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo
que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer
isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois
para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)
A experiecircncia religiosa17
eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano
ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da
situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na
escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto
nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas
quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade
de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda
mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA
Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia
religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para
o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que
paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo
participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta
dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio
que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua
17
Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do
protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no
humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida
(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que
levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma
religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo
ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)
22
vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do
que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp
15s)
A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel
em Artes da Ouachita Baptist College18
em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos
de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo
Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas
teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que
queria ser missionaacuteria em outro paiacutes
Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo
que cursou Bacharel em Artes
[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19
graccedilas ao meu Pai
[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o
que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei
sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria
Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem
desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o
desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares
pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando
Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser
realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar
de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser
salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de
trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma
missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)
Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20
possivelmente seu interesse de vir para
o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e
18
Hoje Ouachita Baptist University
19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra
para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de
graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com
Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em
httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira
expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser
encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS
quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte
biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo
20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde
amambaense para Ana Wollerman
23
Anna Luther Bagby21
(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve
relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na
Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os
missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o
trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo
somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio
Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff
onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite
do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para
trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi
homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos
21
Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o
trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo
Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no
Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da
Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
24
serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas
instituiccedilotildees e ao seu paiacutes
Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do
protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman
sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato
autobiograacutefico
Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na
universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e
para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma
dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos
papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim
coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu
posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que
eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como
professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo
ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
176)
A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos
biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins
de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico
pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio
de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico
para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas
especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo
em sua formaccedilatildeo
Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de
Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou
um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades
religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter
missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou
com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que
trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua
famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a
ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi
aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua
decisatildeo
25
Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a
nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22
tens que abrir a porta [] eu andei umas horas
depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele
perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele
disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse
como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei
Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)
abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma
mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 pp 142 143)
Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado
brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans
Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e
chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
145146)
Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana
Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi
fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte
Contexto de formaccedilatildeo religiosa
O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por
um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua
vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana
Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e
queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais
eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os
valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []
ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []
Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha
famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando
muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja
aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23
Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o
iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na
22
Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23
Grifo meu
26
origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua
fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e
pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre
a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo
para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores
transmitidos pelos seus pais
Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja
mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos
bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do
aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo
estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman
A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente
em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda
fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres
sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram
por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las
aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em
meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do
pensamento batista
O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias
interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do
mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as
praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia
tomista24
eclesiologia hieraacuterquica25
intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos
24
Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)
25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave
condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado
canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como
estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do
impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o
constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima
dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro
estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio
social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o
estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo
(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)
27
sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a
sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos
bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical
entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios
de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber
(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo
No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do
anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em
Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura
somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se
outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a
mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo
Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu
falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas
eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu
quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na
parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei
mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais
tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os
olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como
Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes
ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148
149)
Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana
Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas
e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo
porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu
trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles
eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)
Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre
calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os
calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de
Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo
28
em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a
humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus
eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade
depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de
construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a
salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute
Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo
retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26
Em
siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a
responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da
graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo
Weber
Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta
inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus
interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da
consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de
conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o
presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que
seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por
considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)
Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo
inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel
perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-
moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso
missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da
salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado
numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio
Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de
uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando
26
As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a
Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados
de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma
congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de
ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido
comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos
via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo
resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO
1996 pp 84s)
29
a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior
envolvimento com a comunidade religiosa
Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos
trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para
Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus
Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder
assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)
O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era
irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por
ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a
Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela
meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja
Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas
participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista
mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a
legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja
local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo
Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi
formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores
do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a
ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo
A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e
o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras
naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul
era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando
a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros
paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997
p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern
Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um
rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e
culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o
norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a
se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na
cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para
30
o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria
mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no
Brasil
Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento
fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave
modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia
europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia
buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto
de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e
outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute
cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por
conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas
criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como
presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios
teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos
textos biacuteblicos27
O lugar da mulher no pensamento batista
As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em
um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina
Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana
Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da
pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo
27
Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram
1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos
seus autores
2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave
argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e
ldquoCristo da feacuterdquo
3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da
humanidade para livraacute-la de seus pecados
4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando
que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja
no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais
5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que
eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)
31
Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher
na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de
vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de
mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja
ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)
1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como
um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e
ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem
poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28
2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do
lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo
Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento
batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar
as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao
homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para
o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo
divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da
ldquoordem socialrdquo
Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo
de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber
de que forma a mulher eacute representada
A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a
essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher
governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha
para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor
gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos
guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da
mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser
jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB
1954 p 5)
Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo
e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da
existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista
28
The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012
32
pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas
mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee
mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver
com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos
sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e
esposa abnegada
Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do
iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar
tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais
mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas
ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por
conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a
experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de
civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado
nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)
Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra
funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a
maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das
mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres
missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das
Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute
1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4
Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas
especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do
trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)
O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo
apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949
(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo
trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da
Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho
missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel
fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras
mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras
atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam
33
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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57
Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de
1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46
Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por
exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma
concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem
diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino
na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que
como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra
uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute
vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana
Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria
executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de
Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense
ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004
p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de
feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo
Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo
tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por
pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood
34
3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres
norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais
as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos
seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de
retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente
eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de
compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso
que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas
para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e
sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc
Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos
dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees
radicais sobre o sufragismo ao conformismo
Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais
sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute
afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo
questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias
(SILVA 2011 p 34)
Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre
esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos
limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo
ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o
ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja
local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo
de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a
ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria
Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo
de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo
status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a
vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves
mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que
Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no
seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de
35
Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de
conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia
Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo
de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto
fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem
impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)
Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as
instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o
assunto da seguinte forma
O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como
restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no
pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com
autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November
11 2000 p2)29
Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista
a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo
Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe
claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo
de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes
Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um
lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo
zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)
A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na
Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de
21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo
sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais
O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de
20 a 24 de janeiro de 1995
29
Traduccedilatildeo livre
36
Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo
Luiacutes - MA 1995 p 512
O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela
uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que
participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa
Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas
possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi
resolvida entre os batistas
Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de
ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra
complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra
583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam
desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de
quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso
PERGUNTAS SIM NAtildeO
Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067
Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049
Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320
Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193
Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599
Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583
Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466
Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372
Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290
Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457
37
desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a
Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo
1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista
Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da
lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as
Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios
como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia
Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que
a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como
missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias
especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente
avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz
da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de
Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)
A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas
Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do
que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral
Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave
tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30
e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas
da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem
natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute
presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman
Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz
realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como
pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era
uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 156)31
Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de
Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender
que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como
missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem
necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica
retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que
intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier
[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio
possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos
e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em
30
Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1
Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre
Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31
Grifo meu
38
afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a
dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio
consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a
insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)
Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco
mais
[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me
consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo
isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje
em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada
era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160
161)32
O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para
entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul
Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul
criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque
pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um
conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher
A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas
nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de
lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em
Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente
nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa
de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa
32
Grifo meu
39
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS
NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana
Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos
do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil
No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil
e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado
em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional
batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo
entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta
missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia
A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo
de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33
tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo
Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas
religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as
representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas
interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo
na ldquocomunidade imaginadardquo34
dos batistas
Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no
ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da
realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35
(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de
sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre
33
Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34
Benedict Anderson (2008 p 39s) 35
No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)
40
batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na
ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais
pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a
presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou
culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os
oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de
mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das
almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar
sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si
pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem
de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam
(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato
Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo
interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil
Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo
no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo
de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos
do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde
o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil
e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -
comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta
ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa
Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente
proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias
nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a
evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os
Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros
holandeses franceses e suiacuteccedilos
A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de
missionaacuterios colportores36
O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista
36 Vendedores de biacuteblia
41
Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do
Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul
do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)
Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais
(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas
mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e
distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e
fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo
O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo
XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica
de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais
liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do
republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que
fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees
traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios
liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro
estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na
estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de
manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro
todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)
Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos
liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio
circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo
com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora
Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho
que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo
trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias
liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se
um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres
jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento
catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil
42
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil
Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos
por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do
Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro
Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste
mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de
Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma
igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e
teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996
pp192193)
O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes
sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em
solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua
esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin
(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar
missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu
para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-
combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos
relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck
Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp
330 ndash 336 450 ndash 456)37
Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste
mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira
igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades
brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996
p 194)
Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da
proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram
organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43
delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo
37
As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do
trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)
enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond
43
provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)
(REILY 1984 p 175)
A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois
princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre
estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro
e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a
formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas
missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar
sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas
ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo
de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela
publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas
jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura
religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)
Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que
significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998
pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma
linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de
estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das
praacuteticas religiosas38
e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees
drsquoOJB
Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de
criaccedilatildeo drsquoOJB diz
O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista
especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista
Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando
resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido
doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas
CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar
representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e
38
Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde
problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e
exclusotildees de membros da igreja
44
denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo
de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39
Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio
grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos
impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de
formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos
centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais
produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais
grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo
tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p
22-28)
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil
Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)
uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos
Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores
vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias
colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara
Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos
voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute
estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)
Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado
para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser
pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a
periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das
escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em
cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898
- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees
de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta
39
Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante
na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode
ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e
concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro
texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do
pensamento batista no Brasilrdquo
45
de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo
marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos
dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da
Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo
indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos
seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute
poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da
documentaccedilatildeo40
Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros
missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno
porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil
Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees
ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela
iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41
esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se
dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para
elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as
casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)
Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura
Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor
School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do
fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que
40
O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por
missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou
conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do
Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)
este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo
Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da
Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees
acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas
ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos
poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das
lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de
1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional
(MACHADO 1994 pp 63-67) 41
A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em
relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir
para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o
general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond
46
a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto
de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)
As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees
teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos
seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo
religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e
fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao
seu projeto educacional
Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por
Pedro Arauacutejo eacute relatado
O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta
com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como
espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para
engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos
preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande
perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute
promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a
nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir
duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma
mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos
membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor
o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja
subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua
mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os
pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)
Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem
educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas
escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos
batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora
pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles
precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na
cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o
que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da
Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se
membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto
para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do
grupo
47
Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos
filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros
motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade
brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns
casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo
religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO
2006 p201s)
Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados
de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos
liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o
Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA
O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e
pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e
ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas
e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais
cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica
mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores
puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do
collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde
o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo
christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande
valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo
christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros
christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud
ARAUacuteJO 2006 p 200)
Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo
quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como
espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo
(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que
levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus
Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um
ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de
Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo
ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo
fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja
existir
Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos
perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de
48
ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa
ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In
TRUETT LOVE 1950 p36)
Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do
compromisso com o que entendem ser sua missatildeo
As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos
hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na
paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e
povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e
recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos
dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)
A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois
propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a
funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a
ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da
educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza
Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de
1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde
O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos
princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo
incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que
adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que
disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo
(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio
para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara
para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um
peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se
consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que
seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este
tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-
284)42
Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive
promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na
caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais
[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram
valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira
repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento
norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como
42
Grifo meu
49
ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os
traccedilos culturais do seu modus vivendi
Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de
evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo
voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo
indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que
equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana
a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior
preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a
documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era
ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da
Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse
na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos
prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a
finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo
porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo
Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees
podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO
Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel
na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais
elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os
serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de
Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova
organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos
principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover
programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra
ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto
evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de
estudantes (LEONARDT 1963 p316)
Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente
ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas
priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades
que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica
pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam
intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e
as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda
regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma
orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas
A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo
deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples
50
deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926
apud MACHADO 1999 p80)
A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte
de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os
ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino
religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio
Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as
diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em
relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as
aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo
delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem
propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a
visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)
O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento
batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente
desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43
Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da
noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa
que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal
discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de
seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente
desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no
tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste
sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio
religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso
conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a
ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta
pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de
uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma
ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do
aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para
aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)
43
Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia
(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de
censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base
legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre
se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos
Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)
51
Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista
vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma
ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui
ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a
educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo
Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e
educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista
se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44
Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser
relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns
professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam
a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que
supostamente estivessem agindo da mesma forma
Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a
pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o
pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma
instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta
afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves
vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute
claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948
pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes
direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico
tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo
Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento
maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX
tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no
graacutefico em seguida
44
Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em
seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo
Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de
alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola
52
MENDONCcedilA 2008 p52
Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882
porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45
As informaccedilotildees do
graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando
a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na
abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos
batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de
evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios
protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso
Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o
trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um
45
Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao
serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880
53
planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de
migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil
No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou
esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem
estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)
Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910
sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional
pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do
tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste
liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou
um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento
na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro
(NOGUEIRA 2003 p 48-52)
Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre
outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio
do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram
uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional
em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da
Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado
pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja
Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)
A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram
igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo
Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em
Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob
a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A
Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou
de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos
batistas mato-grossenses
Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia
outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai
este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e
54
seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e
Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim
de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila
batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)
ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)
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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso
mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam
estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute
na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em
Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e
autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de
igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o
crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana
Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as
estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e
treinamento de lideranccedilas
Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora
nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos
que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo
ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe
mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou
para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles
conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era
nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou
55
animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo
presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com
a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a
sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil
Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins
aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua
caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria
em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman
aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada
por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito
federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este
disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a
cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo
palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel
Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer
na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que
vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor
Ana Wollerman (37 anos) assim que
chegou ao Brasil em 1947 Acervo
Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica
Batista Ana Wollerman
56
Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto
quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas
malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala
grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me
falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na
minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus
mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria
de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio
de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de
missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a
gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p 147)
Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo
resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de
entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou
publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento
de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)
Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida
pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio
Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava
ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura
fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia
Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas
nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei
elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que
perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas
reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46
Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47
Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento
algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade
eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa
Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na
ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem
de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo
Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos
homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora
46
Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47
Idem
57
de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da
igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher
missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como
fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de
reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local
Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor
Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo
de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs
com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe
ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123
58
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS
Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir
Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute
entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo
na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho
progredisserdquo
Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita
aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele
pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho
progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e
fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo
uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p 148)
Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito
de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do
Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que
tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate
O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade
pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48
mas sim porque desde o
iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas
para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo
ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a
demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este
apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo
ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49
foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena
local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p
120 121)
48
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo
de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio
Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los
diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta
Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a
capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em
18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato
Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em
15122012 49
ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos
fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore
com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)
59
Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai
era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por
Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal
atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma
rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para
encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que
garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)
Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o
pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro
urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo
seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de
religiosidade protestante
Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as
crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute
criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas
Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor
ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)
em volta da mesma mesa para estudar
Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter
condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam
dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e
fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)
As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros
com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na
regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser
atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias
ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)
O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender
este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash
memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na
60
histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50
Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo
numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo
[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E
aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele
tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo
tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia
fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras
porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar
as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam
porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar
carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por
aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo
vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia
pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo
quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO
2012)
Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do
professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais
escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os
cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em
dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173
VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)
50
Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para
esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de
Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai
inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de
pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados
inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT
61
Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51
melhorou o acesso
agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas
ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno
(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas
rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei
Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo
federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento
aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens
abaixo
51
Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram
intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas
escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham
certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram
ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando
o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o
professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo
Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO
2009 p173
62
Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito
Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para
criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde
chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos
depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO
2009 p191)
Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que
principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana
Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que
era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim
de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve
tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes
amigos e outros interessados
Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de
Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto
Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)
63
Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja
Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52
por conta disto em 1943 a igreja enviou o
ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um
ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em
Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de
comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)
proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as
atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar
sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e
foi seu aluno
O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais
ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como
evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma
escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu
tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do
Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos
3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este
iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)
Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua
casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo
evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do
espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim
passarmanifestar sua mensagem religiosa
A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar
assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia
para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para
fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela
organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947
quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia
Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a
Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de
Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia
auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham
52
Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08
64
comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes
resultados por eles esperados
Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para
abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha
fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe
outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens
[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos
crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra
metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem
ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo
de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se
isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo
Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido
Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman
possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade
ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus
saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do
impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner
na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que
desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-
americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados
A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e
outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente
quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem
este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes
passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se
apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida
criativamenterdquo53
por agravequeles que dela se aproximavam
Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de
amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das
primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida
53
Michel de Certeau
65
como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais
famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o
Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana
Wollerman comenta
Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo
direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu
ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai
deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era
madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola
Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente
servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria
inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha
manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou
Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana
Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas
escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E
em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse
Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem
pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido
qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma
vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um
pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de
fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO
2012 p 3)
Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho
da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos
ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor
Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma
congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel
Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo
de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949
Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a
66
famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando
na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia
[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua
filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo
havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que
serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas
de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro
e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a
casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta
casa
A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e
eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo
pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para
sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de
cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de
dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas
mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e
usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um
guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito
simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais
alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o
apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e
aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela
foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito
Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio
Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a
ponto de
Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei
do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude
estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma
lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
152)
No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a
Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola
Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo
o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a
grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes
67
podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo
precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute
com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou
ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce
Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam
eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana
noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora
vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra
professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana
Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou
muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai
[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e
tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas
a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era
alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei
impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia
caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA
2003 p 186)
E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola
Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de
sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas
praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave
leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai
68
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN
INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a
estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto
educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos
demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo
poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se
mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as
condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto
histoacuterico e social de Amambai-MS
No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria
de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no
municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o
entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos
estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash
professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana
Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria
A escola que Ana Wollerman criou
Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em
Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito
influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e
ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um
detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo
catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na
famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a
famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma
significativa autoridade abaixo apenas dos pais
69
Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas
famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana
Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher
branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo
No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona
Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar
mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi
visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo
existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o
que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela
tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman
Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar
no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de
dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula
para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e
outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona
Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p 149)
O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor
Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de
escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54
mas vai se
estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de
desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana
Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com
divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava
abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este
milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato
da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse
comeccedilado com todo o primaacuterio formado
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas
provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela
foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola
primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano
mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (ERGAS 2012)
54
ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em
estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar
70
O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que
por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto
Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se
tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute
provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo
mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de
Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que
tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou
seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma
ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo
Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas
questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana
Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute
monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que
enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste
caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios
Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
71
Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas
bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o
que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num
grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura
personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de
alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que
ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que
daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o
ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no
Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e
natildeo de Ana Wollerman
Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos
batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo
sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond
que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo
aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e
ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias
palavras tais representaccedilotildees
Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela
primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram
grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum
lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo
sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em
Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas
peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto
mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez
muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
55
Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em
1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute
importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo
eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute
entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta
Poratilde-MS
55
Grifo meu
72
No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as
atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a
Igreja Batista em Amambai56
e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho
(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso
a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman
tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato
Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria
de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e
auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo
o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este
dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao
lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de
Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma
homenagem posterior que a Igreja fez a ela
56
Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela
foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio
Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham
em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de
ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo
ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo
Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde
amambaiense para Ana Wollerman
73
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo
Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente
a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas
que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista
Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia
Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto
de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a
incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas
sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes
que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar
dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os
professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da
escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de
pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos
que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por
intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a
escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso
analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou
com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente
compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido
antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o
afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud
VIDAL 2005 p24)
Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo
como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de
conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as
culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com
seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de
escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da
trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a
criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas
estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns
elementos da cultura da escola como chave de leitura
A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente
municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada
majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo
apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo
Sul de Mato Grosso
74
Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato
Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos
344214 rurais57
Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo
moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que
fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a
Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai
(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro
como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das
dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo
Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas
escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os
ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola
Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de
laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu
pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por
intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela
eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da
Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim
pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)
Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa
necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de
escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que
certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas
proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que
se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais
encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a
fim de poder dar continuidade aos estudos
Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os
que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)
Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros
motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de
estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte
Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu
completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte
57
Fonte IBGE
75
eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana
Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno
Hudson Otantildeo da Rosa
No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa
de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da
cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha
simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos
lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas
emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo
Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se
comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo
ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo
somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com
bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente
Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era
brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo
Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior
progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do
precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa
Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de
progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor
tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia
ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que
ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em
seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas
natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a
cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois
voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu
anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo
tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus
irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para
o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira
dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia
suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas
proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra
esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da
minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande
brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu
povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma
me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus
estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58
O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais
colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis
motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar
58
Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta
pesquisa
76
a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de
representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de
encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como
atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de
forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma
infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e
assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de
trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em
conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o
periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a
partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59
As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da
escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o
Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento
anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar
Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento
do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia
desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico
por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha
que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado
E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da
escola60
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles
trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os
pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute
considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito
prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja
convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se
destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam
distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)
O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da
educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as
decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61
Em sua fala
aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da
escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar
Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os
59
Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60
Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes
documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso
natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61
Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado
77
alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas
alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior
nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de
prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter
satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola
Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento
estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo
nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com
assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de
fechamento do ano de 1951
Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista
nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo
da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se
voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes
despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos
ao fim do curso letivo
Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo
de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com
que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de
ensino
Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo
impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por
muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)
Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais
realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao
trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os
remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente
representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de
algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda
que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que
se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E
neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz
O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto
da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute
como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos
determinados (FARIA FILHO 2008 p81)
A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e
Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser
78
analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a
relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares
para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar
que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se
configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado
mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de
1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do
Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por
diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de
ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos
participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte
Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha
normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc
terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as
meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para
aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)
Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de
intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de
escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo
Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos
diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo
quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc
(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento
estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de
poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto
talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o
estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras
assim ela relembra a experiecircncia
Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um
corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que
tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes
dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas
surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino
Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo
sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda
razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca
da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que
para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo
79
ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que
era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e
mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro
nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62
Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das
autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana
Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no
Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente
limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua
inglesa ao da liacutengua portuguesa
Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado
Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde
quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser
ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da
Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das
pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias
buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia
patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees
fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo
do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do
Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais
poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS
MULLER 2009)
Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de
Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas
apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula
Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que
prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo
fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que
62 Grifo meu
80
todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os
resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da
Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana
Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona
Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente
preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional
Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro
fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos
E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da
semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era
hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira
e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa
parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)
Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana
Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era
realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em
posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E
assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova
geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de
suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que
pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela
populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar
81
E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas
atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para
os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes
A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando
agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus
Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a
realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo
em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as
coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se
ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de
missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara
(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63
Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da
tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo
numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo
(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e
Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia
63
Grifo meu
Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo
042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman
82
entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos
biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio
Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)
Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos
confins da terra (At 18)64
Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica
missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho
missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se
apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai
Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos
salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute
no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Compare os vocaacutebulos grifados com
Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso
acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos
(At 247)
E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo
continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz
Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha
salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos
aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o
Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro
dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir
todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
151)
Compare os vocaacutebulos grifados com
E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)
Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se
que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora
da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana
Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma
oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
64
Grifo meu
83
Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria
das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e
alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros
ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo
(WOLLERMAN 2003)
ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO
2012)
ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)
ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e
laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era
infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)
Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu
lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos
protestantes65
sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das
Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66
E nos casos acima os
propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas
praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes
das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em
segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca
um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir
valores eacuteticos morais e religiosos
As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto
significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos
elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de
educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva
cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da
relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo
tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)
Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana
Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute
comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se
deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da
evangelizaccedilatildeo na cidade
65
Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66
Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE
Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo
(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees
Paulinas 2010
84
Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo
muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E
ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho
progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou
uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola
Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus
contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles
tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o
evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar
porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de
algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela
escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze
anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde
Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-
adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho
missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute
discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e
ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo
85
Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades
evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao
templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o
templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca
de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da
mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes
termos
Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no
Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as
classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria
na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a
histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e
contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67
cantava-se
67
A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram
cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes
Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
86
hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por
exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho
que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a
muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar
Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)
Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho
hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees
estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute
apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo
Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os
pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador
Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na
paacutetria celestial Perto do Salvador
Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos
chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador
Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar
no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador
Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o
amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68
Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor
evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes
batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre
consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante
profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69
Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman
tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para
ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo
Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a
primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo
68
Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de
Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio
G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo
Paulo ndash Edusp 2008 69
Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma
ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e
parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo
de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando
crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos
como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando
atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de
decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo
87
aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e
muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que
fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela
eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a
estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os
hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)
Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para
cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a
doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de
estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes
visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente
com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para
tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva
Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido
discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de
suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os
conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados
anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca
de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana
Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a
partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia
se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras
Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que
aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito
dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o
ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito
bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de
algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem
lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho
que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com
bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu
aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)
Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos
ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas
ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo
Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam
recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou
88
muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana
Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em
laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais
representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas
tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai
Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras
povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o
evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns
irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens
mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem
estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas
Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do
evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava
recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu
sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que
por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70
Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana
Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde
ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71
que queria tiraacute-lo da escola
porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar
para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar
na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens
de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para
Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao
falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da
escola participante do ldquosucessordquo deles
Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs
certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do
70
O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos
fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o
atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas
visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo
entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )
71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um
dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai
89
banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e
doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco
(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene
Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja
Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque
Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai
inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai
para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB
foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta
parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com
Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se
aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento
interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem
interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas
que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato
estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava
sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e
muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele
apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da
Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a
ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino
foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute
advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente
morava todos na mesma casa (LIMA 2012)
No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que
Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees
A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu
alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor
Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores
advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as
mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel
90
Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma
toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem
deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por
que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer
coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs
O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um
produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco
mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer
prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)
Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo
em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da
sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da
Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos
para preparar a merenda escolar
Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola
ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos
alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no
primeiro segundo ano (LIMA 2012)
Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela
pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a
ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade
Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn
Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo
do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72
e eu achei
que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do
Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se
passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus
Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn
Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles
eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam
recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu
usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil
doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)
Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que
a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil
pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi
integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai
Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana
Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo
72
Grifo nosso
91
pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman
tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e
segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por
uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)
Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca
que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado
por Ana Wollerman aos alunos e alunas
Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer
visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era
sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na
parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra
sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto
Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando
ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)
Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus
hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo
que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A
interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades
devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham
momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio
batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua
autoridade como ldquoautoritarismordquo
Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel
Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um
homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre
criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa
que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa
assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)
Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se
mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia
tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava
perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava
Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de
todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito
dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta
que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)
Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se
perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta
92
fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se
natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas
as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta
natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um
exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo
indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de
comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com
comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos
mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)
Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da
relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz
E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou
me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes
soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que
Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me
respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)
Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a
temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva
tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as
missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo
Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de
conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem
E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem
como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e
marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se
mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso
com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas
conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA
2011 p 35)
Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de
pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa
condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia
financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de
algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil
93
Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num
alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com
os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela
Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas
relata
Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim
qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer
achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa
muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a
vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)
A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman
era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e
coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil
Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta
parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira
(2003)
Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu
trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense
Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias
convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a
importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja
(NOGUEIRA 2003 p91)
Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da
Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil
(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e
agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e
distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada
jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da
Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava
financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras
94
A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob
os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em
condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com
ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de
poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana
Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi
indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em
Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da
referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens
Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma
nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de
Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava
progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)
E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar
como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)
filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis
ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e
concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato
Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e
passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai
(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)
Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se
uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque
segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o
exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam
bem colocados
Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o
filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na
eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda
no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc
tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um
exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como
quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa
mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era
ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora
95
aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da
credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais
e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas
profissionais
Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional
que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram
palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras
por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais
ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras
profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A
escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de
produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse
sentido (SOBRINHO 2012)
Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou
em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio
onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da
Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi
embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais
exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das
atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e
demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum
soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de
60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana
Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha
fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo
encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola
Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco
rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem
continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia
se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando
assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho
Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas
as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de
96
Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas
um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)
Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo
e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval
Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do
Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em
Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e
seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003
p105)
Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades
vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das
Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)
Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu
estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para
eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para
serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara
Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia
rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana
que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a
auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os
filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para
construccedilatildeo da escola e da Igreja
Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste
lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns
terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num
outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a
Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir
laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da
cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos
ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de
boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo
de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles
troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo
com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja
Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos
e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de
tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p156)
97
Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as
pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder
em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma
experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola
e passavam o dia inteiro nela
A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da
cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os
pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e
ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar
pois era distante (ERGAS 2012)
E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a
missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando
mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e
evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)
Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em
Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se
concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato
Grosso
Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do
Mato Grosso73
para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste
iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul
Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para
o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que
Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis
ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)
Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos
Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de
treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em
Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem
as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto
passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-
se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)
73
Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso
98
Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez
algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos
anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e
sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi
transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de
estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a
Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98
anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes
estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny
Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na
continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um
poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)
Whether I live for many days
O if they should be few
I will not cling to earthly ways
But gladly go where all is new
Jesus surely knows my name
Has prepared a place for me
Where forever I shall remain
And his Lovely Face IrsquoII see
How can I fear the great unknown
When Jesus stands and wits for me
Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity
Se eu viver muitos dias
Ou se eles forem poucos
Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas
Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo
Jesus seguramente conhece meu nome
Tem preparado um lugar para mim
Onde para sempre vou permanecer
E sua amada face contemplarei
Como eu posso temer o grande desconhecido
Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim
Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial
E entatildeo entender o que eacute a eternidade
99
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito
estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo
ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado
iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na
contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura
sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de
Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute
com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo
Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os
mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste
sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa
ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como
noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e
prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver
Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo
estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar
leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o
tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo
digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida
Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo
que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e
ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo
E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da
Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os
encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute
preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA
Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as
dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de
crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus
100
ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo
constroacutei de si
Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma
seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria
aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o
fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias
calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um
sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio
O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia
missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como
jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo
de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano
pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a
criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e
sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo
Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila
ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio
Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes
missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram
representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a
accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste
ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-
determinaccedilatildeo divina
No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu
frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo
por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa
configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava
contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada
Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar
pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia
interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No
101
protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a
vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana
Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para
sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de
exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de
ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio
teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um
ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse
sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo
A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da
educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo
social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas
feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no
Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo
na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo
Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns
pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser
relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora
da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria
sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que
assediava os alunos diariamente
Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo
vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos
batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da
Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta
Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o
Brasil
Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento
fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um
conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que
acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem
mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana
102
na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de
atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que
Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar
ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional
Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista
tiveram sua participaccedilatildeo direta
Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram
analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a
figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais
quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas
Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense
porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores
longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas
praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar
inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no
pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato
com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres
Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas
atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo
estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e
com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho
evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares
Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja
Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre
mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o
presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de
muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo
que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo
analisadas por outras pesquisas
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Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa
Publicadora Batista 1950
109
ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo
referenciado
As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua
pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento
autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas
entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e
respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae
Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo
Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191
110
ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas
Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria
Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi
missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de
escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas
Entrevista
Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber
conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman
Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes
de vir para o Brasil
Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram
alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E
laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha
se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a
famiacutelia de trecircs filhos
Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham
conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha
lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila
Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio
Entrevistador Ainda quando crianccedila
Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em
oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau
preparaccedilatildeo para o segundo grau
Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja
Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram
pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz
que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio
111
primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas
eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus
ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava
trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi
para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do
valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos
arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador
daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth
Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela
Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio
das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu
Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio
Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que
foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo
conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial
Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre
isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman
Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute
com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram
a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente
Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos
estudos no EUA
Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu
nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia
de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu
sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar
Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete
vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava
aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas
igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do
Brasil e ela interpretava
112
Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo
XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e
insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente
no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado
alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava
Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites
das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana
Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca
Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir
para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute
reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem
positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes
do Brasil
Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta
pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita
pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto
ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou
Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem
nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca
comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse
em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que
houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em
falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo
Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa
conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A
senhora poderia falar sobre isso
Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher
sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como
que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era
professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para
viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam
mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula
113
O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para
Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e
remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens
Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito
ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona
Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta
mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro
Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai
Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis
homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns
cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a
era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a
Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o
agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de
escola nada
Sobre o objetivo da Escola
Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os
dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash
2129)
Iniacutecio da Escola
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz
de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela
havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute
tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (3003 ndash 3042)
Onde moravam os alunos
Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas
Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar
naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no
comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais
114
estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute
conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)
Escola oferecia almoccedilomerenda escolar
Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo
Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas
crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo
estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais
contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)
A escola cobrava um valor por crianccedila
Entrevistador A escola era mantida por quem
Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola
porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o
ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)
Professoras
Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego
quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era
uma das professoras
Entrevistador Em principio ela era professora sozinha
Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute
Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas
Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute
tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam
foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)
A Escola
Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo
Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de
nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes
Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute
115
estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -
3451)
Conteuacutedo escolar
Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola
Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja
onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo
nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino
Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra
crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)
As crianccedilas
Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola
Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de
nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz
Entrevistador Soacute de ouvir falar
Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo
tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila
(3643 ndash 3721)
Curriacuteculo da escola
Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo
era ensinado
Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e
pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem
lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta
Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas
que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma
professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias
Entrevistador Como as famiacutelias viam isto
116
Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra
dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos
muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash
3957)
Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos
Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas
Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes
iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente
andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)
Importacircncia da Igreja para cidade
Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade
Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se
tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita
dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)
Doaccedilotildees que AW fez
Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos
que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito
discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de
Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia
ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se
interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu
estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a
senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o
obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns
cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)
Uma escola para cada Igreja
Entrevistador
A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas
Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa
Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e
117
era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que
atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e
Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram
menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)
Cotidiano da escola
Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila
12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash
todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas
entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam
Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia
Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um
discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos
ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash
5626)
118
ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho
Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de
Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor
memorialista da cidade
Entrevista
Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com
alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas
ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a
estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista
Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou
menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele
atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o
salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio
Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3
alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi
embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui
organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18
de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe
que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o
aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos
iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola
praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo
ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver
quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se
comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando
porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha
aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista
Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma
novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas
dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola
batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes
119
Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um
programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o
quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas
particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu
sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as
escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam
utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha
que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar
por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar
um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando
vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia
pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu
fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia
nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles
chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles
usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra
turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano
laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu
sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia
o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas
coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei
ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo
mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor
jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias
Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana
que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela
tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito
importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a
gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia
desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc
projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas
tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola
120
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa
com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela
mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte
ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em
fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino
agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte
ciacutevica tambeacutem bem colocada
Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em
Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo
cristatildersquo
Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a
semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma
leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola
dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso
que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde
Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a
histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade
Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola
Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado
ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra
vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era
uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a
escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no
quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam
daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do
ensino que era bem feito bem ministrado
Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar
Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles
falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas
eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo
121
escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem
estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que
tinha na eacutepoca
Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola
Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia
muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo
pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o
aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto
entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que
o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu
isso
Entrevistador Qual o valor cobrado
Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se
pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem
diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do
tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava
menos que uma latinha
Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje
salaacuterio uma diaacuteria
Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela
eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor
Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam
a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do
medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino
superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um
carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros
alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido
122
Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que
deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta
como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino
oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50
cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre
as escolas e essas ajudas
Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na
chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na
cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava
envolvido
Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o
Catolicismo por exemplo
Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui
na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D
Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre
Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre
vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia
Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao
Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto
falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o
motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que
aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse
Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha
aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia
assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas
coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de
uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem
Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o
senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma
relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no
ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar
123
Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era
uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os
professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite
existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito
draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da
escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por
exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou
fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio
do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se
formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde
tambeacutem
Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem
Colaborador Natildeo tinha professores
Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados
Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma
sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na
igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um
lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no
recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem
aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio
das meninas todo mundo ficava tirando sarro
Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem
Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas
Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos
alguns eram meio danados
Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual
Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que
estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com
bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem
comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era
feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava
124
os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo
outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as
matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que
aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de
fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica
Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na
EBD
Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de
Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era
distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia
juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando
elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas
bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas
Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja
Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha
filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por
exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A
grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo
tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar
Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles
usavam eles recebiam uma ajuda da escola
Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno
laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever
qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do
ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a
serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles
davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois
Entrevistador Isso sem custo para aluno
Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela
mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era
125
distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito
tempo
Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material
que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo
Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo
126
ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima
Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A
mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e
depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie
Entrevista
Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma
pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo
somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos
conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria
Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que
agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas
moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave
peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso
Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola
que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo
aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida
Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou
com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao
lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali
Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela
eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me
trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute
falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino
que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro
nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar
e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles
E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute
atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles
127
Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava
com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me
cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute
que eu entrasse no Coleacutegio
Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora
Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles
cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia
mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute
com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um
tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns
anos eles foram embora me parece que pra Jardim
Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute
eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar
com ela uma temporada
Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu
tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali
na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo
Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa
Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente
era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela
em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua
obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia
todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada
Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos
Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha
noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia
ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo
vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi
ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente
aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava
tambeacutem sobre o culto domeacutestico
128
Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico
Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do
cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita
ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca
dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava
um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a
evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai
tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas
todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas
ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa
Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de
fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende
Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem
preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que
demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo
comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio
ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por
exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito
mas ficavaficava obedecia
Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos
Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos
Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute
E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava
muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu
aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma
passagem da Biacuteblia era assim nossa vida
Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto
responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman
que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela
mostrava sua autoridade
129
Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo
era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito
eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre
trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as
pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade
Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado
mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela
pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela
tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia
que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar
uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe
isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute
estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda
muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando
Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola
Batista ainda
Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda
natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava
comeccedilando jaacute
Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou
professora como foi isto
Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando
ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra
fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem
ali a lecionar ali no primeiro segundo ano
Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos
Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o
quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei
a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca
em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de
Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de
pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A
130
igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma
escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e
assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por
exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A
maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela
nossa Igreja pela Igreja Batista
Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana
Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo
Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde
foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a
gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros
permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei
Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter
ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro
Entrevistador Porque a senhora acha que errou
Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido
hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a
gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei
a decisatildeo
Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo
queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar
estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55
[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu
nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com
eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na
mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute
crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou
bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta
talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais
resolverem que eu podia ficar mais
Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a
gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com
131
dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa
onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da
casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca
Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente
jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash
Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria
o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito
bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo
trabalhando
Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de
Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e
alunos
Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute
que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas
que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da
Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo
Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra
cidade pra continuar os estudos sair dali preparado
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as
pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees
e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele
presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E
sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi
ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem
era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca
ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes
dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar
Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser
o mesmo lugar a mesma coisa
Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem
ela
132
Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham
na escola
Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia
Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra
Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela
usava
Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim
Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de
fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria
Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola
Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em
Rincatildeo de Julho
Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta
falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela
eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali
Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia
possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria
para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto
para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute
com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E
ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim
Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que
funcionava isto dentro da escola
Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o
Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela
Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da
Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se
corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens
Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem
133
usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316
ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava
aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe
Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo
Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola
biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de
Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos
caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada
Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram
convertidos
Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A
gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor
Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o
ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo
a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um
rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na
Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro
da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O
Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente
e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus
viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a
Biacuteblia mesmo fala
Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman
mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora
chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um
trabalho de evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era
quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para
fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos
e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era
muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair
134
visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que
foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco
As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que
trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem
que veio e fazia este trabalho
Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que
fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela
Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa
trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira
de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita
gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum
lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe
aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que
muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo
existe Eu aprendi muita coisa muita coisa
Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a
senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder
em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto
Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com
muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma
diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca
Era muito gratificante era muito bom
Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria
Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a
histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha
facilidade de aprender as datas decorar datas
Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas
partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais
Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil
Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga
Colaboradora Assim como o senhor fala
135
Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente
ensinavam a partir da Biacuteblia
Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o
primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que
Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar
Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula
Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam
pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa
que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o
objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo
deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo
uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno
Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem
ajudavam na escola biacuteblia no templo
Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora
formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu
conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam
aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo
envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha
cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque
o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este
era a coisa principal da Dona Ana
Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas
Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela
ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana
Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se
fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu
Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele
jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das
Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela
era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando
136
terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute
tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona
Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona
Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute
Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou
pouco tempo
Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro
Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana
Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute
nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor
Valdir
Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas
Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura
machista ainda eacute muito forte
Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque
tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem
uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas
eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute
que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha
Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA
Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita
preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha
muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava
cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o
momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia
dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela
Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil
ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca
Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que
eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que
uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora
137
Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade
de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do
Sul
Colaboradora Eu que agradeccedilo
Dedicatoacuteria
A minha esposa Nair Martins Rocha e filhas
Maria Eduarda Martins Rocha e Deborah Rocha
Em especial a Nair minha companheira que amo com
profunda admiraccedilatildeo Mesmo sofrendo com minhas
ausecircncias me deu forccedila e motivaccedilatildeo na trajetoacuteria da pesquisa
AGRADECIMENTOS
A Deus que na minha experiecircncia de feacute eacute fonte de vida Pai Matildee irmatildeo e amigo Este que na
face de Cristo tem me ajudado a cada dia reinterpretar meus valores a partir do compromisso
com a Vida e com o Proacuteximo
A minha orientadora Profa Dra Magda Sarat que mesmo em meio a correrias do Poacutes-
doutorado na Argentina foi fiel em seu compromisso de orientadora de conteuacutedo e dos
percalccedilos da vida acadecircmica Tambeacutem como matildee e esposa foi compreensiva quando em
alguns momentos precisei ser mais esposo e pai do que pesquisador
A Universidade Federal da Grande Dourados ndash UFGD pela oportunidade de me permitir
participar de sua contribuiccedilatildeo para pesquisa na histoacuteria da educaccedilatildeo Sul-mato-grossense
Aos professores do Mestrado em especial o Professor Dr Ademir Gebara e ao Professor Dr
Reinaldo dos Santos que muito contribuiacuteram para minha formaccedilatildeo e reflexotildees em torno da
pesquisa
A Coordenaccedilatildeo de Pessoas de Aperfeiccediloamento de Niacutevel Superior (CAPES) e ao Programa de
Cooperaccedilatildeo Acadecircmica (PROCAD) que me proporcionaram por meio de Bolsa de Estudos
maior dedicaccedilatildeo a pesquisa e intercacircmbios acadecircmicos
A professora Dra Diana Vidal que na ocasiatildeo em que estive na USP como aluno sanduiacuteche
do PROCAD ela sempre se mostrou acessiacutevel e atenciosa para me atender e ajudar nas
reflexotildees sobre minha pesquisa
A Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman ndash FTBAW a qual me deu os primeiros passos
no conhecimento acadecircmico criacutetico e humanista em especial ao Professor Dr Gustavo
Soldati Reis meu grande amigo de todas as horas e que sempre me incentivou na
continuidade dos estudos Minha gratidatildeo a Professora Msc Lilian Sarat que compartilhou
sobre sua experiecircncia de Mestrado em Educaccedilatildeo e sua pesquisa sobre a missionaacuteria metodista
e educadora Martha Watts
A minha amiga Giselle Soldati Reis juntamente com o Gustavo sempre foram amigos meus e
da Nair de todas as horas Em especial por sua disponibilidade em me ajudar com as correccedilotildees
ortograacuteficas do trabalho final
Aos entrevistados
Missionaacuteria batista e educadora Ester Gomes Ergas que tambeacutem muito contribuiu para
educaccedilatildeo Mato-grossense e Sul-mato-grossense juntamente com a missionaacuteria Ana
Wollerman Dona Ameacutelia uma das alunas que morou com Ana Wollerman em Amambai e
Campo Grande e que depois se tornou professora da Escola Batista em Amambai-MS Sr
Almiro Sobrinho que aleacutem de me conceder a entrevista me presenteou com trecircs livros sobre a
histoacuteria de Amambai e a histoacuteria dos batistas de Amambai dois de sua proacutepria autoria e o
terceiro com sua participaccedilatildeo
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor seraacute salvo
Como poreacutem invocaratildeo aquele em quem natildeo creram E como creratildeo naquele de quem nada
ouviram E como ouviratildeo se natildeo haacute quem pregue E como pregaratildeo se natildeo forem enviados
Como estaacute escrito Quatildeo formosos satildeo os peacutes dos que anunciam coisas boas (Biacuteblia ARA
1993 Rom 10 13-15)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria da educadora
Ana Wollerman em Amambai ndash MS entre os anos de 1947 agrave 1954 pois foi este o periacuteodo que
ela trabalhou nesta cidade no iniacutecio de suas atividades missionaacuterias antes de seguir para
outros lugares dando continuidade a sua missatildeo de evangelizar abrindo escolas e fazendo
treinamentos de lideranccedilas Para tanto parte-se dos pressupostos verificados em seu contexto e
memoacuterias de formaccedilatildeo familiar e religiosa Tambeacutem da verificaccedilatildeo do modelo de
evangelizaccedilatildeo pela educaccedilatildeo dos batistas nas praacuteticas de Ana Wollerman em Amambai e
sua importacircncia na construccedilatildeo de praacuteticas culturais da Escola Batista e representaccedilotildees de seu
perfil no trato com alunos professoras e demais da sociedade amabaiense Quanto a
metodologia parte-se dos procedimentos da ldquooperaccedilatildeo historiograacuteficardquo de Certeau (2011) para
analisar e problematizar os relatos autobiograacuteficos de Ana Wollerman produzidos e
degravados pela pesquisa de Nogueira (2003) Mas tambeacutem utiliza-se da Histoacuteria Oral para
produccedilatildeo e analise de relatos ineacuteditos de professoras e alunos que estiveram ligados a Ana
Wollerman em Amambai Para tanto foi utilizado os seguintes referenciais metodoloacutegicos
Meihy e Ribeiro (2011) Thompson (1998) e Ferreira e Amado (2006) Quanto ao vieacutes teoacuterico
de anaacutelise do material empiacuterico teve como base socioloacutegica Norbert Elias para entender o
indiviacuteduo Ana Wollerman na sua teia de relaccedilotildees interdependentes Em diaacutelogo com Elias
utilizou-se alguns teoacutericos da Histoacuteria Cultural quais sejam Chartier Pesavento e Certeau
para entender as praacuteticas culturais de Ana Wollerman que chegam ateacute o presente por meio de
representaccedilotildees interpretadas da subjetividade dos sujeitos entrevistados Estes em
cotejamento com a memoacuteria autobiograacutefica de Ana Wollerman e outros documentos escritos
mais a bibliografia de apoio ajudam entender e reconstruir o iniacutecio da trajetoacuteria de Ana
Wollerman no Brasil
Palavras Chaves
Ana Wollerman Histoacuteria da Educaccedilatildeo Protestantismo
ABSTRACT
The present work aims to analyze the beginning of the trajectory of missionary and educator
Ana Wollerman in Amambai - MS between the years 1947 to 1954 since this was the period
that she has worked in this city at the beginning of her missionary activities before moving
on to other places giving continuity to her mission to evangelize by opening schools and the
training of leaders Therefore there shall be made assumptions verified in their context and of
familiar and religious memory formation Also the verification of the model of evangelization
for the education of Baptists in the practices of Ana Wollerman in Amambai and its
importance in the construction of cultural practices of the Baptist School and representations
of their profile in dealing with students teachers and others of the amambai society As for
the methodology it is assumed on the procedures of Certeauacutes (2011) historiographical
operationrdquo to analyze and problematize the autobiographical reports of Ana Wollerman
produced and transcribed by Nogueiraacutes (2003) research However it also uses Oral History
for the production and analysis of unpublished reports of teachers and students who were
involved in Ana Wollerman in Amambai In dialog with Elias was used some Cultural
History theorists of which are Chartier Pesavento and Certeau to understand the cultural
practices of Ana Wollerman that has come up to the present time by means of interpreted
representations of the subjectivity of the interviewed subjects These in comparison with the
autobiographical memory of Ana Wollerman and other written documents plus the
bibliography of support help understand and rebuild the beginning of the trajectory of Ana
Wollerman in Brazil
Key words
Ana Wollerman History of Education Protestantism
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 01
CAPIacuteTULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo 08
Formaccedilatildeo familiar e escolar 13
Contexto de formaccedilatildeo religiosa 25
O lugar da mulher no pensamento batista 30
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS NO
PROJETO DE ANA WOLLERMAN
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia 39
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil 40
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil 42
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil 44
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista no MT 53
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS 58
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN INDIacuteCIOS
PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
A escola que Ana Wollerman criou 68
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo 73
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva 87
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil 93
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 99
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
1
INTRODUCcedilAtildeO
Em 2011 os batistas sul-mato-grossenses com um ano de atraso comemoraram os
ldquo100 anos de Ana Wollermanrdquo Neste ano tambeacutem era comemorado os 100 de batistas sul-
mato-grossenses E neste mesmo ano eu ingressara no Mestrado em Educaccedilatildeo poreacutem meu
interesse em pesquisar a Ana Wollerman natildeo passava de uma coincidecircncia frente os eventos
anteriores Quero dizer ao menos conscientemente falando pois como nossa ldquomemoacuteria eacute
socialrdquo e eu convivo num ambiente onde se fala muito sobre Ana Wollerman talvez ou
provavelmente eu tenha alimentado isto ldquoinconscientementerdquo
Mas acredito que tal interesse tenha se dado depois que li o texto de Nogueira (2004)
ldquoAna Mae Louise Wollerman recorte biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo fruto de sua dissertaccedilatildeo de Mestrado (2003) de mesmo
tiacutetulo Neste percebi que aleacutem da contribuiccedilatildeo de Ana Wollerman para a Histoacuteria mato-
grossense e sul-mato-grossense ndash especialmente para a Histoacuteria dos Batistas ndash ela tambeacutem
tinha uma contribuiccedilatildeo para a Histoacuteria da Educaccedilatildeo que ainda estava (e continua) para ser
analisada e contada Pois por suas matildeos onde se levantava uma Igreja tambeacutem se levantava
uma Escola natildeo necessariamente nesta ordem
Num periacuteodo onde a presenccedila puacuteblica escolar no Mato Grosso ainda era parca
(deacutecadas de 1940 a 1960) Ana Wollerman abriu mais de 11 escolas e participou da criaccedilatildeo de
cursos para treinamento missionaacuterio Seu projeto era missionaacuterio-ideoloacutegico Sim mas qual
natildeo eacute E assim eu me via numa ldquoproblemaacuteticardquo entre Educaccedilatildeo e Religiatildeo e ao mesmo
tempo atendia uma junccedilatildeo de interesses pessoais quais sejam dar meu primeiro passo como
pesquisador trabalhar com um ldquosujeito-objetordquo da religiatildeo e no campo da Histoacuteria e
especificamente no campo da Histoacuteria da Educaccedilatildeo Desta forma poderia trazer uma
contribuiccedilatildeo para a historiografia do protestantismo e para a historiografia da Educaccedilatildeo do
Mato Grosso do Sul A problemaacutetica na qual me vi inserido me levou a conhecer as pesquisas
de Mesquida (1994) e Hilsdorf (1977)1 ndash trabalhos claacutessicos na Histoacuteria da Educaccedilatildeo
Protestante ndash os quais discorrem da seguinte forma
Peri Mesquida (1994) em sua obra ldquoHegemonia norte-americana e educaccedilatildeo
protestante no Brasil um estudo de casordquo partindo da sociologia weberiana analisa a
1Aproveitei melhor a Maria Lucia Hilsdorf depois que entrei no Mestrado e estive em contato pessoal com a
pesquisadora em Satildeo Paulo na FEUSP por ocasiatildeo do Programa Nacional de Cooperaccedilatildeo Acadecircmica
(PROCAD)
2
formaccedilatildeo e desenvolvimento dos espaccedilos urbanos no sudeste brasileiro assim como o
desenvolvimento social e econocircmico e a imigraccedilatildeo norte-americana Num segundo momento
analisa a educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil (1820 - 1890) condiccedilotildees reformas e a inserccedilatildeo da
educaccedilatildeo protestante verifica as contradiccedilotildees externas e internas da sociedade brasileira que
levou agraves mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e por fim analisa a origem e desenvolvimento do
metodismo a fim de entender suas praacuteticas de educaccedilatildeo no Brasil no contexto educacional
acima referido
Outro trabalho de grande relevacircncia na historiografia da educaccedilatildeo protestante no
Brasil e certamente um dos mais citados nas bibliografias eacute a pesquisa de Maria Lucia
Hilsdorf (1977) ldquoEscolas americanas de confissatildeo protestante na proviacutencia de Satildeo Paulo um
estudo de suas origensrdquo Seu trabalho analisa a inserccedilatildeo do modelo das escolas presbiterianas
no final do seacuteculo XIX e sua aceitaccedilatildeo devido agrave circulaccedilatildeo de ideias liberais na poliacutetica
brasileira Analisou a maneira como seus meacutetodos pedagoacutegicos eram inovadores em relaccedilatildeo
ao quadro da educaccedilatildeo puacuteblica paulista e o discurso teoloacutegico liberal presente no substrato da
educaccedilatildeo protestante
Recentemente outras pesquisas vecircm ganhando relevacircncia para temaacutetica como por
exemplo o trabalho de Ester Fraga Nascimento (2005) ldquoEducar Curar Salvar Uma ilha de
civilizaccedilatildeo no Brasil tropicalrdquo Baseando-se em dois eixos de anaacutelise e temporalidade analisa
as estrateacutegias de implantaccedilatildeo de um projeto civilizador por missionaacuterios presbiterianos norte-
americanos vinculados agrave Missatildeo Central do Brasil no interior da Bahia no periacuteodo de 1871 a
1937 tal projeto se deu por meio de igrejas escolas hospitais e escolas de enfermagem A
obra investiga fragmentos da histoacuteria do Instituto Ponte Nova no periacuteodo de 1906 ndash ano de
fundaccedilatildeo ndash a 1937 ano em que ocorreu uma reconfiguraccedilatildeo estrutural no interior da missatildeo
presbiteriana norte-americana no Brasil Criado pela Missatildeo Central do Brasil em
conformidade com os moldes educacionais presbiterianos norte-americanos a escola teve um
papel fundamental na formulaccedilatildeo da poliacutetica de accedilatildeo daquela organizaccedilatildeo missionaacuteria
Poliacutetica esta que teve como objetivo formar professoras para suas escolas e homens que
seriam evangelistas e pastores de suas igrejas Estes teriam a missatildeo de ser agentes de uma
nova proposta civilizadora natildeo somente para regiatildeo mas tambeacutem para outros campos
missionaacuterios no Brasil
Ainda sobre o presbiterianismo haacute o trabalho de Ivanilson da Silva (2010)ldquoA cidade
a Igreja e a Escola relaccedilotildees de poder entre maccedilons e presbiterianos na segunda metade do
seacuteculo XIXrdquo onde ele parte da noccedilatildeo de campo de Bourdieu para analisar a formaccedilatildeo e
3
desenvolvimento da cidade como campo de disputas de poder poliacutetico econocircmico e social
entre nativos imigrantes norte-americanos e europeus Analisa as formaccedilotildees religiosas entre
catoacutelicos e protestantes como campo de poder e por fim a formaccedilatildeo do campo educacional
que serviu como espaccedilo de disputas entre protestantes catoacutelicos e maccedilons
Todavia como meu objeto estaacute voltado para Educaccedilatildeo Batista vi a necessidade de
afunilar a revisatildeo bibliograacutefica para esta especificidade Teria de fato alguma especificidade a
educaccedilatildeo batista em relaccedilatildeo a metodista e presbiteriana Eacute sabido que os batistas
diferentemente dos demais natildeo chegavam abrindo escolas como fizeram os outros grupos
protestantes de missatildeo (HILSDORF 1977) Somente mais tarde quando viram os ldquosucessosrdquo
dos demais grupos eacute que eles conseguiram convencer a Junta Missionaacuteria de Richmond a
investir no campo da educaccedilatildeo Para tanto tinham como argumento que a educaccedilatildeo deveria
servir como estrateacutegia de maior inserccedilatildeo social um lugar para acolher os filhos dos
protestantes de alguns casos de perseguiccedilatildeo e proteger da suposta ldquoeducaccedilatildeo pagatilderdquo nas
escolas catoacutelicas e puacuteblicas (ARAUacuteJO 2006) Aleacutem disso e fundamentalmente os batistas
viram na educaccedilatildeo um campo de ldquoevangelizaccedilatildeordquo que a meu ver foi mais explorado por eles
do que pelos demais grupos protestantes
Assim sendo estas jaacute preacutevias conclusotildees se deram com base na revisatildeo bibliograacutefica
voltada para a histoacuteria da educaccedilatildeo batista no Brasil Parti entatildeo de um jaacute ldquovelho conhecidordquo
em minhas leituras - o texto de Israel Belo de Azevedo (1996) ldquoA celebraccedilatildeo do indiviacuteduo a
formaccedilatildeo do pensamento batista brasileirordquo Mesmo natildeo sendo um trabalho de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo e sim de Filosofia o autor faz uma anaacutelise histoacuterico-filosoacutefica mostrando por meio
de vasto material empiacuterico os processos de transformaccedilatildeo do pensamento batista pontuando
as origens inglesas assim como suas continuidades e rupturas nos batistas norte-americanos e
dedica maciccedila atenccedilatildeo para verificar o modo como tais raiacutezes teoloacutegico-culturais se
encontram e formam um pensamento batista brasileiro caracteristicamente liberal Este
trabalho foi importante porque ajudou numa maior apropriaccedilatildeo teoacuterica da ldquoconcepccedilatildeo de
mundo dos batistasrdquo que mais adiante no desenvolvimento do texto dissertativo eacute trabalhado
a partir do conceito de ldquoimaginaacuteriordquo e ldquorepresentaccedilatildeordquo de Pesavento e Chartier
Outro trabalho de significativa importacircncia para pensar a educaccedilatildeo batista no Brasil
que tive acesso foi a pesquisa de Noemi Loureiro (2006) ldquoAnna Bagby educadora batista
(1902 - 1919)rdquo2 Este foi importantiacutessimo porque nos ajudou a definir se iriacuteamos trabalhar a
2O acesso foi possiacutevel a partir de um levantamento bibliograacutefico feito na biblioteca da FEUSP por meio do
projeto PROCAD do qual jaacute me referi anteriormente
4
Escola Batista em Amambai criada pela missionaacuteria Ana Wollerman ou se iriacuteamos trabalhar
a trajetoacuteria da mesma Loureiro investigou a trajetoacuteria de Anna Bagby mas focou apenas no
periacuteodo em que ela abriu o Coleacutegio Batista em Satildeo Paulo (1902 - 1919) mas para isto ela
partiu da pergunta ldquoQuem foi Anna Bagbyrdquo Pergunta esta que a levou aos EUA onde
conseguiu documentos ineacuteditos sobre a formaccedilatildeo da missionaacuteria Anna Bagby sobre seu
casamento com o missionaacuterio William Bagby nos EUA sua formaccedilatildeo religiosa e um rico
material que mostra que a decisatildeo do casal de vir para o Brasil foi mais por parte da Anna e
natildeo de William Isto por sua vez se configura como um desvio das conclusotildees ateacute entatildeo
defendidas por Machado e demais historiadores confessionais Analisou o processo de compra
do coleacutegio americano em Satildeo Paulo da missionaacuteria presbiteriana McIntyre para construccedilatildeo de
seu projeto educacional Analisou o trabalho de Anna Bagby com a educaccedilatildeo feminina no
Coleacutegio Progresso Brasileiro (1902 - 1919) e por fim o cotidiano e as praacuteticas educativas do
coleacutegio
O trabalho de Loureiro aleacutem de mostrar a forte presenccedila de elementos do ldquoimaginaacuteriordquo
batista nas praacuteticas da missionaacuteria Anna Bagby tem muita semelhanccedila nas representaccedilotildees de
praacuteticas da missionaacuteria Ana Wollerman o que ajudou a pensar uma proposta de estruturaccedilatildeo
do presente trabalho Loureiro se propusera a trabalhar o cotidiano da escola e sua ldquocultura
escolarrdquo poreacutem deixou de abordar um elemento fundante e estruturante no projeto
educacional batista qual seja a relaccedilatildeo entre educaccedilatildeo e ideologia religiosa que Joseacute
Nemeacutesio Machado em suas pesquisas explora com mais propriedade
Machado (1994 1999) se debruccedila sobre a Histoacuteria da Educaccedilatildeo Batista na obra ldquoA
contribuiccedilatildeo batista para educaccedilatildeo brasileirardquo e ldquoA educaccedilatildeo batista no Brasil uma anaacutelise
complexardquo Nestes o autor analisa o processo de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil pontuando
praacuteticas teoloacutegicas e poliacuteticas propotildee uma periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista a partir da
participaccedilatildeo e afastamento da Convenccedilatildeo norte-americana de Richmond e da Convenccedilatildeo
batista brasileira analisa as praacuteticas pedagoacutegicas utilizadas nas escolas batistas numa
perspectiva inovadora em relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo puacuteblica no Brasil analisa um certo
ldquoecumenismordquo no corpo docente das escolas apenas entre confissotildees protestantes os limites
da mulher nos espaccedilos institucionais batistas e a prioridade por uma evangelizaccedilatildeo direta nas
escolas e coleacutegios e natildeo indireta como acontecia na maioria dos coleacutegios metodistas
Outro trabalho que ajudou a construir essa pesquisa foi a obra ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash
1936rdquo de Pedro Arauacutejo (2006) Mesmo natildeo sendo um trabalho em Histoacuteria da Educaccedilatildeo e
5
sim em Sociologia tem contribuiacutedo para pensar as relaccedilotildees entre igreja e coleacutegio O autor
analisou natildeo apenas a documentaccedilatildeo do coleacutegio e da igreja mas tambeacutem entrevistas com ex-
alunos Assim produziu um bom trabalho com relevantes contribuiccedilotildees para a Histoacuteria da
Educaccedilatildeo especificamente para compreender a proposta educacional batista que fazia do
coleacutegio natildeo apenas uma estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo indireta mas tambeacutem de evangelizaccedilatildeo
direta e treinamento daqueles que mais tarde iriam para os Seminaacuterios e Institutos Teoloacutegicos
para formaccedilatildeo missionaacuteria e pastoral
E assim diante desta problemaacutetica as seguintes questotildees me inquiriram num problema
de pesquisa Quem foi a missionaacuteria batista Ana Wollerman Em princiacutepio esta pergunta
poderia ser satisfatoriamente respondida pela pesquisa de Nogueira (2003) mas ainda havia
muitas coisas sobre ela que natildeo sabiacuteamos (e ainda continuamos sem saber) e que talvez
pudessem ajudar a entender melhor suas praacuteticas no campo da Educaccedilatildeo no Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul
O trabalho de Nogueira jaacute tinha mostrado que ela veio ao Brasil na condiccedilatildeo de
missionaacuteria independente e natildeo como missionaacuteria da Junta de Richmond mas natildeo respondia
as possiacuteveis razotildees envolvidas na questatildeo da natildeo nomeaccedilatildeo pela Junta Missionaacuteria Por qual
razatildeo Ana Wollerman natildeo foi aceita Racionalizaccedilatildeo de gastos A regiatildeo de interesse de Ana
Wollerman natildeo estava no projeto da Junta naquele momento Ou algo no seu perfil natildeo
atendia agraves exigecircncias da Junta Caso fosse esta uacuteltima hipoacutetese porque a aceitaram cinco anos
depois que ela jaacute estava no Brasil Como ldquoMissionaacuteria Independenterdquo ela tinha uma ideologia
independente ou se mantinha ldquofielrdquo aos propoacutesitos das representaccedilotildees batistas em sua praacutetica
missionaacuteria no campo da educaccedilatildeo
A partir do exposto o presente trabalho tem como objetivo mostrar por meio de
anaacutelises das praacuteticas representaccedilotildees e autorepresentaccedilotildees como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai(MS) entre 1947 e 1954 uma vez que este foi o
periacuteodo que ela trabalhou na cidade e depois seguiu para outro campo ndash ldquooutros confinsrdquo ndash
para dar continuidade ao seu projeto missionaacuterio
Deste modo a fim de construir um texto dissertativo que representasse os resultados
da pesquisa procuramos organizar o trabalho em trecircs capiacutetulos os quais seguem abaixo
No primeiro capiacutetulo questiona-se sobre o contexto histoacuterico familiar e religioso de
formaccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman tanto por meio de seu depoimento autobiograacutefico
quanto por meio de outros documentos do contexto que possam ajudar a fazer afericcedilotildees sobre
6
sua identidade social Busca-se entender as representaccedilotildees que ela constroacutei de sua infacircncia
escolarizaccedilatildeo formaccedilatildeo missionaacuteria e religiosa Visto que a principal fonte usada neste
capiacutetulo eacute o material ldquoautobiograacuteficordquo de Ana Wollerman busca-se problematizaacute-lo a partir
da noccedilatildeo de memoacuteria de Halbwachs (2007) Para este autor a memoacuteria eacute sempre coletiva
(famiacutelia religiatildeo classe etc) poreacutem as perspectivas satildeo particulares Neste sentido a
memoacuteria estaacute sempre ressignificando as lembranccedilas e imagens do passado a partir das
necessidades e interesses do presente Ela sempre guarda relaccedilotildees de continuidade entre
passado e presente mas ao mesmo tempo ldquoinventandordquo novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
O segundo capiacutetulo estaacute estruturado em duas partes Na primeira busca-se identificar o
lugar dos batistas no processo de inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil assim como a
especificidade do projeto educacional batista em sua proposta diretamente evangelizadora Na
segunda parte busca-se reconstruir o contexto histoacuterico-social vivido pela missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai (MT) e as condiccedilotildees que favoreceram sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo nesta
cidade
O terceiro capiacutetulo apresenta como se deu o iniacutecio de sua trajetoacuteria missionaacuteria no
Brasil No entanto esta anaacutelise tem como chave hermenecircutica a Escola Batista em Amambai
(MS) entre 1947 e 1954 Neste verifica-se que muitos dos elementos estruturantes da cultura
da escola tiveram iniacutecio nas praacuteticas de Ana Wollerman E ainda com base em sua memoacuteria
socioafetiva ndash professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas
da missionaacuteria satildeo construiacutedas na memoacuteria social do grupo
Desta forma para auxiliar na operaccedilatildeo com as fontes e categorizar o que seriam as
praacuteticas e representaccedilotildees de Ana Wollerman assim como de sua comunidade afetiva busca-
se as contribuiccedilotildees de Elias Chartier e Pesavento E assim na perspectiva de Elias entende-se
que as relaccedilotildees satildeo interdependentes e eacute a partir desta relaccedilatildeo que se constitui a imagem ldquoeu-
noacutesrdquo ou seja a ldquorepresentaccedilatildeordquo Neste caso natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o
individual nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de
convivecircncia social Elias parte do fundamento de que as relaccedilotildees sociais satildeo sempre relaccedilotildees
de poder entre indiviacuteduos pertencentes a um grupo logo natildeo se pode falar de um ldquoeurdquo
destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo (ELIAS 1994 p57)
No diaacutelogo com a perspectiva de Chartier e Pesavento busca-se entender como Ana
Wollerman eacute construiacuteda a partir da perspectiva sociocultural de gecircnero como religiosa e
7
educadora para manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de representaccedilotildees tributaacuterias de uma concepccedilatildeo
especiacutefica de imaginaacuterio social que concebe a realidade e a institucionaliza
A metodologia utilizada na pesquisa eacute fundamentalmente a Histoacuteria Oral a partir dos
seguintes referenciais (THOMPSON 1998) (POLLAK 1992) (MEIHY 1998) As fontes
utilizadas satildeo gravaccedilotildees de entrevistas com a missionaacuteria Ana Wollerman feitas por ocasiatildeo
da pesquisa de mestrado em Ciecircncias da Religiatildeo de Nogueira (2004) Entrevistas com a
professora e missionaacuteria Ester Gomes Ergas que auxiliou na estruturaccedilatildeo da Escola Batista e
continuou na direccedilatildeo da escola quando a missionaacuteria Ana Wollerman se retirou para Campo
Grande depois para Cuiabaacute E tambeacutem entrevistas com dois alunos Almiro Sobrinho e
Ameacutelia de Lima A uacuteltima tambeacutem foi professora na Escola Batista em Amambai (MS) O
tratamento das fontes tambeacutem buscou contribuiccedilatildeo no entendimento de ldquooperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo de Michel de Certeau Procurando esclarecer o ldquolugar socialrdquo do pesquisador
na sua relaccedilatildeo com o objetosujeito como tambeacutem o lugar social do objetosujeito Quanto a
ldquopraacuteticardquo esta eacute a articulaccedilatildeo natureza-cultura fazendo um trabalho de transformaccedilatildeo das
materialidades culturais sobre sujeitos instituiccedilotildees e coisas Isto se daacute no espaccedilo-tempo por
meio de dados controlados pela objetividade metodoloacutegica e a partir de uma atitude criacutetica
dos processos histoacutericos presentes no objeto Por fim a ldquoescritardquo que paradoxalmente
concretiza um trabalho ldquoinacabadordquo Ela sistematiza as conclusotildees numa organizaccedilatildeo que por
ora se apresenta como um fragmento da nossa contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da educaccedilatildeo no Estado
a histoacuteria da educaccedilatildeo batista e da histoacuteria possiacutevel de ser contada neste momento
8
CAPITULO 1
ANA WOLLERMAN CONTEXTO E MEMOacuteRIAS DA
FORMACcedilAtildeO RELIGIOSA
Para conhecer e entender quem foi Ana Wollerman assim como suas praacuteticas
missionaacuterias que fundamentaram seu trabalho como educadora no Brasil cabe como
essencial um recuo no tempo e no espaccedilo Portanto o objetivo deste primeiro capiacutetulo eacute
analisar como Ana Wollerman constroacutei representaccedilotildees de si e de sua praacutetica missionaacuterio-
educadora Tal anaacutelise seraacute conduzida tanto com base em suas experiecircncias rememoradas
como em elementos contextuais - em outras fontes ndash a fim de entender de que forma ela ldquotece
o fio condutorrdquo de sentido de sua trajetoacuteria no Brasil
Discussatildeo teoacuterico-metodoloacutegica da apropriaccedilatildeo da fonte ldquoautobiograacuteficardquo
A principal fonte desta pesquisa eacute um conjunto de relatos ldquoautobiograacuteficosrdquo que Ana
Wollerman produziu a fim de atender a pesquisa de Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo de
Nogueira (2003) Tais relatos satildeo caracterizados como autobiograacuteficos pois partem da
centralidade do sujeito que faz uma narrativa autorreferente e organizada sistematicamente
(comeccedilo meio e fim) A narraccedilatildeo deseja ser cronoloacutegica e soacute fala das peripeacutecias e derrotas agrave
medida que estas sirvam para explicar e valorizar os ldquosucessosrdquo da trajetoacuteria autorreferente
(SOUZA 2008 p 37ss) Por outro lado esta narrativa foi produzida com base num tema
encomendado qual seja o trabalho missionaacuterio da Ana Wollerman no Brasil Portanto o
processo de seleccedilatildeo das experiecircncias de sua trajetoacuteria eacute cuidadosamente narrado a fim de natildeo
gerar contradiccedilotildees sobre ela e com as representaccedilotildees institucionais que se esperam da vida de
um(a) missionaacuterio(a) batista
Assim sendo fala-se de um ldquoconjuntordquo de relatos por que foi construiacutedo
sistematicamente em pelo menos seis etapas com uma duraccedilatildeo de no miacutenimo 40rsquorsquogravado em
seis fitas K7 pela proacutepria Ana Wollerman3 que na eacutepoca residia no EUA
3 Os relatos foram produzidos em portuguecircs pela missionaacuteria Ana Wollerman portanto haacute desvios de ordem
gramatical pois Ana Wollerman jaacute estava haacute mais de vinte anos sem convivecircncia com a liacutengua portuguesa Jaacute
que foi o pesquisador Nogueira quem participou da produccedilatildeo destes relatos ele optou por reproduzi-los
literalmente da forma como foram narrados forma esta que eacute mantida ao longo das citaccedilotildees nesta pesquisa
9
Pastor Seacutergio aqui fala Ana Wollerman dando-lhes as informaccedilotildees que o
irmatildeo desejava a respeito da minha vida Faccedilo tudo para dar gloacuteria a Deus
porque Ele que fez maravilhas em minha vida Segundo sua orientaccedilatildeo
vou comeccedilar com a origem da minha famiacutelia e do nome Wollerman
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)4
Com base na concepccedilatildeo de ldquodocumentordquo da Nova Histoacuteria onde o mesmo natildeo se
reduz a documentos oficiais - tatildeo pouco corresponde agrave realidade em si - entende-se que
documento eacute ldquotudo que pertencendo ao homem dependa do homem serve o homem exprime
o homem demonstra sua presenccedila a atitude os gostos e as maneiras de ser do homemrdquo (LE
GOFF 1990 p 540) Neste sentido o conjunto de relatos autobiograacuteficos da missionaacuteria Ana
Wollerman se configura como um ldquodocumentordquo e deve ser problematizado e analisado
segundo as regras de anaacutelise de outros documentos (THOMPSON 1998 p138)
Assim sendo parte-se da pergunta pelas condiccedilotildees de produccedilatildeo dos relatos assim
como as relaccedilotildees de envolvimento entre os sujeitos que produziram o mesmo (Ana
Wollemarn e Sergio Nogueira) Desse modo prossegue o seguinte esclarecimento a
colaboradora5 autora do documento - Ana Wollerman - era aposentada pela junta missionaacuteria
de Richmond instituiccedilatildeo com um status prestigioso entre os batistas brasileiros porque foi
quem iniciou e sustentou igrejas seminaacuterios coleacutegios e missionaacuterios no Brasil por muitos
anos Foi por meio desta instituiccedilatildeo que Ana Wollerman esteve ativa no Brasil de 1952 agrave
1981 Portanto no momento em que ela produzia seus relatos possivelmente jaacute tivesse
consciecircncia de seu prestiacutegio e ldquoinfluecircncia poliacuteticardquo dentro da configuraccedilatildeo6 da denominaccedilatildeo
batista Esta forccedila representativa era aceita tanto por grupos interdependentes no Brasil
(grupos religiosos lideranccedilas civis e outros) quanto nos EUA
Pastor Seacutergio logo estarei enviando para o irmatildeo pelo correio os dois
diplomas de graduaccedilatildeo uma de Ouachita Baptist College com diploma em
com Bacharel em Belas Artes o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary com o grau de mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa Tambeacutem eu
tenho trecircs certificados natildeo sei como se chamam mas eles tambeacutem como
diploma um eacute laacute do Brasil em 14 de novembro 1975 ndash quando a cacircmara
municipal de Dourados numa cerimocircnia oficial me deu o tiacutetulo de cidadatildeo
douradense Eacute muito precioso para mim este ato O outro eacute de Ouachita
Baptist College quando eu estava aqui em gozo de feacuterias em 1961 quando
numa grande solenidade foi proclamando como eu era uma graduada de
4 Grifo meu
5 Segundo Meihy (2011 p23) o conceito de ldquocolaboraccedilatildeordquo fundamenta-se num procedimento eacutetico de
alteridade social que vecirc no entrevistado um sujeito interlocutor da pesquisa e natildeo um ldquoobjetordquo Parte-se de trecircs
elementos constitutivos que podem ser percebidos na construccedilatildeo morfoloacutegica do termo ldquoco-labor-accedilatildeordquo 6 Configuraccedilatildeo aqui estaacute embasado em Elias eacute isso que o conceito de figuraccedilatildeo exprime Os seres humanos em
virtude de sua interdependecircncia fundamental uns dos outros agrupam-se sempre na forma de figuraccedilotildees
especiacuteficas Diferentemente das configuraccedilotildees de outros seres vivos essas figuraccedilotildees natildeo satildeo fixadas nem com
relaccedilatildeo ao gecircnero humano nem biologicamente (ELIAS 2006 pp 2526)
10
distinccedilatildeo e dizendo que eu tinha trazido honra ao coleacutegio e agrave minha paacutetria
por minha vida de serviccedilo E o outro eacute do Southwestern Theological
Seminary onde tambeacutem me formei em 1992 recebi honra de distinccedilatildeo pelo
meu serviccedilo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p170)
O sentimento de se sentir honrada serve como elemento constitutivo do discurso
ldquohagiograacuteficordquo ou seja um discurso estruturado com uma ordem semacircntica proacutepria e com um
ldquolugar excepcionalrdquo (CERTEAU 2011 pp 296s) A ldquoexcepcionalidaderdquo do lugar produz um
discurso que busca legitimar-se a partir da autoridade de quem fala e portanto natildeo eacute levado
em consideraccedilatildeo por aqueles que o recebem (comunidade igreja) como um lugar
ldquointencionalrdquo ou ldquoideoloacutegicordquo7 Portanto cabe a pesquisa histoacuterica com suas ldquoleis do meiordquo
reconstituir ldquoo lugar na histoacuteriardquo do documento a fim de entender a quequem tal discurso
ideoloacutegico serve
Assim sendo o lugar interdependente entre Nogueira e Ana Wollerman eacute o da
figuraccedilatildeo religiosa Lugar este que tem elementos simboacutelicos fundamentais na constituiccedilatildeo de
suas identidades mas ao mesmo tempo natildeo satildeo completamente determinantes na forma como
estes sujeitos se inventam nas fronteiras das relaccedilotildees do proacuteprio grupo Segundo Elias (1994
p 57) natildeo existe um ldquoeurdquo destituiacutedo de um ldquonoacutesrdquo nas relaccedilotildees interdependentes que
compotildeem as figuraccedilotildees sociais pois natildeo haacute um peso maior do coletivo sobre o individual
nem do individual sobre o coletivo na construccedilatildeo da realidade e nos atos de convivecircncia
social pois sempre satildeo relaccedilotildees de poder
Na figuraccedilatildeo destes sujeitos ambos pertencem agrave mesma tradiccedilatildeo religiosa mas haacute
limites nesta relaccedilatildeo que demonstra suas distinccedilotildees no exerciacutecio de funccedilotildees dentro do grupo
religioso Aleacutem disso eles transitam em outros grupos com outros ldquolugares ideoloacutegicosrdquo e
com os quais guardam relaccedilotildees de dependecircncia e responsabilidades
- Sergio Nogueira homem pastor8 reitor desde 1996 do Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica
Batista da qual Ana Wollerman eacute patrona Liacuteder religioso prestigioso tanto entre os batistas
do Mato Grosso do Sul quanto a niacutevel nacional entre as lideranccedilas batistas da Convenccedilatildeo
7 Entende-se Ideologia a partir de Paul Ricouer (1990 pp 68s) para quem ldquoideologiardquo tem pelo menos trecircs
funccedilotildees discursivas ldquoFunccedilatildeo geralrdquo de representaccedilatildeo e reproduccedilatildeo da autoimagem de um indiviacuteduogrupo neste
sentido todos produzem ideologias e natildeo apenas ldquodominantesrdquo sobre os ldquodominadosrdquo rdquoFunccedilatildeo de dominaccedilatildeordquo
por meio das representaccedilotildees de autoimagem de determinado individuogrupo sobre outrooutros e ldquoFunccedilatildeo de
deformaccedilatildeordquo mais proacuteximo do sentido marxista onde a representaccedilatildeo acaba distorcendo a realidade conforme
os interesses de determinado individuogrupo 8 Ainda que entre os batistas da Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) muitas mulheres jaacute tinham sido
ordenadasconsagradas agrave funccedilatildeo pastoral ainda haacute muita resistecircncia de lideres que buscam alimentar uma
ldquorepresentaccedilatildeo coletivardquo no grupo que legitima a ldquoordem divinardquo para somente os homens exercerem tal funccedilatildeo
oficial cabendo a mulher o papel de submissa companheira auxiliadora mas nunca a consagraccedilatildeo oficial Tal
assunto ainda seraacute abordado com maior propriedade mais a frente quando tratar do lugar da mulher na
formaccedilatildeo do pensamento batista
11
Batista Brasileira ndash (CBB) e entre outras fora do ciacuterculo religioso Poreacutem Nogueira tambeacutem
estaacute na funccedilatildeo de pesquisador - em formaccedilatildeo - em Ciecircncias da Religiatildeo (Mestrado-UMESP)
portanto deve submeter-se agraves ldquoleisrdquo e ldquocacircnonesrdquo acadecircmicos a fim de que seu trabalho seja
reconhecido como cientiacutefico
- Ana Wollerman mulher missionaacuteria norte americana aposentada pioneira da evangelizaccedilatildeo
batista no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fundadora e uma das mantenedoras do
Seminaacuterio e Faculdade Teoloacutegica Batista desde 1974 entre outros atributos
As relaccedilotildees de forccedila da funccedilatildeo pastor eou pesquisador sobre a de missionaacuteria ou
funccedilatildeo de missionaacuteria sobre a de pastor eou pesquisador natildeo estatildeo em fatores uniacutevocos
homem mulher pastor missionaacuteria idade ldquoprestiacutegio histoacutericordquo de lideranccedila institucional
status nacional ou internacional entre outros Pois a balanccedila de poder eacute instaacutevel assim sendo
dependendo da situaccedilatildeo e processos na rede de movimentos pode mudar (ELIAS 1993 pp
5051) Tal relaccedilatildeo interdependente estaacute presente na produccedilatildeo do documento pois eacute nele que
os indiviacuteduos propotildeem uma representaccedilatildeo de si para si mesmo e para os outros ou legitima
uma e desconstroacutei outras (CHARTIER 1991 p185)
Assim sendo qual identidade Ana Wollerman propotildee para si mesma e para os outros
nas representaccedilotildees de seus relatos Para responder esta questatildeo busca-se levantar elementos
contextuais de sua sociogecircnese familiar e religiosa e problematizar seus relatos a partir dos
conceitos de Representaccedilatildeo da Histoacuteria Cultural (Chartier Pesavento) e de Memoacuteria
(Halbwachs Pollack)
Por ldquorepresentaccedilatildeordquo na esteira de Chartier (1990 p 17) entende-se as formas
socioculturais construiacutedas a partir de ldquoesquemas intelectuaisrdquo de como Ana Wollerman na
relaccedilatildeo de pertenccedila com a tradiccedilatildeo batista concebe e decifra o mundo social e o torna
inteligiacutevel Por esquemas intelectuais entende-se a capacidade que o ser humano tem de
ldquoinventarrdquo ou ldquocriarrdquo a realidade e ao mesmo tempo ser criado por esta ldquorealidaderdquo que deseja
ser verdadeira mas que no maacuteximo tem relaccedilotildees de verossimilhanccedila A esta capacidade
criadoracriada Pesavento entende por ldquoimaginaacuteriordquo e baseando-se em Le Goff e Castoriadis
ela conceitua
Tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade eacute o proacuteprio
imaginaacuterio Nesta medida o historiador Le Goff aproxima-se do filoacutesofo
Castoriadis quando este diz que a sociedade soacute existe no plano simboacutelico
porque pensamos nela e a representamos desta ou daquela maneira
(PESAVENTO 2004 p4445)
12
Eacute importante entender a relaccedilatildeo entre o conceito de representaccedilatildeo e imaginaacuterio porque
eacute a partir do segundo que Ana Wollerman constroacutei ou reproduz sentido de sua missatildeo
religiosa em representaccedilotildees que institucionalmente se espera dela como missionaacuteria
ldquoenviada por Deusrdquo
Quanto ao conceito de ldquomemoacuteriardquo entende-se com base em Pollack (1998) que a
memoacuteria eacute constituiacuteda por pelo menos trecircs elementos fundamentais acontecimentos vividos
pessoalmente e acontecimentos ldquovividos por tabelardquo ou seja acontecimentos de que se ouviu
falar e que foram vividos pelo grupo de pertenccedila personagens ou pessoas de contatos diretos
indiretos ou ldquopor tabelardquo e lugares de memoacuteria ligados a lembranccedilas da infacircncia situaccedilotildees
coisas instituiccedilotildees etc que assim como os demais elementos estatildeo presentes por experiecircncias
pessoais e ldquopor tabelardquo (POLLACK 1998 pp 23) Tais elementos satildeo fundamentais porque
se configuram como quadros de referecircncias de lembranccedilas ldquopreservadasrdquo e portanto podem
ser verificados atraveacutes de cotejamento de outras fontes para construccedilatildeo dos ldquofatosrdquo
Com base na amostra do relato autobiograacutefico abaixo veja na sequecircncia consideraccedilotildees
fundamentais para entender a relaccedilatildeo memoacuteria e representaccedilatildeo de que muito seraacute tratado nesta
pesquisa
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
situaccedilatildeo precaacuteria na Alemanha tanto com a poliacutetica economia e o moral ele
saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica [] poucos meses apoacutes a
chegada deles meu pai nasceu e foi chamado August Emill Wollerman Eles
eram agricultores e assim prosperaram na nova paacutetria Na mesma eacutepoca a
famiacutelia da minha matildee saiu tambeacutem da Alemanha o meu avocirc materno se
chamava Frederick Hacke [] Estas famiacutelias natildeo se conheceram e ambos
eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista Minha matildee
nasceu nesta cidade pequena de Desoto no ano 1882 e foi chamada de Minna
Carolina Hacke Assim vejo o plano de Deus para minha proacutepria vida antes
mesmo do meu nascimento fazendo um milagre para que August Emill e
Minna Carolina se encontrassem Encontraram e casaram Aconteceu assim
meu pai saiu tambeacutem do lar laacute no Estado de Illinois e foi com o seu irmatildeo
para Pine Bluff ndash Arkansas laacute ele conseguiu um emprego numa estrada de
ferro chamado Cotton Belt onde ele trabalhou como carpinteiro Um dia ele
foi enviado com urgecircncia para Desoto ndash Missouri resolver um problema
com a estaccedilatildeo da estrada de ferro naquela cidade pequena Laacute ele conheceu
Minna Hacke Eles se amaram e um pouco depois se casaram e foram para
estabelecer residecircncia na cidade de Pine Bluff no estado de Arkansas e foi
ali que eu Ana nasci no dia 13 de Dezembro de 1910 (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p 140)
Os acontecimentos (migraccedilatildeo da Alemanha para EUA o casamento dos pais seu
nascimento) as pessoas (avoacutes paterno e materno) os lugares (Alemanha Arkansas Desoto
Missouri Pine Bluff Cotton Belt estrada de ferro etc) satildeo quadros de referecircncias que datildeo
13
concretude a sua narrativa Poreacutem outro elemento responsaacutevel para reconstruir estas
lembranccedilas e talvez preservaacute-la eacute o ldquoelemento do sentidordquo que Ana Wollerman daacute para estas
lembranccedilas Ela interpreta a vinda de seus avoacutes da Alemanha para o EUA o problema da
estrada de ferro que o Sr Wollerman foi resolver em Desoto e o encontro entre Sr Wollerman
com a Srta Hacke como uma ldquotrama divinardquo e romacircntica que concretizou o ldquoplano de Deusrdquo
para sua vida Logo na perspectiva da Ana Wollerman tais lembranccedilas ldquovividas por tabelardquo
soacute existiram em funccedilatildeo do sentido que ela construiu para tais lembranccedilas
Ainda quanto a questatildeo do ldquosentidordquo entende-se a partir de Halbwachs (2007 pp 71s)
que a memoacuteria encontra lugar na tradiccedilatildeo de um grupo pois esta eacute seu quadro social de
referecircncia e ao mesmo tempo dinamiza a tradiccedilatildeo em novos significados referenciados pelo
presente Ela procura estabelecer continuidades entre passado e presente recompondo as
lembranccedilas e tradiccedilotildees ao mesmo tempo inventando novamente as lembranccedilas das praacuteticas
do passado e da tradiccedilatildeo
E ainda outro aspecto presente na documentaccedilatildeo autobiograacutefica eacute a relaccedilatildeo entre
verdade e realidade presente no documento autobiograacutefico que natildeo apresenta o rigor de
referecircncias de acontecimentos pessoas e lugares mas sim a experiecircncia subjetiva da
colaboradora Ana Wollerman com o que eacute real para ela ou seja seu ldquoimaginaacuteriordquo Pois tem
se uma realidade a partir das palavras (construiacutedas no relato autobiograacutefico) e a realidade para
aleacutem das palavras ou ldquofora do mundordquo do colaborador (construiacutedas a partir dos contextos e
outras fontes discurso histoacuterico) Segundo Portelli natildeo existe fonte oral falsa pois ldquofica na
histoacuteria oral a diversidade que consiste no fato de afirmativas erradas satildeo ainda
psicologicamente corretas e que esta verdade pode ser igualmente tatildeo importante quanto os
registros factuais confiaacuteveisrdquo (PORTELLI 1997 p32)
Formaccedilatildeo familiar e escolar
Ann Mae Louise Wollerman conhecida em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por
Ana Wollerman ou ldquoDona Anardquo nasceu em 13 de dezembro de 1910 na cidade de Pine Bluff
- Arkansas Ela era a irmatilde do meio entre Edwin Wollerman (1908-1989) e Mildred Lucille
Wollerman (1912-) Pine Bluff estaacute situada agrave sessenta quilocircmetros de Little Rock capital de
Arkansas no sul dos Estados Unidos Foi criada oficialmente em 1832 pelo tribunal da
comarca Por causa de sua localizaccedilatildeo estrateacutegica se tornou palco de batalhas da guerra civil
ou guerra da secessatildeo (1861-1865) Cidade portuaacuteria a beira do rio Arkansas Pine Bluff
experimentou momentos de grande crescimento econocircmico e social pois era um dos
14
principais pontos de escoamento tanto de produtos agriacutecolas quanto industrializados Um dos
fatores chave para o crescimento inicial de Pine Bluff foi a chegada dos barcos a vapor no rio
Arkansas e fundamentalmente a chegada das ferrovias (1870 e 1880) Calcula-se que a
cidade tenha experimentado neste momento um boom de crescimento de 2081 em 1870 para
quase 10000 pessoas em 1890 Com a virada do seacuteculo criaram-se induacutestrias madeireiras e
portanto eacute possiacutevel que a cidade jaacute tivesse mais de 25000 habitantes neste periacuteodo
(NOGUEIRA 2004 p23 24) Ana Wollerman ao lembrar sua cidade natal relata
[] Tambeacutem uma sede entre outras naturalmente de uma companhia de
estrada de ferro teve a sede laacute em Pine Bluff e ofereceu empregos muito
bons para muitas pessoas de modo que era uma cidade de mais de 25000
mil habitantes calma lares bonitos um comeacutercio bom e muitas igrejas de
vaacuterias denominaccedilotildees cada uma com um templo algumas com escolas mas
todas com muitos bons ministeacuterios e um espiacuterito de cooperaccedilatildeo entre todas
de modo que eu fui criada assim numa cidade que havia muito respeito e
muito amor uns para com os outros e fui levada para igreja batista pelos
meus pais (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 175 176)
Quanto a sua escolarizaccedilatildeo natildeo se sabe muito por enquanto a maioria das
informaccedilotildees acessiacuteveis que se tem sobre este periacuteodo estaacute em seu relato autobiograacutefico E este
tem por preocupaccedilatildeo falar de seu trabalho missionaacuterio no Brasil e natildeo de sua vida nos EUA
No que se refere aos seus primeiros anos de escolarizaccedilatildeo Ana Wollerman relata
A educaccedilatildeo secular aqui na minha terra do iniacutecio primeiro ano da escola ateacute
terminar o ginaacutesio leva 12 anos O primeiro ano na escola primaacuteria eacute de seis
anos Depois se chama aqui ldquoJuniorrdquo ndash Ginaacutesio ndash preacute-ginasial o curso de
dois anos e depois o curso ginasial de quatro anos de modo que haacute doze
anos de estudo na escola para terminar o curso ginasial Fiz todos aqueles
anos de estudo com bom ecircxito natildeo havia grande influecircncia que eu me
lembro em minha vida para se sentir chamada para ser uma missionaacuteria
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Este fragmento em princiacutepio parece ser apenas o relato da estrutura educacional de
sua eacutepoca Poreacutem ao negar ter sido a escola a principal motivaccedilatildeo de sua vocaccedilatildeo para a
atividade missionaacuteria somos direcionados agrave elaboraccedilatildeo de ao menos duas hipoacuteteses ou ela
fez uma projeccedilatildeo de transferecircncia de memoacuterias invertendo acontecimentos lugares e pessoas
o que segundo Pollack (1992 p03) natildeo eacute raro acontecer - ainda mais no caso da Ana
Wollerman que estaacute tentando lembrar-se de coisas passadas a mais de noventa anos - ou
mesmo havendo algum tipo de praacutetica religiosa na cultura da escola ela natildeo se sentisse
influenciada por esta para ser missionaacuteria A possibilidade desta relaccedilatildeo entre religiatildeo e escola
eacute provaacutevel no seu contexto jaacute que muitas escolas puacuteblicas em Pine Bluff eram anexas ou
paroquiadas a templos religiosos Isto considerando que as primeiras escolas eram
originalmente escolas confessionais e foram criadas pela Sociedade Americana Missionaacuteria
15
no ao de 1869 Tempos depois estas escolas foram absorvidas pelo sistema puacuteblico de
ensino9 Levando em conta que Ana Wollerman eacute missionaacuteria e estaacute narrando a sua histoacuteria
missionaacuteria seu depoimento perpassaraacute uma estrutura hagiograacutefica engendrando
questionamentos acerca da origem e do sentido de sua vocaccedilatildeo missionaacuteria (CERTEAU
2011 p 297) Este gecircnero de discurso tambeacutem pode ser pensado a partir do conceito de
ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu (2006 p183ss) para quem as biografias e autobiografias tecircm
interesse em aceitar o ldquopostulado do sentido da existecircnciardquo Este postulado fundamenta a
narrativa selecionando os ldquofatosrdquo de forma a dar significado global ao conjunto de sua
trajetoacuteria e assim configurando-se como uma ldquoilusatildeo retoacutericardquo porque na verdade o real eacute
descontiacutenuo cheio de imprevistos e propoacutesitos aleatoacuterios
Veja nota sobre uso de fotografias neste trabalho
10
Se ela natildeo se sentia influenciada pela ldquoescola secularrdquo para se tornar uma missionaacuteria
o mesmo natildeo poderia ser afirmado acerca do ambiente familiar e da igreja Esta uacuteltima natildeo se
caracteriza apenas por um espaccedilo fiacutesico destinado ao culto religioso mas eacute tambeacutem espaccedilo de
formaccedilatildeo de identidades sociais e consequentemente posicionamentos poliacuteticos-ideoloacutegicos
9 httpwwwcityofpinebluffcomhistoryhtm acessado em 12132012
10 A partir desta foto seraacute feito uso de outras fotografias neste trabalho todavia com fins ldquoilustrativosrdquo mas sem
perder de vista seu valor documental O uso de fotografias como ldquofonterdquo demandaria um tratamento teoacuterico-
metodoloacutegico especiacutefico Para ver sobre uso metodoloacutegico de fotografias consultar MAUAD Ana Maria Na
mira do olhar Um exerciacutecio de anaacutelise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas na primeira metade do
seacuteculo XX In Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo vol 13 nordm1 p133-174 jan ndash jun 2005 Disponiacutevel em
httpwwwscielobrscielophppid=S0101-47142005000100005ampscript=sci_arttext Acesso em 27122012
Ao fundo os pais da Ana
Wollerman Sr August
Wollerman e Sra Minna
Wollerman Em primeiro
plano da esquerda para direita
Ana e seus irmatildeos Edwin e
Mildred - Acervo Biblioteca
Faculdade Teoloacutegica Batista
Ana Wollerman
16
Portanto fundamentalmente no caso protestante onde a leitura da Biacuteblia de literaturas
devocionais do hinaacuterio e de jornais religiosos fazem parte da cultura religiosa dos fieacuteis natildeo
apenas a igreja mas tambeacutem - por extensatildeo - a famiacutelia satildeo espaccedilos de construccedilatildeo e
reproduccedilatildeo do imaginaacuterio que daacute sentido as representaccedilotildees do social
Na casa da Ana Wollerman havia uma rotina de estudo da Biacuteblia oraccedilotildees e
doutrinamento possivelmente jaacute desde antes da escolarizaccedilatildeo formal ldquoSou muito grata aos
meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja mas em casa eles oraram conosco eles
nos ensinaram a orar quando eacuteramos bem pequenosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p176) Na igreja ela participou de uma organizaccedilatildeo feminina para meninas Tal
organizaccedilatildeo eacute semelhante agraves que tecircm em muitas igrejas Batistas no Brasil chama-se
ldquoMensageiras do Reirdquo Tais organizaccedilotildees nos EUA possivelmente foram frutos das
ldquoOrganizaccedilotildees Femininas Missionaacuteriasrdquo que sustentaram muitos missionaacuterios no Brasil e
outros paiacuteses11
Nestas reuniotildees ldquoestudamos sobre missionaacuterios missotildees e necessidade de
evangelizar e cada ano noacutes tivemos um acampamento com a presenccedila de algum missionaacuterio
ou missionaacuteria para nos falar e ensinar a respeito da obrardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176)
Essa formaccedilatildeo missionaacuteria desde crianccedila teve resultados marcantes na vida de Ana
Wollerman pois natildeo satildeo lembranccedilas geneacutericas do passado mas sim acontecimentos
personagens e lugares que deixaram profundas lembranccedilas que noventa anos depois satildeo
reinventadas na memoacuteria como que reconstruindo as cenas do momento
Um ano veio uma missionaacuteria da Aacutefrica natildeo sei o nome dela mas eu fiquei
muito impressionada e senti no meu coraccedilatildeo de 11 ou 12 anos natildeo me
lembro bem aquele desejo de ir a Aacutefrica falar agravequelas pessoas mas eu natildeo
creio que foi uma chamada porque logo passou aquela emoccedilatildeo e eu estava
voltando me envolvendo cada dia mais nos meus estudos e nas atividades
sociais da mocidade daquela eacutepoca (Ibid p176)
O processo de construccedilatildeo social daem Ana Wollerman se daacute numa rede
interdependente de figuraccedilotildees que envolvia cidade famiacutelia religiatildeo e escola e contribuiacutea para
construir representaccedilotildees sobre o ldquomundordquo o ldquoser humanordquo e ldquoDeusrdquo que legitimadas a priori
foram internalizadas no que Berger e Luckmann chamam de primeira socializaccedilatildeo portanto
marcaram peculiarmente a identidade social da Ana Wollerman nos seus primeiros anos de
vida e a posteriori no seu envolvimento com um projeto missionaacuterio no Brasil
11
Martha Watts missionaacuteria metodista no Brasil no seacuteculo XIX foi sustentada pela ldquoSociedade Missionaacuteria de
Mulheresrdquo (SARAT 2006 p21)
17
Na socializaccedilatildeo primaacuteria por conseguinte eacute construiacutedo o primeiro mundo
do indiviacuteduo Sua peculiar qualidade de solidez tem de ser explicada ao
menos em parte pela inevitabilidade da relaccedilatildeo do indiviacuteduo com os
primeiros significativos para ele (BERGER LUCKMANN 1996 p182)
Entre o teacutermino do ginaacutesio e sua formaccedilatildeo superior sabe-se muito pouco de como teria
se constituiacutedo sua vida neste periacuteodo Conforme o relato autobiograacutefico possivelmente jaacute
desde o ginaacutesio ela estivesse se afastado do ldquofervorrdquo religioso e se envolvido com praacuteticas que
ela julgava negativas e assim vivendo uma experiecircncia conflituosa a ponto de referir-se a
este tempo como um momento em que ela natildeo dava ldquotestemunhordquo de uma ldquocrente
consagradardquo12
Mas infelizmente eu tenho muita tristeza em dizer que como acontece
muitas vezes quando eu cheguei no ginaacutesio para continuar minha educaccedilatildeo
queria ser popular e comecei a assistir festas e atividades e pouco agrave pouco
deixei a minha vida de crente consagrada e apesar de continuar a minha
assistecircncia na igreja nos cultos nos domingos Durante a semana a minha
vida natildeo dava testemunho de eu ser uma crente consagrada dedicada
realmente salva (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p140)
Terminado o ginaacutesio Ana Wollerman diz natildeo poder ingressar diretamente na
universidade pois era eacutepoca de crise econocircmica no EUA Possivelmente ela estivesse falando
da crise de 1929 apoacutes a queda da bolsa de valores o crack que trouxe crise natildeo somente para
os EUA mas para as demais economias ldquointerdependentesrdquo inclusive o Brasil Tal crise fez
com que ela procurasse um emprego para ajudar a famiacutelia E assim conseguiu comem um
escritoacuterio de advocacia Este periacuteodo talvez fosse o que a Ana Wollerman mais tenha se
afastado do nuacutecleo religioso de sua infacircncia pois segundo ela ldquoe assim entrei no mundo dos
negoacutecios e a minha feacute e o meu testemunho sofriam maisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 141)
Outro aspecto de sua biografia cuja escassez de informaccedilotildees eacute bastante significativo se
refere ao seu divoacutercio Ela esteve casada entre o poacutes-ginasial e a faculdade Das fontes que
temos acesso no momento ningueacutem sabe com quem e ateacute quando ela teria sido casada nem o
porquecirc teria se divorciado Ateacute mesmo a pesquisa de Nogueira (2003) natildeo faz qualquer alusatildeo
sobre o assunto Poreacutem ao fazer a ldquoredistribuiccedilatildeo das fontesrdquo utilizadas por Nogueira
encontrei vestiacutegios que levam a conclusatildeo de que ela teria sido divorciada Portanto neste
12
O afastamento das praacuteticas religiosas no protestantismo geralmente satildeo traumaacuteticas O indiviacuteduo natildeo se sente
bem consigo mesmo e acaba se afastando do grupo religioso Tal afastamento eacute entendido como resultado de um
processo de ldquoesfriamento espiritualrdquo que se daacute com a falta de atividades de disciplina espiritual tais como
oraccedilatildeo leitura devocional da Biacuteblia e atividades lituacutergicas do templo O afastamento faz o ldquoex indiviacuteduo crenterdquo
se sentir afastado de Deus e acaba se envolvendo com praacuteticas que ateacute entatildeo satildeo reprovadas pelo grupo religioso
18
sentido esta pesquisa se configura como um ldquodesviordquo daquilo que vinha sendo dito ou pelo
menos ocultado na histoacuteria oficial que se tem sobre ela
Ao analisar comparativamente a gravaccedilatildeo de aacuteudio com o depoimento autobiograacutefico
de Ana Wollerman com a referida degravaccedilatildeo constante da pesquisa de Nogueira foi
possiacutevel constatar uma lsquodiferenccedilarsquo o corte de um trecho da gravaccedilatildeo que mostra que o
missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood reconhecido como um dos pioneiros na abertura de
igrejas Batistas no Mato Grosso do Sul natildeo teria sido favoraacutevel a sua presenccedila no Brasil
Outro indiacutecio foi em analisar as entrevistas que Nogueira fez com professor Joseacute Pereira Lins
Bill Sherwood e David Sherwood Estes uacuteltimos filhos do missionaacuterio pioneiro norte
americano Bill Sherwood diz
[] O marido dela morreu entatildeo eles consideraram ela como uma viuacuteva e
entatildeo receberam ela como missionaacuteria da Junta e fizeram com que ela
tivesse um salaacuterio Eu natildeo sei muito mais sobre Ana Wollerman mas eu
sabia que ela estava em Dourados que iniciou o Seminaacuterio em Dourados
[] (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
O interessante eacute que esta fala de Bill Sherwood estaacute totalmente fora de contexto do
que ele vinha falando no paraacutegrafo anterior e tambeacutem no paraacutegrafo seguinte da degravaccedilatildeo da
entrevista com Nogueira No paraacutegrafo anterior ele estaacute falando do acordo que seu pai e os
missionaacuterios presbiterianos fizeram para dividir os limites das aacutereas de atuaccedilatildeo missionaacuteria no
Mato Grosso (SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195) No paraacutegrafo seguinte de sua
fala sobre a Ana Wollerman (acima citada) ele passa a falar sobre ele relata que nasceu em
Satildeo Paulo (1924) depois retornou ao EUA para estudar fala de sua participaccedilatildeo na segunda
guerra mundial seu doutorado em Botacircnica e de sua atuaccedilatildeo como professor (SHERWOOD
Bill In NOGUEIRA 2004 p195) em seguida interrompe o assunto novamente para falar de
Ana Wollerman
[] Eu natildeo sei se deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizer
De primeiro ela era divorciada do esposo nos Estados Unidos e por isto a
Junta natildeo pagava salaacuterio natildeo receberam ela como missionaacuteria porque era o
jeito daquele tempo Passou os anos e o esposo jaacute divorciado faleceu e entatildeo
porque ela era viuacuteva consideraram ela como viuacuteva e comeccedilaram a dar um
salaacuterio para ela era missionaacuteria da Junta Ela foi bem recebida e o trabalho
que ela fez foi muito bom foi bem recebido pela Junta e ficaram muito
satisfeitos e todos ficaram bem felizes pelo trabalho que ela fez
(SHERWOOD Bill In NOGUEIRA 2004 p195)
Pelo fato de Bill Sherwood revelar isto espontaneamente depois cortar o assunto e
voltar de novo inclusive assumindo a responsabilidade do que estava dizendo ldquoEu natildeo sei se
deveria ser informaccedilotildees puacuteblicas ou natildeo Mas eu vou dizerrdquo Essa assertiva de Sherwood leva-
nos a suspeitar que a temaacutetica do divoacutercio fosse um assunto velado entre as pessoas que
19
tinham mais proximidade com Ana Wollerman Isto tambeacutem eacute percebido no desenvolvimento
da dinacircmica da conversa entre os entrevistados (Bill David e Joseacute) nenhum deles reage ao
assunto pelo menos natildeo com palavras pois na sequecircncia de sua fala o professor Joseacute Lins
interrompe o assunto continuando a conversa sobre o missionaacuterio Sherwood
Estes indiacutecios me fizeram reler a autobiografia da Ana Wollerman sob uma
perspectiva renovada acerca de algumas de suas declaraccedilotildees a ocasiatildeo em que ela pediu a
nomeaccedilatildeo agrave Junta de Richmond e quando chegou ao Brasil na casa do missionaacuterio Sherwood
[] fiz pedido para ser nomeada como missionaacuteria ao Brasil da Junta de
Missotildees Estrangeiras da Convenccedilatildeo Batista aqui na minha terra e natildeo fui
nomeada Senti uma grande tristeza e frustraccedilatildeo mas desde aquela eacutepoca o
segundo voto da minha vida eu disse ldquoIrei ao Brasil se o Senhor quiser
com a nomeaccedilatildeo de uma junta ou sem uma nomeaccedilatildeo mas Tu tens que abrir
a portardquo [] Assim logo eu vi que ele [Sherwood] natildeo estava a favor da
minha presenccedila porque ele me olhou com muita forccedila e disse Vocecirc natildeo
deve estar aqui Qual era a razatildeo (WOLLERMAN In Nogueira 2003 p
142 p 147)
Porque natildeo teria sido nomeada pela Junta Natildeo seria por que fosse divorciada A
questatildeo do divoacutercio jaacute havia sido motivo de demanda na Southern Baptist Covention (SBC)
desde 1904 Com base nos arquivos de resoluccedilotildees das assembleias convencionais dos batistas
Convenccedilatildeo em 1904 foi emitido um documento em que estavam presentes pessoas
representantes do legislativo de Arkansas para levar as solicitaccedilotildees dos batistas para que se
criassem leis mais rigorosas para desencorajamento do divoacutercio (SBC Resolution 1904)13
Em 1931 a Convenccedilatildeo novamente entrou em demanda sobre a questatildeo do divoacutercio desta vez
para apoiar um movimento popular de Arkansas que estava lutando para revogar por meio de
referendo leis de apoio ao divoacutercio (SBC Resolution 1931)14
Considerando que tais debates estavam presentes na comunidade inclusive
encabeccedilados pelos oacutergatildeos representativos da igreja batista Ana Wollerman natildeo poderia ser
nomeada pela Junta Missionaacuteria neste contexto Isto trouxe muita tristeza para ela mas
tambeacutem um posicionamento daquilo que queria para sua vida agrave revelia do que pensava ou
deixasse de pensar as organizaccedilotildees batistas da Convenccedilatildeo do Sul dos EUA (SBC)
Quanto agrave experiecircncia da ldquorecepccedilatildeo calorosardquo do missionaacuterio Sherwood no Brasil
possivelmente ele jaacute soubesse que Ana Wollerman era divorciada e natildeo tinha sido nomeada
pela Junta de Richmond a mesma que o nomeara Isto somado a personalidade forte deste
13
Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
14 Disponiacutevel em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
20
missionaacuterio mais sua concepccedilatildeo androcecircntrica da realidade social15
ele teve dificuldades em
aceitar sua presenccedila se eacute que um dia aceitou Mas o que chama a atenccedilatildeo nesta parte eacute o
questionamento que Ana Wollerman faz com relaccedilatildeo agrave recepccedilatildeo do missionaacuterio Sherwood
ldquoQual a razatildeordquo (Ibid) e em seguida responde como razatildeo de natildeo ter sido bem recebida por
ele pelo fato de ser mulher Em princiacutepio isto ateacute poderia responder seu questionamento
satisfatoriamente mas natildeo responde tendo em vista os vestiacutegios quanto ao divoacutercio e o
exerciacutecio de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo conforme orienta Certeau (2011 p125s) Sua fala se
configura como uma ldquotaacuteticardquo do discurso no ldquojogo das representaccedilotildeesrdquo ou seja representar
aquilo que a comunidade esperava de sua trajetoacuteria Portanto se apropriando da imagem de
machista do missionaacuterio Sherwood jaacute conhecida de todos ela passa a impressatildeo que a atitude
do missionaacuterio eacute por causa dele e natildeo por causa da condiccedilatildeo de divorciada dela (CERTEAU
1998 pp 91s)16
Possivelmente este periacuteodo tenha sido de grande trauma para a vida da missionaacuteria
Ana Wollerman Sendo assim com base na relaccedilatildeo que Pollack (1992) faz entre memoacuteria e
identidade pode-se entender de que forma o silecircncio sobre a questatildeo do divoacutercio tenha sido
um ldquoelemento inversordquo na construccedilatildeo de sua identidade e por conseguinte em sua ldquoilusatildeo
autobiograacuteficardquo
- A consciecircncia que Ana Wollerman tinha de seus proacuteprios limites e de se ver como indiviacuteduo
inserido em determinado grupo social Ou seja a consciecircncia que ela tinha de sua proacutepria
histoacuteria de como ela se via sua pertenccedila agrave tradiccedilatildeo protestante batista e pertenccedila aos batistas
mato-grossenses e sul-mato-grossenses aleacutem de outras interdependecircncias com outros grupos
religiosos e lideranccedilas sociais
- O sentimento de continuidade dentro deste grupo natildeo apenas fiacutesica mas moral e
psicologicamente
- E o sentimento de coerecircncia ou unidade de sua proacutepria histoacuteria melhor dizendo um
sentimento de sentido na proacutepria histoacuteria (POLLACK 1992 p05) Ainda com base neste
autor o que sempre passa despercebido por quem lembra neste caso Ana Wollerman eacute que
ningueacutem constroacutei uma autoimagem isenta de mudanccedilas transformaccedilotildees em funccedilatildeo dos
15
Esta questatildeo seraacute abordada mais a frente quando tratar do lugar da mulher no pensamento batista 16
Grosso modo a noccedilatildeo de estrateacutegias e taacuteticas de Michel de Certeau fala das ldquoartes do fazerrdquo Por estrateacutegia
tem a ver com as formas representaccedilotildees leis poder de vigiar controlar dizer etc de um ldquolugar proacutepriordquo Jaacute as
taacuteticas tecircm a ver com o ldquofracordquo ou seja as praacuteticas que se mobilizam ldquodentro do lugar das estrateacutegiasrdquo
consumindo suas representaccedilotildees sem ser totalmente passivo (apropriaccedilatildeo de Chartier) antes agraves usa em benefiacutecio
proacuteprio por meio de enunciaccedilotildees retoacutericas dissimulaccedilotildees etc
21
outros A referecircncia do ldquooutrordquo nada mais eacute que padrotildees de aceitabilidade credibilidade
admissibilidade que os grupos criaram socialmente para se identificar entre grupos tempos
valores crenccedilas etc (POLLAK 1992 p05)
Apoacutes alguns anos natildeo se sabe se foi logo depois da separaccedilatildeo ou muito tempo depois
Ana Wollerman teve uma experiecircncia paradigmaacutetica que reconfigurou totalmente sua vida
Apoacutes mais de noventa anos ela reinventa a ldquocenardquo de uma experiecircncia fundante a fim de
legitimar seu projeto missionaacuterio
Assim quando tinha vinte e seis anos tive uma experiecircncia marcante Pedi
perdatildeo dos meus pecados aceitei a Jesus como meu Salvador e Mestre da
minha vida Ele me perdoou e me fez uma nova criatura como eacute prometido
em sua Palavra e assim comeccedilou minha vida nova Na mesma hora naquela
noite eu fiz este voto ao meu Senhor - Serei o que tu queres que eu seja
farei o que tu queres que eu faccedila irei aonde tu queres que eu vaacute Senti logo
que queria dedicar minha vida pra ser uma obreira do Senhor mas para fazer
isto eu precisava continuar o meu preparo indo para a universidade e depois
para o seminaacuterio (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 141)
A experiecircncia religiosa17
eacute uma ldquoinvenccedilatildeordquo humana como tudo que o humano
ldquoproduzrdquo para tornar a realidade inteligiacutevel representaacutevel e suportaacutevel (dependendo da
situaccedilatildeo) Portanto para entender o valor desde fenocircmeno como elemento fundamental na
escolha da Ana Wollerman pela vida missionaacuteria eacute necessaacuterio ressaltar que ela transitava tanto
nas figuraccedilotildees religiosas jaacute que sua famiacutelia amigos e demais conhecidos eram batistas
quanto em figuraccedilotildees natildeo religiosas Estas satildeo distintas entre si poreacutem manteacutem circularidade
de sujeitos e valores que compartilham representaccedilotildees que as tornam interdependentes ainda
mais numa regiatildeo tatildeo conservadora como a do sul dos EUA
Eacute nessa sociedade que Ana Wollerman estava figurada Portanto sua experiecircncia
religiosa eacute uma experiecircncia de ruptura com esta ordem social que natildeo concede ldquoespaccedilosrdquo para
o diferente o hereacutetico ou qualquer outro que natildeo se sinta em seus padrotildees mas tambeacutem que
paradoxalmente se sente ldquoestigmatizadardquo e experimenta o limite entre o querer ou natildeo
participar desta ordem Nesse sentido ela parte de uma crise existencial que se manifesta
dialeticamente em uma busca de sentido (externalizaccedilatildeo) um ethos religioso ou imaginaacuterio
que produz valores e um conjunto de representaccedilotildees doutrinaacuterias (objetivaccedilatildeo) que por sua
17
Segundo Gomes (2011) em seu estudo sobre o uso da noccedilatildeo de conversatildeo em teoacutelogos claacutessicos do
protestantismo histoacuterico e na psicologia social da religiatildeo Grosso modo a conversatildeo eacute uma accedilatildeo do sagrado no
humano que gera convencimento do pecado arrependimento e tomada de consciecircncia para uma nova vida
(Teologia) Geralmente parte de uma crise existencial que leva a uma consciecircncia de erro do estilo de vida que
levava antes da experiecircncia religiosa Tal consciecircncia leva a uma mudanccedila de vida A conversatildeo pode ser de uma
religiatildeo para outra Em pessoas que nunca pertenceram anteriormente a nenhuma religiatildeo ou uma reconversatildeo
ou seja o retorno de uma religiatildeo especiacutefica (Psicologia Social da Religiatildeo)
22
vez a leva interpretar ou subjetivar - com base neste imaginaacuterio - uma invenccedilatildeo de sentido do
que ela ldquoimaginavardquo que Deus queria para sua vida (internalizaccedilatildeo) (BERGER 1985 pp
15s)
A partir desta ldquoinvenccedilatildeordquo de sentido Ana Wollerman ingressa no curso de Bacharel
em Artes da Ouachita Baptist College18
em Arkadelphia Arkansas que pagou com serviccedilos
de secretariado Em seguida buscou se matricular no curso de Mestrado em Educaccedilatildeo
Religiosa do Southwestern Theological Seminary Fort Worth na condiccedilatildeo de bolsista mas
teve seu pedido negado Sua intenccedilatildeo de cursar o mestrado era porque estava certa de que
queria ser missionaacuteria em outro paiacutes
Possivelmente o interesse de Ana Wollerman de vir para o Brasil foi durante o periacuteodo
que cursou Bacharel em Artes
[] podia eu me formar o grau de Bacharel cum laude19
graccedilas ao meu Pai
[Deus] Durante este periacuteodo passei passo a passo sabendo cada dia mais o
que Deus queria o que era o Seu plano para minha vida e logo fiquei
sabendo plenamente que ele queria me enviar ao Brasil como missionaacuteria
Natildeo mesmo numa cidade grande onde o trabalho evangeacutelico jaacute era bem
desenvolvido e havia muitas missionaacuterias mas colocou no meu coraccedilatildeo o
desejo de ir para o interior ser uma missionaacuteria pioneira indo a lugares
pequenos difiacuteceis onde outros missionaacuterios natildeo estavam trabalhando
Queria viver com o povo brasileiro ficar realmente uma com eles ser
realmente uma benccedilatildeo uma enviada de Deus para ensinaacute-los a Biacuteblia falar
de Jesus explicar o evangelho ajudar para que eles tambeacutem pudessem ser
salvos abrir escolas e estabelecer igrejas Foi muito nobre o plano de
trabalho que eu tinha mas para conseguir isto e ser nomeada por uma
missatildeo batista precisava ir para o seminaacuterio (Ibid p141)
Conforme o Jornal Batista (OJB 1952 p 8)20
possivelmente seu interesse de vir para
o Brasil se deu na ocasiatildeo em que a missionaacuteria Telma Bagby nora de Willian Buck Bagby e
18
Hoje Ouachita Baptist University
19 Cum laude significa ldquocom honrasrdquo Eacute uma frase latina usada com frequecircncia nos EUA e Inglaterra
para homenagear algueacutem que tenha alcanccedilado um niacutevel de distinccedilatildeo acadecircmica Os niacuteveis de
graduaccedilatildeo satildeo classificados em trecircs honras Cum Laude (Com Honras) Magna Cum Laude (Com
Grandes Honras) e Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) ndash disponiacutevel em
httpwwwthefreedictionarycomsumma+cum+laude Apesar de Ana Wollerman usar a primeira
expressatildeo na verdade o grau titulado a ela foi o terceiro niacutevel de honra Tal documento pode ser
encontrado tanto na biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman em Dourados-MS
quanto no anexo de fotos do texto de Nogueira (2004) ldquoAnn Mae Louise Wollerman recorte
biograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para a historiografia batista de Mato Grosso e Mato Grosso do Sulrdquo
20 Eacute possiacutevel ver tambeacutem no processo da Cacircmara Municipal de Amambai-MS que daacute o tiacutetulo de cidadatilde
amambaense para Ana Wollerman
23
Anna Luther Bagby21
(segundo casal de missionaacuterio batistas enviados para o Brasil) esteve
relatando o desenvolvimento e necessidades do trabalho missionaacuterio batista no Brasil na
Ouchita Baptist College Geralmente quando estavam de feacuterias aleacutem de rever familiares os
missionaacuterios saiam pelas igrejas seminaacuterios e coleacutegios palestrando e relatando sobre o
trabalho missionaacuterio nos paiacuteses que eram enviados Tais relatoacuterios tinham a funccedilatildeo natildeo
somente como prestaccedilatildeo de contas mas tambeacutem para manutenccedilatildeo das motivaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo financeira e despertamento de novos candidatos para o trabalho missionaacuterio
Tempos depois apoacutes trabalhar na Igreja Batista Corpus Christi e voltar de Pine Bluff
onde esteve cuidando de seu pai que estava muito doente Ana Wollerman recebeu o convite
do presidente do Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth o Dr R Scarborough para
trabalhar como sua secretaacuteria e assim fazer o Mestrado em Educaccedilatildeo Religiosa
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) Em 1961 e 1992 Ana Wollerman foi
homenageada por estas instituiccedilotildees com o tiacutetulo summa cum laude por distinccedilatildeo e pelos
21
Noemi Loureiro (2006 FEUSP) ldquoAnna Bagby educadora batista (1902 - 1919)rdquo investigou o
trabalho da missionaacuteria Anna Bagby em Satildeo Paulo
Ana Wollerman com 27 dois anos antes de ingressar no
Seminaacuterio em Fort Worth Acervo Biblioteca da
Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
24
serviccedilos prestados no Brasil sob a justificativa de que ela teria trazido honra a estas
instituiccedilotildees e ao seu paiacutes
Ainda haacute muito o que investigar sobre o conteuacutedo da formaccedilatildeo dos missionaacuterios do
protestantismo de missatildeo que vieram para o Brasil inclusive sobre a Ana Wollerman
sabemos pouco sobre sua formaccedilatildeo a natildeo ser o que ela informou no final do seu relato
autobiograacutefico
Eu tinha estudado a liacutengua grega e muitos cursos biacuteblicos no coleacutegio ou na
universidade batista mas no seminaacuterio fiz o curso de Educaccedilatildeo Religiosa e
para colar grau de mestrado natildeo era obrigatoacuterio fazer uma tese ou uma
dissertaccedilatildeo Era um curso muito intenso de dois anos muitas aulas muitos
papeis para serem escritas durantes os anos de modo que eu natildeo tenho assim
coacutepia de dissertaccedilatildeo ou qualquer outra coisa para ajudar o irmatildeo mas eu
posso dizer que sem a preparaccedilatildeo que eu recebi no seminaacuterio eu creio que
eu natildeo teria tido o bom ministeacuterio que tive laacute em Mato Grosso como
professora como evangelizadora e como no ministeacuterio de educaccedilatildeo
ministerial que Deus me deu (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
176)
A possiacutevel carga de disciplinas com conteuacutedos biacuteblicos como ldquogrego e cursos
biacuteblicosrdquo leva-nos a hipoacutetese que a educaccedilatildeo tivesse caraacuteter de formaccedilatildeo missionaacuteria com fins
de evangelizaccedilatildeo Havia possivelmente muitas disciplinas de caraacuteter didaacutetico e pedagoacutegico
pois segundo ela sua formaccedilatildeo na graduaccedilatildeo e no Mestrado foi fundamental para o exerciacutecio
de magisteacuterio Considerando que a graduaccedilatildeo de Bachelor of Arts natildeo tinha caraacuteter especiacutefico
para formar missionaacuterios mas pelo fato de ela lembrar com mais facilidade das disciplinas
especiacuteficas da formaccedilatildeo missionaacuteria aponta a importacircncia e a centralidade da evangelizaccedilatildeo
em sua formaccedilatildeo
Apoacutes concluir sua formaccedilatildeo Ana Wollerman pediu sua nomeaccedilatildeo pela Junta de
Missotildees de Richmond mas foi negada Apoacutes ter seu pedido negado Ana Wollerman aceitou
um convite feito pelo Seminaacuterio Batista Teoloacutegico em Fort Worth para cuidar das atividades
religiosas nesta instituiccedilatildeo No primeiro e segundo ano realizou atividades de caraacuteter
missionaacuterio a fim de despertar novos missionaacuterios Numa dessas atividades ela se encontrou
com o missionaacuterio Willian Clyde Hankns no Brasil conhecido como Guilherme Hankns que
trabalhava como missionaacuterio em Ponta Poratilde Mato Grosso e agora estava de feacuterias com sua
famiacutelia nos EUA Ele falou da necessidade de mais missionaacuterios na regiatildeo pontuando a
ausecircncia de escolarizaccedilatildeo de crianccedilas jovens e adultos e a necessidade de evangelizaccedilatildeo Foi
aiacute que Ana Wollerman se sentiu novamente motivada para ao Brasil e entatildeo radicalizou sua
decisatildeo
25
Irei ao Brasil se o Senhor quiser com a nomeaccedilatildeo de uma Junta ou sem a
nomeaccedilatildeo Mas tu (Deus)22
tens que abrir a porta [] eu andei umas horas
depois ateacute o escritoacuterio do presidente da universidade e pedi demissatildeo Ele
perguntou Como eacute que vocecirc vai para o Brasil Eu respondi Eu natildeo sei Ele
disse Vocecirc estaacute sendo nomeada pela missatildeo Eu disse natildeo senhor Ele disse
como vocecirc vai fazer o trabalho sem sustento Eu outra vez disse Eu natildeo sei
Mas eu tinha prometido a Deus que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Ele (Deus)
abrisse a porta Agora a porta natildeo era bem bem aberta de maneira nenhuma
mas eu sabia que eu tinha que entrar (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 pp 142 143)
Mesmo passando por muitas dificuldades para conseguir a aprovaccedilatildeo do Consulado
brasileiro de visto para o Brasil e muitas peripeacutecias para chegar ateacute o Porto de New Orleans
Lousiana ela veio num navio cargueiro juntamente com a famiacutelia do missionaacuterio Hankns e
chegaram ao Brasil em 21 de marccedilo de 1947 (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p
145146)
Na sequecircncia seratildeo pontuados alguns aspectos fundamentais do ethos religioso da Ana
Wollerman pois seu projeto missionaacuterio por meio de escolas batistas no Mato Grosso foi
fundamentado pelas representaccedilotildees do grupo religioso de tradiccedilatildeo batista que ela fazia parte
Contexto de formaccedilatildeo religiosa
O relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman eacute marcado do iniacutecio ao fim por
um discurso onde o sentido de sua vida desde antes dos seus pais se conhecerem eacute sua
vocaccedilatildeo e missatildeo religiosa Portanto entender o ldquolugar religiosordquo a partir de onde Ana
Wollerman fala eacute fundamental para entender como ela concebia o mundo o representava e
queria ser representada De saiacuteda ela parte no seu relato mostrando que seus avoacutes e seus pais
eram batistas e natildeo somente isso mas mostrando que ambos eram comprometidos com os
valores eacuteticos morais e espirituais com a tradiccedilatildeo batista
Meu avocirc paterno se chamava Theodore Wollerman nasceu e viveu na
Alemanha com sua esposa Cristina Maria Mas no ano de 1873 por causa da
economia e o moral ele saiu para comeccedilar uma nova vida na Ameacuterica []
ambos eram crentes evangeacutelicos [] A famiacutelia do meu pai era batista []
Naquela eacutepoca ningueacutem na cidade possuiacutea um carro e assim a minha
famiacutelia andava dezesseis quadras da nossa casa para Igreja carregando
muitas vezes os pequenos nos seus braccedilos mas eacuteramos sempre na igreja
aos domingos e quartas-feiras agrave noite para o culto de oraccedilatildeo
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 140)23
Portanto ela constroacutei um discurso hagiograacutefico de si mesma onde o ldquofim repete o
iniacuteciordquo ou seja a razatildeo de ser uma missionaacuteria ldquobem sucedidardquo no presente eacute porque na
22
Fiz inserccedilotildees entre parecircnteses para ajudar na compreensatildeo da fala da Ana Wollerman 23
Grifo meu
26
origem ela cresceu numa famiacutelia que cultiva os valores de um ldquoverdadeiro crenterdquo batista Sua
fala mostra esta caracteriacutestica natildeo apenas nesta parte mas tambeacutem pelos demais jaacute citados e
pela totalidade do documento E assim prevalece a suplantaccedilatildeo de uma imagem puacuteblica sobre
a privada (CHARTIER 2011 p 297 298) Ela comeccedila falando da importacircncia desta formaccedilatildeo
para sua vida e termina (na sexta fita K7) enfatizando a importacircncia destes valores
transmitidos pelos seus pais
Sou muito grata aos meus pais porque natildeo somente nos levavam agrave igreja
mas em casa eles oraram conosco eles nos ensinaram a orar quando eacuteramos
bem pequenos e noacutes tivemos um lar onde natildeo havia nenhum dos viacutecios do
aacutelcool ou de fumar mas um lar cristatildeo e sou muito grata a Deus por isto
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 176)
Que valores satildeo estes Quem foram os batistas e quais representaccedilotildees deste grupo
estatildeo presentes no contexto de formaccedilatildeo de Ana Wollerman
A origem dos batistas estaacute no movimento puritano do seacuteculo XVII especificamente
em 1609 sob a lideranccedila de John Smyth em um grupo de refugiados ingleses na Holanda
fugindo da perseguiccedilatildeo da coroa britacircnica e oficialmente em 1612 nos arredores de Londres
sob a lideranccedila do pastor Thomas Helwys Entre os seacuteculos XVII e XX os batistas passaram
por muitas transformaccedilotildees na estrutura eclesiaacutestica e teoloacutegica natildeo eacute oportuno discorrecirc-las
aqui mas para efeito de entendimento do contexto que se encontrava Ana Wollerman em
meados do iniacutecio do seacuteculo XX cumpre destacar os principais elementos constitutivos do
pensamento batista
O primeiro elemento eacute o puritanismo este em si era de uma pluralidade de ideias
interesses e praacuteticas mas alguns elementos satildeo comuns e servem como chave de leitura do
mesmo o anticatolicismo radical a ponto de alguns quererem acabar totalmente com as
praacuteticas de culto que representasse o catolicismo com seus vestuaacuterios sacerdotais sua teologia
tomista24
eclesiologia hieraacuterquica25
intercessatildeo dos santos e do sacerdote na celebraccedilatildeo dos
24
Do teoacutelogo Tomaacutes de Aquino (1225-1274)
25 Conforme a reforma de Gregoacuterio VII (1021-1085) Em sua concepccedilatildeo de ldquoigreja hieraacuterquicardquo se refere agrave
condiccedilatildeo piramidal e de estamento No veacutertice estaacute o Papa ldquoo Pontiacutefice romano uma vez ordenado
canonicamente eacute indubitavelmente Santo pelos meacuteritos de Satildeo Pedrordquo Do papa (bispo monarca) deriva como
estamento mais alto o poder dos bispos cardeais estes satildeo comparaacuteveis aos senhores feudais e priacutencipes do
impeacuterio que se faratildeo senhores e priacutencipes feudais nas relaccedilotildees com os leigos na sociedade Outro estamento eacute o
constituiacutedo pelo ldquobaixo clerordquo ou propriamente chamados de sacerdotes Estes estatildeo abaixo dos bispos e acima
dos leigos devido a ministraccedilatildeo do culto do poder de ldquodizer missardquo e administrar os sacramentos Outro
estamento bastante peculiar eacute o formado pelos ldquomongesrdquo que aleacutem de influecircncia espiritual exercem domiacutenio
social atraveacutes de seus poderosos ldquoAbadesrdquo dos mosteiros transformados em feudos de grande poder Por ultimo o
estamento do ldquoleigordquo que se define pela falta de poder e posiccedilatildeo dentro da piracircmide da ldquoIgreja hieraacuterquicardquo
(VELASCO Petroacutepolis 1996 pp174175)
27
sacramentosordenanccedilas religiosas e as reliacutequias Outras caracteriacutesticas puritanas satildeo a
sobrevalorizaccedilatildeo da autoridade da Biacuteblia em relaccedilatildeo a tradiccedilatildeo o livre acesso a Deus e aos
bens de salvaccedilatildeo pela liberdade de consciecircncia e fundamentalmente uma moral radical
entendida como ldquosantificaccedilatildeordquo que projetava uma sexualidade riacutegida afastamento dos viacutecios
de atividades de lazer que envolvesse festas teatro etc Tal praacutetica foi entendida por Weber
(2005) como ascese secular ou ldquoascetismo intramundanordquo
No relato autobiograacutefico de Ana Wollerman eacute possiacutevel perceber o elemento do
anticatolicismo em uma visita que fez a casa de Dona Laura matildee da Dona Senhorinha em
Amambai-MS Ana Wollerman questiona o uso de crucifixos e insinua que Dona Laura
somente seria ldquosalva por Jesusrdquo se deixasse o catolicismo Ainda no relato abaixo verifica-se
outra representaccedilatildeo puritana que eacute quanto a liberdade de consciecircncia e acesso a Deus sem a
mediaccedilatildeo de reliacutequias e sacerdotes apenas pelo ldquoEspiacuterito Santordquo
Entatildeo Dona Senhorinha me levou pra fazer visita a ela [Dona Laura] E eu
falei de Jesus como ele veio morreu na cruz para nos salvar e ela disse Mas
eu tenho Jesus Eu disse A senhora tem Jesus E ela me levou ao seu
quarto uma cama muito comum daquela regiatildeo mas em cima da cama na
parede estava um crucifixo grande que custou muito dinheiro [] Expliquei
mais um pouco para ela orei e o Espiacuterito Santo fez a obra porque mais
tarde ateacute Dona Laura aceitou o Jesus o uacutenico Jesus que natildeo se vecirc com os
olhos como aquele crucifixo mas eacute o uacutenico meio de se conhecer Deus como
Pai e ter entrada no ceacuteu Ela e seu esposo senhor Joatildeo foram fieacuteis crentes
ateacute o fim de suas vidas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p 148
149)
Aleacutem destes elementos verificam-se outros de caraacuteter moral Segundo Ana
Wollerman seus avoacutes teriam vindo da Alemanha natildeo somente por causa de questotildees poliacuteticas
e econocircmicas mas tambeacutem por preocupaccedilotildees ldquomoraisrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 140) Tambeacutem pode ser percebido quando ela fala de sua famiacutelia de ldquolar cristatildeordquo
porque natildeo havia viacutecios de bebidas alcooacutelicas e cigarro (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 176) Aleacutem disso quando mencionou a razatildeo de muitos de seus alunos (ldquofrutordquo de seu
trabalho missionaacuterio no Brasil) terem sido bem sucedidos profissionalmente era porque eles
eram ldquomais certos e trabalhadores honestosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p151)
Outro elemento fundamental na constituiccedilatildeo da identidade batista eacute uma siacutentese entre
calvinismo e arminianismo Grosso modo a partir de Joatildeo Calvino (1509-1564) os
calvinistas propuseram como dogma legitimado institucionalmente nos Conciacutelios de
Dordrecht Holanda (1618 a 1619) e Westminster Inglaterra (1647) uma doutrina da salvaccedilatildeo
28
em que a ldquosoberania de Deusrdquo na histoacuteria passasse ter papel fundamental para salvar a
humanidade Tal conceito leva como implicaccedilatildeo que Deus ldquopredestinourdquo para salvaccedilatildeo seus
eleitos antes da fundaccedilatildeo do mundo e a vontade humana perdeu a capacidade de liberdade
depois do ldquopecado originalrdquo (WEBER 2005 pp 42s) Por outro lado haacute a necessidade de
construccedilatildeo de um ldquocorpus calvinistardquo doutrinaacuterio em reaccedilatildeo a outro pensamento sobre a
salvaccedilatildeo muitiacutessimo forte na Europa do seacuteculo XVII o ldquoarminianismordquo Este uacuteltimo de Jacoacute
Arminius (1560-1609) concorda com o conceito de soberania poreacutem flexibilizada pois natildeo
retira a capacidade humana de ldquolivre arbiacutetriordquo para escolher ou rejeitar a ldquosalvaccedilatildeordquo26
Em
siacutentese calvinismo-arminianismo na experiecircncia batista abranda a soberania de Deus com a
responsabilidade humana A seguranccedila da salvaccedilatildeo se daacute entre o sentimento de certeza da
graccedila misericordiosa de Deus e o compromisso com a eacutetica e a moral religiosa Segundo
Weber
Mas todas as comunidades batistas desejavam ser Igrejas puras pela conduta
inocente de seus membros Um repuacutedio sincero do mundo e de seus
interesses uma incondicional submissatildeo a Deus que nos fala por meio da
consciecircncia eram os sinais indubitaacuteveis da verdadeira redenccedilatildeo e o tipo de
conduta correspondente era pois indispensaacutevel para a salvaccedilatildeo E assim o
presente da Graccedila de Deus natildeo podia ser merecido mas apenas aquele que
seguisse os ditames de sua consciecircncia poderia ser justificado por
considerar-se remido (WEBER 2005 p 69)
Segundo o relato da missionaacuteria Ana Wollerman sobre sua experiecircncia de conversatildeo
inclusive jaacute citado anteriormente (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004 p141) eacute possiacutevel
perceber tais elementos puritanos apoacutes sua ldquoconversatildeordquo ela firma seu compromisso eacutetico-
moral com os valores da religiatildeo e se sente comprometida com o serviccedilo religioso
missionaacuterio Ou seja a experiecircncia de feacute batista cobra uma externalizaccedilatildeo concreta da
salvaccedilatildeo que tanto pode ser observado no modus vivendi puritano quanto ser radicalizado
numa entrega completa ao serviccedilo missionaacuterio
Em seus relatos sobre o trabalho missionaacuterio em Amambai Ana Wollerman fala de
uma experiecircncia muito comum apoacutes a conversatildeo que exemplifica que mesmo natildeo entregando
26
As disputas de poder entre estas duas linhas teoloacutegicas influenciou o pensamento batista da seguinte forma a
Igreja criada em 1612 era de teologia arminiana e por defender que a ldquosalvaccedilatildeo eacute para todosrdquo foram chamados
de ldquobatistas geraisrdquo Enquanto que os batistas calvinistas oficialmente surgiram em 1633 em Londres de uma
congregaccedilatildeo independente liderada por Henry Jacob Por defenderem a ldquopredestinaccedilatildeordquo foram chamados de
ldquobatistas particularesrdquo (AZEVEDO 1996 p 79s) Mesmo que os batistas ingleses tenham surgido
comprometidos com o calvinismo radical ou com o arminianismo inclusive publicando seus posicionamentos
via ldquoConfissotildees de Feacuterdquo estudos sobre estes documentos tecircm mostrado que sempre houve uma tensatildeo (natildeo
resolvida) entre estas compreensotildees teoloacutegicas no pensamento batista norte americano e brasileiro (AZEVEDO
1996 pp 84s)
29
a vida completamente ao serviccedilo missionaacuterio o ldquonovo crenterdquo sente a necessidade de maior
envolvimento com a comunidade religiosa
Dona Ana todas as noites mesmo quando estava muito cansado dos
trabalhos na roccedila eu depois de me jantar eu sentei e li aquela Biacuteblia para
Zunemi e quanto mais eu li quanto mais eu desejava conhecer este Jesus
Portanto eu jaacute vendi a chaacutecara e vou me mudar para Amambai para poder
assistir os cultos na igreja e estudar e tambeacutem ser um crente (Ibid p153)
O relato fala de um homem que Ana Wollerman natildeo se lembra do nome mas que era
irmatildeo da Dona Senhorinha e esposo de uma pessoa que ela chama de ldquoDona Nenardquo Por
ocasiatildeo de uma visita que a missionaacuteria fez a esta famiacutelia este homem se comprometeu a ler a
Biacuteblia para sua filha Zunemi esta era analfabeta e tinha problemas fiacutesicos causados pela
meningite Este homem se converteu e decidiu vir para cidade a fim de fazer parte da igreja
Outrossim ldquoestudarrdquo em sua fala acima natildeo eacute necessariamente frequentar uma escola mas
participar dos estudos biacuteblico-doutrinaacuterios dominicais na igreja No pensamento batista
mesmo que o grupo reconheccedila que a ldquoIgrejardquo natildeo se limita agraves ldquoparedes institucionaisrdquo a
legitimidade para sentir-se um crente batista e ldquosalvordquo eacute a relaccedilatildeo de pertenccedila a uma igreja
local esta por sua vez implica em submissatildeo aos valores e regras do grupo
Aleacutem dos elementos acima pontuados eacute importante destacar que Ana Wollerman foi
formada pelos batistas do sul do EUA que por sua vez satildeo historicamente mais conservadores
do que os batistas do norte (yankees) Os momentos que destacam estas diferenccedilas satildeo a
ldquoquestatildeo da escravaturardquo e o ldquomovimento fundamentalistardquo
A escravatura tornou-se um debate social nos EUA no seacuteculo XIX dividindo o norte e
o sul do paiacutes Entre os batistas do norte era vista como um ldquomau testemunhordquo para outras
naccedilotildees que estavam sendo evangelizadas por missionaacuterios batistas Enquanto que para o sul
era visto como ldquomal necessaacuteriordquo para sua subsistecircncia A questatildeo chegou ao seu limite quando
a Junta Missionaacuteria Trienal responsaacutevel por administrar e enviar missionaacuterios para outros
paiacuteses se recusou a aceitar um missionaacuterio do sul que era dono de escravos (VEDDER 1997
p119 AZEVEDO 1996 p 148) Em reaccedilatildeo os batistas do sul criaram em 1845 a Southern
Baptist Convention (SBC - Convenccedilatildeo Batista do Sul) E seguida em 1861 houve um
rompimento de seis Estados sulistas do resto da naccedilatildeo tal rompimento levou a guerra civil e
culminou com a vitoacuteria do Norte O ressentimento e a negaccedilatildeo de tudo que representasse o
norte continuaram entre os sulistas e consequentemente entre os batistas que natildeo voltaram a
se unir numa mesma Convenccedilatildeo Os sulistas criaram uma Junta Missionaacuteria proacutepria na
cidade de Richmond Estado da Virgiacutenia Esta enviou os primeiros missionaacuterios batistas para
30
o Brasil e foi esta que em princiacutepio natildeo aceitou nomear Ana Wollerman como missionaacuteria
mas apenas aceitaacute-la como viuacuteva apoacutes a morte de seu ex-marido quando ela jaacute estava no
Brasil
Outro elemento presente no contexto da Ana Wollerman foi o movimento
fundamentalista O fundamentalismo protestante foi uma tardia reaccedilatildeo religiosa agrave
modernidade mais especificamente foi uma reaccedilatildeo ao posicionamento liberal da teologia
europeia diante das questotildees do iluminismo no campo religioso A teologia liberal europeia
buscou atraveacutes de pesquisas biacuteblicas criacuteticas caracterizar o texto biacuteblico como um ldquoconjunto
de obras literaacuteriasrdquo e por conseguinte admitir que o texto estaacute permeado de mitos lendas e
outros gecircneros e desta forma colocando em cheque os principais dogmasdoutrinas da feacute
cristatilde e reinterpretando o texto biacuteblico como siacutembolo de valores da sociedade moderna Por
conta disso em 1919 grupos teoloacutegicos entre eles batistas presbiterianos e metodistas
criaram a Associaccedilatildeo Mundial dos ldquoFundamentos Cristatildeosrdquo tendo William B Riley como
presidente Essa Associaccedilatildeo passou a fazer conferecircncias biacuteblicas nas Igrejas e nos seminaacuterios
teoloacutegicos apresentando e fazendo apologias a uma leitura literalista e fundamentalista dos
textos biacuteblicos27
O lugar da mulher no pensamento batista
As categorias de anaacutelise abaixo em forma de sub-toacutepico foram criadas com base em
um corpus documental composto pelos seguintes documentos ldquoManual da Uniatildeo Feminina
Missionaacuteria Batista do Brasilrdquo ldquoO Jornal Batistardquo Depoimento autobiograacutefico da Ana
Wollerman documentos oficiais do site da Southern Baptist Covention e as contribuiccedilotildees da
pesquisa de Almeida (2006) ldquoUma Histoacuteria das mulheres batistas soteropolitanasrdquo
27
Os cinco pontos do Movimento fundamentalista eram
1 ldquoInerracircncia das Escriturasrdquo ou seja defendiam que a Biacuteblia havia sido inspirada verbalmente por Deus aos
seus autores
2 O ldquoNascimento Virginal de Cristordquo com isto reafirmavam a literalidade do texto biacuteblico frente agrave
argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal que lia o texto como narrativa miacutetica e diferenciavam entre ldquoJesus histoacutericordquo e
ldquoCristo da feacuterdquo
3 A ldquoExpiaccedilatildeo Vicaacuteria de Cristordquo ou seja em defesa de que a morte de Cristo teria sido em substituiccedilatildeo da
humanidade para livraacute-la de seus pecados
4 A ldquoRessurreiccedilatildeo Corpoacuterea literalmente falando e a Segunda vinda de Jesusrdquo com isso estavam reafirmando
que as narrativas biacuteblicas da ressurreiccedilatildeo e os textos que dizem respeito agrave vinda de Jesus para arrebatar a igreja
no lsquofim dos temposrsquo devem ser entendidas de forma literal e natildeo simboacutelicas como defendiam os liberais
5 Por fim defendiam a ldquoHistoricidade dos Milagres da biacutebliardquo frente agrave argumentaccedilatildeo teoloacutegica liberal de que
eram narrativas miacuteticas e lendaacuterias (TAMAYO 2004)
31
Destarte foram criadas trecircs categorias que mostram e datildeo a perceber o lugar da mulher
na balanccedila de poder na interdependecircncia do grupo (Elias) aleacutem disso buscou-se por meio de
vestiacutegios no depoimento de Ana Wollerman perceber como ela teria construiacutedo ldquotaacuteticasrdquo de
mobilidades dentro de uma estrutura ldquoestrategicamenterdquo dominada pelo homem ou seja
ldquodando golpe a golperdquo a fim de recompensar o desequiliacutebrio de forccedilas (Elias Certeau)
1- Concepccedilatildeo antropoloacutegica de mulher No pensamento batista a mulher eacute concebida como
um ser humano criado por Deus assim como o homem e portanto agrave ldquoimagemrdquo e
ldquosemelhanccedilardquo de Deus de natureza intelectual e espiritual igual ou equivalente a do homem
poreacutem com a diferenccedila fundamental de natureza psicobioloacutegica (SBC)28
2 - A missatildeo inerente da mulher Outra diferenccedila que pode ser percebida eacute a diferenccedila do
lugar social ou seja o papel da mulher numa suposta divisatildeo de funccedilotildees sociais Segundo
Reuther (1993 pp 85s) no pensamento calvinista (elemento fundamental no pensamento
batista) a mulher natildeo somente eacute essencialmente igual ao homem como eacute tatildeo capaz de realizar
as funccedilotildees de natureza espiritual que o homem realiza Logo a submissatildeo da mulher ao
homem natildeo estaacute em sua natureza mas em sua ldquofunccedilatildeordquo de filha esposa e matildee Portanto para
o pensamento institucional batista natildeo eacute uma questatildeo de inferioridade e sim de ldquoordenaccedilatildeo
divinardquo onde cada um o homem e a mulher cumprem sua funccedilatildeo para manutenccedilatildeo da
ldquoordem socialrdquo
Assim sendo ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) criado em 10 de janeiro de 1901 com objetivo
de formar o pensamento batista no Brasil (CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
no cumprimento de sua missatildeo publicou diversas notas notiacutecias e colunas que datildeo a perceber
de que forma a mulher eacute representada
A mulher nasceu para ser matildee e tudo nela ateacute a inteligecircncia a subordina a
essa funccedilatildeo e estaacute sujeita agraves suas contingecircncias ndash (Juacutelio Dantas) A mulher
governa o mundo Para os pais a melhor coroa de louros eacute uma boa filha
para o homem o melhor tesouro eacute uma boa esposa para os filhos a melhor
gloacuteria eacute uma boa matildee Filha esposa ou matildee eacute sempre a estrela polar que nos
guia no mar da vida ndash (Berrutti) A grande a elevada a importante funccedilatildeo da
mulher na sociedade humana natildeo eacute ser telegrafista ou ser bancaacuteria ou ser
jornalista ou ser doutora eacute ser matildee e ser esposa ndash Ramalho Ortigatildeo (OJB
1954 p 5)
Segundo Bianca Almeida (2006 p72) tal compreensatildeo reduz a mulher como ldquomeiordquo
e natildeo como ldquofimrdquo de realizaccedilatildeo em si mesma ou seja sua existecircncia estaacute em funccedilatildeo da
existecircncia do homem Tais representaccedilotildees natildeo satildeo apenas especiacuteficas do pensamento batista
28
The Baptist Faith and Message (httpwwwsbcnetbfmbfm2000asp) Acessado em 10042012
32
pois circulava da interdependecircncia de outros grupos sociais que por sua vez instituiacuteam pelas
mais diversas formas de discurso uma visatildeo reducionista da mulher agrave funccedilatildeo de ser matildee
mulher e educadora Segundo Jane Almeida (2000 pp 4748) esta compreensatildeo tem a ver
com o pensamento positivista e higienista presente nos meios poliacuteticos cientiacuteficos religiosos
sanitaristas e intelectuais do final do seacuteculo XIX que valorizava a mulher apenas como matildee e
esposa abnegada
Poreacutem natildeo se quer com isto generalizar as condiccedilotildees histoacuterico-sociais do Brasil do
iniacutecio do seacuteculo XX Pois entre as famiacutelias mais pobres onde muitos se juntavam sem casar
tinham filhos sem registrar e se separavam sem divorciar a mulher conseguia ter mais
mobilidade da eacutegide de controles sociais que vinham de estratos sociais dominantes mas
ainda sim ficavam ldquoentre a cruz e a espadardquo (FONSECA In PRIORE 2004 p 520s) Por
conseguinte as famiacutelias com condiccedilotildees socioeconocircmicas dominantes que passaram a
experimentar jaacute desde o seacuteculo XIX uma ldquomodernizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees segundo os padrotildees de
civilidade europeia mantinham e reproduziam a visatildeo de mulher conforme estaacute representado
nrsquoOJB (DrsquoINCAO BASSANEZI In PRIORE 2004 p 221s 607s)
Aleacutem das funccedilotildees citadas anteriormente como ldquoinerentesrdquo agrave natureza da mulher outra
funccedilatildeo fundamental no pensamento batista era a de ldquopromover missotildeesrdquo Natildeo por acaso que a
maior forccedila do movimento missionaacuterio norte-americano no Brasil se deu por meio das
mulheres com a criaccedilatildeo de ldquoUniatildeo missionaacuteria de Senhorasrdquo ldquoSociedade de mulheres
missionaacuteriasrdquo ldquoAssociaccedilotildees femininasrdquo etc (SILVA 2008 2011) A ldquoUniatildeo Missionaacuteria das
Senhoras Batista do Brasilrdquo foi criada em 1908 e ateacute hoje seu objetivo eacute
1 Ensinar missotildees 2 Orar por missotildees 3 Contribuir para missotildees 4
Promover accedilatildeo missionaacuteria 5 Promover orientaccedilatildeo quanto a problemas
especiacuteficos ao elemento feminino 6 Promover informaccedilatildeo a respeito do
trabalho e da denominaccedilatildeo (UFMBB 1981 p 20)
O cumprimento dos objetivos supracitados pode ser percebido no relatoacuterio abaixo
apresentado pela coordenaccedilatildeo da uniatildeo geral de senhoras na assembleia nacional de 1949
(ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46) Jaacute que muitas mulheres neste contexto natildeo
trabalham fora de casa entatildeo elas acabavam se dedicando intensamente agraves atividades da
Igreja e assim tornando sua matildeo de obra a principal forma de expansatildeo do trabalho
missionaacuterio batista no Brasil Perceba que as sociedades de senhoras e moccedilas tecircm papel
fundamental na organizaccedilatildeo lituacutergica nas visitaccedilotildees entre elas para comunhatildeo visitas a outras
mulheres para evangelizaccedilatildeo distribuiccedilatildeo de panfletos evangeliacutesticos aleacutem de outras
atividades e o sustento econocircmico de missionaacuterios com dinheiro que levantavam
33
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Srtas 229 3366 47611 31908 85761 98331 3358 6666 1897 4385220 57
Tabela 1 ndash Principais atividades das Sociedades de Senhoras e Senhoritas de outubro de 1947 agrave setembro de
1948 Fonte ALMANAQUE BATISTA 1950 p 46
Poreacutem estas atividades tambeacutem datildeo agrave pensar outras possibilidades como por
exemplo a maciccedila presenccedila da mulher em todos os setores da igreja mostra uma
concentraccedilatildeo de poder no ldquonatildeo poderrdquo Ou seja mesmo que elas natildeo se reunissem
diretamente com a intenccedilatildeo de se organizar contra as estruturas dominadoras pelo masculino
na sociedade elas sabiam como utilizar este ldquopoderrdquo para manifestar seus interesses jaacute que
como percebido elas estatildeo presentes em todos os departamentos da instituiccedilatildeo Isto mostra
uma ldquoforccedila organizadardquo que pode ou natildeo transformar as estruturas de poder da Igreja como jaacute
vem transformando ldquotaticamenterdquo nos uacuteltimos anos Segundo depoimento da Ana
Wollerman logo apoacutes ser aceita pela Junta de Richmond ela foi eleita como secretaacuteria
executiva da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense reunida em assembleia regular na cidade de
Ponta Poratilde ldquoPor ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da Convenccedilatildeo batista mato-grossense
ldquoporque eu fui eleita com muita honra para mimrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2004
p153) possivelmente ela foi indicada porque o missionaacuterio Glenn Bridges tinha saiacutedo de
feacuterias para os EUA mas tambeacutem fora uma oportunidade que muitas mulheres de Campo
Grande - que estavam presentes na assembleia - viram para colocar uma mulher num cargo
tatildeo importante que segundo Carlos Trapp (1999 p 39) ateacute entatildeo era ocupado apenas por
pastores entre eles o missionaacuterio Sherwood
34
3- Os limites da lideranccedila feminina Segundo Silva (2008 p 26) na luta que as mulheres
norte-americanas empreenderam por educaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo emprego e direitos legais
as igrejas tiveram papel fundamental Com os chamados ldquoDespertamento missionaacuteriordquo dos
seacuteculos XVIII e XIX nos EUA as igrejas estreitaram as relaccedilotildees da vida religiosa por meio de
retiros espirituais onde congregavam homens mulheres e crianccedilas Tais atividades geralmente
eram organizadas e administradas por mulheres aleacutem disto elas tinham a oportunidade de
compartilhar tristezas frustraccedilotildees e se unir por mudanccedilas sociais Inclusive foi a partir disso
que as sociedades missionaacuterias comeccedilaram a surgir Estas sociedades natildeo se reuniam apenas
para viabilizar a evangelizaccedilatildeo mas tambeacutem para levantar fundos com o fim de criar e
sustentar escolas hospitais orfanatos igrejas etc
Tais mudanccedilas na forma como as mulheres-norte americanas se viam estava de ldquomatildeos
dadasrdquo com um movimento feminista nada hegemocircnico em suas ideias que iam de posiccedilotildees
radicais sobre o sufragismo ao conformismo
Suas posiccedilotildees iam desde propostas igualitaacuterias de gecircnero bastante radicais
sobre os limites da atuaccedilatildeo feminina na religiatildeo e na sociedade ateacute
afirmaccedilotildees que embora repensassem os limites da atuaccedilatildeo feminina natildeo
questionavam a estruturas de poder tanto nas instituiccedilotildees como nas teologias
(SILVA 2011 p 34)
Esta tensatildeo provocada pelos movimentos feministas dentro e fora da Igreja sempre
esteve presente na construccedilatildeo da representaccedilatildeo da mulher batista e consequentemente nos
limites de atuaccedilatildeo de seu lugar nas funccedilotildees de lideranccedila da Igreja O lugar onde esta tensatildeo
ainda hoje causa mal estar e divide opiniotildees eacute a questatildeo da ordenaccedilatildeo de mulheres para o
ofiacutecio pastoral Entre os batistas as mulheres alcanccedilaram espaccedilos de lideranccedila desde a igreja
local ateacute funccedilotildees de lideranccedila a niacutevel estadual e nacional poreacutem quando se trata da ordenaccedilatildeo
de mulheres quando o assunto natildeo eacute tratado diretamente com posicionamentos contraacuterios a
ordenaccedilatildeo eacute tratado de forma superficial e contraditoacuteria
Por conta disso a atividade de ofiacutecio religioso reservado a mulher era apenas a funccedilatildeo
de ldquomissionaacuteriardquo Segundo Almeida (2006 p139) em princiacutepio tal ofiacutecio tinha o mesmo
status que o ofiacutecio pastoral mas com o crescente nuacutemero de mulheres se entregando a
vocaccedilatildeo religiosa missionaacuteria o ofiacutecio perdeu prestiacutegio comparado ao oficio pastoral Agraves
mulheres natildeo era permitido cursar Teologia mas apenas Educaccedilatildeo Religiosa por isto que
Ana Wollerman diz em sua autobiografia ldquoPastor naquela eacutepoca 1940 quando eu estava no
seminaacuterio as moccedilas soacute podiam fazer o curso de Educaccedilatildeo Religiosardquo (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2004 p176) A formaccedilatildeo de Educaccedilatildeo Religiosa comparada agrave formaccedilatildeo de
35
Teologia era composta por uma carga fortemente pedagoacutegica e algumas disciplinas na aacuterea de
conhecimento biacuteblico apenas com o fim de capacitaacute-las para o ensino e pregaccedilatildeo da Biacuteblia
Quanto as disciplinas de caraacuteter histoacuterico-filosoacutefico e teoloacutegico eram poucas pois estas satildeo
de prerrogativa do curso de Teologia Tais disciplinas satildeo mais criacuteticas e portanto
fomentavam o pensamento criacutetico possivelmente isto seria um dos motivos de serem
impedidas de cursar Teologia (ALMEIDA 2006 p 139s)
Quanto agrave ordenaccedilatildeo de mulheres a Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA da qual as
instituiccedilotildees que formaram Ana Wolerman estavam subordinadas se posicionou sobre o
assunto da seguinte forma
O comitecirc afirma A Biacuteblia eacute clara ao apresentar o ofiacutecio de pastor como
restritas aos homens Natildeo haacute precedente biacuteblico para uma mulher no
pastorado e a Biacuteblia ensina que as mulheres natildeo devem ensinar com
autoridade sobre os homens (Baptist Standard Internet report November
11 2000 p2)29
Entre os batistas brasileiros a questatildeo jaacute surge desde meados de 1930 O Jornal Batista
a fim de formar opiniatildeo sobre o assunto publica na seccedilatildeo de ldquoPerguntas e Respostasrdquo
Como eacute que as mulheres de hoje satildeo ateacute pastoras quando Paulo proiacutebe
claramente que a mulher ensine e fale na Igreja (I Cor 14 34-35) O cargo
de Pastora natildeo estaacute de acordo com a Biacuteblia felizmente que entre noacutes
Batistas natildeo haacute semelhante cargo apesar de a mulher ocupar na Igreja um
lugar de honra que Cristo lhe ditou e ela bem merece pela sua dedicaccedilatildeo
zelo e trabalho (OJB 1939 p 06)
A questatildeo ganha corpo em meados de 1990 a ponto do assunto ser tratado na
Convenccedilatildeo Batista Brasileira Na 75ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em AracajuacuteSE de
21 a 25 de janeiro de 1994 foi nomeado uma Comissatildeo para fazer uma pesquisa de campo
sobre o assunto por meio de questionaacuterios distribuiacutedos em Associaccedilotildees estaduais e regionais
O relatoacuterio foi apresentado na 76ordf Assembleia da Convenccedilatildeo realizada em Satildeo LuizMA de
20 a 24 de janeiro de 1995
29
Traduccedilatildeo livre
36
Tabela 2 ndash Resultado do GT sobre ordenaccedilatildeo feminina Livro do Mensageiro 76ordf Assembleia da CBB Satildeo
Luiacutes - MA 1995 p 512
O nuacutemero de pessoas entrevistadas frente ao nuacutemero de batistas brasileiros revela
uma amostra desproporcional Tambeacutem qual o nuacutemero de homens e mulheres que
participaram da pesquisa Qual o posicionamento das pessoas responsaacuteveis pela pesquisa
Estas e outras questotildees natildeo esclarecidas indicam que os nuacutemeros devem ser relativizados mas
possivelmente estes nuacutemeros representassem a tensatildeo que ateacute o presente momento natildeo foi
resolvida entre os batistas
Os nuacutemeros mostram uma maioria de 933 que admitem que a mulher seja capaz de
ser presidenta ou secretaacuteria executiva da Convenccedilatildeo Batista Brasileira poreacutem se mostra
complemente contraditoacuterio quando se trata da ordenaccedilatildeo ao serviccedilo pastoral 379 contra
583 que natildeo concordaram com a ordenaccedilatildeo feminina Aleacutem disso 574 concordam
desde que natildeo seja como pastora titular mas apenas como ldquopastora auxiliarrdquo Mas auxiliar de
quem De um homem possivelmente Ou seja a mulher pode ateacute exercer o serviccedilo religioso
PERGUNTAS SIM NAtildeO
Lideranccedila da mulher na Igreja 607 921 44 067
Lideranccedila da mulher na Denominaccedilatildeo 615 933 32 049
Missionaacuteria ndash BatismoCeia 431 654 211 320
Ordenaccedilatildeo ndash EducaccedilatildeoMusica Sacra 515 784 127 193
Precedentes de Ordenaccedilatildeo feminina 201 305 395 599
Favoraacutevel a Ordenaccedilatildeo feminina 250 379 384 583
Seria membro Igrejapastora 300 455 307 466
Ordenaccedilatildeo feminina min auxiliar 378 574 245 372
Algum empecilho ndash mulher pastora 377 572 191 290
Algum benefiacutecio mulher pastora 206 313 301 457
37
desde que seja sob o controle e vigilacircncia de um homem Por causa do resultado da pesquisa a
Comissatildeo de grupo de trabalho faz a seguinte recomendaccedilatildeo agrave Convenccedilatildeo
1 Que as Igrejas Associaccedilotildees Convenccedilotildees Estaduais Convenccedilatildeo Batista
Brasileira e suas entidades continuem abrindo espaccedilo para o exerciacutecio da
lideranccedila por parte das mulheres em sua estrutura e atividades 2 Que as
Igrejas sejam motivadas a valorizar o desenvolvimento de outros ministeacuterios
como por exemplo a Educaccedilatildeo Cristatilde o de Musica Sacra o de Assistecircncia
Social e outros sem distinccedilatildeo de gecircnero aleacutem do Ministeacuterio pastoral 3 Que
a experiecircncia de mulheres que exercem ministeacuterio especiacutefico como
missionaacuterio ministrando o Batismo e a Ceia do Senhor em circunstacircncias
especiais devidamente autorizadas pelas suas Igrejas seja devidamente
avaliada pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira 4 Entendemos entretanto agrave luz
da pesquisa natildeo seja oportuna uma definiccedilatildeo do assunto Ordenaccedilatildeo de
Mulheres ao ministeacuterio pastoral no momento (CBB 1995 pp 507-512)
A partir de entatildeo as discussotildees passaram a ser recorrentes entre os batistas em suas
Convenccedilotildees Poreacutem a CBB natildeo tem poder impositivo mas apenas propositivo Agrave revelia do
que a CBB propotildee atualmente muitas igrejas tecircm ordenado mulheres para o oficio pastoral
Tal disputa de poder se daacute ora buscando legitimaccedilatildeo no ldquoPrinciacutepio da Autonomiardquo caro agrave
tradiccedilatildeo batista ora no ldquoPrinciacutepio da Cooperaccedilatildeordquo30
e em releituras hermenecircutico-teoloacutegicas
da Biacuteblia Logo as igrejas natildeo satildeo obrigadas a acatar todas as recomendaccedilotildees da CBB poreacutem
natildeo podem ignoraacute-la por causa do ldquoPactordquo de Cooperaccedilatildeo denominacional Tal tensatildeo estaacute
presente no relato autobiograacutefico da missionaacuteria Ana Wollerman
Eu mesma fiz todas as mensagens toquei o oacutergatildeo ensinei os hinos e fiz
realmente o trabalho de uma pastora mas eu nunca fui ordenada como
pastora natildeo queria pois natildeo creio nisto pelo menos para minha vida E era
uma serva de Deus uma missionaacuteria (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2004 p 156)31
Ao dizer que natildeo ldquocria para sua vidardquo e ao mesmo tempo afirmar que era ldquoserva de
Deusrdquo na funccedilatildeo de missionaacuteria pode soar um pouco ambiacuteguo Pois tanto pode dar a entender
que ela aceitava a ordenaccedilatildeo de mulheres mas natildeo fosse este o seu caso quanto como
missionaacuteria ela se sentia apta para realizar as atividades de caraacuteter pastoral sem
necessariamente ser ordenada A ambiguidade nas palavras pode ser usada como ldquotaacutetica
retoacutericardquo onde se representa aquilo que esperam ouvir ao mesmo tempo em que
intencionalmente pelas mesmas palavras se diz outra coisa Segundo Roger Chartier
[] Mas uma tal incorporaccedilatildeo da dominaccedilatildeo natildeo exclui muito ao contraacuterio
possiacuteveis desvios e manipulaccedilotildees que pela apropriaccedilatildeo feminina de modelos
e de normas masculinas transformam em instrumentos de resistecircncia em
30
Conforme documentos da ldquoPacto e Comunhatildeo rdquo dos batistas no Brasil satildeo pelo menos cinco seus princiacutepios 1
Liberdade do Individuo 2 Separaccedilatildeo entre Igreja e Estado 3 Autonomia da Igreja local 4 Cooperaccedilatildeo entre
Igrejas e Instituiccedilotildees batistas e 5 Autocriacutetica Veja o documento wwwbatistascom 31
Grifo meu
38
afirmaccedilatildeo de identidades [] estas representaccedilotildees forjadas para assegurar a
dependecircncia e a submissatildeo muitas vezes elas nascem dentro do proacuteprio
consentimento reutilizando a linguagem da dominaccedilatildeo para fortalecer a
insubmissatildeo (CHARTIER 1994 p 910)
Em outro momento do relato ela volta a tocar no assunto e a tensatildeo aparece um pouco
mais
[] esqueci que era americana e graccedilas a Deus eles tambeacutem me
consideravam uma brasileira porque amo muito aquele paiacutes mas em tudo
isto nunca queria ou pensava em ser ordenada ao ministeacuterio como hoje
em dia haacute feito muitos para o sexo feminino eu sabia que a minha chamada
era para ser uma missionaacuteria e para ser uma serva de Jesus (Opcit p 160
161)32
O contexto da fala da missionaacuteria Ana Wollerman eacute bastante significativo para
entendecirc-la Tratava-se de um momento de debate sobre esta questatildeo no Mato Grosso do Sul
Em 2003 os batistas da seccional sul da Ordem dos Pastores Batistas do Mato Grosso do Sul
criaram sucessivos conciacutelios teoloacutegicos para deliberar sobre a ordenaccedilatildeo de mulheres porque
pela primeira vez no sul do estado uma igreja batista da associaccedilatildeo pedia a formaccedilatildeo de um
conciacutelio teoloacutegico para a ordenaccedilatildeo de uma mulher
A representaccedilatildeo da mulher no pensamento batista tem passado por fortes mudanccedilas
nas ultimas deacutecadas e automaticamente a questatildeo sobre os limites de seu lugar nas funccedilotildees de
lideranccedila Mas para entender o lugar que Ana Wollerman ocupava no trabalho missionaacuterio em
Mato Grosso durante o periacuteodo que ela esteve ativa na missatildeo (1947 - 1981) especialmente
nos anos de 1947 a 1954 em AmambaiMT eacute fundamental levar em consideraccedilatildeo a tentativa
de caracterizaccedilotildees apontadas anteriormente nesta pesquisa
32
Grifo meu
39
CAPITULO 2
A EDUCACcedilAtildeO COMO ESTRATEacuteGIA MISSIONAacuteRIA DOS BATISTAS
NO PROJETO DE ANA WOLLERMAN
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa de Ana
Wollerman Procurou-se reconstruir por meio de suas memoacuterias autobiograacuteficas e elementos
do contexto aspectos que caracterizassem sua identidade missionaacuteria no Brasil
No presente capiacutetulo discorre-se sobre os processos de inserccedilatildeo dos batistas no Brasil
e em Amambai ndash antigo sul de Mato Grosso ndash pela estrateacutegia da educaccedilatildeo e estaacute estruturado
em duas partes principais A primeira busca mostrar a especificidade do projeto educacional
batista no campo da educaccedilatildeo A segunda parte busca mostrar a inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana
Wollerman em Amambai Desta forma o objetivo central deste capiacutetulo eacute conhecer a relaccedilatildeo
entre educaccedilatildeo e evangelizaccedilatildeo na Missatildeo Batista no Brasil a fim de entender a proposta
missionaacuteria da Ana Wollerman em Amambai pela estrateacutegia da educaccedilatildeo
Sobre o uso da noccedilatildeo de estrateacutegia
A noccedilatildeo de ldquoestrateacutegiardquo de Certeau (1998 p 91s) nos ajuda a pensar que o processo
de inserccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil33
tanto foi ldquoestrateacutegicordquo quanto ldquotaacuteticordquo
Enquanto estrateacutegico instrumentalizou as organizaccedilotildees administrativas batistas suas praacuteticas
religiosas escolas e sua imprensa para construir nos ldquonovos convertidosrdquo brasileiros as
representaccedilotildees que davam sentido a coletividade batista (Chartier) Por meio destas
interiorizou uma linguagem proacutepria valores doutrinas e outros a fim de torna-los ldquoincluiacutedosrdquo
na ldquocomunidade imaginadardquo34
dos batistas
Enquanto taacutetica a inserccedilatildeo e desenvolvimento batista serviu como ldquoaccedilatildeo calculadardquo no
ldquoespaccedilo do outrordquo Vale ressaltar lugar ou espaccedilo aqui natildeo se reduz a dimensatildeo fiacutesica da
realidade mas tambeacutem simboacutelica e ontoloacutegica35
(imaginaacuterio) onde se daacute a construccedilatildeo de
sentido e concepccedilatildeo social da realidade Ao pensar as relaccedilotildees de interdependecircncia entre
33
Tambeacutem os demais protestantes de missatildeo 34
Benedict Anderson (2008 p 39s) 35
No sentido heideggeriano ou seja maneira como o ser se manifesta (ABBAGNANO 2007 p 666)
40
batistas e catoacutelicos no Brasil do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX a forccedila dos primeiros na
ldquobalanccedila de poderrdquo eacute completamente desigual mesmo com o apoio de poliacuteticos e intelectuais
pois a igreja catoacutelica mantinha relaccedilotildees com o Estado (ainda que tensa) Outro aspecto eacute a
presenccedila do catolicismo haacute seacuteculos no Brasil que se configurava como substrato da cultura ou
culturas brasileiras e isto dificultava a aceitaccedilatildeo do discurso protestante Por conta disso os
oacutergatildeos educativos e impressos dos batistas viram como necessaacuterio encontrar formas de
mobilidades num ldquolugar natildeo proacutepriordquo para atingir seu maior objetivo que era a ldquosalvaccedilatildeo das
almasrdquo Ou seja levar a cabo o que entendiam ser seu destino manifesto a missatildeo de levar
sua religiatildeo moral e poliacutetica sendo que estes natildeo satildeo necessariamente separados entre si
pois sua organizaccedilatildeo religiosa e concepccedilatildeo do sagrado apreendidas do texto biacuteblico partem
de uma hermenecircutica comprometida historicamente com o lugar a partir de onde falam
(CERTEAU 2011 p6s) Assim sendo a presenccedila batista no Brasil e em especial no Mato
Grosso pelo trabalho da educadora missionaacuteria Ana Wollerman se deu numa ldquoarte do fazerrdquo
interdependente entre estrateacutegias e taacuteticas natildeo necessariamente na mesma ordem
Condiccedilotildees histoacuterico-sociais da presenccedila protestante no Brasil
Com base nos estudos de Mendonccedila (2008 pp 43-53) a inserccedilatildeo do protestantismo
no Brasil pode ser categorizada fundamentalmente por meio de duas formas protestantismo
de imigraccedilatildeo e protestantismo de missatildeo O primeiro encontrou oportunidade nos incentivos
do governo para imigraccedilatildeo de estrangeiros tanto da Europa quanto dos Estados Unidos Desde
o seacuteculo XVIII com o tratado da ldquoAlianccedila e Amizade e Comeacutercio e Navegaccedilatildeordquo entre Brasil
e Inglaterra assinado por Dom Joatildeo VI (1810) imigrantes ingleses - entre eles protestantes -
comeccedilaram a vir para o Brasil para trabalhar na construccedilatildeo de estradas de ferro Nesta
ocasiatildeo o incentivo agrave imigraccedilatildeo norte-americana levou boa parte dos imigrantes para Santa
Baacuterbara drsquoOesteSP (1867) Os grupos de Santa Barbara mesmo sendo caracteristicamente
proselitistas natildeo tiveram tal preocupaccedilatildeo mas escreviam cartas para suas juntas missionaacuterias
nos EUA dando informaccedilotildees sobre o Brasil e solicitando a presenccedila de missionaacuterios para a
evangelizaccedilatildeo dos nativos brasileiros (AZEVEDO 1999 p 193) No Sul se instalaram os
Luteranos e Reformados (a partir de 1824) das mais diversas nacionalidades huacutengaros
holandeses franceses e suiacuteccedilos
A inserccedilatildeo do protestantismo de Missatildeo deu-se fundamentalmente pela colaboraccedilatildeo de
missionaacuterios colportores36
O primeiro missionaacuterio no Brasil foi o reverendo metodista
36 Vendedores de biacuteblia
41
Fountain E Pitts (1835) poreacutem os que mais se destacaram nos diversos ciacuterculos sociais do
Brasil foram Daniel Kidder e James Cooley Fletcher estes em suas viagens do norte ao sul
do Brasil escreveram Brazil and the Brazilians texto que se tornou claacutessico para informaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de missionaacuterios que se preparavam para vir ao Brasil (AZEVEDO 1996 p 192)
Entre as primeiras igrejas fruto do protestantismo de Missatildeo no Brasil estatildeo Congregacionais
(1858) Presbiterianos (1862) Batistas (1871) e Metodistas (1871) Uma das caracteriacutesticas
mais importantes desta forma de inserccedilatildeo foi o trabalho de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
com forte ecircnfase ldquoconversionistardquo por meio das mais diversas estrateacutegias entre elas venda e
distribuiccedilatildeo de biacuteblias imprensa atendimento meacutedico assistecircncia social e
fundamentalmente por meio da educaccedilatildeo
O desenvolvimento da presenccedila protestante no Brasil no seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo
XX nas suas mais diversas representaccedilotildees pode ser entendido na esteira da teoria socioloacutegica
de Elias O protestantismo de missatildeo se aliou na ldquobalanccedila de poderrdquo a grupos de intelectuais
liberais que militavam por valores filosoacuteficos e socioloacutegicos do liberalismo positivismo e do
republicanismo pois tais valores estavam presentes nas representaccedilotildees coletivas que
fundamentavam a concepccedilatildeo de indiviacuteduo e sociedade dos protestantes Estas questotildees
traziam consigo profundas disputas de forccedilas poliacuteticas e econocircmicas tanto entre os proacuteprios
liberais e entre os proacuteprios conservadores quanto entre liberais e conservadores cujo centro
estava os interesses da monarquia Elias mostra que o governante tem lugar central na
estrutura interna da configuraccedilatildeo pois com sua maacutequina burocraacutetica e a necessidade de
manutenccedilatildeo de interesses proacuteprios precisa cooperar ora com um grupo ora com outro
todavia sem deixar em algum niacutevel ou intensidade de apoiar agrave todos (ELIAS 1993 p 149)
Por este motivo o governo brasileiro aprovou leis que tanto atendiam os interesses dos grupos
liberais entre eles os protestantes (Toleracircncia religiosa casamento civil de cemiteacuterio
circulaccedilatildeo etc) e ao mesmo tempo em que apoiava o partido conservador manteve a uniatildeo
com a igreja catoacutelica uma poliacutetica centralizadora
Aleacutem do trabalho de Antocircnio Mendonccedila jaacute comentado anteriormente outro trabalho
que pode auxiliar nesta anaacutelise eacute de David Vieira (1999) em que apresenta um profundo
trabalho empiacuterico sobre a relaccedilatildeo entre maccedilonaria e protestantismo em prol de ideologias
liberais e contra a uniatildeo da igreja catoacutelica com o Estado Mostra que a maccedilonaria tornou-se
um espaccedilo de circulaccedilatildeo e trocas de interesses entre poliacuteticos liberais empresaacuterios padres
jansenistas abolicionistas e missionaacuterios protestantes Tal relaccedilatildeo colaborou como elemento
catalizador da ldquoQuestatildeo religiosardquo no Brasil
42
A institucionalizaccedilatildeo dos batistas no Brasil
Conforme jaacute foi dito com a divisatildeo da Convenccedilatildeo Batista Trienal nos Estados Unidos
por ocasiatildeo da questatildeo da escravatura os sulistas criaram em 1845 a Convenccedilatildeo Batista do
Sul para continuar com sua visatildeo de projeto missionaacuterio Em 1859 apoacutes leituras do livro
Brazil and the Brazilians a Convenccedilatildeo decidiu voltar suas atenccedilotildees para o Brasil e neste
mesmo ano Thomas Jefferson Bowen (1814-1875) veio como missionaacuterio para o Rio de
Janeiro Bowen trabalhava na confecccedilatildeo de uma gramaacutetica Yorubaacute e desejava formar uma
igreja tanto entre imigrantes ingleses quanto entre escravos brasileiros mas ficou doente e
teve que voltar para os Estados Unidos (OLIVEIRA 2005 pp 105 ndash 134 AZEVEDO 1996
pp192193)
O trabalho de Bowen natildeo vingou mas em 1867 com a instalaccedilatildeo dos imigrantes
sulistas em Santa Baacuterbara DrsquoOeste - SP foi organizada a primeira igreja batista (1871) em
solo brasileiro sob a lideranccedila do pastor Richard Ratcliff (1831-1912) Com a morte de sua
esposa o pastor voltou para os EUA e deixou no seu lugar o pastor Elias Hotton Quillin
(1822-1886) Nos EUA Ratcliff relatou para a Convenccedilatildeo a necessidade de enviar
missionaacuterios para o Brasil Aleacutem do seu relatoacuterio outro ldquotestemunhordquo que tambeacutem contribuiu
para vinda de missionaacuterios para o Brasil foi do general Travis Hawthorn este fora ex-
combatente na guerra civil e viera como colono para Santa Barbara DOeste Foi com base nos
relatos de Ratcliff e Hawthorn que a Convenccedilatildeo enviou o casal de missionaacuterios William Buck
Bagby (1855-1939) e Anne Luther Bagby para o Brasil (1859-1942) (OLIVEIRA 2005 pp
330 ndash 336 450 ndash 456)37
Em 1881 o casal de missionaacuterios Bagby assumiu a igreja de Santa Baacuterbara DrsquoOeste
mas depois foi para Salvador onde em 1882 organizaram com cinco pessoas a primeira
igreja batista nacional Desde entatildeo igrejas foram organizadas nas principais cidades
brasileiras mantendo as caracteriacutesticas eclesioloacutegicas das igrejas dos EUA (AZEVEDO 1996
p 194)
Diante do forte crescimento dos batistas no Brasil de 312 membros no ano da
proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica para um pouco menos de 8000 em 1907 os batistas procuram
organizar-se como Convenccedilatildeo Nacional Entre os dias 22 a 27 de julho de 1907 com 43
delegados que representavam 39 igrejas e corporaccedilotildees eles aprovaram a Constituiccedilatildeo
37
As paacuteginas informadas na obra ldquoCentelha em restolho seco uma contribuiccedilatildeo para histoacuteria dos primoacuterdios do
trabalho batista no Brasilrdquo de Betty Antunes de Oliveira refere-se a porccedilotildees das cartas (algumas inteiras)
enviadas por Ratcllif e Hawthorn para junta missionaacuteria de Richmond
43
provisoacuteria das igrejas batistas do Brasil ou seja a Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB)
(REILY 1984 p 175)
A organizaccedilatildeo e desenvolvimento dos batistas no Brasil deu-se a partir de dois
princiacutepios fundamentais para os batistas a autonomia da igreja local e a cooperaccedilatildeo entre
estas igrejas O uacuteltimo por causa do primeiro funciona como apoio administrativo financeiro
e educativo no treinamento de lideranccedilas e missionaacuterios A cooperaccedilatildeo foi fundamental para a
formaccedilatildeo do pensamento batista no Brasil para tanto se organizou em ldquoJuntas executivas
missionaacuteriasrdquo que se organizavam por aacutereas de abrangecircncia e tinham a funccedilatildeo de enviar
sustentar e apoiar missionaacuterios nas terras proacuteximas e longiacutenquas Desta forma foram criadas
ldquoJuntas educativasrdquo que administravam seminaacuterios institutos teoloacutegicos casas de formaccedilatildeo
de obreiras coleacutegios e escolas ldquoJunta da Casa Publicadora Batistardquo responsaacutevel pela
publicaccedilatildeo de livros revistas para escolas biacuteblicas revistas de treinamento de lideranccedilas
jornais etc Aleacutem destas foram criadas outras Juntas todas com o fim de gerir a estrutura
religiosa apoiando as igrejas locais e criando novas igrejas (MESQUITA 1941 pp 17s)
Um dos principais oacutergatildeos que serviu como meio de informaccedilatildeo e ldquoformaccedilatildeordquo do que
significava ser batista no Brasil foi ldquoO Jornal Batistardquo (OJB) No sentido certeauniano (1998
pp 91s) o OJB serviu como um ldquolugar proacutepriordquo onde se pudesse criar e reproduzir uma
linguagem especiacutefica dos batistas no Brasil e um sentimento de pertenccedila ao grupo aleacutem de
estabelecer ldquoum domiacutenio do lugar pela vistardquo numa ldquopraacutetica panoacutepticardquo de vigilacircncia das
praacuteticas religiosas38
e um lugar de ldquoproduccedilatildeo de poderrdquo pelo consumo das representaccedilotildees
drsquoOJB
Reis Pereira citando Crabtree um dos missionaacuterios que participou do projeto de
criaccedilatildeo drsquoOJB diz
O maior serviccedilo que a Casa Publicadora prestou a Causa Batista
especialmente neste primeiro periacuteodo foi da publicaccedilatildeo drsquoO Jornal Batista
Publicar o jornal foi agrave primeira preocupaccedilatildeo dos missionaacuterios quando
resolveram colocar no Rio a casa editora [] tem sido tambeacutem soacutelido
doutrinador do povo batista e firme defensor das convicccedilotildees batistas
CRABTREE 1962 apud PEREIRA 1985 p 136)
Neste sentido na esteira de Chartier e Elias o jornal foi fundamental para interiorizar
representaccedilotildees religiosas construindo um sentimento de unidade institucional e
38
Como exemplo de vigilacircncia panoacuteptica pode ser visto na tese de Arauacutejo (2006 p 50) ldquoEducaccedilatildeo e conversatildeo
religiosa Os batistas de Richmond e o Coleacutegio Taylor-Egiacutedio de Jaguaquara ndash BA 1882 ndash 1936rdquo ( UnB) onde
problematiza atraveacutes de dados da secretaria da primeira igreja batista de Salvador ndash BA a questatildeo de batismos e
exclusotildees de membros da igreja
44
denominacional nos batistas ou seja uma imagem ldquoeu-noacutesrdquo de pertenccedila e ao mesmo tempo
de diferenciaccedilatildeo do catoacutelico do espiacuterita e dos outros grupos protestantes39
Esta representaccedilatildeo de si batista deu-se numa relaccedilatildeo interdependente dentro do proacuteprio
grupo por meio das trocas funcionais entre representaccedilotildees doutrinaacuterias por meio dos
impressos (jornais livros revistas etc) e apropriaccedilotildees destas representaccedilotildees nos centros de
formaccedilatildeo religiosa das lideranccedilas Isto significa que estas lideranccedilas retornavam dos
centros de treinamento teoloacutegico com publicaccedilotildees ensinamentos para em suas igrejas locais
produzirreproduzir a promoccedilatildeo da proacutepria imagem vis-agrave-vis a estigmatizaccedilatildeo dos demais
grupos como hereacuteticos pagatildeos idoacutelatras imorais etc e por conta deste lsquoexclusivismorsquo
tambeacutem recebiam ldquocontraestigmatizaccedilotildeesrdquo dos demais grupos (ELIAS SCOTSON 2000 p
22-28)
A ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo dos batistas no Brasil
Quando os ldquobatistas de imigraccedilatildeordquo se instalaram em Santa Barbara DrsquoOeste (1867)
uma de suas preocupaccedilotildees fundamentais estava em continuar a educaccedilatildeo de seus filhos
Situaccedilatildeo esta que procuraram resolver criando as ldquoSchool Housesrdquo aonde tanto professores
vindo dos EUA especificamente para este fim quanto os irmatildeos mais velhos das famiacutelias
colonas se responsabilizavam pela educaccedilatildeo dos demais na Colocircnia de Santa Barbara
Quando poreacutem estas escolas natildeo atendiam mais as necessidades de continuidade dos estudos
voltavam para seu paiacutes de origem ou passavam a frequentar as escolas protestantes jaacute
estabelecidas e consolidadas no Brasil (OLIVEIRA 2005 pp 52-58)
Quanto aos batistas de missatildeo as origens e desenvolvimento de seu trabalho voltado
para educaccedilatildeo ou melhor voltado para evangelizaccedilatildeo por ldquomeiordquo da educaccedilatildeo pode ser
pensado em princiacutepio a partir da sugestatildeo de periodizaccedilatildeo de Machado Segundo este autor a
periodizaccedilatildeo da educaccedilatildeo batista no Brasil se organiza com base na relaccedilatildeo institucional das
escolas e coleacutegios com a Junta Missionaacuteria de Richmond e a CBB Para tanto organiza em
cinco periacuteodos Iniciativas individuais (1888 - 1898) Apoio tiacutemido dos oacutergatildeos oficiais (1898
- 1907) Contribuiccedilatildeo efetiva da Junta de Richmond (1907 - 1936) Direccedilatildeo das instituiccedilotildees
de ensino nas matildeos dos brasileiros (a partir de 1936) e diminuiccedilatildeo gradativa de apoio da Junta
39
Para verificaccedilatildeo da base empiacuterica sobre esta questatildeo a tese da Anna Adamovcz (2008) ldquoImprensa protestante
na primeira repuacuteblica evangelismo informaccedilatildeo e produccedilatildeo cultural O Jornal Batista 1901 a 1922rdquo(USP) pode
ajudar entender como se deu este processo ldquoestrateacutegicordquo de interiorizaccedilatildeo de ldquorepresentaccedilotildeesrdquo da religiosidade e
concepccedilatildeo de mundo social dos batistas como tambeacutem constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo dos batistas no Brasil Outro
texto que trata desta questatildeo eacute o trabalho de Azevedo (1996) ldquoA Celebraccedilatildeo do Indiviacuteduo a formaccedilatildeo do
pensamento batista no Brasilrdquo
45
de Richmond a partir de 1936 (MACHADO 1994 p 55-68) Todos estes momentos satildeo
marcados por disputas de poder no interior da denominaccedilatildeo Poreacutem eu reduziria os uacuteltimos
dois em apenas um periacuteodo Isto porque a diminuiccedilatildeo progressiva de apoio financeiro da
Junta de Richmond agraves instituiccedilotildees brasileiras se deu no mesmo momento Logo o que tudo
indica eacute que a Junta de Richmond diminuiu a ajuda porque perdeu ou diminuiu pelo menos
seu poder e controle sobre as instituiccedilotildees brasileiras Mas isto eacute apenas uma hipoacutetese que soacute
poderia ser confirmada ou falseada diante de uma pesquisa mais aprofundada da
documentaccedilatildeo40
Assim sendo o primeiro periacuteodo marca os esforccedilos individuais dos primeiros
missionaacuterios que mesmo sem o apoio da Junta Missionaacuteria construiacuteram escolas de pequeno
porte com fins evangeliacutesticos e como meio de angariar recursos para sobreviver no Brasil
Neste caso vale uma observaccedilatildeo ndash passiacutevel de maior aprofundamento antes de generalizaccedilotildees
ndash eacute possiacutevel que a maior parte das primeiras escolas protestantes tenham sido criadas pela
iniciativa de ldquomissionaacuteriasrdquo41
esposas de missionaacuterios ou solteiras Pois os homens se
dedicaram mais ao trabalho itinerante de manutenccedilatildeo e abertura de novas igrejas ficando para
elas aleacutem da responsabilidade de criar e administrar uma escola a criaccedilatildeo dos filhos (para as
casadas) e o trabalho do ldquopastoreiordquo das ldquoalmasrdquo da igreja local (ARAUacuteJO 2006 p 184)
Segundo Loureiro (2006 p 35 36) desde 1882 as missionaacuterias Anne Bagby e Laura
Taylor jaacute havia encaminhado um pedido de apoio financeiro para abrir no Brasil as ldquoPoor
School Fundrdquo Poreacutem a Junta Missionaacuteria natildeo via como prioridade diversificar os recursos do
fundo missionaacuterio para educaccedilatildeo mas sim apenas para pregaccedilatildeo do ldquoevangelhordquo E pelo que
40
O ldquoapoderamentordquo de pastores e missionaacuterios brasileiros de instituiccedilotildees que ateacute entatildeo eram administradas por
missionaacuterios norte-americanos principalmente de escolas e seminaacuterios localizadas no Rio de Janeiro Satildeo Paulo
Vitoacuteria e Recife - pois eram as maiores instituiccedilotildees - se deu a partir de uma disputa de poder que ficou
conhecido como ldquoQuestatildeo radicalrdquo (1921 agrave 1925) inclusive com a saiacuteda de 55 igrejas da convenccedilatildeo regional do
Pernambuco criando a Associaccedilatildeo Batista Brasileira Em outro momento teve o ldquoNeorradicalismordquo (1935-1936)
este uacuteltimo natildeo durou muito tempo porque a Junta de Richmond conseguiu contornar com negociaccedilotildees Segundo
Machado (1994 1999) as reivindicaccedilotildees do primeiro e segundo movimento eram investimento do dinheiro da
Junta para escolas e a evangelizaccedilatildeo de forma parietal maior participaccedilatildeo da administraccedilatildeo das instituiccedilotildees
acima referidas e do conselho gestor dos recursos enviados pela Junta de Richmond Os grupos em disputas
ficaram conhecidos como ldquoeclesiaacutesticosrdquo e ldquoescolaacutesticosrdquo sendo que havia brasileiros em ambos os grupos
poreacutem o grupo dos eclesiaacutesticos era em maior nuacutemero A hipoacutetese de Machado eacute que tal movimento das
lideranccedilas brasileiras se deu em razatildeo do forte sentimento nacionalista na sociedade brasileira entre os anos de
1920 a 1945 no contexto de acontecimentos poliacuteticos econocircmicos e culturais a niacutevel nacional e internacional
(MACHADO 1994 pp 63-67) 41
A pesquisa de Noemi Paulichenco Loureiro (FEUSP 2006) mostrou ldquodesviosrdquo frente a histoacuteria oficial em
relaccedilatildeo ao que vinha sendo dito dos primeiros missionaacuterios batistas no Brasil Segundo ela a iniciativa de vir
para o Brasil e abrir escolas natildeo foi de William Bagby mas sim de Anne Bagby que fazia contatos com o
general Hawthorn que na eacutepoca era representante do conselho da Junta de Richmond
46
a pesquisa de Pedro Arauacutejo (2006) indicou ateacute mesmo a igreja em Salvador achava o projeto
de abrir uma escola ldquoum tanto intempestivardquo (ACTA 56 1885 apud ARAUacuteJO 2006 p 196)
As razotildees que levaram os missionaacuterios batistas abrirem escolas coleacutegios e instituiccedilotildees
teoloacutegicas no Brasil a fim de estabelecerem a evangelizaccedilatildeo pode ser pensado a partir dos
seguintes aspectos educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios e dos ldquonovos crentesrdquo perseguiccedilatildeo
religiosa simpatia da sociedade brasileira inclusive quebrando preconceitos e
fundamentalmente evangelizaccedilatildeo e doutrinaccedilatildeo das crianccedilas e jovens que se submetiam ao
seu projeto educacional
Segundo uma ata da assembleia ordinaacuteria da igreja Batista de Salvador citada por
Pedro Arauacutejo eacute relatado
O nosso irmatildeo moderador fez uma exposiccedilatildeo dos melhoramentos que tenta
com o favor de Deus efetuar tanto para melhoramentos materiaes como
espirituaes uma escola industrial composta de 4 classes (ou artis) para
engrandecimento da causa e dos futuros servos de Jesus os nossos filinhos
preservados afim (assim ndash correccedilatildeo posterior no livro de atas) do grande
perigo que encorre com mestres idolatras e corruptos para cujo fim estaacute
promovendo os meios necessarios Foi pelo mesmo apresentado a
nessessidade de ser sustentado pela igreja um Professor que tem de dirigir
duas aulas diurnas para menino e outra nocturna para adultos foi feita uma
mosatildeo e approvada para uma subscripsatildeo cujo fim eacute criar um capital (pelos
membros da igreja) de um conto de reis anual para pagar-se o dito professor
o que foi graccedilas a Deus efetuado por diversos membros e um amigo cuja
subscrisatildeo principia a ser do 1ordm de Dezembro pagando neste dia cada um sua
mensalidade primeira e continuando assim sempre adiantados os
pagamentos sic (ACTA 259 1893 apud ARAUacuteJO 2006 p 194)
Assim sendo verifica-se que eles buscaram criar um ldquolugar proacutepriordquo onde pudessem
educar seus filhos segundo os valores que acreditavam acima das praacuteticas educativas nas
escolas catoacutelicas ou puacuteblicas dirigidas por professores catoacutelicos A preocupaccedilatildeo asceacutetica dos
batistas faz parte de uma ldquoidentidaderdquo histoacuterica das origens puritanas conforme jaacute fora
pontuado no capiacutetulo anterior Todavia mais do que na cultura norte-americana eles
precisaram radicalizar seus antigos valores puritanos devido ao forte substrato catoacutelico na
cultura brasileira Havia uma necessidade de diferenciaccedilatildeo do que significava ser batista e o
que significava ser catoacutelico Pedro Arauacutejo (2006 p 205) fala da rotatividade de membros da
Igreja em Salvador e em Jaguaquara ndash BA por causa de exclusotildees Segundo ele para tonar-se
membro de uma igreja Batista era feito uma seacuterie de perguntas tanto para o candidato quanto
para a vizinhanccedila a fim de saber se sua conduta moral dava ldquotestemunhordquo dos valores do
grupo
47
Aleacutem da preocupaccedilatildeo com a educaccedilatildeo dos filhos dos missionaacuterios a educaccedilatildeo dos
filhos dos ldquonovos crentesrdquo e a criacutetica a cultura religiosa catoacutelica presente nas escolas outros
motivos tambeacutem satildeo pontuados como conquistar a simpatia ou aproximaccedilatildeo da sociedade
brasileira fortemente preocupada em diminuir o analfabetismo e a possibilidade de em alguns
casos os filhos dos missionaacuterios e dos crentes estarem sofrendo algum tipo de perseguiccedilatildeo
religiosa ou preconceito nas escolas natildeo-protestantes (MACHADO 1994 p 49 ARAUacuteJO
2006 p201s)
Poreacutem o motivo fundamental que se consolidou agrave medida que percebiam os resultados
de seu trabalho foi o de fazer da escola um espaccedilo de evangelizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de novos
liacutederes O missionaacuterio Crabtree um dos pioneiros da presenccedila batista no Brasil relata sobre o
Coleacutegio Taylor-Egydio de Jaguaquara - BA
O Collegio Egydio matriculou 125 alumnos de diversas classes sociaes e
pagava a 7 dos seus professores Contribuiu muito para a evangelizaccedilatildeo e
ganhou prestigio para os baptistas Trecircs moccedilas do collegio foram baptizadas
e dedicaram a vida ao serviccedilo do Mestre O Collegio mantinha as mais
cordiaes relaccedilotildees com o governo O superintendente da instruccedilatildeo publica
mandava ao director do collegio noticias das reuniotildees dos professores
puacuteblicos das leis do departamento e pedia informaccedilotildees e relatoacuterios do
collegio Natildeo houve nenhuma perturbaccedilatildeo do culto na igreja da Bahia desde
o estabelecimento do collegio O poder e a influencia desta instituiccedilatildeo
christatilde estabelecida por um brasileiro accentuava para os baptistas o grande
valor e a necessidade imprescindiacutevel de um bom programma de educaccedilatildeo
christatilde O seu auxilio na evangelizaccedilatildeo do povo e o treinamento de obreiros
christatildeos justificam amplamente a sua razatildeo de ser (CRABTREE apud
ARAUacuteJO 2006 p 200)
Assim sendo a educaccedilatildeo soacute eacute percebida como um instrumento fundamental na missatildeo
quando ldquocontabilizadordquo as ldquoconversotildeesrdquo aproximaccedilatildeo da sociedade ldquonatildeo-crenterdquo e como
espaccedilo de ldquotreinamentordquo de moccedilas para evangelizaccedilatildeo Pois como verificou Pedro Arauacutejo
(2006 p 199) os missionaacuterios natildeo se mobilizariam em atividades pedagoacutegicas a natildeo ser que
levasse a uma maior aproximaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas e a pregaccedilatildeo sobre Jesus
Neste sentido no pensamento batista a educaccedilatildeo eacute sempre um ldquomeiordquo e nunca um
ldquofim em si mesmordquo Pois o fim de toda e qualquer atividade humana deve ser a ldquogloacuteria de
Deusrdquo poreacutem para isto o indiviacuteduo precisa se libertar do pecado por meio da ldquosalvaccedilatildeordquo
ofertada por meio do filho de Deus (Jesus) A noccedilatildeo de salvaccedilatildeo eacute a ldquomensagemrdquo
fundamental da ldquoMissatildeordquo batista Portanto eacute a Missatildeo a maior razatildeo e sentido da Igreja
existir
Ao edificarmos e aparelharmos as nossa escolas cristatildes jamais devemos
perder de vista que nossa missatildeo principal eacute evangelizar eacute o trabalho de
48
ganhar almas do pecado para a salvaccedilatildeo de Satanaacutes para Deus Este ocupa
ou deve ocupar o primeiro lugar de todo esforccedilo cristatildeo (TRUETT In
TRUETT LOVE 1950 p36)
Portanto toda instituiccedilatildeo que os batistas criam soacute deve existir em funccedilatildeo do
compromisso com o que entendem ser sua missatildeo
As nossas igrejas os nossos coleacutegios os nossos jornais religiosos os nossos
hospitais cada organizaccedilatildeo e agecircncia das igrejas deve estar inflamada na
paixatildeo evangelizadora do Novo Testamento Em nossas cidades vilas e
povoaccedilotildees de um a outro extremo do nosso paiacutes em todos os cantos e
recantos devem ecoar constante e fortemente os nossos sermotildees e os cacircnticos
dos nossos hinos (TRUETT In TRUETT LOVE 1950 p37)
A educaccedilatildeo como ldquomeiordquo na relaccedilatildeo com a missatildeo serve basicamente a dois
propoacutesitos como instrumento e como estrateacutegia missionaacuteria Como instrumento ela tem a
funccedilatildeo de levar o indiviacuteduo ao ldquoconhecimento da verdaderdquo por eles entendida como a
ldquopalavra de Deusrdquo que neste caso eacute sinocircnimo de Biacuteblia A importacircncia instrumental da
educaccedilatildeo pode ser percebida num discurso que o reverendo Dr Manoel Avelino de Souza
Filho proferiu por ocasiatildeo do fechamento letivo do Coleacutegio Batista Fluminense em meados de
1930 Ele pontua pelo menos trecircs ideais da educaccedilatildeo cristatilde
O nosso ideal neste particular eacute formar o caraacuteter verdadeiro baseados nos
princiacutepios por excelecircncia da moral cristatilde fundamentada no exemplo
incomparaacutevel de perfeiccedilatildeo do Filho de Deus [] Outro fim alto e digno que
adotamos na educaccedilatildeo eacute o serviccedilo Este eacute o ideal do grande Mestre que
disse ldquoE o Filho do Homem natildeo veio para ser servido mas para servirrdquo
(Mateus 20 28) Cada indiviacuteduo tem deveres com a coletividade natildeo veio
para receber e depender dos outros somente mas para servir [] Prepara
para servir ao Estado e natildeo ser servido por ele no sentido de ser-lhe um
peso Trabalhar honestamente seja qual for o ramo de atividade a que se
consagre com o fim de servir a Paacutetria [] Ainda outro ideal em que
seguimos ao Mestre eacute o de preparar para vida A vida natildeo se limita a este
tempo presente mas se prolonga ateacute a eternidade (SOUZA 1936 pp 271-
284)42
Formar caraacuteter segundo a moral cristatilde servir a paacutetria com trabalho honesto inclusive
promovendo a democracia em todos os campos ldquocomo homem puacuteblico seja sentando-se na
caacutetedra [] seja cumprindo o dever ciacutevico de ir agraves urnas levar seu voto aos pleitos eleitorais
[]rdquo (SOUZA 1936 p 280) e doutrinando (preparar para vida) tais ideais demonstram
valores republicanos muito fortes nos discursos poliacuteticos e intelectuais no Brasil da primeira
repuacuteblica Mas natildeo apenas da antiga repuacuteblica pois permeia neste discurso o sentimento
norte- americano de Godrsquos Chosen People ldquoPovo escolhido de Deusrdquo que foi entendido como
42
Grifo meu
49
ldquoDestino Manifestordquo Este carregava subjacente agrave pregaccedilatildeo religiosa e ao ensino secular os
traccedilos culturais do seu modus vivendi
Outra funccedilatildeo da educaccedilatildeo enquanto ldquomeiordquo eacute seu caraacuteter ldquoestrateacutegicordquo de
evangelizaccedilatildeo e discipulado ou doutrinaccedilatildeo Todo o conteuacutedo e o cotidiano da escola satildeo
voltados para este fim Neste sentido a escola funciona como ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo e natildeo
indireta Portanto esta pesquisa natildeo concorda com Eacutemile Leonardt (1963 p 315ss) que
equipara num mesmo conceito ndash evangelizaccedilatildeo indireta ndash a Educaccedilatildeo Batista a Presbiteriana
a Metodista e outras Pois ele mesmo verificou que nos coleacutegios batistas havia uma maior
preocupaccedilatildeo com a evangelizaccedilatildeo do que nos demais e assim o autor discorrendo sobre a
documentaccedilatildeo diz que o ldquoespiacuteritordquo destes Coleacutegios era
ldquoCada dia em que entro no Coleacutegiordquo - escreve o Rev Soren pastor da
Primeira Igreja do Rio e diretor geral do Coleacutegio ndash ldquoo faccedilo como se entrasse
na minha Igreja e natildeo julgo que diante de Deus haja diferenccedila dos trabalhos
prestadosrdquo ldquoEu creio ndash afirma o diretor do Coleacutegio de Recife ndash que a
finalidade de um Coleacutegio Batista ultrapassa os proacuteprios ideais da educaccedilatildeo
porque os nossos Coleacutegios devem ainda ser agencias de evangelizaccedilatildeordquo
Relativamente agrave realizaccedilatildeo da atividade religiosa destas instituiccedilotildees
podemos tomar como exemplo o relatoacuterio do Coleacutegio de Recife ldquoO
Departamento de evangelismo representa atualmente o mais relevante papel
na vida da Instituiccedilatildeo pois por meio dele procura-se atingir os mais
elevados ideais de um educandaacuterio evangeacutelico Entatildeo sob sua orientaccedilatildeo os
serviccedilos de ldquoliccedilotildeesrdquo as aulas de histoacuteria Sagrada as atividades da Uniatildeo de
Estudantes Batistas e da Uniatildeo de Estudantes Ministeriais Batistas nova
organizaccedilatildeo interna privativa dos preacute-seminaristas que tem como alvos
principais ldquozelar pela moral e vida espiritual de seus membrosrdquo e ldquopromover
programas literaacuterios e evangeliacutesticos nas igrejasrdquo [] Sem que a palavra
ldquocultordquo tenha sido empregada as ldquoliccedilotildeesrdquo mais se aproximam de um culto
evangeliacutestico em seu espiacuterito e propoacutesitos do que de uma assembleia de
estudantes (LEONARDT 1963 p316)
Como chamar de ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo uma atividade missionaacuteria tatildeo intensamente
ldquoevangeliacutesticardquo Portanto verifica-se que mesmo nos coleacutegios e escolas os batistas
priorizavam a evangelizaccedilatildeo direta nas salas de aula grecircmios estudantis e outras atividades
que propiciassem ajuntamentos dos estudantes Machado (1999) ao falar da praacutetica
pedagoacutegica nas escolas batistas mostra que o ensino religioso e a evangelizaccedilatildeo estavam
intensamente presentes independentemente de serem escolas ou coleacutegios ldquoo nome de Jesus e
as verdades fundamentais do cristianismo continuaram sendo anunciados com toda
regularidaderdquo (RELATOacuteRIO CBB 1944 apud MACHADO 1999 p78) Havia uma
orientaccedilatildeo em niacutevel de CBB que a Biacuteblia fosse usada como texto fonte nas escolas
A Biacuteblia eacute a base de todas as crenccedilas predominantes no Brazil portanto natildeo
deve haver objeccedilatildeo a tal leitura O estudo da histoacuteria sagrada puro e simples
50
deve ser ponto do programa em nossos collegios (RELATOacuteRIO CBB 1926
apud MACHADO 1999 p80)
A leitura da Biacuteblia por si soacute jaacute configura evangelizaccedilatildeo direta pois toda leitura parte
de um referente orientador ndash neste caso eram direcionadas a fim de conduzir a os
ouvintesleitores para ldquoprovarrdquo seu discurso religioso Se nas escolas puacuteblicas o ensino
religioso era facultativo nas escolas batistas era obrigatoacuterio
Embora todos os textos explicitem uma liberdade religiosa e o respeito as
diferentes manifestaccedilotildees de feacute cristatilde os batistas possuem posiccedilotildees claras em
relaccedilatildeo as seguintes questotildees []- aulas de educaccedilatildeo cristatilde obrigatoacuterias - as
aulas referidas devem ser ministradas por professores batistas - o conteuacutedo
delas teraacute como ponto a Biacuteblia e o saber revelado - os coleacutegios devem
propagar assembleias e conferecircncias em que pastores batistas comunicaratildeo a
visatildeo de mundo do grupo e outros (MACHADO 1999 p 82)
O conceito de ldquoliberdade religiosardquo na histoacuteria das representaccedilotildees do pensamento
batista surgiu como corolaacuterio do conceito de ldquoliberdade de consciecircnciardquo que estaacute presente
desde suas origens nos idos de 1600 na Inglaterra43
Poreacutem ao fazer uma anaacutelise a partir da
noccedilatildeo de ldquoinversatildeo do pensaacutevelrdquo(Certeau) para refletir sobre o ldquoocultordquo da ideologia religiosa
que o ldquoprinciacutepio da liberdade de consciecircnciardquo discursava verifica-se que na praacutetica tal
discurso contradizia a realidade dos fatos Pois falar de liberdade de consciecircncia dentro de
seus espaccedilos de exerciacutecio do poder onde as relaccedilotildees de forccedilas com os alunos satildeo totalmente
desiguais isto tanto na dimensatildeo simboacutelica do espaccedilo dos sujeitos do conteuacutedo quanto no
tempo de exposiccedilatildeo ao asseacutedio da mensagem religiosa se configura como estrateacutegia Neste
sentido as crianccedilas e jovens submetidos a ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo batista viviam um asseacutedio
religioso cotidiano nas assembleias diaacuterias nas aulas obrigatoacuterias de ensino religioso
conferecircncias anuais e outros que representavam - por causa do lugar de onde falavam - a
ldquoverdaderdquo que deveria ser aceita (CERTEAU 1998 p 201 286) Tal verdade natildeo era imposta
pela forccedila da violecircncia fiacutesica mas sim pelo ldquolivre consentimentordquo que se fazia por meio de
uma ldquodominaccedilatildeo simboacutelicardquo (CHARTIER 2002 pp 170-171) Nisto se daacute o contexto de uma
ldquoconversatildeordquo na escola a propiciaccedilatildeo de uma ldquosociogecircneserdquo estigmatizadora da religiatildeo do
aluno (catoacutelica espiacuterita etc) e sua conduta moral inclusive da proacutepria cultura brasileira para
aceitar a cultura e a religiatildeo do outro como superior a sua (ELIAS SCOTSON 2000 pp 19)
43
Bandeira esta que os batistas sempre levantaram com muito orgulho em sua histoacuteria para defender a separaccedilatildeo
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa Em meu trabalho monograacutefico de Conclusatildeo do Curso de Teologia
(FTBAW) faccedilo uma anaacutelise de artigos publicados nrsquoOJB (abril de 1964) em ldquoapoiordquo ao golpe militar e de
censura aos jovens batistas que se envolviam em movimentos estudantis tais artigos tinham como base
legitimadora o princiacutepio de feacute lsquoseparaccedilatildeo entre Igreja e Estadorsquo Neste foi verificou-se que esta bandeira sempre
se revelou contraditoacuteria pois a mesma tambeacutem foi usada em discursos para legitimar a escravidatildeo no sul dos
Estados Unidos e o apoio do ldquogolpe militarrdquo de 1964 no Brasil (ROCHA 2008)
51
Assim sendo vecirc-se que a ousadia e a agressividade da proposta educacional batista
vis-agrave-vis a evangelizaccedilatildeo indireta presbiteriana e metodista se configura como uma
ldquodiferenciaccedilatildeordquo na anaacutelise dos modelos estudados por Mesquida (1994 p 121) que conclui
ldquoEnquanto as outras denominaccedilotildees privilegiaram a evangelizaccedilatildeo direta sem esquecer a
educaccedilatildeo a Igreja Metodista privilegiou a educaccedilatildeo sem omitir a evangelizaccedilatildeo diretardquo
Conforme o trabalho de Machado e Arauacutejo pois analisou a relaccedilatildeo direta entre conversatildeo e
educaccedilatildeo no Coleacutegio Batista Taylor-Egydio mesmo nas escolas e coleacutegios a proposta batista
se mantinha com a ldquoevangelizaccedilatildeo diretardquo44
Todavia esta consideraccedilatildeo tambeacutem precisa ser
relativizada porque o Reverendo Soren expressou sua insatisfaccedilatildeo em relaccedilatildeo a alguns
professores do Coleacutegio Batista no Rio de Janeiro - onde ele era diretor ndash que natildeo priorizavam
a evangelizaccedilatildeo na sala de aula aleacutem disso ele faz recomendaccedilotildees a outras escolas que
supostamente estivessem agindo da mesma forma
Por outro lado aiacute tambeacutem se encontram educadores que preferem a
pedagogia norte-americana agrave evangelizaccedilatildeo ldquoNatildeo poucas vezes ndash escreve o
pastor Soren ndash temos ouvido falar do Coleacutegio Batista (do Rio) como uma
instituiccedilatildeo onde o interesse religioso pudesse ser secundaacuterio e esta
afirmaccedilatildeo tem sido infelizmente divulgada e propagada prejudicando agraves
vezes o conceito do coleacutegio diante da denominaccedilatildeordquo Sua opiniatildeo eacute
claramente expressa num voto apresentado agrave mesma Convenccedilatildeo de 1948
pela Comissatildeo de Educaccedilatildeo ldquoque os Coleacutegios e escolas batistas pertencentes
direta ou indiretamente a esta Convenccedilatildeo deem ecircnfase ao ensino biacuteblico
tanto em assembleias como em aulas (LEONARDT 1963 p316)rdquo
Portanto eacute possiacutevel uma dos grandes motivos que levou os batistas a um crescimento
maior e mais raacutepido do que as demais denominaccedilotildees tradicionais no iniacutecio do seacuteculo XX
tenha sido a proposta de educaccedilatildeo evangeliacutestica nas escolas - conforme Mendonccedila aponta no
graacutefico em seguida
44
Maria de Lourdes Porfiacuterio Ramos Trindade dos Anjos tambeacutem tem pesquisado sobre a educaccedilatildeo batista em
seu primeiro trabalho ldquoA presenccedila missionaacuteria norte-americana no educandaacuterio americano batistardquo Satildeo
Cristoacutevatildeo UFS 2006 (dissertaccedilatildeo) ndash analisou entre os elementos da cultura da escola um projeto de
alfabetizaccedilatildeo atrelado a evangelizaccedilatildeo no cotidiano da escola
52
MENDONCcedilA 2008 p52
Mendonccedila marca o iniacutecio do crescimento dos batistas no Brasil a partir de 1882
porque foi a primeira igreja batista com a presenccedila de crente brasileiro45
As informaccedilotildees do
graacutefico apontam maior crescimento dos batistas no periacuteodo (1907- 1937) justamente quando
a Junta Missionaacuteria de Richmond intensificou os investimentos nas escolas jaacute existentes e na
abertura de novas escolas e coleacutegios batistas no Brasil Portanto o iniacutecio do crescimento dos
batistas no Brasil estaacute estritamente ligado a ldquoestrateacutegiardquo da educaccedilatildeo como meio de
evangelizaccedilatildeo direta sem perder de vista a qualidade da educaccedilatildeo que os demais coleacutegios
protestantes mantinham em seus projetos missionaacuterios (MACHADO 1999 pp 101 - 116)
Inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto da missatildeo batista em Mato Grosso
Quando em 1947 a missionaacuteria Ana Wollerman chegou dos EUA ao Mato Grosso o
trabalho missionaacuterio batista jaacute existia desde 1911 Este natildeo comeccedilou por meio de um
45
Ex-padre e primeiro pastor batista brasileiro Antocircnio Teixeira de Albuquerque foi ordenado ou consagrado ao
serviccedilo religioso batista no salatildeo da ldquoLoja Maccedilocircnicardquo em Santa Barbara DrsquoOeste em 12071880
53
planejamento estrateacutegico da Junta de Missotildees mas sim como resultado de um processo de
migraccedilatildeo do sudeste e nordeste para o oeste do Brasil
No iniacutecio do seacuteculo XX a criaccedilatildeo da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) intensificou
esta migraccedilatildeo e assim natildeo circulou por esta ferrovia apenas bens de consumo mas tambeacutem
estrateacutegias poliacuteticas forccedilas militares sujeitos e bens culturais (QUEIROZ 2011 pp 99s)
Entre os migrantes que foram para Corumbaacute um grupo de batistas passou a se reunir em 1910
sob a lideranccedila de Joseacute Correa Brasil Este grupo teve uma crise de identidade confessional
pois em determinada ocasiatildeo seu liacuteder Sr Brasil publicou um folheto condenando o uso do
tabaco e o assinou como ldquopastor Joseacute Correa Brasilrdquo A questatildeo do tabaco mais o fato deste
liacuteder ter se apropriado do tiacutetulo sem passar por processos eclesiaacutesticos de consagraccedilatildeo gerou
um grande problema para igreja a ponto das lideranccedilas da igreja terem que prestar depoimento
na justiccedila local e o ldquopastorrdquo precisar desaparecer de Corumbaacute de um dia para o outro
(NOGUEIRA 2003 p 48-52)
Nesta ocasiatildeo um dos membros da Igreja teve acesso a uma ediccedilatildeo drsquoOJB que entre
outras coisas apresentava um artigo do que significava ser batista e suas praacuteticas Foi por meio
do jornal que este grupo entrou em contato com o editor missionaacuterio Entzminger e pediram
uma urgente visita ao grupo em Corumbaacute a fim de prestarem orientaccedilotildees e apoio institucional
em vista do problema que estavam passando e ateacute entatildeo nem existiam nos registros da
Convenccedilatildeo Batista Brasileira (CBB) Assim com a ajuda do missionaacuterio AB Deter enviado
pela Junta de Missotildees Nacionais no dia 20 de agosto de 1911 foi organizada a primeira Igreja
Batista no Mato Grosso (NOGUEIRA 2003 p 49)
A partir de 1911 os batistas passaram a seguir os trilhos do trem (NOB) e organizaram
igrejas nas principais cidades do antigo sul do Mato Grosso Aquidauana (1915) Campo
Grande (1917) Trecircs Lagoas (1925) Miranda (1927) e outras Em uma reuniatildeo da CBB em
Vitoacuteria no ano de 1918 foi deliberado que o ldquocampo missionaacuteriordquo de Mato Grosso ficaria sob
a responsabilidade do ldquocampo paulistanordquo e teria o missionaacuterio norte americano Ernest A
Jackson como responsaacutevel Seu sucessor foi o missionaacuterio Wattie Bethea Sherwood que atuou
de 1922 a 1951 trazendo grandes contribuiccedilotildees para o crescimento e desenvolvimento dos
batistas mato-grossenses
Enquanto Sherwood se dedicava a regiatildeo central do antigo sul do Mato Grosso havia
outro missionaacuterio norte-americano que atendia a regiatildeo fronteiriccedila entre Brasil e Paraguai
este era o missionaacuterio William Clyde Hankins Juntamente com sua esposa Nina Hankins e
54
seus filhos Nona e Bill Hankins trabalhavam nas cidades de Ponta Poratilde Jardim Nioaque e
Amambai Assim sendo quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou ao Mato Grosso a fim
de trazer sua contribuiccedilatildeo para o trabalho missionaacuterio que vinha sendo feito a presenccedila
batista contava-se as seguintes cifras (ALMANAQUE BATISTA 1950 p52-54)
ESTATIacuteSTICA GERAL DAS IGREJAS BATISTAS NO MATO GROSSO (1948)
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Os nuacutemeros mostram que havia pouca expressividade dos batistas no Mato Grosso
mas jaacute sinaliza que pelo menos nos cinco ou dez anos seguintes relativamente dobrariam
estes nuacutemeros pois o processo de desenvolvimento e crescimento de uma igreja batista se daacute
na seguinte loacutegica abre-se um ponto de pregaccedilatildeo em seguida este se transforma em
Congregaccedilatildeo que por fim eacute organizada eclesiasticamente como Igreja independente e
autossustentaacutevel que a partir de entatildeo abriraacute suas proacuteprias frentes missionaacuterias O nuacutemero de
igrejas vis-agrave-vis o nuacutemero de lideranccedilas pastorais era desigual por conta disso dificultava o
crescimento e desenvolvimento das igrejas Assim sendo a vinda da missionaacuteria Ana
Wollerman traria uma grande contribuiccedilatildeo para estas igrejas inclusive diversificando as
estrateacutegias de evangelizaccedilatildeo que no seu caso foi com a criaccedilatildeo de ldquoescolas anexasrdquo e
treinamento de lideranccedilas
Ainda sobre o missionaacuterio Hankins segundo Nogueira (2003) ele tambeacutem natildeo fora
nomeado pela Junta Missionaacuteria de Richmond e certamente estaria aiacute um dos grandes motivos
que levou Ana Wollerman a decidir radicalmente pela vinda ao Brasil a despeito da nomeaccedilatildeo
ou natildeo da Junta Missionaacuteria Por qual razatildeo ele natildeo teria sido nomeado ainda natildeo se sabe
mas fato eacute que por ocasiatildeo de suas feacuterias com a famiacutelia nos EUA Ana Wollerman o convidou
para palestrar em um evento missionaacuterio que ela realizara no seminaacuterio de Fort Wort Laacute eles
conversaram ldquocontei a ele a minha chamada para o Mato Grosso o problema que eu natildeo era
nomeada o meu voto que eu iria sem nomeaccedilatildeo se Deus abrisse as portas e ele ficou
55
animadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 143) A fala de Ana Wollerman natildeo
presta grandes esclarecimentos mas certamente ele teria dito a ela que tambeacutem natildeo fora com
a nomeaccedilatildeo da Junta para o Brasil e assim esta possibilidade de vir sem nomeaccedilatildeo somado a
sua convicccedilatildeo certamente foi fundamental para sua tomada de decisatildeo de vir para o Brasil
Dia 21 de marccedilo de 1947 Ana Wollerman e a famiacutelia do missionaacuterio Hankins
aportaram no Rio de Janeiro embora o missionaacuterio Hankins tenha trazido dos EUA a sua
caminhonete eles natildeo puderem seguir viagem para Ponta Poratilde pois o automoacutevel soacute chegaria
em 01 de abril Apoacutes algumas dificuldades chegaram em Ponta Poratilde-MT e Ana Wollerman
aleacutem de ter sido muito bem recebida por todos da comunidade foi especialmente auxiliada
por Carolina Pelusche esposa de Alfredo Felix Pelushe funcionaacuterio puacuteblico do entatildeo distrito
federal de Ponta Poratilde Em uma entrevista de Nogueira com o Sr Pelusche (2003 p76) este
disse que Ana Wollerman desde o iniacutecio mostrou-se esforccedilada em aprender o portuguecircs e a
cultura brasileira Sempre perguntando sobre tudo experimentando alimentos repetindo
palavras e expressotildees com o miacutenimo de sotaque possiacutevel
Sua motivaccedilatildeo era tal que mesmo tendo sua bagagem roubada pois natildeo pudera trazer
na viagem do Rio para Ponta Poratilde e precisou ser despachada em um trem diferente do que
vieram ainda assim ela relembra a situaccedilatildeo conservando o bom humor
Ana Wollerman (37 anos) assim que
chegou ao Brasil em 1947 Acervo
Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica
Batista Ana Wollerman
56
Depois de alguns dias chegou o caminhatildeo com a bagagem Levei um susto
quando abri aquela mala enorme minha a uacutenica coisa aleacutem das pequenas
malas que vieram comigo em viagem e natildeo vi nada dentro daquela mala
grande a natildeo ser um cobertor usado e dois chapeuzinhos Ningueacutem me
falava que as irmatildes as senhoras o Brasil natildeo usavam chapeacuteus como aqui na
minha terra e nem os ladrotildees queriam aquele cobertor e aqueles chapeacuteus
mas todas as coisas que para mim tiveram valor e tudo que eu levei que seria
de utilidade para minha vida nova tudo foi roubado naquela viagem do Rio
de Janeiro para Ponta Poratilde Assim eu aprendi cedo na minha vida de
missionaacuteria que as coisas natildeo satildeo importantes e nem necessaacuterias para a
gente ter uma vida feliz agradaacutevel e abenccediloada (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p 147)
Apoacutes um tempo ela decidiu intensificar seu aprendizado da liacutengua portuguesa entatildeo
resolveu morar em Campo Grande Laacute em Campo Grande ela teve alguns problemas de
entrosamento com o missionaacuterio Sherwood mas segundo Nogueira ela nunca se manifestou
publicamente contra o missionaacuterio Ainda assim acreditava que poderia ser um ldquoinstrumento
de Deusrdquo para trazer mudanccedilas na comunidade (NOGUEIRA 2003 p79)
Conforme jaacute foi discorrido no capiacutetulo anterior Ana Wollerman natildeo foi bem recebida
pelo missionaacuterio Sherwood talvez por ela ter sido divorciada e ser mulher O missionaacuterio
Sherwood representava outra ala do pensamento batista norte-americano sulista que limitava
ainda mais a participaccedilatildeo da mulher nas atividades da igreja fundamentado em uma leitura
fundamentalista e ldquoatemporalrdquo da Biacuteblia
Como em todas as igrejas do povo de Deus as mulheres devem ficar caladas
nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm permissatildeo para falar Como diz a lei
elas natildeo devem ter cargos de direccedilatildeo Se quiserem saber alguma coisa que
perguntem em casa ao marido Eacute vergonhoso que uma mulher fale nas
reuniotildees da igreja (I Coriacutentios 1433b-35)46
Natildeo permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens elas devem ficar em silecircncio (II Timoacuteteo 2 12)47
Nogueira (2003 p 78) analisou o diaacuterio de Sherwood e verificou que em momento
algum ele menciona sequer o nome de sua esposa em suas viagens missionaacuterias ou atividade
eclesiaacutestica mas apenas com a funccedilatildeo de cuidar dos filhos e da casa
Em Campo Grande as mulheres natildeo tinham muitas oportunidades de expressatildeo na
ordem lituacutergica do culto na Igreja Batista onde o missionaacuterio Sherwood pastoreava pois aleacutem
de sentarem separadas juntamente com as crianccedilas dos homens no templo
Natildeo havia coral porque mulher natildeo podia falar nem cantar em frente dos
homens no santuaacuterio [] noacutes natildeo podiacuteamos orar no santuaacuterio mas na hora
46
Versatildeo Nova Traduccedilatildeo na Linguagem de Hoje - NTLH 47
Idem
57
de oraccedilotildees tivemos que sair e reunir de novo numa salinha laacute nos fundos da
igreja (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Este envolvimento com as mulheres e o simples fato de estar ali como mulher
missionaacuteria independente estrangeira e sem um marido para lhe dizer o que fazer e como
fazer tanto caracterizava um problema para Sherwood quanto servia como ldquosiacutembolordquo de
reflexatildeo e transformaccedilatildeo na comunidade local
Com a saiacuteda do missionaacuterio Sherwood para um periacuteodo de feacuterias nos EUA o pastor
Rafael Gioacuteia Martins assumiu o pastorado da Igreja Batista de Campo Grande e fez questatildeo
de acolher Ana Wollerman na casa pastoral Laacute Ana Wollerman pocircde aprender portuguecircs
com o filho do pastor o jovem Rafael Gioacuteia Martins Juacutenior e em contrapartida ela lhe
ensinava inglecircs (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 147)
Missionaacuterio Sherwood (centro) a esposa Eunice e filhos filhas e netos Acervo TRAPP 2011 p123
58
Contexto histoacuterico-social de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo de Ana Wollerman em Amambai-MS
Seis meses depois Ana Wollerman recebeu uma carta-convite do Pastor Valdir
Vilarinho para ajudaacute-lo na ldquomissatildeordquo ou seja no projeto de evangelizaccedilatildeo em Amambai ateacute
entatildeo chamada de ldquoVila Uniatildeordquo Segundo ela o pastor Valdir natildeo estava tendo boa aceitaccedilatildeo
na Vila por conta disso viu na criaccedilatildeo de uma escola uma oportunidade ldquopara que o trabalho
progredisserdquo
Ele [pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo recebendo muita
aceitaccedilatildeo natildeo havia nada para realmente fundar uma futura igreja e ele
pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para que o trabalho o evangelho
progredisse Eu tambeacutem ao orar senti no meu coraccedilatildeo que laacute era meu lugar e
fiz preparaccedilatildeo para ir Antes de eu estar no Brasil um ano eu estava abrindo
uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p 148)
Quando a missionaacuteria Ana Wollerman chegou agrave cidade de Amambai esta era distrito
de Ponta Poratilde-MT Seu povoamento comeccedilou desde o final do seacuteculo XIX com migrantes do
Rio Grande do Sul que se juntaram aos iacutendios que ali jaacute viviam e imigrantes paraguaios que
tambeacutem trabalhavam na colheita e preparaccedilatildeo da erva mate
O nome ldquoVila Uniatildeordquo popularizado natildeo fora dado por causa do periacuteodo que a cidade
pertencia aos limites do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)48
mas sim porque desde o
iniacutecio da construccedilatildeo do povoado nos idos de 1900 eles sempre se reuniam em suas casas
para tratar dos interesses em comum Assim sendo eles se chamavam de ldquoPatrimocircnio Uniatildeordquo
ou ldquoVila Uniatildeordquo Poreacutem por sugestatildeo dos teacutecnicos do IBGE quando em 1945 estudavam a
demarcaccedilatildeo do entatildeo ldquoterritoacuterio federalrdquo sugeriram que mudasse o nome pois este
apresentava duplo sentido Entatildeo colocado a proposta de mais trecircs nomes ldquoErvanoacutepolisrdquo
ldquoValencioacutepolisrdquo e ldquoAmambairdquo49
foi escolhido o uacuteltimo pois valorizava a cultura indiacutegena
local que era assim chamada em documentos circulares desde 1914 (SOBRINHO 2009 p
120 121)
48
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde foi criado em 13 de setembro de 1943 pelo Decreto-Lei nordm 5 812 do governo
de Vargas Com tal decreto foi criado cinco territoacuterios estrateacutegicos nas fronteiras quais eram Amapaacute Rio
Branco Guaporeacute Ponta Poratilde Iguaccedilu e o arquipeacutelago de Fernando de Noronha a fim de administraacute-los
diretamente Feito o Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde estabeleceu-se que seria formado pelos municiacutepios Ponta
Poratilde (capital) Porto Murtinho Bela Vista Dourados Miranda Nioaque e Maracaju Em 31 de maio de 1944 a
capital foi transferida para Maracaju (Decreto-Lei nordm 6 550) mas posteriormente retornou para Ponta Poratilde Em
18 de setembro de 1946 foi extinto pela Constituiccedilatildeo de 1946 e novamente incorporado no entatildeo Estado de Mato
Grosso (IBGE httpbibliotecaibgegovbrvisualizacaodtbsmatogrossodosulpontaporapdf - Acessado em
15122012 49
ldquoErvanonoacutepolisrdquo (Erva Mate principal atividade econocircmica da regiatildeo) ldquoValencioacutepolisrdquo (homenagem a um dos
fundadores Valecircncio Brum) e Amambai (nome indiacutegena historicamente ligado a um tipo especiacutefico de aacutervore
com folhas longas nas proximidades do rio que tambeacutem foi chamado de Amambai)
59
Organizados em forma de cooperativa (1944) a principal fonte de renda de Amambai
era o cultivo e preparo da erva mate Planta abundante na regiatildeo que foi descoberta por
Thomaz Laranjeira dono da ldquoCompanhia Matte Laranjeirardquo responsaacutevel pela principal
atividade econocircmica do antigo Sul do Mato Grosso Cultivada e beneficiada de forma
rudimentar assim foi mantida por deacutecadas natildeo apenas pelo custo baixo e a facilidade para
encontrar matildeo de obra mas tambeacutem para natildeo alterar o padratildeo de qualidade do produto que
garantia o mercado na Argentina (SOBRINHO 2009 pp 138s)
Quanto ao contexto educacional de Amambai viu-se na fala de Ana Wollerman que o
pastor Valdir a chamou para abrir uma ldquoboa escolardquo isto natildeo significa que no periacutemetro
urbano natildeo existissem escola e sim que natildeo existiam escolas com a forma de graduaccedilatildeo
seriada com espaccedilo proacuteprio conteuacutedos especiacuteficos e fundamentalmente com princiacutepios de
religiosidade protestante
Segundo Almiro Sobrinho desde o iniacutecio do povoado a questatildeo da educaccedilatildeo para as
crianccedilas era um assunto recorrente entre eles E possivelmente jaacute antes de 1915 eles jaacute
criassem ldquoescolasrdquo improvisadas para alfabetizaccedilatildeo e aprendizado de operaccedilotildees matemaacuteticas
Sobrinho chama estas escolas de ldquoescolas domeacutesticasrdquo pois uma vez definido um professor
ou professora as crianccedilas se reuniam em sua casa ou de outro (caso o professor natildeo pudesse)
em volta da mesma mesa para estudar
Quando a pessoa escolhida era convidada normalmente alegava natildeo ter
condiccedilotildees para exercer a funccedilatildeo Entatildeo os pais contra argumentavam
dizendo que se as crianccedilas aprendessem a escrever uma carta ler outra e
fazerem as contas jaacute estava bom (SOBRINHO 2009 p 172)
As despesas com o professor eram divididas entre os pais uns com dinheiro e outros
com mantimentos Depois que Ponta Poratilde se municipalizou (1913) muitas escolas rurais na
regiatildeo passaram a ser municipalizadas e assim algumas crianccedilas amambaenses puderam ser
atendidas Nestes casos o professor passou a ser remunerado pela prefeitura e as famiacutelias
ficavam mais aliviadas (SOBRINHO In LEVANDOWSKI et all p 30)
O testemunho do Sr Almiro Sobrinho eacute muito importante para conhecer e entender
este periacuteodo pois ele fala tanto de reminiscecircncias proacuteprias como de ldquopesquisador leigordquo ndash
memorialista - interessado na histoacuteria de Amambai-MS de forma geral e especificamente na
60
histoacuteria da educaccedilatildeo de Amambai50
Em entrevista ele diz ter comeccedilado sua alfabetizaccedilatildeo
numa destas ldquoescolas domeacutesticasrdquo
[] natildeo existiam um programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E
aquele grupo era do primeiro ano ateacute o quarto ano entatildeo cada ano daquele
tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas particulares que natildeo
tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu sabia
fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras
porque laacute as escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar
as informaccedilotildees que seriam utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam
porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha que saber se ia mandar
carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar por
aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo
vocecirc comprar um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia
pagar Eles ensinavam quando vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo
quantos quilos por preccedilo de tanto Quantos vocecirc ia pagar (SOBRINHO
2012)
Assim sem um programa de ensino especiacutefico contavam com a criatividade do
professor tanto para criaccedilatildeo do programa de ensino quanto para provisatildeo de materiais
escolares pois como era escasso o material o professor acabava tendo que fabricar os
cadernos para os alunos utilizando para tal papeacuteis de embrulho e transformava um laacutepis em
dois afim de que todos tivessem com o que escrever (SOBRINHO 2009 p 172 173
VIEIRA In LEVANDOWSKI et all p 44)
50
Sr Almiro abriu um museu em Amambai do qual ele eacute responsaacutevel Aleacutem de conceder uma entrevista para
esta pesquisa tambeacutem doou dois de seus livros sobre a histoacuteria de Amambai e outro produzido pela Secretaacuteria de
Educaccedilatildeo de Amambai o ultimo produzido a partir de entrevistas com moradores fundadores de Amambai
inclusive com sua participaccedilatildeo Os livros de Almiro Sobrinho caracterizam-se como um rico material de
pesquisa porque aleacutem de representar a memoacuteria social de Amambai estaacute cheio de documentos indexados
inclusive do periacuteodo do Brasil Colocircnia que o autor teve a iniciativa de pesquisar em Cuiabaacute-MT
61
Com a demarcaccedilatildeo do distrito federal de Ponta Poratilde (1943-1946)51
melhorou o acesso
agrave escola na regiatildeo poreacutem na cidade de Amambai natildeo fora criada nenhuma escola e apenas
ficava a ldquoinspetoria do ensinordquo sob a responsabilidade do professor Joatildeo de Paula Bueno
(SOBRINHO 2009 p190) Neste periacuteodo aumentou relativamente o nuacutemero de escolas
rurais nas proximidades de Amambai que eram submetidas agraves poliacuteticas educacionais (Lei
Orgacircnica 1946) e de abrasileiramento da fronteira A fim de cumprir seus objetivos o governo
federal criou as inspetorias de ensino que periodicamente davam curso de aperfeiccediloamento
aos professores inclusive de escolas particulares conforme fontes de Sobrinho nas imagens
abaixo
51
Com a criaccedilatildeo dos distritos federais durante o ldquoEstado Novordquo de Getuacutelio Vargas as fronteiras foram
intensificadas com a presenccedila militar treinamento dos professores construccedilatildeo de mais escolas atos ciacutevicos nas
escolas e especial atenccedilatildeo ao ensino da liacutengua portuguesa Segundo Sobrinho neste tempo muitos natildeo tinham
certeza se Amambai pertencia ao territoacuterio paraguaio ou ao brasileiro e em muitas escolas os alunos eram
ensinados em espanhol Segundo ele tem ateacute supostamente um ldquofatordquo talvez piada de ldquoum professor ensinando
o aluno a soletrar a palavra bola b+o=bo l+a=la Depois de insistir com o aluno e este natildeo acertar a resposta o
professor conclui de forma veemente ldquopelota meninordquo
Caderno preparado agrave matildeo pelo prof Alfredo Serejo ndash Acervo Pessoal da Sra Ilza Serejo In SOBRINHO
2009 p173
62
Somente com a municipalizaccedilatildeo de Amambai (1948) eacute que o primeiro prefeito eleito
Valecircncio Machado de Brum tratou logo de criar a Lei nordm 01 de 24 de junho de 1949 para
criaccedilatildeo de trecircs escolas municipais Em 1950 o ldquoGrupo Escolar de Amambairdquo mais tarde
chamado de ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo comeccedilou a funcionar isto dois anos
depois que Ana Wollerman jaacute tinha iniciado os trabalhos na ldquoEscola Batistardquo (SOBRINHO
2009 p191)
Ainda sobre a ldquoformardquo de ldquoescolas domeacutesticasrdquo verifica-se que esta foi a ldquotaacuteticardquo que
principiou a inserccedilatildeo dos batistas em Amambai antes mesmo que o pastor Valdir e Ana
Wollerman comeccedilassem suas atividades missionaacuterias Em 1942 Evandro Mascarenhas que
era membro da Igreja Batista em Ponta Poratilde mudou-se com sua famiacutelia para Amambai a fim
de trabalhar como gerente na ldquocasa comercialrdquo do Sr Joseacute Pinto Costa Depois de um breve
tempo de trabalho e construccedilatildeo de amizades passou a realizar cultos em sua casa com estes
amigos e outros interessados
Livro de Ouro de autoacutegrafos do curso de aperfeiccediloamento de professores 1945 (agrave esquerda) e Diaacuterio de
Liccedilotildees 1945 (agrave direita) ndash ambos pertenceram ao prof Joatildeo Pantalhatildeo Dorisbure Acervo Almiro Pinto
Sobrinho e Sobrinho (2009 188 189)
63
Destarte os batistas de Ponta Poratilde viram nisto a oportunidade de criar uma igreja
Batista na cidade (Ata 123 dez 1942)52
por conta disto em 1943 a igreja enviou o
ldquoevangelistardquo Dulcino da Silva Matos (pregador leigo) para Amambai para comeccedilar um
ldquoponto de pregaccedilatildeordquo (cultos domeacutesticos) Em 1944 o pastor Valdir passa a residir em
Amambai e possivelmente Evandro jaacute natildeo estivesse laacute pois deixara suas atividades de
comerciante para ser ldquoevangelistardquo na Colocircnia Penzo (hoje municiacutepio de Antocircnio Joatildeo)
proacuteximo de Amambai Poreacutem em 1946 Evandro voltou para Amambai para assumir as
atividades da igreja E neste uacuteltimo retorno ele abriu uma ldquoescola domeacutesticardquo para completar
sua renda O Sr Almiro relatou que foi neste momento que conheceu o evangelista Evandro e
foi seu aluno
O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais
ou menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como
evangelista e aiacute ele atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma
escolinha particular que era pra completar o salaacuterio dele Entatildeo foi aiacute que eu
tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio Carlos filho do
Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos
3 alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este
iniacutecio depois ele foi embora aiacute que veio a D Ana (SOBRINHO 2012 p 1)
Ainda que suas aulas natildeo tivessem fins evangeliacutesticos ldquodiretosrdquo o fato de fazer de sua
casa uma escola durante o dia e agrave noite um espaccedilo de culto poderia servir como ldquotaacuteticardquo
evangeliacutestica Pois ele se ldquoapropriavardquo das amizades do tempo das crianccedilas e das famiacutelias do
espaccedilo simboacutelico-religioso e de sua representaccedilatildeo social de ldquoindiviacuteduo-crenterdquo para assim
passarmanifestar sua mensagem religiosa
A vinda de Evandro para Amambai se deu em virtude do pastor Valdir precisar
assumir a Igreja de Ponta Poratilde jaacute que o missionaacuterio Hankins saiu de feacuterias com sua famiacutelia
para os EUA Possivelmente esta teria sido a oportunidade que Ana Wollerman teve para
fazer contato com o missionaacuterio Hankins para palestrar no evento missionaacuterio que ela
organizou no Soutwestern Teological Baptist Seminary em Fort Worth Texas pois em 1947
quando ele retornou de feacuterias Ana Wollerman veio com ele e sua famiacutelia
Com o retorno do missionaacuterio Hankins para Ponta Poratilde Evandro retornou para a
Colocircnia Penzo e o pastor Valdir para Amambai Por conseguinte foi com o trabalho de
Evandro que o pastor Valdir percebeu que a abertura de uma ldquoboa escolardquo na cidade poderia
auxiliar no desenvolvimento das atividades missionaacuterias em Amambai jaacute que estas tinham
52
Ata da Igreja Batista em Ponta Poratilde tambeacutem consta em SOBRINHO 2005 p 08
64
comeccedilado oficialmente em 1943 com o evangelista Dulcino e ainda natildeo tinha dado grandes
resultados por eles esperados
Quando Ana Wollerman chega a Amambai aceitando o convite do pastor Valdir para
abrir uma escola ela tinha como referecircncia o trabalho que o evangelista Evandro vinha
fazendo Portanto possivelmente agregou os ldquoex-alunosrdquo de Evandro mas tambeacutem trouxe
outros pois a escola funcionava em trecircs periacuteodos manhatilde e tarde crianccedilas e agrave noite os jovens
[] e antes entatildeo de eu estar no Brasil um ano abri a escola batista e tantos
crianccedilas vieram que tinha de dividir a metade veio de manhatilde a outra
metade veio agrave tarde e a noite era a aula para jovens de modo que fiquei bem
ocupada aleacutem das minhas visitas e outras coisas (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Com base no depoimento autobiograacutefico de Ana Wollerman verifica-se que o processo
de inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do seu trabalho em Amambai natildeo exigiu muito tempo Considera-se
isto a partir das seguintes condiccedilotildees por causa do trabalho que jaacute vinha sendo feito pelo
Evandro Mascarenhas Dulcino da Silva Matos e Valdir Vilarinho jaacute discorrido
Outra condiccedilatildeo foi o interesse que as representaccedilotildees da figura da Ana Wollerman
possivelmente despertavam na populaccedilatildeo Pois pelo fato de ela ser ldquouma novidaderdquo na cidade
ela tinha algo que interessava a populaccedilatildeo ou seja muitos queriam sua amizade ldquoseus
saberesrdquo sua cultura etc Ester Fraga Nascimento (2005) introduz sua pesquisa falando do
impacto que os missionaacuterios norte-americanos causavam na populaccedilatildeo da cidade de Wagner
na Bahia Segundo ela o Sr Raimundo Passos dos Santos chamava-os de ldquoanjos de fogo que
desciam do ceacuteurdquo Chamados assim por causa do aviatildeo da Missatildeo presbiteriana norte-
americana por causa da pele branca dos missionaacuterios e seus cabelos dourados
A presenccedila de estrangeiros em cidadezinhas do interior como em Wagner Amambai e
outras natildeo causava apenas estranhamento mas tambeacutem ldquocuriosidadesrdquo principalmente
quando estas satildeo associados a padrotildees de desenvolvimento socioeconocircmico e cultural Poreacutem
este interesse por aquilo que o ldquoestranhordquo pode oferecer nunca eacute um consumo passivo antes
passa por um processo de ldquoapropriaccedilatildeordquo e neste sentido natildeo apenas a Ana Wollerman se
apropriou do povo com sua mensagem religiosa mas tambeacutem foi ldquoapropriadardquo ldquoconsumida
criativamenterdquo53
por agravequeles que dela se aproximavam
Outra condiccedilatildeo que favoreceu sua inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo em Amambai foram as redes de
amizades ldquointerdependentesrdquo que Ana Wollerman foi construindo na cidade Uma das
primeiras e talvez a mais importante delas foi a Dona Senhora Bambil Manvailer conhecida
53
Michel de Certeau
65
como ldquoDona Senhorinhardquo Na eacutepoca a famiacutelia Manvailer jaacute se encontrava entre as principais
famiacutelias fundadoras do municiacutepio uma das principais avenidas da cidade jaacute homenageava o
Sr ldquoPedro Manvailerrdquo Ao falar da importacircncia de Dona Senhorinha a missionaacuteria Ana
Wollerman comenta
Dona Senhorinha era minha companheira na obra posso dizer meu braccedilo
direito porque ela me ajudava em todos os aspectos da minha vida e do meu
ministeacuterio O crescimento do evangelho laacute em Vila Uniatildeo hoje Amambai
deve muito a esta irmatilde porque ela era bem conhecida naquela vilazinha []
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Isto porque Dona Senhorinha ldquoera muito respeitada e conhecida naquela vila Ela era
madrinha a muitas crianccedilas que havia batizadordquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p148) Isto certamente contribuiu para o grande nuacutemero de crianccedilas na escola
Somado a estas condiccedilotildees estava a disposiccedilatildeo de Ana Wollerman em gentilmente
servir a populaccedilatildeo Entre as situaccedilotildees ela fala de uma certamente marcante em sua memoacuteria
inclusive envolvendo a Dona Senhorinha Certa vez o filho mais novo de Dona Senhorinha
manuseava uma arma de fogo e se preparava para viajar quando a arma disparou e acertou
Dona Senhorinha nas costas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) e Ana
Wollerman foi quem ajudou socorrecirc-la Em outra situaccedilatildeo ela fala de ter assumido as despesas
escolares de um rapaz cujo pai natildeo podia continuar pagando seus estudos (Ibidem p 151) E
em entrevista com Sr Almiro o mesmo disse
Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo tivessem
pago por que estava em atraso um motivo qualquer o aluno ser tolhido
qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma
vaca um produto entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um
pouco mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de
fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO
2012 p 3)
Portanto estas condiccedilotildees certamente favoreceram a inserccedilatildeo e aceitaccedilatildeo do trabalho
da missionaacuteria Ana Wollerman De modo que jaacute em 1948 no dia 18 de julho os novos
ldquocrentesrdquo resultado do trabalho da Ana Wollerman mais os que jaacute estavam com o pastor
Valdir organizaram a Igreja Batista em Amambai Este eacute um processo institucional onde uma
congregaccedilatildeo torna-se uma igreja autocircnoma e autossustentaacutevel
Segundo Sobrinho (2005 p 12 13) no mesmo ano a igreja seguiu com um processo
de construccedilatildeo de um novo templo o mesmo foi inaugurado no dia 04 de dezembro de 1949
Por conseguinte a escola passou a ter seu proacuteprio espaccedilo assim como Ana Wollerman e a
66
famiacutelia pastoral Pois logo que ela chegou a Amambai teve que ficar alguns meses morando
na mesma casa do pastor Valdir com sua famiacutelia
[] eu fiquei alguns meses na casa do pastor Valdir e dona Candinha a sua
filha Marlene e um filho dormindo na sala numa rede Naquela eacutepoca natildeo
havia luz eleacutetrica tivemos um poccedilo e uma casinha no fundo da casa que
serviu como banheiro (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Segundo ela a Igreja de Ponta Poratilde havia comprado um terreno grande com duas casas
de madeira uma no fundo abandonada que o pastor usava para suas atividades de marceneiro
e outra tambeacutem de madeira que servia como moradia espaccedilo de culto e escola
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149) Com o tempo o pastor Valdir reformou a
casa do fundo em condiccedilotildees miacutenimas de moradia entatildeo Ana Wollerman passou a morar nesta
casa
A minha casa ficou bem perto e assim sempre as crianccedilas estavam comigo e
eu com eles A casa que era eu disse abandonada ficou reformada pelo
pastor e alguns irmatildeos que ajudavam Assim ele ficou com uma parte para
sua oficina e eu fiquei com duas pecinhas Uma servia de sala de visita de
cozinha e sala de refeiccedilotildees tudo numa soacute pecinha a outra era meu quarto de
dormir Eu comprei uma mesa e quatro cadeiras e mais algumas coisinhas
mas o resto da minha mobilha eu mesma fiz usando caixas de madeira e
usando bastante pano azul para enfeitar fazer cortinas confeccionar um
guarda-roupa com um pau que pastor Valdir pregou na parede Era muito
simples a minha morada mas eu natildeo estava triste porque creio que eu mais
alegre do que muitas senhoras morando em palacetes (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p149)
Diante do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando no Brasil ainda que sem o
apoio da Junta de Richmond em 1950 acontece o inesperado ela passa a ser reconhecida e
aceita por esta Junta missionaacuteria Agora entendida pela Junta Missionaacuteria como ldquoviuacutevardquo ela
foi aceita como missionaacuteria e teve os privileacutegios que todo missionaacuterio nomeado tinha direito
Ela passou a ter um salaacuterio auxiacutelio de aluguel e um veiacuteculo para fazer o trabalho missionaacuterio
Em princiacutepio dirigir seu carro em Amambai causou desconforto em alguns moradores a
ponto de
Ateacute que um senhor mais velho disse Ela natildeo pode dirigir carro eacute contra a lei
do Brasil Mas logo eles acostumaram comigo e com o veiacuteculo eu pude
estender a obra de evangelizaccedilatildeo mais e mais e o carro nunca saiu com uma
lotaccedilatildeo completa de pessoas (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
152)
No que tange ao aluguel visto que ela jaacute tinha uma moradia improvisada pediu a
Junta que mandasse todo o dinheiro referente ao ano para ela poder investir na escola
Quando contei minha situaccedilatildeo eles bondosamente me deram a verba de todo
o ano e com aqueles trezentos e sessenta doacutelares naquela eacutepoca e com a
grande ajuda dos meus irmatildeos e ateacute as minhas irmatildes e trabalhando noacutes
67
podiacuteamos derrubar aquelas duas peccedilas da frente que eram numa situaccedilatildeo
precaacuteria mais velhas e substituir com duas salas duas peccedilas de tijolo e ateacute
com janela com vidro uma coisa nunca vista naquela eacutepoca
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
Com o crescimento da demanda de alunos na Escola Batista Ana Wollerman buscou
ajuda em Campo Grande As moccedilas que a acompanharam foram Maria Mardine e Marluce
Ujacov estas mesmo mostrando disposiccedilatildeo para o treinamento missionaacuterio que passariam
eram muito jovens entatildeo seus pais autorizaram e recomendaram agrave missionaacuteria ldquoDona Ana
noacutes natildeo deixariacuteamos nossas filhas sair assim mas confiamos na senhora e sei que a senhora
vai tomar conta e cuidar bem delasrdquo ( WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 173) Outra
professora que foi fundamental inclusive assumindo a direccedilatildeo da escola com a saiacuteda da Ana
Wollerman foi a missionaacuteria Ester Gomes Ergas Esta era jovem do Rio de Janeiro e ficou
muito impressionada com o trabalho que vinha sendo realizado em Amambai
[] em Amambai encontrei moccedilas que vieram de Campo Grande e
tiacutenhamos muitas atividades na igreja na evangelizaccedilatildeo da cidade nas visitas
a aldeia dos iacutendios lecionando o dia todo na Escola Batista a noite era
alfabetizaccedilatildeo de adultos Laacute encontrei a missionaacuteria Ana Wollerman e fiquei
impressionadiacutessima com aquela missionaacuteria americana que dirigia
caminhoneta tocava acordeom pregava etc etc (ERGAS In NOGUEIRA
2003 p 186)
E assim Ana Wollerman se inseriu na sociedade amambaiense e comeccedilou sua escola
Sua influecircncia deixou marcas que se tornaram elementos fundamentais na memoacuteria social de
sua comunidade afetiva e que datildeo suporte para construir as representaccedilotildees acerca de suas
praacuteticas dentro e fora da escola Eacute com base nestas representaccedilotildees tendo a escola como chave
leitura que no capiacutetulo seguinte discorrer-se-aacute sobre sua trajetoacuteria missionaacuteria em Amambai
68
CAPITULO 3
ORIGENS DO TRABALHO MISSIONAacuteRIO DE ANA WOLLERMAN
INDIacuteCIOS PRAacuteTICAS E REPRESENTACcedilOtildeES
No capiacutetulo anterior discorreu-se sobre a inserccedilatildeo dos batistas no Brasil bem como a
estruturaccedilatildeo de seu projeto educacional com fins missionaacuterios Busquei mostrar que o projeto
educacional batista tinha uma abordagem mais direta de evangelizaccedilatildeo isto comparado aos
demais grupos protestantes que por sua vez tambeacutem natildeo abriam matildeo da evangelizaccedilatildeo
poreacutem no espaccedilo escolar a faziam por uma abordagem indireta Aleacutem disso procurou-se
mostrar a inserccedilatildeo da atividade missionaacuteria batista no antigo sul do Mato Grosso e as
condiccedilotildees que contribuiacuteram para inserccedilatildeo da missionaacuteria Ana Wollerman no contexto
histoacuterico e social de Amambai-MS
No presente capiacutetulo passa-se a mostrar como se deu o iniacutecio da trajetoacuteria missionaacuteria
de Ana Wollerman no Brasil tendo como foco a Escola Batista que foi criada por ela no
municiacutepio de Amambai-MS Neste sentido a escola serviraacute como chave de leitura para o
entendimento de como Ana Wollerman contribuiu para a construccedilatildeo de elementos
estruturantes na cultura da Escola Batista E ainda com base em sua memoacuteria soacutecio afetiva ndash
professoras e alunos ndash busca-se analisar quais representaccedilotildees sobre as praacuteticas de Ana
Wollerman satildeo construiacutedas acerca de sua identidade missionaacuteria
A escola que Ana Wollerman criou
Como vimos entre as condiccedilotildees que favoreceram a inserccedilatildeo de Ana Wollerman em
Amambai encontra-se sua amizade com Dona Senhorinha Manvailer pois esta era muito
influente na comunidade em Amambai jaacute que sua famiacutelia era uma das fundadoras da cidade e
ela tinha amadrinhado o batismo de muitas crianccedilas Esta uacuteltima informaccedilatildeo se torna um
detalhe importante nesta pesquisa uma vez que os ldquopadrinhosrdquo de batismo na tradiccedilatildeo
catoacutelica e no catolicismo popular satildeo pessoas de confianccedila e com frequente circulaccedilatildeo na
famiacutelia O padrinho ou madrinha pode ser algueacutem sem qualquer laccedilo consanguiacuteneo com a
famiacutelia mas ao ser convidado como tal passa ser iacutentimo e muitas vezes investido de uma
significativa autoridade abaixo apenas dos pais
69
Neste sentido jaacute que Dona Senhorinha tinha influecircncia o bastante entre as muitas
famiacutelias podia convencer muitos pais a mandar seus filhos para escola que a missionaacuteria Ana
Wollerman estava abrindo Muitos no comeccedilo poderiam ateacute ter desconfianccedila da mulher
branca e estrangeira em sua cidade mas confiavam na ldquomadrinha de seus filhosrdquo
No entanto a procura pela escola natildeo se deu apenas pela influecircncia de Dona
Senhorinha nem apenas pela ldquonovidaderdquo que Ana Wollerman representava para aquele lugar
mas tambeacutem e fundamentalmente por causa da ldquodemanda socialrdquo do lugar Pois como jaacute foi
visto havia escolas na aacuterea rural e proacuteximas da cidade mas na cidade propriamente natildeo
existia nenhuma escola com espaccedilo proacuteprio e separaccedilatildeo de classes por seacuteries mas apenas o
que temos chamado nesta pesquisa de ldquoescolas domeacutesticasrdquo No iniacutecio da Escola Batista ela
tambeacutem natildeo tinha um ldquoespaccedilo proacutepriordquo nas palavras da Ana Wollerman
Mas as aulas tivemos naquela sala da morada deles antes entatildeo de eu estar
no Brasil um ano abri a escola batista e tantos crianccedilas vieram que tinha de
dividir a metade veio de manhatilde a outra veio agrave tarde e agrave noite era a aula
para os jovens de modo que fiquei bem ocupada aleacutem das minhas visitas e
outras coisas Tive apenas uma ajudadora uma sobrinha da Dona
Senhorinha uma moccedila muito boa (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003
p 149)
O termo a ldquomorada delesrdquo utilizado por Ana Wollerman se refere agrave casa do Pastor
Valdir Vilarinho que aleacutem de moradia servia como espaccedilo de culto e agora tambeacutem de
escola Neste sentido a Escola Batista nasce como escola domeacutestica ldquomistardquo54
mas vai se
estruturando e constituindo classes por seacuteries a medida que eacute constatado os estaacutegios de
desenvolvimento de uns em relaccedilatildeo aos outros Afirma-se isto mesmo com outra fala de Ana
Wollerman sobre o iniacutecio da Escola onde supotildee-se que a escola jaacute tivesse comeccedilado com
divisotildees de seacuteries e com todo o primaacuterio ldquoAntes de eu estar no Brasil um ano eu estava
abrindo uma escola ensinando todo o curso primaacuterio em portuguecircs Soacute Deus podia fazer este
milagre em minha vidardquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148) Segundo o relato
da professora e tambeacutem missionaacuteria Ester Ergas eacute apenas provaacutevel que a escola jaacute tivesse
comeccedilado com todo o primaacuterio formado
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas
provavelmente Ela diz de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela
foi buscar no Paranaacute os alunos que ela havia mandado pra laacute mas escola
primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute tivesse 2ordm 3ordm ano
mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (ERGAS 2012)
54
ldquoMistardquo aqui se refere natildeo apenas porque estudavam juntos meninos e meninas mas por atender crianccedilas em
estaacutegios diferentes de desenvolvimento escolar
70
O ldquocomeccedilar granderdquo aqui estaacute relacionado diretamente a grande procura de alunos que
por necessidade levou a divisotildees em turnos mas natildeo necessariamente de seacuteries O Instituto
Biacuteblico que a Ester Ergas se refere eacute a Instituiccedilatildeo em Dourados-MS que mais tarde viria se
tornar a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman Quanto a escola em Amambai eacute
provaacutevel que tenha comeccedilado com todos os niacuteveis escolares juntos numa mesma ldquoclasserdquo
mas que em menos de um ano jaacute tivesse estruturada em classes e seacuteries conforme o relato de
Ana Wollerman Eacute que ao falar mais de cinquenta anos depois sobre determinado fato e que
tem consciecircncia dos desdobramentos que tal fato tomou sua visatildeo eacute sempre a de conjunto ou
seja da totalidade dos eventos que levaram a estrutura final da Escola Batista Para ter uma
ideia de como era no iniacutecio o espaccedilo uacutenico (escola culto e moradia) veja a fotografia abaixo
Esta imagem aleacutem de ilustrativa abre possibilidades para a reflexatildeo de algumas
questotildees fundamentais que tem relaccedilatildeo com o desenvolvimento do trabalho de Ana
Wollerman no Brasil Levando em consideraccedilatildeo que a imagem eacute documento mas tambeacutem eacute
monumento (LE GOFF 1990 p535 MAUAD 2005 p141) eacute importante entender que
enquanto monumento ela busca ldquoeternizarrdquo ideologias valores representaccedilotildees etc e neste
caso tambeacutem dar ldquorecadosrdquo diretos ou indiretos para seus destinataacuterios
Grupo de alunos e membros da Igreja em frente a casa do Pastor Valdir Vilarinho em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
71
Portanto a imagem acima eacute de uma fotografia posada pois logo se nota pelas crianccedilas
bem vestidas lideranccedilas pastorais no fundo vestidos de terno e gravata em plena luz do dia - o
que talvez natildeo seria uma variaacutevel para eacutepoca se os sujeitos engravatados estivessem num
grande centro urbano ao inveacutes de uma vila no interior do Mato Grosso A foto mistura
personagens da Igreja e alunos e neste sentido acaba passando a impressatildeo que o nuacutemero de
alunos da escola que estaacute nascendo eacute relativamente grande pois se misturam crianccedilas que
ainda natildeo estatildeo em idade escolar (para eacutepoca) certamente filhos de membros da Igreja o que
daacute esta ilusatildeo de grande nuacutemero de alunos Aleacutem disso o objetivo da foto eacute mostrar o
ldquosucessordquo do trabalho que Ana Wollerman vinha realizando jaacute no iniacutecio de sua chegada no
Brasil Pois se a foto fosse para atender os interesses do pastor Valdir o destaque seria dele e
natildeo de Ana Wollerman
Portanto ao levar em consideraccedilatildeo o imaginaacuterio de representaccedilotildees religiosas dos
batistas percebe-se o que Ana Wollerman estaacute comunicando tanto agraves igrejas que estatildeo
sustentando seu trabalho no Brasil como - com sutileza - agrave Junta Missionaacuteria de Richmond
que Deus estaacute sustentando Sua obra (de Deus) missionaacuteria no Brasil mesmo com a natildeo
aprovaccedilatildeo da Junta Se os oacutergatildeos representativos das Igrejas natildeo reconhecem sua ldquovocaccedilatildeordquo e
ldquochamadordquo Deus reconhecia e criava condiccedilotildees para cumpri-los Veja em sua proacuteprias
palavras tais representaccedilotildees
Eu poderia continuar a falar das maravilhas que Deus fez atraveacutes daquela
primeira escolinha e Ele continuou a abenccediloar os nuacutemeros aumentaram
grande na escola e tambeacutem na Igreja e sentimos que precisaacutevamos de algum
lugar proacuteprio para cultos e para escola E assim sem ajuda de uma missatildeo
sem fazer campanhas pedindo contribuiccedilotildees soacute orando e confiando em
Deus noacutes iniciamos a construccedilatildeo de uma casa de madeira simples com duas
peccedilas grandes para escola batista e ao mesmo tempo um templo modesto
mas feito de tijolo para primeira Igreja Batista de Amambai O povo fez
muito sacrifiacutecio comigo noacutes oramos muito e Deus nos abenccediloou (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
55
Conforme o relato acima eacute possiacutevel que a escola jaacute tivesse um espaccedilo proacuteprio em
1949 Veja que a construccedilatildeo das salas de aula e o templo coincidem na mesma eacutepoca Mas eacute
importante destacar que a escola jaacute existia antes da igreja enquanto instituiccedilatildeo
eclesiasticamente organizada e reconhecida como tal pela Convenccedilatildeo Batista Brasileira Ateacute
entatildeo ela funcionava como congregaccedilatildeo filiada e sustentada pela Igreja Batista em Ponta
Poratilde-MS
55
Grifo meu
72
No final de 1947 e iniacutecio de 1948 a missionaacuteria Ana Wollerman comeccedilou as
atividades da escola na casa do Pastor Valdir E em 18 de julho de 1948 foi organizada a
Igreja Batista em Amambai56
e em 04 de dezembro de 1949 conforme Almiro Sobrinho
(2005 p13) foi inaugurado o templo que ela faz referecircncia Logo possivelmente antes disso
a escola jaacute estivesse funcionando no espaccedilo proacuteprio com as duas salas que Ana Wollerman
tambeacutem faz referecircncia no mesmo relato
Em 1950 Ana Wollerman foi recebida como missionaacuteria viuacuteva pela Junta Missionaacuteria
de Richmond e agora como ldquonomeadardquo ela passou a ter direito a salaacuterio um automoacutevel e
auxiacutelio para o aluguel Entatildeo a pedido de Ana Wollerman a Junta Missionaacuteria repassou todo
o valor do aluguel referente ao ano inteiro ndash trezentos e sessenta doacutelares ndash e ela pocircde com este
dinheiro e com a ajuda da Igreja construir mais duas salas de alvenaria e com janelas de vidro
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A proacutexima fotografia mostra superficialmente parte da fachada da Escola Batista ao
lado da Igreja aumentada com a ajuda dos primeiros recursos da Junta norte-americana de
Richmond O nome ldquoEscola Batista Ana Wollermanrdquo conforme mostra a imagem foi uma
homenagem posterior que a Igreja fez a ela
56
Antes era ldquoPrimeira Igreja Batista - PIBrdquo mas depois passou a ser ldquoIgreja Batista Centralrdquo Pois quando ela
foi organizada institucionalmente em Amambai era a uacutenica mas posteriormente a Igreja Batista em ldquoArroio
Coraacuterdquo organizada desde 1945 se mudou para cidade de Amambai Estes venderam a estrutura fiacutesica que tinham
em Arroio Coraacute e construiacuteram em Amambai Por pertencerem a mesma Convenccedilatildeo reivindicaram o tiacutetulo de
ldquoPrimeira Igreja Batistardquo e a outra que tinha sido organizada em 1948 com a ajuda de Ana Wollerman para natildeo
ficar como ldquoSegunda Igreja Batistardquo preferiram o tiacutetulo de ldquoIgreja Batista Centralrdquo
Escola Batista lsquoAna Wollermanrsquo em Amambai (MS) (agrave esquerda) ao lado do Templo lsquoIgreja Batista Centralrsquo Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal de Amambai no documento anexo ao Decreto legislativo 042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde
amambaiense para Ana Wollerman
73
Ana Wollerman e a ldquoCultura Escolarrdquo
Apoacutes discorrer sobre as condiccedilotildees que Ana Wollerman criou e estruturou fisicamente
a escola segue a anaacutelise quanto a clientela que ela atendia na escola e atividades pedagoacutegicas
que criou e que se tornaram elementos estruturantes da ldquocultura escolarrdquo da Escola Batista
Por cultura escolar se entende a partir de Dominique Julia
Para ser breve poder-se-ia a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto
de praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a
incorporaccedilatildeo desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas
sociopoliacuteticas ou simplesmente de socializaccedilatildeo) Normas e praacuteticas natildeo
podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes
que satildeo chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar
dispositivos pedagoacutegicos encarregados de facilitar sua aplicaccedilatildeo a saber os
professores primaacuterios e os demais professores Mas para aleacutem dos limites da
escola pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo modos de
pensar e agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos
que natildeo concebem a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e de habilidades senatildeo por
intermeacutedio de processos formais de escolarizaccedilatildeo aqui se encontra a
escalada de dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso
analisar nova religiatildeo com seus mitos e ritos contra o qual Illich se levantou
com vigor haacute mais de 20 anos Enfim por cultura escolar eacute conveniente
compreender tambeacutem quando eacute possiacutevel as culturas infantis (no sentido
antropoloacutegico do termo) que se desenvolvem nos paacutetios de recreio e o
afastamento que apresentam em relaccedilatildeo agraves culturas familiares (JULIA apud
VIDAL 2005 p24)
Como notado o conceito de cultura escolar na perspectiva de Julia eacute bastante amplo
como ferramenta teoacuterica Sua contribuiccedilatildeo serve tanto para anaacutelise do conjunto de
conhecimento transmito na escola normas de conduta que satildeo internalizadas nos sujeitos e as
culturas infantis mas tambeacutem vai aleacutem dos muros da escola no interior das sociedades com
seus modos de pensar e agir que se daacute no intercacircmbio com os processos formais de
escolarizaccedilatildeo Todavia a escola natildeo eacute objeto de estudo desta pesquisa e sim o iniacutecio da
trajetoacuteria missionaacuteria de Ana Wollerman em Amambai No entanto pelo fato dela ser a
criadora da Escola Batista e por meio dela muitos dos valores norteadores e as praacuteticas
estruturantes da escola buscar-se-aacute conhecer sua trajetoacuteria tendo a constituiccedilatildeo de alguns
elementos da cultura da escola como chave de leitura
A clientela era basicamente rural Mesmo Amambai tendo sido recentemente
municipalizado (1948) mantinha caracteriacutesticas fortemente rurais pois era sustentada
majoritariamente pela agricultura especificamente a agricultura ervateira que contribuiu natildeo
apenas para forccedila econocircmica de Amambai mas tambeacutem para economia de boa parte do antigo
Sul de Mato Grosso
74
Segundo dados do IBGE referente ao censo de 1950 a maioria da populaccedilatildeo do Mato
Grosso era rural pois se contava 122032 urbanos 55798 ldquosuburbanosrdquo e pelo menos
344214 rurais57
Assim sendo muitas crianccedilas que natildeo frequentavam escolas rurais e natildeo
moravam nos municiacutepios e distritos com sedes escolares e que quisessem estudar teriam que
fazer uma jornada dos siacutetios e chaacutecaras ateacute a escola mais proacutexima Entre estes testemunha a
Dona Ameacutelia de Lima ela no entatildeo ldquoGrupo Escolar Coronel Felipe de Brumrdquo em Amambai
(iniacutecio de funcionamento em 1950) e que mais tarde em meados de 1955 trabalhou primeiro
como merendeira da Escola Batista e depois como professora da mesma escola Ela fala das
dificuldades de acesso agrave escola neste periacuteodo
Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas
escolas rurais que agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os
ocircnibus que carregam As crianccedilas moram laacute e frequentam na cidade a escola
Entatildeo meu pai resolveu a gente tinha que vir a peacute e era um pouco longe de
laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso Entatildeo meu
pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar E natildeo sei por
intermeacutedio de quem mas ele falou com o Pr Valdir Vilarinho Naquela
eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao lado bem em frente da
Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz Tinha casa ali Eu vim
pra ali parar com eles ajudar na casa e assim estudar (LIMA 2012)
Mesmo que Dona Ameacutelia tenha dito que ldquonatildeo existiam escolas ruraisrdquo natildeo significa
necessariamente que natildeo havia escolas na regiatildeo pois haacute registros que mostram a presenccedila de
escolas rurais pelo menos jaacute antes de 1938 (SOBRINHO 2009 p176s) O que acontece eacute que
certamente natildeo sabia da existecircncia de escolas rurais porque natildeo havia nenhuma escola nas
proximidades do siacutetio onde ela morava Outrossim sua fala representa os muitos alunos que
se deslocavam a peacute da aacuterea rural para a escola na cidade e mostra que muitos pais
encontravam formas para deixar seus filhos na cidade morando na casa de algum conhecido a
fim de poder dar continuidade aos estudos
Neste sentido corrobora com o relato de Ester Ergas ldquosim moravam na Vila ateacute os
que moravam na chaacutecara tinham que ir morar naquela Vila para estudarrdquo (ERGAS 2012)
Muitos natildeo podiam se manter na cidade talvez por dificuldades financeiras eou outros
motivos O Sr Almiro Sobrinho foi um dos que se mudou da chaacutecara para cidade a fim de
estudar mas depois que terminou o primeiro ano natildeo voltou no ano seguinte
Isso eu comecei em agosto fiquei ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu
completei o primeiro ano bem colocado e tudo mas soacute que no ano seguinte
57
Fonte IBGE
75
eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem dos casos acima referidos uma experiecircncia que marcou a memoacuteria de Ana
Wollerman no final do primeiro ano de atividades da escola em Amambai foi com o aluno
Hudson Otantildeo da Rosa
No final daquele primeiro ano da escola eu queria fazer um grande programa
de encerramento e convidar as autoridades os homens de negoacutecios da
cidade enfim todos aqueles para apresentar o que pode uma escolinha
simples na vida dos seus filhos Os irmatildeos fizeram um palco tivemos
lampiatildeo a querosene para iluminaccedilatildeo Eles usavam algumas taacutebuas
emprestados para fazerem uns bancos e tivemos agrave noite esta grande reuniatildeo
Quase toda cidade assistiu muitos ficando em peacute as crianccedilas se
comportavam com tanto respeito a qualquer direccedilatildeo que eu dei que o povo
ficou admirado Eles apresentaram cacircnticos solos e em grupos cantavam natildeo
somente hinos mas o Hino Nacional e corinhos Muitos falaram poesias com
bastante e bom ecircxito Assim ao fim daquele programa eu tinha um presente
Um dos donos de um mercado grande me deu um caminhatildeozinho era
brinquedo mas uma coisa que nenhuma crianccedila laacute tinha visto ou possuiacutedo
Entatildeo eu tinha prometido este presente para o aluno que fez o maior
progresso as melhores notas e em tudo saiu como o menino merecedor do
precircmio e naquela noite dei o precircmio para o menino Hudson Otantildeo da Rosa
Nunca vi um menino que podia aprender e que teve o desejo de
progredir Falei com o pai dele apoacutes a cerimocircnia e disse ao pai ldquoO senhor
tem um filho muito excelente inteligente Ele aprendeu tudo que eu podia
ensinar neste anordquo Entatildeo o pai respondeu dizendo ldquoSinto muito bem que
ele aprendeu tanto no seu anordquo Eu olhei para ele e disse ldquoQue quer dizer em
seu anordquo Entatildeo o pai me explicou que ele tinha eu creio doze filhos mas
natildeo vou ter toda certeza filha filhas e filhos Entatildeo ele disse ldquoEu prometi a
cada um dos meus filhos que podiam assistir a sua escola por um ano depois
voltariam para ajudar a famiacutelia na chaacutecara e outro filho entatildeo teria o seu
anordquo Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo
tinha salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus
irmatildeos aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para
o Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira
dinheiro dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia
suprir todas as minhas necessidades E assim Ele fez Mas eu ouvi minhas
proacuteprias palavras ao pai do Hudson dizendo ldquoO senhor estaacute pecando contra
esse menino contra Deus contra seu paiacutes ndash o Brasil - se tirar este menino da
minha escola porque ele pode ser um grande homem de Deus um grande
brasileiro que faz muitos benefiacutecios aos seus colegas as suas famiacutelias ao seu
povordquo Entatildeo eu disse ldquoSe o senhor permitir que ele permaneccedila eu mesma
me responsabilizo por todas as suas despesas para ele continuar os seus
estudosrdquo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150 151)58
O relato de Ana Wollerman aleacutem de corroborar com a memoacuteria social dos demais
colaboradores acima - no que se refere as dificuldades de acesso agrave escola - mostra possiacuteveis
motivos de grande evasatildeo escolar neste periacuteodo Mas tambeacutem daacute novos elementos para pensar
58
Os muitos elementos deste relato seratildeo trabalhados cada um a seu momento na narraccedilatildeo escrituraacuteria desta
pesquisa
76
a ldquocultura escolarrdquo que a missionaacuteria Ana Wollerman estava construindo no imaginaacuterio de
representaccedilatildeo dos sujeitos implicados no projeto da Escola Batista A atividade de
encerramento do ano letivo natildeo se configurava apenas como ldquocomemoraccedilotildeesrdquo mas como
atividade pedagoacutegica inclusive com envolvimento da Igreja e participaccedilatildeo da sociedade de
forma geral Esta atividade levou a mobilizaccedilotildees da sociedade para criaccedilatildeo de uma
infraestrutura minimamente adequada para o evento com preparaccedilatildeo de palco iluminaccedilatildeo e
assentos para acomodar a populaccedilatildeo Assim os alunos participavam com exposiccedilotildees de
trabalhos apresentaccedilotildees de solos musicais religiosos e tambeacutem apresentaccedilotildees musicais em
conjunto e recitaccedilotildees poeacuteticas Nesta ocasiatildeo os alunos que mais se destacavam durante o
periacuteodo escolar eram premiados publicamente Aleacutem disso toda esta atividade era feita a
partir de uma apresentaccedilatildeo oficial do Hino Nacional Brasileiro59
As atividades de fechamento do ano escolar natildeo se encerraram com o primeiro ano da
escola mas passaram a ser elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista Pois o
Sr Almiro Sobrinho ao falar sobre um periacuteodo mais tardio da escola relata sobre um evento
anual e outro mensal e deixa em sua fala alguns indiacutecios novos para pensar
Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que era o fechamento
do ano A gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia
desenho a matildeo livre fazia desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico
por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc projetar uma casa vocecirc tinha
que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas tudo calculado
E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da
escola60
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles
trabalhos eram colocados na mesa com o nome do aluno e convidava os
pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela mostra que hoje eacute
considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute [] Todo mecircs era feito
prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja
convidava os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se
destacaram uns na redaccedilatildeo outros na matemaacutetica eles procuravam
distribuir natildeo centralizar num soacute (SOBRINHO 2012)
O Sr Almiro fala natildeo apenas como ldquopesquisadorrdquo memorialista da histoacuteria da
educaccedilatildeo de Amambai mas tambeacutem como membro da Igreja Batista Central onde todas as
decisotildees sobre a escola e suas atividades passavam pelas assembleias da Igreja61
Em sua fala
aleacutem de mostrar o quanto a atividade de encerramento do ano escolar estruturava a cultura da
escola pois ainda que numa ediccedilatildeo menor tambeacutem passou a ser mensal no calendaacuterio escolar
Outro aspecto que pode ser percebido em sua fala eacute que as exposiccedilotildees e premiaccedilotildees para os
59
Quanto agrave inserccedilatildeo de atividades ciacutevicas na cultura da Escola Batista seraacute discorrido mais adiante 60
Infelizmente toda documentaccedilatildeo oficial da escola foi extraviada com sua extinccedilatildeo pois muitos destes
documentos foram passados de matildeo em matildeo de egressos da escola buscando convalidar seus diplomas Por isso
natildeo foi encontrado nenhum documento que pudesse servir como fonte para cotejar estes relatos 61
Infelizmente o ldquoLivro Ata 01rdquo da Igreja onde poderia conter muitas informaccedilotildees sobre a escola foi extraviado
77
alunos destacados eram ldquocontroladasrdquo para natildeo centralizar as atenccedilotildees e elogios em apenas
alguns alunos Isto pode indicar uma preocupaccedilatildeo por parte da escola de incentivar o maior
nuacutemero de alunos possiacutevel mas tambeacutem indica possiacuteveis intervenccedilotildees de resultados a fim de
prestar contas com os pais sobre o desenvolvimento de seus filhos e tambeacutem manter
satisfaccedilatildeo pelo serviccedilo prestado pela escola
Outro documento que tambeacutem mostra o quanto esta atividade se tornou um elemento
estruturante na cultura da escola estaacute no requerimento 712003 anexo ao Decreto Legislativo
nordm042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense a Ana Wollerman Nele consta uma carta com
assinaturas e doaccedilotildees em dinheiro agrave Escola Batista para ajudar nas ldquofestividadesrdquo de
fechamento do ano de 1951
Os abaixo assinados reconhecidos agrave Exma Sra Diretora da Escola Batista
nesta cidade e agradecimento pelo esforccedilo dispensado em prol da instruccedilatildeo
da nossa infacircncia que ministra com carinho e dedicaccedilatildeo Unem-se
voluntariamente para quotizando-se entre si minorarem as grandes
despesas que o mesmo educandaacuterio estaacute realizando como o faz todos os anos
ao fim do curso letivo
Este gesto dos signataacuterios outra coisa natildeo traduz a natildeo ser o simples desejo
de retribuir na medida do possiacutevel para amenizar as grandes despesas com
que anualmente encerra os festejos escolares o aludido estabelecimento de
ensino
Aqui fica dos subscritos uma prova de reconhecimento e gratidatildeo
impereciacuteveis rogando ao Todo Poderoso que guarde a sua diretora por
muito e que nos proteja (REQUERIMENTO Nordm 712003)
Esta carta aleacutem de cotejar com os relatos anteriores sobre as atividades anuais
realizadas pela escola tambeacutem mostra a aceitaccedilatildeo por parte da sociedade amambaiense ao
trabalho que Ana Wollerman vinha realizando Infelizmente natildeo foi possiacutevel conhecer os
remetentes da carta mas tudo indica que eacute uma carta livre ou seja natildeo era necessariamente
representada por alguma instituiccedilatildeo especiacutefica mas que talvez tenha sido de iniciativa de
algueacutem da Igreja Batista pois a linguagem da carta guarda carateriacutesticas especiacuteficas ainda
que natildeo exclusivas de grupos protestantes Esta carta todavia demonstra uma sociedade que
se sentia responsaacutevel pela escola e ao mesmo tempo participante de sua ldquocultura escolarrdquo E
neste sentido pode-se entender Faria Filho quando diz
O reconhecimento do fato de que a escola eacute tanto produtora quanto produto
da sociedade como um todo O que importa estudar em uacuteltima instacircncia eacute
como este fenocircmeno se daacute em suas muacuteltiplas facetas em tempos e espaccedilos
determinados (FARIA FILHO 2008 p81)
A importacircncia desta atividade pedagoacutegica tambeacutem tem a ver com o que Chapoulie e
Briand (1994 p20s) entendem por ldquooferta de vagasrdquo Esta noccedilatildeo na verdade precisaria ser
78
analisada dentro de uma perspectiva a longo prazo mas grosso modo tem a ver com a
relaccedilatildeo entre escola e clientela dentro da loacutegica de concorrecircncia entre instituiccedilotildees escolares
para ganhar a clientela com alguma proposta diferenciadora e ao mesmo tempo caracterizar
que tipo de clientela a instituiccedilatildeo escolar espera Neste sentido as atividades natildeo apenas se
configuravam como taacutetica de comunicaccedilatildeo da mensagem religiosa da qual seraacute abordado
mais adiante mas tambeacutem como taacutetica de incentivar ao retorno dos alunos que jaacute a partir de
1949 tambeacutem satildeo assediados por outras instituiccedilotildees de ensino Como visto na experiecircncia do
Sr Almiro Sobrinho e de Hudson Rosa (o uacuteltimo com desdobramento diferente) muitos por
diferentes motivos natildeo retornavam agrave escola Assim para manter sua clientela todo final de
ano possivelmente no encerramento das atividades a escola celebrava o desempenho dos
participantes e os presenteava para voltar no ano seguinte
Eles davam o caderno No final do ano vocecirc ganhava uma sacolinha
normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a serie que vocecirc
terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as
meninas Eles davam o material no final do ano que era um incentivo para
aluno voltar depois (SOBRINHO 2012)
Ainda a partir de apontamentos de Faria Filho em que a cultura escolar eacute produto de
intercacircmbio entre escola e sociedade e de Chapoulie e Briand que analisam os processos de
escolarizaccedilatildeo com base nas consequecircncias entre ldquodomiacutenio poliacuteticordquo e ldquoinstituiccedilatildeo escolarrdquo
Sendo que neste caso o primeiro natildeo se reduz a poliacuteticas de governos mas tambeacutem aos
diversos ldquoatores que podem intervir no processo de criaccedilatildeo e de transformaccedilatildeo institucionalrdquo
quais sejam famiacutelias instituiccedilotildees ou sujeitos religiosos movimentos sociais etc
(CHAPOULIE BRIAND 1994 pp 26s) Com base nisso verifica-se outro elemento
estruturante da cultura da escola da qual envolve diretamente Ana Wollerman e grupos de
poder na configuraccedilatildeo de Amambai na eacutepoca qual seja a ldquoritualiacutestica ciacutevicardquo No entanto
talvez esta somente tenha se tornado tatildeo importante para escola devido agrave tensatildeo e o
estranhamento cultural que a precederam na trajetoacuteria de Ana Wollerman Em suas palavras
assim ela relembra a experiecircncia
Na escola eu pensei que seria interessante ensinar as crianccedilas a cantar um
corinho em inglecircs e assim eu ensinei um corinho sobre um fazendeiro que
tinha vaacuterios animais e assim as crianccedilas podiam no corinho imitar as vozes
dos animais Eles adoraram e cantaram em casa na rua na escola Mas
surgiu um problema com isto eu natildeo estava ensinando e cantando o Hino
Nacional Brasileiro cada manhatilde ao abrir a escola por duas razotildees eu natildeo
sabia que era costume e ateacute obrigada quem sabe a fazer isto e a segunda
razatildeo o Hino Nacional Brasileiro era muito difiacutecil para mim naquela eacutepoca
da minha estada laacute Mas um senhor foi as autoridades para me chamar que
para eles tomarem alguma providecircncia com aquela americana mas tudo
79
ficou bem calmo quando eu fui chamada Fui laacute contei o corinho o que que
era e que eu prometi aprender o Hino Nacional e eu aprendi e cantei mal e
mal Mas eacute um Hino muito bonito e eu gosto muito do Hino brasileiro
nacional (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)62
Por causa de uma atividade ldquoinocenterdquo e bem intencionada foi parar no gabinete das
autoridades da cidade para prestar esclarecimentos Eacute plausiacutevel pensarmos que Ana
Wollerman natildeo possuiacutea ainda domiacutenio da liacutengua portuguesa considerando que soacute estava no
Brasil havia um ano Logo seu repertoacuterio musical infantil devia ser consideravelmente
limitado natildeo caracterizando desse modo uma intenccedilatildeo velada de sobrepor o ensino da liacutengua
inglesa ao da liacutengua portuguesa
Neste relato eacute possiacutevel perceber os efeitos da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
empreendido por Gustavo Capanema entatildeo Ministro da Educaccedilatildeo no receacutem-deposto ldquoEstado
Novordquo (1937-1945) Nesta eacutepoca tanto Amambai que ateacute entatildeo era distrito de Ponta Poratilde
quanto as demais cidades fronteiriccedilas proacuteximas de Ponta Poratilde tinham receacutem deixado de ser
ldquoTerritoacuterio Federalrdquo (1943-1946) atraveacutes do Decreto 58121943 da Presidecircncia da
Repuacuteblica A poliacutetica de nacionalizaccedilatildeo do ensino com suas Leis Orgacircnicas aleacutem das
pretensotildees modernistas centralizadoras nacionalistas e instrumentalmente autoritaacuterias
buscavam no primaacuterio formar um ldquosentimento patrioacuteticordquo e no secundaacuterio uma ldquoconsciecircncia
patrioacuteticardquo (HILSDORF 2003 p 100) Logicamente que natildeo foi uma preocupaccedilatildeo apenas no
Territoacuterio Federal de Ponta Poratilde mas em todo o Brasil do ldquoEstado Novordquo Poreacutem as regiotildees
fronteiriccedilas que o presidente separou por ocasiatildeo da Segunda Guerra Mundial e as da Regiatildeo
do Sul do Brasil por causa da forccedila das colocircnias de imigrantes tinham especial atenccedilatildeo do
Gabinete da Presidecircncia da Repuacuteblica no que tange a reafirmaccedilatildeo de limites territoriais
poliacuteticos e fundamentalmente culturais com seu processo de abrasileiramento (SANTOS
MULLER 2009)
Destarte quando Ana Wollerman vivenciou esse problema a II Sede da Inspetoria de
Ensino do municiacutepio de Ponta Poratilde natildeo atuava mais no espaccedilo urbano de Amambai mas
apenas coordenava as escolas rurais cuja responsabilidade era do professor Joatildeo de Paula
Bueno Teria sido este o delator de Ana Wollerman Ou a quem Ana Wollerman teve que
prestar esclarecimentos por supostamente ensinar inglecircs numa fronteira Esta que era tatildeo
fluiacuteda e mais se falava espanhol e guarani do que portuguecircs O que eacute ldquofatordquo pelo menos eacute que
62 Grifo meu
80
todo este estranhamento envolvendo a muacutesica em inglecircs e o Hino Nacional tem a ver com os
resultados da poliacutetica nacionalista de Getuacutelio Vargas
Depois deste episoacutedio haacute indiacutecios que o ritual ciacutevico do Hino Nacional no espaccedilo da
Escola Batista tenha ganho uma importacircncia diaacuteria nas praacuteticas da escola Note-se que Ana
Wollerman fala de ensinar e cantar o Hino Nacional ldquoa cada manhatilde ao abrir a escolardquo Dona
Ameacutelia ao falar das atividades da escola no Templo da Igreja diz ldquoera assim a gente
preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional
Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012) Jaacute o relato do Sr Almiro
fala de outra atividade ciacutevica que fornece elementos novos
E tambeacutem tinha a parte ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da
semana eram colocados os alunos tudo em fila em frente da escola era
hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino agrave bandeira
e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa
parte ciacutevica tambeacutem bem colocada (SOBRINHO 2012)
Ao dizer que ldquonatildeo era todo diardquo natildeo estaacute necessariamente contradizendo Ana
Wollerman e Dona Ameacutelia mas sim declarando a existecircncia de outra atividade ciacutevica que era
realizada ao menos uma vez na semana na escola a saber a colocaccedilatildeo das crianccedilas em
posiccedilatildeo de ldquoordemrdquo em frente agrave escola expostas para os transeuntes do centro de Amambai E
assim dando ldquotestemunhordquo agrave sociedade da importacircncia da escola para formaccedilatildeo da nova
geraccedilatildeo de ldquocidadatildeos patriotasrdquo amambaienses Tambeacutem prestando contas a esta sociedade de
suas responsabilidades ciacutevicas e ao mesmo tempo ldquofechando possiacuteveis brechasrdquo que
pudessem atrapalhar a aceitaccedilatildeo e aproximaccedilatildeo da Escola Batista e da Igreja Batista pela
populaccedilatildeo a qual pretendiam evangelizar
81
E ainda outro elemento da cultura escolar que natildeo apenas era estruturante nas
atividades da escola mas tambeacutem elemento fundante da escola eacute a evangelizaccedilatildeo Esta eacute para
os batistas a ldquomissatildeordquo contiacutenua de todos os crentes
A missatildeo primordial do povo de Deus eacute a evangelizaccedilatildeo do mundo visando
agrave reconciliaccedilatildeo do homem com Deus Eacute dever de todo disciacutepulo de Jesus
Cristo e de todas as igrejas proclamar pelo exemplo e pelas palavras a
realidade do Evangelho procurando fazer novos disciacutepulos de Jesus Cristo
em todas as naccedilotildees cabendo agraves igrejas batizaacute-los a observar todas as
coisas que Jesus ordenou A responsabilidade da evangelizaccedilatildeo estende-se
ateacute aos confins da terra e por isso as igrejas devem promover a obra de
missotildees rogando sempre ao Senhor que envie obreiros para a sua seara
(DECLARACcedilAtildeO DOUTRINAacuteRIA CBB p11)63
Este sentimento de responsabilidade missionaacuteria eacute recebido pela memoacuteria religiosa da
tradiccedilatildeo dos reformadores (Lutero Zuinglio e Calvino) mas por sua vez busca legitimaccedilatildeo
numa memoacuteria miacutetica originaacuteria que eacute a memoacuteria dos apoacutestolos e do cristianismo antigo
(primitivo) registrado no Novo Testamento E assim configura aquilo que Hobsbawm e
Terence entendem por ldquoInvenccedilatildeo da Tradiccedilatildeordquo (1997) Veja os elementos de dependecircncia
63
Grifo meu
Participaccedilatildeo da Escola Batista no desfile de 7 de Setembro de 1960 em Amambai (MS) Acervo
Arquivo da Cacircmara Municipal do municiacutepio de Amambai no Documento anexo ao Decreto Legislativo
042003 que daacute tiacutetulo de cidadatilde amambaiense para Ana Wollerman
82
entre a Declaraccedilatildeo Doutrinaacuteria dos Batistas - documento acima citado - e alguns textos
biacuteblicos que falam do comissionamento missionaacuterio
Ide portanto fazei disciacutepulos de todas as naccedilotildees batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espiacuterito Santo Ensinando-os a guardar todas as
coisas que vos tenho ordenado (Mat 28 19 20a)
Mas recebereis poder ao descer sobre voacutes o Espiacuterito Santo e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusaleacutem como em toda a Judeacuteia e Samaria e ateacute aos
confins da terra (At 18)64
Eacute com base nesta ldquotradiccedilatildeo inventadardquo que Ana Wollerman constroacutei tanto sua praacutetica
missionaacuteria como tambeacutem a ldquoreinvenccedilatildeordquo de suas memoacuterias ao falar de seu trabalho
missionaacuterio no Brasil Numa de suas falas jaacute parcialmente citada neste trabalho ela se
apropria da memoacuteria biacuteblica para falar dos resultados de seu trabalho em Amambai
Assim durante aquele primeiro ano Deus acrescentou ao nuacutemero dos
salvos dos batistas grandemente e assim podiacuteamos ter o primeiro batismo laacute
no coacuterrego Panduiacute (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Compare os vocaacutebulos grifados com
Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo Enquanto isso
acrescentava-lhes o Senhor dia a dia os que iam sendo salvos
(At 247)
E ao falar do momento em que ela pediu ao pai de Hudson Otantildeo para que o mesmo
continuasse os estudos mas agora sustentado por ela Ana Wollerman diz
Naquela eacutepoca eu tambeacutem natildeo tinha dinheiro certo todo o mecircs Natildeo tinha
salaacuterio vivia soacute de ofertas que Deus colocava nos coraccedilotildees dos meus irmatildeos
aqui na minha terra porque eu fiz um voto a Deus quando eu fui para o
Brasil que nunca escreveria uma carta ou pediria por outra maneira dinheiro
dos meus irmatildeos norte-americanos mas que orarei a Deus e Ele ia suprir
todas as minhas necessidades (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p
151)
Compare os vocaacutebulos grifados com
E o meu Deus segundo a sua riqueza em gloacuteria haacute de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades (Fl 419)
Com base nesta memoacuteria biacuteblica traditiva em sua experiecircncia missionaacuteria verifica-se
que a principal finalidade de Ana Wollerman eacute a evangelizaccedilatildeo isto tanto dentro quanto fora
da escola Como a escola eacute um dos ldquomeiosrdquo estrateacutegicos de realizar a missatildeo entatildeo Ana
Wollerman suas cooperadoras (professoras) e a Igreja faratildeo de toda ocasiatildeo possiacutevel uma
oportunidade de evangelizaccedilatildeo direta e indireta
64
Grifo meu
83
Quando discorrido sobre os demais elementos da cultura escolar notou-se na maioria
das partes dos relatos (jaacute citados) tanto de Ana Wollerman quanto das demais professoras e
alunos que haacute alguns elementos recorrentes como ldquocultordquo ldquohinosrdquo ldquodevocionalrdquo e outros
ldquoapresentavam cacircnticos solos e em grupo cantavam natildeo apenas hinosrdquo
(WOLLERMAN 2003)
ldquoeste encerramento era um culto de manhatilde na Igrejardquo (SOBRINHO
2012)
ldquoningueacutem ia para as classes sem fazer a devocionalrdquo (LIMA 2012)
ldquoali tiacutenhamos que todos crianccedilas e professoras iacuteamos para o templo e
laacute cada dia uma professora ensinava alguma histoacuteria biacuteblica isto era
infaliacutevel todos os diasrdquo (ERGAS 2012)
Tais elementos natildeo satildeo secundaacuterios e como satildeo recorrentes nos relatos demonstra seu
lugar de importacircncia nas atividades da escola Todavia as atividades lituacutergicas nos cultos
protestantes65
sempre encerram com uma preacutedica ocasional ou seja uma exposiccedilatildeo das
Escrituras que leve em consideraccedilatildeo os propoacutesitos ocasionais66
E nos casos acima os
propoacutesitos satildeo evangeliacutesticos O secundaacuterio aqui mas natildeo sem importacircncia eacute a escola e suas
praacuteticas pedagoacutegicas Neste caso o que eacute prioritaacuterio eacute a oportunidade de ldquoevangelizarrdquo atraveacutes
das atividades escolares Isto natildeo diminui a importacircncia da educaccedilatildeo mas apenas a coloca em
segundo plano pois como jaacute foi discorrido para os batistas a educaccedilatildeo eacute umldquomeiordquo e nunca
um fim em si mesma ndash meio estrateacutegico de evangelizaccedilatildeo e meio ideoloacutegico de construir
valores eacuteticos morais e religiosos
As escolas cristatildes devem conservar a feacute e a razatildeo no equiliacutebrio proacuteprio Isto
significa que natildeo ficaratildeo satisfeitas senatildeo com os padrotildees acadecircmicos
elevados Ao mesmo tempo devem proporcionar um tipo distinto de
educaccedilatildeo ndash a educaccedilatildeo infundida pelo espiacuterito cristatildeo com a perspectiva
cristatilde e dedicada aos valores cristatildeos [] A educaccedilatildeo cristatilde emerge da
relaccedilatildeo da feacute e da razatildeo e exige excelecircncia e liberdade acadecircmicas que satildeo
tanto reais quanto responsaacuteveis (PRINCIacutePIOS BATISTAS CBB p09)
Assim sendo diferente dos demais elementos da cultura da escola instituiacutedos por Ana
Wollerman natildeo haacute um momento em que a evangelizaccedilatildeo natildeo estivesse presente pois ela jaacute
comeccedila no propoacutesito de criaccedilatildeo da escola A intenccedilatildeo de criar uma escola em Amambai se
deu mediante o convite do Pastor Valdir Vilarinho de auxiliar no desenvolvimento da
evangelizaccedilatildeo na cidade
65
Protestantismo histoacuterico Batistas Metodistas Presbiterianos Luteranos e Congregacionais 66
Para conhecer sobre a importacircncia da preacutedica no culto protestante e modelo de culto consultar DOLGHIE
Jacqueline Ziroldo Uma anaacutelise socioloacutegica do culto protestante percursos e tendecircncias In LEONEL Joatildeo
(org) Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro 2ordf Ed Satildeo Paulo Fonte Editorial Ediccedilotildees
Paulinas 2010
84
Ele [Pastor Valdir Vilarinho] estava laacute haacute poucos meses enviado pela igreja
de Ponta Poratilde para abrir um novo trabalho Mas ele natildeo estaacute recebendo
muita aceitaccedilatildeo Natildeo havia nada para realmente fundar uma futura Igreja E
ele pensou que se tivesse uma escola porque natildeo havia naquele lugar uma
escola boa que quem sabe ia ser a porta para o trabalho o evangelho
progredisse (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 148)
Assim para otimizar seu trabalho e alcanccedilar seus objetivos evangeliacutesticos ela criou
uma sistemaacutetica diaacuteria que se tornou elemento estruturante da cultura da escola
Todos os dias eu abri a Palavra de Deus e ensinei a respeito de Jesus
contando as histoacuterias biacuteblicas e tive algumas figuras na flanela para eles
tambeacutem prestarem bem atenccedilatildeo e assim as crianccedilas foram conhecendo o
evangelho e vi logo que era assim porque Deus me levou agravequele lugar
porque muitas vidas foram transformadas e eu mais tarde vou contar de
algumas daquelas crianccedilas o que conseguiram ser e fazer por causa daquela
escolinha (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 149)
Boa parte das crianccedilas da escola comeccedilavam tarde os estudos entre nove e quatorze
anos pois com a dificuldade de acesso agrave escola muitos comeccedilavam os estudos tarde
Portanto muitas destas ldquocrianccedilasrdquo que Ana Wollerman fala jaacute eram juniores ou preacute-
adolescentes que apoacutes se converterem tornavam-se seus ldquocooperadoresrdquo no trabalho
missionaacuterio e muitos deles ela ajudava na continuidade dos estudos ndash assunto que seraacute
discorrido mais a frente ndash daiacute o significado das seguintes falas ldquovidas transformadasrdquo e
ldquoconseguiram ser e fazer por causa da escolinhardquo
85
Com a construccedilatildeo do templo ao lado da escola a dinacircmica das atividades
evangeliacutesticas ficou ainda mais intensa Natildeo havia divisoacuterias entre o espaccedilo de acesso ao
templo e a escola Por um lado delimitou os espaccedilos da escola e da igreja e por outro lado o
templo passou ter importacircncia simboacutelica na construccedilatildeo da subjetividade das crianccedilas acerca
de ldquoespaccedilo sagradordquo ldquoordemrdquo e ldquoreverecircnciardquo ndash elementos fundamentais para interiorizaccedilatildeo da
mensagem religiosa Dona Ameacutelia descreve esta rotina de evangelizaccedilatildeo nos seguintes
termos
Colaboradora Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no
Templo e cantava o Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as
classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria
na flanela Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a
histoacuteria Por exemplo da Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e
contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se corinhos67
cantava-se
67
A diferenciaccedilatildeo entre ldquocorinhordquo e ldquohinosrdquo eacute que o segundo eacute do hinaacuterio oficial dos batistas jaacute o primeiro eram
cacircnticos evangeacutelicos populares de domiacutenio de todos os grupos protestantes
Foto posada para relatoacuterios Devocional diaacuterio quando ainda natildeo tinha o Templo em Amambai
(MS) Acervo Biblioteca da Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
86
hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens Por
exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho
que ningueacutem usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a
muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316 ldquoporque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava aprendia a cantar
Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe (LIMA 2012)
Com base neste relato a programaccedilatildeo era toda voltada para evangelizaccedilatildeo do corinho
hino ldquohistoacuteriardquo biacuteblica ateacute a memorizaccedilatildeo do versiacuteculo todos tinham implicaccedilotildees
estrateacutegicas O hino ldquovinde meninos vinde a Jesusrdquo nordm 525 do hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo natildeo eacute
apenas um exemplo mas eacute bem possiacutevel que tivesse sido usado na evangelizaccedilatildeo
Vinde meninos vinde a Jesus Ele ganhou-vos becircnccedilatildeos na cruz Os
pequeninos ele Conduz Oh Vinde ao salvador
Coro Que alegria sem pecado ou mal Reunidos todos ao final Juntos na
paacutetria celestial Perto do Salvador
Jaacute sem demora a todos conveacutem Ir caminhando a Gloacuteria de aleacutem Cristo vos
chama quer vosso bem Oh Vinde ao Salvador
Que ama os meninos Cristo vos diz Ele quer dar vos vida feliz Para habitar
no lindo paiacutes Oh vinde ao Salvador
Eis a chamada ldquoVinde hoje a mimrdquo Outro natildeo que vos ame assim Seu eacute o
amor nunca tem Oh vinde ao Salvador (CANTOR CRISTAtildeO nordm 525)68
Aliaacutes a maioria dos hinos para crianccedilas no hinaacuterio (522-543) satildeo de teor
evangeliacutestico pois para os batistas mesmo uma crianccedila que cresce numa famiacutelia de crentes
batistas precisa passar pela ldquoexperiecircncia religiosa de conversatildeordquo que se caracteriza pela livre
consciecircncia de pecado confissatildeo e decisatildeo ldquoespontacircneardquo de fazer parte do grupo mediante
profissatildeo puacuteblica de feacute e batismo (LOVE 1950 p77ss)69
Aleacutem da educaccedilatildeo evangeliacutestica voltada para crianccedilas e adolescentes Ana Wollerman
tambeacutem abriu uma classe agrave noite para jovens e adultos Poreacutem esta estava mais voltada para
ajudar os ldquonovos crentesrdquo a ler a Biacuteblia e manejar o hinaacuterio ldquoCantor Cristatildeordquo
Naturalmente queria evangelizar o povo porque a salvaccedilatildeo da alma eacute a
primeira coisa que eu quero fazer na minha vida mas logo vi que o povo
68
Para conhecer mais sobre anaacutelises histoacuterico-socioloacutegica de hinos do protestantismo histoacuterico veja a tese de
Mendonccedila (2008) ldquoO Celeste Porvirrdquo que no tiacutetulo da tese jaacute traz o tiacutetulo de um hino - MENDONCcedilA Antonio
G O Celeste Porvir Inserccedilatildeo do protestantismo no Brasil 3ed Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo
Paulo ndash Edusp 2008 69
Os batistas natildeo batizam crianccedilas mas nos primeiros dias de nascimento de uma crianccedila eacute feito uma
ldquoCerimocircnia de Apresentaccedilatildeordquo dela para a comunidade Geralmente o rito comeccedila com o convite de pais e
parentes ou padrinhos agrave frente Seguida de uma leitura biacuteblica geralmente no texto de apresentaccedilatildeo e circuncisatildeo
de Jesus em Lucas 2 21-24 ou Proveacuterbios (226) que fala da instruccedilatildeo da crianccedila na Toraacute a fim de que quando
crescer natildeo se desvie Em seguida o pastor pega a crianccedila no colo e pede para a comunidade estender as matildeos
como siacutembolo de benccedilatildeo e simultaneamente encerra com uma oraccedilatildeo Tal crianccedila deveraacute ser instruiacuteda e quando
atingir uma idade mais madura de consciecircncia moral e responsabilidade diante de Deus teraacute oportunidade de
decidir pela religiatildeo dos pais ou natildeo
87
aceitando a Jesus precisa ser discipulado precisam ler as Escrituras e
muitas dos novos convertidos sendo adultos eram analfabetos de modo que
fiz sempre a noite aulas de alfabetizaccedilatildeo e tivemos o Cantor Cristatildeo naquela
eacutepoca um livro pequeno somente a letra e assim eles continuavam a
estudar a aprender a falar e ler o portuguecircs lendo a Biacuteblia e cantando os
hinos (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 177)
Como jaacute fora dito no capiacutetulo dois a cultura da praacutetica de leitura eacute fundamental para
cultura religiosa batista natildeo apenas por causa da leitura biacuteblica mas tambeacutem para receber a
doutrinaccedilatildeo por meio dos impressos da denominaccedilatildeo batista quais sejam perioacutedicos de
estudos dominicais diaacuterios devocionais jornais e utilizaccedilatildeo do hinaacuterio Mas aleacutem destes
visto que o sistema eclesiaacutestico eacute de governo Congregacional satildeo os leigos que juntamente
com o pastor da Igreja fazem o trabalho de gestatildeo contabilidade e secretaria da igreja e para
tanto necessitam de habilidades miacutenimas de leitura e das quatro operaccedilotildees matemaacuteticas
Representaccedilotildees do perfil de Ana Wollerman a partir de sua memoacuteria socioafetiva
Falar do perfil de Ana Wollerman (natildeo apenas deste mas de tudo que tem sido
discorrido neste trabalho) a partir de um corpus documental majoritariamente formado de
suas memoacuterias ldquoautobiograacuteficasrdquo e de memoacuterias socioafetivas requer ter sempre em mente os
conceitos de ldquohagiografiardquo de Certeau e ldquoilusatildeo biograacuteficardquo de Bourdieu jaacute explicados
anteriormente E assim a fim de natildeo cair na ldquoilusatildeo biograacuteficardquo destas representaccedilotildees acerca
de Ana Wollerman buscar-se-aacute entender o porquecirc e como a comunidade afetiva de Ana
Wollerman construiu tais representaccedilotildees em seus relatos Os atributos categoriais analisados a
partir do conjunto de fontes satildeo carisma solidariedade e respeito ou autoridade Dona Ameacutelia
se refere ao carisma de Ana Wollerman nas seguintes palavras
Recebiam [a populaccedilatildeo] ela com muita alegria Muitas pessoas ouviam que
aquela pessoa trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito
dela assim com aquela maneira de tratar assim que parece que abre o
ambiente parece que alegra Entatildeo ela cativou muita gente ela foi muito
bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu natildeo me lembro de
algum lugar que tivesse dificuldade e que fosse rejeitada A gente natildeo tem
lembranccedila Quem sabe aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho
que foi muito bem aceita Tanto eacute que muita gente se recorda dela com
bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo existe maisEu
aprendi muita coisa muita coisa (LIMA 2012)
Dada as condiccedilotildees histoacuterico-sociais que o povo estava vivendo eles se colocam receptivos
ao que Ana Wollerman tinha para lhes oferecer aleacutem disso natildeo apenas sua mensagem mas
ela em si representava uma novidade para um povo que vivia sempre numa ldquomesmicerdquo
Muitos na pobreza outros em condiccedilotildees socioeconocircmicas instaacuteveis pois estavam
recomeccedilando suas vidas no projeto da ldquomarcha para o oesterdquo de Getuacutelio Vargas que gerou
88
muitas migraccedilotildees do sul e do sudeste para o norte e oeste do Brasil Ameacutelia ao falar de Ana
Wollerman expressa seu carinho e admiraccedilatildeo natildeo apenas em palavras mas tambeacutem em
laacutegrimas durante a entrevista Outro motivo que certamente levou a construccedilatildeo de tais
representaccedilotildees eacute o fato de Ana Wollerman se mostrar atenciosa natildeo soacute ao povo da cidade mas
tambeacutem ao povo dos limiacutetrofes de Amambai
Aleacutem de professora na escola tambeacutem saiacutea para visitar os siacutetios as chaacutecaras
povoaccedilotildees e pessoas que nunca viram uma Biacuteblia nunca ouviram o
evangelho Para fazer isto andei muitas vezes a cavalo tambeacutem alguns
irmatildeos tiveram uma caretinha puxada por cavalos e ateacute fiz umas viagens
mais distantes andando em carro de boi uma grande novidade para quem
estaacute acostumada a andar em carro Mas andei tambeacutem agrave peacute leacuteguas e leacuteguas
Mas natildeo achei nada difiacutecil quando eu vi a alegria do povo e a aceitaccedilatildeo do
evangelho que fui levar (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 150)
Certamente quando o povo notou a dedicaccedilatildeo da estrangeira que o visitava
recorrentemente recebeu-a E tambeacutem em alguns casos aleacutem de sua amizade o povo recebeu
sua mensagem religiosa pois muitos estavam esquecidos ateacute mesmo pela Igreja Catoacutelica que
por ter um quadro de cleacuterigos reduzido natildeo dava conta de um melhor atendimento aos fieacuteis70
Outra representaccedilatildeo marcante nas memoacuterias da comunidade afetiva de Ana
Wollerman eacute seu perfil de ldquosolidaacuteriardquo Este pode ser notado num longo relato jaacute citado onde
ela questiona o pai de Hudson Otantildeo o Sr Nicolau Otantildeo 71
que queria tiraacute-lo da escola
porque seus filhos podiam estudar apenas um ano cada um deles depois tinham que voltar
para roccedila Nesta ocasiatildeo Ana Wollerman pediu ao Sr Nicolau que deixasse o Hudson ficar
na escola pois ela assumiria suas despesas Na sequecircncia deste mesmo relato
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 151 152) ela elenca pelo menos mais trecircs jovens
de Amambai que ajudou financeiramente hospedou-os em sua casa e quando se mudou para
Campo Grande (MS) levou-os consigo a fim de ajudaacute-los na continuidade dos estudos Ao
falar dos encaminhamentos que estes jovens tomaram em suas vidas ela se vecirc a partir da
escola participante do ldquosucessordquo deles
Quanto ao Hudson Otantildeo da Rosa se tornou gerente de banco e por falar inglecircs
certamente influenciado por Ana Wollerman viajou muitas vezes aos EUA para negoacutecios do
70
O primeiro grupo religioso em Amambai com templo proacuteprio e atendimento pastoral com mais frequecircncia aos
fieacuteis foi a Igreja Batista A religiosidade catoacutelica sempre esteve presente em Amambai desde suas origens mas o
atendimento da Igreja Catoacutelica aos fieacuteis foi mais tarde No iniacutecio o padre Amado de Ponta Poratilde fazia algumas
visitas no ano com atendimentos agendados batismos e casamentos A Paroacutequia soacute foi criada em 1954 pelo
entatildeo bispo de Corumbaacute Dom Orlando Chaves (SOBRINHO 2008 pp 197s )
71 Sr Nicolau Otantildeo nasceu em1884 na Argentina Veio para o Brasil em 1912 e morreu em 1959 Sendo um
dos pioneiros de Amambai ( MS) hoje daacute nome a uma das principais avenidas de Amambai
89
banco Ela tambeacutem fala de seu irmatildeo Gete Otantildeo da Rosa que se graduou em Iowa EUA e
doutorou-se em Wales Gratilde-Bretanha ndash foi professor na Universidade Catoacutelica Dom Bosco
(MS) (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p151) Aleacutem destes ela fala de Marlene
Vilarinho (1948-2008) filha do Pastor Valdir Vilarinho que na eacutepoca era pastor da Igreja
Batista em Amambai Marlene casou-se com o Pastor Lourino de Jesus Albuquerque
Formou-se no Curso Normal foi professora e diretora de muitas escolas em Amambai
inclusive da Escola Batista e recebeu a homenagem da Secretaria de Educaccedilatildeo de Amambai
para dar seu nome a uma das escolas municipais da cidade Formou-se em Direito pela UCDB
foi poetisa e inclusive compositora do Hino de Amambai (WOLLERMAN In NOGUEIRA
2003 p 151 152 LEVANDOWSKI et al 2008 p 17 109) Ana Wollerman encerra esta
parte do relato falando de Eugeny Manvailer que estudou Educaccedilatildeo Religiosa casou-se com
Pastor Nelson Nunes de Lima pastorearam igrejas no Canadaacute e por fim antes de se
aposentarem deram aula no Seminaacuterio Teoloacutegico Batista do Espiacuterito Santo e de Bauru (SP)
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p 152)
A sequecircncia de pessoas citadas no relato de Ana Wollerman mostra um elemento
interessante de sua trajetoacuteria qual seja o de que ela natildeo ajudou apenas pessoas que tivessem
interessadas em serem apenas ministras religiosas missionaacuterias ou pastores Entre as pessoas
que Ana Wollerman ajudou em Amambai e que natildeo foi relembrada na sequecircncia do relato
estaacute Dona Ameacutelia e outros que ela cita
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo Era excelente Ela procurava
sempre alegrar as pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e
muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees e eram muitos Ela sempre deu aquele
apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o dentista Ele presa muito a vida da
Dona Ana a figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui e sobre a
ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoas o pastor Albino
foi ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Altemar aiacute que eacute
advogado Ele tambeacutem era da nossa turma em 54 [1954] laacute quando a gente
morava todos na mesma casa (LIMA 2012)
No final do relato Ana Wollerman volta a falar de Amambai natildeo cita os nomes que
Dona Ameacutelia se refere mas os mesmos podem ser percebidos por suas profissotildees
A primeira escola primaacuteria que abri foi em Amambai naquela escolinha saiu
alguns dos que satildeo lideres na denominaccedilatildeo batista hoje inclusive o pastor
Albino Ferraz aleacutem de serem pastores missionaacuterios educadores
advogados dentistas e outros profissionais (WOLLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Este perfil solidaacuterio de Ana Wollerman era percebido tambeacutem na hora de cobrar as
mensalidades dos alunos pois a mesma se mostrava bastante flexiacutevel
90
Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma
toleracircncia muito grande com relaccedilatildeo agravequeles que natildeo podiam Ningueacutem
deixou de estudar porque natildeo pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por
que estava em atraso e um motivo qualquer de o aluno ser tolhido qualquer
coisa assim Natildeo existia Pois os pais nem sempre tinham dinheiro todo mecircs
O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um
produto entatildeo agraves vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco
mas nunca se ouviu falar que o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer
prova porque estava devendo nunca aconteceu isso (SOBRINHO 2012)
Por outro lado esta atitude tambeacutem retornava em aceitaccedilatildeo e solidariedade do povo
em relaccedilatildeo ao seu trabalho Pois como jaacute fora visto anteriormente grupos independentes da
sociedade se organizaram para fazer doaccedilotildees em dinheiro para ajudar nas atividades anuais da
Escola Batista Aleacutem disso conforme a fala de Dona Ameacutelia a escola ganhava mantimentos
para preparar a merenda escolar
Comecei trabalhando ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola
ganhava o leite ganhava as coisas pra fazer o lanche Eu fazia o lanche dos
alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem ali a lecionar ali no
primeiro segundo ano (LIMA 2012)
Aleacutem destas experiecircncias outras que natildeo estatildeo no espaccedilo e tempo delimitado pela
pesquisa mas que tambeacutem serve para falar deste perfil solidaacuterio de Ana Wollerman estaacute a
ocasiatildeo em que ela ajudou a comprar o terreno e construir o que hoje eacute o espaccedilo da Faculdade
Teoloacutegica Batista Ana Wollerman
Deus me abenccediloou grande porque o casal de irmatildeos Harold e Karolyn
Kellum que mais tarde iam me ajudar com tantas ofertas para a construccedilatildeo
do Seminaacuterio eles me enviaram uma oferta de amor pessoal72
e eu achei
que devia mandar aos irmatildeos para compra de terrenos para futura sede do
Instituto sem pensar que um dia seria um Seminaacuterio [] Dois meses se
passou e recebi uma carta do pastor da primeira Igreja Batista de Corpus
Christi ndash Texas da minha terra dizendo que o casal Harold e Karolyn
Kellum tinham prosperado grandemente e Deus tinha ajudado porque eles
eram muito fieacuteis em dar para obra de Deus as suas riquezas que estavam
recebendo e que este casal tinha designado uma oferta para mim para eu
usar no meu trabalho no Brasil Era da importacircncia de cento e cinquenta mil
doacutelares (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p166 167)
Isto aconteceu em 1979 e se assemelha a experiecircncia vivida por ela na ocasiatildeo em que
a Junta Missionaacuteria de Richmond (1950) resolveu assumir seu sustento aqui no Brasil
pagando-lhe inclusive retroativamente O montante que era para despesas pessoais foi
integralmente aplicado na construccedilatildeo de mais duas salas para a escola Batista em Amambai
Ainda quanto a solidariedade numa destas andanccedilas de Ester Ergas com Ana
Wollerman no trabalho missionaacuterio no Brasil certa vez Ana Wollerman foi entrevistada pelo
72
Grifo nosso
91
pastor Geraldo Ventura em Cuiabaacute onde o mesmo perguntou quantos carros Ana Wollerman
tinha doado para seminaristas pastores e missionaacuterios para uso de suas atividades religiosas e
segundo Ester Ergas toda envergonhada ela respondeu ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por
uns cinquenta por aiacuterdquo (ERGAS 2012)
Por fim a representaccedilatildeo de ldquorespeitordquo ou ldquoautoridaderdquo Dona Ameacutelia ao falar da eacutepoca
que era aluna e morava com Ana Wollerman relata da seguinte forma tratamento dispensado
por Ana Wollerman aos alunos e alunas
Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer
visita A gente era todo assim a gente natildeo fazia o que queria no caso era
sobre a direccedilatildeo dela em todas as coisas Por exemplo principalmente na
parte do almoccedilo cada uma tinha a sua obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra
sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia todo mundo junto
Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada Quando
ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos (LIMA 2012)
Naturalmente para ter controle sobre os jovens rapazes e moccedilas que eram seus
hoacutespedes e estavam sob sua responsabilidade ela impocircs limites e direcionamentos em tudo
que faziam ndash determinava o que faziam quando fazia a hora que saiam e com quem saiam A
interiorizaccedilatildeo destas formas de controle e autocontrole se dava tambeacutem nas atividades
devocionais diaacuterias tanto nas visitaccedilotildees quanto em eventos Aleacutem disso eles tinham
momentos de ldquocultos domeacutesticosrdquo que se caracteriza por leitura da biacuteblia e cacircnticos do hinaacuterio
batista (chamado de Cantor Cristatildeo) Mas ainda assim ao menos Dona Ameacutelia natildeo via sua
autoridade como ldquoautoritarismordquo
Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel
Natildeo era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um
homem muito eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre
criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre trabalho estas coisas E ela era uma pessoa
que tratava com muita habilidade cativava as pessoas Ela era aquela pessoa
assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade (LIMA 2012)
Aleacutem da relaccedilatildeo com os alunos verifica-se que na relaccedilatildeo com as professoras ela se
mantinha exigente Dependendo de quem fosse sua liderada o grau de exigecircncia poderia
tornar-se um momento de tensatildeo pois segundo o relato de Ester Ergas ela se mostrava
perfeccionista na qualidade dos trabalhos que delegava
Aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia de
todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito
dedicada eu sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta
que eu escrevia para melhorar (ERGAS 2012)
Natildeo se sabe exatamente como ela estabelecia as cobranccedilas pois tal informaccedilatildeo se
perde no caraacuteter hagiograacutefico dos relatos de sua comunidade socioafetiva No entanto esta
92
fala serve como um indiacutecio de uma lideranccedila que se necessaacuterio mandava refazer o serviccedilo se
natildeo estivesse adequado aos seus olhos Aleacutem de mandar refazer serviccedilos ela cobrava de todas
as professoras um perfil diante dos alunos que as ldquodiferenciasserdquo (LIMA 2012) Sua conduta
natildeo se diferenciava da maioria das escolas protestantes no Brasil onde era cobrado um
exemplo ldquomoralrdquo de vida que pudesse servir como meio de ldquotestemunhordquo e ldquoevangelizaccedilatildeo
indiretardquo E ldquoser diferenterdquo na linguagem protestante eacute caracterizado por uma expectativa de
comportamento social surgido a partir do imaginaacuterio puritano que tem a ver com
comportamento religioso vis-agrave-vis o comportamento da sociedade em geral que pelos
mesmos satildeo representados como ldquomundanosrdquo (COSTA 1998 pp 21s)
Ainda sobre a representaccedilatildeo de respeito e autoridade construiacutedos nos limites da
relaccedilatildeo de gecircnero Ana Wollerman diz
E posso dizer que em todos os meus anos no Brasil nenhuma pessoa tentou
me fazer mal nenhum homem faltou com respeito e eu viajei muitas vezes
soacute com homens uma coisa que senhoras brasileiras nunca fariam mas que
Deus me protegeu e o povo brasileiro muito bondoso muito bom eles me
respeitaram tambeacutem (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p150)
Sua fala corrobora com o que Eliane Silva (2011 p34 35) tem pesquisado sobre a
temaacutetica do movimento missionaacuterio feminino nos paiacuteses latino americanos Segundo Silva
tais pesquisas partem de questotildees de gecircnero religiatildeo e cultura e tecircm concluiacutedo que as
missionaacuterias se inseriram no Brasil por meio da educaccedilatildeo oraccedilatildeo pregaccedilatildeo e missionarismo
Estes elementos por sua vez integraram sua identidade e garantiram valores morais regras de
conduta e respeitabilidade em lugares distantes de seus paiacuteses e comunidades de origem
E assim por estarem em outra cultura se viam na oportunidade de se comportarem
como ldquooutrasrdquo ou seja procuravam se reinventar subjetivamente vis-agrave-vis a exclusatildeo e
marginalizaccedilatildeo que viviam em seus paiacuteses de origem principalmente as solteiras que se
mostravam independentes longe da famiacutelia e de compromissos matrimoniais Aleacutem disso
com independecircncia financeira vinda do suporte que as Juntas Missionaacuterias davam a elas
conseguia uma situaccedilatildeo privilegiada nos estratos sociais e profissionais do Brasil (SILVA
2011 p 35)
Neste sentido com base nos relatos de Ana Wollerman e das contribuiccedilotildees de
pesquisas analisadas por Eliane Silva percebe-se que Ana Wollerman natildeo se via numa
condiccedilatildeo inferior em relaccedilatildeo agraves lideranccedilas masculinas no Brasil Sua independecircncia
financeira principalmente depois da nomeaccedilatildeo da Junta Missionaacuteria dava a ela status de
algueacutem que representava uma instituiccedilatildeo que liderava os trabalhos missionaacuterios no Brasil
93
Como ela era totalmente focada em sua missatildeo orientou sua vida na oraccedilatildeo no serviccedilo e num
alto padratildeo moral que passou a ser constituinte de sua identidade nos limites da relaccedilatildeo com
os homens e por conseguinte nas representaccedilotildees daqueles que estiveram proacuteximos dela
Dona Ameacutelia ao falar sobre a relaccedilatildeo de Ana Wollerman com as lideranccedilas masculinas
relata
Ela tinha uma autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim
qualquer que um homem uma autoridade poderia de repente assim querer
achar que ela era uma pessoa qualquer Mas eu acho que ela era uma pessoa
muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute que ela deixou a
vida dela laacute e veio embora sozinha (LIMA 2012)
A ecircnfase na fala de Dona Ameacutelia quer representar que a autoridade de Ana Wollerman
era perceptiacutevel na relaccedilatildeo com as lideranccedilas masculinas Sua habilidade independecircncia e
coragem de deixar seu paiacutes de origem garantia-lhe seguranccedila no tracircnsito social
De Amambai a outros ldquoconfinsrdquo do Brasil
Por fim passa-se a mostrar brevemente os encaminhamentos que a trajetoacuteria
missionaacuteria de Ana Wollerman tomou Seu trabalho em Amambai foi apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que ainda tem muito a ser analisado mas que natildeo seraacute objeto desta pesquisa Esta
parte teve como fonte a continuidade de seu relato ldquoautobiograacuteficordquo e a pesquisa de Nogueira
(2003)
Depois que Ana Wollerman foi recebida pela Junta Missionaacuteria de Richmond seu
trabalho passou a ser ainda mais divulgado nas assembleias anuais da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense
Ana Wollerman que estava sempre presente agraves assembleias
convencionais utilizava as oportunidades que tinha para falar sobre a
importacircncia de uma escola primaacuteria na vida de uma igreja
(NOGUEIRA 2003 p91)
Ela tambeacutem passou a fazer parte das reuniotildees de missionaacuterios norte-americanos da
Junta Missionaacuteria de Richmond que se reuniam anualmente nas principais cidades do Brasil
(NOGUEIRA 2003 p 91) Estas circulaccedilotildees nos espaccedilos de poder da denominaccedilatildeo batista e
agora legitimamente reconhecida como missionaacuteria da Junta deu maior importacircncia e
distinccedilatildeo ao seu lugar na ldquobalanccedila de poderrdquo entre as configuraccedilotildees em que ela estava ligada
jaacute que a Junta Missionaacuteria de Richmond gozava de certo status e autoridade no imaginaacuterio da
Igreja Batista brasileira jaacute que a primeira era ldquomatildeerdquo da segunda e ainda continuava
financiando e gerenciando muitas das instituiccedilotildees batistas brasileiras
94
A Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense jaacute havia sido criada desde 1948 ainda que sob
os protestos do missionaacuterio Sherwood ldquoO Estado do Mato Grosso a meu ver natildeo estaacute em
condiccedilotildees de ter uma Convenccedilatildeordquo (SHERWOOD 1950 In NOGUEIRA 2003 p91) E com
ela surgiam novas necessidades e oportunidades para assumir ldquocargosrdquo administrativos e de
poder entre os batistas mato-grossenses Foi com base nestas condiccedilotildees e na imagem que Ana
Wollerman vinha construindo em Campo Grande Ponta Poratilde e Amambai que ela foi
indicada e eleita em assembleia regular da Convenccedilatildeo Batista Mato-grossense realizada em
Ponta Poratilde 1954 para o importantiacutessimo cargo de Secretaacuteria Executiva e Tesoureira da
referida Convenccedilatildeo um cargo ateacute entatildeo ocupado apenas por homens
Por ano de 1954 eu tinha que sair de Amambai indo para Campo Grande
exercer a funccedilatildeo de secretaacuteria executiva tesoureira da Convenccedilatildeo Batista
Mato-grossense porque eu fui eleita com muita honra para mim Seria uma
nova fase da minha vida porque o meu ministeacuterio que eu creio que recebi de
Deus era de evangelizaccedilatildeo e educaccedilatildeo Eu fui fiel a escola estava
progredindo a igreja crescendo o evangelho ao redor estava sendo recebido
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p153)
E assim ela deixou a escola em Amambai e neste mesmo ano colocou em seu lugar
como diretora a missionaacuteria e professora Ester Gomes Ergas Esta nasceu em Caxambu (MG)
filha de pai judeu e matildee brasileira converteu-se aos 13 anos de idade e com dezesseis
ingressou no curso de Educaccedilatildeo Religiosa no Seminaacuterio Batista Betel Rio de Janeiro e
concomitantemente fez o curso de Auxiliar de Enfermagem Em 1952 veio para o Mato
Grosso como missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais da Convenccedilatildeo Batista Brasileira e
passou a colaborar com a missatildeo que Ana Wollerman vinha realizando em Amambai
(ERGAS In NOGUEIRA 2003 p 186-189)
Assim a Escola Batista seguiu sob a direccedilatildeo da missionaacuteria Ester Ergas e tornou-se
uma importante referecircncia de formaccedilatildeo no contexto educacional de Amambai porque
segundo o Sr Almiro muitos dos alunos da Escola que terminavam o primaacuterio e faziam o
exame de admissatildeo ao Ginaacutesio em escolas de outros centros urbanos geralmente passavam
bem colocados
Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o
filho laacute na escola Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na
eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado ginaacutesio que eacute essa parte que estaacute incluiacuteda
no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra vocecirc sair do grupo vocecirc
tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era um
exame de admissatildeo mesmo com mateacuteria especifica o grupo dava como
quinto ano e a escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa
mateacuteria era ministrada junto no quarto ano no segundo semestre era
ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam daqui pra estudar fora
95
aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da
credibilidade da escola do ensino que era bem feito bem ministrado
(SOBRINHO 2012)
Aleacutem disso a Escola Batista prestava um serviccedilo de valorizaccedilatildeo das profissotildees locais
e palestrava sobre a natureza de outras profissotildees para auxiliar os alunos em suas escolhas
profissionais
Entrevistador Em seu livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional
que era dada na escola Como eram estas orientaccedilotildees
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram
palestras natildeo chegavam a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras
por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do meacutedico do engenheiro etc Era mais
ou menos isso aiacute Natildeo soacute essa profissatildeo de ensino superior mas como outras
profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um carpinteiro A
escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de
produzir gecircneros alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse
sentido (SOBRINHO 2012)
Em 1956 a Escola Batista tentando atender mais uma carecircncia da cidade deliberou
em assembleia extraordinaacuteria pela criaccedilatildeo de um curso ginasial noturno no mesmo preacutedio
onde funcionava a escola primaacuteria o que foi consensualmente aceito pelos membros da
Igreja E assim em 05 de fevereiro do mesmo ano iniciou uma turma com 30 alunos mas foi
embargada pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo por natildeo atender totalmente as condiccedilotildees estruturais
exigidas e as aulas foram suspensas (SOBRINHO 2009 p177) Quanto a finalizaccedilatildeo das
atividades da escola ainda natildeo temos uma data concreta pois o Livro Ata 01 da Igreja e
demais documentaccedilotildees da Escola Batista foram extraviados e dos entrevistados nenhum
soube responder com seguranccedila mas eacute provaacutevel que tenha encerrado no iniacutecio da deacutecada de
60 (1960) eacutepoca esta que Ester Ergas deixa a escola em Amambai para auxiliar Ana
Wollerman na cidade de Jaciara-MT Segundo Dona Ameacutelia Lima possivelmente tenha
fechado logo em seguida da saiacuteda de Ester Ergas por dificuldades financeiras e por natildeo
encontrar em tempo haacutebil algueacutem que pudesse substituiacute-la da direccedilatildeo da escola
Em 1954 Ana Wollerman mudou-se para Campo Grande (MS) levando consigo cinco
rapazes e trecircs moccedilas que moraram com ela na casa da Missatildeo de Richmond a fim de darem
continuidade nos estudos ginasiais Agora entatildeo como Secretaacuteria Executiva ela natildeo poderia
se fixar em apenas um lugar mas precisava percorrer o ldquocampordquo mato-grossense dando
assistecircncia agraves novas Igrejas e abrindo novas frentes de trabalho
Assim comecei como secretaacuteria com aquele desejo de ser uacutetil Visitei todas
as associaccedilotildees naturalmente natildeo pude visitar cada igreja mas cada regiatildeo de
96
Mato Grosso que naquela eacutepoca natildeo era Mato Grosso do norte e do sul mas
um soacute Estado (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p154)
Em 1956 Ana Wollerman natildeo estava mais como Secretaacuteria Executiva da Convenccedilatildeo
e entatildeo ela assumiu o desafio do norte do Mato Grosso auxiliando o Pastor Sandoval
Quintanilha no desenvolvimento da Missatildeo Batista em Cuiabaacute jaacute que era a uacutenica capital do
Brasil que ainda natildeo tinha uma igreja batista organizada Assim ela passou a residir em
Cuiabaacute e levou consigo alguns jovens que dariam continuidade aos estudos em Cuiabaacute e
seriam auxiliares no trabalho missionaacuterio no norte do Mato Grosso (NOGUEIRA 2003
p105)
Durante os anos que ela se dedicou ao norte do Mato Grosso abriu em muitas cidades
vaacuterios pontos de pregaccedilatildeo com escolas anexas entre elas Guiratinga Caacuteceres Barra das
Garccedilas Mutum Tangaraacute da Serra Cachoeira do Ceacuteu Jaciara Rondonoacutepolis e outras
(WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158)
Em cada lugar onde podia comeccedilar uma igreja ao lado da igreja eu
estabeleci uma escola primaacuteria para ensinar as crianccedilas e jovens dando para
eles a oportunidade de ter uma vida melhor do que os pais tiveram e para
serem o que Deus queria que eles fossem na sua vida (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p177)
Entre as cidades mais recorrentes em seus relatos aleacutem de Cuiabaacute estaacute Jaciara
Segundo Ana Wollerman em meados de 1960 esta cidade estava comeccedilando e crescia
rapidamente Muito da forccedila de crescimento desta cidade se devia a uma empresa paulistana
que tinha em sua diretoria alguns funcionaacuterios que eram evangeacutelicos Estes se prontificaram a
auxiliar a missatildeo de Ana Wollerman ressaltando a importacircncia de uma escola para atender os
filhos deste povoado Assim eles doaram terrenos no centro da cidade aleacutem de madeira para
construccedilatildeo da escola e da Igreja
Eles (diretores) queriam ter uma igreja uma escola o evangelho laacute neste
lugar que tinha o nome de Jaciara Assim eles ofertaram para noacutes uns
terrenos um lote muito grande e bom na rua principal tambeacutem um lote num
outro lugar mais perto para casa pastoral [] Noacutes oramos a Deus e a
Companhia nos ofertou toda madeira para construccedilatildeo mas noacutes deveriacuteamos ir
laacute na mata cortar e trazer para cidade Assim os homens e outros homens da
cidade que natildeo eram realmente crentes naqueles primeiros dias nos
ajudaram arrastando aqueles troncos aquelas arvores grandes por juntas de
boi para a cidade irmatildeo Zeferino que era carpinteiro ele arrumou um tipo
de elevaccedilatildeo de madeira e todos os homens com forccedila levantaram aqueles
troncos e entatildeo um irmatildeo em cima e um irmatildeo debaixo daquela armaccedilatildeo
com uma serra grande serraram toda madeira para construccedilatildeo da Igreja
Outros irmatildeos que sabiam fazer tijolos estavam fabricando agrave matildeo os tijolos
e noacutes fizemos sacrifiacutecios mas Deus nos ajudou construir um bom templo de
tijolo e uma casa para a escola na rua principal de Jaciara (WOLLERMAN
In NOGUEIRA 2003 p156)
97
Como visto aiacute estaacute novamente Ana Wollerman com sua habilidade de envolver as
pessoas nos seus projetos e assim mobilizando ldquocrentesrdquo ldquonatildeo-crentesrdquo e homens de poder
em sua missatildeo de ldquoeducaccedilatildeo evangeliacutesticardquo Segundo Ester Ergas (2012) esta foi uma
experiecircncia diferente de Amambai porque as crianccedilas vinham dos siacutetios e chaacutecaras para escola
e passavam o dia inteiro nela
A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no comeccedilo da
cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os
pais estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e
ficavam o dia inteiro laacute conosco porque natildeo tinha condiccedilatildeo de vir e voltar
pois era distante (ERGAS 2012)
E em Jaciara ateacute que viesse um pastor para assumir a Igreja Ana Wollerman chamou a
missionaacuteria Ester Ergas para assumir a escola a fim de que ela pudesse ficar se dedicando
mais as atividades de caraacuteter pastoral quais sejam culto pregaccedilatildeo aconselhamento e
evangelizaccedilatildeo (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p156 157)
Em 1965 Ana Wollerman retorna para o sul do Estado e passa novamente a residir em
Campo Grande Torna-se vice-diretora do Instituto Teoloacutegico Batista DrsquoOeste do Brasil e se
concentra na coordenaccedilatildeo da Campanha Nacional de Evangelizaccedilatildeo no Estado do Mato
Grosso
Em 1967 Ana Wollerman foi convidada pela Associaccedilatildeo Sul das Igrejas Batistas do
Mato Grosso73
para trabalhar na mesma e entatildeo ela passou a residir em Dourados-MS Neste
iacutenterim convidou a missionaacuteria Ester Ergas para auxiliaacute-la no ldquocampordquo missionaacuterio do sul
Ester Ergas depois de cinco anos em Jaciara mais cinco anos em Rondonoacutepolis retornou para
o Sul de MT para auxiliar Ana Wollerman Inclusive ela proacutepria a exemplo do trabalho que
Ana Wollerman fazia tambeacutem criou uma Escola Batista relativamente forte em Rondonoacutepolis
ndashMT (WOLLERMAN In NOGUEIRA 2003 p158s)
Assim as duas mais o Pastor Washington de Souza e o Pastor Nelson Alves dos
Santos viajavam pela regiatildeo criando pontos de pregaccedilatildeo evangelismos e dando cursos de
treinamento para formaccedilatildeo pastoral para lideranccedilas leigas da regiatildeo (WOOLERMAN In
NOGUEIRA 2003 p158 159) Ana Wollerman criou na PIB - Primeira Igreja Batista em
Dourados o Instituto Biacuteblico de Feacuterias para formaccedilatildeo de futuros pastores a fim de atenderem
as carecircncias do ldquocampordquo do Sul do Estado (NOGUEIRA 2003 p127) Em 1976 o Instituto
passou a se chamar ldquoInstituto Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo e entre 1977 e 1981 tornou-
se ldquoSeminaacuterio Teoloacutegico Batista Ana Wollermanrdquo (NOGUEIRA 2003 p131)
73
Na eacutepoca extremo sul do Mato Grosso
98
Ana Wollerman aposentou-se em 1981 e voltou para os EUA Depois disto fez
algumas visitas esporaacutedicas ao Brasil sendo a uacuteltima delas em 1986 Ela viveu seus uacuteltimos
anos na cidade de Tucson Arizona onde contribuiu para evangelizaccedilatildeo de hispacircnicos e
sempre manteve contato com a Faculdade Teoloacutegica Batista Ana Wollerman (Esta foi
transformada em ldquoFaculdaderdquo desde 2000) Inclusive Ana Wollerman financiou bolsas de
estudos para alunos e alunas para ajuda-los em seus estudos e por conseguinte ajudar a
Faculdade No dia 18 de fevereiro de 2008 Ann Mae Louise Wollerman faleceu ndash aos 98
anos ndash deixando um grande legado e contribuiccedilotildees para missatildeo de evangelizaccedilatildeo no Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul aleacutem de contribuiccedilotildees efetivas para escolarizaccedilatildeo nestes
estados tendo como fundamento um projeto de educaccedilatildeo evangeliacutestica Segundo Eugeny
Manvailer - uma de suas ldquofilhas na feacuterdquo e que fora uma das alunas que ela ajudou na
continuidade da formaccedilatildeo - em seu culto fuacutenebre Ana Wollerman foi homenageada com um
poema de sua proacutepria autoria despedindo-se da seguinte forma (LIMA 2010 p132)
Whether I live for many days
O if they should be few
I will not cling to earthly ways
But gladly go where all is new
Jesus surely knows my name
Has prepared a place for me
Where forever I shall remain
And his Lovely Face IrsquoII see
How can I fear the great unknown
When Jesus stands and wits for me
Oh What bliss when I get Home And learn what is Eternity
Se eu viver muitos dias
Ou se eles forem poucos
Eu natildeo vou me apegar agraves coisas terrenas
Mas alegremente irei para onde tudo eacute novo
Jesus seguramente conhece meu nome
Tem preparado um lugar para mim
Onde para sempre vou permanecer
E sua amada face contemplarei
Como eu posso temer o grande desconhecido
Quando Jesus estaacute pronto esperando por mim
Oh que benccedilatildeo quando eu chegar ao lar celestial
E entatildeo entender o que eacute a eternidade
99
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Enquanto eu escrevia o encerramento do terceiro capiacutetulo tive uma sensaccedilatildeo muito
estranha soacute agora de fato eu tive consciecircncia da morte de Ana Wollerman Eacute que ateacute entatildeo
ela estava tatildeo viva nos documentos e nos relatos que eu percebi o quanto eu havia me tornado
iacutentimo dela Foi entatildeo que me lembrei dos editores de The New York Review of Books que na
contra capa do livro ldquoO Queijo e os Vermesrdquo de Ginzburg (1987) se referem ao fim da leitura
sobre o moleiro Menochio dizendo que ldquoao fim do livro o leitor que seguiu os passos de
Carlo Ginzburg em seu passeio atraveacutes da mente labiriacutentica do moleiro de Friuli abandonaraacute
com pesar a companhia desta estranha personagemrdquo
Mas tambeacutem lembrei daquilo que Certeau (2011) disse em a ldquoOperaccedilatildeo
historiograacuteficardquo sobre o ldquolugar do morto e o lugar do leitorrdquo onde a ldquoescritardquo encerra os
mortos mas paradoxalmente os traz agrave vida dando-lhes um novo lugar na histoacuteria Neste
sentido este trabalho tira Ana Wollerman de um ldquolugar excepcionalrdquo ndash da ideologia religiosa
ndash para recolocaacute-la com os ldquopeacutes no chatildeordquo e tornaacute-la um ser humano de ldquocarne e ossordquo como
noacutes cheios de contradiccedilotildees medos frustraccedilotildees mas tambeacutem potencialmente esperanccedilosos e
prontos para reconstruir a vida a partir daquilo que para cada um vale a pena viver
Desta forma a imagem do ldquoveloacuteriordquo de Ana Wollerman nos deixa com a sensaccedilatildeo
estranha de perda de algueacutem proacuteximo especial e com um legado que tem muito a inspirar
leitores criacuteticos e romacircnticos Todavia soacute trabalhamos o iniacutecio de sua trajetoacuteria jaacute que o
tempo do Mestrado eacute curto e muito raacutepido ndash apenas para nos fazer ldquoaprendizes de feiticeirosrdquo
digo pesquisadores ndash e natildeo teriacuteamos tempo de analisar toda a sua trajetoacuteria de vida
Sinceramente natildeo acredito ser possiacutevel analisar toda trajetoacuteria de vida de qualquer indiviacuteduo
que seja pois para falar da vida eacute preciso de muito mais paacuteginas que se possa imaginar e
ldquopaacuteginas que se possa virarrdquo
E assim verifica-se com base na pergunta sobre a formaccedilatildeo familiar e religiosa da
Ana Wollerman que ao elaborar a narrativa de sua histoacuteria ela acredita que os
encaminhamentos que sua vida tomou como missionaacuteria se deu pela ldquovontade de Deusrdquo jaacute
preacute-determinada desde a histoacuteria de como sua famiacutelia vai da Alemanha para o sul dos EUA
Esta eacute a forma como ela subjetivamente interpreta os acontecimentos em sua vida pois as
dificuldades que supostamente a teria feito se afastar da feacute satildeo entendidas como formas de
crescimento e aprendizado que segundo ela ldquoDeus permitiurdquo antes de reconduzi-la para seus
100
ldquopropoacutesitos divinosrdquo Mas a investigaccedilatildeo vai aleacutem das representaccedilotildees que o indiviacuteduo
constroacutei de si
Portanto entendemos que os encaminhamentos para vida missionaacuteria se datildeo por uma
seacuterie de elementos na ldquosociogecircneserdquo de Ana Wollerman que faz a vida religiosa e missionaacuteria
aparecer como uma ldquopossibilidaderdquo e natildeo como uma ldquopreacute-determinaccedilatildeo divinardquo Ou seja o
fato de ter crescido numa famiacutelia protestante de confissatildeo batista e assim com influecircncias
calvinistas e puritanas ter construiacutedo a vida como ldquodomrdquo e ldquovocaccedilatildeo divinardquo a possibilitou um
sentimento ldquolatenterdquo de chamado missionaacuterio
O imaginaacuterio religioso de sua sociogecircnese vecirc na evangelizaccedilatildeo uma urgecircncia
missionaacuteria pois nas bases dos ldquomovimentos missionaacuteriosrdquo do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
seacuteculo XX norte-americanos estatildeo representaccedilotildees calvinistas puritanas e pietistas que como
jaacute foi apresentado inicialmente estatildeo presentes na ldquofeacute batistardquo e por conseguinte na formaccedilatildeo
de Ana Wollerman O sentimento missionaacuterio era muito forte no contexto norte-americano
pois foi por meio dele que a ideologia do ldquoDestino manifestordquo levou grupos protestantes a
criar muitas sociedades missionaacuterias quais sejam instituiccedilotildees ou ldquoJuntasrdquo que enviavam e
sustentavam (ainda acontece) missionaacuterios em vaacuterias partes do mundo
Em razatildeo deste contexto que se verifica na fala de Ana Wollerman que desde crianccedila
ela diz ter frequentado atividades na igreja voltadas para valorizaccedilatildeo do trabalho missionaacuterio
Nestas atividades fora incentivada a contribuir financeiramente para sustento destes
missionaacuterios fazia oraccedilotildees intercessoras por suas vidas e estudavam sobre eles estes eram
representados como ldquoheroacuteisrdquo e ldquoheroiacutenas da feacuterdquo com ldquohistoacuteriasrdquo taumaturgas envolvendo a
accedilatildeo divina e tantas outras coisas Neste sentido conclui-se que por ela ter crescido neste
ambiente a vida missionaacuteria eacute entendida como uma possibilidade natildeo como uma preacute-
determinaccedilatildeo divina
No entanto esta possibilidade se concretizou na medida que Ana Wollerman se viu
frustrada em outros projetos de vida qual seja de matildee de famiacutelia O casamento natildeo deu certo
por motivos que natildeo foram identificados E assim na condiccedilatildeo de divorciada numa
configuraccedilatildeo social do sul dos EUA portanto conservadoriacutessima ndash que inclusive lutava
contra leis proacute- divoacutercio ndash lhe restou o ldquoestigmardquo de divorciada e marginalizada
Nesta condiccedilatildeo ela reconfigurou sua vida a partir da experiecircncia religiosa familiar
pois possivelmente ela foi tomada por um sentimento religioso de cobranccedila que a fazia
interpretar que tudo estava ldquodando erradordquo porque ela estava fora da ldquovontade de Deusrdquo No
101
protestantismo de matriz calvinista este sentimento eacute comum pois o indiviacuteduo entende que a
vida estaacute sob o ldquosenhoriordquo de Deus como soberano dana histoacuteria Neste sentido Ana
Wollerman reconstroacutei seu projeto de vida como um retorno ao ldquoplano de Deusrdquo original para
sua vida E foi assim que ela entregou sua vida ao trabalho missionaacuterio unindo sentimento de
exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo reelaborados pela experiecircncia de formaccedilatildeo religiosa a fim de
ldquoinventarrdquo o ldquochamado divinordquo Neste ela percebeu que natildeo teria nada a perder ao contraacuterio
teria a ganhar pois viu nisto a oportunidade de ldquoreinventarrdquo sua vida natildeo se sentir como um
ldquoestorvordquo social numa sociedade fortemente preconceituosa e ainda caso conseguisse
sucesso (como conseguiu) ser vista como uma ldquoheroiacutena da feacuterdquo
A pesquisa tambeacutem procurou mostrar que a inserccedilatildeo tardia dos batistas no campo da
educaccedilatildeo no Brasil assim como os demais grupos protestantes buscou maior aproximaccedilatildeo
social do povo ao mesmo tempo afastou seus filhos de preconceitos e perseguiccedilotildees religiosas
feitas a eles aleacutem disso afastou-os da influecircncia catoacutelica nas escolas catoacutelicas e puacuteblicas no
Brasil Todavia diferente dos demais grupos protestantes os batistas foram mais ldquoousadosrdquo
na estrateacutegia de evangelizaccedilatildeo por meio da educaccedilatildeo
Ainda que a atuaccedilatildeo dos batistas no campo da educaccedilatildeo tem sido vista por alguns
pesquisadores como ldquoevangelizaccedilatildeo indiretardquo na verdade este conceito precisa ser
relativizado pois o projeto educacional batista evangelizava de forma ldquodiretardquo dentro e fora
da sala de aula com disciplinas obrigatoacuterias voltadas para o ensino religioso ldquohistoacuteria
sagradardquo e outras Aleacutem disso promoviam intensas atividades de caraacuteter evangeliacutestico que
assediava os alunos diariamente
Portanto vimos com base na anaacutelise das praacuteticas de Ana Wollerman que mesmo
vindo como missionaacuteria ldquoindependenterdquo ela balizou seu trabalho no projeto missionaacuterio dos
batistas que aqui estavam estruturados Este por sua vez era o projeto ideoloacutegico da
Convenccedilatildeo Batista do Sul dos EUA oacutergatildeo representativo que dirigia e organizava a Junta
Missionaacuteria de Richmond e os Seminaacuterios que Ana Wollerman estudou antes de vir para o
Brasil
Seu trabalho de educaccedilatildeo em Amambai-MS teve a evangelizaccedilatildeo como elemento
fundante e estruturante da cultura e praacuteticas da escola Aleacutem destes a escola desenvolveu um
conjunto de praacuteticas tais como festividades e solenidades de fechamento do ano letivo que
acabaram envolvendo alguns seguimentos da sociedade amambaiense A Escola tambeacutem
mantinha praacuteticas de cantar o Hino Nacional e da Bandeira pelo menos uma vez por semana
102
na frente da escola e todos os dias cantavam o Hino Nacional dentro do templo antes de
atividades evangeliacutesticas (devocionais) Tais atividades ciacutevicas intensas se deram depois que
Ana Wollerman fora chamada para prestar satisfaccedilatildeo agraves autoridades da cidade por estar
ensinando cantigas em inglecircs para as crianccedilas e natildeo estar ensinando o Hino Nacional
Brasileiro Aleacutem destes outros elementos estruturantes da cultura escolar da Escola Batista
tiveram sua participaccedilatildeo direta
Portanto aleacutem de sua participaccedilatildeo na construccedilatildeo da cultura da escola tambeacutem foram
analisadas as representaccedilotildees que algumas professoras e alunos construiacuteram sobre a atuaccedilatildeo e a
figura de Ana Wollerman Tais representaccedilotildees foram pontuadas como atributos-categoriais
quais sejam seu carisma atitudes solidaacuterias e autoridade no trato com as pessoas
Quanto ao carisma verificou que ela alcanccedilou ldquograccedilardquo diante do povo amambaiense
porque sempre se mostrou disponiacutevel e sempre procurou ser atenciosa com moradores
longiacutenquos de Amambai ndash sitiantes e chacareiros Quanto agraves atitudes solidaacuterias em suas
praacuteticas se verificou em situaccedilotildees que ela sustentou muitos sem condiccedilotildees de estudar
inclusive na continuidade dos estudos fora de Amambai Ela tambeacutem foi flexiacutevel no
pagamento das mensalidades da escola fez doaccedilotildees e outros Por fim sua autoridade no trato
com alunos professoras e pessoas da comunidade homens e mulheres
Com os alunos e alunas que moravam com ela buscou regular cotidianamente suas
atividades horaacuterios e saiacutedas Na escola como diretora delegava serviccedilos e funccedilotildees e caso natildeo
estivesse do jeito que ela queria mandava refazer o serviccedilo Apresentava-se sempre exigente e
com alto padratildeo moral para as professoras para que estas servissem de exemplo e testemunho
evangeliacutestico na vida das crianccedilas e familiares
Os depoentes destacam sua autoridade no trato com homens fora e dentro da Igreja
Nunca se deixando intimidar por sua condiccedilatildeo de mulher e ao mesmo tempo sempre
mantendo uma distacircncia e atitude respeitosa diante de todos Esta autoridade chega ateacute o
presente na memoacuteria de homens e mulheres que estiveram proacuteximos e distantes dela e de
muitos que nem a conheceram No entanto tudo que verificamos eacute apenas o iniacutecio desta
trajetoacuteria que poderia apresentar outras ldquosurpresasrdquo nas suas experiecircncias em ldquooutros confinsrdquo
que natildeo foram analisados profundamente neste momento do trabalho mas certamente seratildeo
analisadas por outras pesquisas
103
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SOBRINHO Almiro Pinto Entrevista com Almiro P Sobrinho [03 mai 2011]
Entrevistador Maacutercio J O Rocha Amambai ndash MS 2012
___________ Amambai memoacuteria e histoacuteria da nossa gente Satildeo Carlos-SP Pedro amp Joatildeo
Editores 2009
_________ In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008
Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema
Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 30-34)
__________ Histoacuteria dos Batistas em Amambai Amambai-MS Graacutefica ldquoA Gazetardquo 2005
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
108
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
SOUZA Manoel Avelino de Sermotildees do puacutelpito batista Rio de Janeiro Casa Publicadora
Batista 1936
SOURTH CONVENCION BAPTIST ndash SCB Resolution On Divorce Disponiacutevel em
httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=441 Acessado 22042012
_______________ Social Service Committee Recommendation On Divorce Disponiacutevel
em httpwwwsbcnetresolutionsamResolutionaspID=442 Acessado em 22042012
TAMAYO Juan Joseacute Fundamentalismos y diaacutelogo entre religiones Madrid Trotta 2004
THOMPSON P A voz do passado ndash Histoacuteria Oral 2 ediccedilatildeo Satildeo Paulo Paz e Terra 1998
TRAPP Carlos Osmar Evangeacutelicos em Campo Grande Origens e Desenvolvimento
Campo Grande-MS AEVB Prefeitura Municipal de Campo Grande 1999
_______Urbieta amp Sherwood Pioneiros na obra de evangelizaccedilatildeo em terras mato-
grossenses Ediccedilatildeo Comemorativa em homenagem ao primeiro Centenaacuterio Batista em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul 1911-2011 Campo Grande-MS Graacutefica e Editora Brasiacutelia
Ltda 2011
VIEIRA David Gueiros O Protestantismo a Maccedilonaria e a Questatildeo religiosa no Brasil
2ed Brasilia Editora UnB 1999
VIEIRA Nery In LEVANDOWSKI et al (org) Histoacuteria viva de Amambai 1948 - 2008
Prefeitura municipal de Amambai-Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo Dourados-MS Seriema
Industria graacutefica e editora ltda 2008 (pp 42-44)
VEIGA Cyntia G FONSECA Thais Nivia de Lima (org) Histoacuteria e Historiografia da
Educaccedilatildeo no Brasil Belo Horizonte - MG editora Autecircntica 2008
WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo Satildeo Paulo Editora Martin
Claret 2005
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
WUETT George W LOVE JF Os batistas e o momento atual Rio de Janeiro Casa
Publicadora Batista 1950
109
ANEXO A ndash Referencias de fontes anexadas do trabalho abaixo
referenciado
As referecircncias abaixo satildeo de entrevistas realizadas por Nogueira (2003) para sua
pesquisa de Mestrado e que foram citadas na minha pesquisa especialmente o depoimento
autobiograacutefico de Ana Wollerman que foi uma das principais fontes da minha pesquisa Estas
entrevistas estatildeo integralmente nos anexos da pesquisa de Nogueira
WOLLERMAN Ann Mae Louise Depoimento autobiograacutefico Anexo 1 In NOGUEIRA
Sergio Ann Mae Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para
historiografia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da
Religiatildeo) Satildeo Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 149 ndash 170
SHERWOOD Bill SHERWOOD David LINS Joseacute Pereira Entrevista com Bill Sherwood
David Sherwood e Joseacute P Lins Anexo 5 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae Louise
Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo Bernardo
do Campo - SP UMESP 2003 pp 194 ndash 196
ERGAS Ester Gomes Informaccedilotildees obtidas em questionaacuterio formulado pelo pesquisador e
respondido pela missionaacuteria Ester Gomes Ergas Anexo 3 In NOGUEIRA Sergio Ann Mae
Louise Wollerman Recorte autobiograacutefico e sua contribuiccedilatildeo para historiografia de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia da Religiatildeo) Satildeo
Bernardo do Campo - SP UMESP 2003 pp 186 ndash 191
110
ANEXO B ndash Degravaccedilatildeo parcial da entrevista com Ester Ergas
Entrevista realizada por Maacutercio Joseacute de Oliveira Rocha no apartamento da missionaacuteria
Ester Gomes Ergas em Campo Grande-MS dia Janeiro de 2012 A Entrevistada foi
missionaacuteria da Junta de Missotildees Nacionais e desde 1952 atuou em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e sempre foi companheira da missionaacuteria Ana Wollerman na abertura de
escolas igrejas e treinamentos teoloacutegico atividades religiosas
Entrevista
Entrevistador Muito obrigado professora Ester pela oportunidade de me receber
conversamos sobre a missionaacuteria Ana Wollerman
Entrevistador Gostaria de comeccedilar conversando com a senhora sobre a Ana Wollerman antes
de vir para o Brasil
Colaboradora Mas isto tudo estaacute no DVD Desde as origens dos pais que os avoacutes eram
alematildees e por causa das dificuldades que a Alemanha estava passando foram para os EUA E
laacute jaacute nasceu o pai e veio outra famiacutelia que nasceu a matildee dela Natildeo se conheciam na Alemanha
se conheceram no EUA Entatildeo os pais jaacute eram dos EUA quando se casaram entatildeo formou a
famiacutelia de trecircs filhos
Entrevistador Bem Gostaria que a senhora falasse de alguma coisa que talvez vocecircs tenham
conversado em outro momento e na hora de organizar as ideacuteias no DVD ela natildeo tenha
lembrado Por exemplo que escolas ela se formou ainda quando era crianccedila
Colaboradora No Seminaacuterio Fort Worth aquele grande Seminaacuterio
Entrevistador Ainda quando crianccedila
Colaborador Natildeo jovem porque a escola que eles frequumlentam quando crianccedila eles fazem em
oito anos Como escola primaacuteria depois vem o Junior que eacute como o nosso segundo grau
preparaccedilatildeo para o segundo grau
Entrevistador Ela estudou em escolas publicas ou escolas da Igreja
Colaboradora Eu acho que era escola puacuteblica Ela natildeo diz ali mas ela diz que os pais eram
pobres e os avoacutes agricultores O pai trabalhava em linha de trem em ferrovia Entatildeo ela diz
que os pais nunca puderam dar os estudos e quando ela entrou neste seminaacuterio
111
primeiramente ela pediu uma bolsa pra ela trabalhar e com o trabalho pagar os estudos mas
eles natildeo concederam E ela entatildeo como jaacute havia entregado a vida pra Deus falou com Deus
ldquoTu que tens que abrir uma portardquo ndash E ela diz que poucos meses depois quando estava
trabalhando na mesma escola onde fez ldquoBelas Artesrdquo que aquela ela conseguiu bolsa e foi
para laacute trabalhar Ela diz entatildeo que o diretor pediu ldquovocecirc vai fazer uma palestra falando do
valor de uma escola batistardquo porque ela era professora ndash ldquoporque com isto noacutes vamos
arrecadar dinheiro em beneficio da nossa instituiccedilatildeordquo e ela quando fez esta palestra o orador
daquela Convenccedilatildeo era o diretor do Seminaacuterio deste grande Seminaacuterio Fort Worth
Entatildeo quando ela terminou a palestra ele mandou um bilhete que queria conversar com ela
Quando ela foi conversar ele ofereceu ldquoVocecirc pode ser minha secretaacuteria particular e no iniacutecio
das aulas eu consigo uma bolsa para vocecircrdquo Porta maravilhosa que Deus abriu
Entrevistador Quando comeccedilou seu interesse em se dedicar ao trabalho missionaacuterio
Colaboradora Comeccedilou quando ela foi assistir a um retiro que houve o apela ela disse que
foi chorando e se entregou a Deus Neste tempo eacute que ela desejou ir pra o Seminaacuterio e natildeo
conseguiu do proacuteprio diretor ser o proacuteprio orador oficial
Entrevistador E sobre a famiacutelia dela seus encaminhamentos a senhora poderia falar sobre
isto para nos ajudar entender quem eacute esta Ana Wollerman
Colaboradora O irmatildeo foi contador casou-se e natildeo tiveram filhos A irmatilde morreu solteira jaacute
com cinquumlenta e tantos anos de um cacircncer entatildeo a famiacutelia dela era pequena quando morreram
a matildee o pai jaacute havia morrido o irmatildeo primeiro e a irmatilde e ficou soacute ela A uacutenica sobrevivente
Entrevistador A senhora poderia falar de um periacuteodo que ela menciona ter se destacado nos
estudos no EUA
Colaboradora Ela sempre foi aplicada em tudo natildeo somente nos estudos (nesta eacutepoca que eu
nem a conhecia) mas aqui no Brasil eu via como que era tudo quase que perfeito e ela exigia
de todo mundo isto que se natildeo estivesse bom precisava fazer outra vez Muito dedicada eu
sofri na matildeo dela porque eu tinha que jogar fora alguma carta que eu escrevia para melhorar
Agora uma coisa tambeacutem que (porque eu tive diversas vezes nos EUA com ela umas sete
vezes) e o que eu percebi e que me admirava era de ver o amor o mesmo que povo dedicava
aqui com ela era nos EUA com ela Era abraccedilada beijada e muito requisitada para falar nas
igrejas O tempo que eu estive laacute nossa Noacutes visitamos muitas igrejas Porque eu falava do
Brasil e ela interpretava
112
Entrevistador Eu estava observando o contexto da Ana Wollerman nos EUA iniacutecio do seacuteculo
XX onde os movimentos feministas nas suas mais diversas vertentes eram muito fortes e
insistentes em sua luta pelos direitos da mulher na sociedade na igreja etc (isto natildeo somente
no EUA mas tambeacutem aqui no Brasil) a senhora se lembra de Ana Wollerman ter comentado
alguma coisa sobre istoE como ela se posicionava
Colaboradora Olha Ela nunca teve dificuldades nem laacute nem aqui Ela cancelava os convites
das igrejas por natildeo dar conta Nunca ouvi algum pastor dizer ldquoNatildeo vou convidar a Ana
Wollerman por ela ser mulherrdquo Nunca Nunca
Entrevistador Ela chegou comentar com a senhora alguma situaccedilatildeo que acontecer antes de vir
para o Brasil Noacutes sabemos que no Brasil ela constroacutei uma histoacuteria na denominaccedilatildeo que daacute
reconhecimento de seu trabalho prestado mas antes disso ela teve que construir esta imagem
positiva Neste sentido ela chegou comentar alguma coisa com a senhora deste periacuteodo antes
do Brasil
Colaboradora Natildeo nunca Mas o nosso DVD conta que quando ela se apresentou a Junta
pensando agora deu certo para eu viajar para o Brasil e ser uma missionaacuteria ela natildeo foi aceita
pela Junta de Missotildees e houve algum ela natildeo preencheu os requisitos que tinham laacute mas isto
ela disse que se sentiu muito triste foi uma frustraccedilatildeo mas ela natildeo desistiu nem desanimou
Foi outra oportunidade para ela dizer a Deus ldquoeu irei para o Brasil com nomeaccedilatildeo ou sem
nomeaccedilatildeordquo e nunca ela fez referecircncia a razatildeo porque natildeo foi aceita nunca Ela nunca
comentou Houve coisas que aconteceram que agente deduz mas que ela natildeo tinha interesse
em falar entatildeo agente soacute pensa ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo Natildeo nunca Nunca O que
houve foram coisas que aconteceram que a gente deduz mas que ela natildeo tinha interesse em
falar entatildeo a gente soacute pensa ndash ldquoPorque que ela natildeo foi aceitardquo
Entrevistador Eu observei na entrevista do pastor Seacutergio com o Bill Sherwood e numa
conversa minha com o pastor Manoel Jacinto que ela comentou que teria sido divorciada A
senhora poderia falar sobre isso
Colaboradora Natildeo ela nunca comentou Mas isto natildeo serviu de impedimento Uma mulher
sozinha sem salaacuterio sem falar a liacutengua enfrentar um paiacutes novo com tudo diferente e como
que ela viveria aqui sem dinheiro ndash Deus proporcionou aqueles jovens da escola que ela era
professora que fizeram aquele jogo que foi pago e o rendimento ofereceram a ela para
viagem porque ela viajou num navio cargueiro para o Brasil e depois eles mandavam
mensalmente cinquumlenta doacutelares vinte doacutelares Eles eram jovens da escola que ela dava aula
113
O Kellow veio depois Quando ela natildeo foi aceita pela Junta Entatildeo ela foi para
Igrejaigrejaeu natildeo estou lembrando agora Trabalhar como educadora nesta igreja e
remunerada Ela foi diretora do departamento de Jovens Nesta eacutepoca estavam os jovens
Aroldo ecomo era o nome delanatildeo lembro Eles se casaram nesta eacutepoca e ficaram muito
ricos porque eles trabalhavam com venda de pedras preciosas no mundo todo Quando a Dona
Ana jaacute estava aqui no Brasil eacute que eles mandaram aquela oferta grande de cento e cinquumlenta
mil doacutelares pra ela fazer o que desejasse com este dinheiro
Entrevistador A senhora poderia falar um pouco sobre o iniacutecio da escola em Amambai
Colaboradora Nossa A pouco tempo tecircm uns cinco anos que a Cacircmara laacute de Amambai quis
homenageaacute-la e ela jaacute natildeo tinha mais condiccedilotildees de vir ao Brasil isto tem mais ou menos uns
cinco anos Entatildeo todas as professoras daquele tempo estiveram presentes no tempo que Le a
era a diretora da escola eu cheguei laacute em 52 [1952] e eles me pediram para eu representar a
Ana Wollerman na honra grande e ofereceram pra ela aquela placa homenageando e o
agradecimento pela contribuiccedilatildeo na educaccedilatildeo quando natildeo havia nada em Amambai nada de
escola nada
Sobre o objetivo da Escola
Era Vila Uniatildeo antes entatildeo ela abriu aquela escola visando a parte evangeliacutestica Todos os
dias era ensinado para as crianccediladas sobre Jesus isto era infaliacutevel todos os dias(2116 ndash
2129)
Iniacutecio da Escola
Jaacute comeccedilou grande a escola Natildeo sei se jaacute havia 1ordm 2ordm e 3ordm mas provavelmente porque ela diz
de trecircs turmas quando fez o Instituto Biacuteblico que ela foi buscar no Paranaacute os alunos que ela
havia mandado pra laacute mas escola primaacuteria eacute possiacutevel que jaacute tivesse alguma crianccedila que jaacute
tivesse 2ordm 3ordm ano mas provavelmente por natildeo haver nada antes eacute possiacutevel que jaacute comeccedilou do
iniacutecio (3003 ndash 3042)
Onde moravam os alunos
Entrevistador Os alunos todos moram na Vila ou tinha alguns que moravam nas
Colaboradora Sim moravam na Vila ateacute os que moravam na chaacutecara tinham que ir morar
naquela Vila pra estudar A escola de Jaciara que foi diferente porque noacutes chegamos laacute no
comeccedilo da cidade A cidade estava se formando e as crianccedilas vinham de longe que os pais
114
estavam armando aqueles casebres tendas e as crianccedilas vinham e ficavam o dia inteiro laacute
conosco porque natildeo condiccedilatildeo de vir e voltar era distante (3046 ndash 3130)
Escola oferecia almoccedilomerenda escolar
Entrevistador A escola oferecia algum lanche ou almoccedilo
Colaboradora Oferecia Noacutes tiacutenhamos uma pessoa que cozinha e daacutevamos aula para agravequelas
crianccedilas o dia todo Eram cento e tantas cento e cinquumlenta Ela descobriu que o governo
estava dando leite em poacute Ela solicitou conseguimos aqueles sacos grandes e os proacuteprios pais
contribuiacuteam com mantimentos porque eles jaacute estavam plantando arroz feijatildeo (3137 ndash 3220)
A escola cobrava um valor por crianccedila
Entrevistador A escola era mantida por quem
Colaboradora Era cobrado um valor pequeno de cada crianccedila pra poder manter a escola
porque havia as professoras que eram pagas Era todo mundo fazendo por amor porque o
ldquosariozinhordquo tambeacutem era pequeno (3222 ndash 3247)
Professoras
Mas em geral era todo mundo da igreja tinha eu soacute que vinha de fora Porque terra de cego
quem tem olho eacute rei entatildeo alguma moccedila da igreja que tinha pelo menos o curso primaacuterio era
uma das professoras
Entrevistador Em principio ela era professora sozinha
Colaboradora Eacute ela trouxe umas moccedilas daqui jaacute de Campo Grande quando abriu laacute
Entrevistador A senhora lembra o nome de algumas delas
Colaboradora Maria Martini Marlucia Jcovi as duas eu encontrei laacute quando cheguei Elas jaacute
tinham terminado o primeiro grau que naquele tempo era o Ginaacutesio Elas interromperam
foram tornar professoras laacute em Amambai(3248 ndash 3406)
A Escola
Entrevistador A escola ficou na casa do pastor por quanto tempo
Colaboradora Por pouco tempo Eu acho que porqueVocecirc sabe que ela fez um voto de
nunca pedir nada a ningueacutem a natildeo ser a Deus Entatildeo logo que se tornou um grupo de crentes
Estes proacuteprios crentes foram construindo Templo e uma sala pra escola Quando eu cheguei laacute
115
estava uma escola com umas trecircs salas grandes de madeira e o Templo de tijolos (3400 -
3451)
Conteuacutedo escolar
Entrevistador Outra coisa que eu tenho interesse eacute saber que conteuacutedo ela ensina na escola
Colaboradora Ela deve ter conseguido alguma orientaccedilatildeo com o pastor da primeira Igreja
onde ela era membro Que era aquele o rapaz era Gioacuteia Juacutenior acho que o pai tinha o mesmo
nome Pastor Gioacuteia soacute pode ser Porque ateacute quando eu cheguei em 52 era outro pastor Altino
Vasconcelos Eu escrevi pra ele que me desse algumas informaccedilotildees pra eu poder passar pra
crianccedilas sobre o Estado (3454 ndash 3634)
As crianccedilas
Entrevistador A faixa de idade das crianccedilas que comeccedilam na escola
Colaboradora Comeccedilava todo mundo tarde ateacute quando eu cheguei em 52 eram crianccedilas de
nove dez onze doze anos que comeccedilavam a estudar Conhece o pastor Albino Ferraz
Entrevistador Soacute de ouvir falar
Colaboradora Ele foi meu aluno Ele comeccedilou jaacute tinha uns nove anos Porque o povo natildeo
tinha onde por os filhos pra estudar Ficavam na roccedila
(3643 ndash 3721)
Curriacuteculo da escola
Entrevistador Quando a senhora chega em 1952 A senhora saberia me dizer que curriacuteculo
era ensinado
Colaboradora Ensinaacutevamos tudo Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias e
pra isto noacutes tiacutenhamos que estudar pra passar para as crianccedilas Porque nesta altura ningueacutem
lembrava de nada para dar no ensino Eu lembro que eu estudava muito para dar conta
Entrevistador Tinha alguma disciplina voltada para evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Sim Todos os dias Tiacutenhamos as duas ou trecircs primeiras aulas acho que duas
que ali tiacutenhamos que todos crianccedilas professoras iacuteamos pra o Templo e laacute cada dia uma
professora ensina alguma histoacuteria biacuteblica isto era infaliacutevel todos os dias
Entrevistador Como as famiacutelias viam isto
116
Colaboradora Natildeo tinha problema nenhum Nunca Nunca tivemos algum pai que veio pra
dizer meu filho natildeo frequumlentar natildeo Todos estavam ali todas as crianccedilas Depois de anos
muitos anos eu ficava sabendo de crianccedilas que se converteram naquela eacutepoca (3722 ndash
3957)
Visitaccedilotildees aos familiares dos alunos
Entrevistador Ela fazia um trabalho de visitaccedilatildeo aos familiares das crianccedilas
Colaboradora Sim sem conduccedilatildeo Depois tiacutenhamos uma aldeiazinha perto de Amambai e noacutes
iacuteamos todos de cavalo pra aldeia Depois ela ganhou da Missatildeo uma caminhonete e a gente
andava na caminhonete (risos)- (4358 ndash 4428)
Importacircncia da Igreja para cidade
Entrevistador A Igreja tinha influecircncia na cidade
Colaboradora Tinha Tinha Era uacutenica igreja era soacute aquela e um jovem da proacutepria igreja se
tornou pastor depois ele saiu foi para o seminaacuterio mas ele dirigia muito bem com muita
dedicaccedilatildeo e logo se casou entatildeo ateacute alguns dos filhos dele eacute pastor hoje (4640 ndash 4717)
Doaccedilotildees que AW fez
Ela nunca comentava as doaccedilotildees que ela fazia Ela natildeo comentava mas eu presenciei fatos
que ela natildeo comentava mas que estava presente Mas ela foi uma pessoa assim muito
discreta Ela fazia aquelas obras e natildeo dizia o que ela fez Aquele pastor Geraldo Ventura de
Cuiabaacute Ela disse que foi uma cidade que ela amou muito e que saiu de laacute chorando Ela dizia
ldquoeles eram tatildeo bondosos comigo que eu saiacute chorando de Cuiabaacuterdquo E Este pastor Geraldo se
interessou muito em fazer isto que vocecirc estaacute fazendo Noacutes entramos juntas no gabinete dele eu
estava sempre junto com ela e uma das perguntas foi ldquoDona Ana me fala quantos carros a
senhora jaacute doou para os obreirosrdquo (Porque ela comprava carros usados e dava para o
obreiros) ndash Ela ficou muito constrangida e ela disse ldquoEu natildeo posso precisar mas estaacute por uns
cinquumlenta por aiacuterdquo (5006 ndash 5150)
Uma escola para cada Igreja
Entrevistador
A senhora falou que ela abriu pelo menos umas sete escolas
Colaboradora Umas dez porque foi Guiratinga foi Jaciara foi Cuiabaacute foi Amambai Nossa
Gloacuteria de Dourados foi uma das primeiras depois de Amambai Toda Igreja que ela iniciava e
117
era construiacutedo um Templo ela perguntava s e queria funcionar uma escola Porque ela viu que
atraveacutes das crianccedilas era um meio muito faacutecil de entrar na famiacutelia A maior foi a de Amambai e
Gloacuteria de Dourados tinha professora formada se tornou grande tambeacutem As outras foram
menores mas nunca tinha menos que cem cento e poucos alunos (5259 ndash 5453)
Cotidiano da escola
Ali [Amambai] era o dia todo Noacutes tiacutenhamos um periacuteodo da manhatilde que ternava 11h e comeccedila
12h 1h e ia ateacute tardinha 5h e quando era 7h tiacutenhamos aula de alfabetizaccedilatildeo para adultos ndash
todas estas escolas porque sabe que o povo natildeo tinha como estudar se aquelas crianccedilas
entravam na escola com dez doze anos os pais nunca puderam
Entrevistador Ateacute que seacuterie a escola oferecia
Colaboradora Ateacute a ultima que naquele tempo era a quinta Depois ela tinha um
discernimento dado por Deus que ela incentivava aqueles que eram pra continuarem Muitos
ela trouxe no caso de Amambai para Campo Grande os de Jaciara para Cuiabaacute (5455 ndash
5626)
118
ANEXO C ndash Degravaccedilatildeo com Almiro Pinto Sobrinho
Entrevista com Almiro Pinto Sobrinho em seu local de trabalho Hospital Regional de
Amambai-MS O mesmo foi aluno eacute membro da Igreja Batista Central em Amambai e escritor
memorialista da cidade
Entrevista
Entrevistador Sr Almiro a gente jaacute tem conversado o dia todo o senhor tem me ajudado com
alguns documentos sobre Historia dos batistas em Amambai e a Histoacuteria de Amambaiacute mas
ainda eu gostaria de conversar um pouco mais sobre o assunto Quando o Senhor comeccedila a
estudar e quando comeccedila o primeiro contato com a educaccedilatildeo batista
Colaborador O meu primeiro contato eu natildeo sei citar com relaccedilatildeo agraves datas mas foi mais ou
menos em 45 46 que o Seu Evandro estava aqui em Amambaiacute como evangelista e aiacute ele
atendia a congregaccedilatildeo da igreja e mantinha uma escolinha partiacutecula que era pra completar o
salaacuterio dele entatildeo foi aiacute que eu tive o primeiro contato nessa escola dele estudava o Antocircnio
Carlos filho do Seu Antocircnio Martins eu e uma filha do Seu Otaciacutelio Belmonte noacutes eacuteramos 3
alunos e ele cobrava da gente 10 cruzeiros por mecircs Entatildeo ele deu este iniacutecio depois ele foi
embora aiacute que veio a D Ana A informaccedilatildeo que eu tenho eacute que em 1947 ela jaacute estava aqui
organizando tudo isso Quando a igreja foi organizada a igreja Batista foi organizada em 18
de Julho de 48 a escola batista jaacute estava funcionando com essa estrutura que a D Ana trouxe
que era ateacute entatildeo as escolas daqui natildeo tinham o programa assim de seacuteries de promoccedilatildeo o
aluno entrava e fazia o primeiro ano e depois era promovido isso natildeo acontecia os alunos
iam estudando assim sem esse criteacuterio Ela que foi quem que organizou a primeira escola
praticamente com essa modalidade Olha Da igreja como organizada com membros e tudo
ela comeccedila me parece um pouquinho antes Eacute faacutecil de conferir porque eacute soacute a gente ver
quando que a D Ana veio para o Brasil Aiacute a gente sai dessa duacutevida se comeccedilou em 47 ou se
comeccedilou em Janeiro de 48 Quando ela chegou a organizaccedilatildeo da igreja jaacute estava funcionando
porque a fotografia que tem no livro eacute em frente agravequela casa de madeira coberta de tabuinha
aonde funcionava a congregaccedilatildeo e laacute dentro durante a semana funcionava a escola batista
Entrevistador O Senhor disse que comeccedilou a estudar na escola batista e que ela trazia uma
novidade que eacute a escola seriada mas na conversa anterior o Senhor disse que teve algumas
dificuldades O Senhor poderia dizer porquecirc que o Senhor teve essas dificuldades na escola
batista com conteuacutedo e com o que o Senhor jaacute vinha aprendendo antes
119
Colaborador Essa dificuldade eacute em funccedilatildeo dessas escolas particulares natildeo existiam um
programa natildeo existia as mateacuterias tudo separadas E aquele grupo era do primeiro ano ateacute o
quarto ano entatildeo cada ano daquele tinha as mateacuterias especiacuteficas e eu estudei nessas escolas
particulares que natildeo tinha isso aiacute entatildeo eu sabia parte de matemaacutetica eu sabia bastante eu
sabia fazer bastante caacutelculo bastante conta eu sabia calcular aacutereas de terras porque laacute as
escolas particulares assim elas tinham uma finalidade de passar as informaccedilotildees que seriam
utilizadas no dia a dia Entatildeo eles ensinavam porque a gente trabalhava na roccedila a gente tinha
que saber se ia mandar carpir um pedaccedilo tinha que medir e calcular qual foi a aacuterea pra pagar
por aquele caacutelculo Eles ensinavam nessas escolas particulares por exemplo vocecirc comprar
um tecido de 210m de 200 reais o metro quanto que vocecirc ia pagar Eles ensinavam quando
vocecirc ia comprar alguma coisa de quilo quantos quilos por preccedilo de tanto quantos vocecirc ia
pagar Entatildeo isso aiacute eles achavam que ele tinha capacidade pra entrar no quarto ano E aiacute eu
fui pra entrar no quarto ano E aiacute eu cheguei laacute eles perguntaram sobre histoacuteria eu natildeo sabia
nada perguntaram sobre geografia eu natildeo sabia nada ia escrever eu natildeo sabia Entatildeo eles
chegaram a conclusatildeo que eu natildeo ia acompanhar de maneira nenhuma o quarto ano Aiacute eles
usaram a seguinte taacutetica olha Miro vocecirc vai pra outra turma noacutes vamos te colocar noutra
turma mas eles natildeo me disseram que eu ia laacute pro primeiro ano Aiacute eu fui laacute pro primeiro ano
laacute eacute que eu fui comeccedilar a aprender esses negoacutecios de geografia histoacuteria e aprender porque eu
sabia por exemplo todas as letras eu sabia quais que eram as vogais as consoantes eu sabia
o alfabeto de traacutes pra frente tudo eu sabia mas chegar na hora de escrever pontuaccedilatildeo essas
coisas eu natildeo sabia nada Entatildeo fui para no primeiro ano Isso eu comecei em agosto fiquei
ateacute o fim do ano no fim do ano quando eu completei o primeiro ano bem colocado e tudo
mas soacute que no ano seguinte eu natildeo voltei mais pra escola fui pra chaacutecara e natildeo voltei mais
Entrevistador Aleacutem das mateacuterias de Geografia Histoacuteria Matemaacutetica Portuguecircs que o senhor
jaacute vinha estudando e agora na Escola Batista o senhor lembra-se de outras mateacuterias
Colaborador Natildeo o que muito importante era a abertura da aula Tinha um dia da semana
que a professora chegava e contava uma histoacuteria lia uma histoacuteria Essa histoacuteria que ela lia ela
tinha um fundo moral era uma historia educativa Entatildeo isso aiacute era uma coisa muito
importante Outra coisa interessante que tinha na escola tambeacutem que o fechamento do ano a
gente ia fazendo durante o ano a gente fazia desenho fazia desenho a Mao livre fazia
desenho geomeacutetrico Esse desenho geomeacutetrico por exemplo eles davam a liberdade de vocecirc
projetar uma casa vocecirc tinha que fazer um desenho assim entatildeo era tudo com as medidas
tudo calculado E isso aiacute tudo era feito em folhas de papel e guardado na secretaria da escola
120
No fim do ano no fechamento do ano letivo todos aqueles trabalhos eram colocados na mesa
com o nome do aluno e convidava os pais aiacute tinha o culto e depois os pais iam visitar aquela
mostra que hoje eacute considerado feira cientiacutefica Entatildeo tinha isso aiacute E tambeacutem tinha a parte
ciacutevica os alunos natildeo era todo dia mas um dia da semana eram colocados os alunos tudo em
fila em frente da escola era hasteado a bandeira e cantado o hino nacional cantava-se o hino
agrave bandeira e cantavam-se alguns outros hinos que eu natildeo me lembro todos Tinha essa parte
ciacutevica tambeacutem bem colocada
Entrevistador O senhor fala no livro que o senhor escreveu sobre a historia dos batistas em
Amambaiacute que era uma educaccedilatildeo cristatilde O que o senhor esta querendo dizer com lsquo educaccedilatildeo
cristatildersquo
Colaborador Eu quis dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde porque tinha sempre durante a
semana uma introduccedilatildeo na aula antes de comeccedilar a aula um culto um comentaacuterio uma
leitura biacuteblica uma informaccedilatildeo e as histoacuterias que eram lidas eram escolhidas pra escola
dominical natildeo sei de onde eles tiravam mas sempre tinha uma informaccedilatildeo cristatilde por isso
que achei que a colocaccedilatildeo seria correta em dizer que era uma educaccedilatildeo cristatilde
Entrevistador O senhor lembra tambeacutem com base nas pesquisas que o senhor fez sobre a
histoacuteria dos batistas qual era a aceitaccedilatildeo que a escola tinha na sociedade
Colaborador Um ponto muito interessante que a gente viu foi o seguinte a escola ela logo
pegou uma credibilidade muito grande na cidade todo mundo queria pocircr o filho laacute na escola
Outra coisa que levou essa credibilidade foi que tinha na eacutepoca pra vocecirc entrar no chamado
ginaacutesio que eacute essa parte que esta incluiacuteda no ensino fundamental do 5 ao 9 esses 4 anos pra
vocecirc sair do grupo vocecirc tinha que passar por um tipo de exame de admissatildeo quer dizer era
uma exame de admissatildeo mesmo tinha mateacuteria especifica o grupo dava como quinto ano e a
escola batista dava como exame de admissatildeo Entatildeo essa mateacuteria era ministrada junto no
quarto ano no segundo semestre era ministrada essas mateacuterias aiacute Entatildeo os alunos saiam
daqui pra estudar fora aqueles que tinham condiccedilotildees chegavam laacute e faziam esse exame de
admissatildeo e sempre eram bem colocados Isso voltava em favor da credibilidade da escola do
ensino que era bem feito bem ministrado
Entrevistador O Senhor poderia falar sobre o Grupo Escolar
Colaborador Eles usavam naquela eacutepoca eu natildeo sei por qual motivo que eles falavam eles
falavam que os alunos eram do grupo Porque no grupo escolar que tinha as escolas publicas
eles soacute ensinavam ate aquele limite entatildeo de cinquenta e poucos pra frente jaacute tinha o grupo
121
escolar com essa expressatildeo ldquoGrupo Escolarrdquo E os alunos entatildeo estavam no grupo quem
estava nesses quatro primeiros anos era considerado que estava no grupo Era um uso que
tinha na eacutepoca
Entrevistador Havia um valor cobrado pra quem estudava na escola
Colaborador Existia um valor todos pagavam uma mensalidade Mas existia uma toleracircncia
muito grande com relaccedilatildeo aqueles que natildeo podiam Ningueacutem deixou de estudar porque natildeo
pagou ou se os pais natildeo estivessem pago por que estava em atraso um motivo qualquer o
aluno ser tolhido qualquer coisa natildeo existia E porque os pais nem sempre tinham dinheiro
todo mecircs O agricultor por exemplo tinha dinheiro quando vendia uma vaca um produto
entatildeo as vezes ele pagava 2 meses 3 meses atrasava um pouco mas nunca se ouviu falar que
o Pedrinho o Joatildeozinho vai deixar de fazer prova porque estava devendo nunca aconteceu
isso
Entrevistador Qual o valor cobrado
Colaborador Era um valor acessiacutevel na base de 15 cruzeiros era mais ou menos isso que se
pagava por mecircs Uns pagavam menos natildeo se sei se tinha diferenccedila nas seacuteries tambeacutem
diferenccedila de valor Era um valor que a gente fazia na chaacutecara uma lata de manteiga do
tamanho dessas latas de aveia Quacker a gente vendia por 18 mil reacuteis entatildeo a gente pagava
menos que uma latinha
Entrevistador Essa latinha representava mais ou menos o que em comparaccedilatildeo de hoje
salaacuterio uma diaacuteria
Colaborador Umas 800 gr de manteiga Ah isso aiacute eu natildeo lembro porque natildeo existia naquela
eacutepoca Existia sim o trabalho de peatildeo que trabalhavam por dia mas eu natildeo lembro do valor
Entrevistador No livro o senhor fala de uma orientaccedilatildeo profissional o que seria
Colaborador A orientaccedilatildeo profissional que era dada na escola eram palestras natildeo chegavam
a fazer um teste de aptidatildeo mas faziam palestras por exemplo dizendo qual a funccedilatildeo do
medico o engenheiro Mas era mais ou menos isso aiacute Natildeo so essa profissatildeo de ensino
superior mas como outras profissotildees eles davam sentido do que era a profissatildeo de um
carpinteiro A escola natildeo tinha um curso de carpinteiro mas ela explicava a funccedilatildeo do
carpinteiro do lavrador valorizando o trabalho do lavrador na questatildeo de produzir gecircneros
alimentiacutecios Sempre tinha palestra de orientaccedilatildeo nesse sentido
122
Entrevistador Natildeo sei se eacute do conhecimento do senhor eu estava ali vendo o documento que
deu o titulo de cidadatilde Amambaiense pra D Ana Wollerman mas eu vi tambeacutem uma carta
como se fosse um abaixo de assinado de pessoas que estavam agradecendo pelo ensino
oferecido isso em 1951 e tambeacutem ofertando uma quantia em dinheiro 500 cruzeiros 50
cruzeiros O senhor saberia dizer com que frequecircncia se dava esse auxilio essa relaccedilatildeo entre
as escolas e essas ajudas
Colaborador Isso aiacute eu natildeo sei eu natildeo participei porque nesse periacuteodo eu ainda morava na
chaacutecara Eu vim pra caacute mais ou menos em 1950 52 mais ou menos eu comecei morar aqui na
cidade Essas coisas aconteciam mas a gente natildeo tomava conhecimento porque eu natildeo estava
envolvido
Entrevistador E a relaccedilatildeo da Ana Wollernan com as outras lideranccedilas religiosas o
Catolicismo por exemplo
Almiro O Catolicismo na eacutepoca em que ela viveu aqui no comeccedilo natildeo existia um Padre aqui
na cidade entatildeo vinha um Padre de Ponta Poratilde ele vinha jaacute tinha algumas pessoas aqui a D
Joana Cassat a D Essi Fonseca algumas pessoas aiacute que jaacute preparavam toda a vinda do padre
Preparava quem queria batizar quem queria crismar preparava toda aquela agenda O Padre
vinha aqui fazia o trabalho e continuava ia ate Iguatemi entatildeo natildeo tinha aquela frequecircncia
Houve uma vez um caso interessante aqui mas natildeo com relaccedilatildeo a escola foi com relaccedilatildeo ao
Pastor Veio pra caacute o Pr Dagoberto ele era do Rio e natildeo sei o que aconteceu que no alto
falante da igreja Catoacutelica eles fizeram referencia negativa agrave igreja Batista e o pastor ligou o
motor da igreja e ligou o auto falante da igreja e retrucou de laacute isso aiacute foi um fato que
aconteceu eu me lembro o Padre da igreja eu natildeo me lembro mas o Pastor da Igreja era esse
Dagoberto Esse Dagoberto que tentou organizar o Ginaacutesio naquela ata ali Agraves vezes tinha
aquela piadinha assim o pessoal da igreja saiacutea e ia laacute na quermesse aiacute algueacutem de laacute dizia
assim ldquoAvisa o Pastor laacute que as ovelhas dele estatildeo fugindo e estatildeo vindo aquirdquo Tinha essas
coisinhas assim mas dizer que houve uma rixa uma perseguiccedilatildeo agraves vezes um aluno ia de
uma escola pra outra sem problema nenhum tambeacutem
Entrevistador Certo Estamos encaminhando para o encerramento dessa nossa conversa o
senhor poderia falar por exemplo sobre a relaccedilatildeo das professoras com os alunos se era uma
relaccedilatildeo mais aproximada nos temos a imagem daquele professor riacutegido natildeo somente no
ensino mas tambeacutem na forma de se relacionar
123
Colaborador O que eu acompanhei que foi esse periacuteodo pequeno que eu estive na escola era
uma relaccedilatildeo de muito respeito O professor era laacute na frente separado mas vocecirc encontrava os
professores na rua cumprimentava elas alegres conversava com os alunos Existia um limite
existia um respeito e existia uma convivecircncia agradaacutevel Nos natildeo tivemos professor muito
draacutestico nos tivemos professores muito preparados porque a maioria dos professores da
escola pegavam aqui as pessoas que tinham certo conhecimento Essa Maria Ap por
exemplo tinha estudado fora ela foi ser professora essa Nelci Peixoto ela tambeacutem estudou
fora no Coleacutegio das Irmatildes em Ponta Poratilde Eles traziam muito professor do Instituto laacute do Rio
do IBC naquele tempo funcionava A Igreja se preparava tinha um grupo de mocas se
formando laacute a igreja jaacute mandava os convites Entatildeo vieram varias pessoas e de Ponta Poratilde
tambeacutem
Entrevistador soacute professoras ou tinha professores tambeacutem
Colaborador Natildeo tinha professores
Entrevistador E na sala de aula meninos e meninas estudavam juntos ou eram separados
Colaborador Ali que comeccedilou outro aspecto que natildeo era obrigado eles estudavam na mesma
sala soacute que tinha uma ala para os meninos e uma ala para as meninas Isso foi mantido na
igreja por muito tempo Vocecirc e entrava na igreja tinha um corredor os homens iam para um
lado e as mulheres para outro Eacute interessante isso perdurou por um bom tempo Mas no
recreio todos brincavam junto Tinha um negocio que acontecia as vezes quando algueacutem
aprontava qualquer coisa o castigo era sentar junto com as meninas Pocircr um menino no meio
das meninas todo mundo ficava tirando sarro
Entrevistador O contraacuterio acontecia tambeacutem
Colaborador Acontecia tambeacutem Mas era uma pratica que agraves vezes acontecia eram as armas
Castigo natildeo tinha por que naquela eacutepoca os alunos iam pra escola e eram muito respeitosos
alguns eram meio danados
Entrevistador A faixa etaacuteria dos alunos era igual
Colaborador Tinha bastante diferenccedila porque quando comeccedilou a igreja batista vieram os que
estavam parados e foi feito uma adaptaccedilatildeo Entatildeo agraves vezes tinha aluno bem pequeno com
bem grande no primeiro ano e assim nos outros anos em funccedilatildeo de todos natildeo terem
comeccedilado na mesma eacutepoca Tinha todas as classes primeiro segundo terceiro Todo mecircs era
feito prova e o encerramento Esse encerramento era um culto de manha na igreja convidava
124
os pais pra virem e ali eram dadas classificaccedilotildees alunos que se destacaram uns na redaccedilatildeo
outros na matemaacutetica eles procuravam distribuir natildeo centralizar num soacute Na maioria era as
matildees que vinham Outra coisa interessante os pais vinham na igreja mas aquelas pessoas que
aceitaram e cederam as casas natildeo foram as famiacutelias que fundaram a igreja elas ficaram de
fora Um fator muito importante E o mesmo aconteceu na igreja catoacutelica
Entrevistador E as professoras que davam aula na escola elas tambeacutem assumiam lideranccedila na
EBD
Colaborador Elas assumiam Normalmente elas vinham do IBC elas faziam o curso de
Educaccedilatildeo Religiosa e entatildeo na EBD elas contavam historias para as crianccedilas pequenas Era
distribuiacutedo As Joacuteias de Cristo que era uma Literatura que vinha em folhas que a gente ia
juntando e fazendo caderninho com historias No periacuteodo que elas natildeo estavam lecionando
elas faziam muitas visitas aos pais dos alunos com o intuito de trazer pra igreja Eram visitas
bem agradaacuteveis elas eram bem preparadas
Entrevistador Elas atingiram o objetivo Veio muita gente pra igreja
Colaborador Eu acho que sim Se forem estudados os fundadores a grande maioria tinha
filhos na escola e se tornaram membros da igreja depois O Sr Antonio Martins por
exemplo que foi praticamente o tesoureiro vitaliacutecio da igreja os filhos dele estudaram ali A
grande parte deles veio pra igreja por causa dos filhos eu acho que a escola atingiu o objetivo
tanto na questatildeo do ensino como tambeacutem no objetivo de evangelizar
Entrevistador Pra gente encerrar os materiais escolares como eram Que cadernos eles
usavam eles recebiam uma ajuda da escola
Colaborador Se a crianccedila viesse pra escola e natildeo tivesse caderno eles distribuiacuteam caderno
laacutepis laacutepis de cor Era feito muita coisa em folha solta tipo a4 entatildeo se ia fazer um dever
qualquer ali na sala e o aluno natildeo tinha eles davam a folha Eles davam o caderno no final do
ano vocecirc ganhava uma sacolinha normalmente vinha um livro de histoacuteria de acordo com a
serie que vocecirc terminou uma caixa de laacutepis de cor uma caixa de giz de cera borracha e os
joguinhos que tinha que jogava aquelas Sete Marias aquilo vinha para as meninas Eles
davam o material no final do ano que era um incentivo pro aluno voltar depois
Entrevistador Isso sem custo para aluno
Almiro sem custo para o aluno Eles faziam o encerramento do ano letivo fazia aquela
mostra de os alunos tinham feito e chamavam os pais e no culto que tinha na igreja era
125
distribuiacutedo pra cada um No comeccedilo natildeo era muito eu natildeo sei se essa pratica foi por muito
tempo
Entrevistador Sr Almiro muito obrigado pela conversa valeu o assunto valeu o material
que o senhor me arrumou os livros Espero que o senhor continue a disposiccedilatildeo
Colaborador Eu que agradeccedilo e pode contar comigo
126
ANEXO D ndash Degravaccedilatildeo da Entrevista com Ameacutelia Lima
Entrevista com Ameacutelia Lima em sua residecircncia em Amambai-MS dia 17122012 A
mesma morou com AnaWollerman em Amambai e Campo Grande Foi aluna merendeira e
depois professora na Escola Batista da primeira e segunda seacuterie
Entrevista
Entrevistador Eu quero agradecer pela atenccedilatildeo e pela oportunidade conversarmos sobre uma
pessoa que muito importante para histoacuteria de Amambai histoacuteria da missatildeo da Igreja e natildeo
somente do Mato Grosso do Sul mas tambeacutem do Mato Grosso Gostaria de comeccedilarmos
conversando sobre a senhora Que a senhora falasse um pouco sobre sua proacutepria histoacuteria
Colaboradora Entatildeo os meus pais moravam no siacutetio naquela eacutepoca e eles resolveram que
eu devia aprender um pouco mais porque naquela eacutepoca natildeo tinha estas escolas rurais que
agora tem nas fazendas nos siacutetios que hoje em dia tem os ocircnibus que carregam As crianccedilas
moram laacute e frequentam na cidade a escola Daiacute meu pai resolveu daiacute a gente tinha que vir agrave
peacute e era um pouco longe de laacute pra escola Vinha com os outros colegas porque era perigoso
Entatildeo meu pai resolveu de me mandar aqui pra cidade pra estudar Naquela eacutepoca a escola
que tinha em Amambai chamava-se ldquoGrupo Escolarrdquo hoje seria o antigo ldquoFelipe de Brumrdquo
aqui em Amambai Ficava localizado bem ali em frente o nosso correio daqui na avenida
Entatildeo eu vim pra aprender mais alguma coisa Natildeo sei intermeacutedio de quem que ele falou
com o Pr Valdir Vilarinho Naquela eacutepoca o Pr Valdir Vilarinho morava aqui morava ao
lado bem em frente da Igreja nossa ali onde hoje eacute o Hospital Dr Joseacute Luiz tinha casa ali
Eu vim pra ali pra parar com eles pra ajudar na casa e assim estudar Eu lembro que naquela
eacutepoca tinha pouca conduccedilatildeo era bem difiacutecil natildeo como agora Eu lembro que meu pai me
trouxe de carreta ali carreta de boi eu fiquei ali parada com ele Aiacute a Dona Marlene hoje jaacute
falecida estudava em Campo Grande Era soacute o pastor Valdir o Arnaldo e tinha um menino
que eles criavam que chamava-se ldquoNamalrdquo a gente chamava de Namal mas ele tinha outro
nome era um menino deficiente Eu vim parar com eles ali pra ajudar na casa assim e estudar
e aiacute que eu conheci o ldquoevangelhordquo ali atraveacutes deles
E fiquei ali vaacuterios tempos na casa deles morando ali Ouvindo o evangelho ali na Igreja que soacute
atravessar a rua Atraveacutes da vida deles atraveacutes de morar ali com eles
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Eu tambeacutem morei com um casal hoje falecidos era o Sr Paulino e a Dona Anaacutelia Eu morava
com eles um tempo pra estudar tambeacutem Aiacute quando eu saia para escola ela ficava me
cuidando a gente olhava pra traacutes laacute de uma distacircncia assim e ela ficava olhando pra mim ateacute
que eu entrasse no Coleacutegio
Entrevistador Se sentia responsaacutevel pela senhora
Colaboradora Eacute estas pessoas antigas assim na eacutepoca dela com meninas assim eles
cuidavam muito pra ver se natildeo ia desviar pra outro lado ou natildeo ia pra escola metia podia
mentir e Assim foi minha histoacuteria meu comeccedilo foi assim neste tempo E aiacute com morar aliacute
com o Pr Valdir e Dona Candinha Aiacute quando eles foram embora daliacute que eles tiveram um
tempatildeo jaacute vinham morando fazia um tempatildeo e depois que passei a morar com eles dali uns
anos eles foram embora me parece que pra Jardim
Este ano era mais ou menos em 1948 Aiacute jaacute tinha a casa pastoral ali como tem ateacute hoje Aiacute
eles convidaram e veio pra caacute a Dona Ana e ela morou ali Aiacute eu continuei ali passei a morar
com ela uma temporada
Na casa pastoral que a Dona Ana morou ali e morou ali com outras meninas tambeacutem Era eu
tinha a Zilaacute tinha uma outra moccedila tambeacutem morava com ela ali Pra estudar pra ajudar ela ali
na casa Cada uma tinha o dever ali pra fazer tinha sua obrigaccedilatildeo
Entrevistador Como a Ana Wollerman dirigia e organizava o funcionamento da casa
Colaboradora Era assim ela determinava o que a gente tinha que fazer e os momentos que a
gente tinha que ir pra escola e tambeacutem quando a gente tinha que sair e fazer visita A gente
era todo assim a gente natildeo fazia o que agente queria no caso a gente era sobre a direccedilatildeo dela
em todas as coisas Por exemplo principalmente na parte do almoccedilo cada uma tinha a sua
obrigaccedilatildeo Eu sabia da minha a outra sabia da dela e era assim e na hora de sair a gente saia
todo mundo junto Ela tratava como a gente fosse da famiacutelia natildeo era uma empregada
Quando ela saia a gente saia e participava tambeacutem dos trabalhos
Ali eu aprendi tambeacutem depois que eu me converti aprendi sobre o dizimo A gente natildeo tinha
noccedilatildeo destas coisas meu pai se dizia que era catoacutelico mas natildeo era aquela pessoa que dizia
ldquoeu sou catoacutelicordquo e vai naquela Igreja Tanto eacute que a Igreja era aqui e as pessoas de fora natildeo
vinha e natildeo participava Soacute dizia ldquoeu sou catoacutelicordquo mas natildeo Entatildeo eu natildeo sabia de nada Foi
ali atraveacutes da Dona Ana que a gente aprendeu e atraveacutes da Escola Biacuteblica que a gente
aprendeu a dizimar Quanto que agente ganhava e quanto por cento que a gente dizimava
tambeacutem sobre o culto domeacutestico
128
Entrevistador A senhora lembra como era feito o culto domestico
Colaboradora Ela sempre procurava da gente fazer de amanhatilde Na parte da manhatilde antes do
cafeacute mas as vezes quando natildeo se encaixava quando as vezeseacute que ela tinha muita
ocupaccedilatildeo ela era muito chamada naquela eacutepoca Daiacute ela nunca deixava de fazer ela nunca
dizia ldquohoje natildeo deu amanhatilde natildeo deurdquo ela nunca deixava de fazer ela sempre programava
um outro horaacuterio pra gente fazer ndash Todos os dias por isso que eu falo o objetivo dela era a
evangelizaccedilatildeo era a prioridade Entatildeo procurava um horaacuterio depois do almoccedilo depois vai
tirar a mesa e cuidar das outras coisas Entatildeo fazia o culto domeacutestico depois do almoccedilo mas
todo mundo sentava Ningueacutem ficava laacute um cuidando da cozinha outro cuidando das roupas
ningueacutem ficava fazendo qualquer outra coisa
Entrevistador A senhora lembra se teve um dia em que algueacutem natildeo estava muito a vontade de
fazer isto pode acontecer pois o ser humano eacute meio acomodado a senhora entende
Colaborador (risos) Olha Eu natildeo sei natildeo lembro pelo menos ela esperava de todos estarem
preparados ali pra aquele momento Porque a gente observa que natildeo tinha algueacutem que
demonstrasse maacute vontade porque ela esperava e enquanto estivesse faltando um ela natildeo
comeccedilava Entatildeo a gente natildeo podia demonstrar que estava querendo escapar daquele horaacuterio
ali Porque a gente obedecia porque a gente tinha assim como um pai da gente Por
exemplo antes era assim quando o pai falava uma coisa nem que a gente natildeo gostasse muito
mas ficavaficava obedecia
Entrevistador Nesta eacutepoca a senhora tinha quantos nos mais ou menos
Colaboradora Olha nesta eacutepoca que eu diga Amambai uns dezessete anos mais ou menos
Tinha uma moccedila que era mais velha a Zilaacute
E ali a gente fazia a leitura da Biacuteblia cantava um hino cantava um corinho e a gente usava
muito o cantor Tanto eacute que os hinos que eu aprendi na minha eacutepoca da minha juventude eu
aprendi pra nunca mais esquecer Ali a gente horava cada dia ela colocava um pra ler uma
passagem da Biacuteblia era assim nossa vida
Entrevistador Fico imaginando que num lugar onde a maioria eacute jovem se tem um adulto
responsaacutevel vocecirc precisa colocar alguns limites Neste sentido como que a Ana Wollerman
que era como um pai para senhora e os demais fazia para colocar estes limites Como ela
mostrava sua autoridade
129
Colaboradora Ela era assim ela colocava os limites dela mas era sempre muito amaacutevel Natildeo
era como por exemplo meu pai quando eu fui criada Meu pai era um homem muito
eneacutergico Era muito duro vamos dizer assim a palavra sobre criaccedilatildeo sobre obediecircncia sobre
trabalho estas coisas E ela era uma pessoa que tratava com muita habilidade cativava as
pessoas Ela era aquela pessoa assim que noacutes respeitaacutevamos porque ela era nossa autoridade
Eu era uma pessoa assim que meu pai gostava sempre das coisas certas ele natildeo era letrado
mas era muito inteligente entatildeo a gente acostumou daquele jeito A gente natildeo era aquela
pessoa que tentava desobedecer tentava sair e a gente vivia tudo em comum ali com ela Ela
tinha confianccedila na gente em deixar a casa Acho que isso tambeacutem fazia parte Ela percebia
que a gente natildeo era uma moccedila que queria ter outros costumes fora dali Por exemplo inventar
uma saiacuteda e de repente natildeo ser aquilo que a gente fala mentir que nem hoje porque existe
isto os filhos mente hoje em dia Entatildeo a gente procurava fazer tudo certinho E a gente jaacute
estava conhecendo o ldquoEvangelhordquo jaacute estava conhecendo a Biacuteblia e com a Biacuteblia a gente muda
muito As coisas que natildeo satildeo legais a gente vai deixando
Entrevistador Entatildeo a senhora veio para estudar no ldquoFelipe de Brumrdquo Natildeo tinha a Escola
Batista ainda
Colaboradora Eacute quando eu vim e fiquei morando com o Pr Valdir ali na casa dele Ainda
natildeo tinha nesta eacutepoca depois que criou aiacute estava comeccedilando a Escola nesta eacutepoca Estava
comeccedilando jaacute
Entrevistador Qual foi o envolvimento da senhora com a escola A senhora foi aluna ou
professora como foi isto
Colaboradora Olha passado alguns anos a gente eu trabalhava Comecei trabalhando
ajudando como merendeira Naquela eacutepoca a escola ganhava o leite ganhava as coisas pra
fazer o lanche Eu fazia o lanche dos alunos da escola depois eu passei a trabalhar tambeacutem
ali a lecionar ali no primeiro segundo ano
Entrevistador A senhora jaacute tinha terminado os estudos
Colaboradora Jaacute Eacute o que tinha aqui Naquela eacutepoca se dizia por exemplo era soacute ateacute o
quinto ano de agora mas naquela eacutepoca era admissatildeo ao ginaacutesio que falava Entatildeo eu comecei
a trabalhar ali a igreja convidou em 56 [1956] mais ou menos E antes tambeacutem desta eacutepoca
em 55 [1955] a igreja abriu um ponto de pregaccedilatildeo ali perto de Ponta Poratilde perto de
Sangapuitatilde alias Ali tinha uma famiacutelia que era evangeacutelica e a Igreja abriu um ponto de
pregaccedilatildeo laacute que se chamava ldquoRincatildeo de Julhordquo Entatildeo eacute pra caacute de Sangapuitatilde um pouco A
130
igreja criou este ponto de pregaccedilatildeo e uma escolinha Mantinha uma escolinha ali Era uma
escolinha e um ponto de pregaccedilatildeo tambeacutem Aiacute em 55 [1955] fui convidada para ir pra laacute e
assumir a escolinha Era uma escolinha assim uma classe no caso junta todos juntos por
exemplo 1ordm ano 2ordm ano 3ordm ano Alguns alunos do 3ordm ano dois trecircs do 2ordm e a maioria do 1ordm A
maioria aprendendo o alfabeto aprendendo juntar as siacutelabas Era uma escolinha mantida pela
nossa Igreja pela Igreja Batista
Entrevistador Tinha a escolinha laacute mas ainda existia a escola aqui Eacute isto E a Ana
Wollerman jaacute natildeo estava mais em Amambai certo
Colaboradora Natildeo ela natildeo estaacute porque em 54 [1954] foi que ela levou os jovens daqui Onde
foi eu a Eugeni jaacute morava em Campo Grande para estudar mas ela passou a morar com a
gente laacute Pastor Albino foi um deles Eu fiquei um ano laacute com ela depois voltei Os outros
permaneceram laacute com ela mas meu pai natildeo quis que eu permanecesse mais laacute aiacute eu voltei
Foi onde eu errei Hoje eu vejo que eu devia ter teimado um pouco E ter permanecido ter
ficado laacute com ela Depois ela foi para Jaciaraacute depois natildeo lembro
Entrevistador Porque a senhora acha que errou
Colaboradora Eu acho assim que devia ter permanecido porque hoje eu podia ter aprendido
hoje muito mais aleacutem Devia ter colocado a minha vida mais no serviccedilo Mas em forma de a
gente eu obedeci meu pai daiacute a gente ficava assim pensando Ele jaacute natildeo queria aiacute eu tomei
a decisatildeo
Aiacute em 55 [1955] a Igreja convidou a moccedila que estava laacute desde 54 [1954] ia se casar e natildeo
queria mais Era difiacutecil ficar laacute uma pessoa jovem soacute a famiacutelia da casa e os alunos ali lugar
estranho Natildeo tinha ningueacutem Aiacute ela desistiu e eles convidaram e eu fui pra laacute Aiacute fiquei em 55
[1955] laacute e 56 [1956] eu vim ficar aqui em Amambai Depois que eu vim a primeira vez eu
nunca mais saiacute daqui de Amambai Meus pais moravam mas e eu ia soacute nas feacuterias ficar com
eles Foi aiacute que eu me entrosei mais me entrosei bastante aqui na escola Nos jovens na
mocidade Entatildeo foi muito eu penso assim se eu tivesse ficado mas quando a famiacutelia natildeo eacute
crente a gente passa muita dificuldade Eu devia dizer ldquonatildeo eu vou ficar porque eu estou
bemrdquo ndash a gente tinha uma vida boa ali com ela A gente soacute aprendia Mas natildeo sei foi falta
talvez de algueacutem me incentivar dizer ldquonatildeo vocecirc estaacute bem porque que vairdquo Ou os meus pais
resolverem que eu podia ficar mais
Mas ao mesmo tempo eu vim servir aqui tambeacutem Porque eu vim pra Rincatildeo de Julho e laacute a
gente aprendeu apesar de natildeo ser muito faacutecil o trabalho ali Porque a gente se deparava com
131
dificuldades ali Para o senhor ver saiacute da casa da onde a gente estava para ir para uma casa
onde a gente natildeo tem costume E a gente te que ser sujeita tem que ser sujeita aos donos da
casa natildeo pode criar conflito coisasmas a gente venceu aquela eacutepoca
Aiacute a Igreja cada mecircs a Igreja mantinha um trabalho especial Ia o povo daqui pra laacute A gente
jaacute fazia convite para o povo saiacutea Naquele tempo ou a gente saiacutea a peacute ou saiacutea da carrocinha ndash
Aiacute a gente saiacutea fazer convite esperar o povo que ia daqui Aiacute era aquela festa Aquela alegria
o povo todo alegre Chegava cantando e saia cantando Era assim naquela eacutepoca Era muito
bom viu E valeu muito pra mim Por um lado eu vim de laacute mas tambeacutem fiquei ali servindo
trabalhando
Entrevistador Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a escola aqui de
Amambai no tempo da Ana Wollerman sobre era as relaccedilotildees dela com as professoras e
alunos
Colaboradora Ela foi a pessoa que criou a escola Ela levantou a escola de Amambai Tanto eacute
que naquela eacutepoca era a melhor escola que tinha aqui em Amambai A maioria destas pessoas
que noacutes temos aqui na nossa cidade que foram alunos ali doutor Joseacute Luiz Saldanha da
Divina Providecircncia doutor Vissonir foram pessoas que estudaram ali Ali teve o Sr Ramatildeo
Machado que eacute Dentista e que tambeacutem presa muito pela escola Que pode sair dali pra outra
cidade pra continuar os estudos sair dali preparado
O envolvimento da missionaacuteria Ana era oacutetimo era excelente Ela procurava sempre alegrar as
pessoas procurava ajudar aqueles que queriam estudar e muitas vezes natildeo tinham condiccedilotildees
e eram muitos Ela sempre deu aquele apoio Como mesmo o doutor Ramatildeo o Dentista Ele
presa muito a vida da Dona Ana A figura que ela foi para ele pra muitas pessoas aqui E
sobre a ajuda tambeacutem Ela ajudou muita gente aqui Muitas pessoaso pastor Albino foi
ajudado o Hudson tambeacutem Hoje noacutes temos o doutor Atemar aiacute que eacute advogado Ele tambeacutem
era da nossa turma em 54 [1954] laacute A gente morava tudo na mesma casa Naquela eacutepoca
ficava laacute na casa da Missatildeo na rua Avenida Matogrosso Agora mesmo quando eu tive estes
dias pra laacute num passei esta estava lembrando Hoje a gente natildeo sabe mais onde eacute aquele lugar
Porque jaacute mudou tudo com os anos Pra vocecirc ver hoje eu estou com esta idade natildeo daacute pra ser
o mesmo lugar a mesma coisa
Entatildeo foi uma pessoa muito excelente ela fez muita coisa As pessoas queriam muito bem
ela
132
Entrevistador Quando ela abriu a escola onde ela conseguiu material e que mateacuterias tinham
na escola
Colaboradora Era as mateacuterias principais Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia
Ciecircncias essas mateacuterias que a gente lembra
Entrevistador A senhora lembra se tinha algum livro didaacutetico alguma coisa assim que ela
usava
Colaboradora Eu natildeo tenho lembranccedila disso aiacute mas ela devia ter sim Acredito que sim
Depois as outras professoras que vieram mais tarde Depois com o tempo veio duas moccedilas de
fora Parece que uma veio do Rio de Janeiro a outra natildeo lembro da onde que ela veio Maria
Martini foi de Campo Grande Tinha outra que ela trouxe de fora para enriquecer a escola
Entrevistador Como era dividido os alunos entre as seacuteries Ou era junto como era laacute em
Rincatildeo de Julho
Colaboradora Natildeo aiacute era cada um na sua sala Porque aiacute neste ponto que o senhor esta
falando jaacute uma coisa organizada e que procurava ser cada vez mais organizada Naquela
eacutepoca que eu comecei laacute era fazenda era um comeccedilo era uma ajuda para aquele povo dali
Alguns moravam no Paraguai muitos vinham atravessavam ali pra vir Outro que natildeo havia
possibilidade tambeacutem porque era na casa dessa famiacutelia Natildeo tinha umauma casa proacutepria
para aquilo especial Era na sala da casa desta famiacutelia Eles cederam tanto pra escola tanto
para o trabalho da Igreja E a gente fazia uma reuniatildeo com eles Uma escola dominical Soacute
com os alunos assim contava histoacuteria Naquele tempo a gente contava histoacuteria na flanela E
ateacute quando comeccedilou a Escola Batista era assim tambeacutem A gente contava historinhas assim
Entrevistador Se o objetivo do trabalho da Ana Wollerman era a evangelizaccedilatildeo como que
funcionava isto dentro da escola
Colaborador Era assim a gente preparava a fila dos alunos entrava no Templo e cantava o
Hino Nacional e tinha devocional Ningueacutem ia para as classes sem fazer a devocional
Entrevistador Como que era a devocional
Colaboradora Era todos os dias Era assim por exemplo tinha uma histoacuteria na flanela
Colocava no quadro e atraveacutes das figurinhas vocecirc ia contando a histoacuteria Por exemplo da
Arca de Noeacute vocecirc ia colocando as figuras e contando a histoacuteria para os alunos Daiacute cantava-se
corinhos cantava-se hinos Aqueles hinos mais para o lado de crianccedilas para o lado de jovens
Por exemplo ldquoVinde meninos vinde a Jesusrdquo Na eacutepoca tambeacutem aquele corinho que ningueacutem
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usa mais por exemplo aprendia um versiacuteculo e cantava a muacutesica fazia corinho ndash Joatildeo 316
ldquoporque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filhordquo Aiacute todo mundo cantava
aprendia a cantar Todos os alunos cantavam todos aprendiam Daiacute fazia oraccedilatildeo e saia para as
classes Cada uma para sua classe
Entrevistador Destes alunos alguns acabavam se convertendo ou natildeo
Colaboradora Tinha alguns que se convertiam ia ateacute um tempo frequentando a igreja a escola
biacuteblica dominical mas muitos natildeo prevaleceram ateacute final O doutor Atemar que eacute filho de
Amambai ele eacute conhecedor da ldquoPalavrardquo ele eacute uma pessoa preparada mas ele desviou-se dos
caminhos do senhor da Igreja mas a ldquoPalavrardquo ficou gravada
Entrevistador Entre estes que moravam com a Ana Wollerman e a senhora todos estes eram
convertidos
Colaborador Eram neste ano que a gente foi com ela em 54 jaacute sim jaacute eram convertidos A
gente frequenta a segunda Igreja Batista Campo Grande que era naquela eacutepoca pastor
Demeacutetrio Era todos noacutes pelo menos frequentava a Igreja e pertencia a Igreja Eu mesma o
ano que fiquei laacute era membro da segunda Igreja Mas muitos depois desviaram por exemplo
a gente tem tambeacutem outro rapaz irmatildeo da irmatilde Lenir o Sottano o Carlos O Carlos foi um
rapaz da minha eacutepoca que tambeacutem foi membro da Igreja e cantava no Coral estudou na
Escola Batista foi conhecedor O pai dele um homem muito fiel e muitos anos foi tesoureiro
da Igreja eu natildeo me lembro a data mas foi muitos anos mesmo Entatildeo hoje ele eacute desviado O
Carlos eacute desviado A irmatilde dele mesmo estes dias estava falando que ele estava muito doente
e pensando assim que ele voltasse para os caminhos do Senhor antes de ir antes que Deus
viesse chamar ele Entatildeo assim muitos permaneceram e muitos natildeo permaneceram Eacute como a
Biacuteblia mesmo fala
Entrevistador Entatildeo Conforme o pastor Sergio escreveu sobre a histoacuteria da Ana Wollerman
mostra que ela fazia muitas visitas A senhora poderia falar um pouco sobre isto A senhora
chegou acompanhar alguma destas visitas Era um trabalho de visitaccedilatildeo dos alunos ou um
trabalho de evangelizaccedilatildeo
Colaboradora Era um trabalho de evangelizaccedilatildeo Esta eacutepoca que o senhor estaacute falando era
quando ela saia a cavalo e depois comum tempo ela tinha um carro ela ganhou um carro para
fazer o trabalho Mas ela saia a cavalo tanto eacute que ali no livro mostra ela Eram pais de alunos
e tambeacutemeacute levava o evangelho para pessoas que natildeo conhecia O povo daquela eacutepoca era
muito tranquilo natildeo tinha conhecimento quase de nada da Palavra Depois ele comeccedilou sair
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visitar sair expandindo o trabalho nas casas Eacute aiacute que o povo foi se despertando mais Aiacute que
foi melhorando mais esta parte da evangelizaccedilatildeo daqui de Amambai Que era muito pouco
As pessoas natildeo se dedicavam muito mas tambeacutem era muito pouco tambeacutem as pessoas que
trabalhavam que vieram pra caacute como o pastor Dulcino O pastor Dulcino foi um tambeacutem
que veio e fazia este trabalho
Entrevistador Como que a populaccedilatildeo recebia a Ana Wollerman Ela era mulher branca que
fala a liacutengua um pouco enrolado O que as pessoas comentavam sobre ela
Colaboradora Recebiam ela com muita alegria Muitas pessoas ouvia que aquela pessoa
trazia novas diferente novas para o povo E com aquele jeito dela assim com aquela maneira
de tratar assim que parece que abre o ambiente Parece que alegra Entatildeo ela cativou muita
gente ela foi muito bem recebida aqui em Amambai A gente natildeo sabe eu lembro de algum
lugar que tivesse dificuldade que fosse rejeitada A gente natildeo tem lembranccedila Quem sabe
aconteceu antes da gente se conhecer mas eu acho que foi muito bem aceita Tanto eacute que
muita gente se recorda dela com bastante alegria e tristeza [lagrimas]porque ela natildeo
existe Eu aprendi muita coisa muita coisa
Entrevistador A senhora disse que foi professora aqui na escola certo Entatildeo a forma como a
senhora dava aula A senhora aprendeu com ela ndash A forma como a senhora devia se proceder
em sala de aula A senhora poderia falar um pouquinho sobre isto
Colaboradora Eacute sobre a gente saber levar os alunos as crianccedilas no caso Tratar eles com
muito carinho Com muita atenccedilatildeo Para que eles pudessem tambeacutem ver na gente uma
diferenccedila E a gente aprendeu passar para eles tambeacutem a ldquoPalavra do Senhorrdquo naquela eacutepoca
Era muito gratificante era muito bom
Entrevistador A senhora chegou dar aula de histoacuteria
Colaboradora Natildeo eu era mais no caso alfabetizando A gente dava um comecinho a
histoacuteria a ciecircncia que era uma coisa faacutecil (risos) Eu gostava muito de histoacuteria natildeo sei eu tinha
facilidade de aprender as datas decorar datas
Entrevistador Quando as professoras ensinavam histoacuteria qual era o principal livro que elas
partiam para ensinar a histoacuteria Para mostrar a origem dos seres humanos e tudo o mais
Colaboradora Entatildeo mais sobre o descobrimento do Brasil
Entrevistador Natildeo ensinavam a histoacuteria antiga
Colaboradora Assim como o senhor fala
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Entrevistador Em algumas escolas quando iam ensinar a histoacuteria antiga principalmente
ensinavam a partir da Biacuteblia
Colaboradora Ah sim Sobre a criaccedilatildeo A criaccedilatildeo do mundo Como que Deus criou o
primeiro dia segundo dia e assim por diante Ensinava Ensinava o princiacutepio das coisas e que
Jesus veio para morrer na cruz em nosso lugar
Entrevistador Isto era ensinado em sala de aula
Colaboradora Era Pra isso eles natildeo tinham quase pessoas assim que eles natildeo convidavam
pessoas que natildeo eram pessoas jaacute evangeacutelicas Tinha que ser batista natildeo era qualquer pessoa
que tinha conhecimento vamos dizer na letra mas natildeo tinha conhecimento da Porque o
objetivo era este natildeo soacute ensinar a ler e escrever e sim passar a ldquoPalavrardquo Pra isso eles natildeo
deixavam a gente entrar pra sala de aula sem fazer o culto domestico culto domestico natildeo
uma abertura que era passar a ldquoPalavrardquo para as crianccedilas jaacute desde pequeno
Entrevistador Me diga uma coisa alguns das professoras que trabalhavam na escola tambeacutem
ajudavam na escola biacuteblia no templo
Colaboradora Eacute porque aquelas pessoas que eram mais preparadas Que vinham de fora
formadas vamos dizer assim Porque eu no caso fazia aquilo que cabia a mim ao meu
conhecimento mas aquelas pessoas que davam aula jaacute no quarto ano terceiro ano davam
aula de admissatildeo ao ginaacutesio Entatildeo elas eram pessoas tambeacutem que tinhamcomo eacute que digo
envolvimento na escola dominical na Igreja Tinha sim era sim Natildeo era pessoas que tinha
cultura mas natildeo tinhanatildeo convidava pessoas assim Eram pessoas especiais mesmo porque
o objetivo principal era evangelizar era mostrar a ldquoPalavrardquo era mostrar o ldquocaminhordquo Este
era a coisa principal da Dona Ana
Entrevistador Entre estas professoras que vieram de fora estava a Ester Ergas
Colaboradora Ester Ergas Oh Assumiu o lugar da Dona Ana quando ela foi embora Ela
ficou como diretora e eu morei com ela Eu sai do pastor Valdir aiacute fui ali pra Dona Ana
Dona Ana foi embora ai eu fiquei com a Dona Ester Eu natildeo lembro por quanto tempo se
fiquei um ano ou mais mas fiquei com a Dona Ester Eu e ela viu
Ela tambeacutem natildeo perdia tempo natildeo ficava distraiacuteda com alguma coisa Tudo era aquele
jeitinho simples dela Ateacute hoje ela eacute assim Eu vi ela ali em Dourados no Congresso das
Senhoras no Seminaacuterio Eu vi ela daquele mesmo jeitinho o cabelo daquele jeitinho que ela
era aqui Entatildeo o que que ela fazia tambeacutem ela jaacute programava e falava ldquoOh Hoje quando
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terminar a aula de tarde noacutes vamos visitar a casa de ldquofulanordquo e ldquofulanordquo e assim assimrdquo Aiacute
tinha uma senhora idosa era a Dona Laura morava em frete aqui a ldquoGEPAMrdquo matildee da Dona
Senhorinha avoacute da Eugeni Manvailder Entatildeo ela dizia ldquoHoje noacutes vamos visitar a Dona
Laurardquo as vezes a gente nem chegava e se trocava e jaacute saia pra laacute agrave peacute
Entrevistador Quanto ao Pastor Valdir Entatildeo depois que a Ana Wollerman chegou ele ficou
pouco tempo
Colaboradora Eu natildeo lembro que ano que eles foram daqui Natildeo lembro
Entrevistador Como que era a parceria no trabalho entre o pastor e a Dona Ana
Colaboradora Eles se davam muito bem Se entendiam muito Tanto eacute que ela nunca sai soacute
nas fazendas nos siacutetios natildeo aparece ela sozinha sempre ela estaacute acompanhada do pastor
Valdir
Entrevistador A senhora saberia-me dizer sobre a relaccedilatildeo dela com as lideranccedilas masculinas
Isto levando em consideraccedilatildeo que ela eacute mulher e sozinha neste periacuteodo onde a cultura
machista ainda eacute muito forte
Colaboradora Olha Eu natildeo posso falar nada porque ela era uma pessoa assim muitoque
tinha muita autoridade na vida dela Ela natildeo era uma pessoa assim qualquer que um homem
uma autoridade poderia de repente assim querer achar que ela era uma pessoa qualquer Mas
eu acho que ela era uma pessoa muito legal uma pessoa muito preparada para vida Tanto eacute
que ela deixou a vida dela laacute e veio embora sozinha
Entrevistador Algum momento ela chegou falar da vida dela pra senhora nos EUA
Colaboradora Ela contava da famiacutelia dela do irmatildeo dela que tinha matildee Tinha muita
preocupaccedilatildeo sobre a velhice da matildee Natildeo tenho assim uma lembranccedila Ela falava que tinha
muita saudade mas ela falava que queria servir com a vida Tinha saudade mas estava
cumprindo com a ldquomissatildeordquo com o ldquochamadordquo que Deus chamou e preparou Desde o
momento que ela tomou esta decisatildeo ela se sentiu feliz Ela falava que a Igreja era a famiacutelia
dela que os irmatildeos era a famiacutelia dela
Entrevistador Natildeo sei se a senhora sabe mas antes de ir para o seminaacuterio e vir para o Brasil
ela foi casada A senhora sabe desta eacutepoca
Colaboradora Natildeo desta eacutepoca eu natildeo sei Natildeo mas no EUA Na terra dela neacute Eu acho que
eu natildeo tenho muita certeza lembranccedila disso aiacute mas eu acho que ela foi casada sim Acho que
uma vez ela comentou que se casou mas natildeo deu certo aiacute ela tomou a decisatildeo de vir embora
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Entrevistador Estaacute certo professora Anaacutelia muito obrigado pela atenccedilatildeo e pela oportunidade
de conversarmos sobre uma pessoa que eacute muito importante para histoacuteria do Mato Grosso do
Sul
Colaboradora Eu que agradeccedilo