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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA N.º 233/2018 –SFCONST/PGR Sistema Único n.º 184.855/2018 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF REQUERENTE: Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo - FENEPOSPETRO REQUERIDO(S): Presidente da República Congresso Nacional RELATOR: Ministro Edson Fachin AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DI- REITO DO TRABALHO. LEI 13.467/2017. MEDIDA PROVI- SÓRIA 808/2017. REFORMA TRABALHISTA. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE DE FEDERAÇÃO PROFISSIONAL, ENTIDADE SINDICAL DE NÍVEL IN- TERMEDIÁRIO, PARA A MOVIMENTAÇÃO DO CON- TROLE ABSTRATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 103 DA CONSTITUIÇÃO. MP 808/2017. PERDA DE EFICÁCIA POR DECURSO DE PRAZO. PARCIAL E SUPERVENIENTE CA- RÊNCIA DO OBJETO DA AÇÃO. MÉRITO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. ALEGAÇÃO DE FRA- GILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS E OFENSA AO PRINCÍPIO DO RETROCESSO. INOCOR- RÊNCIA. REMUNERAÇÃO DO TRABALHO INTERMI- TENTE PROPORCIONAL AO SALÁRIO MÍNIMO PREVISTO PARA A JORNADA CONVENCIONAL. IN- CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA. 1. Preliminar. Federação sindical, por ser entidade sindical de grau intermediário, não tem legitimidade ativa para promover o controle abstrato de constitucionalidade de normas perante o STF, à luz do art. 103 da Constituição. A apreciação e o conhe- cimento do pressuposto processual integra as atribuições do Relator (art. 21-IX do RISTF). Precedentes. 2. Preliminar. Não verificação de instrumento de mandato com referência expressa aos atos normativos impugnados. Viabili- dade de posterior apresentação, em face do princípio da pri- mazia da resolução do mérito. Art. 4º do CPC/2015. Sugestão de medida saneadora. 3. Preliminar. A perda da eficácia da MP 808/2017, por decurso do prazo do art. 63-§3º da Constituição, enseja superveniente perda de objeto da ação quanto aos correspondentes dispositi- vos impugnados, remanescendo a ação quanto aos dispositivos do complexo normativo originalmente inseridos pela Lei 13.467/2017. Precedentes. Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 27/06/2018 15:35. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 5568458E.D1CBD798.B95ED571.D99B84D0

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º 233/2018 –SFCONST/PGR Sistema Único n.º 184.855/2018

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DFREQUERENTE: Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de

Combustíveis e Derivados de Petróleo - FENEPOSPETRO REQUERIDO(S): Presidente da República

Congresso NacionalRELATOR: Ministro Edson Fachin

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DI-REITO DO TRABALHO. LEI 13.467/2017. MEDIDA PROVI-SÓRIA 808/2017. REFORMA TRABALHISTA.PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE DE FEDERAÇÃOPROFISSIONAL, ENTIDADE SINDICAL DE NÍVEL IN-TERMEDIÁRIO, PARA A MOVIMENTAÇÃO DO CON-TROLE ABSTRATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 103 DACONSTITUIÇÃO. MP 808/2017. PERDA DE EFICÁCIA PORDECURSO DE PRAZO. PARCIAL E SUPERVENIENTE CA-RÊNCIA DO OBJETO DA AÇÃO. MÉRITO. CONTRATODE TRABALHO INTERMITENTE. ALEGAÇÃO DE FRA-GILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS EOFENSA AO PRINCÍPIO DO RETROCESSO. INOCOR-RÊNCIA. REMUNERAÇÃO DO TRABALHO INTERMI-TENTE PROPORCIONAL AO SALÁRIO MÍNIMOPREVISTO PARA A JORNADA CONVENCIONAL. IN-CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA.

1. Preliminar. Federação sindical, por ser entidade sindical degrau intermediário, não tem legitimidade ativa para promovero controle abstrato de constitucionalidade de normas perante oSTF, à luz do art. 103 da Constituição. A apreciação e o conhe-cimento do pressuposto processual integra as atribuições doRelator (art. 21-IX do RISTF). Precedentes.

2. Preliminar. Não verificação de instrumento de mandato comreferência expressa aos atos normativos impugnados. Viabili-dade de posterior apresentação, em face do princípio da pri-mazia da resolução do mérito. Art. 4º do CPC/2015. Sugestãode medida saneadora.

3. Preliminar. A perda da eficácia da MP 808/2017, por decursodo prazo do art. 63-§3º da Constituição, enseja supervenienteperda de objeto da ação quanto aos correspondentes dispositi-vos impugnados, remanescendo a ação quanto aos dispositivosdo complexo normativo originalmente inseridos pela Lei13.467/2017. Precedentes.

Gabinete da Procuradora-Geral da RepúblicaBrasília/DF

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4. Mérito: a mera incorporação de modelo que difere da con-tratação convencional e o fato de a prestação de serviços – nocontrato intermitente – acontecer de forma descontínua nãoacarretam a automática conclusão de que a modalidade re-dunda em fragilização das relações trabalhistas ou na dimi-nuição da proteção social conferida aos trabalhadores.

5. Mérito: a instituição da modalidade de trabalho intermi-tente não consubstancia fragilização das relações de empregoou ofensa ao princípio do retrocesso, tendo em vista que a ino-vação pode resultar em oportunidades e benefícios para am-bas as partes envolvidas no vínculo de trabalho:empregadores e empregados.

6. Mérito: não há impeditivo à implementação da jornada in-termitente, desde que garantido o consequente pagamentoproporcional ao trabalho prestado, tomando-se como base osalário mínimo previsto para a jornada convencional. É dizer:assegurado o salário mínimo pelo tempo trabalhado (por valorhorário, diário ou mensal) na mesma proporção do que deve-ria ser pago na contratação regular, não há falar em ofensa aotexto constitucional.

- Parecer preliminar pelo não conhecimento da ação e, no mé-rito, pela improcedência do pedido.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar1,

ajuizada pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e

Derivados do Petróleo – FENEPOSPETRO, por meio da qual se objetiva a declaração de in-

constitucionalidade parcial da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, e da Medida Provisó-

ria nº 808, de 14 de novembro de 2017, nos pontos em que conferem nova redação ao art.

443 caput e §3º e inserem as novas disposições dos arts. 452-A, 452-B, 452-C, 452-D, 452-E,

452-F, 452-G, 452-H, 911-A caput e parágrafos, do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de

1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), que disciplinam o contrato de trabalho in-

termitente.

A inicial fundamenta-se no disposto nos arts. 1º– caput, III e IV, 5º–caput, III e

XXIII, 6º–caput, 7º–caput e IV, V, VII, VIII, XIII, XVI e XVII, 102–caput e I–A, 103–caput

e IX da Constituição2.

1 Inicial, fls. 1/20. 2 Art. 1º, caput e incisos III e IV: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Es-

tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como funda-mentos: III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.Art. 5º, caput e incisos III e XXIII: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga -rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-dade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a tortura

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 2

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Dispõem os enunciados impugnados, com redação conferida pela Lei

13.467/2017, acerca do contrato de trabalho intermitente:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestaçãode trabalho intermitente.

[…]

§3º Considera-se como intermitente o Contrato de Trabalho no qual a prestação de servi-ços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de presta-ção de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para osaeronautas, regidos por legislação própria.

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deveconter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor ho-rário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimentoque exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

§ 1o - O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a presta-ção de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos deantecedência.

§2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder aochamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.

§3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de traba-lho intermitente.

§4o Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justomotivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento)da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.

nem a tratamento desumano ou degradante; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, naforma desta Constituição”.Art. 7º, caput e incisos IV, V, VII, VIII, XIII, XVI e XVII: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacional -mente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, ali -mentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustesperiódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - pisosalarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VII - garantia de salário, nunca inferior aomínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remunera-ção integral ou no valor da aposentadoria; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diáriase quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordoou convenção coletiva de trabalho; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, emcinquenta por cento à do normal; e XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço amais do que o salário normal”.Art. 102, caput e inciso I-A: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constitui -ção, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ouato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo fede -ral”.Art. 103, caput e inciso IX: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória deconstitucionalidade: IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 3

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§5o O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador,podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

§6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamentoimediato das seguintes parcelas:

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III - décimo terceiro salário proporcional;

IV - repouso semanal remunerado; e

V - adicionais legais.

§7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos acada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo.

§8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito doFundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos noperíodo mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obriga-ções.

§9o A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subse-quentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar servi-ços pelo mesmo empregador.

Também são impugnadas as normas inseridas pela MP 808/2017, acerca do

novo instituto contratual, as quais, entretanto, expiraram em 23/04/2018, conforme se dedu-

zirá a seguir.

Sustenta a requerente que a nova figura do contrato de trabalho intermitente, inse-

rida pelas disposições impugnadas, ofende direitos fundamentais sociais trabalhistas, uma vez

que não garante o pagamento do salário mínimo constitucionalmente assegurado para atender

às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, submete o trabalhador a absoluta im-

previsão da jornada laboral, compromete o direito à aposentadoria e inviabiliza o acesso do

trabalhador dito “intermitente” ao programa social de seguro-desemprego.

Ademais, segundo afirma, a nova espécie contratual transfere os riscos da ativi-

dade econômica ao trabalhador, ensejando-lhe profunda insegurança jurídica e social, em

ofensa aos princípios da valorização social do trabalho e da função social da propriedade,

previstos no art. 1º–IV e 5º–XXIII da Constituição.

Argumenta, ainda que, ao estipular salário vinculado às horas efetivamente traba-

lhadas, a critério do empregador, sem garantia e sem previsão de jornada e salário mínimo, o

novo art. 452 da CLT reduz o patamar constitucionalmente garantido de proteção social ao

salário, afrontando o princípio da vedação do retrocesso social ou da proibição de retrocesso.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 4

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Ao final, pleiteia-se medida liminar suspensiva da eficácia dos dispositivos im-

pugnados, até o julgamento definitivo desta ação, e a declaração definitiva de sua inconstitu-

cionalidade3.

A Presidência da República manifestou-se pelo indeferimento do pedido liminar e

pela constitucionalidade dos dispositivos questionados. Invocando a necessidade de adequar

a legislação laboral ante a nova realidade das relações trabalhistas, negou ocorrência de in-

constitucionalidade. Argumenta que a Carta Magna não impede o pagamento de salário pro-

porcional ao tempo de trabalho prestado, desde que seja tomado como base o valor do salário

mínimo, nos mesmos moldes do contrato de trabalho em regime de tempo parcial4.

A Advocacia-Geral da União suscita irregularidade do instrumento de procura-

ção, por não especificar os dispositivos legais impugnados, e ausência de legitimidade ativa

da entidade sindical autora5. Aduz, ainda, inépcia da inicial quanto aos pedidos referentes aos

artigos 452-A, 452-B, 452-C e 911-A da CLT, em virtude da ausência de juntada de cópia do

ato normativo impugnado6 e, no mérito, advoga a constitucionalidade material da nova forma

de contrato laboral7.

Devidamente cientificada, a Presidência do Congresso Nacional não apresentou

manifestação8.

Vieram os autos, então, à Procuradoria-Geral da República para parecer.

3 Arts. 22 e seguinte da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999: “Dispõe sobre o processo e julgamento daação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribu-nal Federal”.

4 Fls. 130/145.5 Art. 103, da Constituição: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: (...) IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.6 Lei nº 9.868, de 10/11/1999, art. 3º, parágrafo único: “A petição inicial, acompanhada de instrumento de pro-

curação, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias da lei ou doato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.”

7 Fls. 148/173.8 Certidão de Informações não recebida fl. 147.

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II – Preliminares

II.1. Ilegitimidade Ativa. Irregularidade da Petição Inicial

A Advocacia-Geral da União suscita ilegitimidade ativa ad causam da reque-

rente, por se tratar de entidade sindical de segundo grau.

De fato, consoante estatuto juntado aos autos9, a autora consiste em federação sin-

dical, entidade sindical de segundo grau, do que decorre sua ilegitimidade ativa ad causam

para instaurar o controle abstrato de constitucionalidade perante o STF. Nos termos do art.

103-IX da Constituição, possui legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade

“confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

É firme a jurisprudência do STF em recusar legitimidade a entidade sindical de

segundo grau, ainda que de âmbito nacional, para ajuizamento de ADI, tendo em vista a taxa-

tividade com que a Constituição atribuiu à confederação sindical, entidade de terceiro grau na

estrutura confederativa sindical brasileira, representatividade para provocar o controle con-

centrado de constitucionalidade de normas, conforme revelam os seguintes precedentes da

Corte, firmados no curso das duas últimas décadas:

Preliminarmente, não tenho como legitimadas à ação as Federações sindicais autoras(Federação Nacional dos Estivadores, Federação Nacional do Conferentes e Consertado-res de Carga e Descarga Vigias Portuários – Trabalhadores de Bloco e Arrumadores, eFederação dos Portuários). Cuida-se de entidades sindicais que não atendem ao requisitodo inciso IX do art. 103 da Constituição, porque seu nível não é de confederação sindi-cal. São entidades sindicais de segundo grau. Nesse sentido, as decisões do Plenário naADI 433/DF, ADI 853-6/DF e ADI 868-4/DF.10

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONA-LIDADE. FEDERAÇÃO DAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DOS OFICI-AIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS DO BRASIL – FOJEBRA. ENTIDADEINTEGRANTE DA ESTRUTURA SINDICAL EM SEGUNDO GRAU. ARTS. 2º,IX, DA LEI Nº 9.868/1999 E 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ILE-GITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. CARÊNCIA DA AÇÃO. 1. Na dicção ex-pressa do art. 103, IX, da Constituição da República, primeira parte, a legitimação ativaad causam das entidades integrantes da estrutura sindical circunscreve-se às confedera-ções, entidades de terceiro grau do sistema sindical. 2. Evidenciado o caráter da autora deentidade de segundo grau integrante da estrutura sindical, manifesta sua ilegitimidadeativa ad causam em ação de controle concentrado de constitucionalidade, consoante a ju-risprudência assente desta Suprema Corte. Precedentes: ADI 4967, Rel. Min.Luiz Fux,

9 Fls. 23/64. 10 STF. ADI 929 MC, voto do Rel. Min. Néri da Silveira, j. 13out.1993, P, DJ de 20jun.1997. Mesmo sentido:

STF, ADI 4.224 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 1º ago. 2011, P, DJE de 8 set. 2011

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 6

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DJe 10.4.2015; ADI 4184-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 25.9.2014; ADI4656-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 01.9.2014; ADI 4473-AgR, Rel. Min. DiasToffoli, DJe 01.8.2012; ADI 4361-AgR, Rel.Min. Luiz Fux, DJe 01.02.2012; ADI 3506-AgR, Rel.Min. Ellen Gracie, DJ 30.9.2005; ADI 1953, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ13.8.1999; ADI 1904, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 27.11.1998. Agravo regimental co-nhecido e não provido.11

EMENTA: CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE – AÇÃODIRETA – ILEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL DE SEGUNDOGRAU, AINDA QUE DE ÂMBITO NACIONAL – AÇÃO DIRETA DE QUE NÃOSE CONHECE – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICAPELO NÃO PROVIMENTO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - As fede-rações sindicais, mesmo aquelas de âmbito nacional, não dispõem de legitimidade ativapara o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo TribunalFederal. - No âmbito da estrutura sindical brasileira, somente a Confederação Sindical –que constitui entidade de grau superior – possui qualidade para agir, em sede de controlenormativo abstrato, perante a Suprema Corte (CF, art. 103, IX). Precedentes.12

EMENTA: CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – ENTIDADE DE CLASSEQUE REPRESENTA FRAÇÃO DE CATEGORIA FUNCIONAL – AUSÊNCIA DELEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” – HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILI-DADE – LEGITIMIDADE DO CONTROLE PRÉVIO, PELO RELATOR DACAUSA, DOS REQUISITOS FORMAIS INERENTES À FISCALIZAÇÃO NOR-MATIVA ABSTRATA (RTJ 139/67, v.g.) – AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA –INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO CONTRA ESSA DECISÃO – PA-RECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVI-MENTO DO AGRAVO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Não sequalifica como entidade de classe para efeito de instauração do processo de controle nor-mativo abstrato de constitucionalidade (CF, art. 103, IX) a instituição que congregueagentes estatais que constituam mera fração de determinada categoria funcional. Prece-dentes.13

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTI-TUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. LEI COMPLEMENTAR Nº 39/2002 DO ES-TADO DO PARÁ. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DASENTIDADES AUTORAS. NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO. FEDERAÇÃONACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS (FE-NEME). INSTITUIÇÃO QUE NÃO ABRANGE A TOTALIDADE DOS CORPOSMILITARES ESTADUAIS, COMPOSTOS DE PRAÇAS E OFICIAIS […] .AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. A Federação Nacional de Entidades de Ofici-ais Militares Estaduais (FENEME) não ostenta legitimidade ativa ad causam para ajuizaração direta de inconstitucionalidade questionando o sistema previdenciário aplicável atodos os servidores militares do Estado do Pará uma vez que sua representatividade dacategoria é apenas parcial. Precedente do STF: ADI nº 4.733, rel. Min. Dias Toffoli, Ple-nário, Dje de 31.07.2012 [...]. 4. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.14

Diante do exposto, e não obstante a pertinência temática presente entre as atribui-

ções estatutárias da entidade autora e o objeto da ação, eis que destinada à defesa de direitos

11 STF. ADI 4.440 AgR/DF. Rel. Min. Rosa Weber. 07 maio 2015. Tribunal Pleno. DJe un. 101, 29 maio 2015.12 STF. ADI 4.656 AgR/DF. Rel. Min. Celso de Mello. 01 ago. 2014. Tribunal Pleno. DJe un. 168, 01 set.

2014.13 STF. ADI 5.767 AgR/MS. Rel. Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. 25 nov. 2015. DJe un. 027, 12 fev.

2016.14 STF. ADI 4.967 PA. Rel. Min. Luiz Fux. 05 fev. 2015. DJe un. 067, 09 abr. 2015.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 7

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sociais de trabalhadores da categoria profissional representada15, sugere-se o acolhimento da

preliminar suscitada, nos termos do art. 21-IX do Regimento Interno do STF c/c o art. 485-

VI do Código de Processo Civil.

Opina-se, pois, pela extinção do processo sem resolução de mérito, diante da ile-

gitimidade ativa da federação sindical requerente.

Em termos sucessivos, apenas por cautela, ainda se constata a irregularidade da

representação processual, aduzida pela AGU, tendo em vista que o instrumento de mandato

não especifica o diploma legal impugnado, conforme exigência do art. 3º-parágrafo único da

Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999.16

No precedente firmado na ADI 2.187-QO (DJe de 12/12/2003)17, o STF assentou

a necessidade, nas ações diretas de inconstitucionalidade, de procuração contendo poderes es-

pecíficos, assim entendido como a expressa referência ao ato normativo a ser impugnado. No

entanto, conforme farta jurisprudência da Corte, a omissão constitui vício sanável em prazo a

ser concedido ao autor, sob pena de indeferimento da petição inicial, conforme precedentes

firmados em reiteradas ocasiões: ADI 4.272-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 05/08/2009;

ADPF 167-MC-REF/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe 01/10/2009; ADI 5.502, Rel. Min. Celso

de Mello, DJe 22/08/2016; ADI 5.469, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 25/08/2017.

Assim, caso superada a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, nos termos

expostos, sugere-se concessão de prazo à autora para apresentar, em prazo razoável, instru-

mento de mandato com referência específica aos atos normativos impugnados.

II.2. Preliminar. Perda da Eficácia Normativa da MP 808/2018 em 24/04/2018 -Superveniente e Parcial Carência do Objeto da Ação – Matéria de Ordem Pública

Por ser questão de ordem pública, suscita-se a recente perda de objeto da presente

ADI quanto aos dispositivos da CLT acrescidos ou alterados pela MP 808/2017, situação que

conduz no particular à extinção do feito sem resolução de seu mérito (art. 7º-parágrafo único

da Lei nº 9.882/1999; art. 485-VI-§3º do CPC e art. 21-IX do Regimento Interno do STF).18

15 Estatuto Social, Art. 1º: “A Federação Nacional dos Empregados em Postos de serviços de Combustíveis eDerivados do Petróleo – FENEPOSPETRO, […], é entidade sindical de grau superior com base territorialnacional, constituída por prazo indeterminado para fins de coordenação, proteção e representação legal dacategoria profissional [...]”.

16 Procuração fls. 21, datada de 04 de agosto de 2017. 17 STF. ADI-QO 2.187/BA, Rel. Min. Octavio Gallotti. DJe 12/12/2003.18 Pedido de letra C, fls. 19, relativamente aos artigos introduzidos pela MP 808/2017.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 8

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Nos termos do art. 62-§§3º e 4º da Constituição, “as medidas provisórias (...)

perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,

prorrogável, nos termos do §7º, uma vez por igual período (...)”, sendo certo que “o prazo a

que se refere o §3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante

os períodos de recesso do Congresso Nacional”.

Nessa medida, expirou a eficácia normativa do ato normativo em 23/04/201819,

conduzindo à perda de objeto da ação relativamente ao pedido de declaração de inconstitucio-

nalidade dos artigos por ela introduzidos na CLT.

A jurisprudência do STF nesse sentido é pacífica, conforme se depreende dos jul-

gados da ADI 4041-AgR/DF, Relator Ministro Dias Toffoli, e ADI 2.290 QO/DF, Relator

Ministro Moreira Alves, respectivamente:

EMENTA Agravo regimental – Ação direta de inconstitucionalidade – Medida provisó-ria convertida em lei – Crédito extraordinário – Eficácia da norma – Exaurimento –Agravo regimental não provido. 1. Medida Provisória nº 420/08, convertida na Lei nº11.708/08, que abriu crédito extraordinário em favor da União, com fundamento no art.167, §2º, da Constituição Federal. Créditos dessa natureza têm vigência temporalmentelimitada ao exercício financeiro para os quais foram autorizados, salvo se editados nosúltimos quatros meses desse exercício, circunstância em que suas realizações serão pos-tergadas para o exercício financeiro seguinte. 2. Como a medida provisória objeto destaação foi publicada em fevereiro de 2008, é possível concluir que os créditos previstos oujá foram utilizados ou perderam sua vigência e, portanto, não subsistem situações passí-veis de correção no presente, na eventualidade de se reconhecer a sua inconstitucionali-dade. Há, portanto, perda superveniente de objeto considerado o exaurimento da eficáciajurídico-normativa do ato hostilizado. 3. A jurisprudência desta Corte é pacíficaquanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade por perda super-veniente de objeto, que tanto pode decorrer da revogação pura e simples do ato im-pugnado como do exaurimento de sua eficácia. Precedentes. 4. Não é passível orecebimento dessa ação como ação de descumprimento de preceito fundamental, umavez que não subsistem quaisquer efeitos jurídicos a serem regulados. 5. Agravo regimen-tal não provido [ênfase acrescida].20

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Questão de ordem. - Como se vê dostextos das Medidas Provisórias que sucessivamente reeditaram a de nº 2.045-4, cuja efi-cácia foi suspensa por esta Corte, o dispositivo objeto desta ação não foi reeditado, nãoconstando igualmente da Lei de conversão nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001. - Con-seqüentemente, está prejudicada a presente ação por perda de seu objeto, o que,aliás, ainda quando tivesse ocorrido a reedição do citado dispositivo, também já se teriaverificado nesta altura, uma vez que se tratava de norma com vigência temporária até 31

19 Informação extraída em: www.congressonacional.leg.br. V. Ato Declaratório nº 22, de 24 de abril de 2018,DOU nº 79, quarta-feira, de 25 abril de 2018, p. 98.

20 STF. ADI 4041 AgR-AgR-AgR/DF. Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe nº 113, de 14 jun. 2011.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.826/DF 9

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de dezembro de 2000. Questão de ordem que se resolve no sentido de se julgar prejudi-cada a presente ação direta de inconstitucionalidade [ênfase acrescida].21

Em face do exposto, sugere-se seja apreciada e acolhida a presente preliminar de

perda parcial e superveniente do objeto, especialmente no tópico do pleito que envolve os

dispositivos celetistas inovados pela MP 808/2017, nos termos do art. 21-IX, do RISTF c/c

art. 485, VI, do CPC.

Assim, opina-se, preliminarmente, pelo não conhecimento da ação, em face da

ilegitimidade da federação profissional requerente; caso superada a preliminar, seja intimada

a entidade autora a juntar aos autos instrumento de mandato com referência expressa aos atos

legislativos impugnados. Ainda, preliminarmente, sugiro seja declarada a perda parcial e su-

perveniente do objeto da ação quanto aos dispositivos inovados pela MP 808/2017, nos ter-

mos do art. 21-IX do RISTF c/c art. 485-VI do CPC.

III – Mérito

Não obstante as ventiladas preliminares, tendo em vista (i) a relevância da maté-

ria tratada nesta e em outras inúmeras demandas de teor semelhante que tramitam nesse Su-

premo Tribunal Federal; (ii) a importância do tema para a ordem social; e (iii) a observância

aos princípios da primazia no julgamento do mérito e da economicidade, passa-se a examinar

a suscitada inconstitucionalidade.

Conforme relatado, a ação funda-se na suposta inconstitucionalidade da nova mo-

dalidade de contratação, instituída pela chamada Reforma Trabalhista: o contrato de trabalho

intermitente.

Num primeiro momento, é importante ressaltar que, apesar de apontar vários dis-

positivos constitucionais e preceitos da Carta que estariam sendo ofendidos com a criação do

contrato de trabalho intermitente, a requerente não se desincumbiu do ônus de demonstrar –

efetivamente – mácula à Constituição.

Embora mencione que a inovação constitui inobservância ao princípio da vedação

ao retrocesso e afronta à dignidade da pessoa humana, lançando alegações no sentido de que

21 STF. ADI 2290 QO/DF. Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 29 jun. 2001.

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a modalidade importa em fragilização das relações de trabalho, não há argumentos na inicial

que revelem inconstitucionalidade patente, manifesta ou incontestável.

O conceito da nova forma de contratação é trazido pela própria norma questio-

nada:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestaçãode trabalho intermitente.

§3º Considera-se como intermitente o Contrato de Trabalho no qual a prestação de servi-ços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de presta-ção de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para osaeronautas, regidos por legislação própria.

Percebe-se, do dispositivo, que o contrato de trabalho intermitente diferencia-se

da contratação tradicional, essencialmente, no que se refere à jornada de trabalho do empre-

gado, ostentando os imprescindíveis elementos que constituem a típica relação de trabalho,

sobretudo a subordinação e a conjugação dos fatores salário versus serviço prestado.

Deste modo, ao revés do que faz crer a inicial, a simples incorporação de modelo

que difere da contratação tradicional e o fato de a prestação de serviços, no contrato intermi-

tente, acontecer de forma descontínua, não conduzem à automática conclusão de que a moda-

lidade redunda em fragilização das relações trabalhistas ou na diminuição da proteção social

conferida aos trabalhadores.

Ainda que se admita que o contrato de emprego típico possa gerar maior sensação

de segurança ao trabalhador – principalmente em razão da visão cultural estabelecida por

anos de vigência da CLT sem modificações tão substanciais como as implementadas pela Re-

forma Trabalhista –, necessário reconhecer que a modalidade de trabalho intermitente pode

significar novas oportunidades para todos os envolvidos na relação, sejam empregadores ou

empregados.

Isso porque, nesta nova forma de contrato, ou o empregado está trabalhando – e

será devidamente remunerado por esse tempo laborado – ou está livre para buscar outras

oportunidades, realizar diferentes trabalhos, executar outros projetos. A jornada mais flexível

pode atender à expectativa de trabalhadores que almejam mais disponibilidade para o desen-

volvimento de outros interesses. Tanto da perspectiva do empregador, quanto da dos trabalha-

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dores, podem existir nuances que tornem o contrato intermitente melhor alternativa que a for-

malização de uma relação de trabalho nos padrões usuais.

Além disso, a figura laboral pode ser fator de elevação do padrão de proteção so-

cial aplicável àqueles que, anteriormente, encontravam-se na informalidade, executando seus

serviços sem regular contrato de trabalho ou mediante prestações de serviço em caráter even-

tual. A nova forma de contratação pode representar termo médio entre a eventualidade do tra-

balho informal – que não oferece garantias mínimas ao trabalhador – e o habitual vínculo do

emprego comum – que não tem a flexibilidade e a alternância que podem favorecer a forma-

lização da relação de trabalho.

Não há falar, assim, em fragilização das relações de emprego ou em ofensa ao

princípio do retrocesso, considerando que, como visto, a inovação pode resultar em oportuni-

dades e benefícios para ambas as partes envolvidas no vínculo de trabalho.

Além de invocar os mencionados preceitos, aponta a requerente que a contratação

intermitente poderia servir de escusa para o pagamento de salários inferiores ao mínimo

constitucionalmente assegurado e que não atendem às necessidades básicas do trabalhador e

de sua família, especialmente para moradia, alimentação, educação, saúde e lazer. Nessa li-

nha, diz existir clara ofensa ao art. 7º– IV e VII da Constituição.

Contrariedade à Constituição verificar-se-ia, de fato, se não existisse proporciona-

lidade entre o salário mínimo previsto para a contratação usual e a remuneração estabelecida

para o contrato intermitente. Neste aspecto, porém, concebeu-se um modelo em que o benefi-

cio da relação de emprego habitual é devido proporcionalmente ao período de tempo prestado

na condição intermitente.

De modo semelhante aos empregados da contratação típica, aos trabalhadores em

regime de intermitência é garantida remuneração mínima à proporção dos serviços presta-

dos. É dizer: uma vez assegurado o salário mínimo pelo tempo efetivamente trabalhado (por

valor horário, diário ou mensal) proporcional ao que deveria ser pago na contratação regular,

não há se falar em ofensa ao texto constitucional.

Aliás, a própria CLT há muito dispõe acerca do salário proporcional na hipótese

de trabalho em regime de tempo parcial. Nos termos do art. 58-A –§1º daquela norma, consi-

dera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas

semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja dura-

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ção não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis

horas suplementares semanais. Prevê o §1º do dispositivo que o salário a ser pago aos empre-

gados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empre-

gados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.

Nessa mesma linha de raciocínio, não há qualquer impeditivo à implementação

da jornada intermitente, desde que com o consequente pagamento proporcional ao trabalho

prestado, tomando-se como base o salário mínimo previsto para a jornada convencional.

Lógica semelhante, inclusive, é a que deve permear o modelo de pagamento das

demais verbas trabalhistas devidas nos contratos intermitentes. Para o tempo de trabalho

prestado, a remuneração deverá ser acrescida das verbas constitucionais garantidas na relação

de emprego – tais como férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro sa-

lário proporcional e demais adicionais legais, garantindo-se, destarte, a fruição proporcional

dos benefícios sociais que caracterizam o vínculo de emprego convencional.

Desse modo, evidencia-se inexistir óbice à implementação da jornada intermi-

tente, desde que garantida a remuneração do trabalho prestado na mesma razão do salário

mínimo previsto para a jornada regular.

Diante do exposto, como acertadamente consignou a Advocacia-Geral da União

em sua manifestação, o instituto do trabalho intermitente, na sua concepção abstrata, não traz

qualquer inconstitucionalidade manifesta. A possibilidade de sua aplicação desproporcional,

embora exista, não torna sua positivação inválida; eventuais abusos verificados no caso con-

creto deverão ser submetidos à sede própria.

IV

Assim, opino, preliminarmente, pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela

improcedência do pedido.

Brasília, 27 de junho de 2018.

Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República

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