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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO PROCESSO PGT/CCR/10960/2009 1 Interessados: PRT/1ª Região e VISE Vigilância e Segurança Assuntos: Consulta Forma de proceder quando há dois TACs firmados pelo MPT sobre o mesmo objeto Relatório Trata-se de Consulta formulada pela douta Procuradora do Trabalho Daniela Ribeiro Mendes no bojo do PI nº 695/2001, com a seguinte expressão (fls.332/333), ad litteram: “1. Trata-se de procedimento para investigar o cumprimento da cota prevista no artigo 91 da Lei 8.213/91, de contratação de pessoas com deficiência e reabilitadas, em 31/07/2001. Foi instaurado de ofício porque a empresa possuía mais de 1000 empregados. Segundo informações da época, seriam 1381 vigilantes e 34 empregados do setor administrativo (fl.11). 2. Em 29/10/2001, foi firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, tendo a empresa se comprometido a fazer publicar, em dois finais de semana de cada mês, em jornal de grande circulação, a abertura de programa de contratação de pessoas com deficiência, para eventuais vagas que venham a ocorrer em seu quadro (fls.34/37). 3. Registre-se que não houve limitação ou exclusão dos vigilantes da base de cálculo para a cota legal. 4. Em 28/02/2008, a empresa compareceu à audiência administrativa e afirmou possuir 81 empregados no setor administrativo e cerca de 4.378 vigilantes; e que teria contratado dois empregados com deficiência. Na ocasião, defendeu a tese de que os vigilantes não poderiam compor a base de cálculo da cota legal (fl.128). (...) 7. A empresa enviou os documentos requisitados pelo MPT, e o parecer técnico da médica do trabalho desta PRT concluiu que existem vários cargos compatíveis com diferenciados tipos e graus de deficiência, não tendo a empresa qualquer escusa para o cumprimento da cota legal (fls.323-324). 8. Assim, foi designada nova

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL

CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO PROCESSO PGT/CCR/10960/2009

1

Interessados: PRT/1ª Região e VISE Vigilância e Segurança

Assuntos: Consulta

Forma de proceder quando há dois TACs firmados

pelo MPT sobre o mesmo objeto

Relatório

Trata-se de Consulta formulada pela douta Procuradora do

Trabalho Daniela Ribeiro Mendes no bojo do PI nº 695/2001, com

a seguinte expressão (fls.332/333), ad litteram:

“1. Trata-se de procedimento para investigar o cumprimento da cota prevista no artigo 91 da Lei 8.213/91, de contratação de pessoas com deficiência e reabilitadas, em 31/07/2001. Foi instaurado de ofício porque a empresa possuía mais de 1000 empregados. Segundo informações da época, seriam 1381 vigilantes e 34 empregados do setor administrativo (fl.11). 2. Em 29/10/2001, foi firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, tendo a empresa se comprometido a fazer publicar, em dois finais de semana de cada mês, em jornal de grande circulação, a abertura de programa de contratação de pessoas com deficiência, para eventuais vagas que venham a ocorrer em seu quadro (fls.34/37). 3. Registre-se que não houve limitação ou exclusão dos vigilantes da base de cálculo para a cota legal. 4. Em 28/02/2008, a empresa compareceu à audiência administrativa e afirmou possuir 81 empregados no setor administrativo e cerca de 4.378 vigilantes; e que teria contratado dois empregados com deficiência. Na ocasião, defendeu a tese de que os vigilantes não poderiam compor a base de cálculo da cota legal (fl.128). (...) 7. A empresa enviou os documentos requisitados pelo MPT, e o parecer técnico da médica do trabalho desta PRT concluiu que existem vários cargos compatíveis com diferenciados tipos e graus de deficiência, não tendo a empresa qualquer escusa para o cumprimento da cota legal (fls.323-324). 8. Assim, foi designada nova

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audiência para que a empresa fosse cientificada da tese adotada pelo parquet no sentido de que deveria cumprir a cota integralmente. Nessa data, a Procuradora signatária foi surpreendida com a informação da investigada de que teria firmado novo Termo de Ajuste, nos autos do PP 2300/2005. 9. No TAC firmado, restou estabelecido que a base de cálculo para a contratação de pessoas com deficiência levará em consideração apenas o pessoal do setor administrativo. Foi fixada multa de R$2.000,00 (dois mil reais) pelo descumprimento. 10. Encerrada a audiência, solicitei a remessa dos autos do PP 2300/2005, já que no cadastro do sistema CODIN constava como tema investigado ASSÉDIO MORAL. 11. Apenas o segundo volume do procedimento veio-me à conclusão. Dele constam dois relatórios de fiscalização da SRTE, que abordam questões relativas ao meio ambiente do trabalho. Em 08/06/2009, foi firmado TAC em audiência, tendo por objeto a contratação de pessoas com deficiência pela empresa, considerando-se apenas as vagas concernentes à área administrativa. 12. Teria ocorrido, então, novação, já que o TAC posterior tem o mesmo objeto do que aquele originariamente firmado pela empresa. 13. O artigo 99 da Lei Complementar nº 75 dispõe que a Câmara de Coordenação e Revisão do MPT é um órgão de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional da instituição. Assim, determino que seja o presente procedimento enviado à CCR para que seja dirimida a questão relativa aos dois termos de compromisso pactuados pela empresa, já que o segundo adota tese restritiva de direitos dos trabalhadores portadores de deficiência e reabilitados, que não parece ser adotada pelo MPT em nível nacional.(...)” (destaques no original)

Admissibilidade

Estabelecidos os contornos fáticos da quaestio juris ora

apresentada, é de se conhecer a presente Consulta na forma do

inciso I, do artigo 103, da Lei Complementar 75/93.

Pelo conhecimento.

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Mérito

Primeiro seria conveniente fixar que a revogação

unilateral da manifestação de vontade, tanto do compromissado

quanto do compromitente, por ocasião da lavratura do Termo de

Compromisso de Ajustamento de Conduta não é objeto de

regulação pela Lei nº 7.347/85.

Assinale-se na sequência que, no âmbito do Ministério

Público do Trabalho, a principal referência acerca da matéria

concernente à desconstituição, invalidação e/ou revisão de

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, embora não

constitua o que poderia se insinuar como coisa julgada

administrativa, ainda é a decisão lavrada no processo

PGT/CCR/11/2003 (CSMPT 08130.0003811/2001).

Em outra Consulta (PGT/CCR/31/2004), a Câmara de Coordenação

e Revisão, sobre a decisão em comento, asseverou, verbatim:

“Questão Prejudicial. A decisão transcrita acima, embora seja inegavelmente um referencial na matéria, tanto que tem sido tomada como base para a solução de procedimentos pela CCR (ex vi

PGT/CCR/7/2006, PGT/CCR/57/2006 e PGT/CCR/1101/2008), não tem caráter vinculativo, porque no presente procedimento, como se verifica do quanto deliberado no PGT/CCR/nº 01/2004 (‘deliberou, ainda, formar

expediente no âmbito da CCR, para abordagem e solução da temática alusiva à

revisão do TAC’), citado no início desta exposição, trata-se de um estudo sobre o tema que será encaminhado, se aprovado pela Câmara de Coordenação e Revisão, ao Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, órgão que detém o poder normativo na instituição (inciso

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I, artigo 131, LOMPU). Não fosse a razão apontada suficiente, aquela decisão, proferida no Processo PGT/CCR/nº 11/2003 (CSMPT

08130.0003811/2001) não teve natureza genérica, muito pelo contrário, foi emitida concretamente num determinado conflito de atribuição – malgrado estar-se, no referido PGT/CCR/nº 11/2003, diante de inusitado reconhecimento de conflito (‘O conflito de atribuição que será

aqui decidido, portanto, é o que ocorreu entre o Órgão do Ministério Público que

firmou o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (Recorrente) e a CCR

– Câmara de Coordenação e Revisão’), originário, e não em sede de recurso (art. 91, inciso VII, LC 75/93), entre órgão de execução e órgão revisional. Se superada a questão prejudicial, inclusive no ponto em que se deliberou no PGT/CCR/nº 11/2003 (CSMPT

08130.0003811/2001) que a desconstituição de TCAC não poderá dar-se nem pela CCR, nem pelo Conselho Superior ‘por absoluta falta de amparo legal’, porque não se trata de processo/procedimento de natureza objetiva, como é, v.g., a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Direta de Constitucionalidade, ou mesmo, internamente, uma Consulta, mas conflito onde se resolvem posições jurídicas subjetivas, é possível preconizar, como se fará na seqüência, que a Câmara de Coordenação e Revisão venha a ser o órgão indicado, por futura normativa do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, para a Revisão dos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, ultrapassando os precedentes já assentados neste órgão, verbia gratia o PGT/CCR/PP/101/2008, ipsis litteris: ‘A CCR, POR

UNANIMIDADE, CONHECEU DA CONSULTA E, À VISTA DO

PRECEDENTE DA LAVRA DA EXMA. SENHORA EXPROCURADORA-

GERAL DO TRABALHO, DOUTORA SANDRA LIA SIMON, NOS AUTOS DO

PGT/CCR/2003, DECLAROU QUE ESTA CCR NÂO TEM COMPETÊNCIA

PARA AUTORIZAR O DESFAZIMENTO DE TCAC.’ (...) Porém, em sua 146ª

Reunião Ordinária, realizada em 23.04.2007, esta CCR reviu seu posicionamento

anterior, considerando como orientação sobre o tema ora em comento, enquanto não

regulamentada a questão pelo CSMPT, a referida decisão da Exma. Senhora ex-

Procuradora-Geral do Trabalho, proferida nos autos do PGT/CCR/11/2003, e

declarou não possuir atribuição para deliberar acerca da anulação de TAC, nos

termos seguintes: (...). Desse modo, consoante se verifica das deliberações exaradas

nos expedientes supracitados, bem como no bojo dos Processos PGT/CCR/11/2002,

PGT/CCR/01/2004, PGT/CCR/31/2004 e PGT/CCR/162/2007, a questão

concernente à desconstituição e/ou revisão de TAC não é pacífica, necessitando

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de profunda reflexão no seio deste Parquet e exigindo regulamentação urgente

por parte do CSMPT.’ (sem negrito no original). Proponho, então, que a Câmara de Coordenação e Revisão acolha e decida a questão prejudicial, para declarar que a solução deste procedimento não está vinculada a decisão dada anteriormente no PGT/CCR/nº 11/2003 (CSMPT 08130.0003811/2001).” (destaques no original)

A explanação acima ganha maior relevo se for considerado

que a Consulta antes mencionada (PGT/CCR/31/2004), cujo objeto

giza exatamente sobre a anulação de Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta, concluiu pela atribuição da Câmara de

Coordenação e Revisão para a revisão de TAC, desde que

autorizada normativamente pelo Conselho Superior do Ministério

Público.

Outra decisão (PGT/CCR/1011/2009, Relatora Maria Aparecida Gugel),

cuja ementa se reproduz abaixo, reconheceu “que a questão não

está ainda plenamente pacificada no âmbito do Ministério

Público do Trabalho e requer profunda reflexão com

regulamentação urgente por parte do CSMPT” (no mesmo sentido, o

PGT/CCR/101/2008, supracitado), ad litteram:

“EMENTA: TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TAC. CONSULTA SOBRE DESFAZIMENTO DE OBRIGAÇÃO. Sugestão de uma rotina de procedimento para o desfazimento de TCAC imputado inconveniente ou ilegal por órgão do MPT que não seja seu signatário.”

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A solução preconizada, ainda pendente, como se disse, de

decisão pelo Conselho Superior, aproximaria o modelo

organizacional do Ministério Público do Trabalho de outros

ramos do parquet brasileiro.

Ainda que deva ser anotado, por importante, que parte

deles, diferentemente do parquet trabalhista, condiciona a

plena eficácia do referido título executivo à sua homologação

pelo órgão revisor com atribuição para tanto, como é exemplo o

Ministério Público de São Paulo (§ 4º, artigo 83, Ato Normativo nº

484-CPJ, de 5 de outubro de 2006).

Outras referências são o Ministério Público do Estado do

Espírito Santo (9ª Sessão do Conselho Superior/Processo MP nº

5859/2006), o Ministério Público do Mato Grosso (art. 17, Res. nº

010/2007), o Ministério Público do Estado de Alagoas (arts. 194 e

198 do Ato CSMP nº 001/99), e, ainda, o Ministério Público do

Estado do Acre, cuja Resolução nº 04/2005, assim prediz, ad

litteris:

“Art. 33. Celebrado o ajustamento deverá ser ele encaminhado ao Conselho Superior do Ministério Público para análise e homologação ou determinação de providências no sentido de seu aditamento caso se verifique alguma omissão que inviabilize a proteção do bem jurídico tutelado ou falha que impossibilite a sua plena execução.”

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Por outra banda, é aconselhável assinalar que o Conselho

Nacional do Ministério Público (Processo CNMP nº

0.00.000.000165/2009-28, Relator Conselheiro Achiles de Jesus Siquara

Filho), provocado sobre o tema, assentou, verbo ad verbum:

“Ementa: Procedimento de Controle Administrativo. Apreciação da legalidade de Termos de Ajustamento de Conduta. Atividade fim. Aplicação do Enunciado n. 06 do Conselho Nacional do Ministério Público. Não conhecimento. Arquivamento. Instauração de Reclamação Disciplinar. Remessa dos autos à Corregedoria Nacional para as providências que julgar cabíveis. (...) A formulação de Termos de Ajustamento de Conduta é atividade própria dos membros do Ministério Público que, após investigações preliminares, optam não pela instauração de medidas judiciais, mas sim pela implementação de acordo extrajudicial, no sentido de tutelar o bem jurídico ameaçado. A formulação de TAC´s é atividade finalística do Parquet. É bem verdade que o Ministério Público não detém a exclusividade da atribuição de tomar compromisso de ajustamento de conduta, também tem essa competência os órgãos públicos legitimados à ação civil pública. Partindo dessa premissa, verifica-se que foge das atribuições constitucionais do Conselho Nacional do Ministério Público a fiscalização das atividades relacionadas à instauração de inquéritos civis e das medidas administrativas ou judiciais que deles decorrerem. Tal entendimento é pacífico neste Conselho, o que ensejou, inclusive, a publicação de enunciado que autoriza o arquivamento monocrático de procedimentos que objetivem a revisão de atos relativos à atividade fim dos membros do Ministério Público. Senão vejamos: ‘Enunciado

06/CNMP – Os atos relativos à atividade fim do Ministério Público são insuscetíveis

de revisão ou desconstituição pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Os

atos praticados em sede de inquérito civil público, procedimento preparatório

ou procedimento administrativo investigatório dizem respeito à atividade

finalística, não podendo ser revistos ou desconstituídos pelo Conselho Nacional do

Ministério Público, pois, embora possuam natureza administrativa, não se

confundem com aqueles referidos no art. 130-A, §2°, inciso II, CF, os quais se

referem à gestão administrativa e financeira da Instituição.’ (grifos nossos). (...) No que respeita ao Conselho Nacional do Ministério Público, deve-se

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registrar que o mesmo não tem o poder de determinar a qualquer órgão do Ministério Público a instauração de inquérito civis ou promoção de ações civis públicas, sem que isto signifique violentar a autonomia e independência funcional de seus membros.” (destaques no

original)

Registre-se, na seqüência e no mesmo estalão, outros

precedentes do Egrégio Conselho Nacional do Ministério

Público: CNMP nº 0.00.000.000563/2009-44, Relator Conselheiro

Raimundo Nonato de Carvalho Filho; e CNMP nº

0.00.000.01002/2007-09, Relator Nicolao Dino de Castro e Costa

Neto.

Neste panorama, de lídima recusa de atribuição do Conselho

Nacional do Ministério Público para rever atos relativos à

atividade fim dos membros do parquet nacional, adianta-se que,

no se refere à possibilidade de desconstituição administrativa

do Termo de Ajustamento de Conduta pelo próprio órgão público

responsável pela sua elaboração, merece destaque a seguinte

reflexão doutrinária, verbatim:

“Portanto, se a lei nacional delega aos órgãos legitimados no § 6º do artigo 5º da Lei n.º 7.347/85 o juízo de valor sobre a necessidade de materialização de um TAC, diante da verificação do interesse público ou coletivo tutelável, decorre do próprio sistema administrativo, de forma congênita, a possibilidade do desfazimento público e motivado do termo de ajustamento de conduta, pelos órgãos legitimados, na proteção do mesmo interesse que gerou a sua célere formação. Caso contrário, admitir-se-ia o paradoxo de haver um instrumento criado para a desjudicialização de controvérsias, que, em caso de ilicitude

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detectada pelo próprio órgão público legitimado, representaria um obstáculo a mais, em detrimento da eliminação dos conflitos de interesses.” (COUTINHO, Marcos Pereira Anjo. A Invalidação do Termo de

Ajustamento de Conduta. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado

de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 7 jul./dez. 2006, p.436.)

Forte nesta doutrina, pede-se, em acréscimo, vênia para

transcrever parte do voto proferido na já citada Consulta

PGT/CCR/31/2004, ipsa verba:

“Anota-se, no mesmo diapasão, em palestra proferida no evento ‘Aspectos da Atuação do Ministério Público na Área do Consumidor’, realizado pelo Ministério Público de São Paulo, de 03 a 05/dezembro de 2008, o Procurador de Justiça Marco Antonio Zanellato, com abordagem sobre ‘Termo de Ajustamento de Conduta: aspectos polêmicos’, asseverou, fazendo remissão ao artigo 89 do Ato Normativo nº 484 – CPJ, de 2006, que é possível a desconstituição por via consensual (extrajudicial), diante de fato novo, como hipótese de novação e mediante justificação e submissão da alteração ao órgão colegiado revisor, uma vez que o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta terá sido homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Não deve passar despercebida, na leitura da doutrina anteriormente citada, a peculiaridade de que no Ministério Público do Estado de São Paulo, pela Lei Complementar Estadual nº 734/93 o termo de compromisso de ajuste de conduta tem sua eficácia condicionada à homologação por órgão colegiado revisor... (...) Retornando ao tema central, a mesma autora, Geisa de Assis Rodrigues (idem, p. 201/202), também admite a desconstituição do termo de compromisso, ipsa verba: ‘Existe ainda

a possibilidade de rescisão voluntária do compromisso quando se demonstrar,

por exemplo, a impossibilidade de seu cumprimento por motivo de força maior,

de caso fortuito devidamente registrado no termo de rescisão, ou quando as

partes concordarem que não mais existem os pressupostos que o ensejaram. (...)

Também pode ser motivo de revisão do ajuste quando as medidas pactuadas se

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tornem excessivamente onerosas para o compromissário, e possam ser

substituídas por outras que garantam da mesma forma o direito da

coletividade.’ Do mesmo veio, traz-se um exemplo que se reporta a um peculiar caso, mais de inadequação do que propriamente de ilegitimidade da representação da parte, ad litteris e verbis: ‘O segundo

caso é bastante interessante. Cuidava-se de ajustamento de conduta celebrado entre o

Ministério Público Federal, a Aracruz Celulose S.A., a FUNAI e representantes das

comunidades indígenas tupiniquim e guarani, no qual estas reconheciam como

legítimas as portarias de demarcação do ministério da Justiça de suas terras, normas

até então contestadas. Por sua vez, a empresa compromissária subsidiaria projetos de

interesse da comunidade no valor total de R$ 11.601.780,00 (onze milhões,

seiscentos e um mil e setecentos e oitenta reais). Eis as palavras dos próprios

Colegas do Ministério Público Federal que participaram do ajuste, para justificar o

cancelamento do mesmo: ‘Em reunião plenária de 09/05/08, na Aldeia Caieiras

Velhas, e contando com a presença de significativo número de membros das

comunidades indígenas locais (cerca de 200 índios), o Ministério Público Federal

constatou que a grande maioria sequer tinha conhecimento integral do termo de

ajustamento de conduta. Feito um detalhado esclarecimento, as comunidades

deliberaram pela sua rejeição, o que se deu à unanimidade dos presentes, inclusive

os signatários do Termo.’ Assim, foi rescindido o ajuste por se considerá-lo

inadequado aos direitos coletivos da comunidade indígena.” Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado, afirma em artigo (htpp://www.pinheiropedro.

com.br/biblioteca...acesso em 20/04/2009) que o “Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta pode ser retificado, aditado ou mesmo rescindido como os atos jurídicos em geral, ou seja de maneira voluntária, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito, sendo tais atos justificados técnica e legalmente”. (destaques no original)

Acrescente-se, quanto à possibilidade e o meio, a

reafirmação da melhor doutrina de que a rescisão/invalidação

do compromisso de ajustamento extrajudicial se dá como os atos

jurídicos em geral, ou seja, tanto voluntariamente quanto pela

via judicial, mediante ação ordinária (declaratória de nulidade ou

desconstitutiva/anulatória), consoante se depreende da valiosa

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lição de Hugo Nigro Mazzilli (O Inquérito civil. São Paulo: Saraiva,

2000, p. 382), ad litteris et verbis:

“Diante de sua natureza consensual, o compromisso de ajustamento de conduta pode ser revisto a qualquer tempo, se acordes o órgão público que o tomou e o causador do dano, que antes já se tinha comprometido, seja para impor condições mais ou até menos gravosas, de acordo com as necessidades do caso. Nessa hipótese, se o compromisso tiver sido tomado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de oitiva prévia do Conselho Superior, e sim oitiva posterior, pois um novo ajuste poderá importar em arquivamento expresso ou implícito do inquérito civil, em seu todo ou em parte, matéria que, por força da lei, está sempre afeta ao controle do órgão colegiado. (...) Em suma, havendo necessidade de rescindir o compromisso de ajustamento, sujeita-se sua rescisão aos mesmos critérios da rescisão dos atos jurídicos em geral, ou seja: a) voluntariamente, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito; b) ou contenciosamente, por meio de ação anulatória.”

Também a jurisprudência, como seria natural esperar, vai

por essa vereda, consoante asseverado pelo Tribunal de Justiça

de São Paulo (1ª Câmara de Direito Público, Apelação 449749.5/0-00,

Relator Desembargador Franklin Nogueira), em decisão assim ementada,

ipsis verbis:

“AÇÃO DECLARATÓRIA – pretensão de invalidar termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público – extinção do feito, com indeferimento da inicial, ao entendimento que o tema somente poderia ser discutido em sede de embargos à execução ajuizada para cobrança da multa prevista naquele termo – equívoco da decisão – possibilidade de discussão da validade do termo em ação declaratória, mesmo em não havendo

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sido opostos embargos à execução – direito constitucional de ação – recurso provido para afastar o decreto de extinção do feito.” (sem

negrito no original)

Não se pode descurar, contudo, de um ponto essencial, que

é tratar-se, na hipótese deste procedimento, não do que

normalmente ocorre, quando é o compromissado que tem a

pretensão de invalidar o termo de compromisso, resumindo-se a

discussão, no geral e como visto acima, em fixar se o remédio

correto são os embargos à execução, acaso interpostos, ou, em

caso contrário, a ação anulatória, sem negar, porém, a

possibilidade de ser o ajuste sindicalizável.

A quaestio juris que remanesce, longe de ser de

simplicidade franciscana, é que, dada a impossibilidade de

desconstituir o TAC por outro órgão do parquet que não o

signatário, “nem pela CCR, nem pelo Conselho Superior, por

absoluta falta de amparo legal”, como se pontificou alhures

(PGT/CCR/11/2003), abrir-se-ia, então, ensanchas, nos casos de

patente invalidade (artigos 104, 166 e 171/CC), apenas a via

judicial.

Tal hipótese – ainda que superada, em razão das normas

constitucionais (§1º e inciso III, artigo 129, CR), a questão de

legitimidade da própria promotoria do trabalho para, por

órgãos distintos, ajuizar e também contestar a ação anulatória

(“Administrativo – Ação Anulatória de Termo de Ajustamento de Conduta –

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Processual Civil – Ministério Público do Estado de Minas Gerais –

Ilegitimidade Passiva ‘ad causam’ – Ausência de Personalidade Jurídica –

Extinção sem Julgamento de Mérito.”/AC nº 1.0702.03.084179-6/001, 8ª CC,

Comarca de Uberlândia, j. 04/05/2006) – apresentar-se-ia, no mínimo,

ofensiva ao princípio da unidade de cariz constitucional (artigo

127, § 1º, CR).

Se não fosse o suficiente a invocação do princípio da

unidade, o Ministério Público, ao se socorrer do Judiciário,

estaria claramente vulnerando sua independência para solução

de pendências internas, além de incorrer em flagrante

desvirtuamento do instituto do Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta, que é, segundo a doutrina majoritária,

um instrumento para diminuir o número de processos levados ao

Poder Judiciário (FARIAS, Talden. Termo de Ajustamento de Conduta e

Acesso à Justiça. Revista Dialética do Processual nº 52, p. 120/LEITE, José

Rubens Morato e PEREIRA, Ana Paula Mendes Simões, in. ob cit. FARIAS,

Talden).

Dada a patente inconveniência da via judicial, o passo

seguinte seria, não havendo normas externa e interna, e não

sendo conveniente deixar de dar a solução exigida para um

possível impasse institucional, admitir a atribuição

revisional da Câmara de Coordenação e Revisão (verbia gratia o

PGT/CCR/1011/2009), ainda que de modo ad hoc e com ratificação

pelo Conselho, para a desconstituição do Termo de Compromisso

de Ajuste de Conduta.

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A boa doutrina pode, neste ponto, vir em socorro da

solução necessária, ainda que alongando em boa medida a

exposição, como se pode conferir na sequência, ad litteris et

verbis:

“A ordem jurídica brasileira concedeu aos órgãos públicos legitimados uma importante função infraconstitucional, consubstanciada na atribuição para a tomada de ajustamento de conduta no exercício de suas atividades protetivas dos interesses socialmente relevantes. A celeridade apropriada das resoluções dos conflitos tem indicado que a medida legislativa vem correspondendo satisfatoriamente às expectativas sociais nascidas desse instrumento desjudicializante. No Estado Democrático de Direito, que busca na eficácia social a legitimidade de sua atuação, em prol da construção do Estado de Justiça Material, o termo de ajustamento de conduta mostra-se um forte aliado, contribuindo para a pacificação social sem as conseqüências, nem sempre positivas, da lide. Questão juridicamente interessante surge quando se discute a invalidação do termo de ajustamento viciado. O ajustamento de conduta transformar-se-ia, nessa hipótese, em paradoxal obstáculo à eficiente eliminação do conflito de interesses substancial? (...) Rodrigues (2002, p. 199), por sua vez, apesar de reconhecer a existência de um regime de invalidade dos negócios jurídicos, expõe haver peculiaridades ínsitas ao ajustamento de conduta: ‘Não temos a pretensão de construir um regime

próprio de invalidade para o ajustamento de conduta, mas devemos acentuar que

algumas peculiaridades desse tipo de negócio devem ser levadas em conta para que,

sob o afã de erradicar algum tipo de irregularidade, não se comprometa a finalidade

do compromisso. Aliás, não há nada de novo em subordinar o sistema de nulidades

ao tipo de interesse violado, admitindo-se casos de irregularidades sem sanção ou

passíveis de convalidação como, por exemplo, no direito de família ou no direito

processual. (...)’ O certo é que, como instrumento distanciado das relações jurídicas de cunho privado, é possível o enquadramento das hipóteses destacadas no artigo 2º da Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65) ao ajustamento de conduta, em útil mecanismo de aferição da sua validade, ressalvadas as peculiaridades do instrumento administrativo: (...) Afinal, o artigo 2º da Lei n.º 4.717/65 é norma

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material que extravasa os limites formais da ação popular, irradiando-se por todo o sistema de Direito Público. (...) Nesse ponto, vale recordar que o princípio da legalidade, cujo dever de obediência vincula todos os Órgãos Públicos, integra o patrimônio público imaterial do Estado, não se confundindo, portanto, com o estrito conceito de erário. Com isso se quer dizer que um ajustamento de conduta eventualmente abrangido pelos comandos do artigo 2º da Lei n.º 7.417/65 também viola, automaticamente, o patrimônio público imaterial do Estado, patenteando-se a nulidade. (...) Enfrentados os aspectos centrais, passa-se a debater, então, as reflexões inicialmente esboçadas: é necessária a prévia anulação judicial do termo de ajustamento viciado, para ser viabilizada eventual ação relacionada ao cerne do conflito de interesses? Ou administrativamente é possível a desconstituição do termo de ajustamento de conduta eivado de nulidades? (...) Isso porque, no campo do Direito Administrativo, a anulação dos atos jurídicos (em sentido amplo) não se dá pela regra geral privatista, ocorrendo, ao revés, o manuseio de uma principiologia específica. (...) Conforme já analisado, o ajustamento de conduta é instrumento que não possui natureza sinalagmática. Não existem obrigações ou deveres estabelecidos de forma recíproca, tampouco concessões mútuas sobre os aspectos nucleares da matéria tutelada. Não há, repita-se, negócio ou contrato sob a ótica do direito privado: as incumbências pertencem exclusivamente ao compromissado, sob o ônus de multa para as hipóteses de descumprimento. Ao contrário, a interpretação no Direito Administrativo deve estar atrelada, de acordo com o princípio da especialidade, à indisponibilidade do interesse central – a supremacia do interesse público e a indisponibilidade da tutela coletiva. O princípio da especialidade, em seu caráter de sobre direito impõe distinção entre os diversos sistemas normativos, gerando, por conseqüência, a necessidade de interpretação jurídica limitada à principiologia típica da disciplina estudada. Mostra-se relevante sublinhar que a desconstituição de um TAC viciado não retira nenhum direito do compromissado nem expectativa de direito da pessoa física ou jurídica que aderiu à proposta de ajustamento de conduta. Muito pelo contrário, dada a natureza coercitiva do ajustamento de conduta, são retirados, com a anulação administrativa, apenas os supostos deveres ou obrigações pactuadas. Em linguagem informal, a anulação

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de um TAC, em princípio, representa, a bem da verdade, um motivo de alívio para o compromissado, porquanto lhe são retirados apenas deveres e obrigações de dar, fazer ou não fazer. Portanto, se a lei nacional delega aos órgãos legitimados no § 6º do artigo 5º da Lei n.º 7.347/85 o juízo de valor sobre a necessidade de materialização de um TAC, diante da verificação do interesse público ou coletivo tutelável, decorre do próprio sistema administrativo, de forma congênita, a possibilidade do desfazimento público e motivado do termo de ajustamento de conduta, pelos órgãos legitimados, na proteção do mesmo interesse que gerou a sua célere formação. Caso contrário, admitir-se-ia o paradoxo de haver um instrumento criado para a desjudicialização de controvérsias, que, em caso de ilicitude detectada pelo próprio órgão público legitimado, representaria um obstáculo a mais, em detrimento da eliminação dos conflitos de interesses. Ademais, é importante destacar, em congruente acréscimo relativamente à atuação do Ministério Público, que todos os atos ou negócios produzidos no bojo do inquérito civil são, por vontade legal, obrigatoriamente submetidos ao crivo revisional do Conselho Superior do Ministério Público nos casos de não-ajuizamento da ação civil pública. (...) Analisadas as posições doutrinárias, observa-se que a invalidação do ajustamento de conduta deve ser interpretada com base na principiologia específica do campo jurídico no qual está inserida, não sendo juridicamente correta a utilização da hermenêutica de Direito Privado, em virtude da indisponibilidade intrínseca dos direitos protegidos por esse instrumento administrativo. (...) A corrente doutrinária que encampa a possibilidade de anulação administrativa do ajustamento de conduta, a nosso ver, é mais coerente com o sistema de Direito Público regulatório desse especial instrumento. O Direito Administrativo prevê a anulação ex officio dos atos inválidos e a revogação dos inconvenientes. Prevê, também, a existência de cláusulas exorbitantes ou cláusulas de privilégio, que possibilitam a ruptura unilateral de negócios jurídicos administrativos. Todas essas constatações contribuem para a formação do juízo de convencimento da plena compatibilidade sistêmica da anulação administrativa, pública e motivada, do ajustamento de conduta.”

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Toda a arquitetura até aqui construída, contudo, tem um

óbice intransponível, que é, ainda que o segundo termo

contenha restrição ausente no primeiro, inexistir antinomia

entre os dois Termos de Ajustamento de Compromisso de Conduta.

Basta, para confirmar essa premissa, apontar que, desde

sempre, e não apenas nesse procedimento, no concernente a

praticamente todas as empresas de segurança e vigilância a

questão crucial não são os percentuais de pessoas portadoras

de cuidados especiais a serem admitidas, porque esta

percentagem está definida com precisão na norma, e sim a base,

ou o universo de incidência.

Afasta-se por inadequada, portanto, a argumentação já

adiantada em dado momento de que a empresa tenha sido

“cientificada da tese adotada pelo parquet no sentido de que

deveria cumprir a cota integralmente”, primeiro porque essa

ciência só foi efetivada posteriormente ao compromisso

firmado, como inclusive admitido no item 4 da Consulta (fl.

332), segundo, porque foi feita após provocação da

Superintendência do Ministério do Trabalho e Emprego (fl. 56).

Volte-se, assim, ao necessário cotejo entre os dois Termos

de Ajustamento de Compromisso de Conduta.

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1ª TAC (fls. 34/37) “A VISE – VIGILÂNCIA E SEGURANÇA LTDA, inscrita no CNPJ sob o nº 42.146.902/0001-80, com sede na Av. Paulo de Frontin, nº 176 – Rio Cumprido, Rio de Janeiro/RJ, neste ato representada pela Sra. LAUDICENA CRISTINA GUIMARÃES, R.G. nº007474239-6 IFP, na qualidade de Preposta, nos autos do Procedimento Preparatório de Inquérito Civil Público nº 695/2001, firma perante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, representado pela Procuradora do Trabalho, Dra. GUADALUPE LOURO TUROS COUTO, o presente de [sic] TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS, com fundamento no artigo 5º, §6º, da Lei nº 7347/85, inciso II, do CPC e artigo 876 da CLT, regido pelo seguinte:

I – DA OBRIGAÇÃO DE FAZER

CLÁUSULA PRIMEIRA – A Empresa fará publicar, em dois finais de semana de cada mês, durante três meses, em jornal de grande circulação nos Estados onde tiver estabelecimento, a abertura de programa de contratação de pessoas portadoras de deficiência e beneficiários reabilitados da Previdência Social, para eventuais vagas que venham a ocorrer em seu quadro, indicando local para recebimento dos currículos

CLÁUSULA SEGUNDA – No momento em que houver necessidade de contratações de empregados, a partir da assinatura deste, deverá a Compromitente oficiar, nos locais onde existirem as vagas:

a) às Delegacias Regionais do Trabalho e às Unidades de Referência de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, mediante protocolo ou através da internet ou qualquer outro programa informatizado que aqueles órgãos possuam para recebimento de correspondências;

b) às entidades e para pessoas portadoras de deficiência, conforme lista anexa (ou listagem disponível na página eletrônica da Procuradoria Geral do Trabalho: http://www.pgt. mpt.gov.br), informando-lhes da disponibilidade de vagas e das exigências necessárias aos [sic] seu preenchimento, bem como solicitando a indicação, no prazo de 15 (quinze) dias, de candidatos que se enquadrem, nos termos do artigo 93, da Lei nº 8.213/91 e artigo 36, do Decreto nº 3.298/99 (beneficiário reabilitado ou portador de deficiência).

CLÁUSULA TERCEIRA – Na hipótese de: a) os supramencionados órgãos e entidades não procederem à indicação no prazo fixado ou de apresentarem respostas negativas e, ainda, de não aparecer, espontaneamente, nenhum candidato na condição do art.36, do Decreto nº 3.298/99; b) os candidatos indicados ou que tenham se apresentado não atenderem à convocação da empresa para participação em testes seletivos; c) os candidatos indicados ou que tenham se apresentado serem reprovados nos testes seletivos; d) os candidatos submetidos e aprovados em testes seletivos desistirem da colocação, ter-se-á por cumprida a exigência legal relativamente àquela vaga, podendo a empresa realizar livremente a contratação de trabalhador, ainda que não seja beneficiário reabilitado ou portador de deficiência.

2ª TAC (fls. 330/331)

“A empresa VISE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA LTDA, inscrita no CNPJ sob nº 42.146.902/0001-80, com sede na Avenida Paulo de Frontin, 176, Rio comprido – Rio de Janeiro – RJ, neste ato representada pelo Sr. Vladimir dos Santos Dantas – RG 085721017 IFP RJ e assistido pelo Dr. Luiz Fernando Basto Aragão – OAB RJ 44466, na forma dos seus Atos Constitutivos e carta de preposição constante dos autos, FIRMA o presente TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO À CONDUTA LEGAL, com fundamento no art. 5º, § 6º da Lei 7.347/85, perante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, representado pelo PROCURADOR DO TRABALHO, Dr. WILSON ROBERTO PRUDENTE, com o seguinte teor: Art. 1º - A empresa compromete-se a disponibilizar os futuros postos de trabalho ao SINE (Ministério do Trabalho e Emprego) para efeitos de cumprimento da reserva legal de vagas às pessoas portadoras de deficiência. No ato da comunicação ao SINE, a empresa deverá informar este órgão das peculiaridades da sua prestação de serviços ao sistema bancário, informando que atua na área de vigilância armada ao sistema financeiro. Em razão disso, as vagas disponibilizadas serão apenas aquelas concernentes à área administrativa.

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CLÁUSULA QUARTA – A compromitente obriga-se a contratar preferencialmente os candidatos beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência, desde que estes tenham atendido os requisitos do cargo e sejam aprovados nos processos seletivos estabelecidos pela empresa para o cargo.

CLÁUSULA QUINTA – Preenchido o número de vagas decorrente da aplicação do percentual estabelecido nos artigos 93, Lei nº 8.213/91 e 36 do Decreto nº 3.298/99, a empresa fica dispensada das obrigações estabelecidas nas cláusulas anteriores, ficando ciente, entretanto, de que deverá manter o percentual referido.

CLÁUSULA SEXTA – o presente termo abrangerá todas as unidades da empresa no território nacional.

CLÁUSULA SÉTIMA – A empresa compromete-se, ainda, a observar o disposto no § 1º, do art. 36, do Decreto 3.298/99.

CLÁUSULA OITAVA – As condições aqui ajustadas não impedem o recrutamento, a seleção e a contratação de beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência mediante outros procedimentos aqui não especificados.

II – DO CUMPRIMENTO DO TERMO DE COMPROMISSO

CLÁUSULA NONA – Deverá o compromitente, a cada 6 (seis) meses, a partir da assinatura deste instrumento, comprovar ao Ministério Público do Trabalho, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, e à Delegacia do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro, o cumprimento do ajuste ora firmado, fazendo-o mediante justificação das admissões realizadas no período em relação às vagas disponibilizadas.

CLÁUSULA DÉCIMA – Decorrido o prazo de três anos a empresa fica desobrigada da apresentação de documentos comprobatórios ao Ministério Público do Trabalho e à Delegacia Regional do trabalho, que poderá, no entanto, a qualquer tempo realizar essa verificação.

III–DAS MULTAS PELO DESCUMPRIMENTO DO TERMO

CLÁUSULA DÉCIMA-PRIMEIRA – A empresa obriga-se ao pagamento de multa equivalente a R$5.000,00 (cinco mil reais) por empregado contratado em desacordo com as condições estabelecidas no presente termo, independentemente de outras multas que porventura sejam cobradas por outros órgãos, tais como DRT e INASS, cujo valor será revertido ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador - instituído pela Lei 7.998/90.

CLÁUSULA DÉCIMA-TERCEIRA – Aplica-se ao presente Termo de Compromisso o disposto nos artigo 10 e 448 da CLT, de modo que qualquer alteração que venha a ocorrer na estrutura jurídica da empresa não afetará a exigência do seu integral cumprimento.

CLÁUSULA DÉCIMA-QUARTA – Estando assim justo e compromissado, firmo o presente instrumento em três vias de igual teor e forma, na presença do membro do Ministério Público do Trabalho, que também o assina, e de testemunhas, para que produza os seus legais e jurídicos efeitos. Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2001.

Art.2º - Decorridos 15 (quinze) dias da disponibilização acima aludida, a empresa volta a ter inteira liberdade no preenchimento dos postos de trabalho vagos. Art. 3º - A obrigação acima aludida terá vigência até o limite do preenchimento da cota mínima de pessoas com deficiência exigida na Lei 8213/91. Cumprida a exigência legal referida, a empresa torna-se livre para disponibilizar, como bem entender, os eventuais postos de trabalho que vierem a ser abertos, na área administrativa. Art. 4º - O descumprimento do compromisso acima aludido implicará em multa de R$ 2.000 (dois mil reais) reversíveis ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), observada a atualização dos créditos trabalhistas. Art. 5º - O presente compromisso estará em vigor 30 (trinta) dias após a data de sua assinatura. Rio de Janeiro, 08 de junho de 2009.”

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Como se permite verificar pelo exame analítico do quadro

exposto, no primeiro Termo de Compromisso de Ajustamento de

Conduta não se emitiu tese jurídica, ou pronunciamento, sobre

o tema que, como se sabe, tem afastado as empresas de

segurança, ao ver do parquet, do exato cumprimento da norma de

regência.

Increpação que é justamente a base de incidência dos

percentuais previstos no artigo 93 da Lei 8.213/91, com a

inclusão ou exclusão do maior contingente de mão de obra –

vigilantes – ocupado nas empresas de segurança, e que, salvo

melhor juízo, não deveria apenas não estar limitado no

primeiro termo de compromisso, sob pena de inexistência de

motivação (“a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de

fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente

ou juridicamente inadequada ao resultado obtido” – alínea c, § único,

art.2º, Lei nº 4.717/65), mas sim deveria estar expressamente

incluído nele, pois, como já se afirmou, este sempre foi o

puctum dolens quanto ao tema.

Observe-se, se dúvida ainda houvesse, que já na primeira

ata de audiência, em outubro de 2001 (fl. 10), a empresa

investigada acenou com a “dificuldade em contratar vigilantes

portadores de deficiência haja vista as condições impostas

pela polícia Federal”.

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Obstáculo que, após firmar o Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta, em padrão genérico, voltou a empresa a

externar verbo pro verbo:

“Assim sendo, reiteramos nossas considerações que, diante das diversas exigências legais para o exercício da profissão de Vigilante, conforme amplamente comprovado no curso do procedimento de inquérito civil público 695/01, tornou-se inviável mantermos em nosso quadro de funcionários a quantidade de deficientes físicos conforme art. 93 da Lei 8.213/91 e do art. 36 do Decreto 3298/99, consoante percentuais aplicados sobre a totalidade de nossos funcionários.” (fl. 41/Vol. 1)

Uma vez afastada a antinomia, remanesce por reflexa uma

importante questão interligada que é a necessidade da anulação

do segundo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta que

está apostilado às folhas 330/331.

Mesmo confirmando a existência de orientação da

Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de

Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho –

COORDIGUALDADE em sentido contrário ao externado no segundo

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, é de se

registrar que não se considera conveniente a anulação, mutatis

mutandi, nem mesmo de Termo de Ajuste de Conduta firmado por

órgão sem atribuição para tanto, conforme discorre Geisa de

Assis Rodrigues (Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta:

teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 172), ipsis litteris

virgulisque:

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“Conforme já demonstrado, reputamos que sendo adequado e razoável o ajustamento de conduta, atendendo o mesmo plenamente a tutela do direito transindividual a ser protegido, não se deve, sob pena de se descurar dos valores e fins a que visa atender o instituto, reputá-lo nulo ou sem efeito, mesmo se for celebrado por órgão do Ministério Público que não tenha atribuição para tanto, ou por ente público fora da pertinência de suas atribuições.”

Referida autora (idem, p.199), após afirmar a “necessidade

da conjugação de uma irregularidade subjetiva ativa e de uma

irregularidade objetiva para que se possa invalidar o ajuste,

sob pena de comprometermos os fins da norma”, exemplifica

hipótese de anulação de compromisso de ajustamento de conduta

pelo Ministério Público, verbis:

“Por exemplo, se o Ministério Público do Estado celebra um ajuste com uma empresa cujo objeto é o atendimento pleno da norma trabalhista que determina o fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual, como óculos, máscaras, luvas a seus empregados, não pode o Ministério Público do Trabalho anular esse ajuste com base única e exclusivamente na falta de atribuição do Parquet estadual. Precisaria de outros argumentos, como v.g., a inadequação dos equipamentos previstos.”

Poder-se-ia argumentar, é certo, que ao contrário do

disposto acima, o segundo termo de compromisso não foi

razoável, nem adequado, e sequer atendeu plenamente a tutela

do direito transindividual em tela.

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Para referendar tal ponderação seria suficiente agregar,

como de fato se faz, adotando a técnica da motivação “per

relationem” (HC 69.438/SP, Rel. Min. Celso de Mello – HC 69.987/SP, idem), as

corretas e ponderadas considerações emitidas no Parecer nº

117/2008/CONADE/SEDH (nº do processo CAN 160/207), da lavra da

Subprocuradora Maria Aparecida Gugel, que ora se anexa, e que

tem como destaque a seguinte e elucidativa passagem também com

alusão a posicionamento, ainda mais recente, do Departamento

da Polícia Federal, ad litteris et verbis:

“Assim, com base nessa argumentação que decorre do direito constitucional da igualdade e das leis em vigência, sustentada em recente decisão judicial, que indicam que as empresas de vigilância devem cumprir a reserva também em cargos de vigilantes a serem ocupados por pessoas com deficiência habilitadas, não se pode aceitar a conclusão do despacho nº 537/2007 – DELP/CGSP, do Departamento de Polícia Federal, de que ‘do ponto de vista técnico,

profissional e legal, pessoas portadoras de deficiência, em tese, não

podem realizar com êxito, de acordo com a Lei, curso de formação e,

em conseqüência, exercer a profissão de vigilante’ (fl. 9). Não se aceita a conclusão do despacho referido porque, agora se sabe, jamais o Departamento de Polícia Federal, a exemplo de outros órgãos da administração pública, cogitou em adaptar o curso de formação de vigilantes, permitindo que pessoas com deficiência que assim o desejem (e têm o direito), habilitem-se à profissão de vigilantes”.

Ocorre que a objeção lançada anteriormente – o segundo TAC

sequer atendeu plenamente a tutela do direito transindividual

em tela – não pode olvidar que a própria COORDIGUALDADE,

embora tenha assentado uma correta orientação (“Reafirmaram os

membros da COORDIGUALDADE o posicionamento de que, em princípio, não se

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deve excluir qualquer pessoa da inclusão, além de qualquer empresa,

independentemente de sua atividade econômica, do preenchimento da

cota...”/Item XIII, Ata da IX Reunião Nacional, de 14.10.2008), não

parece desprezar as dificuldades na superação da exigência da

formação do curso a cargo da Polícia Federal e da resistência

desta em admitir o entendimento do parquet, como está

estampado nos autos (fls. 194 e ss) , ainda que dela se discorde,

ipsa verba:

“Informação nº 002/2002 – DELP/CGCSP/SR/DPF/SC (...) 1. Trata-se de requisição da Procuradoria do Trabalho da 12ª Região constante dos Ofícios nº 2728 e 2731, referente ao mínimo legal de contratação de pessoas portadoras de deficiência e suas interfaces e/ou vedações ao exercício da profissão de vigilante. (...) 10. A atividade de vigilante é, essencialmente, parapolicial, de proteção à integridade física e ao patrimônio de terceiro. 11. O próprio conceito legal de atividade, consoante o disposto no art. 5º, do Decreto nº 89.056/83, assevera: ‘vigilância ostensiva, para os efeitos deste Regulamento, consiste em atividade exercida no interior dos estabelecimentos financeiros e em transportes de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente preparadas para impedir ou inibir ação criminosa’. 12. Como pretender que funções de tamanha complexidade e relevância, num quadro crescente de violência que tem vitimado, rotineiramente, principalmente vigilantes empenhados nessa atividade, possam ser desempenhadas por pessoas portadoras de deficiência, seja ela física, auditiva, visual, sensorial ou mental? 13. Ademais, o preceito insculpido no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, é claro em assegurar a liberdade do exercício de profissão ou ofício, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. (...) 15. Em conclusão, cabe informar ao órgão requisitante que, do ponto de vista técnico, profissional e legal, pessoas portadoras de qualquer uma das deficiências indicadas na relação que acompanha o pedido não podem realizar, com êxito, de acordo com a Lei, curso de formação e, em conseqüência, não fará jus à respectiva habilitação profissional, não podendo, em conseqüência, exercer a profissão de vigilante.”

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A dificuldade está revelada não só pelo documento

transcrito, como ainda pela leitura da referida Ata da 9ª

Reunião Nacional da COORDIGUALDADE, ocorrida em 14 de outubro

de 2008: “XIII = Pessoas com deficiência e trabalho como vigilante (Rildo – 13ª Região).

Aproveitou-se o item XIII da Pauta para longa discussão a respeito da atuação do MPT na

inclusão das pessoas com deficiência, considerando as dificuldades atuais para a inclusão, e a

existência de decisões recentes e contrárias ao posicionamento adotado pelo MPT,

proferidas pelo TRT/2ª Região e pelo TST.” (sem negrito no original)

Examine-se, também, que apesar do retumbante sucesso da

ação civil pública interposta na 2ª Região, com substancial

fundamentação no acórdão regional, o que em princípio atrairia

o precedente da Câmara de Coordenação e Revisão (“O ajuizamento

de ação civil pública pelo parquet trabalhista é elemento determinante para

que a Câmara de Coordenação e Revisão, concedendo prevalência ao princípio

da unidade, que está em equivalência orgânica com o princípio da

independência, pela qual a variação de um implica, em proporção inversa, na

variabilidade de outro, deixe de homologar a promoção de arquivamento

lançada em procedimento cuja investigação tenha objeto que se enquadre na

mesma qualificação jurídica, salvo se a matéria já estiver definitivamente

pacificada, em sentido diverso da atuação, nos Tribunais Superiores. Não

se enquadra nesta última hipótese a jurisprudência do Tribunal Superior do

Trabalho que não examine os fatos revelados pelos Acórdãos Regionais, ou

que, mesmo dando a esses novo reenquadramento jurídico, reporte-se à

singularidade dos autos examinados, sem fixar tese abstrata sobre o

tema”/PGT/CCR/2811/2008), O Recurso de Revista (TST-RR–

129600.12.2006.5.02.0090) interposto pela empresa não foi

conhecido, por conseguinte, o Egrégio Tribunal Superior do

Trabalho não emitiu tese a respeito.

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Ademais, não se trata, como é evidente, de hipótese de não

homologação de arquivamento, e sim, muito mais grave, de

invalidação de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta, cujo

órgão revisor deve se pautar com a máxima restrição, limitando

sua atuação para casos de flagrante ilegalidade ou

teratológicos, sob pena de violação ao princípio do promotor

natural, ainda que com as reservas conhecidas (HC 67759/RJ, DJU de

1º.7.93 e HC 90277/DF, DJU 17.6.2008), como expressivamente vem

indicado, mutatis mutandi, no Processo CNMP nº

0.00.000.000368/2008-33, Relator Conselheiro Paulo Freitas

Barata, ipsis litteris virgulisque:

“Ementa: Procedimento de controle administrativo. Decisão do CSMP – ES que não homologou Termo de Ajustamento de Conduta. No caso, incompetência do órgão colegiado estadual. 1. Somente caberia a intervenção\ do CSMP se houvesse algum vício passível de nulidade na decisão ora recorrida, o que não ocorreu. Não compete ao conselho superior estadual adentrar no mérito do TAC, sob pena de intervenção indevida, cabendo ao referido conselho estadual resguardar a atividade fim por cada órgão ministerial.”

O enquadramento dado à Consulta (item 13), enfatizando a

atribuição da Câmara de Coordenação e Revisão como órgão de

integração (inciso I, artigo 103, da Lei Complementar nº 75/93), mais

que autoriza, exige que se avance alguma reflexão quanto à

eficiência, ou a sua falta, que é exposta pelas circunstâncias

presentes nesta Consulta.

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Considere-se, então, fértil doutrina que, partindo de uma

visão diacrônica do princípio da unidade (SABELLA, Walter Paulo.

Independência funcional e ponderação de princípios. Disponível em

http://www.amperj.org.br), recorda sua origem na Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público de 1981, portanto, anterior a

vigente Constituição, quadra histórica em que o parquet, na

esfera cível, “tinha predominantemente funções de custos

legis, ou de parte meramente interveniente.”

Partindo dessa premissa, a linha de raciocínio que se

desenvolve na doutrina é, então, meritoriamente acaciana, “não

se cogitava, nesse tempo, dos grandes conflitos de massa”

(idem), como por exemplo a garantia aos portadores de

necessidades especiais da fruição do valor social do trabalho

(inciso IV, artigo 1º), “sendo assim, em face das céleres

transformações sociais, das urgências de um tempo complexo e

conturbado, é preciso ter, do princípio, uma interpretação

atual.” (ibidem)

Permitindo-se o autor arrematar com acerto que a

“Constituição é compromissória e promete a satisfação de

amplíssimo rol de direitos, em normas que não podem ser

entendidas como meramente intencionais ou retóricas, mas

predestinadas à efetividade. Na esteira disso e em face das

necessidades coletivas, das exigências do quadro social,

incorporou-se, de modo explícito e com status constitucional,

às noções de Estado de Administração o requisito de

eficiência, ou seja, da obtenção efetiva de resultados.”

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E, nesse momento, dá passagem ao epílogo que interessa de

perto para este procedimento: “o Ministério Público, por

destinação finalística, é agente assegurador da efetividade

desses direitos fundamentais, e a Constituição que a tanto o

destinou, armou-o dos poderes instrumentais necessários à

prossecução de suas metas finalísticas, colocando-o sob a

regência de princípios, dentre os quais o da independência

funcional, mas não só. De outros, também. Inclusive o da

eficiência.” (sem negrito no original)

Registre-se, por fim, que se presumiu autêntica, embora

não assinada, a cópia do Termo de Compromisso de Ajustamento

de Conduta nº 68/2009, apostilada às folhas 330/331, assim

como não se oportunizou a oitiva do ilustre Procurador do

Trabalho Wilson Roberto Prudente, vez que a solução ora

preconizada, se não lhe é favorável, ao menos não atenta

contra a sua independência funcional.

Conclusão

Em resposta à consulta, afirma-se não ser possível

constatar antinomia entre os Termos de Compromisso de Ajuste

de Conduta apostilados.

Afirma-se, por outro lado, que a rica conclusão teórica

acima transcrita, contudo, e que ninguém se espante, só vai

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adquirir vida efetiva se, e quando, os ilustres Procuradores

Daniela Ribeiro Mendes e Wilson Roberto Prudente, atribuindo o

peso devido aos princípios da independência e da eficiência,

harmonizarem suas atuações que, se não são antípodas, voltaram

seus olhares para horizontes distintos em detrimento da

potencialidade esperada do agir institucional.

Brasília, 12 de abril de 2010.

Rogério Rodriguez Fernandez Filho Procurador Geral do Trabalho