ministÉrio pÚblico do estado do espÍrito santo ... · portanto, se o supremo tribunal federal...

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público; artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Em face da Lei nº. 1.471/2011 do Município de Marataízes (em anexo) , requerendo, desde logo, seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, in limine litis e inaudita altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,

com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30, inciso XVI, da

Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público;

artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168

e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a

presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Em face da Lei nº. 1.471/2011 do Município de Marataízes (em anexo),

requerendo, desde logo, seja concedida a antecipação dos efeitos da

tutela pretendida, in limine litis e inaudita altera parte, pelos fatos e

fundamentos abaixo aduzidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

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I - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA

O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

ESTADUAL

Tendo em vista que o Brasil é uma Federação, tipo de Estado

caracterizado pela descentralização territorial do poder, no qual os

Estados-Membros e os Municípios possuem autonomia, manifestando-se

essa unidade de Estado em três esferas, cada qual delimitada pelas

normas da Constituição Federal, que atua como Estatuto da Federação.

Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o

Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes detêm

competência para gerir seus próprios interesses. A competência municipal

funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização, através da lei

orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio corpo de agentes

políticos; III) capacidade legislativa, preparando o ordenamento jurídico

local e; IV) autoadministração, organizando e mantendo o serviço público

local.

Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens

constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores

determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus

municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era

dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os

Municípios.

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3

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de maneira

que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou limitada aos

aspectos expressamente indicados na Constituição Cidadã.

Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,

estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que

totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por

força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação pela

Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de municípios, etc.).

Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição Estadual,

uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-Membro pouco ou

quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao Município.

Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma já

constante na Constituição da República, caso em que uma eventual

inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição

Federal quanto a Constituição Estadual.

Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da

República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de

constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição constitucional

estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do Estado.

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4

A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares1

[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito

do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às

unidades federadas não só a liberdade para criar

Constituições autônomas, mas também o poder de regular a

defesa judicial de sua específica Constituição. É exatamente

o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo art. 125.

Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a

competência dos Estados para criar mecanismos de

proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes

sejam contrárias. Permite-se, assim, uma verdadeira

jurisdição constitucional estadual, a que estarão submetidos

os atos normativos emanados tanto do Estado-membro

como de seus Municípios. Determina o referido dispositivo

constitucional: “Cabe aos Estados a instituição de

representação de inconstitucionalidade de leis ou atos

normativos estaduais ou municipais em face da Constituição

Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a

um único órgão.

Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última análise,

a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor interpretação das

normas constitucionais em todos os níveis da federação. Ganha, com isso,

a unidade e a força normativa da Lei Fundamental.

Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite

que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide representação

de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro é norma presente

na Constituição Estadual por repetição obrigatória:

Reclamação com fundamento na preservação da

competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de

1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.

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5

inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça

na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa

a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem

dispositivos constitucionais federais de observancia

obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos

constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos

Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta

de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,

com possibilidade de recurso extraordinário se a

interpretação da norma constitucional estadual, que

reproduz a norma constitucional federal de observancia

obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance

desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.

(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).

Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI pela

Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual violada seja

repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da decisão do

Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no artigo 102, inciso III,

da CRFB/88.

Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de

inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado

abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo

violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da República.

Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar

como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,

declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com ela

conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício Estadual

atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito Santo,

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controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais ou

estaduais com esta conflitantes.

II – DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL

A inconstitucionalidade de uma norma, de acordo com os ensinamentos

solidificados na perfeita doutrina pátria, pode ocorrer tanto pela violação

substancial de preceitos da Lei Fundamental – inconstitucionalidade

material ou nomoestática2, quanto pela não observância de aspectos

técnicos no devido processo legislativo do qual derivou sua formação –

inconstitucionalidade formal, orgânica ou nomodinâmica3.

Como leciona o Ministro Gilmar Ferreira Mendes4:

[...] costuma-se proceder à distinção entre

inconstitucionalidade material e formal, tendo em vista a

origem do defeito que macula o ato questionado. Os vícios

formais afetam o ato normativo singularmente considerado,

independentemente de seu conteúdo, referindo-se,

fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos

relativos à sua formação. Os vícios materiais dizem respeito

ao próprio conteúdo do ato, originando-se de um conflito

com princípios estabelecidos na Constituição.

2 “Ocupa-se da análise dos elementos estruturais das normas jurídicas, prescindindo de

seus elementos evolutivos a partir de um jogo de categorias teóricas”- Hans Kelsen. 3 “A nomodinâmica estudaria o processo de criação e aplicação das normas jurídicas a

partir de uma análise relacional de seus órgãos com a exterioridade dos conteúdos. A

nomodinâmica é também alheia à história. Por esta razão, deve ser vista como uma

análise diacrônica realizada no interior de uma sincronia” - Hans Kelsen. 4 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos /

Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Editora Saraiva, 1990. p. 28.

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7

Com efeito, um ato jurídico inconstitucional é aquele cujo conteúdo ou

forma se contrapõe, de maneira expressa ou implícita, ao conteúdo do

preceito constitucional.

III - DO PROCESSO LEGISLATIVO QUE CULMINOU NA LEI Nº 1.471/2011:

O Projeto de Lei nº. 142/2011, de iniciativa do Chefe do Executivo

Municipal, que “estima a receita e fixa a despesa do Município de

Marataízes para o exercício financeiro de 2012”, foi encaminhado à

Câmara dos Vereadores com o escopo de ser aprovado pela casa

legislativa.

Iniciado o processo legislativo, as comissões que analisaram o referido

projeto de lei concluíram que o seu artigo 5º, em que se autoriza a

suplementação do orçamento em até 40% das despesas fixadas pela Lei

orçamentária sem prever a autorização do legislativo, está em dissonância

com o artigo 167, V da Constituição Federal, vez que a abertura de crédito

suplementar deve ter prévia autorização da casa de leis.

Salientaram, outrossim, que o projeto de lei deve receber voto da maioria

absoluta dos vereadores e, ainda, que deve tramitar como projeto de lei

complementar,em respeito à Constituição Federal.

Ademais, argumentam que o limite de suplementação, geralmente, é

calculado em relação à receita orçada e não em razão da despesa,

como pretendeu o referido dispositivo.

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8

Diante disto, foi feita emenda ao r. artigo para acrescentar a possibilidade

de abertura de crédito suplementar ao Poder Legislativo, adequando-se à

Carta Magna, bem como alterar o limite da suplementação, que passou

de 40% para 25%, mantendo-se conformidade com as leis orçamentárias

dos exercícios anteriores.

Além desta, foram elaboradas pela Câmara Legislativa outras 24 emendas

ao Projeto de Lei em questão. Desta feita, foi enviado ao Poder Executivo

o autógrafo de lei nº 108/2011, contendo as emendas modificativas, para

sanção do Prefeito Municipal.

Em 29 de dezembro de 2011, a despeito do autógrafo de lei apresentado

pela Câmara Legislativa, o Prefeito Municipal publicou a Lei Municipal nº.

1.471/2011.

Assim, o Chefe do Poder Executivo Municipal sancionou e promulgou a

referida lei com texto diverso daquele que fora examinado e aprovado

pela Câmara Municipal de Marataízes, conforme autógrafo nº 108/2011.

Em seguida, na mensagem nº 001/2012, de 02 de janeiro de 2012,

apresentou veto parcial ao autógrafo de Lei nº. 108/2011, sob a seguinte

fundamentação:

Inicialmente, devemos deixar consignado que a iniciativa de

Leis de natureza orçamentária (proposta inicial do

orçamento e créditos adicionais à execução orçamentária),

na forma dos preceitos estabelecidos pela Constituição

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9

Federal, por simetria, pertence a competência exclusiva do

Chefe do Poder Executivo Municipal. Portanto, para a

ocorrência de emendas, existe obrigatoriedade do Poder

Legislativo, ao realizá-las, de promover a demonstração da

existência de recursos, como determina o art. 166, §3º, da

Constituição Federal. Ademais, ainda em observância ao

principio da simetria, as emendas ao orçamento não podem

ofender o disposto no art. 166, §3º da Carta Magna. Com

efeito, quanto às emendas de números 01; 05; 06; 08; 09; 010;

011; 012; 013; 014; 015; 016; 017; 018; 019; 020; 021; 022; 023 e

024, as mesmas apresentam sua inconsistência técnica, pois

não há viabilidade de desmembrar um projeto com a

mesma funcional programática cadastrado no PPA.

Além das emendas acima rejeitadas em razão de “inconsistência

técnica”, o Prefeito Municipal ainda considera as emendas 02, 03 e 04

“tecnicamente inadmissíveis”.

Entretanto, cabe destacar que, embora o veto não se manifeste acerca

das emendas 07 e 25, as alterações feitas por estas também não foram

reproduzidas pela Lei 1.471/2011, publicada no Diário Oficial do Município

de Marataízes, de 29 de dezembro de 2011 (em anexo). Portanto,

vislumbra-se que a lei publicada está em dissonância com o veto parcial

dado pelo Chefe do Executivo.

Sendo assim, conclui-se que a lei ora em análise foi publicada nos exatos

termos do projeto de Lei encaminhado à Câmara Legislativa pelo Chefe

do Executivo, a despeito das 25 emendas trazidas pelo Legislativo. Além

disso, constata-se que o veto foi publicado dias após a promulgação da

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Lei 1.471/2011, não tendo sido oportunizado ao Legislativo Municipal se

manifestar quanto ao veto.

IV – DO VÍCIO FORMAL – PROCESSO LEGISLATIVO IRREGULAR – NO QUE

TANGE AO VETO E À SANÇÃO DA REFERIDA LEI – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A inconstitucionalidade formal se dá, como já explicitado anteriormente,

pela não utilização da técnica adequada ao processo legislativo. Como

afirma Alexandre de Moraes5 no seguinte trecho:

“A inobservância das normas constitucionais de processo

legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade

formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando

pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte

do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo

método concentrado.”

O referido autor determina a existência de dois tipos de

inconstitucionalidade formal, quais sejam: subjetivo e objetivo. Enquanto o

primeiro refere-se à questão da iniciativa, o segundo leva em

consideração as outras fases do processo legislativo6.

À presente ação interessa analisar o requisito formal objetivo de

constitucionalidade da norma. Requisito este em que as espécies

5 Idem, p. 701. 6De acordo com o que leciona Alexandre de Moraes , os requisitos objetivos da

inconstitucionalidade formal “ referem-se às duas outras fases do processo legislativo;

constitutiva e complementar. Assim, toda e qualquer espécie normativa deverá respeitar

todo o trâmite constitucional previsto nos arts. 60 a 69.” (MORAES, Alexandre de. Direito

Constitucional. 23.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. P. 702).

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normativas devem observar o processo legislativo adequado para

determinada espécie normativa, segundo os trâmites constitucionais.

Portanto, deve-se observar o devido processo legislativo, garantido pelo

princípio da legalidade, em que ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer algo senão em virtude de lei devidamente elaborada pelo

agente político competente, conforme as regras do processo legislativo

constitucional.

Neste aspecto, cumpre ser feito um breve esboço acerca de quais são os

trâmites legais estabelecidos constitucionalmente para elaboração de lei

complementar.

Destaca-se que, apesar de lei complementar diferir de lei ordinária tanto

em seu aspecto formal7 quanto material8, sabe-se que estas distinções não

implicam em substanciais diferenças no procedimento legislativo adotado.

A esse respeito vejamos o que ensina Uadi Lammego Bulos9:

Pelo procedimento legislativo especial de formação de leis

complementares, elas só podem ser aprovadas pela maioria

absoluta dos membros do Congresso Nacional (CF, art. 69).

Quer dizer, são necessários 257 votos na Câmara dos

Deputados e quarenta e um, no Senado da República, para

aprovar os projetos de lei complementar. No mais, adota-se,

7 “Da ótica formal a distinção entre ambas está na fase de votação. Enquanto o quórum

para a lei ordinária ser aprovada é por maioria simples (CF, art. 47), o quórum para a

aprovação da lei complementar é por maioria absoluta (CF, art. 69)”. (BULOS, Uadi

Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva 2011, p. 1174); 8 “Do ângulo material, a diferença entre tais espécies normativas é facilmente percebida.

A lei complementar caracteriza-se pelo fato de que somente ela poderá dispor sobre um

dado assunto. Nesse caso, o constituinte faz-lhe menção expressa”. (Idem. P. 1174). 9 Idem. P. 1176.

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nesse procedimento especial, o modelo usado na

elaboração das leis ordinárias.

Sendo assim, de acordo com o estabelecido pela doutrina o processo

legislativo ordinário, também aplicado ao processo legislativo

complementar, apresenta as seguintes fases: fase introdutória, fase

constitutiva e fase complementar, que estão disciplinadas nos artigos 61 a

68 da Constituição Estadual.

Na fase introdutória, que compreende a iniciativa de lei, deflagra-se o

procedimento que culminará com a formação da espécie normativa.

Nela devem ser respeitadas as regras de iniciativa previstas na

Constituição Federal e Estadual.

Já na fase constitutiva o projeto de lei é apresentado à Câmara Legislativa

para que haja ampla discussão e votação acerca da matéria,

delimitando-se o objeto a ser aprovado ou rejeitado pelo Poder Legislativo.

É a chamada deliberação parlamentar, em que o projeto de lei,

inicialmente, será submetido às comissões de Constituição e Justiça e

Temáticas, e se for aprovado por estas será remetido ao plenário da casa

legislativa para votação.

Após aprovado pelo Poder Legislativo o projeto de lei seguirá para o

autógrafo, que, conforme leciona Alexandre de Moraes, “constitui o

instrumento formal consubstanciador do texto definitivamente aprovado

pelo Poder Legislativo, devendo refletir, com fidelidade, em seu conteúdo

intrínseco, o resultado da deliberação parlamentar, antes de ser remetido

ao Presidente da República. O autógrafo equivale a cópia autêntica da

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aprovação parlamentar do projeto de lei, devendo refletir as

transformações introduzidas na proposição legislativa”10.

A este respeito, entende-se que não cabe ao chefe do Poder Executivo

suprimir, no ato de sanção, qualquer emenda ao projeto de lei feita pelo

legislativo.

Vejamos o que colaciona Uadi Lammêgo Bulos:

O autógrafo é “o instrumento formal consubstanciador do

texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo”.

Deve “refletir, com fidelidade, em seu conteúdo intrínseco, o

resultado da deliberação parlamentar. Na realidade, o

autógrafo equivale à verdadeira cópia da aprovação

parlamentar do projeto de lei, devendo refletir todas as

transformações introduzidas, mediante emenda, na

proposição legislativa. Vê-se, desse modo, que o exercício

do poder de sanção/veto, pelo Chefe do Executivo, incide

sobre o texto formalmente consubstanciado no autógrafo,

que não pode, nem deve, divergir do resultado final da

manifestação Parlamentar”. Logo, “o Presidente da

República não pode sancionar texto de projeto de lei cujo

autógrafo contenha, indevidamente, clausulas que foram

expressamente suprimidas pelo Congresso Nacional, na fase

da deliberação parlamentar”. (STF, ADIn 1.393, Tel. Min. Celso

de Mello, DJ de 11-10-1996)11.

Terminada a fase de discussão e votação pelo poder legislativo, o projeto

de lei aprovado seguirá para deliberação do executivo, que se cinge no

“ato em que o Presidente da República analisa o Projeto de Lei, aprovado

pelo Congresso Nacional, para vetá-lo ou sancioná-lo. Realiza-se no texto

formalmente consubstanciado no autógrafo, que, como vimos, deve

10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 653/654. 11 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva 2011, p.

1162.

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retratar, com fidelidade, o projeto de lei aprovado pelo Congresso

Nacional”12.

Nesse aspecto, caso seja sancionada, a lei segue para a fase final - fase

complementar - em que é promulgada e publicada.

Merece maior atenção os casos em que o Chefe do Executivo veta, total

ou parcialmente, o autógrafo de lei apresentado pelo Poder Legislativo. A

esse respeito, prevê o texto da Constituição Federal:

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação

enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que,

aquiescendo, o sancionará.

§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no

todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse

público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze

dias úteis, contados da data do recebimento, e

comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente

do Senado Federal os motivos do veto.

§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de

artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do

Presidente da República importará sanção.

§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de

trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser

rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e

Senadores, em escrutínio secreto.

§ 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado,

para promulgação, ao Presidente da República.

§ 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no §

4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão

imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua

votação final.

§ 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e §

5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o

12 Ibidem. P. 1163.

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fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado

fazê-lo.

No mesmo sentido, em enunciado quase idêntico, o texto estadual:

Art. 66. Concluída a votação de um projeto, a Assembleia

Legislativa o enviará ao Governador do Estado que,

aquiescendo, o sancionará.

§ l° Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do

Governador do Estado importará sanção.

§ 2° Se o Governador do Estado considerar o projeto, no

todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse

público, vetá-lo-á, total ou parcialmente, no prazo de quinze

dias úteis, contados da data do recebimento, e

comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente

da Assembleia Legislativa os motivos do veto.

§ 3° O veto parcial deverá abranger texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 4º O veto será apreciado pela Assembleia Legislativa

dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento, só

podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos

Deputados.

§ 5° Se o veto for rejeitado, será o projeto enviado ao

Governador do Estado para promulgação.

§ 6° Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no §

4°, o veto será colocado na ordem do dia da sessão

imediata, sobrestadas as demais proposições até sua

votação final.

§ 7° Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo Governador do Estado, nos casos dos §§ 1° e 5°,

o Presidente da Assembleia Legislativa a promulgará. Se este

não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente fazê-

lo.

Desta feita, o veto, necessariamente, deverá ser apreciado pela casa

legislativa e poderá ser afastado, pela maioria absoluta dos representantes

do legislativo, produzindo-se os mesmos efeitos que a sanção.

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16

Embora a lei ora questionada seja oriunda de processo legislativo

municipal, não mencionado no texto federal e no estadual, cumpre

destacar que, pelo princípio da simetria, lei municipal deve guardar

conformidade com a Carta Estadual.

Insta destacar que essa utilização do princípio da simetria, ou paralelismo,

para efeitos de declarar inconstitucionalidade de lei é bem difundida no

ordenamento jurídico, tanto estadual quanto federal, o que pode ser

verificado na jurisprudência pátria:

Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

PRINCÍPIO DA SIMETRIA OU PARALELISMO. MATÉRIA DE

INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. LEI

MUNICIPAL Nº 5.938⁄07 DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. VÍCIO

FORMAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA COM EFEITOS EX.

NUNC. 1. A Lei Municipal nº 5.938⁄07, de iniciativa do Poder

Legislativo, deve ser declarada inconstitucional, por vício

formal de iniciativa, já que deveria ter sido de iniciativa do

chefe do Poder Executivo. 2. Seguindo o princípio do

paralelismo, a CF⁄88 prevê que a matéria objeto da presente

lei é de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo,

assim como também dispõe a Constituição do Estado do

Espírito Santo. 3. Pedido julgado procedente para declarar a

inconstitucionalidade da aludida lei, com efeitos ex nunc.

(TJES, Classe: Ação de Inconstitucionalidade, 100070023062,

Relator : JOSENIDER VAREJÃO TAVARES, Órgão julgador:

TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 17/04/2008, Data da

Publicação no Diário: 21/07/2008)

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Orgânica do

Município de Fronteira dos Vales - Proposta de Emenda -

Artigo 43, §1º - processo legislativo - Vício Formal - 'Quorum'

qualificado não observado - Artigo 64, §3º, da Constituição

do Estado de Minas Gerais - princípio da simetria -

Observância Obrigatória. - Uma Lei (ou ato normativo) será

considerada formalmente inconstitucional quando

verificada violação ao devido processo legislativo. - Se a

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Constituição do Estado de Minas Gerais prevê, para a

aprovação de emenda ao seu texto, o 'quorum' de 3/5 (três

quintos) dos votos de todos os membros da Assembleia

Legislativa, não, apenas, dos membros presentes na

votação, não pode o Município dispor de forma diferente,

em razão do princípio da simetria com o centro, de

observância obrigatória por todos os Municípios. (TJMG -

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°

1.0000.09.512066-3/000 - RELATOR: EXMO. SR. DES. RONEY

OLIVEIRA

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. SERVIÇOS PÚBLICOS E ORGANIZAÇÃO

ADMINISTRATIVA. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA. PODER

EXECUTIVO. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa

do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem

sobre serviços públicos e organização administrativa do

Estado. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE

396970 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma,

julgado em 15/09/2009, DJe-191 DIVULG 08-10-2009 PUBLIC

09-10-2009 EMENT VOL-02377-03 PP-00492)

Sendo assim, pode-se afirmar, pelo princípio da simetria, que o processo

legislativo para elaboração de leis municipais é o mesmo aplicado a leis

federais e estaduais.

Ante o exposto, é de se concluir que houve irregularidade no processo

legislativo da Lei Municipal nº. 1.471/2011, nos seguintes aspectos: o

Prefeito Municipal sancionou a lei em desconformidade com o autógrafo

de lei apresentado pelo legislativo municipal; e, somente após sancioná-la,

o Prefeito apresentou veto ao Projeto de Lei.

Quanto à primeira irregularidade, conforme demonstrado alhures, cabe

ressaltar que não pode o Chefe do Poder Executivo sancionar lei em total

dissonância com o autógrafo apresentado pelo poder legislativo.

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Isso porque, o autógrafo é o instrumento formal pelo qual se sabe que a lei

foi devidamente votada e aprovada pelo legislativo, e, portanto,

representa fielmente a vontade parlamentar.

Ademais, conforme estabelece o caput do artigo 66 da Constituição

Estadual, a sanção é dada em relação ao projeto de lei encaminhado

pelo legislativo após a votação, ou seja, contendo as modificações feitas

em plenário.

Desta forma, alterar arbitrariamente o conteúdo de projeto de lei já

votado e aprovado consubstancia grave violação ao princípio da

independência e harmonia entre os Poderes, disposto no art. 17 e seu

parágrafo único da Constituição Estadual, in verbis:

Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre

si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar

atribuições de sua competência exclusiva. Quem for investido na

função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as

exceções previstas nesta Constituição.

Corrobora o entendimento esposado, o seguinte julgado do Colendo

Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei

orçamentária promulgada pelo Prefeito em total

desconsideração do autógrafo devolvido da Câmara

Municipal. Inconstitucionalidade configurada pela ofensa ao

princípio da separação dos poderes e ao regular processo

legislativo. Preliminar afastada. Procedência, no mérito.

Entretanto, houve transcurso do exercício financeiro da Lei

Orçamentária de 2010. Perda do objeto. Processo extinto,

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sem resolução do mérito, diante da perda do objeto.

(ADI/TJSP 0016908-89.2010.8.26.0000, Rel. Cauduro Padin, DJ

14/09/2011).

A segunda irregularidade no processo legislativo da lei em comento foge à

lógica, uma vez que o veto se deu somente após a sanção da lei. É bem

sabido que o veto só é possível enquanto estivermos diante de projeto de

lei, logo, a partir do momento que a lei é sancionada não cabe mais o

veto.

Em outros termos, é incoerente vetar o autógrafo de uma lei que já foi

sancionada.

O § 2º, do art. 66 da Constituição Estadual é claro quando dispõe que “se

o Governador do Estado considerar o projeto, no todo ou em parte,

inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á”. Portanto, o

veto diz respeito ao projeto de lei, e nunca à lei já sancionada.

Diante disto, o veto apresentado pelo Prefeito Municipal não pode sequer

ser considerado válido, tendo em vista a impossibilidade de veto à lei já

vigente.

Ademais, ao vetar o autógrafo de lei nº 108/2011 dias após a publicação

da lei 1.471/2011, o Executivo Municipal impediu que legislativo se

manifestasse acerca do veto, o que implica, mais uma vez, em violação

ao princípio da separação dos poderes.

Portanto, diante de tudo que fora exposto, a Lei Municipal nº 1.471/2011,

viola substancialmente o regular processo legislativo, conforme estabelece

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o artigo 66, bem como macula o princípio da separação dos poderes

inserto no art. 17 e parágrafo único, ambos da Constituição do Estado do

Espírito Santo, acima transcritos, tratando-se, portanto, de

inconstitucionalidade formal/nomodinâmica, em seu aspecto objetivo.

VI – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA

Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela

jurisdicional assegura, também, ao jurisdicionado, o direito a uma sentença

potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito

relevante.

Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento jurídico

pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o respeito ao

nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas Constituições

Republicana e Estadual.

Urge salientar que, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, não

se almeja a análise de um caso concreto, mas sim de legislação em tese,

com o escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face da Carta

Política Estadual, extirpando do mundo jurídico lei que com esta conflite.

Destarte, necessário se faz a concessão antecipada dos efeitos da tutela

pretendida na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, com

espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, c/c artigo 273 do Estatuto

Adjetivo Civil, pelos fundamentos adiante demonstrados:

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O primeiro requisito imprescindível à concessão da tutela satisfativa in

limine litis, o fumus boni iuris, é facilmente constatado ao demonstrar-se

que copiosas doutrina e jurisprudência não admitem que lei seja feita em

desconformidade com o devido processo legislativo, tendo em vista que

as emendas apresentadas pela casa legislativa foram completamente

ignoradas pelo Chefe do Executivo Municipal, e ainda, apresentou veto a

lei já promulgada, em clara violação ao processo legislativo constitucional

estabelecido do artigo 61 ao 68 da Constituição Estadual.

Já o segundo requisito - periculum in mora, verifica-se em razão do dano

que pode ser causado ao interesse público com a vigência de lei

orçamentária passível de nulidade, eis que é fatalmente inconstitucional.

Ademais, é temerário permitir que o Chefe do Executivo Municipal interfira

nas atribuições do Poder legislativo de tal forma, o tem se mostrado ser

prática corriqueira do Prefeito daquela Municipalidade.

Isso porque, tramita perante este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Espírito Santo, a ADI de nº 100110037502, em face da lei 1.386/2011 do

Município de Marataízes, na qual, assim como no presente caso, houve a

publicação da lei nos exatos termos da proposta de lei apresentada pelo

Executivo, desconsiderando as emendas elaboradas pela casa de leis, e

ainda, com veto do autógrafo posterior à publicação da lei no diário

oficial.

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Além disso, a lei em questão, flagrantemente inconstitucional, traz em seu

bojo, por meio de seu artigo 5º, autorização prévia para abertura de

créditos adicionais em limite muito superior ao regularmente aplicável.

Logo, em razão do r. artigo, o Executivo Municipal detém autorização para

que as despesas do município sejam majoradas em até 40%, sem que haja

qualquer análise prévia por parte do Legislativo, o que pode causar graves

danos ao erário municipal. Ainda mais quando se considera que as

despesas do município para o ano de 2012 serão de, aproximadamente,

82 MILHÕES de reais, o que implica dizer que o Chefe do Poder Executivo

tem prévia autorização para majorar as despesas em até 32 milhões e

oitocentos mil reais.

Obviamente, depois de verificada a ocorrência dos danos, será de difícil

(quiçá impossível) o ressarcimento aos cofres públicos.

Verifica-se que potencial dano decorre da demora no trâmite da ação, de

modo que, não sendo suspensa a vigência das normas em apreço, os

titulares do bem jurídico protegido (a sociedade) poderão sofrer com a

irreparabilidade ou a difícil reparação desse direito ou, até mesmo, estarem

obrigados a suportar os efeitos oriundos da demora da decisão judicial.

Sobressai, por oportuno, a lição de Luiz Rodrigues Wambier13:

A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom

direito, e é correlata às expressões cognição sumária, não

exauriente, incompleta, superficial ou perfunctória. Quem

13 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de e TALAMINI, Eduardo, in

Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais, 5ª ed.

vol. 3, rev., atual. e ampl., 2ª tir. – São Paulo: RT, 2004.

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decide com base em fumus não tem conhecimento pleno e

total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza quanto a

qual seja o direito aplicável. Justamente por isso é que, no

processo cautelar, nada se decide acerca do direito da

parte. Decide-se: se A tiver o direito que alega ter (o que é

provável), devo conceder a medida pleiteada, sob pena do

risco de, não sendo ela concedida, o processo principal não

poder ser eficaz (porque, por exemplo, o devedor não terá

mais bens para satisfazer o crédito).

Está última característica de que acima se falou (o risco) é o

que a doutrina chama de periculum in mora. É significativa

da circunstância de que ou a medida é concedida quando

se a pleiteia ou, depois, de nada mais adiantará a sua

concessão. O risco da demora é o risco da ineficácia.

De fato, o fumus boni iuris e o periculum in mora são

requisitos para a propositura de ação cautelar; são requisitos

para a concessão de liminar; e são, também, requisitos para

a obtenção de sentença de procedência.

Desta forma, assaz urgente a concessão da medida liminar por esse

Colendo Sodalício, a fim de se extirpar do cenário jurídico a lei municipal nº

1.471/2011, do Município de Marataízes, e obstar a clarividente lesão à

harmonia entre os poderes, bem como ao erário público, posto

cabalmente comprovada a inconstitucionalidade do diploma legislativo

em análise.

VII – DOS PEDIDOS

Ex positis, o Procurador-Geral de Justiça requer:

a) A suspensão liminar da vigência da Lei nº. 1.471/2011, do Município

de Marataízes, nos termos do artigo 169, alínea “b”, do Regimento

Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - RITJES e

do artigo 12 da Lei 9.868/1999;

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b) A notificação do Presidente da Câmara e do Prefeito Municipal de

Marataízes, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do

Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

- RITJES;

c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente in totum, declarando-se a

inconstitucionalidade formal da Lei nº. 1.471/2011, do Município de

Marataízes, adotando-se as providências necessárias para que

cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.

VII – VALOR DA CAUSA

Dá-se à presente causa, por força de expressa disposição legal, o valor de

R$ 100,00 (cem reais).

Pede deferimento.

Vitória, 13 de março de 2012.

FERNANDO ZARDINI ANTONIO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA