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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO Dissertação: Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e os temas de urbanismo do século XX. Mestranda: Roberta Taborda Santa Catharina [email protected] Orientadora: Célia Helena Castro Gonsales Pelotas, RS, dezembro de 2012.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Dissertação:

Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e os temas de urbanismo do século XX.

Mestranda:

Roberta Taborda Santa Catharina

[email protected]

Orientadora:

Célia Helena Castro Gonsales

Pelotas, RS, dezembro de 2012.

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Roberta Taborda Santa Catharina

Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e os temas de urbanismo do século XX.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Pelotas, como requisito

parcial à obtenção do título de Mestre em

Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora Profª. Drª. Célia Helena Castro

Gonsales

Pelotas

2012

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BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Aline Montagna da Silveira

Profª. Drª. Nirce Saffer Medvedovski

Profº. Drº. Silvio Belmonte de Abreu Filho

Orientadora: Profª. Drª. Célia Helena Castro Gonsales

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Aos meus pais, que sempre

priorizaram a educação de seus filhos.

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AGRADECIMENTOS

Apesar do processo solitário que envolve uma investigação científica, este

trabalho não seria realizado sem o apoio de algumas pessoas, em especial a

Professora Célia Gonsales, orientadora desta investigação. Agradeço por acreditar

no trabalho, pelo interesse, exigência, sabedoria, paciência diante das minhas

dificuldades e também pelos cafés e conversas descontraídas.

Aos alunos de Teoria História e Crítica da Arquitetura e Urbanismo VI, pela

experiência docente e trocas de ideias. Ao aluno Giancarlo e à aluna e amiga

Cristiane, que colaboraram nas simulações gráficas deste trabalho.

Aos professores e funcionários do PROGRAU.

A CAPES, pela bolsa concedida, que contribuiu, além dos estudos, a me

sustentar.

A Biblioteca Municipal de Pelotas e à Secretaria de Gestão Urbana, pela

disponibilização de documentos essenciais para esta investigação.

A minha família, por entender as ausências e pelo incentivo desde os

tempos da graduação e muito antes disso. Especialmente ao meu pai, pelo

“paitrocínio”, que vai além do financeiro.

Ao Lauro, por todo o carinho, paciência e apoio durante este último ano.

As minhas amigas Natália e Stífany, pela amizade e pelo abrigo que

alegraram minhas viagens semanais. E ao amigo Julio, que proporcionou música e

risadas para este trabalho.

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Resumo

Um plano urbanístico – tanto em seu traçado, seu aspecto físico, quanto em

seu conjunto de ordenanças - funciona como guia, aponta para uma direção

segundo a qual a produção da cidade deve seguir. É um modelo ou ordenamento

ideal que aporta sempre uma ordem para a construção e transformação urbanas e

que, finalmente, expressa um acordo consensual para a ação. A legislação urbana

assume a função de traduzir uma ideia de cidade, de ordem urbana que, de uma

forma ou de outra, remetem a teorias e práticas urbanísticas universais. Pelotas,

desde a sua fundação, se enfrenta com planos urbanísticos, alguns mais pontuais,

outros mais gerais, alguns com traçados e ordenanças, outros somente com estas

últimas. Este trabalho pretende realizar um estudo sobre os planos diretores

desenvolvidos para a cidade de Pelotas, em 1968 e 1980, e fazer uma reflexão

sobre as ideias urbanísticas identificadas nessas legislações.

Palavras-chave: plano diretor; urbanismo em Pelotas; urbanismo moderno.

Abstract

An urban plan – both in its outline, its physical aspect, as well as in its group

of ordinances – works as a guide, pointing to a direction according to how a city

should be built. It is a model or ideal order which always brings rules for urban

construction and transformation and that, finally, expresses a consensus agreement

to take action. The urban legislation takes the role of presenting an idea about the

city, in urban terms, that in one way or another, refer to universal urban theories and

practices. Pelotas, since its foundation faces urban problems, some more specific

ones, others more general, some with outlines and ordinances, others only with the

ordinances. This work intends to conduct a study on the master plans developed for

the city of Pelotas, in 1968 and 1980, and to reflect on the urban ideas identified in

the plans.

Key words: master plan; urbanism in Pelotas; modern urbanism.

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Índice de ilustrações

Figura 1: as doutrinas que, nas diferentes épocas, incidiram sobre os planos

diretores .................................................................................................................... 13

Figura 2: as três etapas para configuração da imagem e espaço da cidade. Exemplo

da cidade de Brasília ................................................................................................. 16

Figura 3: exemplo da cidade de Pelotas ................................................................... 16

Figura 4: evolução do espaço central da quadra ....................................................... 21

Figura 5: exemplo de zona piloto da área central ...................................................... 25

Figura 6: gráficos mostrando as tipologias de quarteirões ........................................ 25

Figura 7: área central e adjacente de Pelotas ........................................................... 29

Figura 8: evolução urbana de Pelotas ....................................................................... 29

Figura 9: plano de Letchworth ................................................................................... 34

Figura 10: diagramas chave da cidade-jardim ........................................................... 34

Figura 11: Letchworth, plano original publicado em 1904. ........................................ 35

Figura 12: Barry Parker e Raymond Urwin. Jardim América ..................................... 36

Figura 13: projeto de ampliação da cidade de Pelotas .............................................. 37

Figura 14: projetos do arquiteto americano Frederick Law Olmsted ......................... 38

Figura 15: zoneamento funcional .............................................................................. 39

Figura 16: anteprojeto de extensão de Pelotas, 1927 ............................................... 41

Figura 17: planta da cidade de Pelotas, 1835. .......................................................... 47

Figura 18: planta geral............................................................................................... 48

Figura 19: planta geral............................................................................................... 49

Figura 20: bairros populares ...................................................................................... 49

Figura 21: sistema viário, saídas da cidade .............................................................. 51

Figura 22: mapa com a localização dos loteamentos ................................................ 58

Figura 23: planta do bairro Dammerstock de Karlsruhe e planta do bairro

Siemenstadt de Berlim .............................................................................................. 68

Figura 24: as Mietskasernen de Berlim e J.J.P. Oud. Conjunto em Blijdorp ............. 68

Figura 25: esquema preparado por Le Corbusier comparando o novo tecido urbano

com os tecidos tradicionais de Paris, Nova York e Buenos Aires ............................. 69

Figura 26: situação em 1966 ..................................................................................... 78

Figura 27: sobreposição de mapas ........................................................................... 79

Figura 28: situação do uso do solo em 1966 ............................................................. 82

Figura 29: zoneamento proposto Plano Diretor de 1968 ........................................... 83

Figura 30: zoneamentos ............................................................................................ 86

Figura 31: densidade demográfica – 1966 ................................................................ 87

Figura 32: vias de acesso – Situação em 1966 ......................................................... 89

Figura 33: exemplos de perimetrais .......................................................................... 90

Figura 34: avaliação do aspecto físico visual ............................................................ 91

Figura 35: proposta de requalificação da Praça Coronel Pedro Osório .................... 92

Figura 36: ausência de equipamentos sociais, áreas problemas .............................. 94

Figura 37: proposição: zoneamento, sistema viário e equipamento social................ 97

Figura 38: proposição: estética urbana ..................................................................... 98

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Figura 39: proposta da área para pedestre no centro da cidade ............................. 105

Figura 40: proposta da Rua Andrade Neves, exclusiva para pedestre no centro da

cidade ...................................................................................................................... 106

Figura 41: transporte coletivo e abrigos dos terminais e paradas ........................... 107

Figura 42: passeios Conde de Piratini e Ismael Soares. ......................................... 108

Figura 43: projetos existentes para Pelotas ............................................................ 109

Figura 44: proposições GEIPOT – médio prazo ...................................................... 110

Figura 45: diretrizes de traçado da Av. Duque de Caxias e modelo de bicicletários

para curta e longa duração...................................................................................... 111

Figura 46: vazios urbanos ....................................................................................... 116

Figura 47: Indústrias. ............................................................................................... 119

Figura 48: zoneamento II Plano Diretor de Pelotas ................................................. 122

Figura 49: comparação entre os mapas de zoneamento ........................................ 124

Figura 50: ruas pavimentadas em 1978 .................................................................. 127

Figura 51: transporte coletivo. ................................................................................. 128

Figura 52: habitantes por economia ........................................................................ 130

Figura 53: áreas verdes........................................................................................... 131

Figura 54: saúde ..................................................................................................... 132

Figura 55: recuos .................................................................................................... 137

Figura 56: recuos II Plano Diretor ............................................................................ 137

Figura 57: a Cidade de 3 milhões de habitantes de Le Corbusier, 1922 ................. 139

Figura 58: simulações em zona residencial - Plano Diretor de 1968 ....................... 141

Figura 59: simulações em zona residencial - II Plano Diretor de 1980 .................... 141

Figura 60: zoneamentos .......................................................................................... 142

Figura 61: Localização das zonas piloto.................................................................. 159

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Índice de tabelas

Tabela 1: Número de casas para cada região do município. Observa-se que no

cálculo final o número é de 11.087 casas. ................................................................ 47

Tabela 2: Disciplinas e professores do Curso de Urbanismo do IBA. ....................... 76

Tabela 3: Uso do solo. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas

informações descritas no Plano de 1968................................................................... 84

Tabela 4: equipamentos sociais. ............................................................................... 95

Tabela 5: dimensionamento técnico - parcelamentos. Tabela comparativa

desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. 117

Tabela 6: usos para área de ocupação intensiva. Tabela comparativa desenvolvida

pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. ..................... 123

Tabela 7: índice de aproveitamento, as taxas de ocupação e limites de altura

estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida pela

autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. ............................. 125

Tabela 8: recuos estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa

desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. 126

Tabela 9: dimensionamento das vias propostas pelo sistema viário do II Plano

Diretor. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações

descritas no Plano de 1980. .................................................................................... 129

Tabela 10: recuos exigidos nos Planos. .................................................................. 138

Tabela 11: índices de Aproveitamento e Taxas de Ocupação para usos conformes.

................................................................................................................................ 140

Tabela 12: alturas permitidas nos planos. ............................................................... 140

Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”. ................................................ 143

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Sumário

Agradecimentos ........................................................................................................ 5

1. Introdução ......................................................................................................... 12

1.1. Caracterização do problema .................................................................................. 12

1.1.1. Justificativa e relevância ................................................................................. 14

1.1.2. Pergunta de pesquisa ..................................................................................... 15

1.1.3. Objetivos da investigação ............................................................................... 15

1.2. Revisão Bibliográfica ............................................................................................. 17

1.2.1. Ordenanças urbanísticas ................................................................................ 17

1.2.2. Urbanismo moderno ....................................................................................... 18

1.2.3. Espaço urbano ............................................................................................... 19

1.2.4. Trabalhos acadêmicos de referência .............................................................. 22

1.3. Técnicas e procedimentos metodológicos ............................................................. 22

1.3.1. Estudo das teorias urbanísticas ...................................................................... 23

1.3.2. Estudo dos planos .......................................................................................... 23

1.3.3. Identificação das teorias urbanas nos planos diretores e dos principais

instrumentos utilizados para transformar essas teorias em cidade real ........................ 25

1.4. Estrutura da dissertação ........................................................................................ 26

2. A conformação da cidade até 1968 ................................................................. 28

2.1. O Código de Construções e Reconstruções, 1915 ................................................ 30

2.2. Plano de ampliação da cidade, 1924 ..................................................................... 32

2.3. Saneamento de Pelotas, 1927 ............................................................................... 40

2.4. O Código de Construções, 1930 ............................................................................ 42

2.5. Saneamento de Pelotas - novos estudos, 1947 ..................................................... 46

2.6. Considerações ....................................................................................................... 52

3. Plano Diretor de Pelotas, 1968. ....................................................................... 62

3.1. Contexto do segundo pós-guerra, a formação do plano ......................................... 62

3.2. O Plano Diretor de Pelotas, 1968........................................................................... 73

3.2.1. O processo de ocupação do solo .................................................................... 77

3.2.2. Uso do solo..................................................................................................... 80

3.2.3. Intensidade de ocupação ................................................................................ 86

3.2.4. Sistema viário ................................................................................................. 88

3.2.5. Paisagismo ..................................................................................................... 90

3.2.6. Equipamento Social ........................................................................................ 93

3.2.7. Dinâmica do Plano.......................................................................................... 96

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3.3. Considerações ....................................................................................................... 98

4. II Plano Diretor de Pelotas, 1980.................................................................... 101

4.1. As questões urbanas dos anos 70 ....................................................................... 102

4.2. O II Plano Diretor de Pelotas, 1980. ..................................................................... 112

4.2.1. Parcelamento do solo ................................................................................... 116

4.2.2. Do zoneamento urbano ................................................................................ 118

4.2.3. Sistema viário ............................................................................................... 127

4.2.4. Habitação e Equipamento Social .................................................................. 130

4.3. Considerações ..................................................................................................... 133

5. Os Planos e as Ideias ..................................................................................... 136

5.1. O continuum espacial .......................................................................................... 136

5.2. A cidade concentrada .......................................................................................... 138

5.3. Zoneamento funcional – o zonning ...................................................................... 141

5.4. O sistema viário como fundamental organizador da cidade ................................. 142

5.5. A tabula rasa e os novos paradigmas .................................................................. 144

6. Considerações finais ...................................................................................... 146

7. Bibliografia ...................................................................................................... 150

8. Fontes de Pesquisa ........................................................................................ 156

APÊNDICES ........................................................................................................... 158

APÊNDICE A – Zonas Piloto .......................................................................................... 159

APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas. ........................................................................ 162

ANEXOS ................................................................................................................. 163

ANEXO A - Carta de motivos, de 22 de julho de 1930, para o Código de Construções,

assinada pelo Intendente Municipal de Pelotas João Py Crespo. ................................... 164

ANEXO B – Sínteses do Programa do Curso de Urbanística e Arquitetura Paisagística da

Faculdade de Arquitetura de Montevidéu. ...................................................................... 167

ANEXO C - Disciplinas do Curso de Urbanismo IBA. ..................................................... 169

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Caracterização do problema

Choay (2010b), em seu livro “A Regra e o Modelo”, divide os escritos

instauradores - que “alicerçam” teoricamente os espaços construídos e a construir

da cidade - em tratados, utopias e escritos urbanísticos. Segundo a autora, eles se

diferenciam pelos procedimentos adotados na conceitualização e criação do espaço

edificado. O tratado de arquitetura baseia-se na aplicação de princípios e regras, a

utopia na reprodução de modelos e os escritos urbanísticos, de alguma maneira, são

o resultado da mútua interferência entre os dois primeiros.

Nesta categoria dos escritos urbanísticos, segundo Abreu Filho (2006), os

planos diretores podem ser analisados como textos instauradores da arquitetura,

reunindo características de tratado e de utopia, pois apresentam uma abordagem

crítica da realidade e a modelização espacial de uma realidade futura. A ideia de

cidade é posta em cena a partir de modelos que, de alguma maneira, tentam ser

representados com base em regras e índices, instrumentos básicos das ordenanças.

No Brasil, os planos diretores passaram por muitas nomenclaturas, desde

plano de melhoramentos e embelezamento, urbanismo, planejamento urbano e

plano diretor, plano urbanístico, plano local integrado, e, novamente, plano diretor no

final da década de 1980. Além do nome, o conteúdo e metodologia desses

regramentos também foram transformando-se, passando de “enormes volumes, com

mapas, pesquisas e estatísticas elaborados por equipes multidisciplinares e

abordando enorme leque de problemas, para meros projetos de lei, às vezes

contendo apenas declarações de princípios, políticas ou diretrizes gerais”.

(VILLAÇA, 1999, p.191).

Essas transformações, de nomenclatura, de conteúdo e de metodologia,

devem-se ao momento histórico de cada posição doutrinária que serviu de

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paradigma para os planos. Segundo Nygaard (2005), muitos críticos apontam como

base ideológica geral dos planos diretores no Brasil as doutrinas do positivismo, em

especial o positivismo lógico, o urbanismo moderno, as ideias do padre Lebret, e as

resoluções do Serfhau (Figura 1).

Figura 1: as doutrinas que, nas diferentes épocas, incidiram sobre os planos diretores. (Fonte: NYGAARD, 2005 p.52).

No início do século XX, marcado historicamente pela publicação de “Uma

Cidade Industrial”, de Tony Garnier, a ideologia positivista cientificista está na base

da visão progressista de reestruturação das cidades. A visão do urbanismo

modernista fica consolidada mais tarde na doutrina dos CIAM e da Carta de Atenas,

a partir de “uma ordem totalmente lógico-ideal, esquemática e determinística”

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NYGAARD, 2005. p.51). Na década de 50, através dos trabalhos do padre Lebret

realizados no Brasil e do movimento Économie et Humanisme, incorporou-se às

outras doutrinas uma visão que indicava novos caminhos para o planejamento das

cidades ao realçar as questões sociais nos estudos urbanos. A metodologia do

Expediente Urbano também foi muito utilizada pelos urbanistas brasileiros, com

referência aos trabalhos realizados em Nova York e Montevidéu. Nos anos 60, é

criado o Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo – Serfhau, ligado ao Banco

Nacional de Habitação – BNH, que “reforçou e valorizou acima de tudo o

conhecimento científico no planejamento urbano e na administração pública, e

contribuiu de forma vigorosa e persistente para enraizar a ideologia positivista-

cientificista nos estudos urbanos e nos planos diretores.” (NYGAARD, 2005. p.51-

53).

A cidade de Pelotas tem seu crescimento fundamentado em ordenanças e

planos urbanísticos desde o “Código de Construções e Reconstruções” de 1915, até

o “Terceiro Plano Diretor”, de 2008. Evidentemente, estas ordenanças seguem

modelos embasados nas ideias urbanísticas do século XX. Nesse caminho, esta

investigação pretende realizar um estudo sobre os planos diretores desenvolvidos

para a cidade de Pelotas, desvendando as teorias por trás desses regramentos

através de uma análise do Plano Diretor de Pelotas de 1968 e do II Plano Diretor de

1980.

1.1.1. Justificativa e relevância

A relevância desta investigação dá-se, primeiramente, pela importância dos

planos diretores como o principal instrumento da política urbana e do controle do

desenvolvimento físico-espacial de uma cidade. Outro fator fundamental é o papel

determinante dos planos como organizadores do espaço da cidade: são reflexos de

uma visão de cidade que se tem no momento em que esses planos são concebidos.

Assim, como destaca Sabaté (1999, p.14), os planos são importantes no valor

propositivo das ordenanças urbanas: “[…] y no con esta entendida como límite o

tope volumétrico, como hoy desgraciadamente se tiende a entender en tantas

ocasiones, sino con la ordenanza como idea de arquitectura, como idea de ciudad,

como idea de la ciudad que se quiere”.

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Embora se conte com o estudo realizado por Soares (2002) em sua tese de

doutorado “Del proyecto urbano a la producción del espacio: morfología urbana de la

ciudad de Pelotas, Brasil (1812-2000)”, na qual aponta os principais agentes que

influenciaram na produção espacial da cidade e a sua relação com os planos

urbanísticos, um estudo sobre os embasamentos teóricos dos planos diretores de

Pelotas, que determinam e controlam a forma da cidade, ainda está por se fazer.

1.1.2. Pergunta de pesquisa

Com base nas informações expostas até o momento, as perguntas de

pesquisa desta investigação são:

a) Quais os paradigmas e teorias urbanas contidos nos planos diretores

propostos para a cidade de Pelotas?

b) Qual é a relação (de continuidade e de contraposição) entre os planos

diretores de Pelotas, dos anos de 1968 e de 1980?

1.1.3. Objetivos da investigação

Em geral, a imagem e o espaço da cidade configuram-se a partir de três

etapas: a) paradigma e modelo: que expressam um desejo de cidade, com

concepções espaciais diferentes em cada momento (fazem parte deste grupo o

pensamento e as teorias urbanas), b) planos urbanísticos: são gerados e articulam-

se a partir de modelos e ideais do seu tempo, instrumentalizando sua aplicação, c)

cidade real: lida com o espaço construído da cidade, tem resquícios de outras

intervenções (planos antigos com paradigmas e modelos diferentes).1 (Figura 2;

Figura 3).

1 A indicação de Abreu Filho é a principal referência para este estudo: “Entendemos que são possíveis três níveis

relativamente independentes de leitura dos planos: a estrutura do Plano como discurso; a estrutura do Plano enquanto

conjunto de normas, procedimentos, regras e princípios ordenadores concretos; e a estrutura urbana que sua aplicação vai

favorecer, que consiste numa mediação entre a cidade ideal (e suas regras de consecução), e a cidade real, construção

coletiva no tempo” (ABREU FILHO, 2006, p. 15, grifo nosso).

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a) b) c)

Figura 2: as três etapas para configuração da imagem e espaço da cidade. Exemplo da cidade de Brasília. a) paradigma. (Fonte: Le Corbusier, 1992, p.232). b) plano urbanístico, maquete do

plano de Brasília c) cidade real. (Fonte: A cidade de Brasília, 2011. p.s/n).

a) b) c)

Figura 3: exemplo da cidade de Pelotas. a) paradigma. (Fonte: Le Corbusier, 1992, p.232). b) plano urbanístico. Simulação de aplicação total do Plano Diretor (Fonte: GONSALES, 2002, p.s/n). c) cidade real. Zona da Várzea Pelotas. Volumetria de quarteirão existente. (Fonte:

GONSALES, 2002, p.s/n).

Nesse sentido, o trabalho tem por objetivo geral analisar as duas primeiras

etapas, os paradigmas e os planos urbanísticos do município de Pelotas - Plano

Diretor de Pelotas (1968) e do Segundo Plano Diretor (1980).

A partir do objetivo geral, o trabalho tem como objetivos específicos:

a) Ao nível documental e bibliográfico: identificar, analisar e sistematizar

documentos – os regramentos e planos diretores de Pelotas - e a

bibliografia - livros, artigos, teses, dissertações - sobre as teorias urbanas

e contexto cultural urbano da época em que os planos diretores foram

instaurados, estudar os Planos Diretores dos anos de 1968 e 1980,

propostos para a cidade de Pelotas, de modo a encontrar analogias e

contrastes entre eles.

b) Ao nível metodológico: ensaiar instrumentos e formas de leitura e

organização que possibilitem o estudo sistemático dos regramentos e do

pensamento urbanístico.

c) Ao nível operativo: identificar e descrever como são implantados os

conceitos presentes em teorias nos planos urbanísticos e quais os

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instrumentos utilizados para fazer com que essas ideias se reflitam na

cidade ou espaço urbano.

d) Ao nível disciplinar: identificar o devir do pensamento urbanístico no

século XX a partir da legislação urbana de Pelotas, estudar os preceitos

urbanos contidos na legislação através dos elementos intrínsecos e

conformadores do espaço urbano.

1.2. Revisão Bibliográfica

Com a seguinte revisão da literatura, busca-se indicar os temas essenciais

ao desenvolvimento deste trabalho, definidos como três: ordenanças urbanísticas, o

urbanismo moderno e o espaço urbano.

1.2.1. Ordenanças urbanísticas

As obras tomadas aqui são uma referência ao estudo do papel da legislação

urbana e aos conceitos de elementos que compõe a forma urbana. Pertencem a

este conjunto a obra de Joaquín Sabaté, “El proyecto de la calle sin nombre. Los

regulamentos urbanos de la edificación París – Barcelona”, publicada em 1999 e a

de Fernando Diez, “Buenos Aires y algunas constantes en las transformaciones

urbanas”, de 1996.

Segundo Sabaté (1999, p.14), “La ordenanza constituye uno de los

instrumentos fundamentales para la ordenación y control de la ciudad, una de las

herramientas más decisivas en su construcción y parece llamada, a pesar de todo, a

continuar siéndolo”. Segundo o autor, a importância das leis urbanas reside no fato

de que elas resultam uma condição que está muito vinculada à forma das

edificações. Outro indicativo fundamental do valor das ordenanças é o valor

propositivo que estas tiveram ao longo da história, como instrumento de

configuração da cidade, como um consenso em prol da melhoria da construção

urbana.

Nesse caminho, o autor indica os diferentes tipos de regramentos que

refletiram a maneira de observar a cidade em diferentes momentos na história e que

podem indicar as mudanças fundamentais no conteúdo das ordenanças:

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a) Controle indireto na forma urbana: ordenança da atividade construtiva;

ordenança da boa construção; ordenança da boa vizinhança;

b) Controle direto do espaço da cidade: ordenanças de ornamento público;

ordenanças de higiene; ordenanças de zoneamento.

De acordo com Diez (1996), as regulamentações são descritas como

normas que, em defesa do bem comum, impedem a construção de algo a mais do

que aquilo determinado pelos limites. O autor divide as regulamentações em normas

restritivas e postulativas.

As normas restritivas são normas do que não se deve fazer. Em beneficio do

bem comum, impedem a construção de algo além de certos limites. Impõe-se um

limite quando existe divergência entre o interesse comum e o desenvolvimento

descontrolado de uma tendência. Em uma tendência a construir cada vez mais alto,

por exemplo, se impõe um limite máximo de altura; a uma tendência de construir

pátios cada vez menores, são determinadas dimensões mínimas. (DIEZ, 1996).

As normas postulativas marcam o que se deve fazer, não estabelecem

limites. A meta é conseguir algo e não evitá-lo. Elas surgem com a intenção de gerar

uma forma, um modelo de edifício e de quarteirão que em si resolva todos os

problemas que as regulamentações restritivas controlavam um a um. Em seu

conjunto, geram um modelo de edifício em que, por sua característica, considera-se

que tenha assegurado todas as condições desejáveis. (DIEZ, 1996).

1.2.2. Urbanismo moderno

Francoise Choay, em seu livro “O urbanismo”, publicado em 1965, aponta a

gênese das ideias que forneceram a base do urbanismo do século XX. Entre os

modelos apresentados pela autora estão o urbanismo progressista, o culturalista e o

naturalista. Embora esta classificação restrita tenha sido superada, apresentando-se

os planos e as cidades mais como uma fusão desses modelos, o estudo dessa

autora ainda é uma referência para qualquer abordagem sobre o tema.

Segundo Choay (2010a), a primeira expressão da corrente de pensamento

progressista ocorre na obra “A Cidade Industrial”, do arquiteto Tony Garnier. Editada

em 1917, a obra tem como princípios fundamentais a separação das funções

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urbanas e a exaltação dos espaços verdes. Indica, por exemplo, que a superfície

construída de qualquer edificação deverá ser sempre inferior à metade da superfície

total do lote e o restante deverá formar um jardim público utilizado pelos pedestres.

Sem muros limitando os terrenos, o solo da cidade é visto como um grande parque.

A cidade industrial exerceu grande influência sobre a primeira geração dos

arquitetos modernos, como Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe.

No Brasil dos anos 30, o Estado Novo procurava promover uma nova classe

operária e transformar um país em sua maioria de caráter rural em caráter urbano.

Nesse contexto, os pressupostos progressistas ganharam corpo e consistência no

país, tornando-se o modelo da cultura nacional, ganhando volume e densidade até a

sua expressão máxima, com a construção de Brasília. Até hoje o legado do

urbanismo moderno progressista deixa marcas nítidas em todas as cidades

brasileiras (DEL RIO; GALLO, 2000).

O modelo culturalista – que tem como exemplo a cidade jardim de Ebenezer

Howard - está por trás da criação da cidade com baixa densidade na periferia,

comum nos Estados Unidos e presente, também, nos planos diretores do Brasil e de

Pelotas, em particular. Neste modelo, o ponto de partida não é mais o indivíduo tipo.

A ideia de comunidade é mais importante e o indivíduo é considerado um elemento

com suas particularidades e originalidade própria.

Portanto, tem-se os seguintes conceitos síntese decorrentes dos dois

modelos acima: continuum espacial, espaço homogêneo e socialmente distribuído, a

cidade concentrada, altas/baixas densidades, zoneamento de atividades, conceitos

de padronização, habitação coletiva e unifamiliar, intensificação e hierarquização

dos meios de circulação, unidade de vizinhança, dissolução do quarteirão e

abandono da rua-corredor.

1.2.3. Espaço urbano

Colquhoun (2004) define espaço urbano a partir de duas visões. A primeira,

dos geógrafos e sociológicos, tem como objeto de estudo o espaço social. Na

segunda visão, a dos arquitetos, o espaço urbano é visto como o espaço construído

propriamente dito em sua morfologia, na maneira como ele afeta nossas

percepções, como é utilizado e os significados que pode transmitir. Esta última visão

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tem duas abordagens: a que atenta para as formas independentes das funções e a

que considera as funções como determinantes das formas. A visão “modernista”

tende, em geral, a esta última abordagem.

Em um edifício, caracterizam-se os elementos morfológicos como elementos

construtivos e espaciais. Diferentes elementos, pilares, vigas e etc., que, por sua

função e forma de organização, distinguem a arquitetura de várias épocas. Na

cidade, Lamas (1992, p.80) esclarece que a forma coletiva se dá a partir dos objetos

- edifícios ou construções – e de sua articulação com o espaço por eles definido. O

autor destaca como elementos da forma urbana: o solo, os edifícios, o lote, o

quarteirão, a fachada, o logradouro, o traçado, a praça, o monumento, as

vegetações, o mobiliário urbano e destaca o elemento mínimo.

O elemento mínimo do espaço urbano são os edifícios. É através deles que

se organizam os diferentes espaços que podem ser identificados com forma própria:

a rua, a praça, o beco, ou outros espaços. Agrupados em distintos tipos, os edifícios

estabelecem uma relação dialética com a forma urbana: “a tipologia edificada

determina a forma urbana, e a forma urbana é condicionadora da tipologia edificada,

numa relação dialética. Esta interdependência é um dos campos mais sólidos em

que se colocam as relações entre cidade e a arquitetura.” (LAMAS, 1992, p.86).

Panerai, em sua obra “Formes urbaines: de l’îlot à la barre – Formas

urbanas: da quadra ao bloco”, de 1977, realiza a conhecida análise do

desenvolvimento do espaço urbano a partir do estudo do quarteirão e seu processo

de dissolução ao longo do século XX. Dentro do tecido urbano, a quadra é um

elemento determinante do espaço. A partir do estudo das suas tipologias é possível

observar a relação da arquitetura com a cidade e sua evolução. No século XIX, as

quadras têm características de altas densidades e grande compacidade. Com o

tempo, essa quadra vai se transformando, a periferia das quadras vai sendo mais

organizada e a parte central subtraída, originando pátios de usos coletivos. Outra

fase dessa evolução é marcada pela abertura das extremidades das quadras, os

pátios tornam-se caminhos públicos e a densidade é menor. Logo, as quadras

consistem em duas fileiras autônomas de moradias e sua localização se dá em

função da trajetória solar. A continuidade da quadra em relação à rua e sua

submissão ao traçado urbano vão desaparecendo pouco a pouco (Figura 4).

(PANERAI; CASTEX; DEPAULE, 1986).

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a) b)

Figura 4: a) Philippe Panerai, evolução do espaço central da quadra amsterdanesa. (Fonte: Panerai; Castex; Depaule, 1986, p.101). b) Ernst May, esquema ilustrando a evolução da quadra

urbana, 1930. (Fonte: Panerai; Castex; Depaule, 1986, p.108).

A relação do edifício com o espaço urbano, na cidade tradicional, vai

acontecer através da fachada. Cada edifício dispõe apenas da fachada para a

comunicação com o espaço urbano. Elas fornecem as características que compõem

a imagem da cidade. Segundo Lamas (1992, p.96), a fachada tem uma importância

e significado diferentes na morfologia urbana da cidade tradicional e na cidade

moderna, no urbanismo moderno:

O edifício, e sua fachada deixam de ocupar no espaço urbano a posição que detinha na cidade tradicional, passando a ser objeto isolado com um espaço livre ao redor. Desaparecem as empenas e os lados passam a ser vistos e a pertencer à imagem da cidade. Nesse contexto modifica-se fortemente a posição e a importância da fachada na morfologia urbana.

Quanto ao traçado, a rua, Lamas (1992) os caracteriza como os elementos

mais identificáveis, tanto na forma de uma cidade, como no gesto de projetá-la. Eles

ajustam a disposição dos edifícios e dos quarteirões, servindo como objeto de

ligação dos vários espaços e partes da cidade e, ainda, estabelecem a relação mais

direta de assentamento entre a cidade e o território. Solà-Morales (1997), destaca o

traçado como o momento inicial e mais permanente do processo do projeto em que

as decisões estão mais concentradas, constituindo-se de um elemento expressivo,

principalmente na composição tradicional, que tem o seu uso como um recurso

disciplinar primário. A rua organiza o espaço do encontro e o espaço do movimento.

A construção da cidade, ou de parte dela, é combinada ao longo do tempo

de distintas operações sobre o solo e a edificação. A complexidade do seu resultado

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não é só a repetição de tipos e justaposição de tecidos, ela expressa o processo em

que as formas e os momentos construtivos se sucedem com ritmos próprios.

Segundo Solà-Morales (1997, p.19), o projeto urbanístico, para dar forma a um

processo físico, necessita combinar solo, edificação e infraestrutura:

La construcción de la ciudad es parcelación + urbanización + edificación. Pero estas tres operaciones no son actos simultáneos ni encadenados siempre de igual manera. Al contrario, de sus múltiples formas de combinarse en el tiempo y en el espacio, so origina la riqueza morfológica de las ciudades. Tanto mayor, cuanto más variadas sean las formas de esa combinatoria.

Estas operações fazem parte das tipologias estruturais de crescimento, em

que o parcelamento é a transformação do campo em espaço urbano, atribuindo uso

urbano; a urbanização é a operação de construção de elementos físicos coletivos da

cidade; e a edificação é fundamentalmente a construção do edifício em si.

1.2.4. Trabalhos acadêmicos de referência

Neste trabalho, duas teses de doutorado são referências fundamentais. A

primeira, de Silvio Belmonte de Abreu Filho, “Porto Alegre como cidade ideal: planos

e projetos urbanos para Porto Alegre”, que tem como foco os planos e projetos

urbanos da cidade de Porto Alegre. O trabalho se dá através de estudo sobre estes

planos com o objetivo de relacioná-los com os paradigmas e modelos urbanísticos.

E a segunda, de Paulo Roberto Rodrigues Soares, “Del proyecto urbano a la

producción del espacio: morfologia urbana de la ciudad de Pelotas, Brasil (1812-

2000)”, faz uma análise da morfologia urbana de Pelotas no período de 1812 – 2000,

considerando os agentes de produção espacial da cidade, estudando o

desenvolvimento urbano, o projeto urbano, a produção do espaço e os ciclos de

crescimento e expansão da cidade.

1.3. Técnicas e procedimentos metodológicos

Os planos diretores de Pelotas de 1968 e de 1980 foram elaborados em

momentos diferentes de pensamentos, no que diz respeito à cidade e ao seu

desenvolvimento. Nesse caminho, os procedimentos foram estabelecidos através da

necessidade de descobrir mais sobre as elaborações dos planos e, principalmente,

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em revelar as teorias que estão por trás deles. Para alcançar esses objetivos, os

passos para a investigação foram organizados da seguinte forma:

1.3.1. Estudo das teorias urbanísticas

a) Estudos das fontes primárias com a finalidade de destacar suas

principais ideias. O estudo é feito através de análise de documentos

urbanos referentes às épocas em que foram elaborados os planos.

Também é realizado o estudo das legislações (Código de Construção

e Reconstrução de 1915, Plano de ampliação da cidade de 1924,

Saneamento de Pelotas de 1927, Código de Construções de 1930 e

Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947), que regeram a

cidade de Pelotas antes do Plano Diretor de 1968, com a finalidade

de entender a conformação da cidade até a implantação deste plano,

uma vez que o estudo do crescimento de uma cidade é uma maneira

de entendê-la de forma global.

b) Revisão da bibliografia, na qual são desenvolvidas as leituras das

fontes secundárias, por meio de pesquisa bibliográfica e documental.

Estudos sobre as legislações, espaço urbano, elementos urbanos das

cidades e o urbanismo moderno, são temas fundamentais que darão

suporte para o desenvolvimento da investigação.

1.3.2. Estudo dos planos

Os Planos Diretores de Pelotas são definidos como os objetos de estudo

deste trabalho. Nesta fase, são desenvolvidas:

a) Leituras dos planos de 1968 e 1980, destacando suas principais

características, compondo mapas e tabelas comparativas;

b) Revisão bibliográfica com pesquisa de outros materiais que foram

desenvolvidos sobre os mesmos planos;

c) Entrevistas com os profissionais que fizeram parte das equipes técnicas

dos planos;

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d) Análises de zonas piloto para verificação dos potenciais construídos,

através de simulações 3D (Figura 5). Este recurso de observar os

quarteirões tridimensionalmente é utilizado em muitas ordenanças para

explicar uma ideia de conformação de cidade, assim como também é

utilizado em diversos estudos de planos (Figura 6). Esta etapa é

realizada nos seguintes passos:

(i) escolha das zonas piloto. Bairros Areal, Centro, Fragata,

São Gonçalo e Três Vendas, pois são extensões de

incidência da cidade, com estrutura viária e

características distintas.

(ii) as áreas piloto serão delimitadas por quarteirões inseridos

no sistema AutoCad. A partir disto serão compostos

mapas, gráficos e tabelas com informações de dimensões

dessas áreas. Com esses dados, será possível retirar as

medidas das quadras e lotes. O objetivo dessa tarefa é

verificar a média dos lotes entre bairros;

(iii) a partir dos estudos dos planos de 1968 e 1980,

serão desenvolvidos desenhos sobre as quadras das

zonas piloto, com os recuos e alturas propostos pelos

planos, caso fossem utilizados seus índices máximos.

Estas informações foram transformadas em modelos

tridimensionais no software ScketchUp (este estudo está

apresentado nos apêndices do trabalho – Apêndice A),

onde é possível ter uma perspectiva de desejo de cidade

contida nos planos diretores.

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Imagem aérea da quadra – Centro (Catedral)

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o I PD

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 287,70m² Média frente dos lotes: 10,22m

Definida pelo plano como ZR2 permite edificações acima de

12m de altura, exigindo recuos laterais e de ajardinamento

Definida como ZCC permite edificações de altura livre,

dispensando recuos laterais e de ajardinamento

Figura 5: exemplo de zona piloto da área central. (Fonte: autora, 2011)

a) b)

Figura 6: gráficos mostrando as tipologias de quarteirões. a) gráficos apresentados no Plano Diretor de Porto Alegre 1959/81. (Fonte: ABREU FILHO, 2002). b) modelos com máximo

potencial construído. (Fonte: DIEZ, 1996).

1.3.3. Identificação das teorias urbanas nos planos diretores e dos principais instrumentos utilizados para transformar essas teorias em cidade real

Após os estudos das teorias urbanas e dos planos diretores, através das

leituras e do auxílio das simulações, serão analisadas, nesta etapa, as formas de

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influência das teorias urbanas na criação dos planos e quais ideias foram utilizadas

nos mesmos. Os seguintes itens serão analisados:

a) Os temas fundamentais do urbanismo moderno:

- o continuum espacial;

- a cidade concentrada;

- zoneamento de atividades;

- hierarquização dos meios de circulação.

b) Instrumentos: relações dos regramentos (Códigos e Projetos de

Saneamento e Expansão) e planos diretores com:

- os estudos segundo Diez (1996) de legislações restritivas e

postulativas;

- presença das preocupações e prioridades de Sabaté (1999);

- definição de elementos urbanos de Lamas (1992);

- formas de crescimento de Solà-Morales (1997).

1.4. Estrutura da dissertação

O presente trabalho é constituído de seis capítulos. No primeiro capítulo,

“Introdução”, é apresentada a caracterização do projeto de pesquisa, a justificativa

do tema de investigação, as perguntas, os objetivos, a revisão bibliográfica e os

procedimentos metodológicos.

No segundo capítulo, “A conformação da cidade até 1968”, são

apresentadas as ordenanças anteriores ao Plano Diretor de 1968, com início no

Código de Construções e Reconstruções de 1915, Plano de Ampliação de 1924,

Saneamento de Pelotas de 1927, Código de Construções de 1930 e Saneamento de

Pelotas – novos estudos - de 1947. Mesmo sendo ordenanças com nomenclaturas

diferentes (códigos, planos e relatórios), todos apresentam, de alguma forma,

características que auxiliam na composição da forma urbana da cidade. O objetivo

deste capítulo é perceber as mudanças que ocorreram em Pelotas durante o período

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dessas ordenanças e compreender as características da cidade encontrada pela

equipe que, em 1966, inicia os estudos para o primeiro plano diretor.

No terceiro capítulo, “Plano Diretor de Pelotas, 1968”, é apresentada uma

breve passagem pelas teorias urbanas que influenciaram os planos urbanísticos no

Brasil ao longo do século XX, como os preceitos do urbanismo moderno

manifestados nos CIAM, o movimento Économie et Humanisme do padre Lebret, o

Urban Survey e a emergência do Serfhau no panorama brasileiro. A última parte do

capítulo apresenta uma leitura crítica do Plano Diretor de Pelotas de 1968.

No quarto capítulo, “II Plano Diretor de Pelotas, 1980”, seguindo a mesma

estrutura do capítulo anterior, é exposto um relato do contexto urbano dos anos 70,

como a falência do BNH e do Serfhau, as críticas ao urbanismo do CIAM e a

importância do sistema de circulação no planejamento das cidades modernas com a

Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte – GEIPOT. Posteriormente,

como no capítulo anterior, é apresentada uma leitura crítica do II Plano Diretor de

Pelotas de 1980.

“Os Planos e as Ideias”, o quinto capítulo da dissertação, apresenta uma

síntese comparativa entre os temas do urbanismo do século XX, encontrados nos

dois planos diretores de Pelotas. São analisados os temas comuns: o continuum

espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário como

fundamental organizador da cidade, a tabula rasa e os novos paradigmas.

Por fim, no sexto capítulo, “Considerações Finais”, é realizado o fechamento

do trabalho remetendo aos conceitos e hipóteses iniciais. É feita também a

identificação dos principais instrumentos utilizados para transformar as teorias em

cidade real.

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2. A CONFORMAÇÃO DA CIDADE ATÉ 1968

Pelotas, desde a sua origem, é conduzida por planos urbanísticos que

apontam a direção de sua produção. Os planos fundacionais indicavam um traçado

reticular e determinavam um conjunto de ordenanças. Este traçado regular, herança

da engenharia militar, teve influência hispânica, “esta política valorizava

especialmente as praças. Eram, na verdade, o centro da cidade, nas quais se

concentravam os pontos de atenção e de focalização urbanística, e onde se

concentravam os edifícios principais, oficiais e religiosos.” (SANTOS, 2001, p. 132).

Esses planos iniciais correspondem aos projetos de urbanização do 1º

loteamento de 1812 a 1815, com a localização da Igrejinha, hoje Catedral São

Francisco de Paula; do 2º loteamento em 1830, com a expansão das ruas

longitudinais em direção ao canal São Gonçalo; do 3º loteamento em 1858, quando

a cidade cresce em direção norte, no Bairro da Luz; e do 4º loteamento em 1870,

quando se resgata o Bairro da Várzea, época em que a cidade encontrava-se no

início do seu apogeu do desenvolvimento econômico, social e cultural.

Nas primeiras décadas do século XX, outros planos de loteamentos, também

com traçados e ordenanças, foram configurando, de maneira bastante fragmentada,

a periferia da ocupação inicial (Figura 7). Na citada zona de retícula, o conceito é de

cidade tradicional, que configura o quarteirão e a rua-corredor. Já no entorno de

traçado irregular, embora com os elementos urbanos básicos como ruas, quadras e

lotes, os preceitos são da cidade-jardim, com edificação isolada no lote.

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Figura 7: área central (em vermelho) e adjacente de Pelotas. (Fonte: GONSALES, 2002, p.s/n).

Novos loteamentos surgem como alternativa mais econômica à moradia

para a população de média e baixa renda, extrapolando esses limites centrais, e a

cidade desenvolve-se para o leste, conformando o Bairro Areal, para o oeste, no

Bairro Fragata, e para o norte, configurando a zona das Três Vendas (Figura 8).

Figura 8: evolução urbana de Pelotas (dos primeiros loteamentos até 1966). (Fonte: PELOTAS, 1978d, p.s/n).

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A partir da segunda década do século XX, em Pelotas, o poder público

implanta uma série de ordenanças que vão instituindo uma forma para o espaço da

cidade. Neste caminho, este primeiro capítulo busca descrever e analisar estes

regramentos - procurando compreendê-los a partir da cultura urbanística geral do

momento - com a finalidade de perceber as mudanças que ocorreram ao longo da

primeira metade do século XX na cidade e de compreender, acima de tudo, as

tendências e principais características da cidade encontrada pela equipe que, em

1966, inicia os estudos para o primeiro plano diretor de Pelotas.

Este estudo inicia com o Código de Construções e Reconstruções de 1915,

uma normativa que já apresenta inovações em relação aos planos anteriores:

incentiva recuos do alinhamento da calçada, obriga a construção de platibandas

eliminando os beirais sobre os passeios e mostra preocupações com questões de

higiene. O Plano de Ampliação, realizado em 1924 por Fernando Rullmann, é o

primeiro plano de desenvolvimento urbano para o município, onde, pela primeira

vez, a cidade foi pensada no seu conjunto e não de forma pontual. O Escritório

Saturnino de Brito, em 1927, além da proposta de rede de água e esgoto, realiza um

anteprojeto de extensão da cidade, propondo para algumas áreas ainda não

ocupadas quadras longas e estreitas e recuo de ajardinamento de 5m. Em 1930, o

Código de Construções recomendava que as fachadas formassem um conjunto

harmonioso e que apresentassem um afastamento do alinhamento predial de 4m.

No ano de 1947, o escritório de Saturnino de Brito volta à cidade e realiza o

Relatório de Saneamento – novos estudos, com previsão de áreas industriais,

organização de tráfego e de bairros populares, além das propostas de rede de água

e esgoto.

É importante salientar que apenas uma parte desses regramentos passou do

terreno das ideias para as ações. No entanto, eles mostraram o desenvolvimento

urbanístico na cidade, como será apresentado ao longo do capítulo.

2.1. O Código de Construções e Reconstruções, 1915

No Brasil, os primeiros planos elaborados discutiam o saneamento, as vias,

a beleza e a expansão da cidade. São os planos de melhoramentos – de cunho

higienista - e embelezamento urbano. A expressão “embelezamento urbano”

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sintetizou o planejamento de origem renascentista que enfatizava, acima de tudo, a

beleza monumental. Segundo Villaça (1999), foram altamente ideológicos, pois

visavam glorificar o Estado e a classe dirigente capitalista. O período compreendido

entre os anos de 1875 a 1930 representou uma época em que a “classe dominante

brasileira tinha uma proposta urbana, que era apresentada com antecedência e

debatida abertamente. Suas condições de hegemonia eram tais que lhe permitia

fazê-lo”. Este momento pode ser dividido em dois: “de 1875 a 1906, ascensão dos

planos de melhoramentos e embelezamento; e de 1906 a 1930, declínio dos planos

de melhoramentos e embelezamento.” (VILLAÇA, 1999, p. 197).

Em Pelotas, o código de posturas referentes às construções e reconstruções

é proposto em 1915 (já no período de declínio dos planos de embelezamento e

melhoramentos), por ocasião da instalação da rede de esgotos da cidade. Devido ao

aumento da aglomeração em torno da área central, o código buscava a ideia de

conforto, higiene e segurança com base nas “grandes cidades, como São Paulo e

Rio de Janeiro, além de outras no estrangeiro”, que modificaram seus tipos edilícios

básicos e as regras das construções a fim de facilitar a edificação em geral

(PELOTAS, 1915, p.5). É importante lembrar que, nesta época, Pelotas ainda vivia

do reflexo das charqueadas que formaram a base do primeiro ciclo econômico do

Estado. Era uma das importantes cidades do Rio Grande do Sul. A capital Porto

Alegre ainda não era uma referência à cidade, como se pode ver neste e nos

regramentos a seguir. A capital do país, Rio de Janeiro, e São Paulo eram as

principais referências, assim como as cidades europeias.

Segundo o regramento de Pelotas, em relação a aspectos formais do edifício

e do espaço urbano, algumas das condições a serem observadas nas construções

diziam respeito ao alinhamento. Os prédios poderiam ser alinhados à via pública ou

deveriam ser recuados, pelo menos, 4m para o interior do terreno. Por outro lado,

todas as edificações que tivessem a fachada sobre o alinhamento das via pública,

deveriam estar providas de platibanda ou “beiral ornamentado na frente da rua”.

Além disso, os encontros de rua não poderiam ter arestas vivas, que deveriam ser

substituídas por uma nova face (chanfro) com no mínimo 2m de largura. O código

destacava que a arquitetura ou forma dos edifícios seria livre, e ainda salientava

uma dúbia exigência arquitetônica dentro dos padrões da época:

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O conjunto seja harmônico e estético, podendo ser admitidos projetos de edifícios especiais de qualquer estilo arquitetônico, edifícios esses que, afastando-se, embora, dentro de uma tolerância aceitável, das disposições em vigor, respeitem as regras gerais da construção moderna. (PELOTAS, 1915, p. 12).

Quanto às questões sanitárias, o regramento é bem mais rígido, com

penalizações pela má execução dos serviços domiciliares de instalações sanitárias,

pela manutenção de ligações clandestinas e pela derivação de águas pluviais e

outros líquidos para o esgoto sanitário. As habitações coletivas necessitariam de

coletores gerais e seriam obrigadas a dispor de aparelhos sanitários para cada

família. Portanto, “a simples existência de uma legislação detalhada, a exemplo de

outras cidades maiores, já indicava a intenção de implantar a modernidade urbana

na cidade também pela via de saneamento.” (SOARES, 2001, p. 6).

2.2. Plano de ampliação da cidade, 1924

No Diário Popular, jornal local, de 20 de abril de 1924, foi publicado o

memorial do projeto de ampliação da cidade, estudos de urbanismo e suas regras

gerais, desenvolvido por Fernando Rullmann2 e aprovado, pelo intendente municipal

Dr. Pedro Luis Osório.

Em tal publicação, a municipalidade declara que procurava um plano geral

para a cidade, que previsse um desenvolvimento racional em harmonia com o

progresso e o gosto moderno. Mas, ao mesmo tempo, buscava evitar os projetos

grandiosos e não destruir o caráter peculiar da cidade, mantendo o seu passado

histórico e a sua fisionomia, respeitando, na área central, os antigos alinhamentos,

apesar de expressar uma opinião crítica em relação a esse tipo de espaço urbano. É

descrito no texto:

2 Fernando Rullmann nasceu na Alemanha em 22/05/1893 e em 25/04/1938 tornou-se cidadão brasileiro. A data e as razões

de sua vinda para Pelotas, assim como qual era sua formação profissional não foram obtidas. No ano de 1936, foi autorizado

pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA a ocupar o cargo de Engenheiro Chefe da Seção Técnica da Prefeitura Municipal de Pelotas. Além do Projeto de Ampliação da cidade em 1924, sabe-se que também projetou a residência de Augusto Simões Lopes, no Bairro Simões Lopes.

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Os arquitetos de hoje falam, com insistência, nos inconvenientes dos traçados da cidade em forma de xadrez, isto é, com ruas retas, cortando em ângulos retos e, portanto, os quarteirões construídos por prismas de base quadrada. Suas considerações visam às condições de higiene, salubridade, comodidade de trânsito e aformoseamento da cidade em geral. É na disposição de ruas sinuosas, traçadas com intento proposital de beleza pitoresca e satisfazendo as exigências da perspectiva, que se permite observar, de modo variado, a série de frentes, cujos pormenores ficam em evidencia, mediante alinhamentos côncavos. O sistema geométrico de Pelotas em forma de xadrez, para esses arquitetos, desfaz o conceito estético, é uniforme, pesado, monótono e foi baseada na necessidade de trânsito [...] esta disposição apresenta, entre outros inconvenientes, o que se refere à ubiquação deficiente dos grandes monumentos arquitetônicos, por cuja causa se trata, para corrigir tais inconvenientes, de estabelecer diagonais na planta geral. (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

Esta citação nos leva a refletir sobre quem eram esses arquitetos que

buscavam tais condições. Fernando Rullmann, idealizador do Plano de Ampliação,

era alemão.

Nesse contexto, é importante considerar a teoria de Camillo Sitte exposta na

obra “Der Städtebau nach seinen kunstlerischen Gründsätzen - A construção das

cidades segundo seus princípios artísticos” (1889), uma teoria e um modelo de

cidade que inspirou uma geração de urbanistas, muito presente na Alemanha do

momento, e influenciou de forma decisiva a realização das cidades-jardins e o

chamado por Choay, urbanismo culturalista. (SITTE, 1992).

Sitte acreditava que a simetria de traçado, com casas regularmente

alinhadas, provocava um mau efeito e contribuía para o isolamento de monumentos.

No campo da higiene, reconhecia o progresso alcançado devido a este modo de

construir cidades, mas não acreditava que para obter tal benefício fosse necessário

suprimir a beleza das cidades3.

Em 1924, Letchworth (Figura 9), está construída – projeto de Raymond

Unwin e Barry Parker - sob os preceitos de Ebenezer Howard, este, de alguma

maneira, seguidor de Sitte.

3 Uma curiosidade a respeito dos arquitetos Sitte e Rullmann, é que ambos citam de Aristóteles em suas obras. Camillo Sitte

na introdução de Construção das cidades segundo seus princípios artísticos , de 1889, cita: “uma cidade deve ser construída

para tornar o homem ao mesmo tempo seguro e feliz. Para que esta última condição se efetive, a construção urbana não

deveria ser apenas uma questão técnica, mas também artística.” (SITTE, 1992, p. 14) e Rullmann no início do memorial do

Plano de Ampliação de Pelotas, também cita o filósofo: “a felicidade de um povo se revela pela beleza das suas cidades.”

(DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

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Figura 9: plano de Letchworth. (Fonte: HOWARD, 2002, p. 46)

Howard havia exposto sua teoria da cidade-jardim no livro “To-morrow – a

Peaceful Path for True Reform, Amanhã: um caminho pacífico para a reforma social”

de 1898, reeditada em 1902 com o título: “Garden Cities of Tomorrow - Cidades-

Jardins de amanhã”. Para Howard, tanto a cidade, quanto o campo podiam ser

considerados como imãs que atraem para si a população. O propósito do livro

consiste em mostrar a direção para a construção do imã cidade-campo, o imã que

une essas duas possibilidades em uma (Figura 10). Portanto, a ideia de cidade-

jardim nasce da intenção de agregar as vantagens da vida ativa da cidade com a

beleza e outras qualidades da vida do campo. (CHOAY, 2010a).

Figura 10: diagramas chave da cidade-jardim. (Fonte: HOWARD, 2002, p. 109,113,114 e 204).

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Segundo Howard, a cidade-jardim elevaria o nível da saúde e do bem-estar

dos trabalhadores, com a combinação da vida da cidade com a vida do campo. A

cidade seria construída com baixas densidades e com casas isoladas no meio do

espaço verde (CHOAY, 2010a).

E põe em prática esta teoria em Letchworth (Figura 11), a primeira Cidade-

Jardim construída. Raymond Unwin e Barry Parker, além da contribuição para a

elaboração do plano, também participaram no preparo das normas de construção,

no controle da construção dos edifícios e na realização de vários projetos de

arquitetura do local.

a) b)

Figura 11: a) Letchworth, plano original publicado em 1904. (Fonte: HOWARD, 2002, p.49). b) Letchworth (Fonte: Google Earth).

Também se deve lembrar que no Brasil já havia aplicações concretas desse

modelo de cidade nos “jardins” paulistanos, a partir de 1918. Os empreendimentos

da Companhia Britânica City trazem à cidade de São Paulo o projeto do Jardim

América (Figura 12), um bairro exclusivamente residencial inspirado nos modelos

ingleses de Cidade-Jardim e projetado pelos mesmos arquitetos de Letchworth.

Posteriormente, foram conformados com as mesmas características o Jardim

Paulista, Europa e Paulistano e o Pacaembu. (GONSALES, 1999).

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Figura 12: Barry Parker e Raymond Urwin. Jardim América. (Fonte: GONSALES, 1999, p.240).

Unwin prega a síntese entre rua reta e rua curva. Cidade como síntese da

beleza formal e informal, do reto e do irregular, da geografia e da arquitetura e deixa

claro isso nos seus projetos para Letchworth e nos bairros paulistanos. Esta

premissa encontra-se presente na proposta de Rullmann para Pelotas: “proporcionar

situações de belo efeito, dando oportunidade para nelas situar monumentos ou

edifícios públicos de valor arquitetônico.” (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

Todos esses exemplos podem ter sido referência para o Plano de Rullmann,

já que apresenta um desenho de cidade (Figura 13) que, de alguma maneira, reflete

os princípios presentes nesses precedentes.

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Figura 13: projeto de ampliação da cidade de Pelotas. Em destaque as áreas existentes. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

Por outro lado, é importante observar as próprias experiências alemãs, pois

o texto do plano (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5) indica que o uso do “método

irregular é muito adotado na Alemanha por especialistas contemporâneos”.

Simões Jr. (2008), descreve alguns princípios sobre a urbanística germânica

no período anterior a 1920, dentre eles alguns de caráter formal são muito

semelhantes aos critérios adotados por Rullmann. A escolha do traçado com ruas

retas ou curvas escondia um debate entre a racionalidade versus a espontaneidade

na edificação do desenho urbano. Outra questão era o alinhamento das fachadas e

os efeitos visuais decorrentes deste alinhamento.

Estas questões também são encontradas no artigo de Eskinazi (2009), que

faz um estudo sobre as exposições de arquitetura que ocorreram na Alemanha de

1901 a 1957. O autor destaca que a mostra de 1910 teve Werner Hegemann como

coordenador. O mesmo que, um ano antes, esteve nos Estados Unidos,

organizando a “Boston 1915”, um movimento de melhorias urbanas que previa um

plano de incorporação à cidade de Boston de 40 bairros vizinhos, tornando-os uma

única unidade metropolitana. Com este trabalho, Hegemann é colocado em contato

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com urbanistas americanos (Figura 14), cujos trabalhos influenciaram a

compreensão de Hegemann sobre o urbanismo e sua consequente atuação e

difusão na Alemanha e na Europa.

a) b)

c)

Figura 14: projetos do arquiteto americano Frederick Law Olmsted. a) Riverside, Chicago, 1868. (Fonte: SALT CREEK GREENWAY ASSOCIATION, p.s/n). b) plano de Sudbrook, 1889. (Fonte: SUDBROOK PARK, p.s/n). c) Central Park, Nova York, 1851. (Fonte: YURBANISM,

p.s/n).

Simões Jr. (2008) também destaca como princípio do urbanismo germânico

o instrumento de zoneamento, em três categorias: a zona industrial, as zonas de

negócios e de comércio e as zonas exclusivas para residências. Eskinazi (2009)

menciona que na exposição de 1901 é “projetado e construído um quarteirão

moderno integrando moradia e trabalho”. Esses ideais surgem no Plano de

Ampliação de 1924. Rullmann propõe um zoneamento funcional4, organizando a

cidade em zonas industriais, comerciais e residenciais, nesta última sendo permitido

o pequeno comércio (Figura 15).

4 O instrumental do zoning planing (teoria do zoneamento urbano) foi proposta originalmente por Franz Adikes em Frankfurt em

1893 com o objetivo de controlar as rendas fundiárias urbanas e ao valor do solo urbano. (MIRANDA, 2011).

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Figura 15: zoneamento funcional. Zona de comércio em laranja, zona industrial em rosa, habitação de elite em azul, habitação operária em verde, habitação burguesa em amarelo e o

hipódromo em roxo. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

O comércio e serviços administrativos aproximavam-se da área central

(Figura 15 em laranja), enquanto os serviços públicos especializados dispuseram-se

segundo as suas necessidades, na periferia da cidade. Foi localizado um centro

comercial e industrial, para a alta importação e exportação, perto do novo cais às

margens do canal São Gonçalo, já que a região contava com linha férrea e marítima

(Figura 15 em rosa). Ainda foram previstos centros de cultura cívica e intelectual

(Figura 15 em cinza), sobre o ponto mais alto da cidade, para fazê-los sobressair do

conjunto, e um centro de cultura física.

As habitações foram propostas de acordo com a classe social. As

habitações da elite foram planejadas na cidade-jardim (Figura 15 em azul), ao norte

da área central, sobre um arruamento sinuoso, “cujas edificações, devem ser

recuadas e isoladas do alinhamento das ruas por jardins, emprestando assim, pelo

conjunto, o aspecto duma grande praça edificada, com o máximo de estética e

conforto”, como consta no plano. (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

Hipódromo

Habitação

burguesa

Parque Centro de

exposições Cemitério

Canal

Santa

Bárbara

Habitação

elite

Zona

comercial

Cultura

cívica e física

Habitação

operária

Centro

industrial Centro indústria

de carnes

Canal

Pepino

Frigorífico

Engenho

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O centro de habitação operária estava em anexo ao centro industrial (Figura

15 em verde), ligando o lugar do trabalho com a moradia, já a habitação burguesa

(Figura 15 em amarelo), localizava-se nos terrenos canalizados e drenados junto ao

arroio Santa Bárbara. O plano garantia que toda a habitação nova tivesse ao seu

lado um jardim e salientava a importância do código de construções para a harmonia

estética urbana:

“Não se precisará tão cedo determinar a altura as casas, porque o ar e a luz ainda não constituem privilégios, por conter a cidade na sua maioria edificações baixas. Porém cabe ao emprego fiel do Código de Construções assegurar a estética urbana, pondo um freio a liberdade privada, combatendo as fachadas inexpressivas, por elas pertencerem ao domínio público estético”. (Memorial do Projeto de Ampliação da Cidade. DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).

Soares (2001, p.11) chama a atenção para uma “coincidência histórica ou

prova da difusão dos modelos urbanísticos”, pois, no ano de 1927, o governo do Rio

de Janeiro, então capital do país, contrata o urbanista francês Alfred Agache. O

Plano Agache, elaborado entre 1927 e 1930, dividia a área urbana carioca de acordo

com as proximidades funcionais. Para as áreas residenciais, a proposta era de uma

hierarquia através de classes sociais, com cidade-jardim para a elite, bairros

burgueses para a classe média, bairro dos funcionários públicos e bairros operários,

localizados nos subúrbios. “Neste sentido, as propostas de planejamento urbano

implementadas em Pelotas, precediam em alguns anos às idealizadas para a própria

capital da república”. De acordo com Villaça (1999, p.188), o Plano Agache “é, no

nosso conhecimento, o primeiro plano a apresentar a expressão plano diretor.”.

2.3. Saneamento de Pelotas, 1927

Segundo Villaça (1999), no Brasil, o urbanismo sanitarista resume-se quase

totalmente na obra de Francisco Rodrigues Saturnino de Brito. O engenheiro carioca

é formado pela antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro e teve participação em

projetos de abastecimento de água, saneamento e urbanização em muitas cidades

brasileiras, como São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Rio Grande e

outras.

Na cidade de Pelotas, o engenheiro realizou, no ano de 1927, o relatório de

saneamento, que tinha como principal objetivo o desenvolvimento e complemento

dos serviços existentes de água e esgoto. Os temas desenvolvidos no relatório

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diziam respeito ao abastecimento de água; esgoto pluvial, drenagem, aterro e cais

do Porto; esgoto sanitário; organização e custo dos trabalhos.

O relatório também incluía um projeto de expansão urbana, menos

ambicioso que o de Rullmann, ou talvez mais realista, como sugere Soares (2001),

já que as ampliações seriam feitas sem muitas alterações na trama urbana existente

(Figura 16). O relatório iniciava com uma descrição sobre a cidade de Pelotas e seus

recursos hídricos, seguida das intenções de expansão para município. Uma das

primeiras propostas refere-se ao traçado da cidade. As ruas diagonais e curvas das

áreas de expansão tinham o intuito, segundo o relatório, de facilitar o trânsito local.

Figura 16: anteprojeto de extensão de Pelotas, 1927. Em destaque o existente. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1927, p.s/n).

Por outro lado, a expansão da cidade para o bairro da Luz (Norte) e para a

margem direita do arroio Santa Bárbara (Oeste), já era uma realidade e estava

acontecendo de forma desordenada ao longo das estradas ou formando

aglomerações de pequenas habitações, com algumas ruas e vielas de escassa

largura, traçadas sem a preocupação de constituírem elementos harmônicos de um

plano geral. Desta forma, o “plano” julgava necessário, como resolução geral,

estabelecer que as construções fossem feitas: ao longo das estradas, com faixa de

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10m contados do eixo das mesmas para cada lado; e, ao longo das ruas centrais ou

comerciais, com faixa de 5m a partir do alinhamento da via pública. As faixas da

propriedade particular, assim reservadas como não edificáveis, poderiam ser

cultivadas ou ajardinadas pelos proprietários.

Quanto à formação dos quarteirões e a largura dos lotes, o “plano”

comentava:

Os quarteirões quadrados, com lotes estreitos e compridos, estão sendo banidos dos novos projetos; podem ser admitidos com a subdivisão por meio de vielas sanitárias e o estabelecimento de pequenos parques no interior. Os quarteirões alongados, com 150 a 250m de comprimento por 60 a 80 de largura, são os mais convenientes; dar-lhes a direção norte sul, aproximadamente – traz a vantagem de deixar expostos à iluminação solar a frentes e os fundos das casas; as fachadas voltadas para o sul são muito úmidas no inverno.

Podem os lotes ter pequena extensão (25 a 35m), desde que tenham 15 a 20m de largura ou frente; nesse caso, se os edifícios ficarem isolados, será preferível que os lados sejam isolados e a orientação dos quarteirões deverá ser diferente da meridiana. Nos quarteirões operários as dimensões serão menores, estabelecendo-se as ruas principais e as ruas secundárias ou particulares. (PELOTAS, 1927, p. 12-13).

A construção de vielas sanitárias ou de pequenos parques no interior das

quadras está presente no conhecido plano Ensanche de Barcelona, 1865, de

Ildefonso Cerdá, que envolve o casco antigo de Barcelona. O quarteirão de Cerdá

era uma versão “moderna” do quarteirão tradicional, onde os aspectos de higiene do

século XIX se mostravam presentes. E quanto à exposição das edificações à

iluminação solar, Cerdá considerava a moradia como suporte fundamental da

qualidade de vida, reivindicava a salubridade das habitações de maneira radical e

efetiva.

Por outro lado, os quarteirões alongados já estavam presentes em alguns

planos americanos que já foram citados neste trabalho (Olmsted) e consolidados

nas primeiras Siedlungen centro-europeias.

2.4. O Código de Construções, 1930

Em 1930, foram propostos planos para as duas maiores cidade do país, que

marcaram uma nova etapa, a dos “planos gerais” na história do planejamento

urbano no Brasil: “Cidade do Rio de Janeiro extensão, remodelação e

embelezamento”, de Alfred Agache e “Estudo de um Plano de Avenidas para a

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cidade de São Paulo”, de Francisco Prestes Maia. Segundo Villaça (1999, p.182),

estes dois planos marcam o fim dos planos de melhoramentos e embelezamento e

dão início ao período dos planos gerais, “marcados pela ideologia do planejamento

enquanto técnica de base científica.” Mesmo assim, estes dois planos apresentavam

características de melhoramentos e embelezamento, especialmente no sistema

viário e, no plano Agache, a palavra embelezamento aparece no título do plano.

O plano Agache desenvolve estudos de abastecimento de água, coleta de

esgotos, combate de inundações e limpeza pública. Também apresenta um

detalhado conjunto de leis urbanísticas sobre os loteamentos, desapropriações,

gabaritos, edificações e estética urbana. E, ainda, estudos sobre planos de

habitação para classes operárias, com considerações sobre financiamento,

subvenções e cooperativas. (VILLAÇA, 1999, p.188).

O plano de Prestes Maia dedica-se mais ao sistema de transportes, a

algumas legislações urbanísticas, à habitação popular, ao zoneamento, à retificação

do rio Tiete e urbanização de suas margens e um apêndice sobre os parques da

cidade. “Do urbanismo embelezador ele [Prestes Maia] guardou as propostas de um

desenho urbano monumental.” (VILLAÇA, 1999, p.209, grifo nosso).

Estes dois planos tratavam, além do destaque da infraestrutura de

saneamento e de transportes, de questões urbanísticas e regulamentos para a

construção, como tolerâncias de altura e de superfície, salubridade e zoneamento,

de forma mais detalhada, mas não diferente do que vinha acontecendo em Pelotas.

Em 16 de setembro de 1930, foi reavaliado o Código de Construções e

Reconstruções de 1915, com a Lei nº 1, assinada pelo intendente municipal de

Pelotas, João Py Crespo. Como expõe o intendente na carta de motivos (Anexo A),

o código impõe regras de construção. Na carta, o intendente relata a insatisfação

com o código anterior e o desejo de que a cidade estivesse no mesmo patamar que

outras cidades mais adiantadas do país:

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A deficiência do atual em face do desenvolvimento sempre crescente da cidade, a omissão em pontos essenciais de maneira a suscitar razoáveis controvérsias, observadas em tão longo período de sua vigência, as reclamações formuladas por proprietários e construtores, forçam à medida que se põe em prática. Manifestou-se também ultimamente em outras cidades adiantadas do país, por semelhantes motivos, a necessidade dessa medida, onde os Códigos, como condição inadiável, foram modificados ou substituídos, aceitando os novos processos recomendados pelos especialistas em estudos de urbanismo. E o caso local, não podendo fugir a essa exigência comum, reveste-se, entretanto, da maior importância, se atendermos a oportunidade do atual trabalho que vem satisfazer, desta forma, uma justa aspiração da nossa gente. (PELOTAS, 1930, p. 88).

O código dispõe de regras para a construção. Algumas delas colaboram

para o desenho final da forma urbana, porque dizem respeito ao desenho do

conjunto edilício da cidade. Quanto às questões de alinhamento, continua valendo o

regramento de 1915, ou seja, os prédios deveriam ser construídos no alinhamento

da via pública ou fora deles e, neste caso, afastados, pelo menos, 4m para o interior.

Em prédios de esquina, deveria ser observado o recuo de 4m para ambas as faces.

Nos cruzamentos das vias públicas, os dois alinhamentos seriam conciliados por um

terceiro (chanfro) que, independente da forma, seria sempre preenchido por janela,

porta ou outros motivos decorativos. A platibanda ou beiral ornamentado

continuavam sendo exigidos nos prédios com fachada sobre os alinhamentos das

vias públicas. A largura mínima para abertura de ruas era de 18m e a de cada um

dos passeios, no mínimo, de um quinto (1/5) da largura da rua.

Referente às fachadas ou fachadas visíveis dos logradouros públicos, todos

os projetos, qualquer que seja o fim a que estes se destinassem, seriam submetidos

a um exame especial. Também seriam indicadas nos projetos das fachadas as cores

a serem adotadas, não sendo permitida a pintura de mesmo motivo arquitetônico

com cores diversas, nem o uso de cor branca. Esta proposição também aparece no

plano Agache, que determina que os projetos fossem submetidos ao exame da

Seção de Arquitetura e que as fachadas se caracterizassem por um único motivo

arquitetônico e que não recebessem pinturas de várias cores, porque perturbariam a

harmonia do conjunto. (RIO DE JANEIRO, 1930, p.LXI).

Uma novidade que este regramento apresentava em relação ao de 1915 é a

determinação da altura dos edifícios5. A altura das edificações não poderia ser

5 No Código de 1915 não há nenhuma menção a esta questão e no Plano de Ampliação de 1924 diz que “felizmente não se

precisará tão cedo determinar a altura as casas, porque o ar e a luz ainda não constituem privilégios, por conter a cidade, na

sua maioria, edificações baixas.” (DIÁRIO POLULAR, 1924, p.6).

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superior a uma vez e meia a largura da rua e, quando construídos na interseção de

duas ruas, a duas vezes a largura da rua mais estreita. Os pavimentos superiores ao

limite estabelecido pela largura da rua deveriam ser recuados do alinhamento numa

distância mínima, de maneira a manter a relação uma vez e meia a largura da rua.

Em logradouros novos e existentes, a abertura de ruas e travessas teriam

uma largura mínima de 18m e a de cada um dos passeios, no mínimo, de um quinto

da largura daquelas.

Quanto à área construída, o código exigia que a sua totalidade devesse ser

superior a um terço da superfície do lote nos prédios destinados a habitação e de

um quarto nos de esquina e nos destinados a fins comerciais. A respeito dos

estabelecimentos industriais e comerciais, o código deixa claro que não seria

permitida, dentro da zona servida por esgotos, a construção de edifícios ou

aproveitamento dos existentes para o funcionamento de fábricas e estabelecimentos

industriais, com a finalidade de não prejudicar a salubridade da vizinhança.

O código ainda faz referência às áreas litorâneas e suburbanas. Sobre as

obras no litoral, o capítulo dezessete do código expõe que em cada margem dos

arroios, rios, etc., fosse respeitada a legislação em vigor. Deveria ser reservada uma

faixa com largura mínima de 20m, onde não seria permitida construção alguma. Na

zona suburbana, seria permitida a construção de prédios que satisfizessem as

seguintes prescrições: I – localização sobre logradouro público oficialmente

reconhecido; II – lote, com largura mínima de 12m; III – distâncias mínimas das

construções às divisas laterais do lote deverão ser de 3m e à divisa do fundo de 7m;

IV – deverão ficar recuados 6m do alinhamento do logradouro público.

Neste código, como se pode observar, são reforçados os ideais de

zoneamento, higiene e as questões de salubridade - relação da largura das ruas

com as alturas das edificações e o zoneamento das indústrias - instrumentos

presentes nos planos anteriores da cidade e também em outras cidades do país,

como Rio de Janeiro e São Paulo.

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2.5. Saneamento de Pelotas - novos estudos, 1947

No mandato do prefeito Dr. Procopio Duval Gomes de Freitas, o Escritório

Saturnino de Brito6 realizou o anteprojeto de saneamento, em 1947, que tinha como

foco os serviços de abastecimento de água e esgoto da cidade de Pelotas e que se

constituía como uma revisão do Relatório de Saneamento de 1927 e do Código de

Construções de 1930:

Em 16 de setembro de 1930 foi decretado pela Intendência Municipal de Pelotas o Código de Construções, em que se atendiam as indicações de Saturnino de Brito (1927), prevendo-se o isolamento dos talvegues, o loteamento racional de novas zonas de expansão e a obrigatoriedade de projetarem-se novas vilas com serviço de água e condições sanitárias. Em 29 de março de 1933 o Decreto nº 1.851 “suspende, provisoriamente, o Código de Construções, em vigor, nos capítulos que se referem à divisão de terrenos em lotes e à edificação, em geral.”.

O “provisório” mantém-se até nossos dias e o resultado é o que todos podem observar, percorrendo vilas, verdadeiras “favelas”, que se formaram ao redor da cidade, criando uma situação sanitária crítica, que está a exigir solução urgente. (PELOTAS, 1947, p. 31).

Com base nesta exposição, o relatório de 1947 tentava solucionar, além dos

problemas na área do abastecimento e esgoto, as irregularidades da formação da

cidade. Este relatório e o plano de Rullmann (1924), devido a sua importância para a

cidade, foram assinalados como planos diretores no Plano de 1968, estudado no

próximo capítulo, que faz a seguinte menção a eles:

[...] no período 1920-1924 houve a primeira tentativa de disciplinar o crescimento urbano através de um Plano Diretor, que, no entanto, não foi executado. Em 1947 um segundo Plano Diretor foi realizado e tem servido até agora como diretriz ao Serviço de Água e Esgoto em seus projetos de expansão de rede. (PELOTAS, 1968, p. 70).

O relatório do escritório de Saturnino de Brito apresenta, primeiramente, uma

introdução sobre a cidade de Pelotas, uma descrição de sua topografia e de seus

recursos hídricos, seguido pelo relato da geologia do município, do clima e dos

aspectos de salubridade. O relatório foi planejado a partir do exame de duas plantas

do município, uma de 18357, outra do plano de expansão de 1927 (Figura 16) e de

observações do que vinha acontecendo na cidade no momento. Assim, identificava

o crescimento para o Sul em direção ao porto, para o Norte, onde surgiu o Bairro da

Luz, mas, principalmente, o crescimento em direção ao Oeste, ao longo da antiga

6 Fundado pelo Engenheiro Saturnino de Brito, o Escritório Saturnino de Brito (ESB) esteve em funcionamento até a morte de

seu filho e continuador da sua obra Francisco Rodrigues Saturnino de Brito Filho em 1978. O escritório realizou projetos de engenharia hidráulica e sanitária em todo o país.

7 No ano de 1835, Pelotas é elevada a categoria de município.

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estrada para Piratini, Avenida General Daltro (atual Avenida Duque de Caxias), que

não aparece no mapa da Figura 17.

Figura 17: planta da cidade de Pelotas, 1835. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n) e anteprojeto de extensão de Pelotas, 1927. Em verde o que seria, mais ou menos, a sobreposição do mapa de

1835. (Fonte: PELOTAS, 1927, p.s/n).

A partir do estudo da rede de esgotos das zonas edificadas no perímetro

urbano e suburbano, o relatório trazia uma previsão do número de casas que a

cidade comportaria na época, um total de mais de 11.000 casas, dispostas nas

seguintes zonas da cidade, como mostra a Tabela 1:

Tabela 1: Número de casas para cada região do município. Observa-se que no cálculo final o número é de 11.087 casas.

Zona Urbana

Cidade (entre o Staª Bárbara – Pepino e rua P. Martins) 8.123 casas

Vilas Simões Lopes, Barros, Silva e Machado 401 casas

Rua F. Bastos 47 casas

Vilas São Francisco e Hilda 360 casas

Vila do Prado 297 casas

Avenida P. Machado e Vila Carucio 118 casas

Vila Gotuzo 80 casas

Avenida General Daltro 387 casas

Vila Carucio e Reingantz 75 casas

Avenida Argentina 143 casas

Vilas Idalina e Eloá 212 casas

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Estrada Domingos de Almeida 111 casas

Várias (E. Salso, Tablada, Vilas Angela, Cascais, Ebersol e Marchesi)

178 casas

Zona suburbana

Vila Gastão Duarte 70 casas

Vila Carucio 84 casas

Vila Bom Jesus e Europa 30 casas

Vila Santa Terezinha 286 casas

Estrada Domingos de Almeida 85 casas

Total 11.078 casas

(Fonte: PELOTAS, 1947, p. 39).

Portanto, a partir destes estudos, foi apresentada a área urbana da cidade

marcada pela linha pontilhada na planta geral (Figura 18).

Figura 18: planta geral. As áreas em vermelho são as existentes, em azul os projetos existentes e as áreas que não estão em destaque são do anteprojeto de expansão do

Escritório Saturnino de Brito. A linha pontilhada mostra a área urbana da cidade. Linha em vermelho o Canal Santa Bárbara e em azul o Canal do Pepino. Adaptado pela autora. (Fonte:

PELOTAS, 1947, p.s/n).

Os bairros populares foram planejados para formarem conjuntos com lotes

com espaços para jardins e locais de serviços, com área de 20% do total do terreno.

Entre os locais projetados, os bairros marcados - 1 e 2 - na Figura 19 e em detalhe

na Figura 20, têm, respectivamente, lotes de 12m x 30m em ruas de tipo comum e

de 10m x 24m em ruas “fundo de saco” de 9m de largura, com grandes jardins

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internos. Entre os fundos dos lotes, foram deixadas vielas de 3m para passagem de

coletores, serviço e pedestres. As ruas com características “fundo de saco”

destinam-se apenas a atender as moradias nelas estabelecidas, sendo estas as

ruas do limite do bairro para o grande trânsito. No bairro 1, a área total do terreno é

de cerca de 187.000m², com 10.130m² de jardins e 411 lotes de 12m x 30m. E no

bairro 2, há 570 lotes de 10m x 24m e 45 de 15m x 25m, tem 50.659m² de jardins,

sendo o terreno total de 250.000m².

Figura 19: planta geral. Adaptada pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).

Figura 20: bairros populares. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).

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Em um terceiro local, marcado como 3 na planta geral, ao lado da Avenida

Pinheiro Machado, é projetado um grande bairro com uma área de cerca de

330.000m², onde poderiam ser localizados 744 lotes de 12m x 24m e 80.000m² de

jardins. Na Zona Norte da cidade, ponto 4 da planta, no espaço compreendido pelas

Avenidas Argentina (atual Avenida Presidente João Goulart) e Dom Joaquim, foram

traçados 11 quarteirões alongados para lotes de 10m x 25m. A proximidade do

grande parque da cidade permite que o traçado deste bairro permaneça sem

grandes jardins internos.

No local do antigo Prado, entre a Vila do Prado e os terrenos do Parque,

ponto 5 na planta geral, foram projetados 6 quarteirões alongados, a partir da

Avenida General Daltro (atual Avenida Duque de Caxias). Um terreno de 215m x

510m, com 168 lotes de 12m x 50m. Outra opção para este mesmo terreno é a

organização de “um só quarteirão gramado e arborizado, e nele distribuir 36 edifícios

de 3 andares, com 6 apartamentos”. Estes edifícios ficariam afastados, um dos

outros, cerca de 40m, “teriam a melhor orientação para a insolação e o seu conjunto

poderia apresentar um magnífico aspecto”. Na área de Várzea, na parte ainda não

habitada (ponto 6), entre as diagonais 1 e 2 até a rua 3 de Maio, ou mais além,

poderia ser organizado um bairro popular, reunindo-se os quarteirões em um só

bloco para novo loteamento com jardins e serviços. (PELOTAS, 1947, p.43).

Esses loteamentos populares apresentavam intrínsecas ideias que poderiam

ter sido extraídas das teorias da cidade-jardim, como Letchworth e Welwyn, com

suas ruas fundo de saco e casas unifamiliares. Também apresentavam

características das Siedlungs centro-europeias com um desenho seguindo uma

ordem “racional” e, até mesmo, a Cidade Radiante ou as propostas do CIAM com

edifícios implantados isentos sobre o terreno coletivo.

Na zona da Tablada, Rullmann (1924) havia projetado um grandioso parque,

que teve sua área diminuída em parte pela instalação da Sociedade Agrícola

Pastoril, da estação PRH-4, do Sanatório H. Roxo e do Seminário. Mesmo assim,

com as indicações apresentadas na planta geral, ainda se tem uma área com

aproximadamente 95 hectares, permitindo a instalação de um parque. Este parque

deveria ser estudado em detalhes, por arquiteto paisagista e por agrônomos

especializados em assuntos florestais, para ser implantado como um museu de

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árvores do Município. Junto ao parque, ao lado da Avenida Dom Joaquim, ficaria

localizado, em amplo terreno, o stadium da cidade.

Uma nova área destinada à indústria, obtida por drenagem, seria localizada

junto à foz do arroio Santa Bárbara e serviria como uma ligação entre as zonas

industriais às margens do arroio e do canal São Gonçalo (Figura 19, em rosa). Uma

área para a indústria da carne, localizada do outro lado do arroio Pepino, prevista

pelo engenheiro Rullmann em 1924, já era uma realidade em 1947, com a instalação

de um matadouro e de um frigorífico (Figura 19, em azul).

Para locais sem arruamentos, foram estabelecidos anteprojetos de

loteamentos de ruas. Em sua maioria, as ruas de 18m estão de acordo com o antigo

Código de Construções (1930), sendo as avenidas de ligação de várias zonas bem

mais largas, de 25m ou mais.

Algumas dessas ruas foram preparadas para tráfego intenso, com o objetivo

de ligar as zonas portuária e industrial às saídas da cidade, como mostra a Figura 21

apresentada pelo Escritório Saturnino de Brito, em 1947.

Figura 21: sistema viário, saídas da cidade. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).

O relatório lembra que, sem ser posto em execução um código de

construções, não é possível à Prefeitura levar avante estes empreendimentos, com

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determinação clara das zonas industriais, das zonas residenciais e dos bairros

populares.

O Saneamento de Pelotas – novos estudos, é um relatório muito importante

para este trabalho, porque é um projeto que abrange a cidade inteira e, de alguma

forma, sintetiza grande parte das ideias – apresentadas nos regramentos estudados

– que foram amadurecendo ao longo da primeira metade do século XX. O relatório

expõe preceitos importantes que serão ratificados no próximo regramento – Plano

Diretor de Pelotas, 1968 - para a cidade: grande importância da rede viária e do

zoneamento de funções e a experimentação, em algumas porções de cidade, de um

tipo de espaço urbano que se tentará implantar em toda a cidade dezesseis anos

depois, quando é criado o Conselho do Plano Diretor.

2.6. Considerações

Neste início de trabalho, foram estudados os regramentos anteriores ao Plano

Diretor de 1968: Código de Construção e Reconstrução – 1915; Plano de Ampliação

– 1924; Saneamento de Pelotas – 1927; Código de Construções – 1930; e

Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947. Mesmo sendo regramentos distintos

- códigos, planos e relatórios – tinham uma proposta para conformação da cidade.

Estes regramentos organizaram o espaço urbano da cidade de maneira mais ou

menos definitiva, até mesmo aqueles que tratavam, exclusivamente, das

construções edilícias, já que, quando observadas em seu conjunto proporcionam o

aspecto geral do espaço urbano.

O que se pode observar é que os ideais do urbanismo moderno vão sendo

inseridos aos poucos na cidade, através destes planos. Cada um apresenta uma

abrangência maior de modernização, em um visível diálogo entre as chamadas

correntes culturalista e progressistas (CHOAY, 2010a): a começar com as questões

de saneamento e embelezamento, logo depois novas propostas de formas urbanas

com ruas sinuosas e diagonais, os quarteirões alongados e as propostas de

zoneamento e, por fim, o sistema viário como importante regulador.

É interessante observar que os planos de Pelotas podem ser relacionados

ao diferentes tipos de regramentos indicados por Sabaté (1999), que refletiram a

maneira de observar a cidade em diferentes momentos da sua história.

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Sabaté aponta seis grupos de preocupações e regras que podem indicar as

mudanças fundamentais de forma e conteúdo das ordenanças:

a) Ordenanças nas quais se produz um controle indireto na forma urbana:

- Ordenança da atividade construtiva: aparece nos primeiros regramentos

urbanos, preocupa-se com a forma e com as construções da cidade, o

objeto de estudo é a regulamentação de ofícios.

- Ordenança da boa construção: indica regras de estabilidade e

segurança. A referência mais importante é Vitrúvio, que com “Os dez

livros da arquitetura” mostra requisitos construtivos que asseguram a

estabilidade estrutural, a resistência e a proteção das fachadas e o

conforto térmico. O código de construção de Nova York de 1916, Building

Code, regulamenta a forma dos edifícios, o que não havia acontecido em

nenhuma outra cidade.

- Ordenança da boa vizinhança: conjunto dos princípios do direito civil

aplicados nas construções.

b) Ordenanças que constituem instrumentos para o projeto, nas quais se dá

uma antecipação da arquitetura e da cidade:

- Ordenanças de ornamento público: são regramentos que mesmo

dirigidos aos edifícios, regulamentam o ordenamento da rua e das

fachadas públicas das construções, isto é, a imagem geral da cidade. O

espaço urbano tem que ser pensado com critérios de função e forma

corretos para se obter uma boa imagem da cidade. Para atingir a

estrutura formal desejada, as ordenanças determinam a relação entre a

posição da edificação e o traçado da rua, a forma exata do perfil da rua e

as condições gerais de composição do plano de fachada.

- Ordenanças de higiene: ordens de higiene dos quarteirões, da

ocupação de parcelas e pátios, de luz e ar.

- Ordenanças de zoneamento: implica separação e diferença. A ordem

de zoneamento surgiu como uma necessidade para racionalizar o

aproveitamento da cidade moderna, diferenciando, inicialmente, as áreas

industriais, a residência da burguesia e a área dos trabalhadores. O

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zoneamento diz respeito aos usos e as intensidades e atende ao

pensamento da cidade aberta, contrapondo com a cidade tradicional de

quadras fechadas e ruas corredores.

Sabaté completa afirmando que, uma vez conhecida as origens diversas dos

regramentos urbanos, cabe identificar como cada uma das categorias manifesta-se

nos atuais planos urbanísticos. O autor ainda menciona que dependendo dos

objetivos e da situação específica – é muito diferente atuar em uma ampliação ou

em uma cidade já construída - podem existir diferentes estratégias de ordenanças:

algumas trabalham mais sobre o espaço público, outras no controle do tipo

edificatório.

Quanto ao controle indireto na forma urbana, são encontradas características

da ordenança de atividade construtiva (ofício) nos dois Códigos de Construção

(1915 e 1930). Neles constam os deveres dos construtores, a direção das obras, o

livro de matrícula, as penalidades e a dispensa de construtor. Da mesma forma, as

ordenanças de boa construção, acontecem nestes mesmos códigos. Indicam regras

de estabilidade e segurança, quando apresentam condições gerais a serem

observadas nas construções e reconstruções, como espessuras de paredes, de

alicerces, de compartimentos, tipos de coberturas, materiais permitidos para a

construção, etc. As questões referentes à ordenança da boa vizinhança apresentam

o conjunto dos princípios do direito civil, aplicados nas construções com a finalidade

de evitar o prejuízo da construção vizinha. Esta ordenança não aparece nos

regramentos estudados.

Constituem instrumentos para o projeto, de acordo com o ornamento público,

todos os regramentos que, de alguma forma, visam atingir uma estrutura formal

desejada à cidade através de elementos gerais de composição dos edifícios. Quanto

às ordenanças de higiene - comum aos regramentos do século XX - os regramentos

Código de Construção e Reconstrução – 1915; Saneamento de Pelotas – 1927;

Código de Construções – 1930; e Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947

apresentam essas características de higienização. O Plano de Ampliação de 1924

não deixa clara esta preocupação, mas através de sua proposta baseada nas

cidades-jardim, o uso das edificações isoladas no lote para uma melhor ventilação e

iluminação das construções não deixa de ser uma questão de higiene. E, por último,

as ordenanças de zoneamento já surgem no Plano de Ampliação da cidade – 1924 e

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dão seguimento nos regramentos posteriores Saneamento de Pelotas – 1927 e

Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947, com as divisões de zonas

industriais, comerciais e residenciais.

Portanto, percebe-se que, com exceção à ordenança da boa vizinhança,

todos os outros tipos são contemplados nos regramentos de Pelotas. Dentre os

regramentos estudados, as ordenanças de controle indireto da forma estão

presentes em um único tipo de regramento: os Códigos de Construção e

Reconstrução, por se tratarem de normas que dizem respeito diretamente a regras

de construção. Já as ordenanças que constituem instrumentos para o projeto

predominam em quase todos os regramentos, independente do tipo de regramento.

Também se pode fazer uma análise comparativa através da teoria das

regulamentações em normas restritivas e postulativas, segundo Diez (1996).

O Código de Construções e Reconstruções de 1915 tinha o uso do recuo

como alternativa e, portanto, não obrigatória. O que se pode deduzir é que havia o

embrião de uma nova ideia de cidade apenas acenada, incentivada. Isto porque era

difícil transformar em obrigação em uma sociedade ainda conservadora, que não via

o afastamento da construção da via pública com bons olhos. A obrigatoriedade de

platibanda, de beiral ornamentado e de chanfro nas esquinas, também postula uma

ideia moderna de cidade, de uma nova urbanidade.

Sem pontuar obrigatoriedades, o Plano de Ampliação de 1924, aponta

caminhos, escolhe locais para abrigar equipamentos na cidade, faz um zoneamento

preciso, mas não chega a restringir, a impor limites à cidade. Dessa maneira, o

regramento em si apresenta caráter postulativo ao ideal moderno.

No Saneamento de Pelotas, em 1927, o recuo já é utilizado como norma, em

um sentido postulativo. Ao contrário da questão dos quarteirões, quando diz “estão

sendo banidos dos novos projetos”, o relatório não deixa de impor um limite,

proibindo os quarteirões quadrados e dando lugar aos quarteirões alongados.

(PELOTAS, 1927, p. 12).

O Código de Construções de 1930 segue alguns preceitos do código de

1915 na construção do espaço urbano (recuos, platibandas, etc.). No entanto, frente

a uma tendência de verticalização – entendida como desfavorável à cidade - em

zonas com ruas estreitas, há uma restrição quanto à altura dos edifícios

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relacionando-a a largura das ruas (restritiva). Por outro lado, existe uma ideia de

densificação demográfica quando se determina. ocupações mínimas dos lotes pelas

construções (1/3 no caso residencial e 1/4 no comercial, por exemplo). Dentro de

uma ideia ainda de “melhoramento”, o plano se propõe a um regulamento restritivo

refletindo preocupações com higiene, salubridade e uma distribuição adequada das

funções urbanas (indústrias, principalmente).

O Relatório de Saneamento de Pelotas – novos estudos, de 1947, faz todo

um estudo para bairros populares, estipulando áreas de terrenos, áreas e testadas

de lotes, mas da mesma forma que o Plano de Ampliação de 1924, não restringe

quando aponta possibilidades para esses loteamentos.

De uma maneira geral, os primeiros regramentos apresentam características

postulativas, com algumas normas pontuais mais restritivas. As restrições estão

mais nos Códigos de Construção, até pelo caráter deste tipo de norma. O Plano de

Ampliação e os Relatórios de Saneamento dão mais possibilidades de expansão e

os relatórios são mais restritivos nas questões sanitárias, que são os temas

principais desses regramentos.

Analisando as teorias de crescimento, segundo Sola- Morales (1997), um

projeto urbanístico para dar forma a um processo físico e arquitetônico que combine

solo, edificação e infraestrutura, necessita de três operações para a construção da

cidade: parcelamento (P), urbanização (U) e edificação (E), que nem sempre são

encadeadas de mesma maneira e nem simultâneos. Dessas três combinações

surgem as diferentes morfologias das cidades.

Na Carta de Atenas, quando o projeto urbanístico se divide em leis e

palavras por um lado e volumetrias abstratas de outro, e quando Gropius projeta

Dammerstock, a noção de tempo desaparece da concepção da obra. As operações

de parcelamento, urbanização e edificação passam a ser simultâneas e unitárias.

Se forem analisados os regramentos propostos para Pelotas, de acordo com

os processos de planejamento indicados por Solà-Morales, o Projeto de Ampliação

de 1924, apesar das características de cidade-jardim, Rullmann propõe, na verdade,

um grande plano de expansão “ensanche”, com características de traçados e

edifícios isolados da cidade-jardim. Possui o processo parcelamento + urbanização

+ edificação (P+U+E).

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O Projeto de Saneamento de 1927, já relacionado com o Ensanche de

Cerdá nos estudos acima, apresenta características de expansão, com as

operações sendo feitas uma em cada momento, iniciando com o parcelamento, em

seguida urbanização e, por último, a edificação (P+U+E). O plano não se afasta por

completo da ideia da ordenação em malha, mesmo assim há distinção entre cidade

antiga e cidade nova, apresenta certas características de repetição do tipo, com

propostas de diagonais e quarteirões alongados. Diante de uma realidade existente,

de uma urbanização na periferia do tecido urbano consolidado, o Plano de

Saneamento – novos estudos, de 1947, propõe um crescimento bem sistematizado

por cidade-jardim (PU+E). Os Códigos de 1915 e 1930, por apresentarem

características de normas construtivas, não possuem propostas de “expansão”

urbana, assim não são analisados nestes parâmetros.

Entretanto, de todos esses “planos” de avanços para a cidade de Pelotas,

somente os referentes à melhoria e ampliação das redes de água e esgoto

acabaram sendo executados. Como afirma Moura (1998), os planos que tratavam da

ocupação, de desenhos e de expansões urbanas da cidade se limitaram a servir

como um alerta para às suas necessidades. Auxiliaram, em alguns momentos, nas

delimitações de zoneamento nos planos seguintes e, também, serviram de

referência para o desenho de alguns novos loteamentos (Figura 22) que foram

construídos em Pelotas na década de 1950, devido ao aumento da população

urbana e da demanda por novas áreas habitacionais.

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Figura 22: mapa com a localização dos loteamentos aprovados na década de 1950. Adaptado pela autora. (Fonte: base Google Earth).

O primeiro dos loteamentos, realizado em 1953 pela Prefeitura Municipal,

tratava-se de um “Plano Diretor para a Zona da Várzea”, que ficou, em grande parte,

no papel, sendo executada apenas a área que correspondia ao terreno da Prefeitura

Municipal. Mais tarde, este loteamento foi denominado como “Bairro Nossa Senhora

de Fátima”. Foram implantadas 26 quadras, subdivididas em 679 lotes. As

dimensões dos terrenos são variáveis, já que as quadras não são quadráticas,

ficando em sua maioria entre 12m de testada por 30m de profundidade. (MOURA,

1998).

O segundo projeto de loteamento, também de 1953, realizado pela empresa

Comercial e Construtora América S/A e localizado no Bairro Areal, recebeu o nome

de “Jardim Europa”. O engenheiro agrônomo italiano Renato Salvini foi o idealizador

deste empreendimento. O traçado viário apresenta um “desenho de flor”, com um

núcleo circular que vai se desenvolvendo, gerando diferentes quadras, mas sempre

em curva. O terreno é de aproximadamente 65ha, dividido em 886 lotes. A escolha

do traçado pode ser um resultado do conhecimento de Renato Salvini das

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experiências similares na Europa, como também porque ele acreditava que este

traçado poderia amenizar tanto a umidade quanto os ventos intensos da cidade.

(MOURA, 1998).

O terceiro projeto, aprovado em 1955, denominado “Loteamento Simões

Lopes”, é a segunda etapa de um loteamento iniciado em 1914, pelo proprietário

daquelas terras, Dr. Augusto Simões Lopes e era composto por 1055 lotes

habitacionais, com tamanho médio de 10m de testada por 30m de profundidade. O

traçado semelhante ao loteamento Nossa Senhora de Fátima é desenvolvido a partir

de uma solução radial, cujo ponto de partida é a estrada de acesso a Rio Grande. O

loteamento tem continuidade para o outro lado da estrada, porém o traçado neste

trecho é reticular. O loteamento buscava atender a um público de renda

média/baixa. (MOURA, 1998).

Estes projetos trazem novas formas ao traçado viário da cidade e à

configuração de suas quadras. É importante destacar, também, outro

empreendimento público no ano de 1953, mas que apresenta um traçado reticulado.

Localizado na zona norte, Tablada, o “Bairro Jardim” tem 27 quadras, subdivididas

em 530 lotes para a habitação, com área para escola e praças. Os lotes possuem

duas dimensões diferenciadas: os próximos à Avenida Dom Joaquim têm média de

15m de testada por 40m de profundidade, enquanto que os da Avenida República do

Líbano têm 10m de testada por 30m de profundidade. Junto dessa área, a prefeitura

reservou duas quadras, cada uma com 24 lotes, para a construção de casas

populares. (MOURA, 1998).

As regras urbanísticas aprovadas para reger as construções demonstram

que este loteamento foi realizado para atender à população de maior poder

aquisitivo. Algumas dessas regras, de certa forma, resgatam a ideia de Fernando

Rullmann com a sua “cidade-jardim”, prevista para o mesmo local. O edifício

principal deveria ter altura máxima de dois pavimentos, recuo frontal mínimo de 4m;

taxa de ocupação máxima de 2/3 da superfície do terreno; recuo mínimo de 1,5m,

quando a construção não estiver sobre a divisa lateral. A construção mista, de

alvenaria e madeira, só era possível se o objetivo fosse obter “maior efeito

arquitetônico”. O recuo, já presente no Código de Construções e Reconstruções de

1915, neste momento, torna-se obrigatório, “propondo uma nova relação de

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construção com o lote e alternando a configuração predominante do núcleo mais

antigo.” (MOURA, 1998).

No período em que os loteamentos foram realizados, estava em vigor o

Código de Construções de 1930, que estabelecia a largura dos lotes de 8m quando

se situassem em logradouros existentes, largura mínima de 10m quando em zona

urbana e de 12m quando em zona suburbana. Segundo Moura (1998), o engenheiro

Idel Lokschin8, técnico da Prefeitura Municipal na época, disse recordar-se apenas

de duas regras que deviam ser seguidas na realização ou aprovação de novos

loteamentos: ruas com largura de 18m e terrenos com largura de 10m. A autora

também elucida que o poder público ampliou a oferta de lotes habitacionais em

novas áreas da cidade, não levando em conta os vazios urbanos e os problemas daí

decorrentes.

Dezesseis anos depois do Saneamento de Pelotas - novos estudos, do

escritório Saturnino de Brito, é criado, em 1963, o Conselho do Plano Diretor e

contratada uma equipe para trabalhar no novo plano urbanístico de Pelotas, que

seria aprovado em 1968. Portanto, com a descrição dos regramentos anteriores a

esta data, percebe-se que a cidade é, aos poucos, transformada. Ou seja, se

inserem os ideais do urbanismo moderno e novas ideias vão sendo incorporadas:

uma cidade organizada em zonas funcionais, que não é concentrada, mas

apresentava edificação isolada; o caráter tradicional dando lugar à teoria da cidade-

jardim, com alterações dos alinhamentos e formato dos quarteirões e as primeiras

preocupações com o sistema viário.

Essas mudanças ocorrem, principalmente, nas áreas de expansão, ficando o

centro, a área dos primeiros loteamentos, praticamente preservada quanto ao seu

traçado original. Em algumas ordenanças chega a estar exposto a importância

dessas características, com o intuito de manter o passado histórico e a sua

fisionomia, acrescentando ideais de outros tempos. Conforme explica Rossi (1995,

p. 57), “a forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade, e existem

muitos tempos na forma da cidade.”.

Através dos regramentos apresenta-se, por parte da municipalidade, a busca

de estudos que visassem o ideal moderno que estava sendo proposto em grandes

8 Depoimento dado a Arq. Rosa Maria Garcia Rolim de Moura em 28 de janeiro de 1997. (MOURA, 1998).

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cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Fato observado pela contratação de

profissionais de outras localidades, como Fernando Rullmann e o engenheiro

Saturnino de Brito, que implementaram na cidade projetos distintos dos que vinham

sendo executados na região. As críticas ao traçado regular, que muitas vezes foi

apontado como monótono, as propostas de expansão baseadas na classificação de

zonas comerciais, residenciais e industriais e na proximidade do lugar de trabalho

com a moradia, estão entre as contribuições. Estas questões são retomadas depois

pelo II Plano Diretor, em 1980.

Logo, vê-se que esses regramentos, resultado em grande parte da

adaptação de teorias urbanas, ou seja, do diálogo de teorias mais universais com as

contingências locais, foram de fundamental importância para a configuração da

cidade que o Plano Diretor de 1968 vai encontrar. É com essa cidade que a

aplicação, em parte bastante “radical”, do urbanismo moderno e da Carta de Atenas,

representada nesse plano, terá que dialogar. É a partir dessa realidade, levantada

através de longos relatórios iniciais, do estudo desse devir urbano de mais de um

século e meio, que a equipe encontrará um caminho de aplicação, o mais realista

possível, dos novos ideais urbanísticos difundidos na segunda metade do século XX.

Este período constitui-se como um momento de grande divulgação e

expansão dos ideais do urbanismo moderno desenvolvido e referendado pelos

Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAMs. Nos próximos

capítulos serão demonstrados os pontos do Plano Diretor de 1968, com o

zoneamento funcional e os índices urbanísticos como instrumentos básicos de

formalização geral do espaço urbano, que refletem a filiação às ideias urbanísticas

explícitas na Carta de Atenas. E também do II Plano de 1980, que apesar de já

incorporar certa crítica ao “funcionalismo” presente no Brasil da época, segue a

mesma metodologia e os princípios básicos do primeiro.

Essas conclusões levarão ao capítulo seguinte, que apresenta o contexto

em que Plano Diretor de Pelotas de 1968 foi desenvolvido e a descrição das partes

desse regramento.

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3. PLANO DIRETOR DE PELOTAS, 1968.

Desde o ano de 1947, Pelotas não tinha uma nova proposta de regramento

que ordenasse o crescimento e o desenvolvimento do município. A cidade vinha se

desenvolvendo com leis em desuso, segundo entendimento da época, que não

atendiam mais as demandas da cidade moderna. Devido a estes fatos, no mandato

do prefeito João Carlos Gastal (no período de 1959-1963) é contratada uma equipe

para desenvolver um plano diretor para direcionar o crescimento de Pelotas.

No terceiro capítulo desta investigação, antes da abordagem do plano diretor

propriamente dito, é desenvolvida uma breve passagem pelas teorias urbanas que

influenciaram os planos urbanísticos no Brasil ao longo do século XX, como os

preceitos do urbanismo moderno manifestados nos CIAM, o movimento Économie et

Humanisme do padre Lebret, o Urban Survey e a emergência do Serfhau no

panorama brasileiro. Posteriormente, são apresentadas as partes do plano – o

processo de ocupação do solo, uso do solo, intensidade de ocupação, sistema

viário, paisagismo, equipamento social e dinâmica do plano – com seus

levantamentos, diagnósticos e principais recomendações da lei do plano.

3.1. Contexto do segundo pós-guerra, a formação do plano

Do final do século XIX aos anos 60, ocorreu a mudança de conceito do

termo urbanismo para o termo planejamento urbano, a partir de duas linhas de

pensamento. A primeira surgia dos planos de melhoramentos que resultaram nos

planos diretores de desenvolvimento integrado e a segunda, com origem no

movimento modernista, encabeçada pelo CIAM, que no Brasil tem a construção de

Brasília, no final da década de 50, como principal fato. O período da construção da

capital é um momento de importantes transformações no pensamento urbano

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através da emergência de novos temas, de novos métodos e com a participação de

profissionais de outras áreas que, até o momento, não compartilhavam das questões

urbanas. Após a Segunda Guerra Mundial surge a temática regional como objeto de

planejamento e intervenção. (LEME, 1999).

A década de 60 também é marcada pelo debate entre os arquitetos sobre o

problema habitacional devido à urbanização acelerada das décadas anteriores e

sobre o papel social desses profissionais, evocando a si a função de “relacionar a

arquitetura com os problemas sociais e de desenvolvimento econômico,

distanciando-se da tradição de ver na arquitetura apenas seus aspectos artísticos”.

(RIBEIRO, PONTUAL, 2009).

Esta tendência de pensamento tem três fontes. A primeira é o movimento

Économie et Humanisme, criado em 1941 pelo padre dominicano Louis Joseph

Lebret. O movimento não via como urbanistas somente os arquitetos, mas também

profissionais de outras áreas, como os sociólogos, geógrafos, economistas e

buscava promover o desenvolvimento social através do planejamento urbano.

(LEME, 1999; NYGAARD, 2005; RIBEIRO, PONTUAL, 2009; CESTARO, 2010).

A segunda é a teoria do Urban Survey, de 1927, que utilizava como

metodologia uma detalhada pesquisa urbana, incluindo aspectos históricos, sociais e

físicos, antes de propor o planejamento de uma cidade.

A terceira fonte é a ideia de reconstrução da sociedade através da

arquitetura, que ocorreu na Europa dos anos 20 e 30. A arquitetura e o urbanismo

deixam de ser reflexo da sociedade e se tornam instrumentos da sua reconstrução,

ideais difundidos pelos CIAM.

Em 1941, com o apoio dos intelectuais franceses François Perroux,

Raymond Delprat, Gustave Thibon, Jean-Marie Gatheron, René Moreaux e

Alexandre Dubois, o padre dominicano Louis Joseph Lebret cria o Movimento

Économie et Humanisme. O Movimento idealizava uma nova atitude de trabalho,

“uma maneira de analisar a realidade social, de forma a deduzir e explicar

concretamente, diferenciando o homo oeconomicus dos valores econômicos,

abrindo espaço para uma economia das necessidades humanas e criando uma

hierarquia destas necessidades”. (CESTARO, 2010).

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Dentro do Movimento, Lebret publica o manual Méthodo d’enquête,

indicando maneiras de interpretação da realidade social e econômica, com

“referências das disciplinas da economia, estatística, sociologia e geografia,

apontava para a necessidade do pesquisador ir a campo buscar suas referências e

conhecer a realidade social” (CESTARO, 2010). A disciplina de urbanismo aparece

em 1961 em um novo manual que apresenta “a cidade como o espaço de atuação e

possibilidade de construção do desenvolvimento harmônico”. (CESTARO, 2010).

Lebret esteve no Brasil em 1947, convidado a oferecer um curso de

Economia Humana e Planejamento Econômico no nível de pós-graduação, junto à

ELSP – Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo. No país, o padre

fundou o escritório da Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos

Complexos Sociais (SAGMACS), que agregava profissionais de diferentes áreas

como arquitetos, engenheiros, sociólogos e economistas. Coube à SAGMACS

realizar pesquisas socioeconômicas com vistas à elaboração de planos diretores.

(CESTARO, 2010; LEME, 1999; NYGAARD, 2005).

A inclusão do método de Lebret compondo a base doutrinária dos planos

diretores justifica-se pelo fato de que:

“durante dezessete anos, o padre orientou no Brasil trabalhos de pesquisa urbana e regional e a elaboração de planos diretores, balizados por uma forte visão humanitária e social dos problemas e pela ampla adoção de procedimentos científicos, exercendo forte influência sobre a postura dos técnicos para enfrentar os problemas urbanos e regionais.” (NYGAARD, 2005, p.82).

A atuação do padre Lebret e da SAGMACS, cuja conotação ideológica foi

balizada por uma forte visão humanitária e social dos problemas urbanos, durou até

1964, quando foi interrompida pelo golpe militar.

Outro modelo admirado pelos urbanistas brasileiros e bastante utilizado na

região sul do país, foi o Regional Survey of New York and Its Environs, levantamento

urbano realizado para a cidade de Nova York sob a direção de Tomas Adams, em

1927. Patrocinado pela City Planning Commission de Nova York (com

representantes do empresariado local), sentiu-se a necessidade de contratar um

economista para estudar os problemas da cidade, pois se desejava uma abordagem

científica em relação ao uso do solo, com uma pesquisa econômica que indicava

três linhas de investigação: “1. os requisitos espaciais das funções urbanas; 2.

tendências das mudanças nas demandas por espaço; 3. o futuro dessas

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tendências”. Foi desta forma que os estudos econômicos entraram para a história do

planejamento urbano (VILLAÇA, 1999, p.200).

O Survey era um método preparatório para a composição de qualquer plano

urbanístico de uma cidade, com origem nas ideias do inglês Raymond Unwin, do

francês Leon Jaussely e do belga L. van der Swaelmen. (PAIVA, 1943).

Em 1930, dois planos marcaram uma nova etapa do urbanismo no Brasil e

geraram uma série de estudos e planos para outras cidades do país. Estes planos,

já citados neste trabalho, eram o “Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de

São Paulo”, de Francisco Prestes Maia e “Cidade do Rio de Janeiro extensão,

remodelação e embelezamento” de Alfred Agache.

O plano de Prestes Maia é um misto de plano, compêndio de urbanismo,

estudos acadêmicos que apresentavam um sistema de transportes, legislação

urbana, embelezamento, habitação popular, zoneamento, retificação do rio Tiete e

urbanização de suas margens e um apêndice sobre os parques da cidade. O plano

de Agache apresenta as ideias do urbanismo francês da Société Française des

Urbanistes - SFU9, balizado no cientificismo e na técnica. (VILLAÇA, 1999).

O paulista Arnaldo Gladosch, engenheiro-arquiteto formado em 1926 pela

Escola Superior Técnica da Saxônica em Dresden, colabora na equipe de Agache

para o plano do Rio de Janeiro. Este plano é composto de três partes. A primeira

parte é um extenso estudo da cidade, em todos os seus aspectos, realizado nos

moldes das Urban Surveys. A segunda é o plano propriamente dito e a terceira trata

da infraestrutura e equipamento, saneamento, esgotos e abastecimento de água.

(ABREU FILHO, 2006).

Na década de 30, Gladosch é contratado para desenvolver o Plano Diretor

do Município de Porto Alegre, no mandato de José Loureiro da Silva. Em 1943, foi

editado o Plano de Urbanização de Porto Alegre, documento que apresentava um

resumo sobre os antecedentes históricos da cidade; aportes teóricos e conceituais

9A Société Française des Urbanistes procura mais precisão em todos os sentidos se valendo de inovações, como levantamento

por aerofotos e projeções matemáticas conquistadas através de pesquisas científicas, a partir de informações sociais e cadastrais. Enfatiza o envolvimento da sociedade nas discussões urbanas. “Para a SFU, este novo modo de desenvolver urbanismo possui um entendimento multidisciplinar. Engloba, além da socioeconômica e da higiene, o próprio progresso

material e humano.” Os caminhos trilhados pela corrente modernista e o urbanismo praticado pela SFU se contrapuseram em muitos pontos. “O Plan Voisin e a Ville Radieuse, que resumem o ideal da cidade modernista, com extensas áreas,

construções verticalizadas, pilotis, permitindo visuais abertas e consequentemente liberação do solo urbano. [...] As propostas

formuladas pela SFU pregam uma cidade desenhada e voltada para a escala do homem, com ruas, quadras e parcelamento em lotes individuais; com urbanização estruturada, eixos hierárquicos, valorização de seus aspectos monumentais, sem esquecer pequenos espaços abertos como praças, arborizações e percursos.” (CAROLLO, 2002, p.22 e 23).

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sobre plano diretor; propostas do Anteprojeto do Plano Diretor de Arnaldo Gladosch;

o conjunto de obras executadas na administração de Loureiro da Silva e, finalmente,

o Expediente Urbano. (NYGAARD, 2005).

Em Porto Alegre, o Expediente Urbano nada mais era que a expressão de

origem uruguaia para as urban surveys. O Expediente, criado por decreto em 1942 e

concluído no mesmo ano, foi coordenado por Edvaldo Pereira Paiva, que havia

retornado do Curso de Especialização em Urbanismo em Montevidéu, de onde

trouxe a metodologia de levantamento e organização da pesquisa urbana. Definia

“alcance, função e métodos de trabalho do Expediente Urbano de Porto Alegre, de

acordo com a metodologia proposta pelo arquiteto urbanista uruguaio Maurício

Cravotto 10 para a organização do Expediente Urbano de Montevidéu.” (ABREU

FILHO, 2006, p. 131-132).

O Expediente Urbano compreendia um extenso estudo dos aspectos

urbanos – históricos, socioeconômicos e físico-territoriais - de Porto Alegre,

elaborado para que, em seguida, fosse preparado o Plano Diretor definitivo. Ao final

deste estudo, era apresentado um diagnóstico apontando aspectos positivos e

negativos da cidade:

10

Maurício Cravotto (1893 -1962), nas décadas de 20 a 50 tornou-se marco cultural da arquitetura e do urbanismo no

continente latino-americano. Sua experiência se consolidou após viajar para os Estados Unidos e depois percorrer a Europa (Inglaterra, Espanha, Itália e Paris) nos anos de 1920. Foi professor, nas décadas de 1940 e 1950, de Edvaldo Pereira Paiva e acabou exercendo uma enorme influência sobre os urbanistas de Porto Alegre.

O Plano Regulador de Montevidéu (1930) sob sua coordenação é exemplo dos seus trabalhos. “A elaboração de um Pré-Plano incorporava a metodologia adotada, onde faziam parte extensos estudos sobre os mais variados aspectos da realidade urbana local, desde estudos sobre a base econômica da província, aspectos financeiros, habitacionais, físico-territoriais, de paisagem

e infraestrutura urbana. Potencialidades futuras como centro de negócios e turismo, avançadas preocupações de ordem política e regional faziam parte dos estudos oferecidos à comunidade pelo pré-plano elaborado. Essa etapa de levantamentos amplos foi chamada de Expediente Urbano, que fazia parte da estratégia preparatória para a realização do Plano Regulador

que consistia na elaboração final do conjunto de ordenamentos e metas de longo prazo direcionadores do futuro desenvolvimento da cidade”. (SOUZA; ALMEIDA, 2010).

No Anexo B desta dissertação encontra-se a síntese do Programa do Curso de Urbanismo de Montevidéu.

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Vimos analisando Porto Alegre da mesma maneira que um médico observa um ser humano. Apontamos a origem, evolução e estado atual de suas enfermidades e, também, quase as suas virtudes. [...] Aspectos positivos: razão de existir, economia e política; esplêndida localização geográfica; função regional de entreposto comercial e centro produtor principal; caráter de capitalidade; existência de um esquema viário bastante aproveitável; existência de locais aprazíveis para implantação de residências; tendência de zoneamento das atividades coletivas. Aspectos negativos: enchentes periódicas; tendência de desenvolvimento pelos vales inundáveis; coincidência do espaço ocupado pelos centros comercial e industrial como o espaço atingido pelas enchentes; excessivo crescimento em área; predominância do sistema antigo de divisão da terra; falta de ligações concêntricas em boas condições técnicas; circulações indiferenciadas principalmente na zona central; transportes coletivos inadequados, existência de bairros insalubres; excentricidade do ponto de instalação do comando da vida econômica urbana; excessiva centralização da vida urbana, com todos os males correspondentes; falta de separação nítida e completa dos elementos funcionais da vida coletiva; distribuição inarmônica da população no espaço urbano; moradias em sua maioria inadequadas e insuficientes; escassez de verde urbano; falta de aproveitamento da extensa costa para implantação de waterways; falta de acesso franco ao oceano. (PAIVA, 1943, p. 163-164).

Os CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, foram os

responsáveis por fundamentais estudos sobre a arquitetura e urbanismo. Fundado

em 1928, em La Sarraz, na Suíça, o primeiro congresso discutiu a produção

racionalizada da construção e a redistribuição mais justa de terra urbana seguindo

os critérios do funcionalismo. O segundo, em 1929, discutiu a habitação mínima. O

terceiro, em 1930, tratou da utilização de métodos construtivos racionais, com

apresentação de estudos matemáticos relacionando a altura, a densidade e a

distância entre os blocos de habitações, realizado por Walter Gropius.

Gropius tinha como temas fundamentais os conceitos de padronização, pré-

fabricação e criação de um espaço igualitário para à época moderna. O arquiteto

aplicou esses conceitos nos conjuntos operários de Dammerstock de Karlsruhe

(1927-1928) e de Siemenstadt de Berlim (1928) (Figura 23).

Algumas das ideias urbanísticas de Gropius estão relacionadas à cidade-

standard, capaz de produzir uma cidade com espaço homogêneo e socialmente

distribuído. Para o arquiteto, a repetição de elementos padronizados aumentaria a

qualidade das construções e diminuiria o seu preço de custo. O arquiteto propõe

também, uma cidade mais dispersa no território, com construções horizontais

limitando as zonas suburbanas de baixa densidade demográfica e centros urbanos

mais verticais, com garantia de ar, luz e sol às edificações, uma das exigências da

demanda de higiene.

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a) b)

Figura 23: a) planta do bairro Dammerstock de Karlsruhe. (Fonte: BENEVOLO; MELOGRANI; GIURA LONGO, 2000, p.88). b) planta do bairro Siemenstadt de Berlim. (Fonte: BENEVOLO;

MELOGRANI; GIURA LONGO, 2000, p.89).

De acordo com Alan Colquhoun, em seu artigo “Conceitos de espaço urbano

no século XX” (2004), o modernismo tendia a considerar a cidade como um

fenômeno das funções sociais, que resultava em um determinado espaço urbano. O

urbanismo moderno na Alemanha, com seus edifícios habitacionais em forma de

lâminas paralelas espaçadas de acordo com ângulos de luz, proporcionando

conforto e habitabilidade, apesar do aumento da densidade demográfica, foi uma

resposta às chamadas Mietskasernen, construídas em Berlim no século XIX para

abrigar o proletariado urbano (Figura 24). “Quando se veem essas Mietskasernen

hoje”, diz Colquhoun (2004, p.212), “com suas altas densidades e seus pátios

labirínticos e esquálidos, de repente se compreende todo o movimento moderno”.

a) b)

Figura 24: a) as Mietskasernen de Berlim (Fonte: GEO.DE, 1929, p.s/n). b) J.J.P. Oud. Conjunto em Blijdorp (Fonte: MARTÍ ARÍS, 1991, p.39)

No entanto, o representante mais influente do urbanismo chamado

progressista por Choay (2012a) é Le Corbusier. A cidade idealizada pelo arquiteto é

caracterizada por classificar as funções urbanas - habitar, trabalhar, circular e

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cultivar o corpo e o espírito -, por exaltar os espaços verdes e pela racionalização do

habitat coletivo.

Le Corbusier sugere que o urbanismo moderno abandone a “rua-corredor” e

a partir de uma nova distribuição de espaços, cria em escala ampla uma nova

ambiência arquitetônica (Figura 25). Desse modo, a cidade moderna é concebida

como um grande parque com princípios fundamentais de descongestionamento do

centro urbano, aumento da densidade e uma intensificação e hierarquização dos

meios de circulação - a proposta em Chandigahr, em 1951, com o sistema das sete

vias é exemplar nesse sentido. (CHOAY, 2010a).

Figura 25: esquema preparado por Le Corbusier comparando o novo tecido urbano com os tecidos tradicionais de Paris, Nova York e Buenos Aires. (Fonte: BENEVOLO; MELOGRANI;

GIURA LONGO, 2000, p.54).

Em 1933, realizado na cidade de Atenas, o IV CIAM foi marcado pelo

estabelecimento de preceitos para a cidade moderna, que resultou na Carta de

Atenas. Um manifesto que pregava uma arquitetura e urbanismo unificador,

internacional, composta por uma lista de normas e princípios gerais que o projeto

urbanístico moderno deveria seguir. O manifesto apresentava a orientação

funcionalista da primeira geração modernista, que defendia uma cidade organizada

a partir das funções humanas: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o

espírito. Assim, deveria haver uma intervenção nos planos de cidades existentes

com o objetivo de impor a cada função e a cada indivíduo o seu justo lugar,

discriminando os locais de habitação, centros industriais ou comerciais e terrenos

destinados ao lazer. (LE CORBUSIER, 1971).

Também determinava questões espaciais, como a cidade parque, que era

definida através da fundamental interpenetração entre a cidade e a paisagem a partir

da distribuição dos edifícios isolados implantados nos espaços abertos coletivos. O

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século XX acumulou um acervo considerável de planos urbanísticos baseados

nesse paradigma, planos estes que tiveram que se confrontar com a cidade

existente, como “proposta de uma cidade moderna sobre a cidade tradicional, como

uma proposta de mudança ao lado da cidade existente.” Porém, na prática, a

estrutura física moderna mostrou-se mais explicitamente nas propostas para novos

pedaços de cidade que respondiam, principalmente, à demanda de habitação

decorrente do grande crescimento urbano e, também, na construção de novas

cidades, como o caso da capital Brasília. (GONSALES, 2005).

O concurso para o plano piloto de Brasília foi uma grande oportunidade para

os urbanistas brasileiros. Em um território totalmente livre, o plano era de uma

cidade completa no planalto central do Brasil. Quase todos os projetos que

concorreram se valeram dos preceitos modernos em suas propostas, apresentando

conceitos da cidade funcional com esquema das 4 funções humanas, das unidades

de vizinhança - uma vez que agregavam atividades residenciais juntamente com as

de serviço, comércio e equipamentos - e das altas densidades.

O “urbanismo CIAM” encontrou, no Brasil, Lúcio Costa como um importante

representante que, com o plano-piloto de Brasília, conseguiu desenvolver os

conceitos da cidade-parque:

[...] definição em escalas, abertura da cidade, propriedade pública do solo, parcelamento, hierarquização viária e harmonia do conjunto volumétrico de sua fisionomia, integrado ao terreno. Esse conjunto torna a vegetação essencial para a constituição dos espaços abertos, estruturando e caracterizando, como elemento arquitetônico, estético e ambiental, a cidade-parque. (JUCÁ, 2009).

Apesar de não estar destacada neste trabalho como uma das fontes do

pensamento urbanístico brasileiro do segundo pós-guerra, as ideias provenientes do

chamado modelo culturalista por Choay (2010a) foram importantes no Brasil e

dialogaram com as ideias de cidade citadas acima: as baixas densidades da

periferia e, principalmente, o conceito de unidade de vizinhança tiveram presença

marcante.

As unidades de vizinhança, segundo Barcellos (2001), são áreas

residenciais que dispõem de certa autonomia com relação às necessidades diárias

de consumo de bens e de serviços urbanos. Os equipamentos de consumo coletivo

possuem sua área de atendimento coincidindo com os limites da área residencial.

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Clarence Perry definiu originalmente o conceito de unidade de vizinhança

identificando seis princípios que devem ser seguidos no projeto:

a) Tamanho: a população ficaria em torno de 5000 habitantes, sendo a

população necessária para suportar uma única escola;

b) Limites: o tráfego deveria tangenciar a área das habitações;

c) Espaços públicos: 10% da área deveriam ser de espaço livre;

d) Áreas institucionais: a escola e outras instituições deveriam estar no

centro;

e) Comércio local: deveria ficar na periferia da unidade de vizinhança,

especialmente nos cruzamentos, onde as condições para o negócio são

as melhores;

f) Sistema interno de ruas: deveria ter um traçado variado, com ruas

suficientemente largas para o tráfego local.

No Brasil, os projetos com essa procedência, em sua maioria loteamentos

exclusivamente residenciais voltados às classes mais altas, tinham como

características principais a baixa densidade, a ocupação dos lotes residenciais em

meio a espaços arborizados e ruas tortuosas, bucólicas e adaptadas à topografia.

(DEL RIO; GALLO, 2000).

Todas essas influências – a do padre Lebret, embora fosse voltada mais

para a pesquisa do que propositiva; a do expediente urbano, com forte influência na

região sul, devido à proximidade com o Uruguai, país onde esse método tinha

presença sólida; e a do CIAM, que trazia uma questão social no seu bojo, mas que

ao mesmo tempo era portador de uma doutrina espacial/formal muito contundente -

geraram inúmeros modelos, que ao longo do tempo foram fazendo parte do contexto

do urbanismo moderno brasileiro. Todas elas compõem um conjunto de teses que

não se anulam, mas que podem se relacionar e originar pensamentos e ideologias,

como explica Nygaard (2005, p.109):

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[...] não constituíram campos independentes e específicos, mas apresentaram significativas convergências, influenciando-se mutuamente ao longo do tempo e atestando a presença de uma base ideológica comum. As mesmas insistem em resultados de estudos sobre a realidade, adquirem veracidade, validade e qualidade apenas quando apresentam natureza científica; a pesquisa para o conhecimento efetivo da realidade requer o uso do método experimental, racional e objetivo; a realidade somente pode ser explicada e programada por técnicos especializados nos campos de conhecimento científico requeridos para a respectiva tarefa.

As décadas de 1950 e 1960 são momentos fundamentais do planejamento

urbano brasileiro. São introduzidas a pesquisa urbana e regional e a pesquisa social

como instrumentos dentro das ações do planejamento econômico e territorial. O

urbanismo moderno, representado pela Carta de Atenas, tem o seu ápice na

construção de Brasília e isso é repassado para o restante do país.

Em Pelotas, fragmentos deste pensamento são implantados em uma cidade

consolidada, com origem tradicional, mas que vem apresentando ao longo da

primeira metade do século XX, uma implementação progressiva – através de planos

e regramentos - dos ideais de modernidade desse século, como se verificou no

capítulo anterior. Compreende-se que o peso dessas teorias para os planos

diretores de Pelotas é, justamente, na formação do pensamento e no modelo de

cidade desejada. Este “contexto” de teorias urbanas dá fundamentos para destacar

os paradigmas que, de alguma forma, estão presentes nas composições dos planos

diretores da cidade. Mesmo sem uma influência direta, chega a Pelotas a cultura de

levantamento da realidade, de um conhecimento científico e detalhado, de uma

visão da realidade através da multidisciplinaridade, que está por trás dos

pensamentos de Lebret e do Expediente Urbano.

Por outro lado, a ideia de espaço urbano oriunda do CIAM foi fundamental. A

ideia do edifício isolado conformando um espaço mais fluido, assim como a

organização da cidade a partir de zonas funcionais, discutida nesses encontros. está

presente de uma maneira muito direta e evidente no Plano Diretor de Pelotas de

1968.

Outro fato significativo para o planejamento urbano brasileiro é a reforma

urbana que passa a ser centrada na habitação exercendo um alto significado

econômico, político e social. Visando esta demanda, surge, então, o Banco Nacional

de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo11 (Serfhau),

11

O BNH, criado anteriormente sem recursos para atingir seus fins, passou, a partir de 1967, a contar com os recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), investindo-os no sistema urbano nacional. O Serfhau, criado juntamente

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órgão que passa a centralizar e comandar a política urbana no país. (BASTOS;

ZEIN, 2010; NYGAARD, 2005).

O Serfhau tinha a concepção de planos locais como agentes de mudanças.

Para isso, era preciso que os planos apresentassem como características a

integração multidisciplinar dentro de uma perspectiva de racionalidade técnica e a

preocupação com amplos e setorializados diagnósticos, fundamentados em

informações quantitativas, com perspectiva temporal de médio e longo prazo.

Durante sua existência, o Serfhau promoveu, nos planos de

desenvolvimento local e no planejamento urbano o conceito de integração. Esta

integração constituía-se na relação de diferentes setores e compreensão global do

desenvolvimento urbano, tanto vertical (dentro das três esferas de governo), como

horizontal (setor econômico, político, financeiro e administrativo). (VIZIOLI, 1998).

De acordo com Rezende (1982, p.30), durante o período de existência deste

programa foi quando se teve a maior “qualidade de planos diretores urbano-

municipais e de propostas de planejamento urbano.” No entanto, Villaça (1999,

p.172) salienta que a integração não ocorreu. Mesmo pretendendo incrementar o

planejamento urbano integrado no Brasil, o Serfhau não conseguiu alcançar essa

meta, já que estimulou apenas os planos individuais de cada cidade. Vizioli (1998,

p.50) destaca, também, a falta de autonomia do programa e a “descontinuidade do

processo de planejamento, muitas vezes interrompido quando da mudança da

administração municipal.” Mesmo assim, era evidente o alinhamento com os

procedimentos e métodos urbanos indicados pelos urbanistas naquele momento.

(NYGAARD, 2005).

3.2. O Plano Diretor de Pelotas, 1968.

Em Pelotas, a “modernização” da arquitetura começa a aparecer nos anos

30, com uma série de edifícios que, ainda que marcados por forte acento tradicional,

representa já algo do “espírito da época” promulgado no século XX. Nos anos 50,

com o BNH, passou com os recursos deste, a atuar, a partir de 1967, como organismo voltado especificamente aos problemas

do desenvolvimento urbano e local no Brasil. No ano de 1975 o Serfhau é extinto e suas atividades passam a ser atribuídas ao BNH. (PELOTAS, 1978a; VIZIOLI, 1998).

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nota-se uma ampliação e amadurecimento dos gestos modernos utilizados nas

décadas anteriores, com uma tímida, mas clara influência da Escola Carioca. Nos

anos 60, a arquitetura moderna já se apresenta na cidade de maneira bastante

evidente.

Vários edifícios exemplares projetados sobre novos parâmetros técnicos,

funcionais e compositivos pontuavam o centro da cidade. É importante observar que

no centro da cidade, onde os lotes são pequenos, os edifícios modernos seguem

implantação tradicional, mas em zonas mais afastadas do miolo central, em terrenos

mais generosos, as residências possuem recuos frontais e laterais mesmo não

sendo ainda uma exigência legal. A ideia do espaço urbano “moderno” já está

presente quando é implantado o novo Plano Diretor.

Em 1963, é criado o Conselho do Plano Diretor, no governo de João Carlos

Gastal, a partir da promulgação da Lei 1.289, em 14 de dezembro do mesmo ano. A

empresa privada ORPLAN - Organização e Planejamento -, da cidade de Porto

Alegre, foi contratada para estabelecer as diretrizes urbanas que, posteriormente,

seriam desenvolvidas pelo Escritório Técnico do Plano Diretor, órgão da

municipalidade. A equipe de planejamento era composta pelos sócios da ORPLAN:

os arquitetos Lais de P. Salengue e. Luiz G. Miranda e o geógrafo Gervásio R.

Neves. Contava, ainda, com os arquitetos Ivânio Fontoura, Ernesto A. J. Pagganelli,

Udo da Silva Mohr e com a geógrafa Vânia A. Abrantes como colaboradores. O

consultor era o engenheiro Cloraldino Severo.

Em entrevista à autora, os sócios da empresa declararam já terem

experiências em planos anteriores ao Plano de Pelotas e, posteriormente,

desenvolveram planos para outras cidades. E afirmaram: “quem participou da

ORPLAN fez história no planejamento”, já que essa empresa foi responsável por

grande parte dos planos diretores desenvolvidos no Rio Grande do Sul

(aproximadamente 25% dos planos produzidos no Estado, nas cidades de Canoas,

São Leopoldo, Santa Maria, Bento Gonçalves, Montenegro, Santana do Livramento,

Passo Fundo e outras). Quando a empresa encerrou suas atividades, seus sócios

seguiram para os programas do Banco Nacional de Habitação - BNH (Lais

Salengue), Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - Sudesul (Luiz

Miranda) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Gervásio Neves).

(MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).

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Lais Salengue e Luis Miranda são formados pela Faculdade de Arquitetura

da UFRGS, em 1956 e 1961, respectivamente. A arquiteta fez estágio de Urbanismo

na França, mas atribui à sua estadia na Secretaria de Obras Públicas de Porto

Alegre, que utilizava a metodologia do Urban Survey, grande parte de sua

formação12. Já o arquiteto participou do Curso de Especialização em Urbanismo,

fundado em 1947, no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul.

O curso de urbanismo, fundamental na formação do pensamento urbanístico

gaúcho a partir de então, era aberto, mediante concurso de admissão, apenas para

arquitetos e engenheiros civis diplomados. Com duração de dois anos, o currículo

tinha como objetivo a complementação da formação do arquiteto com vistas às

práticas do urbanismo. (LICHT; CAFRUNI, 2002). Na Tabela 2 estão indicadas as

disciplinas oferecidas pelo curso (Anexo C), que inicialmente tem como professores

dois importantes urbanistas do cenário rio-grandense, Luiz Artur Ubatuba de Faria13

e Edvaldo Pereira Paiva14, este último formado na Faculdade de Montevidéu. Ambos

os funcionários da prefeitura de Porto Alegre, utilizaram os métodos de

planejamento do Expediente Urbano de Montevidéu. O curso contava com a

colaboração do arquiteto Demétrio Ribeiro 15 , formado no Uruguai e com outros

convidados externos.

12

Nesta época o plano diretor de 1959 de Porto Alegre foi realizado por uma equipe de urbanistas, encabeçados por Edvaldo Pereira Paiva

13 Contribui no Estudo da Urbanização de Porto Alegre 1936-1938. “Conforme o jornal Correio do Povo de 21 de abril de 1949,

os urbanistas Edvaldo Pereira Paiva e Luiz Arthur Ubatuba de Faria teriam se formado no Uruguai. Porém, segundo Almeida (ALMEIDA, Maria S.(2004) Transformações urbanas: atos, normas, decretos, leis na administração da cidade de Porto Alegre 1937/1961. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP. - Tese de Doutorado), a ida de Ubatuba de Faria para

Montevidéu não pode ser comprovada pela falta de registros de sua passagem pelo Instituto de Urbanismo ou pela Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, ainda que sua presença em Montevidéu se confirme em depoimento do arquiteto Demétrio Ribeiro, na ocasião estudante de arquitetura na mesma faculdade.” (MIRANDA, 2011, p.5 grifo nosso).

14 Contribuiu no Estudo da Urbanização de Porto Alegre 1936-1938; Anteprojeto de planificação de Porto Alegre 1951; Plano

Diretor 1954-1964; e Plano Diretor de Porto Alegre 1959-1961.

15 Arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, Uruguai, em 1943. Esta instituição recebe a influência da

École des Beaux Arts de Paris. Em 1944, Demétrio teve seu diploma revalidado no Rio de Janeiro, quando voltou à Porto Alegre e se estabeleceu. Lá ingressou como docente na Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Em 1964, com o golpe militar, foi afastado do exercício do magistério, voltando em 1980, com a anistia. Trabalhou com o Engenheiro e Urbanista Edvaldo

Pereira Paiva em planos diretores para cidades do interior do estado em 1946 (Plano Diretor de Uruguaiana) e também na discussão dos conceitos urbanísticos do Plano Diretor de Porto Alegre, que chamaram Ideias para Porto Alegre, em 1959. Após a vigência do plano, Demetrio foi, também, membro do Conselho do Plano Diretor. Ainda participou da elaboração de

planos diretores de outras cidades do estado e também como consultor. Nos anos de 1967 a 1969 foi presidente do Departamento do Rio Grande do Sul do Instituto de Arquitetos do Brasil. De 1977 a 1979 exerceu a Presidência Nacional do IAB. (MOHR, 2003). Em 1980 participa como consultor no Segundo Plano Diretor de Pelotas.

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Tabela 2: Disciplinas e professores do Curso de Urbanismo do IBA.

Ano Disciplina Professor

Teoria e Prática dos Planos da cidade I Edvaldo Pereira Paiva

Evolução Urbana I Edvaldo Pereira Paiva

Higiene da Habitação, Saneamento das cidades Luiz Arthur Ubatuba de Farias

Urbanologia, etc. Luiz Arthur Ubatuba de Farias

Teoria e Prática dos Planos da cidade II Edvaldo Pereira Paiva

Evolução Urbana II Edvaldo Pereira Paiva

Arquitetura paisagística Luiz Arthur Ubatuba de Farias

Organização social das cidades Luiz Arthur Ubatuba de Farias

Administração Municipal Max Waldemar Lübke

(Fonte: Livro de Atas nº2 do CTA f. 65v. 28.03.1947).

A influência do método uruguaio no curso de urbanismo de Porto Alegre fica

evidente com a presença da maioria dos professores com formação da Faculdade

de Montevidéu, além da prática de seminários com professores visitantes, como a

visita do professor Maurício Cravotto, envolvendo a cultura platina na formação dos

urbanistas do curso do Instituto de Belas Artes.

No Plano Diretor de Pelotas, foi utilizada uma metodologia que buscava

resultados expedidos e objetivos, através de visitas à cidade, de carta planimétrica e

de fotografias aéreas. Embora os autores do plano afirmem o abandono do processo

do Expediente Urbano, fica evidente o seu uso uma vez que realizam um

levantamento bastante detalhado da cidade e seu desenvolvimento nos diversos

campos. Os autores que tiveram em sua formação esta teoria relatam que o

conhecimento deste “método deu base técnica e científica que permitiu abandonar

algumas ideias”, e continuam: “nos inspirou a estabelecer uma metodologia mais

dinâmica, com conceitos dos geógrafos, de interação da cidade com os municípios

próximos ou com uma determinada região de entorno”. O que se pode notar com

esta afirmação e ao longo do estudo do plano, é que este referido “abandono” é

mais no sentido de uma sintetização do estudo, já que tinham um curto espaço de

tempo para organizar o trabalho. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).

Dotados de uma visão multidisciplinar (com profissionais do campo da

geografia, administração municipal e arquitetura), a equipe valeu-se de uma

metodologia de planejamento urbano baseada no estudo da região, equipados com

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os conceitos da geografia. Foram utilizados como temas fundamentais as ideias de

sítio e de relevo, que deveria ser conciliada com a ocupação da cidade, a questão

da umidade e o reflexo de Pelotas na região.

Após oito meses de trabalho, foram entregues ao Poder Público da cidade

critérios básicos e padrões orientadores para os planos setoriais que deveriam ser

realizados pelos órgãos técnicos da Prefeitura como complementação do plano

geral.

A publicação do Plano Diretor de Pelotas é apresentada através de textos,

mapas e gráficos e foi dividida em três partes. A primeira parte, “a cidade e a

região”, constitui um estudo amplo do espaço urbano que verificou as tendências do

crescimento urbano como consequência do comportamento regional e a influência

da cidade na região. Os temas desenvolvidos nesta etapa dizem respeito ao

município, à região polarizada, à população, aos aspectos econômicos, e à

infraestrutura. A segunda parte denominou-se “a cidade”, e a terceira parte constitui

a Lei do Plano, lei nº 1.672 de 30 de maio de 1968.

Os títulos a seguir fazem referência à segunda parte do plano, “a cidade”,

que está dividida em: processo de ocupação do solo, uso do solo, intensidade de

ocupação, sistema viário, paisagismo e equipamento social. Para cada um destes

são apresentados os principais diagnósticos apontados pelo levantamento da equipe

da ORPLAN, assim como suas principais recomendações.

3.2.1. O processo de ocupação do solo

a) Principais avaliações e diagnósticos do levantamento:

Em 1900, a cidade já contava com uma população de 26.312 habitantes. A

partir do início do século XX, há um decréscimo da taxa de crescimento no período

de 1910-12, isto pelo declínio da indústria do charque na cidade. No entanto, de

1920 a 1940, a população passa dos 43.000 a 62.000, já de 1940 a 1950, a taxa se

mantém estável. No período de 1950 a 1960, com o êxodo rural, a cidade atinge

uma taxa de 4,7% ao ano, atingindo 121.280 habitantes.

Esta população se distribui de forma desordenada na cidade, sendo uma

das causas desse fenômeno a procura de loteamentos na área periférica (Figura

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26). Nesse contexto, as concentrações de população ficam condicionadas às áreas

de menor custo. De qualquer forma, não existem normas atualizadas sobre

loteamentos e construções, já que o Código de Construções data de 1930 e o plano

de revisão do escritório Saturnino de Brito, de 1947, somente estava servindo como

diretriz para projetos de expansão de rede de água e esgoto. Os loteamentos

necessitavam de uma legislação própria que correspondesse às diretrizes do Plano.

a)

b)

Figura 26: situação em 1966. a) área urbana. b) loteamentos. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

O estudo dos planos anteriores a 1968 para Pelotas podem deixar mais

claro as propostas e ideias de crescimento da cidade. O Plano de Ampliação de

1924 propunha um grandioso projeto de extensão urbana, assim como o

Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947. Utilizando o contorno da evolução

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encontrada pela equipe da ORPLAN em 1966 e sobrepondo a estes projetos (Figura

27), tendo como referência nesta sobreposição o Arroio Santa Bárbara, pode-se

observar que o projeto de 1947 condiz mais com o que se concretizou, talvez

também por ser mais novo - a cidade já possuía esse formato - do que o Plano de

1924, que tinha uma proposta maior de expansão.

a)

b)

Figura 27: sobreposição de mapas. a) evolução urbana de 1966 sobre o Plano de Ampliação de 1924. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5). b) evolução urbana de 1966

sobre o Mapa de Saneamento de Pelotas de 1947. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).

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b) Principais recomendações:

As edificações deveriam ser regidas por normas, respeitadas as diretrizes do

Plano. Nas que estão em locais de uso incompatível, quanto à classificação de uso,

serão permitidas apenas manutenções do prédio, sendo vedada qualquer ampliação

da área construída, exceto para hospitais e indústrias.

Há também as determinações relativas aos loteamentos:

Não será permitida a construção em lotes com área inferior a 215m² e testada inferior a 8,50m, salvo em terrenos escriturados ou averbados no registro de imóveis em data anterior a vigência da apresentada lei e respeitada a cota ideal mínima (CI) na zona considerada quando para fins residenciais. (PELOTAS, 1968, p.151)

3.2.2. Uso do solo

É entendido pelo Plano como uso do solo a distribuição das atividades no

espaço e, nesse sentido, foram avaliadas as tendências naturais (o que vinha

acontecendo) quanto à distribuição das atividades na cidade. “A distribuição deve,

contudo, ser considerada, basicamente, segundo seu aspecto evolutivo, onde as

tendências de implantação natural servem de critério avaliativo para julgamento de

adequação à estrutura urbana.” (PELOTAS, 1968, p.84).

a) Principais diagnósticos do levantamento:

A densidade encontrada em 1966 era de 50 hab/ha, o que ao nível global é

considerada baixa, mas ideal para os padrões brasileiros de cidades médias e

grandes. Mantidas as condições vigentes, a tendência para 1980 é de 79 hab/ha –

todas as propostas previstas por este Plano são sempre até o ano de 1980 (ano

base), casualmente, ano em que o II Plano Diretor entraria em vigor.

Na área central é constatada uma densidade maior e crescimento vertical

acentuado, o mesmo acontece com a área do bairro Fragata, ao longo da Avenida

Duque de Caxias. Também são constatadas inadequações na estrutura urbana, que

não responde ao conflito existente na área entre o tráfego de veículos e de

pedestres. Neste ponto, já percebe-se a intenção de um indício de calçadão. Além

desses pontos, nessas áreas há um “elevado número de edifícios antigos,

demonstrando que o processo de renovação é lento.” (PELOTAS, 1968, p. 92).

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O ponto de partida para o estudo do uso do solo foi uma avaliação das

tendências que se verificam quanto à distribuição das atividades na área. Dentro do

processo natural produção-consumo, pode-se estabelecer espaços segundo

exigências funcionais, considerando as atividades:

Produção de bens primários, que demandam espaços de uso predominantemente rural;

Transformação de bens ou espaço de uso industrial;

Distribuição de bens ou espaço de uso comercial;

Consumo de bens ou espaço de uso residencial e equipamentos complementares. (PELOTAS, 1968, p. 84).

Todos os itens caracterizam um uso de predominância urbana, com exceção

do primeiro, que trata da produção rural.

No levantamento, o Plano Diretor, apresenta um mapa (Figura 28) do uso do

solo encontrado em 1966, apontando três tipos de indústrias, segundo critérios de

nocividade: as inofensivas, as incômodas e as nocivas. Também é marcada a zona

com predominância de uso comercial. Embora haja uma predominância de

indústrias na área central, devido a suas características, não apresentam grandes

prejuízos às outras atividades desta área. Já ao longo da linha férrea e do Arroio

Santa Bárbara, há um acúmulo de indústrias nocivas, parte do processo histórico da

cidade. No Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947, esta área já era

apontada como zona industrial. Mas, segundo o diagnóstico, esta localização

prejudica a área central em vários fatores: odores, poeira, fumaça, fluxo de

caminhões e veículos em direção à área central.

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Figura 28: situação do uso do solo em 1966. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

b) Principais recomendações e definições:

Quanto à intensidade de ocupação do solo, o plano julga necessário:

Conservar no centro tradicional, sua atual tendência de intensidade de ocupação afim de não tornar anacrônicas, pela mudança brusca de critérios, as edificações recentes

16 e não permitir alterações dos índices

estabelecidos pelo plano, mesmo em suas reavaliações periódicas. (PELOTAS, 1968, p. 94)

A cidade, então, é dividida por zonas, com o intuito de facilitar a distribuição

dos equipamentos para cada lugar (Figura 29). Em Pelotas, a implantação do

zoneamento foi de forma bastante rígida (a equipe do plano, em entrevista afirma o

contrário, que o zoneamento foi maleável), estabelecendo-se em toda a área urbana

usos do tipo conforme, permissível e incompatível. Nas áreas de caráter comercial e

industrial há uma tendência de se indicar algum uso residencial, principalmente nas

zonas de bairros populares, onde há uma procura de proximidade entre residência e

trabalho.

16

Pelotas nesse momento já tem construídos uma série de edifícios “modernos” em altura no centro da cidade.

indústrias inofensivas incômodas nocivas uso comercial

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Figura 29: zoneamento proposto Plano Diretor de 1968. Adaptado pela autora. (Fonte: Base Google Earth).

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Por uso conforme entende-se o uso que deverá predominar na zona, dando-

lhe a característica; por uso permissível entende-se o uso capaz de desenvolver na

zona sem comprometer as suas características; e uso incompatível, o uso em

desacordo com a característica da zona, sendo proibida sua localização na área.

Para cada zona é fixada a intensidade de ocupação (Tabela 3), considerando Índice

de Aproveitamento (IA) – quociente entre a área construída máxima e a área do lote

–, Taxa de Ocupação (TO) – percentagem da área do lote, ocupada pela projeção

horizontal máxima da edificação:

Tabela 3: Uso do solo. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1968.

Zona Uso conforme Uso permissível

IA TO

IA TO

ZCC 7 70%

5 50%

ZCS 5 70%

4 50%

ZR1 4 50%

2,8 40%

ZR1 (em lote de 2.500m² ou mais)*

4,5 35%

- -

ZR2 2 50%

1,4 70%

ZR2 (em lote de 2.500m² ou mais)*

1,4 70%

- -

ZR3 1 50%

0,7 70%

ZR3 (em lote de 2.500m² ou mais)*

1,2 30%

- -

ZR4 1 60%

0,7 70%

ZR4 (em lote de 1.000m² ou mais)*

2 50%

- -

ZI1 e ZI2 3 90%

0,7 70%

ZCA 3 90%

0,7 70%

ZE Será regulamentada após a realização do plano geral urbanístico da área,

pelo Escritório Técnico do Plano Diretor.

*para fins residenciais

(Fonte: PELOTAS, 1968).

Através desses dados, percebe-se que as taxas de IA para uso conforme

são altas nas zonas comerciais, coincidentes com a parte mais antiga da cidade,

assim como a TO, caracterizando um aspecto de grande densidade e altura.

Característica essa que é dissolvida nas outras zonas, essencialmente nas zonas

residenciais mais periféricas, com taxas de IA baixas em relação a TO. Essas

características se repetem no uso permissível, mas com níveis mais baixos.

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Nas áreas comerciais, o plano propõe manter o atual uso e ampliar o espaço

comercial do centro tradicional, dando estruturação física adequada a essa

atividade. Propõe também a criação de zonas comerciais no Fragata e Três Vendas,

além da criação de zona de comércio atacadista junto ao Porto. O pavimento térreo

das edificações não poderá ser construído para fins residenciais, com exceção feita

nas edificações sobre pilotis para residência do zelador do prédio. Esta

regulamentação afirma o desejo de manter o espaço mais fluído, apenas

interrompido quando há a necessidade de comércio, fundamental para a área.

As zonas residenciais seguiam dois padrões, as habitações populares

respondiam a uma tendência natural, localizando-se próximas às áreas comerciais,

atendendo à relação trabalho-moradia, como já era previsto no Plano de Ampliação

de 1924. As áreas de habitação de classe média ou alta ficariam localizadas em

uma área especial de expansão urbana com maiores lotes e uso predominante

residencial.

Já as zonas de uso industrial fixadas com uso predominantemente para este

fim, que nos primeiros regramentos eram localizadas às margens do Canal São

Gonçalo, na área portuária, e Arroio Santa Bárbara, ao longo da linha férrea, agora

seriam localizadas nos arredores da cidade, com a finalidade de não prejudicar a

população com emissão de gases, transporte de carga e poluição sonora.

Os regramentos de 1924 e 1947, Planos de Ampliação e Saneamento de

Pelotas – novos estudos, respectivamente, fazem referência ao uso do solo, com

distribuição de atividades. No plano de 1924 (Figura 30a), o zoneamento é mais

direto, com zonas industriais, comerciais e residenciais bem definidas. Em laranja

está a área comercial e, em rosa, a industrial. As habitações seriam divididas em

habitação para operários em verde, próxima à área comercial e industrial, garantindo

a proximidade trabalho-moradia. A habitação burguesa, em amarelo, e a cidade-

jardim para a habitação de elite, em azul. Em roxo, tem-se a área do hipódromo, que

aparece novamente na Figura 30b. O regramento de 1947 aponta áreas industriais

perto do porto da cidade (áreas em rosa do mapa para a indústria e em azul para a

indústria de carnes) e alguns novos loteamentos populares (áreas em amarelo).

Destaca-se que as áreas industriais nos dois planos concentram-se perto do Canal

São Gonçalo, região portuária da cidade.

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a) b)

Figura 30: zoneamentos. a) Plano de Ampliação, 1924. Em laranja o comércio, em rosa a indústria, em amarelo a habitação burguesa, em azul a habitação de elite, em verde a habitação operária e em roxo o hipódromo. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5). b) Saneamento de Pelotas – novos estudos, 1947. Em rosa a indústria, em azul a indústria de

carnes, loteamentos populares em amarelo, parques em verde e o hipódromo em roxo. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).

3.2.3. Intensidade de ocupação

Segundo o Plano, intensidade de ocupação do ponto de vista físico, é o

resultado do volume das edificações e seu espaçamento, que define o padrão de

densidade de uma área.

a) Principais diagnósticos do levantamento:

No levantamento foi apresentado um mapa de densidade demográfica

(Figura 31) que aponta uma maior densidade da área central que vai se dissolvendo

para a periferia.

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Figura 31: densidade demográfica – 1966. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

Na área central, com densidade superior a 200h/ha, é onde se encontra a

maioria dos prédios com mais de 10 pavimentos da cidade. Mesmo assim, ainda é

bastante elevado o número de construções antigas, demonstrando que o processo

de renovação urbana é lento. Nas áreas periféricas, esta intensidade é de forma

desigual e as densidades são baixas. Mesmo assim, existem pequenas áreas de

periferia em que as densidades variam de 5hab/ha até 40hab/ha, como o Bairro

Dunas e a Vila Castilhos.

Além disso, a tendência natural na intensidade de ocupação encontrada em

Pelotas e indicada nos estudos do Plano seguiam dois padrões:

- Com tendência ao crescimento vertical: área central e o centro comercial

do bairro Fragata;

- Com tendência ao crescimento horizontal: área norte, leste e adjacências

do bairro Fragata. Essas áreas apresentam grandes vazios urbanos,

servindo para a construção de loteamentos de baixa ocupação.

De 0 a 18 hab/ha De 15 a 30 hab/ha De 40 a 60 hab/ha

De 100 a 120 hab/ha De 140 a 180 hab/ha

De 60 a 90 hab/ha

De 190 a 210 hab/ha Mais de 600 hab/ha

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b) Principais recomendações e definições:

Portanto, quanto à intensidade de ocupação, a equipe julga necessário

estabelecer índices restritivos, taxa de ocupação e índices de aproveitamento e

exigir para os lotes residenciais a cota ideal de terreno.

Quanto à densificação, há a indicação de conservar no centro tradicional sua

alta densidade e não permitir alterações dos índices estabelecidos pelo plano,

mesmo em suas reavaliações periódicas. Nos centros de bairros, a densidade deve

ser aumentada, juntamente com as áreas residenciais periféricas à área central,

permitindo a construção em altura e exigindo maior área livre do lote, configurando

um espaço urbano mais homogêneo e fluido em toda a cidade.

3.2.4. Sistema viário

A equipe visava estudar o sistema viário não só do ponto de vista funcional,

mas também como fator de desenvolvimento. O estudo teve como consultor o

Engenheiro Cloraldino Severo e indica alguns fatores como determinantes para a

definição do sistema viário e ajuste de sua hierarquia na cidade:

- determinação das vias de acesso ao meio urbano;

- necessidade de ligações entre os espaços internos da área urbana;

- viabilidade de execução;

- interesse no desenvolvimento de determinadas áreas.

a) Principais diagnósticos do levantamento:

Inicialmente, verificou-se que a cidade como organismo urbano reflete o

crescimento econômico da região. A cidade cresce em forma de “V” em direção a

Porto Alegre (direção do Bairro Três Vendas) e Canguçú-Campanha (Bairro

Fragata), tendo como vértice o centro tradicional e área do porto (Figura 32).

O Bairro Três Vendas tende a receber o comércio redistribuidor de produtos

e os serviços, em virtude do desenvolvimento econômico encontrado no local e o

Bairro Fragata, o comércio ligado às áreas coloniais, a indústria de transformação e

de equipamentos agrários.

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Figura 32: vias de acesso – Situação em 1966. Em rosa estão as estradas radiais e em verde as estradas projetadas. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

b) Principais recomendações e definições:

O Plano propõe uma hierarquia do sistema viário através da criação das vias

perimetrais e radiais, seguindo o exemplo das perimetrais de Porto Alegre e de

outras cidades brasileiras17 (Figura 33).

Como complementação do Plano Diretor, a equipe sugere que seja

elaborado um Plano de Racionalização do Trânsito, que crie um anel viário

abrangendo a Zona Central, com intenção de reduzir o número de veículos nesta

área. Na área interna do anel, a mão única seria adotada e na periferia externa do

anel viário seria incentivada a construção de garagens. Dentro da proposta do

Plano, as perimetrais e radiais teriam gabaritos de 30 e 40 metros, sendo os

alargamentos feitos de forma progressiva, atendendo às prioridades. Não fica

apontada a localização exata das ruas que formariam o anel viário.

17

Criação de uma avenida perimetral que circulasse pelos limites do centro da cidade. Em 1914, Moreira Maciel, no Plano de

Melhoramentos propõe uma conexão contínua entre várias ruas que delimitavam o centro, além de uma avenida junto ao Porto. (LEME, 1999). O uso das radiais e das perimetrais também estão presentes nos plano de Prestes Maia para São Paulo e no de Alfred Agache no Rio de Janeiro, ambos em 1930.

Porto Alegre

Canguçú-Campanha

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O sistema viário compreenderia rodovias federais, estaduais e municipais,

com faixa de domínio de no mínimo 60m de largura; avenidas, em duas pistas, com

características de trânsito rápido e largura mínima de 30m; ruas principais, coletoras

de trânsito para avenidas, com largura mínima de 20m; ruas locais, de trânsito lento,

com largura mínima de 16m; e ruas, praças e passagens de uso exclusivo de

pedestres. Ao longo das rodovias e ferrovias, seriam previstas vias de trânsito local

com largura mínima de 20m.

Figura 33: exemplos de perimetrais. a) Plano Geral de Melhoramentos para Porto Alegre. Moreira Macial, 1914. (Fonte: ABREU FILHO, 2006, p.49).b) Plano de Avenidas de São Paulo. Prestes Maia, 1930. c) Contribuição. Esquema Teórico de Porto Alegre. Ubatuba de Faria e

Edvaldo Paiva, 1936-98. d) Plano de Avenidas do Rio de Janeiro. Alfred Agache, 1930. (Fonte: ABREU FILHO, 2006, p.109).

3.2.5. Paisagismo

O estudo de paisagismo tem por objetivo ordenar de maneira clara e legível

a estrutura formal da cidade, através de análise da realidade formal de Pelotas.

Desta forma, procura definir os valores a preservar, enfatizar ou substituir. O

Arquiteto Ernesto Paganelli foi o responsável por esse segmento e autor dos

desenhos encontrados no Plano.

a) Principais diagnósticos do levantamento:

Os primeiros loteamentos da cidade são formados por quarteirões

densamente edificados e um traçado urbano xadrez. Para o usuário, esta forma

a)

b)

c)

d)

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imposta pelas ruas-corredores, apresenta-se de maneira bidimensional, já que os

planos verticais das edificações bloqueiam lateralmente a visão. A ocupação total da

testada do lote, bem como a ausência do jardim frontal são fatores marcantes na

paisagem urbana e, conforme é afirmado no Plano, é de “um conjunto monótono,

constatando-se como único valor da paisagem a profundidade visual.” (PELOTAS,

1968, p.103).

A equipe constata que a circulação de pedestres na zona central é intensa e

os passeios estão mal dimensionados em relação ao fluxo, devido, em grande parte,

à circulação de veículos que prejudica a paisagem e bloqueia os espaços já

reduzidos de domínio do pedestre. Há uma carência de hierarquia visual no sistema

de vias e de fluidez de ligações entre os principais espaços da vida urbana.

A cidade conta com uma série de ambientes e monumentos com grande

importância para o enriquecimento da forma da cidade e da constituição de espaços

de lazer (Figura 34), que estão prejudicados pela localização, falta de adequação ou

descaso.

Figura 34: avaliação do aspecto físico visual. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

Predominância de leitura bidimensional

Corpo de espaço

Pré-existências na paisagem urbana

Massa plástica de interesse

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b) Principais recomendações e definições:

É sugerido que, para a área central, onde há uma carência de hierarquia

visual no sistema de vias e de fluidez entre os espaços, devam ser elaborados

estudos de arborização com estruturas vegetais dispostas de maneira descontínua e

informal. Quanto aos monumentos, o Plano propõe a construção de um Centro

Administrativo (Figura 35) que deveria ser construído no mesmo local do Mercado

Público Municipal. No texto há o seguinte posicionamento:

No estudo da praça assume importância a redistribuição dos monumentos existentes em espaços adequados. A terceira zona, ocupada hoje pelo Mercado, foco de deterioração da área, deverá ser liberada e o mesmo removido como medida de saneamento desde que acompanhada da devida atenção aos seus reflexos sociais.

A longo prazo o local deverá ser ocupado pelas instalações da Administração Municipal. A organização da estrutura formal do conjunto dará condições ao desenvolvimento dos usos propostos. Deverá caracterizá-lo plasticamente e traduzir sua unidade. (PELOTAS, 1968, p. 109).

a)

b) Figura 35: proposta de requalificação da Praça Coronel Pedro Osório. Desenhos do Arq.

Ernesto Paganelli. a) perspectiva da praça com proposta de edifício de centro administrativo ao fundo à direita – no lugar do Mercado Público. b) localização da área. (Fonte: PELOTAS,

1968, p.s/n).

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É possível observar nas figuras uma nova proposta de desenho para a

Praça Coronel Pedro Osório, mais fluida e aberta. Características bem diferentes do

existente, que segue um traçado em formato de estrela, comum a outras praças da

cidade. Também é significativa a mudança da paisagem geral, do entorno da praça,

com edifícios altos e base ocupando todo o terreno. Esses atributos vão se refletir na

Lei do Plano, com a aplicação de recuos, com a implantação das taxas de ocupação

e índice de aproveitamento e em outros instrumentos que alteram a imagem da

cidade.

Conforme o texto do Plano, o Mercado Público, na área central da cidade,

contribui para a centralidade da vida urbana. Nas cidades brasileiras há uma

tendência ao seu desaparecimento, devido ao desvirtuamento do comércio exercido

nele. Em Pelotas, há distorção em suas funções e uma deterioração física e social

desse espaço e seu entorno, onde se localizam os terminais de ônibus, agravando a

decadência do comércio original. Em entrevista, a equipe do Plano assegura que

esta atitude foi tomada devido ao abandono do local, e que a proposta de Centro

Administrativo era para a renovação do centro da cidade. Os entrevistados também

declararam que se o Plano fosse desenvolvido nos dias de hoje, talvez, essa

decisão não fosse tomada. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).

As propostas do sistema viário principal, incluindo o anel viário, assim como,

o projeto do Centro Administrativo, são medidas previstas para serem executadas

em curto prazo. Considerando para um novo plano o ano base 1980, essas

questões deveriam ser concluídas em três anos.

3.2.6. Equipamento Social

Segundo o estudo do Plano, os equipamentos sociais são unidades de

prestação de serviço público e/ou privado, localizados adequadamente para melhor

atingir as necessidades da população. Estes equipamentos são as escolas, as

praças, os mercados, os órgãos públicos e etc.

a) Principais diagnósticos do levantamento:

A área central é a única que conta com todo tipo de equipamento,

aumentando o congestionamento no centro tradicional, como se pode ver na Figura

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36, as áreas periféricas mais grifadas são as que possuem menor número de

equipamentos sociais.

Figura 36: ausência de equipamentos sociais, áreas problemas. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

b) Principais recomendações e definições:

As diretrizes do Plano dividem os equipamentos sociais em três níveis: o

centro local, o centro de bairro e o centro principal, que podem receber os seguintes

equipamentos, como são apresentados na Tabela 4:

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Tabela 4: equipamentos sociais.

Nível Proximidade Frequência de utilização

Diária Periódica Ocasional

Centro local

Imediata

Escola primária, jardim de infância, comércio de abastecimento cotidiano, parque de recreação, parque infantil.

Praças, feiras livres, farmácias.

Centro de bairro

Mediana Escolas secundárias.

Cinemas, mercados públicos, supermercados, centros de saúde, centros de puericultura.

Praças esportivas, ambulatórios, consultórios, pronto socorro, correios.

Centro da cidade

Mediata Escolas superiores. Comércio especializado

Parques, biblioteca pública, museu, hospitais e casas de saúde, zoológico, jardim botânico, centro administrativo.

(Fonte: PELOTAS, 1968, p. 114).

Segundo a equipe, os equipamentos sociais de centro local quase não

aparecem na vida comunitária do nosso país, mas são de vital importância na

relação de um grupo social e, através deles, é possível desenvolver um processo de

interação social em termos de unidade de vizinhança:

No presente trabalho não são desenvolvidas unidades de vizinhança em seu sentido integral, mas unidades de área, delimitadas pelo próprio sistema de vias do Plano, e que deverão merecer, subsequentemente, estudos detalhados para a localização dos equipamentos relativos a centro local. As unidades de área, em função de suas dimensões, deverão comportar um ou mais polos desse nível. (PELOTAS, 1968, p. 115).

Diferente da unidade de vizinhança, que proporciona a uma área residencial

certa autonomia com relação às necessidades diárias de consumo de bens e de

serviços urbanos, definindo tamanho e limites para a população, espaços públicos,

áreas institucionais, comércio local e de sistema interno de ruas, os níveis de polos,

caracterizados pelo uso predominantemente comercial, nos centros de bairros,

poderiam, posteriormente, ser mais desenvolvidos com a implantação de

equipamentos sociais de interesse da área a que o polo sirva.

A área do entorno da represa Santa Bárbara, com aproximadamente 650/ha,

oferece condições para acolher o Parque da Cidade, com a promoção dos seguintes

equipamentos de atividades: parques infantis, recreação, esportes, jardim zoológico,

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jardim botânico, camping, pesqueiro, esportes lacustres, horto florestal e clubes

esportivos particulares.

3.2.7. Dinâmica do Plano

Em linhas gerais, as medidas preconizadas pelo plano, dizem respeito a:

- identificação das tendências da expansão urbana e estabelecimento de normas para seu controle;

- definição da área de expansão urbana para os próximos 13 anos e estabelecimento de normas para a sua ocupação;

- elevação da densidade demográfica geral na área urbana através da contenção das expansões em áreas;

- fixação de densidades demográficas específicas segundo áreas de características peculiares;

- fixação de zoneamento segundo usos predominantes;

- estruturação da cidade em polos internos (centros secundários) visando o descongestionamento do centro tradicional;

- definição de um sistema viário principal, abrangendo rodovias de acesso e passagem, perimetrais e radiais de importância local;

- determinação de critérios de distribuição dos equipamentos sociais;

- identificação dos valores paisagísticos a enfatizar ou renovar;

- definição de unidades de área para o subsequente detalhamento do Plano. (PELOTAS, 1968, p. 133).

Seu programa de ação considerava o ano de 1980 como ano base e

estabelecia como medidas de curto prazo aquelas que deveriam ser concluídas em

até três anos, em médio prazo nos seguintes quatro anos e em longo prazo nos

cinco anos restantes. Além disso, as medidas de médio e longo prazo deveriam ser

sujeitas à revisão.

Esta segunda parte do Plano – “a cidade” – posteriormente à apresentação

de vários mapas de levantamento, é finalizada com três mapas que sintetizam as

proposições da equipe. São mapas de zoneamento, de sistema viário, de

equipamento urbano (Figura 37) e de estética urbana (Figura 38).

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a)

b)

Figura 37: a) proposição: zoneamento, sistema viário. b) proposição: equipamento social (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).

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Figura 38: proposição: estética urbana. Reparar na proposta espacial para a Av. Duque de Caxias, Rua Marechal Floriano Peixoto e Praça Coronel Pedro Osório. (Fonte: PELOTAS, 1968,

p.s/n).

3.3. Considerações

É evidente o reflexo do pensamento urbanístico no Brasil, destacado na

primeira parte deste capítulo, sobre o Plano Diretor de Pelotas. Nota-se que, na

época, prevalecia o conhecimento científico e a entrada da pesquisa urbana no país

deu início a um planejamento detalhado, com levantamento da realidade da região

por um grupo de profissionais de diferentes áreas. O plano de 1968 apresentava

uma ideia de planejamento geral do território, através da definição de um rigoroso

zoneamento funcional, de uma organização viária hierarquizada e de um conjunto de

índices urbanísticos que procuravam como normas “postulativas”, essencialmente,

resolver os problemas que havia se tentado combater mais pontualmente nas

ordenanças anteriores. Além disso, este plano apresenta uma proposta muito clara

de paisagem urbana a ser seguida, com base nos princípios do CIAM.

O Plano Diretor de 1968 serviu como principal regramento da cidade por

doze anos. Recebeu dois prêmios em 1970 no 3º Salão de Arquitetura do IAB/RS,

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medalha de bronze em planejamento urbano e medalha de prata na categoria

prêmio especial. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011). Um estudo de revisão só

seria realizado em 1977 quando uma nova equipe é contratada para desenvolver o II

Plano Diretor da cidade.

As análises das partes do Plano Diretor de Pelotas apresentaram uma série

de atributos que podem ser comparados a outros regramentos urbanísticos. Pela

época em que foi desenvolvido, pode-se fazer análises comparativas do Plano

Diretor de Pelotas de 1968 com o Plano Diretor de Porto Alegre 1959/1961.

Sendo uma forte referência ao Plano Diretor de Pelotas, o Plano Diretor de

Porto Alegre 1959/1961 apresentava a metodologia do Urban Surveys das décadas

de 30 e 40, que foram incorporadas ao expediente urbano por Edvaldo Pereira

Paiva, em 1942. Em Pelotas, a equipe conta que não se utilizou deste recurso, e sim

de uma metodologia mais rápida e menos detalhada, proveniente dos conceitos da

geografia. Mesmo com este relato da equipe, o estudo apresentado é bastante

completo e extenso, apresentando muitos diagnósticos, históricos, características

sociais e físicas da cidade que coincidem com questões muito singulares do

expediente urbano.

Ideologicamente, o Plano 1959/1961 é subordinado às ideias da cidade

moderna abordada pelos CIAMs e consolidada na Carta de Atenas: zoneamento

rigoroso das funções urbanas, morfologia baseada no edifício isolado, controle de

ocupação e do aproveitamento dos lotes, visão funcionalista e sistêmica. Agrega,

ainda, noções da cidade-jardim, de Unidade de Vizinhança e dos planos anteriores

para Porto Alegre, com o reforço da estrutura rádio-concêntrica através da definição

morfológica de corredores com taxa de ocupação e de aproveitamento, uso e altura

incentivados nas radiais principais. (ABREU FILHO, 2006).

Essas mesmas características de cidade organizada através de um rigoroso

zoneamento, tendência a edifício isolado no lote, visão funcionalista e proposta de

um sistema viário com hierarquia através da criação das vias perimetrais (anel viário)

e radiais são encontradas no Plano de 1968. O Plano, ainda conta com uma questão

especial, propondo um processo de interação social em termos de unidade de

vizinhança, mas não da forma em que é proposta em Porto Alegre. Foram

desenvolvidas unidades de área - polos - delimitadas pelos sistemas de vias do

plano que, posteriormente, seriam estudados mais profundamente. Esta proposição

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não vingou após a aplicação do Plano e esta questão acabou voltando à tona no

regramento futuro.

O próximo capítulo é destinado a este novo regramento, o II Plano Diretor de

Pelotas de 1980, sendo apresentado o contexto em que foi planejado e a descrição

das suas partes.

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4. II PLANO DIRETOR DE PELOTAS, 1980.

Pelotas permaneceu durante 12 anos sob o regime do Plano Diretor de

1968. Acaso ou não, foi o período estipulado pelo plano como base para que se

validassem as suas proposições.

No ano de 1977, após a eleição do prefeito Irajá Andara Rodrigues, é

formada uma equipe para desenvolver o novo regramento. Uma característica que

vai distinguir este plano do anterior é a conformação desta equipe. Diferentemente

da anterior, a municipalidade do momento elege profissionais, na sua maioria,

residentes em Pelotas, que em um primeiro momento revisam e reavaliam os

instrumentos e propostas contidas no Plano Diretor de 1968. Esta ação foi

denominada “marco teórico”, que avaliava o desenvolvimento da cidade, a direção

de planejamento indicado pelo plano anterior e apontava uma série de intenções. Só

depois de finalizado este estudo – que durou um ano - é que são desenvolvidos os

conceitos para o novo regramento e o seu desenvolvimento.

Portanto, este quarto capítulo da dissertação descreve esta nova lei, o II

Plano Diretor de Pelotas, colocado em prática no ano de 1980. Antes de apresentar

suas diretrizes e objetivos, é apresentado um resumo do contexto em que este

Plano foi idealizado e desenvolvido, como a falência do BNH e do Serfhau, as

críticas ao urbanismo do CIAM e a importância do sistema de circulação no

planejamento das cidades modernas com a Empresa Brasileira de Planejamento de

Transporte – GEIPOT. Posteriormente, são apresentadas as partes do II Plano

Diretor de Pelotas de 1980 – parcelamento do solo, do zoneamento urbano, sistema

viário, habitação e equipamento social – com seus levantamentos, diagnósticos e

principais recomendações da lei do plano.

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102

4.1. As questões urbanas dos anos 70

O BNH tinha a finalidade de promover a construção e aquisição da casa

própria para a população mais pobre. Em 1971, a expansão de suas atividades

urbanas ganha impulso, criam-se os Fundos de Desenvolvimento Urbano e é

lançado o projeto CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada).

Segundo Vizioli (1998, p.26), este projeto “propunha racionalizar o uso do solo

urbano, melhorar as condições dos serviços de infraestrutura das cidades e corrigir

as distorções causadas pela especulação imobiliária.”.

Umas das iniciativas que contribuíram para a formação do espaço urbano da

cidade de Pelotas foram os conjuntos residenciais promovidos pelas cooperativas

habitacionais, que apresentavam características sindicais, com a finalidade de

capturar recursos do BNH e promover a construção de habitações. Constituída em

1967, a Cooperativa Habitacional dos Operários da Cidade de Pelotas

(COHABPEL), promoveu a construção de um grande conjunto de habitações

destinadas à classe média. Também operou a Cooperativa Habitacional Princesa do

Sul (COOHAPRIN), em 1975, na periferia da área central e a Cooperativa Duque de

Caxias (COHADUQUE), que em 1979 construiu 28 blocos de apartamentos na Av.

Duque de Caxias, no Bairro Fragata. (SOARES, 2002).

Em 1986, o BNH vai à falência e é incorporado à Caixa Econômica Federal.

Com este episódio, surgem as críticas tanto aos seus objetivos, quanto a sua

operacionalização, que de algum modo contribuiu para aumentar a segregação

socioespacial nas cidades brasileiras - terrenos periféricos, grandes conjuntos,

práticas do mercado de terra. Neste sentido, foram criadas verdadeiras cidades

dormitórios destinadas nitidamente à população de baixa renda.

Enquanto isso, a crescente fragmentação e verticalização dos centros

urbanos, das grandes e médias cidades brasileiras, mostravam espaços que, na

prática, eram conformadas por discursos individuais de edificações que não

conformavam um todo urbano coeso e coletivo. É neste período que surge no Brasil

uma incipiente crítica ao urbanismo dos CIAM:

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“A valorização de ambiências urbanas regidas pelas regras antigas de alinhamento e gabarito, à sua maneira, também empreende um retorno à origem, da mesma forma que a opção construtiva pelo tijolo estrutural. Essa atitude, crítica ao urbanismo moderno, chegou a influir no desenho de cidades novas, na implantação de conjuntos de algum porte, na configuração de arquiteturas que procuraram uma implantação respeitosa com o entorno, tendo um papel importante na reflexão arquitetônica dos anos 80. No entanto, não teve qualquer atuação para reverter a legislação moderno-funcional do uso do solo nas cidades brasileiras.” (BASTOS; ZEIN, 2010, p. 220).

Na década de 1980, ocorre um processo de politização da questão urbana,

ressurge o nome Reforma Urbana18 e a necessidade de melhorar a legislação, para

a criação de instrumentos de controle do uso e ocupação do solo que estabeleçam

novos limites ao exercício da propriedade. (RIBEIRO, PONTUAL, 2009;

FELDMANN, 2011).

É neste contexto, com os arquitetos atribuindo uma maior função social a

sua prática profissional que, em 1978, são dados os primeiros passos para a

produção de um novo plano, confirmando a estratégia de ação do Plano Diretor de

1968 de Pelotas, que previa uma revisão para o ano de 1980.

É relevante destacar a importância crescente que vai adquirindo o sistema

de circulação e o sistema viário no planejamento das cidades modernas com grande

crescimento. Nesse sentido, a Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte –

GEIPOT - contratada pela Prefeitura Municipal de Pelotas, vai desenvolver um

importante estudo para a cidade e que servirá de subsídio para o novo Plano Diretor

– reflete a importância dessa questão para as estratégias de planejamento urbano

nesse momento.

O estudo é um resultado do convênio entre o Ministério dos Transportes e a

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, com a interveniência do

18 A Reforma Urbana tem início nos anos sessenta, com a realização da Reforma Agrária no campo, que já integrava o plano

das Reformas de Base do presidente João Goulart. Em 1963, foi inicialmente formulada uma reforma urbana para as cidades

brasileiras no Congresso. Mas com o golpe de 1964 o regime autoritário inviabilizou a realização dessas reformas. Quando os

movimentos sociais começaram a ganhar mais visibilidade, em 1970 e 1980, os temas da reforma urbana reapareceram.

Em 1985 foi criado o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que inicialmente reivindicava a moradia, mas com o final do

regime militar, incorporou a ideia de cidade. Mas foi em 1988 que a luta pela reforma urbana ganhou força com a Constituinte

do mesmo ano. reforma urbana significa segundo Saule Junior, “uma nova ética social, que condena a cidade como fonte de

lucros para poucos em troca da pobreza de muitos. Assume-se, portanto, a crítica e a denúncia do quadro de desigualdade

social, considerando a dualidade vivida em uma mesma cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a

cidade ilegal. Condena a exclusão da maior parte dos habitantes da cidade determinada pela lógica da segregação espacial;

pela cidade mercadoria; pela mercantilização do solo urbano e da valorização imobiliária; pela apropriação privada dos

investimentos públicos em moradia, em transportes públicos, em equipamentos urbanos e em serviços públicos em geral.”

(SAULE JUNIOR, 2009).

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Instituto de Planejamento Econômico e Social – IPEA, da Comissão Nacional de

Regiões Metropolitanas e Política Urbana – CNPU, da Financiadora de Estudos e

Projetos – FINEP, da Empresa dos Transportes Urbanos – EBTU e do GEIPOT. O

GEIPOT faz um estudo dos transportes urbanos da cidade com propostas de baixo

custo para implantação imediata e de médio prazo, que tem como objetivo melhorar

o trânsito na área central da cidade de Pelotas.

Baseados em planos existentes (planos, mapas e estudos estatísticos), as

pesquisas básicas de campo, realizadas na primeira fase de estudos do GEIPOT,

foram: rotatividade em estacionamentos; contagem classificada de veículos;

pesquisa de fluxos de entrada e saída de veículos na área central; contagem de

embarque e desembarque de passageiros de ônibus; e contagem de fluxos de

pedestres. Para cada item, é apresentada a análise da situação atual com os seus

problemas, acompanhada da proposição das melhorias necessárias com a

correspondente justificativa. (GEIPOT, 1978).

No período dos estudos, os levantamentos realizados apontaram algumas

inadequações comuns aos núcleos urbanos em crescimento. O volume de veículos

registrados no município cresceu, registrando um aumento na frota de automóveis

de 16% anual, no período de 1969/1977 e, além disso, a cidade também

apresentava pavimentação não dimensionada, nas principais vias, para o tráfego do

momento. Não existiam estudos para a organização do tráfego, especialmente

quanto ao transporte coletivo e movimentação de pedestres. Outro ponto

significativo é a localização de Pelotas, que a torna ponto obrigatório de passagem

dos principais fluxos de carga gerados pelas importações e exportações feitas pelo

porto de Rio Grande, causando danos às vias urbanas. Havia, ainda, algumas

fábricas localizadas em locais inadequados, que causavam problemas de acesso e,

na zona central, os pedestres tinham dificuldades de circulação, já que em várias

ruas centrais era permitido o estacionamento de veículos e os serviços de transporte

coletivos não dispunham de terminais adequados quanto à segurança e ao conforto.

O objetivo principal deste estudo era propor melhorias nas condições de

circulação de pedestres e veículos na área central de Pelotas. Para isto, seguiam as

seguintes recomendações:

- pedestres: implantação de melhores condições de segurança, conforto e

acessibilidade para os deslocamentos a pé;

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- transporte coletivo: estabelecimento de prioridades para a circulação de

ônibus de forma a melhorar seu grau de atratividade;

- tráfego de veículos em geral: ordenação do tráfego nas áreas consideradas

críticas;

- estacionamentos: controle das áreas disponíveis, de forma a aumentar sua

utilização pela maior rotatividade nas vagas;

- sinalização: melhoria de suas condições com vistas a uma maior

segurança e fluidez nos deslocamentos de veículos e pedestres.

Devido a sua importância e aos problemas observados, a área central da

cidade foi estudada mais profundamente e recomendadas as indicações básicas:

a) Criação de um anel viário, para auxiliar no desvio do tráfego de passagem

em torno do núcleo central. Este anel compreende as ruas Barão de Santa Tecla,

Gen. Neto, Félix da Cunha e Tiradentes, (Figura 39, área em azul);

Figura 39: proposta da área para pedestre no centro da cidade. Em azul o anel viário, em rosa claro as áreas exclusivas de pedestres, em rosa os alargamentos de passeios da 1ª etapa e em verde os alargamentos de passeios da 2ª etapa. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1978,

p.36).

1

2

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b) Fixação de áreas prioritárias para pedestres. As ruas Andrade Neves e 15

de Novembro, compreendidas entre as ruas Marechal Floriano e General Neto,

foram escolhidas - como pode ser observado em rosa claro, pontos 1 e 2 na Figura

39 e na Figura 40 em perspectiva - para serem exclusivas de pedestres, devido à

presença do principal comércio varejista e à movimentação na localidade. Também

é proposto o alargamento de alguns passeios para facilitar a circulação dentro no

anel viário;

Figura 40: proposta da Rua Andrade Neves, exclusiva para pedestre no centro da cidade. (Fonte: GEIPOT, 1978, p.81).

c) Remanejo do núcleo da área central. Inclui a criação de vias prioritárias

para a circulação de ônibus e a relocação de terminais de transporte coletivo com as

devidas prioridades para a sua utilização, com instalação de abrigos em todos os

terminais e nas principais paradas, assegurando proteção climática e conforto aos

usuários (Figura 41). De certa forma, o atendimento atual não foi alterado, apenas

foram eliminadas as paradas localizadas muito próximas, que causam redução na

velocidade de escoamento. Estas alterações visavam tornar o transporte coletivo

mais atrativo e seguro para os usuários;

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Figura 41: transporte coletivo e abrigos dos terminais e paradas. Adaptada pela autora. (Fonte: GEITOP, 1978, p.44 e 45).

d) Criação de áreas de estacionamento controlado. Em Pelotas, era

permitida a utilização indiscriminada das vias públicas para estacionamento. Através

de pesquisas específicas que procuravam determinar o tempo médio de

permanência dos veículos no estacionamento, a proposta básica do GEIPOT foi de

manter a maior oferta possível de estacionamentos, já que a área central não

permite a criação de bolsões de estacionamentos nas proximidades. Além disso,

havia a proposta, também, de criar áreas, a Zona Azul, onde o tempo de

estacionamento é controlado. Fora dos períodos mencionados, os estacionamentos

serão livres.

e) Recomendações complementares. Ainda são feitas algumas

recomendações, como a urbanização das áreas para pedestres. Na área dos

passeios Ismael Soares e Conde de Piratini são propostas valorizações das

espécies vegetais existentes, substituição do pavimento por outro que apresente

conformidade com as demais áreas de mesma finalidade, bem como a instalação de

equipamentos (bicicletários, bancos e bancas de revistas) e a substituição da rede

elétrica aérea por subterrânea. A forma desses ambientes foi idealizada como

mostra a Figura 42 do estudo.

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Figura 42: acima planta baixa e abaixo as vistas dos passeios Conde de Piratini e Ismael Soares, respectivamente, marcações 1 e 2 da Figura 39. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT,

1978, p.76, 77 e 78).

Um ano depois desse estudo, complementando as proposições da primeira

etapa, o GEIPOT publicou as recomendações de médio prazo que levavam em

consideração, principalmente, as questões ligadas ao transporte coletivo e o de

baixo impacto (bicicletas). Os levantamentos de campo foram executados por meio

de contagens de veículos e bicicletas; entrevista com os usuários de bicicletas;

pesquisa nas empresas de transporte coletivo e nas indústrias; e as velocidades e

tempo dos percursos dos ônibus.

Esta etapa do estudo de GEIPOT levou em consideração alguns projetos

que já estavam sendo estudados pela municipalidade, como a criação da Av.

Perimetral; áreas para estocagem de veículos de carga nos arredores da cidade;

mudança da localização da rodoviária, complementação da Av. bento Gonçalves; e

a construção da Via do Contorno. Todos esses projetos podem ser observados no

mapa abaixo (Figura 43), que consta nos estudos realizados pelo GEIPOT.

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Figura 43: projetos existentes para Pelotas. Em preto a Av. Perimetral, em vermelho o prolongamento da Av. Bento Gonçalves, em verde o contorno DNER, em azul a nova estação

rodoviária e em laranja alternativas de área de estocagem. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1979, p.26).

Para este novo estudo, as proposições apontavam como objetivos as

seguintes recomendações:

a) Orientação do tráfego de passagem, do tráfego de carga e implantação

de uma área de estocagem para caminhões. Um projeto do DNER (Departamento

Nacional de Estradas e Rodagem) para a Via do Contorno já estava traçado, porém

a prefeitura defendia uma solução alternativa, que aumentava 1600 metros do

percurso, com o intuito de evitar o secionamento da área urbanizada do Bairro

Fragata. A proposição do GEIPOT aponta o projeto do DNER como definitiva em um

espaço de tempo de curto prazo. Mas, tentando solucionar o problema de forma

imediata, o estudo aponta uma alternativa que permite minimizar conflitos e não

impõe grandes investimentos, passando pelo itinerário: BR-116, Av. Presid. João

Goulart, Av. Duque de Caxias, R. Jornalista Cândido Melo, R. Sete de Abril, Av.

Brasil, Av. Saturnino de Brito, Av. Visconde da Graça e BR-392, isso enquanto a

proposta do DNER não é finalizada. O objetivo era conectar as áreas onde se

instalaram as principais indústrias às rodovias BR-116, BR-293 e BR-392/471, por

meio de vias adequadas.

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As opções para acesso da carga à zona portuária são, principalmente, a Via

do Contorno (traçado do DNER e alternativa da Prefeitura), acesso pelo dique de

contenção do DNOS (Departamento Nacional de Obras) na área do antigo leito do

arroio Santa Bárbara e acesso pelo prolongamento da Av. Bento Gonçalves.

Ressalta-se que a implantação da Av. Perimetral é peça fundamental da malha

viária para distribuir e coletar o fluxo gerado pelas indústrias. Além disso, as áreas

de estocagem são delimitadas em três locais diferentes, o primeiro na BR-116, entre

a Av. Fernando Osório e Av. Presidente João Goulart, a segunda na R. Frederico

Bastos, entre Av. Duque de Caxias e Via do Contorno, e a última na BR-392/471,

entre o dique projetado pelo DNOS e a Av. Perimetral. Estas áreas foram escolhidas

para liberar as vias públicas dos caminhões que esperam operações de carga e

descarga.

b) Implantação da Av. Perimetral. O anel viário proposto em médio prazo

passa a ser denominado Av. Perimetral, e serve para aliviar o fluxo da cidade.

Estas proposições dos tópicos a) e b) podem ser observadas na Figura 44,

que mostra as principais operações do estudo referente ao sistema viário da cidade;

Figura 44: proposições GEIPOT – médio prazo. Em verde a proposta do DNER, em rosa a alternativa da Prefeitura, em azul a alternativa imediata da GEIPOT, em roxo o dique DNOS, em

laranja a Av. Perimetral e em amarelo as áreas de estocagem. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1979, p.38).

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c) Implantação de pista exclusiva para a circulação de bicicletas. Dois

tipos de circulação foram planejados: o tipo canalizado, por meio de pistas

exclusivas, as quais podem ter sentido unidirecional ou bidirecional e, quando não

houver espaço suficientemente disponível para o uso de pista, o tipo partilhada com

o tráfego local, através de faixas pintadas nas vias. Os requisitos básicos para a

pavimentação de uma ciclovia é ter a superfície de rolagem regular, ser

impermeável, antiderrapante e ter aspecto agradável para estimular o uso. Os tipos

de estacionamentos para bicicletas são relacionados ao tipo de atividade que se

exerce com ela. As paradas de longa duração, os bicicletários, auxiliam nas

atividades de trabalho, enquanto as curta duração destinam-se às atividades rápidas

de lazer, serviços e outros, podendo ser encontrados em forma de canaletas fixadas

no chão (Figura 45).

Na Av. Duque de Caxias é previsto a implantação de uma ciclovia e de uma

via exclusiva de transporte coletivo no canteiro central da avenida. Esta medida é

tomada, principalmente, pelo aumento habitacional do Bairro Fragata, com um

projeto CURA para este setor já em andamento. Também é previsto uma faixa

exclusiva para circulação de bicicletas no eixo da Av. Fernando Osório/Rua Santos

Dumont;

Figura 45: diretrizes de traçado da Av. Duque de Caxias e modelo de bicicletários para curta e longa duração, respectivamente. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1979, p.175, 180 e

181).

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d) Racionalização do sistema de transporte coletivo. As recomendações ao

serviço de transporte coletivo dizem respeito aos terminais da área central. Esses

terminais de linhas urbanas já foram definidos nos estudo de 1978, bem como, os

terminais de linhas distritais. Nas recomendações de 1979, acrescenta-se a criação

de um novo terminal na R. Mal. Floriano, entre as R. Mal Deodoro e Barão de Santa

Tecla.

4.2. O II Plano Diretor de Pelotas, 1980.

“Permitir que o homem, onde quer que viva, tenha a mesma qualidade de

vida”, é com esta frase que Edgar Henrique Klever19 inicia o editorial do II Plano

Diretor de Pelotas (1980, p.5). E é neste sentido que o novo plano busca elaborar

suas proposições de planejamento urbano, com uma visão sociológica muito forte e

preocupação com os interesses dos diferentes segmentos da comunidade.

Pelotas passava não só por um período economicamente satisfatório, como

também por um processo de crescimento acelerado e o Plano Diretor de 1968 já não

atendia mais as necessidades da cidade. Em 1977, no mandato do Prefeito Irajá

Andara Rodrigues, é formada uma equipe técnica local da Secretaria Municipal de

Planejamento e Coordenação Geral e é desenvolvido o marco teórico para a

confecção do II Plano Diretor, que seria implantado a partir dos recursos do BNH e

do poder público. Este documento de intenções contextualizava o planejamento de

forma mais geral até o “foco” que, neste caso, seria a cidade de Pelotas. Sua

publicação é realizada em 1978, dois anos antes da publicação do Plano Diretor.

Está dividida em cinco capítulos:

a) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Metodologia;

b) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Diagnóstico físico territorial;

c) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Diagnóstico político

administrativo;

d) Modelo;

19

Diretor-Presidente da FUPURP (Fundação de Planejamento Urbano e Regional de Pelotas), Secretário Municipal de Planejamento e Coordenação Geral de Pelotas.

A FUPURP foi criada a partir do trabalho do Plano Diretor na tentativa de manter a continuidade de ação do planejamento urbano mesmo com a troca de prefeituras. A iniciativa contou com o apoio do Prefeito Irajá, mas nas eleições seguintes, com a entrada do Prefeito Bernardo de Souza essa fundação foi fechada. (MOURA, 2011).

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e) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Estratégia do Planejamento.

Foram feitos inúmeros estudos avaliando os resultados do plano anterior,

traçando estratégias de trabalhos e definindo um modelo de cidade desejada nesse

momento.

Algumas das proposições gerais que norteavam o Plano Diretor de 1968

serviram de parâmetro para uma avaliação dos resultados efetivos do mesmo

(PELOTAS, 1978c, p.33):

a) Controlar a expansão caótica, definindo o sentido do crescimento

urbano: o plano anterior permitiu a continuidade dos problemas de expansão caótica

e descontinuidade espacial, o crescimento urbano permaneceu sem definição;

b) Elevar a densidade demográfica geral da área urbana controlando

essas expansões: a área urbana não adensou como foi previsto em 1968;

c) Fixar zoneamentos segundo espaços de usos diferenciados: algumas

vezes o plano de 1968 não levou em conta a vocação da zona;

d) Definir uma hierarquia viária, caracterizando os acessos, as vias de

passagem e as vias locais: aspecto permanecia indefinido;

e) Reforçar a incipiente tendência de descentralização estruturando polos

internos com zoneamento e densidades especiais através de estímulos construtivos

e com a localização de equipamentos vitais à vida comunitária: os polos internos

continuaram sem expressão no conjunto da cidade.

A partir dessas análises do Plano de 1968 e do que vinha sendo observado

na cidade real pelos integrantes da equipe do II Plano, foi concluído que muito dos

problemas de crescimento de Pelotas eram reflexos da falta de continuidade e de

compromisso com a lei, “[...] é o desrespeito à Lei do Plano, ao que parece, o

responsável pela pouca contribuição do planejamento urbano na condução do

correto crescimento da cidade.” (PELOTAS, 1978c, p.36).

Fazia parte da equipe técnica o Arq. Armando Rodrigues Costa, a Arq. Rosa

Maria Garcia Rolim de Moura, o Geog. Renato Martins Müller, o Econ. José Aquiles

Suzin, a Soc. Dora Farias Lopes, o Adv. Alceu Salamoni, o Adv. Antonio Camelato

Voltan e o Adv. Bernardo Olavo Gomes de Souza. Como consultor foi convidado o

Arq. Demétrio Ribeiro e como coordenador o Arq. Rogério Gutierrez Filho. Ainda

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participaram os acadêmicos: Estela Reinhardt, Eunice Maria Ferreira Borges, José

Leonardo Villas Boas Carúccio, Margareth Bonow, Margarete Maria Castro Satte

Alam, Maria Margareth Bainy, Ronaldo Cupertino de Moraes, Sérgio Passos de

Oliveira. A secretária executiva era Regina Reis Fernandes Ferrugem.

Todos os arquitetos desta equipe estudaram na Faculdade de Arquitetura da

UFRGS, em Porto Alegre. O Arq. Rogério Gutierrez Filho, formado em 1972, embora

não conste no título como urbanista, tem esta atribuição legal. Depois de formado,

coordenou a execução do Plano Diretor de Canoas e também trabalhou na

Prefeitura Municipal de Rio Grande até 1976/1977, quando foi trabalhar na Prefeitura

Municipal de Pelotas. Em Pelotas, fez uma consulta com a Secretaria de

Planejamento, onde trabalhava o Arq. José Albano Volkmer, que o indicou como

coordenador II Plano Diretor de Pelotas. Volkmer também fez a indicação de

Demétrio Ribeiro como consultor. (GUTIERRES FILHO, 2012).

O Arq. Armando Rodrigues Costa, pelotense, depois de formado em 1977,

retorna à cidade e o Plano Diretor de Pelotas de 1980 foi um dos primeiros trabalhos

que desempenhou como profissional. (COSTA, 2011).

A Arq. Rosa Maria Garcia Rolim de Moura, formada em 1978, logo após sua

graduação trabalhou no Projeto CURA da cidade de Lajeado, que visava promover a

ocupação dos vazios urbanos da cidade com a instalação de infraestrutura. A seguir,

foi contratada pela Secretaria de Obras do Estado que, na época, tinha um convênio

com as Prefeituras dos municípios gaúchos com o fim de assessorar suas equipes a

efetuarem seus Planos Diretores. Neste período, a arquiteta foi trabalhar no Plano

Diretor da cidade de Rio Grande, mas o plano acabou não se concretizando. Logo

após, através de entrevista com o Coordenador do Plano Diretor de Pelotas, Arq.

Rogério Gurierrez Filho, a arquiteta entrou para a equipe técnica deste plano no

momento de conclusão do marco teórico. (MOURA, 2011).

Em entrevista20, a Arq. Rosa relata que durante a composição do II Plano

não se tinha uma ideia de imagem da cidade. A visão que se tinha era muito mais

política, sociológica e econômica do que propriamente arquitetônica. Além disso,

não se tinha uma discussão formal sobre estudos teóricos que posteriormente

20

Foram entrevistados os arquitetos da equipe do II Plano Diretor: Rogério Gutierrez Filho, Rosa Maria Garcia Rolim de Moura e Armando Rodrigues Costa.

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seriam aplicados. Discutia-se a cidade de Pelotas e suas características com o

auxílio do consultor Demétrio Ribeiro. (MOURA, 2011).

Além da equipe técnica, foi conformado também o Escritório Técnico do

Plano Diretor (ETPD), que tinha a finalidade de coordenar e executar os trabalhos

técnicos necessários à aplicação e à atualização permanente do II Plano Diretor de

Pelotas. Caberia a este escritório manter atualizado o acervo de informações

referente ao plano, propor alterações e detalhamento urbanístico do Plano Diretor,

adequando-o às necessidades do desenvolvimento urbano. Além disso, deveria

estudar e propor medidas relativas à preservação do meio ambiente, à defesa do

patrimônio histórico e cultural do município, ao controle de projetos de parcelamento

do solo e das edificações. Tinha a incumbência também de assessorar o Conselho

do Plano Diretor nos assuntos de sua competência.

O II Plano Diretor foi publicado contendo, primeiramente, textos sobre a

realidade do planejamento urbano na cidade de Pelotas e considerações sobre o

plano proposto. A segunda parte conta com a Lei nº 2565/80, que instituía o

regramento. A lei foi dividida em cinco títulos:

a) Das diretrizes gerais: onde estão descritos os objetivos do II Plano

Diretor:

- distribuição racional das atividades e das demandas populacionais na

área urbana;

- a estruturação do sistema viário urbano;

- a distribuição espacial adequada dos equipamentos sociais;

- controle e preservação da qualidade do meio ambiente;

- a proteção do patrimônio histórico e cultural do município.

(PELOTAS, 1980, p.16).

b) Das edificações: onde constam as especificações para a execução de

qualquer edificação;

c) Das infrações: constam as penalidades por infração de disposições de

plano;

d) Das disposições gerais e transitórias.

Ao longo do capítulo, a Lei do Plano é apresentada, dedicando-se aos

conteúdos do título “Do controle e da ocupação do solo” – parcelamento do solo, do

zoneamento urbano, sistema viário, habitação e equipamento social – juntamente

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com o que foi desenvolvido no marco teórico. Como este plano é organizado de

forma diferenciada do anterior, procurou-se destacar os conteúdos da mesma

maneira que os do Plano de 1968 – com as principais ideias de levantamento e as

recomendações do plano -, com a finalidade de se efetuar uma análise entre eles

mais organizada e de fácil entendimento.

4.2.1. Parcelamento do solo

a) Levantamentos

Em Pelotas, havia uma grande área ainda não ocupada na área urbana

legal, rodeada em sua maior parte por áreas ocupadas (Figura 46). Um estudo

dessas áreas deveria ser realizado a fim de detectar em que medida decorria de

processos de retenção de terra para fins especulativos e/ou de dificuldades técnicas

e econômicas de urbanização. Nesta última hipótese, os custos de incorporação à

malha urbana desses vazios deveriam ser estimados. Também deveria ser estudado

as possibilidades econômicas e institucionais de viabilidade de conservação de

alguns vazios, ou de parte deles, para fins de reservas verdes, visando compensar

as carências da cidade nesta questão. (PELOTAS, 1978c).

Figura 46: vazios urbanos. Em laranja as áreas não ocupadas. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

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b) Recomendações

Parcelamentos para fins urbanos só seriam permitidos em zona urbana ou

de expansão urbana, procurando ocupar, assim, os vazios urbanos.

Por outro lado, em todos os terrenos destinados ao parcelamento seriam

reservadas áreas para o sistema de circulação, implantação de equipamento

comunitário e urbano, bem como espaços livres de uso público. Além disso, os

loteamentos deveriam conter vias destinadas à formação de um sistema viário.

Estes parcelamentos poderiam ter características distintas quanto a sua

formação (Tabela 5), podendo ser destinados a loteamentos (divisão de glebas, com

abertura de novas vias de circulação), desmembramento (divisão de glebas, com

aproveitamento das vias de circulação existentes) e fracionamento (subdivisão de

lote com situação regular). Em loteamentos populares, as dimensões estipuladas

para os lotes eram de testada mínima de 6,50m, área mínima de 162,50m² e área

máxima de 200m².

Tabela 5: dimensionamento técnico - parcelamentos. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.

Zonas

Quarteirões Lotes mínimos

comprim. (m)

largura (m)

área (m²)

testada (m)

ZCC 225,00 8,50

ZCC 225,00 8,50

ZR1 200,00 80,00 225,00 8,50

ZR2 200,00 80,00 225,00 8,50

ZR3 200,00 80,00 360,00 12,00

ZRMI 130,00 60,00 162,50 6,50

ZRMII 130,00 60,00 162,50 6,50

COV 200,00 80,00 600,00 12,00

COA 200,00 80,00 750,00 15,00

DI 400,00 100,00 1000,00 30,00

(Fonte: PELOTAS, 1980).

Com base na tabela acima, observa-se que as medidas dos quarteirões

revelam um formato retangular, rompendo com a malha xadrez dos quarteirões

tradicionais que compõe o centro da cidade de Pelotas. Essa configuração de

quarteirões alongados já estava presente nos planos anteriores a 1968 e buscavam

alcançar a ideia de ocupação total, sem áreas ociosas no centro da quadra.

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Também observa-se, na ZR3 a presença de grandes lotes - configurando

baixas densidades em direção à periferia e conformando também uma ideia de

cidade-jardim – confirmando uma tendência já presente no plano de Rullmann, em

1924 – correspondente à área de cidade-jardim, habitação de elite.

4.2.2. Do zoneamento urbano

a) Levantamento

A Arq. Rosa Rolim de Moura revela que durante a composição do plano não

se tinha a ideia de transformar a cidade radicalmente. Como o centro continuava

sendo a área mais valorizada, consequentemente entendia-se que a cidade deveria

ser densificada e não espalhada.

O comércio encontrava-se em diferentes áreas comerciais. No centro estava

a Zona de Comércio Central, ao longo da Avenida Duque de Caxias observavam-se

três feições de comércio, zona de comércio misto, zona de comércio secundário e

zona de comércio atacadista de produtos coloniais. Na Avenida Fernando Osório

destacava-se a zona de comércio atacadista e na Avenida Dom Joaquim, a zona de

comércio secundário. Também é importante salientar que na Avenida Domingos de

Almeida encontravam-se pequenas zonas de comércio, principalmente de

abastecimento. (PELOTAS, 1978c).

A atividade industrial apresentava um quadro bastante descontínuo, não

havia de forma marcante um setor da cidade que concentrasse a atividade industrial,

exceção feita ao Distrito Industrial. A partir do levantamento realizado (Figura 47),

observa-se a predominância de indústrias ao longo de dois eixos que se constituem

como acessos à cidade e zona portuária, esta última definida desde o Plano de

Ampliação de Rullmann em 1924 como área de atividade industrial. Tudo indica,

porém, que com os limites impostos pelo espaço urbano, o crescimento desta

atividade foi interrompido. O Distrito Industrial, já marcado no plano anterior, não

surtiu os efeitos esperados:

A falta de infraestrutura para a área bloqueou a esperada localização das indústrias, não conseguindo ter a esperada força de atração que se supunha. Por outro lado, embora sua localização esteja na periferia, não deixa de poluir, uma vez que seus detritos afetam (são jogados) no reservatório da água que abastece a cidade. (PELOTAS, 1978c, p.32).

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119

Figura 47: Indústrias. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

b) Recomendações

Um dos pontos chave deste novo plano foi a flexibilidade quanto ao

zoneamento de funções urbanas (Figura 48), proposto anteriormente pelo Plano

Diretor de 1968. A criação das Zonas Mistas permitia novos usos para determinadas

áreas, como é explicado pela própria equipe técnica na Reavaliação do Plano

Diretor de Pelotas (PELOTAS, 1978b, p. 9) “o uso misto dessas zonas colide à

primeira vista com o próprio conceito de zoneamento diferenciado; a opção justifica-

se, porém como medida capaz de acelerar a ocupação estruturada de áreas de

extensão destinadas à baixa renda”. Com este parecer, a equipe técnica também

conciliava o trabalho da população com a habitação, aproximando a atividade

produtiva da moradia.

Outra mudança importante foi a criação dos Corredores Comerciais e de

Serviço, que correspondiam às faixas lineares das grandes avenidas, permitindo

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uma maior variação de usos com comércio, serviço e habitação, principalmente a

multifamiliar e uma aproximação de atividades terciárias às zonas residenciais.

(PELOTAS, 1978a; 1980).

A Zona Urbana - perímetro legal - seria composta por áreas de ocupação

intensiva e diferenciada:

I – Área de Ocupação Intensiva correspondente à parte da Zona Urbana

dotada de infraestrutura e equipamentos urbanos, ainda que não efetivamente

ocupada.

a) Zona de Comércio Central (ZCC);

b) Zona Residencial I (ZRI);

c) Zona Residencial II (ZRII);

d) Zona Residencial III (ZRIII);

e) Zona Residencial Mista I (ZRMI);

f) Zona Residencial Mista II (ZRMII);

g) Corredor Varejista (COV);

h) Corredor Atacadista (COA);

i) Zona Industrial.

II – Área de Ocupação Diferenciada corresponde à parte da Zona Urbana,

contígua à Área de Ocupação Intensiva, com população rarefeita não servida por

infraestrutura e equipamentos urbanos e destinada à expansão urbana.

a) Zona de Expansão Prioritária (ZEP);

b) Zona de Expansão Secundária (ZES);

c) Zona de Expansão Industrial (ZEI).

Pela primeira vez, na cidade de Pelotas, pensa-se em programar um sistema

de controle ambiental, com a finalidade de preservar o patrimônio histórico, cultural e

natural. O II Plano apresentava esta proposição através da definição das Zonas de

Preservação Ambiental, que consistiam em:

I – Zonas de Preservação Paisagística Cultural (ZPPC): aquelas destinadas

a preservar a memória histórica e cultural ou arquitetônica do Município através de

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cadastramento de zonas e prédios de interesse histórico, cultural ou arquitetônico e

seu tombamento quando considerado pertinente;

II - Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN): aquelas destinadas

à preservação das características biofísicas significativas da cidade, ficando sujeitas

a regime urbanístico especial em atenção às peculiaridades de cada área;

III - Zonas de Preservação Permanente Legal (ZPPL): aquelas sujeitas à

preservação permanente por disposição do Código Floresta de 1965. Com faixas de

proteção ao longo de cursos d’água e encostas e também com proteção dos locais

de valor científico, histórico e com excepcional beleza, assegurando a fauna e flora

ameaçadas;

IV - Zonas de Preservação Permanente Ecológica (ZPPE): locais como

parques naturais (federais, estaduais ou municipais), praças e recantos, onde só

serão permitidas atividades destinadas ao lazer ativo ou passivo da população e

para fins científicos.

Para as áreas de Ocupação Intensiva foram estabelecidos usos (Tabela 6)

seguindo os padrões:

a) Uso conforme: corresponde aos que deveriam predominar na Zona,

assegurando-lhe a característica;

b) Uso proibido: correspondente aos não permitidos na Zona, por não se

adequarem às suas características;

c) Uso permissível: corresponde aos que poderiam se desenvolver na

Zona, sem comprometer suas características.

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Figura 48: zoneamento II Plano Diretor de Pelotas. Adaptado pela autora. (Fonte: Base Google Earth).

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Tabela 6: usos para área de ocupação intensiva. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.

Zonas Usos

Conforme Permissível Proibido

ZCC AT1-AT3-RM-RC UE2-UE3-UE4-I1 RU-I2-I3-I4-I5-AT2-

UE1-AA

ZR1 RU-RM-RC-AT3-UE2-UE3-

UE4 AT1-I1 AT2-UE1-I2-I3-I4-I5-AA

ZR2 RU-RM-AT3-UE2-UE3-UE4 RC-UE1-I1 AT1-AT2-I2-I3-I4-I5-AA

ZR3 RU-AT3-UE1-UE2-UE3-

UE4 RM-RC-I1 AT1-AT2-I2-I3-I4-I5-AA

ZRMI RU-AT3-UE1-UE2-UE3-

UE4 RM-RC-I1-I2-I3 AT1-AT2-I4-I5-AA

ZRMII RU-AT2-AT3-UE1-UE2-

UE3-UE4 RM-RC-I1-I2-I3 AT1-I4-I5-AA

COV RM-AT3-UE3-I1-I2-I3 RU-RC-AT1-UE2 AT2-UE1-UE4-I4-I5-AA

COA RU-RC-UE2-UE3-I1-I2-I3 RM-AT3-AT2 AT1-UE1-UE4-I4-I5-AA

ZI I1-I2-I3-I4-I5 AT2 RU-RM-RC-AT1-AT3-

UE1-UE2-UE3-UE4-AA

LEGENDAS

RU RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR

CASAS

RM RESIDÊNCIA MULTIFAMILIAR

EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS

RC RESIDÊNCIA COLETIVA

HOTÉIS/ASILOS/PENSÕES/INTERNATOS

AT

ATIVIDADES TERCIÁRIAS

1

EDIFÍCIOS PÚBLICOS/

BANCOS/ GRNADES

LOJAS 2

TRANSPORTADORA/ COM.

ATACADISTA/OFICÍNAS

3

ESCRITÓRIOS/ COM. VAREJISTA/ PEQUENAS LOJAS

EU

USOS ESPECIAIS

1

HOSPITAIS E

SIMILARES 2

ATIVIDADES CULTURAIS 3

CLUBES E ATIVIDADES RECREATIVAS 4

ATIVIDADE EDUCACION.

I

INDÚSTRIAS

1 A< 200,00m²

2 200,00m² < A < 1.200,00m²

3 RUÍDO SUPERIOR A 80 DECIBÉIS

4 LANÇAMENTO DE RESÍDUOS AO MEIO AMBIENTE

5 A > 1.200,00m² LANÇAMENTO DE RESÍDUO AO MEIO AMBIENTE

AA

ATIVIDADE AGROPASTORIL

É CONSIDERADO USO PROIBIDO, EM TODAS AS ZONAS, O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES AGROPASTORIL E EXTRATIVA VEGETAL, PARA FINS NÃO DOMÉSTICOS.

(Fonte: PELOTAS, 1980).

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Plano de Ampliação, 1924. Saneamento Pelotas, 1947

Plano Diretor, 1968. Segundo Plano Diretor, 1980.

Figura 49: comparação entre os mapas de zoneamento: Plano de Ampliação, 1924; Saneamento de Pelotas, 1947; Plano Diretor, 1968 e Segundo Plano Diretor, 1980. Adaptados

pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5; PELOTAS, 1947, p.s/n; autora, sobre imagem Google Earth).

No Saneamento de Pelotas, em 1947, não se chega a determinar ou indicar

um zoneamento propriamente dito. É estipulada a zona industrial (em rosa no

mapa), mas em relação às outras zonas não se faz uma referência maior. Mas ao

colocar lado a lado os quatro planos (Figura 49) que tratam do zoneamento, fica

evidente o aumento do número de zonas dos últimos em relação aos primeiros

planos, indicando uma especialização funcional urbana crescente. Isso ocorre a

partir de uma maior especialização entre as zonas, como por exemplo, mais de um

tipo de zona de comércio - comercial central e comercial secundária. E também

quando outras questões vêm à tona, como a preocupação ambiental, que requer

zonas de preservação.

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Além dos usos, as zonas também estabeleciam outros instrumentos para a

formação da cidade, como os índices de aproveitamento, as taxas de ocupação,

limites de altura e os recuos (ajardinamento, frontal, lateral e fundos), apresentados

na Tabela 7 e Tabela 8.

Tabela 7: índice de aproveitamento, as taxas de ocupação e limites de altura estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas

informações descritas no Plano de 1980.

Zonas

(IA) índice de aproveitamento

(TO) taxa de ocupação (H) alturas

máximas das edificações conforme permissível conforme Permissível

ZCC 5 3

térreo ou H< 7m ZCC 100% e ZCC-1 90% H>

7m 70%

66,6% altura livre

ZR1 2 1 66,6% 50% 12,00m ou 4 pav.

ZR2 2 0,8 66,6% 50% 12,00m ou 4 pav.

ZR3 1 0,8 66,6% 50% 6,00m ou 2 pav.

ZRMI 1 0,8 66,6% 50% 6,00m ou 2 pav.

ZRMII 1 0,8 66,6% 50% 6,00m ou 2 pav.

COV 2 1 térreo 75% 2º ao

4º pav 66,6% 66,6% 12,00m ou

4 pav.

COA 2 1 térreo 75% 2º ao

4º pav 66,6% 66,6% 12,00m ou

4 pav.

ZI 5 3 80% 66,6% altura livre

(Fonte: PELOTAS, 1980).

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126

Tabela 8: recuos estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.

zonas

Recuos

Ajardinamento Frontal lateral Fundos

ZCC

- zcc 0,00 H≤12m ou

4pav. 0,00m H>

12m a partir de h> 7m - 3,00m

-

P/10 h>

7,00m mínimo

2.50m

extensão 1-zcc 4,00m lote esquina

mín. 2,50m

p/10 mín.

2,50m

ZR1 4,00m - idem Idem

ZR2 4,00m - idem Idem

ZR3 5,00m - idem Idem

ZRMI 4,00m - idem Idem

ZRMII 4,00m - idem Idem

COV 6,00m - idem Idem

COA 6,00m - idem Idem

ZI 10,00m idem Idem

(Fonte: PELOTAS, 1980).

A densificação era maior na área central e diminuía à medida que se

afastava do centro, com continuidade de densificação média nas vias axiais, devido

ao valor da terra e facilidades de acesso. Com relação ao índice de aproveitamento,

havia uma redução com a finalidade de prevenir densidades excessivas. O plano

destacava o problema:

“A perpetuação do círculo vicioso da concentração das densidades, que se auto-alimenta através da valorização da terra urbana e gera por sua vez a pressão econômica em favor da concentração dos investimentos públicos em detrimento dos objetivos comunitários do planejamento” (PELOTAS, 1978a, p. 10).

Os recuos laterais eram exigidos em pelo menos uma das divisas do terreno,

com medida de ¼ da testada do lote ou no mínimo de 2,50m. No pavimento térreo

das edificações da Zona Comercial Central, em atividade de uso conforme no COV e

COA e nas edificações residenciais que não se situassem em terreno de esquina, os

recuos laterais foram dispensados. Caso o recuo fosse implantado nos dois lados da

divisa, a largura não poderia ser inferior a 2,50m, salvo em área secundária que

poderia ter largura mínima de 1,50. (PELOTAS, 1980).

Em geral, houve um afrouxamento quanto aos recuos em relação ao plano

anterior, configurando uma cidade mais compacta e que se configura menos como

espaço urbano fluido.

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127

4.2.3. Sistema viário

a) Levantamento

É apresentado no marco teórico, no capítulo sobre diagnóstico físico

territorial, o item que diz respeito à avaliação do sistema viário. É diagnosticado que

o tabuleiro xadrez representado pela malha viária não chegava a apresentar pontos

críticos, entretanto, carecia de uma hierarquização que oportunizasse as circulações

e desestimulasse a concentração excessiva no centro.

Com a finalidade de avaliar o nível qualitativo do sistema viário, foi

pesquisado, por setores, o percentual de extensão viária pavimentada em 1978,

(Figura 50). Nota-se a concentração na área central, com 98% das vias

pavimentadas, assim como a carência nos bairros periféricos.

Figura 50: ruas pavimentadas em 1978. O mapa apresenta a cidade dividida por setores e em cada um desses setores a porcentagem de ruas pavimentadas através do preenchimento dos

círculos. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

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128

O transporte coletivo era efetuado por frotas que, a partir de terminais

localizados na área central, abasteciam os bairros. A localização desses terminais

congestionava ainda mais a área central, que já possuía a característica de conter

um grande fluxo de pessoas e veículos.

Para efeito de levantamento, imaginou-se uma faixa de atendimento que se

desenvolveria por 250m para cada lado das vias por onde transitariam os

transportes coletivos. A partir deste critério, poderia ser estabelecido um percentual

de atendimento (Figura 51) que mostra uma razoável abrangência em todo o

perímetro urbano, com 93% de abrangência na área urbanizada.

Figura 51: transporte coletivo. O mapa apresenta a cidade dividida por setores e em cada um desses setores a porcentagem do atendimento de transporte coletivo através do

preenchimento dos círculos. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

Além desses estudos, é importante salientar que, em 1978, como já foi

indicado, o GEIPOT apresentou propostas inovadoras de circulação de pedestres e

de veículos na área central, que foram acatadas pelo plano de 1980 e

implementadas na cidade, como a criação do anel central, ruas destinadas ao uso

exclusivo de pedestres (calçadões), Av. Duque de Caxias com implantação de

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129

ciclovia e via específica para transporte coletivo. Dados do GEIPOT foram utilizados

para compor o levantamento e a pesquisa do marco teórico.

b) Recomendações

Basicamente, o sistema viário fixava uma hierarquia de vias, com a intenção

de tornar mais rápida e disciplinada a circulação urbana. Esta hierarquia era

composta por uma rede viária principal, vias principais locais, vias coletoras e vias

locais. O sistema principal tinha como característica distribuir os fluxos que

ingressavam na cidade ou provenientes do centro; as vias principais locais eram

responsáveis pela distribuição em grandes zonas; já as vias coletoras,

conjuntamente ao sistema principal, serviriam ao transporte coletivo. Todas as

demais vias sem destaque na estrutura viária seriam consideradas locais e de

interesse restrito à circulação interna das zonas.

A hierarquia viária seria distinguida através do dimensionamento (Tabela 9)

e tratamento, com gabaritos, faixa carroçável e pavimentação distintas. As vias

locais teriam o mesmo gabarito das coletoras, variando a relação entre as faixas

carroçável e passeio, o que futuramente poderia permitir uma nova hierarquização.

Nos corredores de comércio, os passeios foram aumentados para proteger a

circulação de pedestres, assim como exigidos recuos de ajardinamento.

Tabela 9: dimensionamento das vias propostas pelo sistema viário do II Plano Diretor. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.

zonas

vias principais vias coletoras vias locais vias

pedestres

largura (m)

carroçável (m)

largura (m)

carroçável (m)

largura (m)

carroçável (m)

largura (m)

ZCC

ZCC

ZR1 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

ZR2 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

ZR3 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

ZRMI 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

ZRMII 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

COV 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

COA 40,00 9,00 18,00 10,00 18,00 8,00 12,00

DI 34,00 12,00 20,00 12,00

(Fonte: PELOTAS, 1980).

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4.2.4. Habitação e Equipamento Social

a) Levantamento

Era notável o processo de concentração no centro da cidade, tanto na

questão populacional e de investimentos de infraestrutura, quanto de equipamentos

sociais. No entanto, existiam mais habitações do que pessoas, o número de casas

vazias era maior do que o número de pessoas por habitação. Também existiam sub-

habitações em alguns pontos da cidade, principalmente em solo urbano de baixo

valor ou em áreas de domínio da prefeitura (Figura 52). (PELOTAS, 1978c).

Figura 52: habitantes por economia. Habitações irregulares e sub-habitações. O mapa apresenta a cidade dividida por setores e em cada um desses setores a porcentagem das

habitações irregulares e sub-habitações através do preenchimento dos círculos maiores. E os habitantes por economia nos círculos menores. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

Quanto às áreas verdes, o marco teórico apontava a existência de um déficit

substancial dessas áreas (Figura 53). Quando comparados a um parâmetro de

10m²/hab, em nível de cidade, corresponde a 2,12m²/hab. No bairro Fragata, essa

relação é de 0,08m²/hab. (PELOTAS, 1978c).

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Figura 53: áreas verdes. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

Considerando a importância que a cidade exercia na Região Sul do Estado,

em termos de utilização hospitalar, apresentava um índice elevado de ocupação dos

mesmos. Existia carência nos serviços de Pronto Socorro e atendimento

ambulatoriais, mesmo localizados de maneira descentralizada. A ausência de um

esquema de atendimento que estimulasse sua utilização tornava os equipamentos

ociosos, além de não incentivar a melhoria dos serviços (Figura 54). (PELOTAS,

1978c).

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Figura 54: saúde. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).

No setor educacional existia um desequilíbrio entre os bairros da cidade no

que diz respeito à distribuição de vagas. Havia uma concentração no centro, que

detinha 49,4% das vagas de 1º grau (ensino fundamental) para uma demanda de

12,9% de crianças, enquanto que o Bairro Fragata detinha 17,2% de vagas para

26% de crianças. Analisando o 2º grau (ensino médio), este quadro se agravava:

das 6.223 vagas existentes em toda a cidade, 5.441 estavam localizadas no centro.

(PELOTAS, 1978c).

b) Recomendações:

O plano previa quatro tipos de terrenos para localizar os equipamentos

sociais para escolas de 1º Grau, áreas esportivas, praças de lazer e equipamentos

comunitários diversos. Não foram feitas indicações precisas de terrenos para

escolas, esta incumbência ficaria a cargo do Escritório Técnico do Plano Diretor.

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As áreas de praças foram determinadas a partir do índice de 2,50m² por

habitante. E para os equipamentos comunitários, as áreas foram fixadas com

critérios distintos, mas com o sentido de prever centros institucionais e comunitários

de bairros, reforçando a estrutura do zoneamento e enfraquecendo a dependência

do centro da cidade.

4.3. Considerações

Este capítulo narrou o II Plano Diretor de Pelotas, apresentando as questões

que estão descritas na lei, no documento do marco teórico e nas informações que

foram obtidas durante entrevistas com os profissionais responsáveis pela

conformação do mesmo. Percebe-se que este plano, sintonizado a uma atitude da

época, é caracterizado por uma visão social e política, com muito mais atitudes de

planejamento e menos de desenho urbano. Todos os mapas realizados no início do

trabalho são reflexos da “cultura do levantamento”, havendo uma preocupação muito

maior com diagnósticos do que com proposições. A necessidade, quase obsessiva,

de conhecer a realidade era um contraponto em relação à ideologia moderna mais

presente no Plano Diretor de 1968, que planejava a cidade para um “homem ideal”.

O II Plano Diretor de Pelotas tentava solucionar questões que haviam ficado

pendentes do plano anterior. Em 1968, foi proposta uma grande transformação

urbana, já em 1980 a proposta era mais pragmática, tentava acomodar o que vinha

acontecendo naquele momento, flexibilizando o zoneamento e utilizando vazios

urbanos para o crescimento da cidade, de forma a não espalhá-la ainda mais.

O Plano de 1968 tinha o item “paisagismo” – paisagem urbana – que o Plano

de 1980 não apresentava, no entanto, novas ideias foram incorporadas a este plano

quando procurava formas de preservar o patrimônio histórico e cultural da cidade e

também o meio natural, que no final da década ganhou destaque sendo incorporado

o direito ambiental na Constituição de 1988.

Assim como se comparou o Plano Diretor de Pelotas de 1968 com o Plano

Diretor de Porto Alegre 1959/1961, pode-se analisar algumas ideias do 1° Plano

Diretor de Desenvolvimento Urbano (1° PDDU) de Porto Alegre, de 1979, que foram

adaptadas de algum modo ao II Plano Diretor. No II PD há a equipe multidisciplinar,

que primeiramente faz uma avaliação do plano anterior, e a do Escritório Técnico do

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Plano Diretor (ETTC), que aplicava, desenvolvia e atualizava o Plano: “era preciso

uma equipe atuante e de um apoio do poder público para que o documento do Plano

pudesse ser realizado.” (MOURA, 2011). Por outro lado, em termos de conteúdo,

estava a criação das zonas mistas (flexibilização do zoneamento e a tentativa de

compor uma ideia mais eficiente de unidade de vizinhança, prevendo a aproximação

entre habitação e trabalho).

Essas iniciativas podem ser relacionadas com as propostas do 1ºPDDU, que

contou com uma equipe multidisciplinar e tinha como paradigma principal a unidade

de vizinhança:

O 1° PDDU incorpora metodologicamente o conceito de Unidade de Vizinhança como Unidade Territorial de Planejamento, e induz tipológica e morfologicamente um modelo matizado de cidade-jardim de média altura e baixa densidade. [...] Uma das explicações para isso é que o 1° PDDU, assim como o Plano Diretor anterior, tem sua origem numa regulamentação urbanística, e não num projeto estratégico, ou imagem da cidade. (ABREU FILHO, 2006, p.282).

Além da questão da unidade de vizinhança, esta citação mostra que o

1ºPDDU não tinha a intenção de alcançar uma “imagem da cidade”. A estratégia de

ação começou com um processo de reavaliação do plano anterior, tanto que as

ideias constituem-se, em boa, parte da atualização das ideias do Plano Diretor de

1959-61. O II Plano Diretor também não tinha essa ideia de desenho da cidade. Em

entrevista, a arquiteta Rosa Rolim de Moura explica que o plano teve muito mais

uma visão ampla, política, sociológica e econômica, do que de uma visão de

arquitetura.

Duas características difundidas pelo Serfhau também são encontradas

nestes planos: a ideia de planejamento como processo permanente e a de

integração. No II Plano de Pelotas, com a criação da equipe de planejamento

(ETTC) e no 1ºPDDU com a proposta de um sistema permanente de planejamento,

como núcleo de elaboração, gestão e “para fazer frente à dinâmica inerente à

evolução da cidade.” (ABREU FILHO, 2006, p. 280). A ideia de integração, também

está presente com o objetivo abranger todos os aspectos da vida urbana, integrando

não só os planos, mas os aspectos físicos, sociais, econômicos e institucionais das

cidades. (ABREU FILHO, 2006).

As relações entre estes quatro planos – os dois de Pelotas e os dois de

Porto Alegre – são bastante verossímeis porque, obviamente, Porto Alegre, capital

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do Estado, era uma cidade referência para as outras cidades do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, abrigava a única Faculdade de Arquitetura do Estado. Esta escola foi

a base de ensino dos idealizadores dos planos de Porto Alegre e formou boa parte

dos responsáveis pelos planos de Pelotas. Demétrio Ribeiro, arquiteto formado em

Montevidéu, em grande parte, segundo os preceitos modernistas, teve grande

influência na Faculdade de Arquitetura da UFRGS e na Prefeitura de Porto Alegre,

participando do Anteprojeto de Planificação de 1951 e dos dois Planos Diretores

para Pelotas de formas distintas. Sua participação no Plano de 1968 se dá de forma

indireta: Demétrio é professor na Faculdade de Arquitetura da UFGRS e trabalha na

Prefeitura de Porto Alegre com alguns dos arquitetos responsáveis pelo plano e

utilizando a metodologia do Urban Surveys. Já no Plano de 1980, sua participação é

direta: além de professor de alguns componentes da equipe, o arquiteto foi consultor

deste trabalho, participando semanalmente dos debates durante a composição do

regramento.

O II Plano Diretor, aprovado em 1980, vigorou por 30 anos e durante este

tempo, foram elaboradas muitas leis complementares para que o plano se

adaptasse às diversas transformações da cidade. No ano de 2008, entra em vigor o

III Plano Diretor de Pelotas.

Após serem estudados os planos nos capítulos 3 e 4, o próximo capítulo é

dedicado à comparação entre ambos e às relações desses regramentos com as

teorias urbanas do século XX.

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5. OS PLANOS E AS IDEIAS

Depois de realizados os estudos do primeiro e segundo Plano Diretor de

Pelotas, pode-se compará-los indicando em modo de síntese os principais temas -

temas do urbanismo do século XX - encontrados em seus textos. Portanto, neste

quinto capítulo, serão realizadas conexões entre as linhas – e entrelinhas – dos

planos diretores e as ideias urbanísticas, nas seguintes categorias: o continuum

espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário como

fundamental organizador da cidade, a tabula rasa e os novos paradigmas.

5.1. O continuum espacial

Um dos pontos da cidade tradicional que existe no núcleo central de Pelotas

é o espaço contido e fechado. Em contraponto a este conceito, o espaço urbano

contínuo e aberto é um componente essencial da ideia de cidade surgida nos anos

vinte. É esta característica empregada nas áreas de expansão da cidade de Pelotas

ao longo dos anos. Neste novo conceito, os edifícios não definem mais as entidades

tradicionais da cidade, rua e quarteirão (edifício é o fundo e o espaço uma figura

definida), mas pontuam o espaço homogêneo (edifícios são figuras e o espaço que

os rodeia é fundo). (DIEZ, 1996; COMAS, 1986).

O Plano Diretor de 1968, com recuos generalizados, é a tradução para a

cidade dividida em lotes privados, da proposta da cidade do CIAM (Figura 55a). Esta

proposta, preconizada pelo Plano Diretor modifica a posição e a importância da

fachada na morfologia urbana. Assim, como Lamas (1992) esclarece, é a partir do

urbanismo moderno que esta relação deixa de ocupar no espaço urbano a posição

que detinha na cidade tradicional, passando o edifício a ser objeto isolado com um

espaço livre ao redor. As empenas desaparecem e os lados das edificações passam

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a ser visíveis e a pertencer à imagem da cidade. Na área central de Pelotas, há a

proposta destes objetos isolados e a quebra da continuidade do alinhamento através

do uso dos recuos frontais e laterais, como se pode observar na simulação desta

área na Figura 55b, caso fossem implantados os índices máximos propostos pelo

plano diretor.

a) b)

Figura 55: recuos. a) uma cidade contemporânea. (Fonte: LE CORBUSIER, 1992, p.230). b) PD e sua configuração espacial na Zona Central. (Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

O II Plano Diretor apresentava uma redução dos recuos e ainda permitia em

algumas zonas a ausência deles. Esta escolha curiosamente resgata algo – ainda

que obviamente não existisse essa intenção – da cidade tradicional. Este plano

apresenta como um dos objetivos a proteção do patrimônio histórico e cultural, mas

em entrevista, a equipe conta que esta preservação estava mais voltada ao

elemento isolado e não havia uma reflexão mais consistente sobre a forma geral do

espaço urbano. Na Figura 56ª, tem-se uma rua com características de cidade

tradicional preservada na área central de Pelotas e na Figura 56b, a simulação da

Zona Central, caso fossem utilizados os máximos índices propostos por este Plano.

Nota-se que a continuidade e a “monótona” profundidade visual, muitas vezes

questionada, são preservadas por este regramento.

a)

b)

Figura 56: recuos II Plano Diretor. a) Pelotas, cidade tradicional. (Fonte: autora, 2012). b) II PD e sua configuração espacial na Zona Central. (Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

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Os recuos (ajardinamento, frontal, lateral e fundos) estipulados pelos planos

são comparados na Tabela 10. Pode-se observar as alterações que ocorreram

durante esses dois regramentos21. Na Zona Comercial Central, a maior alteração

quanto ao continnum espacial, se dá nos recuos laterais, obrigatórios no Plano de

1968 para ambos os lados e inexistente no Plano de 1980. Já nas Zonas

Residenciais, além dos recuos laterais, chama a atenção o tratamento quanto ao

recuo frontal, que é contemplado apenas nos recuos de ajardinamento, sem

alterações na maioria das zonas.

Tabela 10: recuos exigidos nos Planos.

Recuos Plano Diretor, 1968 II Plano Diretor, 1980

Ajardinamento Frontal Lateral Fundos Ajardinamento Frontal Lateral Fundos

Zona Comercial

Central -

3,00 m (a partir de

10m.)

2,50 m (em

ambos os lados)

5,00m - 3,00m (a partir de

12m) -

P/10 – min

2,50m

Zona Residencial

4,00m (ZR 1) 1,00 m (a partir de

24m) 2,50 m (em

apenas um dos lados)

3,50m

4,00m (ZR1) -

L/4 - mín. 2,50m

4,00m(ZR 2) 1,00 m (a partir de

10m) 4,00m (ZR2) -

5,00m(ZR 3) 1,00 m (a partir de

24m) 5,00m (ZR3) - - -

4,00m(ZR 4) - 2,00m - - - - -

(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

Essas informações, colocadas juntamente com outros elementos urbanos

compõem a forma da cidade e a alteração de apenas um deles pode modificar

significativamente o aspecto geral do espaço urbano. Na cidade tradicional, rua e

edifício são entidades inseparáveis, já na cidade moderna esta relação não é mais

direta. O traçado se transfigura em uma forma geométrica abstrata sem qualquer

possibilidade de percepção na terceira dimensão e a forma da cidade não possui

nenhuma relação com a forma das edificações. (GONSALES, 2005).

5.2. A cidade concentrada

A cidade recebe caráter de concentração quando suas edificações

apresentam certas propriedades. Desta forma, pode-se afirmar, assim como Lamas

21

Não foram analisadas as Zonas Industriais, apenas a Zona Comercial Central e Zonas Residenciais, também não foram computadas as Zonas Residenciais Mistas e os Corredores de Comércio, pois estão presentes apenas no II Plano Diretor.

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(1992), que o elemento mínimo do espaço urbano é o edifício, pois através dele se

organizam os diferentes espaços identificáveis e com forma própria: a rua, a praça, o

beco, a avenida ou outros espaços, influenciando diretamente a morfologia urbana

com a tipologia edificada. Os elementos primários da forma urbana são identificados

com os tipos construtivos, agrupando-se em diferentes tipos, decorrentes da sua

função e forma, estabelecendo relações de diálogo com as formas urbanas.

A cidade concentrada e verticalizada (Figura 57) foi o contrapondo dado

pelos arquitetos modernistas à cidade-jardim. Uma cidade assim transmitiria os

prazeres essenciais: o céu, a vegetação e a luz. Le Corbusier declarava no IV CIAM,

em 1933, que “enquanto o padrão da cidade jardim satisfazia o individuo, perdia as

vantagens da organização coletiva. Para ele, a cidade concentrada favorecida com

as técnicas modernas, assegurava a liberdade do indivíduo dentro da estrutura

residencial e organizava a vida coletiva em relação com a recreação.” (MUNFORD,

2007, p. 105).

Figura 57: a Cidade de 3 milhões de habitantes de Le Corbusier, 1922. (Fonte: COLIN, 2006, p.s/n).

Nos Planos Diretores de Pelotas, os índices e taxas altos nas zonas mais

centrais em relação à cidade tradicional indicam a proposta de uma cidade

concentrada em seu núcleo central. No entanto, no II Plano há uma redução nos

Índices de Aproveitamento com a finalidade de diminuir a concentração das

densidades nas áreas mais valorizadas da cidade. Onde antes eram permitidas

construções com área até sete vezes a superfície do terreno na Zona Comércio

Central, por exemplo, ficou restrito a cinco vezes no novo plano. Todavia, as taxas

de ocupação geral aumentam no II Plano, como mostra a Tabela 11 e aumenta a

densidade projetada para as áreas residenciais mais periféricas, Tabela 12.

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Tabela 11: índices de Aproveitamento e Taxas de Ocupação para usos conformes.

Índices Plano Diretor (1968) II Plano Diretor (1980)

ZCC IA 7 - TO 70% IA 5 - TO 70%

ZRI IA 4 - TO 50% IA 2 - TO 66,6%

ZR2 IA 2 - TO 50% IA 2 - TO 66,6%

ZR3 IA 1 - TO 50% IA Zr3 1 - TO 66,6%

ZR4 IA 1 - TO 60% -

ZRM1 e ZRM2

- IA 1 - TO 66,6%

(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

Tabela 12: alturas permitidas nos planos.

Alturas Plano Diretor (1968) II Plano Diretor (1980)

Altura zona comercial

Livre Livre

Acima 10,00m – recuo Acima 12,00m – recuo

Altura zona residencial

ZR4 Até 6,00m

6,00m ZR2 Acima de 12,00

ZR1 e ZR3: Acima de 24,00

(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

A partir das informações dos índices, das alturas permitidas e dos recuos

estipulados por cada plano, pode-se identificar um modelo de cidade “idealizada”. É

possível observar como os índices maiores combinados com a exigência de recuos

laterais no Plano de 1968 (Figura 58), têm como consequência uma cidade bastante

verticalizada, com a qual vai se contrapor, em parte, o Plano de 1980 (Figura 59).

Através destas simulações, constata-se que o Plano de 1968 buscava um caráter de

cidade moderna, com grandes recuos, alturas e densidades. Todo esse aumento de

altura e densidade em relação à cidade existente se dava, também, pelo estudo que

a equipe fez, acreditando que haveria um incremento populacional muito superior à

cidade do que realmente ocorreu. Nos estudos do II Plano, verificou-se que a área

urbana não adensou como foi previsto e nem o número de habitantes, como mostra

o estudo do marco teórico (1978c, p.33):

“O desconhecimento da tecnologia adotada, tanto para o cálculo da densidade como para a fixação da área de estudo, nos impossibilita comparar os números que se apresentam desconexos, como é o caso da densidade do centro de 200hab/ha como foi declarado no Plano, contra os 112hab/ha encontrados na pesquisa atual. Foi apontada também uma densidade de 50hab/há e se previu um adensamento de 79hab/ha para o ano de 1980. Como a evolução da população não se verificou pela hipótese adotada, pode-se afirmar que na década de 80 não se alcançará a densidade projetada.”

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a)

b)

Figura 58: simulações em zona residencial - Plano Diretor de 1968. a) simulação de volumetria, com altura livre e maior IA. b) recuos, alturas e largura de rua local - 16m PD. (Fonte:

MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

a)

b)

Figura 59: simulações em zona residencial - II Plano Diretor de 1980. a) simulação de volumetria: altura livre e maior TO. b) recuos, alturas e largura de rua local - 13m II PD. (Fonte:

MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).

5.3. Zoneamento funcional – o zonning

A ideia de que a cidade deveria ser organizada de acordo com as funções

básicas do ser humano - habitação, trabalho, recreação e circulação - surge já nos

primeiros anos do século XX22 e se consolida na famosa Carta de Atenas. Deveria

haver uma intervenção nos planos de cidades existentes com o objetivo de impor a

cada função e a cada indivíduo seu justo lugar, discriminando os espaços para as

atividades humanas. (LE CORBUSIER, 1971).

Em Pelotas, este ideal aparece pela primeira vez no Plano de Ampliações

em 1924, por Fernando Rullmann. Ao longo dos próximos regramentos, essa ideia

de zoneamento vai se consolidando na cidade. No Plano Diretor de 1968, a cidade é

dividida em 11 setores com usos preferenciais, admitindo atividades bastante

específicas para cada zona (Figura 60a). No II Plano, há uma continuação da ideia

de organização funcional da cidade, mas a constatação dos problemas causados

22

Sabaté (1999, p.25) faz referência à “Ordenanza de Frankfurt de 1891, el arranque de los reglamentos de zonificación”.

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pelo zoneamento muito estrito leva à sua flexibilização e à tentativa de compor uma

ideia mais eficiente de unidade de vizinhança (Figura 60b).

a) b)

Figura 60: zoneamentos. a) Plano Diretor. b) II Plano Diretor. Adaptado pela autora. (Fonte: Base Google Earth).

A criação das Zonas Residenciais Mistas permitia novos usos para

determinadas zonas, uma saída para aproximar habitação e trabalho, principalmente

para a população de baixa renda. Outra mudança importante foi o reforço dos eixos

que já existiam na cidade, as radiais dos bairros Fragata, Três Vendas e Areal, com

a criação dos Corredores Comerciais. Essas vias de comércio, que por sua própria

importância interessavam ao bairro todo, aproximavam os locais de trabalho às

zonas residenciais. (PELOTAS, 1978a; MOURA, 2011).

5.4. O sistema viário como fundamental organizador da cidade

A definição de uma hierarquia viária é um dos objetivos fundamentais nos

dois planos, distinguida através de dimensionamento e tratamento, com gabaritos,

faixa carroçável e pavimentações distintas. Neste período, há um aumento na

produção de veículos automotores e as alternativas de melhoramentos são

baseadas no automóvel como meio de transporte principal.

A hierarquia de vias é bastante conhecida na proposta de Chandigahr, na

Índia, em 1951. Le Corbusier apresenta um sistema de sete vias com a finalidade de

hierarquizar, regular e controlar a circulação da cidade:

V1: estrada nacional que atravessa o país ou o continente; V2: criação municipal, artéria de uma aglomeração; V3: vias reservadas às circulações mecânicas permitem veículos em velocidade considerável; V4: rua comercial do setor; V5: penetrando no setor, conduz os veículos e os pedestres às portas das casas, ainda com a ajuda da V6; V7: via que alimenta a zona verde, onde ficam as escolas e os esportes; V8: veio depois, canalizando as bicicletas. (CHOAY, 2010a. p.188).

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Alguns desses conceitos de via estão presentes nos dois planos e no estudo

do GEIPOT. Partindo do princípio das vias de Chandigahr, os dois planos de Pelotas

possuem vias bem delimitadas quanto às características estipuladas por Le

Corbusier - somente não podendo ser identificadas as vias V7 e V8. A V8 poderia

ser identificada nos estudos do GEIPOT, que propõe um sistema cicloviário. Desta

forma, tem-se a Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”.

Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”.

Sistema Viário Plano Diretor (1968) II Plano Diretor (1980)

Rodovias 60m (V1 - V2) -

Avenidas 30m (V3) 40m (V2 – V3)

Coletoras 20m (V4) 18m (V4)

Locais 16m (V5 – V6) 18m (V5 – V6)

Pedestres

8m (V4)

(Fonte: autora, 2012).

É possível destacar as propostas do GEIPOT como um avanço do sistema

viário da cidade. Pela primeira vez, são realizados estudos abrangentes sobre a

mobilidade de Pelotas. Os indícios de calçadões e o anel viário proposto em 1968,

visando o descongestionamento do centro urbano, reaparecem nestes estudos com

mais detalhes e proposições para a área central, como já foi apresentado neste

trabalho, no capítulo 4, título 4.1.

As questões de sistema viário, assim como um plano de zoneamento, eram

pontos importantes dos planos diretores da época. No informe do IAB-RS, no ano de

1949, sobre a as observações da comissão revisora de Plano Diretor de Porto

Alegre, está destacado que um plano diretor deveria:

Ser baseado em uma teoria de ordem geral orientadora do projeto, com premissas iniciais definidas, extraídas da análise da forma de evolução e estado atual da cidade e suas adjacências.

Incluir:

a) Um plano de zoneamento. Com a localização das atividades e órgão urbano.

b) Um plano viário, incluindo a sistematização do verde urbano, como decorrência de todos os elementos anteriores, que estabeleça as ligações racionais e perfeitamente diferenciadas entre todos os órgãos, atividades e elementos urbano. (ESPAÇO, 1949, p.s/n).

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144

5.5. A tabula rasa e os novos paradigmas

Pelotas, hoje, é uma cidade conhecida pelos seus casarões ecléticos

construídos no século XIX e pelo traçado xadrez com construções em fita ao longo

do alinhamento. Há debates e incentivos para reciclar, dar novos usos e preservar

esse acervo que agrega valores histórico, arquitetônico e paisagístico para a cidade,

mas nem sempre foi assim. Ao se retornar algumas ideias dos antigos regramentos,

podemos nota-se que no Plano de Ampliação de 1924 há intenção de manter e

preservar o caráter peculiar da cidade, mantendo o que a cidade tinha de melhor. Já

o Plano Diretor de 1968 não previa nenhum tipo de proteção (ao exemplo das

medidas de demolição do Mercado Público Municipal para a construção de um novo

Centro Administrativo). No Plano de 1980, não se tem uma legislação específica,

mas a criação de um conselho de patrimônio abre a possibilidade para que estudos

nesta área sejam feitos.

Ambos os planos trazem consigo a formação modernista nas suas equipes e

o tratamento do urbanismo moderno em relação à cidade existente deve ser olhado

sob dois aspectos. Um pode ser representado pelo Plano Voisin 23 , que é a

representação das declarações de Le Corbusier nos anos trinta, de que para criar

espaços de recreação com ar, luz e espaço, uma parte da cidade existente deveria

ser demolida, ainda que ao mesmo tempo exista o pensamento de que “as coisas

antigas deveriam ser respeitadas.” (MUNFORD 2007, p. 105).

O outro diz respeito aos câmbios de paradigma: as categorias da cidade

existente – quarteirão e rua-corredor - se baseavam em conceitos que estavam

obsoletos e não eram mais aplicáveis à cidade moderna. A cidade tradicional não

era mais modelo para a nova cidade. As normas deveriam indicar novas tipologias

que respondessem aos novos conceitos de “habitar”.

Nos Planos Diretores de Pelotas, a tendência era de mudança e não de

permanência. Embora os estudos de embasamento para a construção dos planos

mostre um levantamento detalhado da cidade, a partir do qual se buscava suas

evoluções espontâneas, os dois pontos de vista acima indicados se entrelaçam.

Primeiro, o fato de incentivar altas densidades em certas áreas, com a consequente

23

Plano de Le Corbusier para Paris que previa a demolição de parte do centro da cidade e a construção de um conjunto de arranha-céus.

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145

valorização imobiliária, indiretamente é um estímulo à destruição de parte da cidade.

A previsão, em zonas centrais, de alargamento de ruas para alcançar padrões de

mobilidade e habitabilidade também. Por outro lado, a exigência de recuos e outros

aspectos da definição dos índices indicam a formação de um espaço, como já foi

visto acima, que se contrapõe com o existente.

Um tema novo que aparece no Plano de 1980 é o controle e preservação da

qualidade do meio ambiente. Sabe-se que em 1988, pela primeira vez o direito

ambiental é agregado à constituição. Nesta questão, é um avanço considerável do

plano indicar as áreas e seu nível de preservação. O Plano Diretor de 1968 previa

uma zona especial, mas que só seria regulamentada após a realização do plano

geral urbanístico da área, pelo Escritório Técnico do Plano Diretor.

Como é possível observar, neste capítulo foram feitas as conexões de temas

comuns entre os planos diretores de 1968 e 1980. Foram analisadas as categorias

de continnum espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário,

e novos paradigmas. Ressalta-se que os dois regramentos têm questões muito

semelhantes, tais como o uso do solo com zoneamento, as indicações de áreas, as

regras de recuos, o sistema viário hierarquizado com dimensionamento de vias e o

uso de equipamentos sociais. Questões que caracterizaram os planos diretores

como um todo no Brasil. Mas, de uma forma geral, observa-se que no primeiro plano

há mais intenções de cidade que se desejava alcançar, com uma influência muito

forte dos preceitos do urbanismo moderno. Já no segundo não havia essa visão, não

se tinha um paradigma real naquele momento, os resultados de desenho de cidade

não foram intencionais, foram reflexo de situações econômicas e sociais.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os planos diretores de Pelotas trazem em seu cerne resquícios, alguns de

maneira mais evidente, dos tipos de regramentos indicados por Sabaté (1999), que

demonstram diferentes preocupações e objetivos. Embora não se possa dizer que

correspondam a uma ordenança de ornamento público - como entendido no século

XIX (SABATÉ, 1999) e nos primeiros regramentos de Pelotas – no Plano de 1968

está clara a preocupação com uma ideia de imagem da cidade, do espaço urbano,

presente na crítica à cidade tradicional e nas propostas para a Av. Duque de Caxias,

com arborização e urbanização de passeios, por exemplo.

É possível observar indicações das ordenanças de higiene, através dos

cuidados que o Plano de 1980 tem com tamanhos de compartimentos, assim como

na própria ideologia dos dois planos, seguindo os preceitos do urbanismo moderno

de ventilação, insolação e higienismo. Da mesma forma, está presente a ordenança

de zoneamento, um dos carros chefes do urbanismo CIAM.

Por outro lado, embora os planos diretores estudados apresentem normas

restritivas (Diez, 1996) em suas partes, poderiam ser considerados, no todo, como

regramentos postulativos, porque existe uma ideia geral de cidade que se deseja

concretizar.

No entanto, o Plano de 1968 responde a um conceito ainda mais postulativo

de normas do que o Plano de 1980, porque leva intrínseco um modelo de cidade

mais claro - cidade “funcionalista”, Carta de Atenas, etc. -, tanto em aspectos de

estrutura formal do espaço urbano como de organização funcional: estipula o tipo de

zoneamento funcional da cidade, criando zonas quase monofuncionais ou com o

predomínio quase absoluto de uma função ou uso - deixa claro o que se quer para

determinada zona, qual o uso que essencialmente vai ser estimulado através de IAs

e TOs. A cidade desejada por este plano é uma cidade demograficamente densa na

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área central que vai se dissolvendo para a periferia. Espacialmente, uma cidade

“tridimensional” em oposição à monótona dimensionalidade daquele momento, em

que o espaço e as pessoas fluam entre os edifícios através de edificações isoladas

no solo e pilotis nos pavimentos térreos.

Os dois planos dão indicações de alturas máximas que se deseja alcançar,

caracterizando-se como uma norma postulativa. No Plano de 1980, as unidades de

vizinhanças possibilitam que mais de uma atividade seja desenvolvida em uma única

área, dando um caráter também postulativo ao regramento nesse aspecto. O Plano

de 1980 é uma revisão do plano anterior, com algumas normas restritivas que

tentam limitar indicações do Plano de 1968 - densidades e altura da área central, por

exemplo - considerando o que não é adequado para o desenvolvimento da cidade.

Apesar de não demonstrar uma clara imagem de cidade, demonstra, sim, de

maneira clara, a vontade de densificá-la. As normas restritivas auxiliam a

redirecionar as tendências estipuladas a partir da implantação do plano anterior.

Por outro lado, o Plano de 1968 prevê formas de crescimento diferentes dos

regramentos anteriores. O crescimento é proposto a partir de uma tendência natural,

de uma expansão que já vinha acontecendo na cidade. Este processo de

crescimento, classificado por Solà-Morales como crescimento suburbano, é

constituído por urbanização + parcelamento + edificação, nessa ordem de

implantação. Já no plano de 1980, não há nenhuma proposta de expansão, pois

seus estudos iniciais demonstram que os vazios urbanos de Pelotas são suficientes

para um crescimento em longo prazo. Dessa forma, propõe que esses vazios

urbanos sejam ocupados antes de se propor uma real expansão da cidade.

No Brasil, os planos diretores são um instrumento de suma importância, uma

vez que têm regido as normas do espaço urbano e as formas de crescimento das

cidades. Por muito tempo eles foram desenvolvidos para se tornar, aos poucos, o

instrumento mais completo e mais eficaz de que pudesse dispor o Estado na sua

ação de intervir e controlar o espaço urbano.

Em Pelotas, os primeiros regramentos têm uma aplicabilidade mais direta

nas questões de saneamento. As propostas de expansão serviram mais como um

alerta para às necessidades da cidade do que como uma alternativa concreta. As

propostas de “modernização” que acontecem, desde os primeiros regramentos até

os planos diretores, modificam o conceito básico dos elementos urbanos, a exemplo

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dos recuos que vão modificando o caráter da rua e dando lugar à cidade-jardim.

Lamas (1992, p.86) explica essa influência mútua entre a morfologia urbana e a

tipologia edificada. Genuinamente, o elemento essencial da relação dos edifícios

com o terreno é o lote. Sua forma é condicionante da configuração do edifício,

consequentemente, da forma da cidade. Na cidade tradicional essa afinidade é

muito intensa, já na cidade moderna, a parcela fundiária deixa de existir, pois o

edifício não ocupa mais o solo definido pela sua projeção vertical. Os edifícios são

assentados em pilares sobre o terreno público, todo o espaço é espaço coletivo.

No entanto, o quarteirão segundo Lamas (1992), pode basear-se na sua

forma construída como no processo de traçado e divisão fundiária. Faz parte de um

contínuo de edifícios agrupados entre si em anel, ou sistema fechado e separado

dos demais. É também um modelo de distribuição de terra e um modo de agrupar

edifícios no espaço delimitado pelo cruzamento de traçados. Ele não é autônomo em

relação aos restantes elementos do espaço urbano, mas simultaneamente, o

resultado de regras geométricas de divisão fundiária do solo e de ordenamento do

espaço urbano e um instrumento operativo de produção da cidade tradicional. O

quarteirão agrega e organiza também outros elementos da estrutura urbana: o lote e

o edifício, o traçado e a rua e as relações que estes estabelecem com os espaços

públicos, semipúblicos e privados. Em muitas partes da cidade de Pelotas,

principalmente a partir dos últimos regramentos, o quarteirão já não é mais um anel

fechado, mas uma porção urbana limitada pelas vias. A percepção das fachadas não

é mais bidimensional, todos os planos das edificações dialogam, de alguma forma,

com a cidade e nas zonas de menor densidade, a “natureza” penetra entre os

elementos urbanos. Como reforça Willian Curtis (2008, p.23), “um grande tema da

arquitetura moderna no início do século XX, seria a reforma da cidade materialista e

sua substituição por uma ordem supostamente harmoniosa enriquecida pelo contato

com a natureza”.

Além do urbanismo moderno, outra influência encontrada é a do padre

Lebret, que prega como estratégia de ação as equipes multidisciplinares e o

pensamento científico e social. Sua chegada dá início à pesquisa urbana e regional

no Brasil, além da elaboração de planos diretores “balizados por uma forte visão

humanitária e social dos problemas e pela ampla adoção de procedimentos

científicos, exercendo forte influência sobre a postura dos técnicos para enfrentar os

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problemas urbanos e regionais.” (NYGAARD, 2005. p.82). Este agrupamento de

profissionais é encontrado nos dois planos estudados e a proposta de

desenvolvimento social através do planejamento, presente no plano de 1980, é uma

característica do movimento Économie et Humanisme.

O survey tem como proposta o detalhamento dos estudos iniciais, como

histórico da cidade, aspectos sociais e físicos. Mesmo em 1968, quando a equipe

afirma que se desprendeu da teoria do survey para o plano de Pelotas, é impossível

não diagnosticar essa influência sobre os mais variados levantamentos que foram

organizados. Talvez a metodologia do survey, contivesse mais detalhes e

abrangência, mas ainda assim a equipe se vale de um longo estudo sobre a cidade

antes de realizar o plano propriamente dito. A proximidade com o Uruguai reforça a

influência desta teoria, muito estudada e utilizada nesse país.

Portanto, não há apenas uma teoria que seja responsável pelo aporte teórico

dos planos diretores de Pelotas. Como foi visto no capítulo anterior “Os Planos e as

Ideias”, nota-se a presença mais explícita de alguns preceitos, como os do

urbanismo moderno (o uso do solo com zoneamento, as indicações de áreas, as

regras de recuos, o sistema viário hierarquizado com dimensionamento de vias), e

de maneiras mais implícitas outras teorias, como a influência francesa do padre

Lebret, que está presente na formação do pensamento social dos profissionais do

país. Isto demonstra a forte proximidade das equipes responsáveis pelos planos –

principalmente, por meio de sua formação teórica – ao que vinha sendo

desenvolvido no restante do país e em outras partes do mundo. Panerai (1986,

p.151) escreve sobre o movimento de ideias e conceitos:

En cada una de las realizaciones objeto de estudio se expresan aspectos y actuaciones que estructuran la composición. Los aspectos son el corolario de conjuntos conceptuales, referentes y tecnológicos que sirven de base para la elaboración del proyecto. A estos conjuntos los denominaremos modelos arquitectónicos. La historia de la arquitectura comprende también la historia de estos modelos, el estudio de su elaboración, transmisión y deformación.

Esses “conjuntos conceituais”, adotados nos planos de Pelotas, tinham um

tom de transformação da cidade tradicional que demonstravam, por parte dos

profissionais participantes, a nítida confiança nesses novos paradigmas. Desta

forma, o pensamento urbanístico foi conformado a partir de vários ideais, várias

experimentações que foram sendo aplicadas na cidade ao longo dos anos.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Zonas Piloto

Zonas piloto nos bairros Areal, Barragem, Centro, Fragata, Laranjal, São

Gonçalo e Três Vendas (Figura 61), para verificação dos potenciais resultados

construídos do Plano Diretor de Pelotas (1968) e || Plano Diretor de Pelotas (1980).

Este estudo foi desenvolvido durante a disciplina de graduação Teoria e História da

Arquitetura e Urbanismo VI (THAU VI), com colaboração dos alunos de graduação

Cristiane Portantiolo Manzolli e Giancarlo Kleinick Vignolo.

Figura 61: Localização das zonas piloto. (Fonte: autora, 2011)

a) Bairro Areal

Imagem aérea da quadra -

Areal Simulação das edificações nos

lotes, de acordo com o PD. Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 681,05m² Média frente dos lotes: 13,38m

Definida como ZR3, permitia edificações com mais de 24m de altura, limitadas apenas pelos IA e TO de cada terreno

Definida como ZR3, não permitia edificações com mais de dois pavimentos ou 6m de altura

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160

b) Centro

Imagem aérea da quadra –

Centro (Av. Bento Gonçalves) Simulação das edificações nos

lotes, de acordo com o PD Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 725,28m² Média frente dos lotes: 16,98m

Definida como ZR2 permite edificações acima de 12m de altura, limitadas apenas pelo IA e TO de cada terreno

Definida como ZR2 permite edificações de até 4 pavimentos ou 12 metros de altura

Imagem aérea da quadra – Centro (Catedral)

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o PD

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 287,70m² Média frente dos lotes: 10,22m

Definida pelo plano como ZR2 permite edificações acima de 12m de altura, exigindo recuos laterais e de ajardinamento

Definida como ZCC permite edificações de altura livre, dispensando recuos laterais e de ajardinamento

Imagem aérea da quadra –

Centro (Porto) Simulação das edificações nos

lotes, de acordo com o PD Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 166,33m² Média frente dos lotes: 6,78m

Definida como ZR1 permite edificações acima de 24m de altura, exigindo recuos laterais e de ajardinamento

Definida ZRM3 permite edificações de altura livre, dispensando recuos laterais

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c) Bairro Fragata

Imagem aérea da quadra – Fragata

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o PD

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 355,77m² Média frente dos lotes: 9,53m

Definida como ZR2 permitia edificações acima de 12m de altura, limitadas, apenas, pelo IA e TO de cada terreno.

Definida como ZRM1 não permitia edificações com mais de dois pavimentos ou 6m de altura.

d) São Gonçalo

Imagem aérea da quadra – São Gonçalo

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o PD

Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 270,02m² Média frente dos lotes: 10,17m

Definida como ZR4, obedece as mesmas regras de recuo da ZR3, permitindo edificações de até 2 pavimentos ou 6 metros de altura.

Definida como Corredor de Comércio Varejista, permite edificações de até 4 pavimentos ou 12m de altura.

e) Três Vendas

Imagem aérea da quadra –

Três Vendas Simulação das edificações nos

lotes, de acordo com o PD Simulação das edificações nos lotes, de acordo com o II PD

Média área dos lotes: 260,43m² Média frente dos lotes: 10,11m

Definida como Corredor de Comércio Varejista, permite edificações de até 4 pavimentos ou 12m de altura.

Definida como ZRM1 permite edificações de até 2 pavimentos ou 6m de altura.

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APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas.

Foram entrevistados os profissionais que fizeram parte das equipes técnicas

dos planos. Do Plano de 1968 foram entrevistados a Arq. Lais de P. Salengue, o

Arq. Luiz G. Miranda, e o Geógrafo Gervásio R. Neves. Já no Plano de 1980, o Arq.

Rogério Gutierrez Filho, o Arq. Armando Rodrigues Costa e a Arq. Rosa Maria

Garcia Rolim de Moura.

Roteiro das entrevistas:

1) Formação profissional do entrevistado, ano de formado e escola.

2) Experiências profissionais. Experiência em algum plano diretor antes

e/ou depois do Plano Diretor de Pelotas

3) Como o profissional foi “escolhido” para participar da equipe do plano

diretor?

4) Qual a relação do profissional com Pelotas, que conhecimento se

tinha da cidade?

5) O plano foi realizado na cidade ou através de visitas a Pelotas?

6) O plano proposto tem inspirações em outros planos?

7) Que ideia de cidade se buscava alcançar?

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ANEXOS

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ANEXO A - Carta de motivos, de 22 de julho de 1930, para o Código de Construções, assinada pelo Intendente Municipal de Pelotas João Py

Crespo.

Cumprindo o disposto no art. 29º e seus parágrafos da Lei Orgânica,

submeto a apreciação pública o projeto do Código de Construções.

A deficiência do atual em face do desenvolvimento sempre crescente da

cidade, a omissão em pontos essenciais de maneira a suscitar razoáveis

controvérsias, observadas em tão longo período de sua vigência, as reclamações

contra ele formuladas por proprietários e construtores, forçaram à medida que era se

põe em prática.

Manifestou-se também ultimamente em outras cidades adiantadas do país,

por semelhantes motivos, a necessidade dessa medida, onde os Códigos, como

condição inadiável, foram modificados ou substituídos, aceitando os novos

processos recomendados pelos especialistas em estudos de urbanismo. E o caso

local, não podendo fugir a essa exigência comum, reveste-se, entretanto, da maior

importância, se atendermos a oportunidade do atual trabalho que vem satisfazer,

desta forma, uma justa aspiração da nossa gente.

É bem de ver que, no estudo do projeto, ora submetido à censura pública,

embora não fosse dispensado o subsídio de outros códigos, houve a preocupação

dominante de resolver as questões locais, admitindo-se os princípios consagrados

pelo uso, recomendados por autores de renome e os decorrentes da própria

experiência.

Porque preciso é dizer que a cidade moderna criou novas exigências,

oriundas do avanço das ciências, muito especialmente na parte referente à higiene,

estabilidade e estética das habitações. Daí a necessidade de transformá-las e com

elas as construções, que constituem as suas células. A casa é o espelho no qual se

reflete o cultivo de uma coletividade, porque é a manifestação palpável do seu gosto

e do seu gênio. Por ela se avalia o bem estar de seus habitantes, as suas

qualidades artísticas, a elegância de seu espírito; ela por si só demonstra o

adiantamento e desvenda as qualidades excelsas de um povo.

E foi inspirada nestes princípios que, afastando-se do ponto de vista radical,

em atenção às condições locais, a comissão por mim nomeada elaborou o Código,

harmonizando o interesse coletivo com o individual, si bem que o futuro não muito

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distante prevalecerá o primeiro, de acordo com a opinião de Raymond, assim

expressada: “Para que uma cidade seja habitável e tenda para a perfeição é preciso

antes de tudo que sejam respeitados os direitos da coletividade a conta dos

interesses particulares”.

Obedecendo aquele intuito, a ilustrada comissão adicionou ao projeto

disposições cerceadoras das, até certo ponto, por demais extensas faculdades dos

proprietários e que por certo produzirão os melhores resultados a nossa cidade.

Assim, o projeto regulariza a licença para as obras e sua fiscalização; cria

um deposito em dinheiro ou apólices para os construtores, com o fim de garantir o

cumprimento das obrigações nele contidos (esta disposição desapareceu por ter

sido aceita ema emenda em contrário); estabelece condições gerais para a

construção, visando melhorar a estética e a higiene; torna obrigatórios os alicerces

que resistam a humanidade e os embelezamentos em prédios de moradia; estatue

sobre a altura dos prédios; diminui o pé direito e as espessuras de paredes, uma vez

que não excedam os limites fixados; determina o limite das dimensões das áreas e

dos compartimentos; das superfícies destinadas a edificação e espaços livres, de

maneira a se aproximarem, tanto quanto possível, do rigorismo científico, que seria

lícito exigir, e que, para simplificar, se admite; especifica as condições dos

estabelecimentos industriais e comerciais; refere-se a exigência da construção de

uma única habitação em cada lote, excetuadas as coletivas e as vilas, que merecem

estudo especial, com o objetivo de estimular a constituição do lar em separado, de

combater a promiscuidade e evitar, com a proibição do entulhamento do lote, a

formação de agrupamentos denominados “cortiços”; amplia o capítulo relativo as

casas de diversões e o referente a estábulos e cocheiras; resolve os diversos casos

de fechamentos de terrenos; consagra particular atenção ao retalhamento em lotes,

quer em terrenos situados em novos logradouros, quer nos existentes, com testada

superior a 40m, estabelecendo o limite mínimo das larguras dos lotes, de maneira a

evitar que, na extensa área por edificar, não se reproduza o que hoje

lamentavelmente se verifica na parte densa da cidade, onde é compacta a

edificação, o que a torna triste e ante higiênica; e, finalmente, constitui capítulos

especiais o estudo dos materiais para construção, sobrecargas e coeficientes de

segurança, o das obras de concreto armado e o das edificações na zona suburbana,

até agora entregues ao arbítrio de cada um, e nas quais foram dispensadas as

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exigências impostas na urbana, tornando contudo obrigatórias certas prescrições,

incluídas as referentes a espaços livres entre prédios, o que indiscutivelmente há de

melhorá-la.

Assunto da maior importância e para o qual voltei desde logo a minha

atenção, folgo em registrar aqui mais este passo na rota sanitária de Pelotas,

cercada de focos de infecção, que se iam alastrando pela cidade, além de outros

modos, pelo contato obrigatório dos habitantes das duas zonas.

Estabelecidas às diretivas principais do projeto, realçadas as modificações e

alterações do Código atual, fácil será julgar da propriedade dos dispositivos nele

expostos, ligando numa reciprocidade de deveres o poder público e os indivíduos,

de maneira a que Pelotas evolua normalmente.

Com satisfação agradável, dentro do prazo legal, as sugestões que me

forem apresentadas sobre tão importante assunto, para aceitar as que me parecem

aproveitáveis, esperando que este projeto desperte a atenção pública e o estudo dos

componentes, de modo a evitar que, depois de promulgado, surjam a crítica

retardatária e os protestos inócuos. (CÓDIGO DE CONSTRUÇÕES, 1930, p. 88 -

90).

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ANEXO B – Sínteses do Programa do Curso de Urbanística e Arquitetura Paisagística da Faculdade de Arquitetura de Montevidéu.

(Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes UFRGS).

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(Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes UFRGS).

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ANEXO C - Disciplinas do Curso de Urbanismo IBA.

Regimento Interno para o Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Belas

Artes do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre, 30 outubro 1950. p. 4-5.

Teoria e Prática dos Planos de Cidades:

1ª parte: traçados urbanos característicos. Aglomeração urbana e rural.

Grandes e pequenas cidades. Metrópoles. Traçado em xadrez, radial e perimetral.

Cidades lineares. Cidades-jardins. Cidades satélites. Bairros autônomos e núcleos

rurais. Projetos.

2ª parte: a cidade moderna. Sistemas de transportes, vias públicas, parques,

edificação e zoneamento. Arte cívica. Planos locais, regionais e nacionais.

Regulamento de construções. Composição de cidades-jardins, cidades satélites e de

núcleos urbanos. Tráfego subterrâneo. Extensão, remodelação e embelezamento

das cidades. Plano Diretor. Projeto completo de núcleos urbanos. Descentralização

urbana. Proteção e remodelação das cidades contra as agressões aéreas.

Planejamento. Legislação.

Evolução urbana:

1ª parte: as cidades do Egito e da Mesopotâmia. A cidade clássica. Grécia e

sua expansão colonizadora. Roma e suas conquistas. Invasão dos bárbaros. A

cidade medieval: seus fundamentos religiosos, sociais, políticos e a arte urbana. O

Renascimento e as descobertas marítimas. A cidade principesca. A cidade do século

XIX. A questão social e a era industrial. O advento do urbanismo.

2ª parte: a cidade de colonização americana. As cidades da Nova Inglaterra.

As cidades do centro e do oeste americano. As cidades canadenses. As cidades de

origem espanhola e portuguesa. Evolução urbana no Brasil sob o aspecto político e

administrativo.

Urbanologia – Estatística – Documentação urbanística:

Fatores geográficos, topográficos, geológicos, fitológicos, meteorológicos,

climatérios e demográficos na formação das cidades. Estudo dos valores

imobiliários. Estatística urbana. Plantas e documentação fotográfica para

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reconstituição dos diferentes períodos da história de uma cidade. Fenômenos

sociais, políticos, econômicos e religiosos das cidades.

Técnica Sanitária Urbana + Serviços de Utilidade Pública:

Influência da situação geográfica. Fatores meteorológicos, geográficos e

topográficos. Escoamento das águas pluviais e de esgoto. Abastecimento d’água e

de utilidades econômicas. Resíduos urbanos. Poluição da atmosfera. Serviços de

água e esgoto. Luz, força, gás e telefone. Transportes urbanos.

Organização Social das Cidades:

Núcleos industriais e comerciais. Bairros residenciais. Habitações coletivas e

individuais: história, interpretação e crítica. Soluções europeias e americanas.

Habitações primitivas do Brasil. Habitações populares: financiamento e execução.

Distribuição demográfica rural e urbana. Migração urbana e rural. Higiene doméstica,

creches e lactários. Jardins de infância e escolas. Policlínicas, maternidades e

hospitais. Atividades culturais, religiosas, recreativas, filantrópicas e de assistência

social.

Arquitetura Paisagista:

Estudo da florística brasileira e das plantas exóticas aclimatadas no Brasil.

Jardins: escola francesa e inglesa. O jardim mediterrâneo. Chácaras e jardins

coloniais do Brasil. O jardim e o parque tropical. Parques urbanos nacionais. Jardim

decorativo e de amenização. Hortos municipais e jardins botânicos. Parques

desportivos. Jardins particulares e públicos. Planos Diretores. Perspectivas, cortes e

programas de execução. Proteção das florestas, árvores sítios e monumentos

naturais. Parques nacionais. Legislação.

Administração Municipal:

Organização político administrativa nas municipalidades. Distritos

municipais. Prefeituras e Câmaras Municipais. História do Município no Brasil.

Discriminação e distribuição tributária. Centralização e descentralização

administrativa. Lei orgânica dos municípios. Organização econômica e financeira.

Legislação municipal. Código de obras. Execução e fiscalização de obras públicas e

particulares. Departamento das municipalidades: o município nos diversos países

americanos.