mineralizaÇÃo aurifera de idade proterozoica …

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Revista Brasileira de Geociências 24(3): 150-159, setembro de 1994 MINERALIZAÇÃO AURIFERA DE IDADE PROTEROZOICA SUPERIOR E EVOLUÇÃO ESTRUTURAL DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS - BRASIL ALAIN CHAUVET*, IVO ANTÔNIO DUSSIN** ,1 , MICHEL FAURE* & JACQUES CHARVET* ABSTRACT LATE PROTEROZOIC GOLD MINERALIZATION AND STRUCTURAL EVOLUTION OF THE QUADRILATERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS, BRAZIL. Three main tectonic events which present very different features were recognized in the southeastern part of the Quadrilátero Ferrífero. The first D p , is expressed by a N-S trending stretching lineation (L p lineation) everywhere associated with top-to-the-south shear criteria. This earlier event, attributed to be Transamazonian in age (ca. 2000 Ma), is related to plutonic activity and reactivation of the Archaean basement expressed by the scarce leucogranitoid rocks intruded within the Bação gneisses. Large-scale folds which define the dominant structural geometry of the Quadrilátero Ferrífero formed during this event. The second event, D m , has been defined as a major thrusting towards the W- NW related to the Brasiliano cycle (ca. 600 Ma). A well-expressed stretching lineation, oriented E-W to NW- SE (L m lineation) and associated NW-verging shear criteria characterizes this event. The third event, D m ', is characterized by hangingwall down movement of the nappe pile in response to relaxation of the Brasiliano compressional D m forces. This event is marked by meter-scale drag-folds sometimes associated to the development of a new lineation Lm'. Gold mineralization, which occurs along the contact between the "Minas" and "Rio das Velhas" Supergroups, is found within late veins which comprise large recrystallized quartz masses, carbonate, sulfide, chlorite and tourmaline. Microscopic analysis and veins geometry allow us to conclude that the veins were formed by filling of open cavities created during the D m ' tectonics. A model of structural evolution which involves a Transamazonian plutonic activity within the Archaean Bação Complex, followed by thrust tectonics only developed during the Brasiliano, is proposed and discussed. The age of gold concentration, assumed to be effected during the relaxation in response to the thrusting event, is re-interpreted and related to the late stage of the Brasiliano tectonics. Keywords: Gold Mineralizations - Shear Zones - Neoproterozoic - Iron Quadrangle RESUMO Três eventos tectônicos principais apresentando diferentes características podem ser reconhecidos na porção SE do Quadrilátero Ferrífero. O primeiro evento, D p , é caracterizado pela lineação de estiramento com trending N-S (lineação L p ) associada regionalmente com transporte para sul. Este evento mais antigo, atribuído ao Transamazônico com idade (- 2000 Ma.), é relacionado à atividade plutônica e reativação do embasamento arqueano expressa pela ocorrência de restritas rochas granfticas leucocráticas intrudidas nos gnaisses Bação. As dobras em larga escala, as quais definem a geometria dominante do Quadrilátero Ferrífero, foram formadas durante este evento. O segundo evento tectônico, D m , foi definido em função do thrusting maior com vergência W-NW atribuído ao Ciclo Brasiliano (~ 600 Ma.). Uma lineação de estiramento bem expressa, orientada de E-W à NW-SE (lineação L m ) e associada a critérios de cizalhamento com vergência NW caracterizam este evento. O terceiro evento, D m ', é caracterizado por falhas normais da pilha de nappes em resposta à relaxação das forças compressionais D m brasilianas. Este evento é marcado pela ocorrência de drag-folds na escala métrica e também associado ao desenvolvimento de uma nova lineaçãoL m '. As mineralizações de ouro localizadas ao longo do contato entre os supergrupos Minas e Rio das Velhas, situam-se nos veios tardios com forte recristalização do quartzo, carbonato, sulfetos, clorita e turmalina. A análise microscópica e geométrica dos veios permite concluir que os veios foram formados pelo preenchimento fraturas fechadas relacionadas a tectônicaD m '. Um modelo de evolução estrutural, com o envolvimento de atividade plutônica transamazônica dentro do Complexo Bação arqueano, sucedido pelos thrusts tectônicos somente desenvolvidos durante o Brasiliano, é proposta e discutida. A idade da concentração de ouro, admitida como tendo ocorrida durante a relaxação em resposta ao evento de thrusting é reinterpretada e descrita como pertencente ao estágio inicial da tectônica brasiliana. Palavras-Chave: Mineralizações auríferas - Shear Zones - Neoproterozóico - Quadrilátero Ferrífero INTRODUÇÃO Várias tentativas de determinação do estilo estrutural do Quadrilátero Ferrífero enfatizam os eventos do Proterozóico Inferior e Superior (denominados respectivamente, Transamazônico, ~2,0 Ga e Brasiliano, ~680 Ma) que afetaram as rochas cristalinas e metas- sedimentares previamente formadas durante o Arqueano (p.ex. Drake & Morgan 1980, Marshak & Alkmin 1989, Chauvet & Menezes 1992, Chauvet et al. in press). A dificuldade na caracterização de estruturas atribuídas a cada evento tectônico e no estabelecimento definitivo da geocronologia tem dificultado o desenvolvimento de um modelo interpretative satisfatório devido à escassez de da- dos geocronológicos. Controvérsias ainda existem sobre a definição, o estilo e a importância do evento Transama- zônico ao passo que o evento Brasiliano é melhor conhecido e mais claramente definido. O contexto estrutural das ocor- rências de ouro, abundantes na região de Ouro Preto, per- manecem ainda pobremente definidas. Ainda ocorre um debate concernente à gênese dos depósitos de ouro, singenéticos e consanguíneos em lugar de uma origem pneumatolítica hidrotermal (Fleisher & Routhier 1973). Além disso, estes depósitos estão localizados ao longo dos contatos tectônicos de mergulho suave (Vial 1987, Chauvet & Menezes 1992) e assumem uma idade proterozóica infe- rior, não satisfazendo os modelos clássicos dos depósito de ouro arqueanos, os quais são desenvolvidos em sua maioria pela circulação de fluidos ao longo de alinhamentos subverticais (Hutchinson 1987, Eisenlohr et al 1989). * Lab. Geologic Structurale, CNRS URA 1366, GDR G069. Univ. D'Orleans, B.P. 6759, F-45067 Orléans Cédex 2, France ** Instituto de Geociências, UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 Cx.Postal n°6627 31270-901 Belo Horizonte-MG 1 Sobrenome do autor mudou oficialmente âcDOSSINpara DUSSIN (Nota do Editor)

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Page 1: MINERALIZAÇÃO AURIFERA DE IDADE PROTEROZOICA …

Revista Brasileira de Geociências 24(3): 150-159, setembro de 1994

MINERALIZAÇÃO AURIFERA DE IDADE PROTEROZOICASUPERIOR E EVOLUÇÃO ESTRUTURAL DO QUADRILÁTERO

FERRÍFERO, MINAS GERAIS - BRASIL

ALAIN CHAUVET*, IVO ANTÔNIO DUSSIN**,1, MICHEL FAURE* & JACQUES CHARVET*

ABSTRACT LATE PROTEROZOIC GOLD MINERALIZATION AND STRUCTURAL EVOLUTIONOF THE QUADRILATERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS, BRAZIL. Three main tectonic events whichpresent very different features were recognized in the southeastern part of the Quadrilátero Ferrífero. The firstDp, is expressed by a N-S trending stretching lineation (Lp lineation) everywhere associated with top-to-the-southshear criteria. This earlier event, attributed to be Transamazonian in age (ca. 2000 Ma), is related to plutonicactivity and reactivation of the Archaean basement expressed by the scarce leucogranitoid rocks intrudedwithin the Bação gneisses. Large-scale folds which define the dominant structural geometry of the QuadriláteroFerrífero formed during this event. The second event, Dm, has been defined as a major thrusting towards the W-NW related to the Brasiliano cycle (ca. 600 Ma). A well-expressed stretching lineation, oriented E-W to NW-SE (Lm lineation) and associated NW-verging shear criteria characterizes this event. The third event, Dm', ischaracterized by hangingwall down movement of the nappe pile in response to relaxation of the Brasilianocompressional Dm forces. This event is marked by meter-scale drag-folds sometimes associated to thedevelopment of a new lineation Lm'. Gold mineralization, which occurs along the contact between the "Minas"and "Rio das Velhas" Supergroups, is found within late veins which comprise large recrystallized quartzmasses, carbonate, sulfide, chlorite and tourmaline. Microscopic analysis and veins geometry allow us toconclude that the veins were formed by filling of open cavities created during the Dm' tectonics. A model ofstructural evolution which involves a Transamazonian plutonic activity within the Archaean Bação Complex,followed by thrust tectonics only developed during the Brasiliano, is proposed and discussed. The age of goldconcentration, assumed to be effected during the relaxation in response to the thrusting event, is re-interpreted andrelated to the late stage of the Brasiliano tectonics.

Keywords: Gold Mineralizations - Shear Zones - Neoproterozoic - Iron Quadrangle

RESUMO Três eventos tectônicos principais apresentando diferentes características podem ser reconhecidosna porção SE do Quadrilátero Ferrífero. O primeiro evento, Dp, é caracterizado pela lineação de estiramento comtrending N-S (lineação Lp) associada regionalmente com transporte para sul. Este evento mais antigo, atribuído aoTransamazônico com idade (- 2000 Ma.), é relacionado à atividade plutônica e reativação do embasamento arqueanoexpressa pela ocorrência de restritas rochas granfticas leucocráticas intrudidas nos gnaisses Bação. As dobras emlarga escala, as quais definem a geometria dominante do Quadrilátero Ferrífero, foram formadas durante este evento.O segundo evento tectônico, Dm, foi definido em função do thrusting maior com vergência W-NW atribuído ao CicloBrasiliano (~ 600 Ma.). Uma lineação de estiramento bem expressa, orientada de E-W à NW-SE (lineação Lm) eassociada a critérios de cizalhamento com vergência NW caracterizam este evento. O terceiro evento, Dm', écaracterizado por falhas normais da pilha de nappes em resposta à relaxação das forças compressionais Dmbrasilianas. Este evento é marcado pela ocorrência de drag-folds na escala métrica e também associado aodesenvolvimento de uma nova lineaçãoLm'. As mineralizações de ouro localizadas ao longo do contato entre ossupergrupos Minas e Rio das Velhas, situam-se nos veios tardios com forte recristalização do quartzo, carbonato,sulfetos, clorita e turmalina. A análise microscópica e geométrica dos veios permite concluir que os veios foramformados pelo preenchimento fraturas fechadas relacionadas a tectônicaDm'. Um modelo de evolução estrutural,com o envolvimento de atividade plutônica transamazônica dentro do Complexo Bação arqueano, sucedido pelosthrusts tectônicos somente desenvolvidos durante o Brasiliano, é proposta e discutida. A idade da concentração deouro, admitida como tendo ocorrida durante a relaxação em resposta ao evento de thrusting é reinterpretada edescrita como pertencente ao estágio inicial da tectônica brasiliana.

Palavras-Chave: Mineralizações auríferas - Shear Zones - Neoproterozóico - Quadrilátero Ferrífero

INTRODUÇÃO Várias tentativas de determinação doestilo estrutural do Quadrilátero Ferrífero enfatizam oseventos do Proterozóico Inferior e Superior (denominadosrespectivamente, Transamazônico, ~2,0 Ga e Brasiliano,~680 Ma) que afetaram as rochas cristalinas e metas-sedimentares previamente formadas durante o Arqueano(p.ex. Drake & Morgan 1980, Marshak & Alkmin 1989,Chauvet & Menezes 1992, Chauvet et al. in press). Adificuldade na caracterização de estruturas atribuídas a cadaevento tectônico e no estabelecimento definitivo dageocronologia tem dificultado o desenvolvimento de ummodelo interpretative satisfatório devido à escassez de da-dos geocronológicos. Controvérsias ainda existem sobre adefinição, o estilo e a importância do evento Transama-

zônico ao passo que o evento Brasiliano é melhor conhecidoe mais claramente definido. O contexto estrutural das ocor-rências de ouro, abundantes na região de Ouro Preto, per-manecem ainda pobremente definidas. Ainda ocorre umdebate concernente à gênese dos depósitos de ouro,singenéticos e consanguíneos em lugar de uma origempneumatolítica hidrotermal (Fleisher & Routhier 1973).Além disso, estes depósitos estão localizados ao longo doscontatos tectônicos de mergulho suave (Vial 1987, Chauvet& Menezes 1992) e assumem uma idade proterozóica infe-rior, não satisfazendo os modelos clássicos dos depósito deouro arqueanos, os quais são desenvolvidos em sua maioriapela circulação de fluidos ao longo de alinhamentossubverticais (Hutchinson 1987, Eisenlohr et al 1989).

* Lab. Geologic Structurale, CNRS URA 1366, GDR G069. Univ. D'Orleans, B.P. 6759, F-45067 Orléans Cédex 2, France** Instituto de Geociências, UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 Cx.Postal n°6627 31270-901 Belo Horizonte-MG1 Sobrenome do autor mudou oficialmente âcDOSSINpara DUSSIN (Nota do Editor)

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Este trabalho apresenta uma tentativa de evolução estru-tural do sul do Quadrilátero Ferrífero baseada nas análisesmicroestrutural e cinemática de diferentes tipos de lineaçõese na trama de quartzo. As estruturas geradas respectivamen-te durante o Proterozóico Inferior e o evento tectônicoBrasiliano são identificadas. Usando argumentos estruturale mineralógico, a formação dos veios de quartzo contendoouro é integrada a um esquema de evolução tectônica e umareinterpretação da idade da concentração econômica deouro é apresentada.

O QUADRILÁTERO FERRÍFERO E SUAS MINERALI-ZAÇÕES AURÍFERAS Localizado na porção sul doCráton do São Francisco, o Quadrilátero Ferrífero é caracte-rizado por rochas do Embasamento Cristalino associadas aduas unidades supracrustais maiores: o Arqueano, Super-grupo Rio das Velhas (2776 +237-10 Ma e 2772 ± 6 Ma pelométodo U/Pb, Machado et al. 1992) e o Proterozóico Infe-rior, Supergrupo Minas (2420 ± 25 Ma e 2050 ± 230 Mapelo método Pb/Pb, Babinski et al 1991) (Fig. 1). O Emba-samento Cristalino registra ambos eventos tectônico-meta-mórficos, Arqueano e Transamazônico (p.ex., Machado etal 1992). O acréscimo continental do Arqueano é conside-rado próximo de 2,7 Ga (Rb/Sr, Teixeira et al 1985, U/Pbem zircão e Sm/Nd, Romano et al. 1991, U/Pb em zircão,Machado et al 1992).

Os efeitos do Transamazônico têm sido estabelecidos, naporção NW do Quadrilátero Ferrífero, através de recentesregistros Rb/Sr e K/Ar de -2,0 Ga, em rochas graníticas(Romano et al 1991). Na porção sul, idades Transamazô-nicas em torno de 2022 - 2030 Ma são registradas através damonazita e minerais de titânio de pegmatites e anfibolitosdo Complexo Bação (método U/Pb, Machado et al 1992).Estas idades sugerem a existência de metamorfismo e fusãoparcial de crosta arqueana durante o Transamazônico. Ro-chas supracrustais são afetadas somente pelo metamorfismoregional da facies xisto verde baixo (Herz 1978, Ladeira &Viveiros 1984).

O Supergrupo Rio das Velhas consiste, principalmente,de rochas máficas e ultramáficas, filhos, quartzitos e forma-ções ferríferas bandadas tipo Algoma (Schorscher 1978,Ladeira 1980). O Supergrupo Minas compõe-se de mica-xistos, quartzitos, conglomerados, mármores, filitos e for-mações ferríferas tipo Lago Superior (Dorr 1969). Os xistose conglomerados do Grupo Itacolomi, o qual é representadona porção sul do Quadrilátero Ferrífero (Fig. 1), foi inter-pretado como depositado durante o Proterozóico Médio edeste modo correlacionado ao Supergrupo Espinhaço (Bar-bosa 1969, Dorr 1969). Sugestões alternativas sobre o posi-cionamento destas unidades consideram-nas como faciesmarginais do Supergrupo Minas (Glõckner 1981, Alkmin etal no prelo).

Os três grupos de rocha estão atualmente em contatotectônico (Fig. 1). Eles estão dobrados em sinclinais eanticlinais de larga escala (p.ex. Sinclinal da Moeda, Anticli-nal de Mariana), envolvidos por domos granito-gnáissicos(p.ex. Complexo Bação)(Fig. 1).

Algumas interpretações tentam definir a evoluçãotectônica do Quadrilátero Ferrífero (Dorr 1969, Drake &Morgan 1980, Ladeira & Viveiros 1984, Marshak & Alkmin1989, Chemale et al 1991, Chauvet & Menezes 1992,Chauvet et al no prelo). Em artigo recente (Marshak &Alkmin 1989), definem os dois primeiros eventos comouma tectônica compressional responsável por thrusting dasunidades metassedimentares, em direção NW, combinadocom o soerguimento do embasamento, o terceiro é exten-sional, e o quarto, assumindo uma idade Brasiliana, reativouos thrusts com aproximadamente a mesma cinemática (mo-vimento do topo foi em direção W-NW). Recentemente, estemodelo tem sido modificado e considera a existência de

uma extensão em escala crustal de idade pós-Transama-zônica (1.7 Ga), responsável pela geração de estruturas em"domo e bacia" por ascensão do embasamento (Marshak etal 1992). Este evento, para o qual um caráter extensional équestionável, tem sido interpretado como Transamazônicoem modelos alternativos (Chemale et al 1991, Chauvet &Menezes 1992, Chauvet et al in press). O thrusting dedireção W-NW, largamente descrito na literatura, é atribuí-do ao Ciclo Brasiliano (Marshak & Alkmin 1989, Chemaleet al 1991, Chauvet & Menezes 1992).

Um grande número de mineralizações de ouro ocorremno Quadrilátero Ferrífero. As maiores minas e os mais famo-sos depósitos estão ligados ao Supergrupo Rio das Velhas,como o de Morro Velho (Ladeira 1980). Placers contendoouro nos conglomerados também são localizados dentro doSupergrupo Minas, e representam ouro aluvial formado du-rante o Proterozóico Inferior (p.ex. os depósitos Moeda,Minter et al 1990). Os depósitos de ouro da região de OuroPreto, objeto deste trabalho, ocorrem ao longo do contatoentre o Supergrupo Minas e o Supergrupo Rio das Velhas(Fig. 1). Como a maioria das ocorrências de ouro da regiãode Ouro Preto ocorrem ao longo deste contato, ele seráchamado aqui o "Principal Contato Mineralizado" (PCM,Fig. 1). As ocorrências de ouro nos veios de quartzo foramremobilizadas durante a atividade hidrotermal relacionadaao Ciclo Brasiliano (Vial 1987). O estudo estrutural dosdepósitos de ouro em veios de quartzo ao longo da PCM,permitiram definir a cronologia da concentração de ouro emrelação a evolução estrutural do Quadrilátero Ferrífero.

ANÁLISE ESTRUTURAL Em escala regional, nu-merosas dobras foram descritas na região de Ouro Preto(p.ex. Anticlinal de Mariana, sinclinais de Dom Bosco eConta História, Dorr 1969, Chemale et al 1991, Ladeira1980, Fig. 1) e consideradas como importantes aspectosestruturais da área. Granito-gnaisses e rochas metassedi-mentares são afetados por uma conspíqua foliação regional.A foliação do Supergrupo Rio das Velhas é aproximada-mente paralela em toda borda do Complexo Bação (Fig. 1).No leste do Quadrilátero Ferrífero, a direção da foliação éparalela ao trend dos thrusts de direção NS e mergulha paraleste em média de 30°. A foliação está orientada EW naporção sul do Quadrilátero Ferrífero, com mergulho para S-SE (Fig. 1). Tal vergência é claramente observada em dia-grama (Fig. 2A) e demonstra que os planos de foliaçãoseguem a estrutura do Anticlinal de Mariana (Fig. 2A).

Três tipos de lineações têm sido observados e mapeadosem rochas cristalinas e metassedimentos (Lineação Lp, LmeLm , Fig. 2b). Elas diferem pela sua distribuição regional,natureza e orientação e tipo de critério de cisalhamento.

Lineação Lp e Tectônica Precoce Dp Uma lineaçãoprecoce (Lp) ocorre em algumas localidades e é definida peloestiramento dos grãos de quartzo nos quartzítios do Super-grupo Minas e em anfibólio no Supergrupo Rio das Velhas.Esta lineação tem orientação regional NS (Figs l e. 2b).Raros critérios de cisalhamento indicam um movimento dotopo para S-SE. Isto está mais claramente definido ao longoda borda sul do Complexo Bação e é melhor conhecido noafloramento Viaduto do Funil (Fig. 1). Critérios de cisa-lhamento são representados, nos quartzitos e micaxistos daunidade basal do Minas, pela assimetria de quartzo e lentesde pegmatito e numerosos drag-folds. Na presente geome-tria, tais critérios representam um movimento normal daborda sul do Complexo Bação em direção sul (Prancha IA).Estudos estruturais prévios tem definido uma geometriacomplexa desta unidade cristalina (Souza-Gomes 1985).A maior parte do Complexo Bação mostra estruturas mig-matíticas que dificultam a observação da cinemática. Naporção SE do Complexo Bação, algumas exposições apre-

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Figura 1 - Mapa Geológico-Estrutural da porção SE do Quadrilátero Ferrífero, modificado a partir do mapa do DNPM-USGS de Dorr (1969). Localização da secção geológica da Fig. 7 (AA') e das duas principais minas de ouro da região de OuroPreto, foram representadas. Diagramas da fábrica dos eixos de quartzo são indicados acima do mapa, para amostrasorientadas segundo a lineação Lm, e, sob o mapa, para as orientadas segundo Lp. Os valores de contorno e o número demedidas de grãos são escritas no canto superior, à direita dos diagramas, estereograma de Schmidt hemisfério inferior. Verexplicação no textoFigure l - Geological and structural map of the southeastern part of the Quadrilátero Ferrífero adapted from DNPM-USGS map of Dorr (1969). Localizationof the cross-section of figure 8 (AA') and of the two main gold mines of the Ouro Preto area are represented. Diagrams of quartz axes fabrics are indicatedabove the map for samples oriented following the Lm lineation, and below the map for these following Lp. Contour values and numbers of measured grainsare at the lower right-hand corner of each lower hemisphere, Schmidt stereonet diagram. See text for explanation

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sentam evidência de atividade magmática. Algumas cente-nas de metros a leste do Viaduto do Funil, uma rochaleucocrática fortemente lineada composta de fedspatopotássico, plagioclásio, quartzo e agregados de biotita-moscovita-epidoto é intrudida por gnaisses migmatíticosacinzentados (Fig. 3).

Os L-tectonitos que afetam o nível leucocrático têm sidocorrelacionados com a tectônica Dp,. Efetivamente, esta fortefábrica linear é, em geral, de direção N-S e paralela àlineação Lp, marcada nas proximidades das unidades metas-sedimentares (Fig. 1).

Lineação Lm e a Tectônica maior Dm Na maiorparte do Quadrilátero Ferrífero este evento é representadopor um thrusting dúctil com vergência para NW, comopreviamente descrito em numerosos artigos (p.ex, Dorr1969, Cordani et al 1980, Ladeira 1980, Ladeira & Viveiros1984, Marshak & Alkmin 1989, Chauvet & Menezes 1992).Uma lineação de estiramento (lineação maior Lm) é ligada aeste evento e orientada N90-140, podendo ser reconhecida emapeada em toda área estudada (Fig. l e 2b). Ela se mani-festa nas litologias do Supergrupo Minas pela orientaçãodos agregados micáceos. Biotita e muscovita definem ascondições de fácies xisto verde superior. Silimanita foi tam-bém observada significando uma temperatura que pode atin-gir a fácies anfibolito baixo. Nos conglomerados do GrupoItacolomi, na porção SE da área estudada, os seixos mos-tram orientação preferencial dos eixos maiores próximas deN140, definindo melhor uma lineação de estiramento. Nu-merosos critérios de cisalhamento, representados por som-bras de pressão assimétricas ao redor dos porfiroclastos defeldspato e cianita, estruturas S/C, micro drags e sombras depressão ao redor dos seixos indicam um sentido de cisa-lhamento para NW (Prancha Ibc). É importante notar queeste evento cisalhante afeta indiferentemente o Grupo Itaco-lomi e o Supergrupo Minas.

A relação entre a lineação de estiramento Lm e a orienta-ção dos planos foi cuidadosamente estudada em ambos os

flancos do Anticlinal de Mariana (Fig. 2a). Considerandoque a direção da lineação não muda, qualquer que seja oplano da foliação (Fig. 2a), sugere-se que o posicionamentodas camadas se deu sobre uma superfície previamentedobrada durante a tectônica anterior (Chauvet & Menezes1992). A extensão da geometria dos thrusts de vergênciaNW, previamente adquirido pela geometria de "domos ebacia" já foi sugerida para o Quadrilátero Ferrífero(Chemale et al 1991).

Colapso Gravitacional Tardio Dm' Na borda nortedo Anticlinal de Mariana (chamada Serra do Espinhaço, Fig.4), drag folds em escala centimétrica a métrica, geralmentebem desenvolvidas nos litotipos pelíticos, indicam um trans-porte para leste (Fig. 4).

Os planos axiais são próximos da horizontal e os eixos dedobras são sistematicamente normais a lineação Lm (Fig. 4).As mesmas estruturas são também observadas no flanco suldo Anticlinal de Mariana (Serra de Ouro Preto, Fig. 4) eindicam um movimento para sul. Em tal caso, os eixos dedobras são normais a uma nova lineação Lm levementemarcada sobre a foliação, pela orientação da clorita e biotita.Tal lineação sistematicamente ocorre em zonas afetadaspelas drag folds. Na realidade, lineação Lm' e drag foldsestão sempre associadas (Fig. 1).

Os dobramentos são interpretados como o resultado docolapso de gravidade da pilha dos metassedimentos queconstitui a nappe em resposta a uma relaxação das forçascompressivas. A tectônica (Dm') dos últimos estágios dethrusting de vergência NW (Dm), reutiliza o plano de fo-liação como principal superfície de carreação. Em tal inter-pretação, a lineação de transporte Lm' é paralela à lineaçãoLOTna aba norte do Anticlinal de Mariana (Serra de AntônioPereira), pois a melhor orientação da direção do escor-regamento é paralela à direção do thrusting (Fig. 4). Aocontrário, na aba sul (Serra de Ouro Preto) o escorregamentocria uma nova lineação (Lm') que pode apresentar váriasdireções com relação à lineação Lm (Fig. 4). Por causa

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Prancha 1 — a. Critérios de cisalharnento com vergência para SE ligados ao evento tectônico Dp. b. Cisalhamento comvergência NW representado por sombras de pressão assimétricas ao redor de seixos nos conglomerados do Grupo Itacolomi.c. Recristalização incompleta nos quartzitos afetados pelo evento tectônico Dm. Notar que o cisalharnento com vergência NWé identificado por sombras de pressão assimétricas e planos S/C. d. Uma completa recristalização do quartzo nas amostrasafetadas pelo evento Dp. e. Veios mineralizados contendo quartzo, sulfetos e carbonato ao longo do Contato MineralizadoPrincipal na mina de ouro do Morro de Santana, f.- Quartzo (Q), turmalina (T), carbonato (C), sulfetos (S) veios ricos emturmalina e matriz deformada da mina de ouro de Morro de SantanaPlate l - a. Top-to-the southeast shear criteria related to the Dp tectonic event, b. Top-to-the-NW sense of shear represented by asymmetric pressure shadowsaround pebbles within Itacolomi Group conglomerate, c. Incomplete recrystallization of quartzites affected by the Dm tectonic event. Note the top-to-the-NWshear criteria defined by asymmetric pressure shadows and S/C planes, d. Complete recrystallized quartz in samples affected by the Dp event, e. Quartz, sulfides,carbonate mineralized veins along the Main Mineralized Contact at die Morro de Santana gold mine. f. Quartz (Q), tourmaline (T), carbonate (C), sulfide (S) veinwithin a tourmaline-rich deformed matrix within the Morro de Santana gold mine

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da característica gravitacional desta deformação, o Comple-xo B ação parece não ter sido afetado por estas feiçõesextensionais. As melhores expressões das estruturasextensionais ocorrem no distrito da mina de ouro de Passa-gem de Mariana (ver localização Fig. 1), onde a lineação deestiramento Lm' NS e a direção dos eixos de dobras EW sãobem preservados em subsuperfície. A hipotética associaçãoentre a relaxação gravitacional e a concentração de ouro serádiscutida na secção deste artigo concernente às feições es-truturais das ocorrências de ouro.

TEXTURAS E ORIENTAÇÃO PREFERENCIAL DOSEIXOS DE QUARTZO As deformações plásticas dosquartzitos foi analisada para estimar a intensidade das dife-rentes fases de deformação e obter informações sobre a

Figura 4 —Diagrama esquemático da posição e orientaçãodas drag-folds Dm' em ambos os flancos do Antiforme deMariana. As lineações Lm e Lm' são sistematicamente per-pendiculares ao eixo da dobraFigure 4 - Schematic diagram of the position and orientation of the Dmdrag folds within both flanks of the Mariana antiform. The lineationLnandLm' are systematically normal to fold axes

temperatura de deformação. As medidas dos eixos dequartzo foram feitas sobre secções coitadas perpendicular eparalelamente à lineação escolhida (Lp ou Lm) usando-seuma platina universal convencional. A interpretação cine-mática a partir dos diagramas de eixos de quartzo plotadosna figura l fornece resultados que são coerentes com oscritérios macroscópicos de cisalhamento, anteriormenteapresentados.

Os diagramas obtidos a partir de dados em seções orienta-das ao longo da lineação Lp (próxima de NS) deram osmelhores resultados (parte inferior da figura 1). As guir-landas com assimetria interna são consistentes, para todas asamostras estudadas, com uma deformação dúctil com umavergência sul. A amostra QF65 é de uma lente de leuco-granito (Fig. 3) interpretada como intrusivo no ComplexoB ação. A orientação dos eixos é claramente consistente comas outras tramas e que também indicam o movimentocisalhante com vergência para sul.

A orientação preferencial dos eixos de quartzo das amos-tras orientadas ao longo da lineação Lm, não fornecem resul-tados homogêneos (diagramas da parte superior da Fig. l e6A).

Quatro amostras indicam cisalhamento com vergênciaNW, coerente com os critérios de cisalhamento mesos-cópicos (Fig. l e Prancha Ibc). Máximos simples ou guirlan-das bem definidas foram obtidos nas amostras BH1, BH3 ePA 1.8, localizadas sobre o Principal Contato Mineralizado,enquanto a trama de guirlandas cruzadas está caracterizadapela amostra QF46. Qualquer que seja o caso, o polo de maisalta densidade, define uma obliqüidade concistente com osentido de cisalhamento para W-NW. Outras amostras(Fig. 5A) apresentam guirlandas cruzadas, onde o sentidode cisalhamento não é muito claro. Para QF14, QF34 e osgrãos da matriz da PAI.8, as guirlandas oblíquas indicamum movimento em direção SE, inesperado. Assume-se quenestas três amostras, a deformação Dm não foi suficientepara reorientar a fábrica dos eixos de quartzo; a tectônica Dpé certamente responsável pela aquisição desta fábrica. Pode-se considerar que este número de diagramas não é significa-tivo para fornecer a informação cinemática real que permiteconcluir que o evento de vergência NW não foi forte bastan-te para ser bem marcado nas orientações preferenciais doseixos de quartzo.

A análise dos eixos de quartzo foram feitas de duasmaneiras, seguindo ambas direções de Lp e de Lw, paraquartzitos QF23 e QF37 (Fig. 5B). Nestes dois casos, osdiagramas correspondentes à seções NS mostram fábricasmelhores do que para seções EW. As guirlandas cruzadascom assimetria interna indicam cisalhamentos com trans-porte para sul. As seções EW não oferecem diagramasconfiáveis que possam ser interpretados em termos cine-máticos. Então, pode-se supor que os grãos de quartzo des-tas amostras foram afetados principalmente pelo eventoanterior Dp. Este resultado confirma a hipótese de que oevento Dp representa uma deformação mais penetrativa emelhor expressa em quartzitos do que a do evento Dm.

A análise de texturas mostra que, em seções delgadasorientadas NS e especialmente em amostras que fornecemum claro "esqueleto" assimétrico de rumo sul, os grãos dequartzo têm um tamanho homogêneo e uma textura recris-talizada (Prancha l d). A deformação nestas amostras é inter-pretada como ocorrida na fácies anfibolito, com temperatu-ras estimadas próximas a 500°C. Secções delgadas paralelasà lineação Lm contém diferentes tamanhos de grãos de quart-zo (Prancha l c). Os grãos relictos são envolvidos por grãosmenores devido a uma recristalização dinâmica parcial. Adeformação Dm, é interpretada como menos intensa e desen-volvida sob condições de grau mais baixo do que Dp. Isto éconfirmado pela diferente geometria dos "esqueletos" doseixos, os quais forneceram informações sobre o sistema de

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Figura 5 - Fábrica cristalográfica dos eixos de quartzo das amostras de quartzitos da região de Ouro Preto. A localizaçãodas amostras está na figura 1. O valor dos contornos e o número de medidas dos grãos são plotados no canto de baixo àdireita de cada diagrama, estereograma de Schmidt hemisfério inferior. A. Diagrama orientado segundo a lineação Lm,mostrando o cisalhamento com vergência SE. B. Exemplo de duas amostras para essa fábrica de eixos de quartzo foramrealizadas segundo Lme Lp, para comparação. Ver os resultados na explanação do textoFigure 5 - Crystallographic fabrics of quartz axes of quartzite samples of the Ouro Preto area. Sample location as shown in figure 1. Contour and numbersof measured grains are at lower right-hand corner of each lower hemisphere, Schmidt stereonet diagram. A. Diagram following Lmlineation and exhibitinga top-to-the-southeast sense of shearing. B. Example of two samples for those quartz axes fabrics have been measured following Lm and Lp for comparison.See text for explanation of results

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deslizamento e refletem as condições de temperatura dadeformação (Tullis et al. 1973). A orientação preferencialdos eixos de quartzo medida em seções orientadas SE-NWnão fornece um máximo significativo próximo ao centro dodiagrama e que corresponde ao eixo Y do elipsóide de strainfinite. Na realidade, assume-se que o evento Dm não ocorreusob alta temperatura, portanto, a deformação do quartzo foipor deslizamento basal. Ao contrário, alguns diagramas ob-tidos em seções afetadas pelo evento Dp, mostram um máxi-mo secundário próximo do eixo Y, o qual pode expressar aativação do sistema de deslizamento prismático sob tempe-raturas mais elevadas.

OCORRÊNCIAS DE OURO E EVOLUÇÃO MINE-RALÓGICA A principal mina de ouro da região deOuro Preto está localizada no contato entre a base doSupergrupo Minas e o topo do Supergrupo Rio das Velhas,de idade arqueana, (PCM, ver localização na Fig. 1). Amineralização está associada principalmente aos veios dequartzo e níveis com turmalina intercalados nos quartzo-xistos da base do Supergrupo Minas (Prancha le e Fig. 6ab).

Figura 6 — Desenho esquemático ilustrando a atitude dosveios de quartzo efoliação na zona de contato mineralizadodas minas de ouro da Mina de Passagem (a) e Morro deSantana (b). Observar o ângulo sistemático entre afoliação(plano C) e o veio de quartzo (plano T) em coerência com omodelo teórico de Hodgson (1989) (c)Figure 6 - Outcrop sketches illustrating the attitude of quartz veins andfoliation within the Main Mineralized Contact at the Passagem de Mariana(a) and Morro de Santana (b) gold mines. Note the systematic anglebetween the foliation (C plane) and the quartz vein (T plane) in agreementwith the theoretical model of Hodgson (1989) (c)

Foram coletadas amostras para estudos estruturais e mi-neralógicos nas minas de Passagem de Mariana e Morro deSantana (localização na Fig. 1). Trabalhos anteriores temestabelecido, para a mina Passagem de Mariana, elevadoteor de ouro nos níveis ricos em turmalina (Fleisher &Routhier 1973). Entretanto, uma recente revisão sugere queos veios de quartzo contém cerca de 60% da mineralização(Vial 1987).

Evolução Mineralógica e Paragêneses do MinérioUm cenário hipotético para a evolução mineralógica daárea e a concentração de ouro é proposto, considerando-seos dois eventos tectônicos maiores acima definidos(Dp e Dm). Na seqüência paragenética primitiva, em poucaslocalidades, podem ser observados porfiroclastos de cianitapré-Dm, quartzo, titanita e óxidos. Fases adicionais são,certamente, relacionadas a estas paragêneses mais antigas,mas elas não são identificáveis em função da superposiçãodo evento Dm. A tectônica Dm é associada ao crescimentosin-cinemático de quartzo, muscovita, biotita, silimanita,rara granada, seguidos de estaurolita e biotita tardi-cine-mática. Após este evento, fluidos percolantes nas rochasinduziram a formação de veios, de quartzo, carbonato,turmalina, clorita e sulfetos contendo ouro (Prancha l f).Estes veios, provavelmente representam o principal estágiode atividade hidrotermal, resultando em concentrações eco-nômicas de ouro.

Estrutura As relações geométricas entre os veios mi-neralizados e os planos de foliação são resumidos pelosesboços sintéticos das observações em duas minas princi-pais (Fig. 6). Veios de quartzo são aproximadamente parale-los à foliação e variáveis em largura (de 5 a 50 cm). Tanto afoliação quanto os veios mergulham suavemente para E-SE,paralelos ao Contato Mineralizado Principal (Prancha lê).Entretanto, medidas precisas demonstram que estes veiostêm, sistematicamente, um mergulho para leste mais eleva-do do que o da foliação (Fig. 6ab). Algumas vezes, os veiosexibem uma forma sigmoidal podendo ser interpretados deduas maneiras diferentes: i) a forma sigmoidal indica que osveios são afetados pelo cisalhamento com vergência NW(posição da pressão de cisalhamento P-shears ou C-shearssegundo Hodgson 1989, Fig. 6c) ou ii), a forma dos veioscorresponde a cavidades fechadas durante o deslocamentoao longo dos planos de foliação com rumo SE (fraturas deextensão simbolizadas por T, segundo Hodgson 1989, Fig.6c). Várias linhas de evidências favorecem a segunda inter-pretação: i) nos veios os grãos de quartzo são grossos eraramente mostram extinção ondulante; ii) início do contor-no de subgrãos podem ser observados em poucas amostras;iii) não há evidências de recristalização dinâmica ou demigração do contorno dos grãos e que poderia ilustrar osefeitos de uma deformação dúctil penetrativa. Assim, ainterpretação envolvendo a formação do preenchimento dosespaços vazios por fluidos é aqui assumida. Tal mecanismopoderia estar combinado com o desenvolvimento datectônica tardia de colapso (Dm') a qual afetou o transportenormal da pilha de nappes em direção leste. Assim, aanálise estrutural da geometria de veios demonstra que elesforam posicionados durante um evento deformacional deintensidade baixa, rúptil ou rúptil/dúctil, geralmente após oevento tectônico dúctil maior Dm.

EVOLUÇÃO ESTRUTURAL DO QUADRILÁTEROFERRÍFERO E IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DECONCENTRAÇÕES DE OURO Três eventos tectô-nicos foram reconhecidos na porção SE do QuadriláteroFerrífero. Embora ainda existam algumas dúvidas devido aausência de argumentos geocronológicos, uma cronologiarelativa dos eventos foi estabelecida.

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O primeiro evento, Dp, descrito ao longo da borda sul doComplexo B ação, parece relacionado a uma reativação daatividade magmática no complexo gnáissico, e à formaçãodos sinclinais e anticlinais de grande escala (Fig. 7A).

Evidências de campo para a existência de intrusãomagmática no Domo de B ação foi descrita neste artigo(Fig. 3). O cisalhamento dúctil de rumo sul, na borda suldo Complexo de Bação, acomoda a ascenção vertical docomplexo gnáissico. A análise petrográfica do quartzo con-firma a importância relativa deste evento, associado às con-dições da fácies anfibolito, definida em anfibólio orientadosegundo Lp. De acordo com as idades radiométricas dospegmatitos da borda sul do Domo de Bação obtidas porMachado et al. (1992), essa atividade magmática é ligadaao evento Transamazônico.

Os próximos eventos, Dm e Dm', são associados comminerais (biotita, muscovita) que traduzem condições retró-gradas com respeito a fase Dp. Dm é assumida como da fáciesxisto verde superior/anfibolito inferior (ocorrência de sili-manita), enquanto Dm' é da fácies xisto verde.

Embora a tectônica Dm produza principalmente o thrustdo Supergrupo Minas e do Grupo Itacolomi sobre o topo dasformações arqueanas, é provável que as rochas do emba-samento tenham também sido envolvidas no empilhamentodas nappes (Fig. 7b). O thrusting atuou sobre uma superfíciecom uma geometria complexa, correspondendo a uma es-trutura em domos-e-bacias (Marshak et al 1992) adquiridadurante Dp (Chemale et al 1991). Isto é provado pela dire-ção constante da lineação Lm em ambos os flancos doAnticlinal de Mariana (Fig. 2a). Em uma interpretação pré-via, duas fases distintas tem sido sugeridas: uma de idadeTransamazônica rumo NW e outra Brasiliana rumo W-NW(Marshak & Alkmin 1989). Entretanto, durante os trabalhosde campo, não se evidenciou claramente dois estágios dethrusting. A tectônica de thrusting é aqui assumida comoformada somente durante um único evento de idade Protero-zóico Superior (Brasiliano), como previamente sugerido(Chemale et al. 1991, Chauvet & Menezes 1992).

O terceiro evento, Dm', teve efeito local e é definido pelosentido oposto do movimento, com respeito ao evento Dm,encontrado em ambos os flancos do Anticlinal de Mariana(Fig. 4). Ele foi desenvolvido em resposta à relaxação dasforças compressionais Dm e ocorreu após a tectônica DOT.Esse último escorregamento de gravidade das nappes poderepresentar um parâmetro crucial nos processos de concen-tração econômica de ouro nesta área. Sugere-se, que osveios com ouro foram formados pelo preenchimento decavidades abertas durante a tectônica Dm', conforme o mo-delo de fraturas de extensão (Hodgson 1989).

CONCLUSÃO Dois eventos maiores tem sido propos-tos para explicar a estruturação do Quadrilátero Ferrífero. Oprimeiro, Dp, é um evento tectono-magmático que soergueuo embasamento, associado a formação de anticlinais e sin-clinais de larga escala, durante o Ciclo Transamazônico. Osegundo, Dm, é responsável pela tectônica de thrusts comsentido NW, durante o Ciclo Brasiliano, seguido por umcolapso de gravidade tardio da pilha de nappes (Dm’). Asanálises petrográficas de quartzo demonstram que o eventomais antigo Dp, bem registrado na deformação plástica dosquartzitos, desenvolveu-se sob condições de P e T mais altas

Figura 7 — Interpretação da Evolução Geológica doQuadrilatero Ferrífero ilustrando o efeito da tectônicatransamazônica (a) e brasiliana (b). A localização dasecção geológica AA' está indicada na figura 1Figure 7 - Interpretative geological evolution of the Quadrilátero Ferrife-ro illustrating the effect of the Transamazonian tectonics (a) and of theBrasiliano cycles (b). The location of the cross-section AA' is indicated onfigure 1

do que as de Dm. O evento Dm, mesmo se for responsávelpelas estruturas melhor expostas da área, tem sido definidocomo relativamente moderado. A mineralização de ouro daregião de Ouro Preto, principalmente a associada a veios dequartzo (Vial 1987) é interpretada como tendo ocorridadurante Dm’ responsável pela abertura de cavidades, após arelaxação das forças compressionais Dm. Assim, as concen-trações de ouro seriam de idade sin a tardi-Brasilianas. Essainterpretação difere da visão clássica que sugere que amineralização seja de idade proterozóica inferior (Fleisher& Routhier 1973, Vial 1987). Essa nova interpretação nãoexclue que a fonte de ouro esteja associada ao greenstonearqueano do Supergrupo Rio das Velhas e que umapré-concentração pode ter ocorrido durante a tectônicaTransamazônica.

Agradecimentos Este trabalho foi financiado peloconvênio CAPES/COFECUB que custeou as despesas deviagem e campo. Nossos agradecimentos à M.A. Dardennepor sua preciosa ajuda com as formalidades Brasileiras.Somos gratos também à M. Menezes, F.F. Alkmin, CJ.Souza-Gomes, HJr. Nalini e I. Endo por discussões úteis e aassistência de campo durante a estada na Universidade deOuro Preto.

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MANUSCRITO A811Recebido em 4 de abril de 1994

Revisão do autor em 22 de maio de 1996Revisão aceita em 27 de maio de 1996