mills, w. a imaginação sociológica - a variedade humana

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III

I

A Variedade Humana

vRIGINAll.PASTA b'7'V

, -Oóf'"'S,rL . ~,

' .TENDO criticado, detalhadamente, --algumas das tendênciaspredominantes na ciência social, desejo agora voltar-me paraidéias mais positivas - e até mesmo programátícas - dapromessa da ciência social. Esta pode estar confusa, massua confusão deve antes ser explorada do que -lamentada.Pode estar enfêrma, mas o reconhecímento vdêsse fato podee deve s,er tomado como um pedido de diagnóstico, e talvezaté mesmo um indício de saúde próxima.

1.

a objetivo da ciência social é, propriamente, a variedadehumana, que consiste de todos os mundos sociais nos quais.os homens viveram, vivem e poderão viver." Êsses mundosencerram comunidades primitivas que, na medida em queo sabemos, pouco se modificaram num milhar de anos; mastambém grandes potências que, como poderíamos dizer, co-meçaram a existir violentamente e de modo súbito. Bi:iâncioe Europa, a China clássica ea Roma antiga, a cidade deLos Angeles e o pequeno império do velho Peru - todosos mundos que os homens conheceram estão agora à nossafrente, abertos ao nosso exame.

Dentro dêsses mundos existem aldeamentos em plenaselvavgrupos de pressão, quadrilhas de rapazes e índios na-vajos que são donos de petróleo;' fôrças aéreas capazes dedestruir áreas metropoli!anas de 150 quilômetros de largura;

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numa sala; sindicatos de cnrmnosos, massas, lançadas nal-guma noite nas esquinas e praças das cidades do mundo;crianças Hopi e comerciantes de escravos na Arábía, partidosalemães e classes polonesas, e escolas menonitas e os men-talmente perturbados no Tibete, rêdes de rádios que vão atodo o mundo. Raças e grupos étnicos juntam-se em cine-mas ou são segregados; casam-se e são felizes, ou se odeiamsistemàticamente; milhares de ocupações minuciosas- exis-tem no comércio e na indústria, no govêrno e nas munícípa.lidades, em países que são quase continentes. Um milhãode pequenas transações é realizado todos os dias, e em tôdaparte há mais "grupos pequenos" do que jamais podería-mos contar.

A variedade humana inclui a variedade de sêres huma-nos individuais, que também a:imaginaçá-o.soC101b15iu:a::.d:eveâp.r.e.ender-'-'é*compreen€ler.Nessa imaginação, um brârnanede 1850 está lado a lado com o agricultor pioneiro de Illínoís,um gentleman inglês do século XVIII lado a lado com umaborígine australiano, juntamente com um camponês chinêsde há cem anos, uma política na Bolívia de hoje, um cava-leiro feudal na França, uma sufragista inglêsa em greve defome em 1914, uma estrelinha de H61lywood, um patrícíoromano. Escrever sôbre "o homem" é escrever sôbre todosêsses homens e mulheres - e também sôbre Goethe, e sôbrea rnôça que mora ao lado. .

a cientista social procura compreender a variedade hu-mana de forma ordenada, mas considerandó o alcance e pro-fundid~e, poderíamos indagar-lhe: É elarealmente possível?-Não será a confusão das Ciências Sociaisum reflexo inevitável daquilo que os seus praticantes estãoprocurando estudar?I Minha resposta é que talvez a varie-dade não seja tão desordenada quanto a simples relação deuma parte dela faz parecer; talvez nem mesmo tão desorde-nada quanto freqüentemente parece,. pelos cursos de estudosoferecidos nos colégios e universidades'; A ordem, bem comoa .desordem, está relacionada com o ponto de vista: parachegar a um entendimento ordenado dos homens e socíeda-

- des, é necessária uma.~.é:rÍ.e-da..pontos_de-visfa-hast-a:Gt.a..s.i~-ples paiãTo-ruar possível o entendimento, e não obstante10

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bastante geral _W1xa-D-OS--pI5l"-mit-i-x:-inehHT-emnossas opinjôese ãICance a profundidade da varieé!~de}1umjlna. A luta porêsses pontos de vista é a principal e permanente luta daciência social.

Qualquer ponto de vista, naturalmente, baseia-se numasérie de questões, e as questões gerais' das Ciências Sociais(e sugeridas no capítulo 1) ocorrem fàcílmente à mente quetenha conhecimento firme da concepção orientadora da ciên-cia social como estudo da biografia, da história e dos.JPro-blemas de seus cruzamentos dentro da estrutura social.I'l'araestudar êsses problemas, compreender a variedade humana..é necessário que nosso t~balho esteja sempre, e Intimamente,relacionad~-o rih:el da.realídade-hístéríca -'- e. os senti-~iar realidade para o homem e a mulher, individual-mente, Nosso objetivo é definir essa reali ade e díscernírêsses sentidos; é--em-têTm~-. dêles que ÔS -robleríl~iJ&i>ciê~~l clássica são for ulados, e- assim--g.s:oqUestõese preücupaçoes:-qrre-êsses-pro lemas representam, são enfren-tadas.1 E necessário procurarmos uma compreensão plena-mente comparativa das estruturas sociais que surgiram e hojeexistem na história mundial/É necessário que os ambientesde pequena escala sejam selecionados e estudados em têrrnos .das estruturas históricas em grande escala. É necessário evi-tarmos a especialização arbitrária dos departamentos aca-dêmicos, que=espeeíãliz-emos nosso-trl'fEãllTo variaCl-ãti'i"êiite,s~gunQQ=b:::nípicD__e=acinlà::<Ie=lu-;-d~~o:ble:ma, e.que com isso tennamos recurso às perspeetivas e ldeIas, ma-teriais e métodos, de' qualquer e de todos os estudos dohomem como agente histórico, que nos interessem.

Historicamente, os cientistas sociais dedicaram grandeatenção às instituições políticas e econômicas, mas as mili-tares e de parentesco, as religiosas e educacion.,ais-1.~!?émfQ!ilm muito~das. paclas5ifiêaçãõ:gglmdo~a.wn-~-O~jet~~~~das institu.!ç§.ê.sé en@nosameJlte sim~Ies:':~s

C~~;;:.p!atI~. S~compreendermos como essas ordens l1~S-

. títuêíonáís se relacíonam, compreendemos a estrutura SOCIalda sociedade. Pois a "estrutura social:', como a concepçãoé mais usada, refere-se exãfâme;}te a isso - às combinaçõesde instituiç~..sjfuad~ segundo as funções que .cada umadelas executa. Como tal, e a unidade de tràbalho mais inclu-siva entre t'ôdas as que o cientista social conhece. Sua fina-

. lidade mais ampla; portanto, ré:]!fWP~clêf'êidª-Uiija ais

146.

~edades __n..ª--estm_tul'a-social,-em_s.ells_CDJDpQnenfese-na:sua tõfãli9ãâID A expressão "estrutura social" é, emSi-;ãifi-nida de forma variada, e outras expressões são também usa-das para o conceito, mas se tivermos em mente a. distinçãoentre o ambiente e a estrutura; juntamente com a noção deinstituição, ninguém deixará de reconhecer a idéia da estru-tura social quando a encontrar.

2.

Em nossa época, as estruturas sociais são habitualmenteorganizadas -sob um. Estado' político. Em têrmos de poder,e...!ambémem outros têrmos.igualmente interessantes, ~i~r'ad~g!ll"Jll é o Estado-,~çM, que constitui hojea forma predominante na história mundial a, como tal, umarealidade importante na vida de todos os homens. O Estado--nação dividiu e organizou, em graus variados, e modos dife-rentes, as "civilizações" e os.continentes do mundo.ft exten-são de sua difusão e as fases de seu desenvolvimento sãochaves PrinCiPais/rara a ..históri~iil'a e, hoje, para ahistória mundial. Dentro do Estado-naçãlS,os meios de de-cisão e poder políticos e militares, culturais e econômicos,estão hoje organizados; tôdas as instituições e ambientes es-pecíficos.em que vive a maioria dos homens as suas vidaspúblicas e privadas estão hoje organizados num ou noutrodos Estados-nações.

Os cientistas sociais, decerto, nem sempre estudam ape-nas as estruturas sociais nacionais. O importante é que' oEstado-nação constitui a moldura dentro da qual êle sentea. necessidade de formular os problemas pe unidades meno-res ou maiores. Outras "unidades" são' melhor' compreen-didas como "pré-nacíonaís".- ou como "pós-nacionais';' poisas unidades nacionais podem, naturalmente, "pertencer" auma das "civilizações", o que significa habitualmente quesuas instituições religiosas são as existentes numa ou noutradas "religiões mundiais". Êsses fatos da "civilização", bemcomo muitos outros, podem sugerir formas de comparar avariedade atual dos Estados-nações.;'Mas usada, por exem-.plo, por autores como Arnold Toynbee, as "civilizações", aoque me parece, tornam-se demasiado difundidas' --l!!!P~saspara serem unidades básicas, ou os 'campos de estudo inteli-gíveis" dasCi'ências S-ociàis.(

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Ao escolher a estrutura social nacional como nossa uni-dade de trabalho genérica, adotamos um nível de generali-dade, que nos permite evitar o abandono dos nossos proble-mas, e não iobstante incluir as fôrças estruturais obviamenteenvolvidas em muitos detalhes e aflições da conduta huma-na de nossos dias. Além disso, a escolha de estruturas sociaisnacionais nos permite tomar fàcilmente as questões de ínte-rêsse público mais destacadas, pois é dentro e entre os Esta-dos-nações do mundo que os meios efetivos de poder, e por-.tanto em consideráveis proporções o curso da história, estãohoje rigorosamente organizados, para melhor ou pior.

É: certo, sem dúvida, que nem todos os Estados-naçõessão idênticos em seu poder de fazer história. Alguns são tãopequenos e dependentes de outros que suas ocorrências inter-nas só podem ser compreendidas através do estudo dasGrandes Potências. Mas isso é apenas um outro problemana classificação útil de nossas unidades - as nações ---,e em seu estudo necessàriamente comparativo. l!: certo tam-bém que todos os Estados-nações ínteragem, e grupos dêlesderivam dos contextos de tradição semelhantes. Mas isso éválido para qualquer unidade de cert~a.sproporções, que pos-samos escolher para o estudo social. Além disso, especial-mente a partir da Primeira Guerra .- Uíl<Iial,. todo "Estado--náç.g-<í-capaz<itsso-tomutFs-e,Cadavez mais, auto-sufiCientj'--~aioria dos economistas e cientistas ptrlftíees=eensí-deram evidente que sua unidade principal seja o Estado-

-.-nação, mesmo quando se ocupam da "economia interna-cional"e das "relações internacionais", têm de trabalhar emíntima ligação com os têrmos dos vários e específicos Esta-dos-nações. A condição e a prática continuada dos antropó-logos têm sido o estudo do "todo" de uma sociedade ou"cultura", e na medida em que estudam as sociedades mo-dernas, procuram prontamente, com êxito variado, compre-ender as nações como unidades totais. Mas os sociólogos-ou mais exatamente os técnicos de pesquisas - que não têmum domínio firme da concepção da estrutura social, Ire-qüentemente consideram as nações como de grande escala,mas de. uma forma dúbia. Aparentemente, isso se deve auma tendência ligada à "coleta de dados" que. podeser realizada com menos despesas apenas nas unidadesde escala menor. Isso significa, naturalmente, que sua esco-lha de unidades não está de acôrdo com o que é necessário,

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para quaisquer problemas que tenham escolhido. Ao invésdisso, tanto o problema como a unidade são determinadospela sua escolha dométodo,

Nesse sentido, êste livro, em seu todo, é uma argumen-tação contra tal tendência. Creio que quando a maioria doscientistas sociais examinam seriamente um problema signifi-cativo, experimentam grande dificuldade em formulá-Ia emtêrmos de qualquer unidade menor do que o Estado-nação.Isso se aplica. ao estudo da estratificação e da política eco-nômica, da opinião pública e da natureza do poder político,do trabalho e do ócio. Até mesmo os problemas de govêrnomunicipal não podem ser formulados. adequadamente semuma referência plena à sua moldura nacional. A unidade doEstado-nação recomenda-se, portanto, por um bom volumede provas empíricas, ao alcance de qualquer pessoa que te-nha experiência no trabalho dos problemas da ciêncía social.

3.

A idéia da estrutura socíaly.juntamente com a afirmaçãode que ela constitui a unidade genérica da ciência, está his-toricamente associada de perto ~ Sociologia, e os sociólogostêm sido seus expoentes clássicos. A matéria tradicional, tan-to da Sociologia como da Antropologia, tem sido a sociedadetotal; ou, corno os antropólogos dizem, "a cultura". O que éespecificamente "sociológico" no estudo de qualquer caracte-rística particular de uma sociedade total é o esfôrço perma-nente para relacionar essa caracteri~. bUf-,ªs, .para sechegar a urna concepção do todo. ~f!!in~j,ociológica,já observei, é em parte considerável resultado do treinamentonesse tipo de esfôrço. Mas hoje tal opinião e tal prática nãoestão absolutamente limitadas aos so~iólogos e antroE.ólogos.O que foi outrora uma promessa nessas discip~as:-t:~-se pelo menos um hábito tímido, bem como ~nas Ciêpcías Sociais em geral. ,-

A Antropologia Cultural, em sua tradição clássica e emsua evolução atual, não se parece dístínguível, em nenhumaspecto fundamental, do estudo sociológico. Outrora, quandoeram poucos, ou não havia, os levantamentos das socieda-des contemporâneas, os antropólogos ti:nham de recolher ma-teriais sôbre povos pré-alfabetízados em locais remotos. OutrasCiências Sociais - notadamente a História, a Demografia

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e a Ciência Política - desde seu início dependeram de mate-rial dooumentárto acumulado nas sociedades alfabetizadas.E êsse fato tendia a separar as disciplinas. Mas hoje, os"levantamentos empírícos" de vários tipos são usados emtôdas as Ciências Sociais, e de fato a técnica foi bastante de-senvolvida pelos psicólogos e sociólogos, em conexão comas sociedades históricas. Em anos recentes, também, os an-tropólogos estudaram, naturalmente, as comunidades adían-

. tadas e até mesmo Estados-nações, e quase sempre a con-síderâvel distância. Os sociólogos e economistas, por suavez, estudaram os "povos subdesenvolvidos". Não há nemlima diferença de métodos nem um limite de assunto que.realmente distinga a Antropologia da. Economia e da Socio-logia, hoje em dia.

A maior parte da Economia e da Ciência Política se temocupado de áreas ínstítucíonaís especiais da estrutura social.Sôbre a "economia" e sôbre "o Estado", os cientistas polí-ticos, em proporções menores, e os economistas, com maiorintensidade, desenvolveram "teorias clássicas" que perdura-ram durante gerações de estudiosos. Em suma,construÍrammodelos, embora os cientistas políticos (juntamente com ossociólogos) tenham sido tradicionalmente menos cônsciosdessa construção de modelos do que os economistas.· A teo-ria clássica consiste em formular concepções e suposições,dasquais se tiram deduções e generalizações, que por suavez são consideradas com várias proposições empíricas. Nes-

-, sas tarefas, concepções e processos e até mesmo questões são,..pelo menos ímpllcítamente, codificados.

Tudo isso pode estar certo, mas para a Economia certa-mente, e para a Ciência Política e para a Sociologia, no devi-do tempo, dois fatos tendem a tornar menos relevantes psmodelos formais de Estado e economia que têm limites cla-ros, ou seja, formais - e em grande parte mutuamente ex-clusivos: 1) o desenvolvimento econômico e político daschamadas áreas subdesenvolvidas, e 2) tendências das for-mas de "Economia Política" do século XX - totalitárias ouformalmente democráticas. Os resultados da Segunda Guer-ra Mundial foram ao mesmo tempo erosivos e frutíferos paraos teóricos da Economia que estavam atentos aos fatos, e narealidade para todos os cientistas sociais dignos do título.

Uma "teoria de preços" que seja meramente econômicapode ser làgicamente clara, mas não emplrícamente ade-

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.quada. Essa teoria exige consideração da administração dasinstituições' econômicas e o papel dos homens que toma de-cisão dentro e entre elas; exige atenção para a psicologiadas previsões de custos, em particular os salários; para a fixa-ção de preços pelos cartéís dos pequenos negócios, cujos líde-res têm de ser compreendidos. Da mesma forma, para com-preender "a taxa de juros" com freqüência é necessário o co-nhecimento do tráfico oficial e pessoal entre banqueiros eautoridades governamentais bem como da mecânica impes-soal da economia.

Creio que não resta a cada cientista social senão íngres-:sar na ciência social, e assim fazendo, adotar plenamente acomparação - e creio que isso constitui hoje uma forte ten-dência. O trabalho comparativo, teórico ou empírico, é o as-pecto mais promissor para o desenvolvirnento da ciência so-cialhoje. E êsse trabalho se realizará melhor dentro de umaciência social unificada.

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4.À medida que cada ciência social progride, sua intera-

ção com as outras é intensificada. A matéria da Economia estácomeçando a voltar a ser o que era no início - a "EconomiaPolítica", vista cada vez mais dentro de uma estrutura total.Um economista como John Galbraith é um cientista polí-tico tanto quanto 'Hobert Dahl ou Davíd Truman; na verda-de, seu trabalho sôbre a estrutura atual do capitalismo ame-ricano o é tanto uma teoria sociológica de uma EconomiaPolítica quanto a análise do capitalismo e democracia feitapor Schumpeter, ou Earl Latham sôbre a política de grupos.Harold D. Lasswell, David Hiesman ou Gabriel Almond sãoao mesmo tempo sociólogos, psicólogos e cientistas políticos.Entram e saem das Ciências Sociais; e, na medida em que al-guém domina qualquer um dêsses "campos", é obrigado apenetrar nas cercanias dos outros, O que equivale a dizer, naesfera. de todos êsses setores que pertence à tradição clás-sica. Podem, decerto, especializar-se numa ordem institucio-nal, mas na medida em que apreendem o que lhe é essen-

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• Publicado· por esta editôra na coleção Divulgação Cultural,sob o titulo Capitalismo. (N. dos E'> .

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cial, também compreendem seu lugar dentro da estruturasocial total, e portanto suas relações com outros domíniosínstítucionaís. Pois em' proporções consideráveis, sua reali-dade mesma consiste dessas relações, o que se está tornandoclaro.

Não devemos, decerto, supor que, frente à grande varie-dade da vida social, O'S cientistas sociais tenham racional-mente dividido O'trabalho a ser feito. Em primeiro lugar, cadauma das disciplinas em questão cresceu sàzinha e em res-posta a exigências e condições bastante específicas; nenhu-ma desenvolveu-se corno parte de algum plano geral. Emsegundo lugar, há decerto muitos desacordos sôbre as rela-ções dessas várias disciplinas e. também sôbre O' grau ade-quado de especificação. Mas O' Fato que hoje se impõe é O'

de que tais desacordos podem ser vistos mais corno exis-tentes na vida acadêmica dO' que CDmD dificuldades intelec-tuais, e até mesmo acadêmicarnente creio que tendem, CDm

freqüência, a se resolverem, a serem superados.Intelectualmente; O' fato central hoje é a crescente flui-

dez das linhas de limites; as concepções se movem com cres-cente facilidade de urna dlscíplína para outra. Há várioscasos notáveis de carreiras baseadas exclusivamente no do-mínio do vocabulárío de um campo, e seu emprêgo diretona área tradicional de' outro. Há e' haverá .especialização,

'<mas não se deve fazer em têrmos das disciplinas mais DUmenos acadêmicamente construídas, tais corno as conhece-m'os. Deveria ocorrer dentro' das linhas de problemas cujasolução exige um equipamento intelectual que tradicional-mente pertence a essas várias disciplinas. Concepções seme-lhantes, e métodos, estão sendo cada vez mais usados portodos os cientistas sociais.

Tôda ciência social vem sendo modelada pela evoluçãointerna de tipo intelectual; tôdas também foram decisiva-'mente influenciadas por "acidentes" ínstítucíonaís - fatoclaramente revelado pelas formas diferentes que cada umadelas tornou em cada um dos principais países ocidentais.A tolerância ou a indiferença pelas disciplinas já estabele-cidas, inclusive a Fílosofía, História e Humanidades, condícío-nou, com freqüência, os campos da Socíología, Economia, An-tropología, Ciência Polítíça e Psicologia. Na verdade, em al-

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gumas instituições de estudos superiores essa tDlerância, ousua ausência, determinou a presença O'U ausência das Ciên-cias Sociais corno departamentO' acadêmicO'. Em Oxford eCambridge, pO'r exemplo, não' há departamentO's de Sócio-logía.

O perigo de levar demasiadamente a sério a departamen-talízação da ciência social está na supDsiçãD correlata de queas instituições econômica, pDlítica, e outras instituições SD-

ciais, sejam, cada uma delas, um sistema autônDmD. CDmD

já disse, essa supDsiçãD tem sido e é usada para construir"mDdelDs analíticos" que CDm freqüência são realmente muitoúteis. Generalizados e CDngeladDSem departamentDs de umaescola, O'Smodelos clássicDs da "constituiçãO' política" .e da"ecDnomia"prDvàvelmente se aprDximam da estrutura quetinham no século XIX a Inglaterra e especialmente os Esta-dDS UnidDs. De fato, histàricamente,a EcOnDmia e a CiênciaPDlítica corno especialidades devem, em parte, ser ínterpre-tadas em têrmos da fase histórica do Ocidente modernO', du-rante a qual cada ordem instituciDnal Ioí considerada CDmD

.um reino autônomo. Mas está claro que um modêlo da SD-

ciedade CDmO'composta de Drdens instituciDnais autônDmasnão é certamente O' único mDdêlD em têrmos do qual tra-balhar em ciência social. NãO' pO'demos tomar aquêle únicotipo CDmO'.base adequada para a totalidade de nossa divisãO'do. trabalhO' intelectual. A' compreensãO' dísso é um dos im-pulsos que agem hoje para unificar as Ciências Sociais. Umafusão muito ativa das várias disciplinas da Ciência Política eEconDmia, AntrO'pologia Cultural e História; Socíología, e pelomenos uma das principais' divisões da PsicDlogia, vem OCDr-rendo na planificação dDS cursos acadêmidos, bem como naplanificaçãO' ideal dDS estudos.

Os prDblemas intelectuais provDcadDs pela unidade dasCiências Sociais estão ligadDs principalmente às relações dasordens instituciDnais - a pO'lítica e a eCDnômica, a militar ea religiosa, a família e a educaçãO' - em determinadas. socie-dades e períDdos; cO'nstituem, como já disse, prDblemas ím-pO'rtantes. As muitas dificuldades práticas criadas pelas re-lações funciDnais das várias Ciências Sociaís estão ligadas aoplanejamentO' dDS currículos e das carreiras acadêmicas, àconfusão lingüística e aos mercados de empregDs existentespara DS díplomados de cada setor. Um grande O'bstáculo aorrabalho unificado na ciência social é O' livro dídátíco íntro-

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Page 6: MILLS, W. A imaginação sociológica - A variedade humana

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dutório e monodisciplinar. É, com mais freqüência, em têr-mos de livros didáticos do que de qualquer outras produçõesintelectuais que a integração e as limitações dos camposocorrem. É difícil imaginar local menos adequado. Mas osvendedores de livros didáticos por atacado têm um interêssemuito real nas suas produções, mesmo que os produtores econsumidores sejam logrados. Juntamente com a íntegraçãono livro didático a tentativa de integrar as Ciências Sociaisse processa em têrmos de concepções e métodos, e não emtêrmos de problemas e temas. Assim, a idéia de "campos"distintos se baseia menos em áreas-problemas férreas do queem Conceitos frágeis. Esses são, não obstante, difíceis de su-perar, e não sei se o serão: Mas há uma possibilidade, creio,de que dentro da sociedade de disciplinas acadêmicas certastendências estruturais poderão, no devido tempo, superar asque - quase sempre entrincheiradas e obstinadas - estãoainda isoladas em seus ambientes especializa dos.

Enquanto isso,sem dúvida muitos cientistas sociais indi-viduais compreendem que em "suas próprias disciplinas" po-dem alcançar melhor suas finalidades reconhecendo mais ex-pllcítamente as tarefas comuns orientadoras da ciência social.É hoje totalmente possível para o praticante individual igno-rar o desenvolvimento "acidental" de departamentos, e es-colher e modelar sua própria especialidade sem ser muitoprejudicado por êles. Ao adquirir um senso autêntico dos

.problemas significativos, e preocupar-se apaixonadamente comá sua solução, com 'freqüência é forçado a dominar idéias emétodos que surgiram dentro de uma ou várias dessas dís-cíplínas. Para êle, nenhuma especialidade da ciência da so-ciedade parecerá, em qualq.uer sentido intelectualmente sig-nificativo, um mundo fechado. Também chega a compre-ender que está na verdade praticando a' ciência social, e não.uma das Ciências Sociais, .e que isto ocorre a despeito da áreaparticular da vida social cujo estudo mais lhe interessa.

Afirma-se, com freqüência, que ninguém pode ter umespírito totalmente enciclopédico, sem ser diletante. Não seise assim é, mas se fôr, não poderemos apesar disso pelo me-nos ganhar alguma coisa com o senso enciclopédico? É im-possível dominar realmente todo o material, concepções, méto-dos de cada uma dessas disciplinas. Além disso, as tentativasde "integrar as Ciências Sociais" pela "tradução conceptual"ou exposição detalhada de materiais são habitualmente toli-

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ces bizantinas. . O mesmo ocorre com grande. parte do que.acontece nos cursos sôbre "ciência social geral". Mas êssedomínio, essa tradução, essa exposição e êsses cursos - nãosão o que entendemos por "unidade das Ciências Sociais".

O que entendemos 6 isso: para formular e resolver qual-quer um dos problemas significativos de nossa época é ne-cessária uma seleção de materiais, concepções e métodos demais do que qualquer uma dessas várias disciplinas. O cien-tista social não precisa "dominar o campo" para estar fami-liarizado com seus materiais e perspectivas, a fim de usá-lospara o esclarecimento dos problemas que lhe interessam. Éem têrrnos dêsses "problemas" tópicos, e não de acôrdo com

. os limites acadêmicos, que a especialização deve ocorrer.E parece-me ser isso o Que está acontecendo hoje.

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