midiando o terror

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Sistema Penal & Violência Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS ISSN 2177-6784 Porto Alegre Volume 4 – Número 1 – p. 34-45 – janeiro/junho 2012 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creave Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported. “Midiando” o terror O caso do PCC no Brasil 1 “Medianing” terror The case of PCC in Brazil RENATA ALMEIDA DA COSTA DOSSIÊ TERRORISMO Editor-Chefe JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO Organização de FÁBIO ROBERTO D’AVILA JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO

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MIDIANDO O TERROR

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  • Sistema Penal & Violncia

    Revista Eletrnica da Faculdade de Direito Programa de Ps-Graduao em Cincias Criminais

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS

    ISSN 2177-6784

    Porto Alegre Volume 4 Nmero 1 p. 34-45 janeiro/junho 2012

    Os contedos deste peridico de acesso aberto esto licenciados sob os termos da Licena Creative Commons Atribuio-UsoNoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported.

    Midiando o terrorO caso do PCC no Brasil1

    Medianing terrorThe case of PCC in Brazil

    Renata almeida da Costa

    Dossi TERRORISMO

    Editor-Chefe Jos Carlos Moreira da silva Filho

    Organizao de Fbio roberto davila

    Jos Carlos Moreira da silva Filho

  • Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 34-45, jan./jun. 2012 34

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    Midiando o terrorO caso do PCC no Brasil1

    Medianing terrorThe case of PCC in Brazil

    Renata almeida da Costa*

    ResumoO artigo aborda a influncia dos mass media para a definio da organizao de presos brasileira denominada de Primeiro Comando da Capital (PCC) como terrorista. Para tanto, pretende a anlise crtica de manchetes

    publicadas em peridicos jornalsticos nacionais e internacionais sobre o assunto, a partir de referncias

    bibliogrficas especializadas. A realidade do sistema prisional brasileiro abordada como fonte e lcus

    de origem do PCC. A concluso recai na inadequao dessa organizao modalidade terrorista e no

    enfrentamento daqueles atos como formas de comunicao.

    Palavras-chave: Mdia; PCC; Sistema prisional; Terrorismo.

    AbstractThe article discusses the influence of mass media to define the organization of Brazilian prisoners named

    First Capital Command (PCC) as terrorist. To this end, it intends to review the headlines published in

    national and international news journals on the subject, from references specialized literature. The reality

    of the Brazilian prison system is discussed as the source and locus of origin of the PCC. The conclusion

    lies (a) in the inadequacy of this organization to the terrorist model and (b) in the possibility of facing those

    acts as forms of communication.

    Keywords: Mass media; PCC; Prison system; Terrorism.

    1 Notas introdutrias: a definio da mdiaO terrorismo no corresponde a uma modalidade delituosa tpica sob a perspectiva do sistema jurdico

    brasileiro. Todavia, inmeros reclames vm sendo divulgados nos veculos de comunicao de massa, no

    sentido de considerar o Primeiro Comando da Capital (PCC)2 uma organizao terrorista. Na sequncia dessas

    aes, o chamado criminalizao das condutas tidas como terroristas faz-se uma constante nos discursos

    jornalsticos e legislativos.

    Muito embora a repercusso das supostas aes terroristas se d nos espaos urbanos (em especial, nas

    grandes metrpoles brasileiras), a origem da situao, como se quer demonstrar, est no interior do sistema

    de controle social (quer seja o formal punitivo quer seja o informal miditico).

    * Mestre em Cincias Criminais (PUCRS/2002), Doutora em Direito (UNISINOS/2010). Professora universitria.

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    Em 19 de julho de 2006, a edio de nmero 1965, fascculo n 28, da Revista Veja estampou na capa a seguinte manchete: PCC como funciona e como fazer para acabar com o terror. A ilustrao de fundo trazia

    a imagem de um automotor em chamas, envolto em um cenrio negro, acompanhado da discreta inscrio:

    Caminho incendiado por bandidos na semana passada. Na mesma sequncia, outros veculos alardearam

    suas frases de efeito. Vejam-se algumas delas: O terror no Brasil o PCC (revista poca); PCC ser a 2 maior fora terrorista continental (jornal Agora Mato Grosso); PCC grupo terrorista e j atua fora do Brasil (site ); Ataques podem ser caracterizados como atos de terrorismo (revista Consultor Jurdico); Ao do PCC pede lei antiterror (jornal Folha de So Paulo); PT discute tipificar crime de terrorismo em reao ao PCC (site ).

    Essas manchetes foram publicadas nos meses de julho e agosto do ano de 2006. No mesmo perodo (13

    de agosto de 2006, mais especificamente) em que a Rede Globo de Televiso exibiu um vdeo feito por uma

    pessoa supostamente integrante do PCC, por conta de exigncia de sequestradores que haviam tornado refm

    um dos reprteres da rede. O comunicado levado ao ar criticava o sistema penitencirio nacional e reivindicava

    a reviso de penas aplicadas aos sujeitos privados da liberdade e melhores condies carcerrias, ao mesmo

    tempo em que manifestava inconformismo para com uma sano disciplinar que recentemente havia sido

    implementada no pas: o Regime Disciplinar Diferenciado3.

    A matria veiculada pelo endereo eletrnico Consultor Jurdico4 apresenta o convencimento de que

    os atos de violncia realizados pela organizao de presos intitulada PCC so, de fato, aes terroristas. A

    entrevistada que serviu de fonte para a matria apresentada como uma das maiores autoridades brasileiras

    em combate ao crime organizado. Tudo porque, segundo a narrativa, trata-se de funcionria pblica que ocupa

    o cargo de Procuradora Regional da Repblica. Sua especializao haveria sido adquirida em funo de ter

    atuado em uma investigao famosa. O investigado era o juiz Nicolau dos Santos Neto sujeito que fora ru

    em processo criminal amplamente coberto pela impressa brasileira.

    Na acepo da fonte dessa matria jornalstica, os atos em comento so terrorismo puro porque os sujeitos agem mediante um comando e possuem um ncleo financeiro estruturado. Na sequncia da opinio

    divulgada, colacionam-se as falas de outros funcionrios pblicos que atuam, tradicionalmente, em posies

    de persecuo da ordem (um policial federal e outro comandante da polcia militar do estado de So Paulo,

    que ordenou o Massacre do Carandiru). A breve entrevista se encerra com a frase: Com bandido tem de jogar truco: mostrar fora, se no eles pagam para ver. Esto pagando, alis.

    Nada mais foi acrescentado. Nenhum contraponto foi estabelecido. E a concluso foi estampada no alto

    da pgina: Ataques podem ser caracterizados como atos de terrorismo. Em outra entrevista veiculada na web pela assessoria de imprensa da Justia Federal do Estado do Mato Grosso do Sul, um juiz federal afirma no

    ter dvidas de que o PCC um dos grupos terroristas mais fortes da Amrica do Sul. Semelhante matria do Conjur, esta tambm se encerra com uma ideia de efeito:

    O PCC um grupo terrorista classificado como comum. Ele no nacionalista nem poltico, porque no

    defende um territrio nem pretende mudar o regime poltico brasileiro. Um exemplo clssico de terrorismo

    nacionalista o Hamas, atuante na Palestina e que faz resistncia a Israel. O Hamas defende o direito a um

    Estado. Outro exemplo de terrorismo poltico est nas Farcs, cujo objetivo mudar o sistema de governo

    e implementar um regime mais ou menos como o de Cuba.

    O PCC no tem fins polticos nem religiosos. Pretende manter delinquncia e poder econmico, intimidando,

    tentando enfraquecer e atingindo o poder repressor oficial. Pratica violncia fsica e psicolgica contra a

    comunidade e pessoas.5

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    Aqui tambm no se estabelece um contraponto crtico. Sequer o leitor informado da situao

    paradigmtica escolhida. Talvez porque as expresses que do nome s organizaes tomadas como anlogas

    ao PCC so deveras conhecidas: Hamas e Farcs.

    Generalizando ainda mais a noo de terrorismo, mas mantendo o impacto da fonte especialista, a

    Revista poca, em sua manchete, afirma que existe terrorismo no Brasil. Para o entrevistado (brasileiro oficial

    do Departamento de Defesa americano, ocupante do cargo de tenente-coronel da reserva dos fuzileiros navais

    e que atualmente trabalha na Embaixada norte-americana em Braslia), qualquer coisa que impea a vida pacfica e cria falta de confiana na segurana pblica terrorismo. [...] Eis o que aconteceria nos Estados Unidos: decretariam a lei marcial. Fecha tudo s 9 da noite. Qualquer pessoa andando na rua a partir desse horrio seria inimigo. [...] preciso entender que eles so inimigos do Estado6. Nos mesmos moldes das outras matrias, esta tambm unilateral e se limita a degravar a fala do entrevistado.

    A Folha de So Paulo, de igual forma, publicou perguntas e respostas travadas com mais um especialista. Iniciada com a indagao: possvel considerar terrorista a estratgia do PCC? a matria fundamentou a

    manchete: Ao do PCC pede lei antiterror7. O entrevistado pondera que em relao s aes do PCC, tudo

    uma questo de semntica, mas afirma que os atos se amoldam classificao internacional de terrorismo.A matria no demonstrou qual a classificao internacional de terrorismo. Afinal, nem mesmo a ONU

    estabelece uma definio especfica sobre os atos ou sobre as caractersticas objetivas dessa modalidade de

    ao. Ao mesmo tempo, para a opinio pblica, as informaes trazidas pelo experto podem ser percebidas

    como insofismveis (como poderia um leigo critic-las ou estabelecer outra opinio que no a sentena que

    encabea o texto verdadeira notcia?).

    Em derivao, as reportagens indicam um mesmo caminho para a soluo da insegurana gerada pela

    existncia do PCC: sobrepenalizao; endurecimento das polticas criminais; indisponibilidade de dilogo;

    exacerbao do controle. E, principalmente, desateno para o comunicado feito.

    Em nenhuma dessas matrias fez-se referncia ao locus da origem dos atos e da formao da organizao denominada de PCC. Sequer a historicidade do grupo veio ao pblico. Partiu-se do senso comum: os atores mais

    do que estarem presos, so presos. So criminosos. So inimigos. Nada comunicam alm do mal e do perigo

    que representam. A resposta nica que a eles se destina: o combate, a represso, a fora e o rigorismo da lei.

    2 Aspectos analticos do encarceramento no BrasilEm contraposio ao olhar sensacionalista dos meios de comunicao, h outra possibilidade de

    compreenso do fenmeno da violncia urbana contempornea promovida pelos detentos do sistema prisional.

    Essa possibilidade demanda um olhar descritivo, analtico.

    Desse modo, antes de mais nada (e na contramo do promovido pela mdia) a compreenso da presena

    ou no do terrorismo no Brasil, exige uma leitura mais densa. E ela pode ser dada a partir da verificao das

    condies de onde o fenmeno possivelmente se instaura: no interior de um dos sistemas estatais de controle;

    i. e., o prisional.A anlise dos sistemas punitivos contemporneos, construdos pelas sociedades ocidentais, de consumo,

    ps-fordistas, tem sido estabelecida pelos criminlogos hodiernos sob uma perspectiva crtica8.

    Considerando que a violncia gerada no interior do sistema prisional brasileiro adquire visibilidade no

    Brasil e no mundo a partir, especialmente, dos atos praticados pelo PCC, no absurdo que se considere

    uma concluso gerada por um relatrio internacional9: o sistema prisional ptrio elemento fundamental para

    a perpetuao dos vnculos entre pobreza e violncia no pas, ao mesmo tempo em que alimenta os processos

    de criminalizao.

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    Mais que isso. Sem recorrer ao senso comum, mas se utilizando do domnio pblico, pode-se afirmar

    que o trinmio: pobreza, desigualdade social e violncia, somado violncia institucional (e no apenas

    promovida por conta da carceirizao) afetam um contingente especfico dentro e fora dos muros das prises.

    O encarceramento promove a estigmatizao do detento e de sua famlia. Ou o contrrio. Por conta

    da gritante diferena social, promovida pela pobreza, os pobres, os desempregados, os desinformados so

    predispostos aos processos de estigmatizao promovidos pelo sistema punitivo. O selo de criminoso, de

    perigoso, de delinquente encontra, nessa parcela da populao brasileira, assento fcil.

    No Pas, frequentes so as decises judiciais que homologam autos de priso em flagrante de delitos

    cometidos contra o patrimnio (leiam-se furtos e roubos) em que o fundamento do decreto prisional se alicera

    na garantia da ordem pblica, no que se prestaria (a priso processual) a acautelar a sociedade contra o

    sujeito perigoso.

    Em busca do relaxamento da priso ou da concesso da liberdade provisria, defensores juntam aos

    seus requerimentos documentos que procuram demonstrar a pessoa presa possuir bens (ser morada de algum

    lugar, possuir residncia fixa) e exercer trabalho fixo (em um esforo para retir-lo o selo, substituindo-o por

    outro: o de trabalhador). O esforo defensivo se revela, por vezes, desigual. Pesam contra o sujeito preso um

    sistema policial e de justia indiferente com boa parte da populao encarcerada (composta, tambm, em sua

    maioria, por jovens e negros).

    Como fundamentado cientificamente10, a criminalizao primria, promotora da secundria, exacerba

    a marginalizao do sujeito aprisionado, bem como de seus familiares.

    Segundo o relatrio internacional sobre violncia e sistema prisional11 no Brasil, o sistema prisional

    ptrio se caracteriza por ser um elemento fundamental de perpetuao do ciclo de pobreza e violncia. Nas

    palavras do documento:

    [] is a mirror of the society that has produced it, reflecting as it does Brazils severe socioeconomic

    disparities. In short, the inevitable outcome of the criminalization of Brazils poorest citizens is their

    incarceration in a penal system that serves to exacerbate inequality, consolidate exclusion and reinforce prejudice rather than re-socialize and integrate.

    O relatrio faz referncia aos dados fornecidos pelo Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN),

    do Ministrio da Justia, que atestou ser de 440.013 pessoas, no primeiro semestre de 2008, o contingente

    encarcerado no pas. Desse total, 381.112 estaria no interior de presdios, enquanto 58.901 estariam em celas

    de Delegacias de Polcia.

    Por esses dados, o Brasil possui a quarta maior massa carcerria do mundo. Do total de detidos nas

    prises, 130.745 so presos preventivos (ainda no julgados). Isso significa que cerca de 1/3 das pessoas presas

    no foram condenadas definitivamente.

    O documento enfatiza, ainda, que entre os anos de 2003 a 2007 o nmero de presos preventivos aumentou

    89% (enquanto a populao carcerria mundial aumentou 37%). Assim, esses dados revelam a existncia de

    ausncia de polticas pblicas e os atrasos do Sistema de Justia e do Sistema Legal.

    Ao mesmo tempo, o relatrio afirma que o perfil do preso brasileiro composto, em sua maioria, por

    jovens afro-brasileiros e muito pobres, apontando que: 32% tm entre 18 e 24 anos de idade; 15% esto entre

    35 e 45 anos; e 6% esto entre 46 e 60 anos. Em termos educacionais, 8% so analfabetos e 14 % so apenas

    alfabetizados. Alm disso, 45 % no terminou o ensino fundamental, enquanto outros 12% completaram o

    ensino fundamental mas no cursaram o ensino mdio. Apenas 7% completaram o ensino mdio.

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    As modalidades delituosas pelas quais as pessoas esto presas tambm refletem o perfil socioeconmico

    da massa carcerria. Os dados do Ministrio da Justia indicam que 19% dos detentos foram condenados

    por roubos majorados, enquanto 14%, pelo envolvimento com o narcotrfico e 13% por extorso mediante

    sequestro.

    Ora, essas informaes conduzem ao entendimento de que boa parte da populao prisional est detida

    pela prtica de delitos patrimoniais que remetem s diferenas socioeconmicas (o encarceramento por delitos

    do colarinho branco inexpressivo).

    3 O sistema prisional e o PCCNo contexto dessa catica situao prisional, deu-se uma das rebelies de maior repercusso miditica.

    O local: o extinto complexo prisional do Carandiru, na cidade de So Paulo12. Os fatos envolvendo o massacre

    do Carandiru foram considerados por diversos meios de informao (desde os jornalsticos at os acadmicos)

    como um dos maiores exemplos de violao dos direitos humanos da histria brasileira.

    Esse fato examinado em funo das mortes ocorridas dentro daquela priso. O massacre ocorreu em 2 de outubro de 1992 e foi provocado por uma desavena envolvendo um pequeno nmero de detentos. Durante

    aquele evento, o estabelecimento prisional rompeu com o padro de ordem estabelecido pelo sistema externo

    (normativo e administrativo), reproduziu atos de violncia interna e, mediante a violncia vinda de fora, por

    atos da polcia, eclodiu dito massacre.

    Menciona-se que o resultado dessa interao foi dado de forma trgica: a morte de 111 prisioneiros,

    sendo que 102 sucumbiram aos disparos de arma de fogo realizados pela Polcia Militar, enquanto os outros

    09 teriam morrido em funo dos atos de violncia realizados no interior do Sistema, antes da invaso policial.

    Disso tudo, saliente-se para o fato que, sob a observao externa, causa estranheza: nenhum dos 68 policiais

    foi morto.

    O massacre ocasionou uma grande consternao entre a populao em geral. Contudo, a maior reao

    partiu de alguns membros da massa carcerria brasileira. Nesse subsistema, operou-se outra forma de

    organizao interna, dando-se origem ao O PCC, no ano de 1993. A composio inicial tinha por membros

    alguns internos da priso de Taubat, do interior do estado de So Paulo.

    A organizao dos presos do sistema penitencirio paulista, ou como referenciam seus integrantes,

    fundao, se deu no ano de 1993, numa luta descomunal e incansvel contra a opresso e as injustias, do Campo de Concentrao anexo Casa de Custdia e Tratamento de Taubat, tem como tema a Liberdade,

    a Justia e a Paz.13

    A meno expresso liberdade poderia soar cnica, no contivesse um contedo muito forte de

    legitimidade naquela reivindicao. Afinal, no inverdico afirmar que direitos de execuo penal (v.g. progresses de regime, concesso de livramento condicional e at mesmo a declarao de extino de

    punibilidade pelo efetivo cumprimento da privao da liberdade) no so plenamente efetivados no Brasil.

    Alm disso, a referncia ao massacre a 111 detentos ocorrido em uma unidade prisional do sistema

    punitivo paulista est presente na manifestao escrita do PCC:

    13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre,

    semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Deteno em 02 de outubro de 1992, onde 111 presos foram

    covardemente assassinados, massacre este que jamais ser esquecido na conscincia da sociedade brasileira.

    Porque ns do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridade mudar a prtica carcerria,

    desumana, cheia de injustia, opresso, tortura, massacres nas prises.14

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    A definio inicial do PCC dada, nos anos noventa, pelos meios de comunicao nacionais como sendo

    uma organizao criminosa formada por presos. J nos meios de comunicao estrangeiros, especialmente

    os de lngua estrangeira, percebe-se a adeso de outro elemento a essa descrio: a qualidade de organizao

    terrorista. Na lngua inglesa, o PCC conceituado como a Brazilian prison gang (turned terrorist) criminal organization15. A associao terminolgica do PCC ao terrorismo foi implementada nos anos dois mil.

    Tambm nos veculos de comunicao da massa, passou-se a nomin-lo terrorista, como anteriormente referenciado.

    Porm, como anlise comum, aqum das divergncias lingusticas, o PCC responsabilizado por

    uma srie de atividades criminais, entre elas: comando de rebelies em presdios, organizao de fugas de

    estabelecimentos prisionais, trfico de drogas, assaltos a bancos e, obviamente, atividades terroristas. Essas

    ltimas, derivariam da prtica de ataques realizados a lugares e a objetos pblicos, fora do sistema prisional,

    mas por determinao dos homens presos, integrantes daquela organizao.

    A nomenclatura Primeiro Comando da Capital faz referncia capital do estado de So Paulo, a cidade

    de So Paulo. Da, a aluso expresso capital. O P.C.C foi fundado em 31 de agosto de 1993 por oito

    presos que cumpriam pena em Taubat e que foram transferidos da cidade de So Paulo. O grupo se formou

    durante um jogo de futebol no interior do presdio16.

    O PCC tambm identificado como Partido do Crime. Sua fundao tem por objetivo uma programao

    de cunho poltico: lutar contra a opresso exercida internamente no sistema penitencirio paulista e vingar a

    morte dos 111 prisioneiros vitimados no Massacre do Carandiru17.

    Relatos jornalsticos informam que a organizao parcialmente mantida por seus membros, denominados

    irmos. Segundo as matrias produzidas, tais sujeitos exigem o pagamento mensal de quantias em dinheiro

    de membros que esto dentro e fora do sistema. O dinheiro utilizado para a compra de armas e drogas e,

    tambm, para financiamento de operaes praticadas no exterior do sistema prisional. Para se tornar um membro

    do PCC, preciso ser introduzido na Organizao por parte de outro membro18. A insero plena, todavia,

    condicionada demonstrao de provas de fidelidade aos interesses do grupo.

    Nessa linha narrativa, os meios de comunicao noticiam, ainda, que o P.C.C tem comandado ataques

    contra estabelecimentos e veculos pblicos tais quais: delegacias de polcia, fruns, estabelecimentos

    comerciais e coletivos urbanos (nibus). Tais aes teriam sido gerenciadas de dentro do sistema prisional,

    pelos prprios detentos, por meio de um instrumento produzido pela sociedade complexa: a tecnologia da

    telefonia celular.

    4 Razes da inadequao do PCC ao terrorismoEm que pese a observncia de algumas caractersticas definidas internacionalmente como tpicas

    de organizaes terroristas, o PCC a elas no se assemelha. Sob o ponto de vista conceitual dominante,

    a caracterizao do terrorismo se d a partir de um objetivo principal: uma reclamao de ordem poltica

    (pelo menos na forma do terrorismo poltico). E essa uma distino fundamental dos atos praticados por

    organizaes terroristas, geradas nos ltimos trinta anos, da criminalidade comum (mesmo a considerada

    organizada como a produtora do narcotrfico).

    Conforme o segundo argumento, o terrorismo identificado como um meio para o alcance de um

    fim. A tal ponto de alguns autores asseverarem que o terrorismo um mtodo que tem por finalidade o

    domnio das massas19. Na ao terrorista, o dinheiro empregado como um meio para o alcance de seus

    intentos. Nas associaes criminosas para a prtica do narcotrfico, v.g., a obteno de dinheiro o resultado final.

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    A despeito da inexistncia de um consenso conceitual, as causas motivadoras das prticas terroristas20 recairiam nas deficincias democrticas (nas lacunas no preenchidas pelo Welfare State); no cerceamento das liberdades civis; nos vazios legislativos; na fraqueza dos Estados; na rpida modernizao; nas ideologias

    extremistas; nos antecedentes histricos de violncia poltica, de guerras civis, de revolues, de ditaduras

    ou ocupaes; no uso ilegtimo do poder; na corrupo dos governos; no poder externo que apoia governos

    ilegtimos; nas experincias discriminatrias baseadas em origens tnicas ou religiosas; na incapacidade dos

    Estados em integrar grupos dissidentes e classes emergentes; nas experincias de injustia social; na existncia

    de lderes ideolgicos carismticos e em eventos trgicos.

    Elencadas tais causas, pode-se at, em um esforo interpretativo no caso de algumas, perceb-las na

    histria brasileira. Contudo, como enfatizado acima, poucas se aplicariam ao PCC. A inexistncia de uma

    ideologia poltica ou de um lder que identifique a Organizao se constitui em fator que a diferencia de outras

    modalidades assim consideradas, terroristas.

    Ao contrrio, o que se percebe nas organizaes criminosas brasileiras destinadas traficncia de

    drogas, que, embora estejam seus membros organizados de forma hierrquica e com atribuio de funes,

    os lugares ocupados por eles so preenchidos com grande facilidade quando vagos. A disputa interna de poder

    que caracteriza tal modalidade de associao no permite a identificao das motivaes com uma causa social.

    Lderes se mantm pelo emprego da fora. No h contedo ideolgico nos discursos.

    Isso vai de encontro a uma percepo sobressalente das organizaes terroristas:

    Las organizaciones terroristas contemporneas cuya movilizacin puede ser catalogada como insurgente y pro-activa suelen corresponder a grupos radicalizados inspirados en ideologas de extrema izquierda o ambiciones nacionalistas de signo secesionista, de manera que su violencia tiende a dirigirse, en mayor medida, contra instituciones oficiales y agentes estatales.21

    Se esses so os fatores que causam o terrorismo, por outro lado, os que o mantm so: a) os ciclos

    de vingana; b) a necessidade de o grupo a sustentar seus membros, porque a existncia deles representa a

    identidade do grupo em si; c) a lucratividade das atividades criminais que desenvolvem; d) ausncia de sada

    (se presos, a nica alternativa um longo perodo de deteno ou a morte).

    Muito embora a alta lucratividade alcanada pelo trfico de drogas e a presena dos ciclos de vingana

    (entre faces de detentos, entre as relaes com a polcia, v.g.), a existncia do PCC no se confunde com uma organizao terrorista. A manuteno dos membros no interior na organizao no se d, no Brasil, por

    vnculos ideolgicos a traficncia de drogas e o pertencimento a algum tipo de faco podem ser fatores

    determinantes da sobrevivncia no crcere.

    Contudo, em relao inexistncia de alternativas que se pode apontar uma similitude entre a

    organizao dos presos paulista (PCC) e as organizaes terroristas. A explicao diz com a natureza punitiva

    das respostas estatais.

    O recrudescimento do poder punitivo, o exerccio do terror estatal, a criminalizao de condutas, o

    aumento de penas privativas de liberdade, o alargamento dos prazos detentivos, o cerceamento ou a negao

    de direitos civis so exemplos de situaes criadas pelo Estado para o combate s atividades indesejadas.

    No Brasil, o estado de bem-estar social no se implementou em sua forma mais plena. As promessas

    constitucionais no so executadas. E, mesmo quando aplica o castigo quele que descumpre o preceito

    normativo, o Estado viola as normas de execuo penal (a superlotao dos presdios o exemplo mais gritante

    dessa realidade).

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    Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 34-45, jan./jun. 2012 41

    Dito de outro modo, no interior dos presdios brasileiros, o Estado negou vigncia, validade e eficcia

    Lei de Execuo Penal. Os presos esquecidos, contudo, comunicam-se com o exterior. Por vezes, o mecanismo

    adotado o da prtica de determinados atos, tradicionalmente, considerados de violncia.

    Compreendendo o ato terrorista no como uma categoria criminal, mas como ato de comunicao22,

    pode-se perceber que a expresso (ou sensao de) terror surge exatamente quando o sentido do ato no

    alcanado pelo receptor. A resposta estatal punitiva mais exacerbada (de medo e pelo medo) se d em detrimento

    manifestao de aquiescncia ou de negao do que fora reivindicado no ato emissor.

    Como exemplo de um desses atos, volta-se referncia feita no incio deste texto: o sequestro de um

    jornalista integrante de uma grande emissora de TV brasileira e a exigncia da divulgao ao vivo de um

    manifesto. Contudo, mesmo divulgado tal documento em que se pleiteava o cumprimento da Lei de Execues

    Penais, pouca (ou nenhuma) ateno se deu ao contedo da mensagem em si. Ao contrrio. O formato da

    mensagem que passou a ser o objeto da ateno da mdia, dos poderes pblicos, da opinio pblica.

    Como se houvesse uma blindagem contra os fundamentos do requerimento, as atenes se voltaram

    ao temida: a organizao dos perigosos, a manipulao da mdia alcanada por eles, a possibilidade de

    extenso de seus olhos e braos ao mundo extramuros. A potencialidade do dano que pode causar (risco e

    perigo). Afinal, mesmo excludos, fora, fazem-se sentir pela sociedade.

    A reao que o ato comunicativo dos detentos gerou na opinio pblica e nos gestores oficiais do

    poder foi no seguinte sentido: como cal-los? Como evit-los? Como neg-los nesse tempo? A nica soluo

    cogitvel: reafirmando o poder punitivo. Erigindo leis de natureza criminal mais duras.

    Na perspectiva do combate ao terrorismo, a resposta semelhante. Inmeros autores23 (em sua maioria,

    norte-americanos e britnicos) tm sustentado a reao s aes terroristas, por meio da publicao de seus

    trabalhos acadmicos. Exemplo disso est na eleio de princpios (que se consistem em aes a serem

    praticadas pelo Estado), feita por Paul Wilkinson:

    nosurrendertotheterrorists, and an absolute determination to defeat terrorism within the framework of the rule of law and the democratic process

    nodealsandnoconcessions, even in the face of the most severe intimidation and blackmail

    an intensified effort to bringterroriststojusticebyprosecutionand conviction before courts of law

    tough measures to penalizethestate sponsors who give terrorist movements safe haven, explosives, cash, and moral and diplomatic support

    a determination never to allow terrorist intimidation to block or derail international diplomatic efforts to resolve major conflicts in strife-torn regions, such as the Middle East: in many such cases terrorism

    has become a major threat to peace and stability, and its suppression therefore is in the common interests of international society.24 (grifos meus)

    Na impossibilidade atual de conferir aos integrantes das organizaes criminais brasileiras as categorias

    internacionais25 do terrorismo, tratamento semelhante j vem sendo dado aos seus componentes. As aes

    propostas de no negociar, no ceder, no atender aos reclames, punir quem oferece apoio, efetuar julgamentos

    condenatrios com vista encarceirizao, j vm sendo empregadas no territrio nacional.

    A adoo de uma postura diferente26 comportaria a necessidade de responder aos presos e, assim, implicaria aceit-los, estabelecer comunicao e reconhecer a ineficincia do sistema. Isso demandaria

    comunicao efetiva entre todos. Como ela no estabelecida, resta a sua negao pelo emprego do poder e

    da fora.

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    Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 34-45, jan./jun. 2012 42

    Por outro lado, se os propsitos terroristas so no sentido de provocar o abalo das instituies polticas27,

    mais uma razo h para afirmar que o PCC no uma organizao terrorista28. Ele no enfraquece as instituies.

    Ao contrrio, e em suma, fortalece-as quando favorece o recrudescimento da criao e do exerccio de mais

    poder.

    5 Aportes finaisA visibilidade de atos considerados de terror, operada pelos mass media na sociedade contempornea,

    redistribui incerteza. Expresses como risco, insegurana e medo, corriqueiramente empregadas nos textos

    e nos discursos narrativos, fomentam tendncias de poltica criminal especficas e destinadas, quase que

    exclusivamente, ao combate do terrorismo.

    Implementa-se, assim, uma cultura do medo, alimentada pela lgica autorreprodutiva dos meios de

    comunicao. Tudo o que notcia, isto , que comunica, necessita ser repassado ao sistema social no qual

    resta inserido o subsistema jurdico. Atos classificados pela mdia como terroristas e que, todavia, no so

    entendidos como tal pelo Direito, proporcionam uma cadeia contnua de progressividade do medo.

    Desse modo, a forma pela qual o medo e o terror so tratados pelos meios de comunicao em uma

    sociedade global, complexa e fragmentria, (re)constri uma realidade. O terrorismo, na forma pela qual

    apresentado pela mdia, est presente em todos os momentos, em qualquer lugar do sistema social global.

    O medo no est mais limitado nacionalidade ou cidadania, podendo atingir a todos, inclusive aqueles

    provenientes de sociedades perifricas (Brasil).

    Como consequncia, o medo passa a ser real. Produto das formas de comunicao, torna-se algo cotidiano.

    No se surpreende mais com sua existncia. Incorpora-se ao modus vivendi como uma comunicao presente. A seletividade, ento, passa a ser ferramenta de manuteno da notcia. Seleciona-se o que ser noticiado.

    Enfatiza-se o acontecimento. Relaciona-se o evento presente a fenmenos passados, fazendo surgir ondas

    de crimes, de violncia, de insegurana. Nesse compasso, a comunicao bombstica, a que ter grande

    repercusso, perpetuar uma reao de medo contra o medo. No por acaso que so consagrados como atos

    heroicos as reaes, s vezes com resultado morte, dos cidados contra os indivduos selecionados como,

    por exemplo, inimigos.

    Paradoxalmente, a mdia tambm produz uma procura incessante por visibilidade. Os invisveis desejam

    se dizer presentes. No caso do PCC, isso pode ser dito em face da invisibilidade da situao prisional no

    Brasil. Foi dentro das instituies estatais de segregao que o Primeiro Comando da Capital se capilarizou

    e se organizou. No se pode negar que existe, ali, uma organizao, com hierarquia e objetivos prprios.

    Recursivamente, para que se mantenha enquanto organizao, o PCC se voltou prtica de atos visveis. o

    ciclo da no-comunicao requerendo comunicao.

    Refira-se que, no caso de pases, de cidades e/ou de bairros em que no se comunica, no se alardeia,

    ou no se propaga a sua criminalidade, no significa que ela no exista ou deixe de produzir, de uma forma ou

    de outra, temor. Ele pode ser diferenciado (racismo, gangues, tribos, entre outros). Mas a sensao persiste.

    Sua invisibilidade far com que, de modo inevitvel, em determinado momento, ele se torne, visvel. O ato

    de informar (no informar) condiciona a compreenso, e, portanto, a produo da realidade. Assim, se o mal

    no comunicado, ele no presente. De outro lado, sendo presente, e comunicado, sua consequncia ser o

    medo e, por vezes, o terror.

    Nessa linha de raciocnio, os meios de comunicao configuram-se como as estruturas pelas quais se

    forma a memria dos eventos comunicativos que condicionam a formao de sentido futuro com base no

    passado. Mas h um problema nessa afirmao. O presente apenas a diferena entre o que foi e o que pretende

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    ser (Direito). Nesse sentido, atos de terror tendem a (re)lembrar algo passado buscando uma diferenciao no

    tempo posterior.

    No coincidncia o fato de que muitas das motivaes elencadas por organizaes terroristas esto

    ligadas ao retorno de uma nostalgia da eternidade. Fundamentalistas desejam uma pureza contaminada pelo

    mundo moderno. Separatistas, o resgate de um tempo em que a soberania era, alm de uma ideia, faticidade.

    Prisioneiros postulam o cumprimento de uma noo antiga, o Estado de Direito. Mais do passado no futuro;

    no presente, o medo.

    O PCC tenta rememorar, por intermdio de seus atos que seu esquecimento necessita ser relembrado

    por toda a sociedade. Paradoxo: o limbo prisional gera reao interna visando refrao exterior. Note-se que

    sempre h um lema, uma faixa estendida, uma reivindicao, uma afirmao incmoda: aqui estamos.

    Indiscutvel no Brasil que a existncia do Estado dentro dos limites de uma priso brasileira quase

    nula. O acrscimo de uma legislao punitiva mais severa , rotineiramente, a resposta para a reafirmao do

    Estado naquele local. Contudo, quanto maior a punio, maiores as chances de o PCC ou de qualquer outra

    associao criminosa intramuros fortalecer-se.

    De modo idntico, a ausncia do Estado reafirma, para o PCC, que o Estado indispensvel para a sua

    continuao enquanto organizao criminosa tendente, tambm, espalhar o medo extramuros. Na origem,

    poder-se-ia dizer que, acaso o Estado cumprisse com as funes previstas na Lei de Execuo Penal, a sua

    presena levaria a uma visibilidade que anularia a razo de existir do PCC.

    Como consequncia, o terrorismo tautolgico. E sua concluso um silogismo paradoxal. um

    paradoxo. Em um pas como o Brasil, pleno de desdiferenciaes (riqueza e pobreza, progresso e atraso, entre

    outros), o Estado se fragmenta. Contudo, tal fragmentao no significa maior presena. Ele no se apropria

    das comunicaes rotineiras ocorridas no sistema social. Se assim procedesse, o terrorismo teria um sentido

    poltico (como o basco, por mais de cinquenta anos atribudo ao ETA). Longe disso, as comunicaes esto

    sempre na linha da reivindicao de mais Estado.

    Dentro desse propsito, o surreal resta inserido no fato de que o terrorismo produz algum sentido. Ele

    busca a memria perdida em tempos de celeridade e de urgncia. Evidentemente que no se pode afirmar a

    justeza dos atos. A seleo, como j referido, do que se comunica no pertence ao emissor, e sim, ao medium (meios de comunicao). Mas importante asseverar: em um sistema social global pleno de certezas, de

    informao e de acesso cientificidade, os atos de terror geram uma suspenso do que posto, provocando,

    no mnimo, uma reao (qualquer que seja ela).

    Os presdios brasileiros so o local tanto de produo de uma violncia interna quando externa. Isso

    natural porque a reao externa aos problemas internos desencadeia uma reciprocidade inerente ao problema.

    O Estado pratica atos de extrema violncia sob o ponto de vista dos apenados, que, por seu turno, e para os

    meios de comunicao, organizam-se e comeam a praticar atos, por terceiros, definidos como de terrorismo.

    Esse contexto traduz uma situao de como uma parte integrante do sistema punitivo se diferencia de

    tal forma que as leis vigentes no mais se limitam a um nico modelo estrutural. Em tais condies, os nimos

    sociais tendem a buscar a reafirmao dos sentimentos de clausura, exemplificados nos condomnios e nos

    bairros privados das cidades contemporneas.

    Significa dizer que mesmo diante dos fatos ocorridos no interior do sistema, que so passveis de

    influncia e de modificao em seu espao circundante, h uma dupla reao. Os apenados clamam por

    modificao na realidade prisional brasileira com seus atos externos. Eles produzem medo e terror. Em funo

    disso, a sociedade pede providncias ao Estado que responde com mais do mesmo (produo legislativa mais

    severa).

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    O problema reside na exteriorizao do terror e em sua comunicao (contingente). A repousa um

    simbolismo contra o qual a sociedade no se mostra preparada. Resta bastante difcil proteger-se de tais atos

    quando os responsveis por eles j esto punidos e sob a guarida estatal. O discurso (Leis e Poder Judicirio)

    fica em segundo plano em relao ao (terror). Reage-se mesmo que, para tanto, sejam feridas as regras

    democrticas que fundamentam o prprio Estado (Carandiru).

    Com isso, quer-se ponderar que o PCC no pode ser classificado como uma organizao terrorista. Tal

    organizao no tem o alcance de arruinar o sistema ele prprio indiferente a seus valores com suas prprias

    armas. Em contraposio, o Estado, pressionado (e informado) pela mdia, pretende a realizao do resgate de

    sensaes de segurana. Para tanto, constri e preserva estruturas (presdios, grades, Poder Judicirio, polcia,

    entre outros) que replicam aos receptores, tambm pelos mass media, uma comunicao meramente simblica.

    Referncias

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    Notas1 O vocbulo midiando uma alegoria gramatical inspirada na expresso vidiando, utilizada na filmografia Laranja Mecnica (Stanley Kubrick, 1971), com a qual o personagem Alex descrevia uma das aes do tratamento antiviolncia a que fora submetido em uma instituio total. Dizendo de outro modo, midiando uma liberdade autoral para expressar o sentido: construindo o terror pela mdia.

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    Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 34-45, jan./jun. 2012 45

    2 No Brasil, em 1993, formou-se a organizao de presos chamada de Primeiro Comando da Capital (PCC), sem propsitos polticos. Todavia, oriundos de uma mesma instituio prisional na qual se deu um massacre policial contra 111 detentos no ano anterior (Massacre do Carandiru), os presos integrantes do PCC comandaram, quase uma dcada depois, uma srie de atos definidos pela mdia como sendo de terror. A motivao exarada em seus manifestos: reclamar ateno da sociedade civil e dos poderes pblicos para as pssimas condies prisionais.3 Percuciente abordagem sobre o Regime Disciplinar Diferenciado foi premiada pelo Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, IBCCrim, podendo ser conferida sob a referncia: FREIRE, Christiane Russomano. A violncia do sistema penitencirio brasileiro contemporneo: o caso do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). So Paulo: IBCCrim, 2005.4 TOGNOLLI, Claudio Tulio. Ataques podem ser caracterizados como atos de terrorismo. In: . Acessado em: 15 maio 2006, s 20h05min.5 TOGNOLLI, Claudio Tulio. Ataques podem ser caracterizados como atos de terrorismo. In: . Acessado em: 15 maio 2006, s 22h05min.6 MACHADO, Mateus. Entrevista: O terror no Brasil o PCC. In: . Acessado em: 08 out. 2009, s 23h50min.7 MACHADO, Uir. Ao do PCC pede lei antiterror. In: . Acessado em: 08 out. 2009, s 22h15min.8 Nessa linha procederam: (1) RUSCHE, Georg. KIRCHHEIMER, Otto. Punio e estrutura social. Rio de Janeiro: Revan, 2004. (2) WACQUANT, Loc. Punir os pobres: a nova gesto da misria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003. (3) WACQUANT, Loc. Os condenados da cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2005. (4) DE GIORGI, Alessandro. A misria governada atravs do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. (5) BATISTA, Vera Malaguti. Difceis ganhos fceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2000. (6) YOUNG, Jock. A sociedade excludente: excluso social, criminalidade e diferena na modernidade recente. Rio de Janeiro: Revan, 2004. (7) GARLAND, David. The culture of control. Chicago: The University of Chicago Press, 2001.9 THE CRIMINALIZATION OF POVERTY: A Report on the Economic, Social and Cultural Root Causes of Torture and Other Forms of Violence in Brazil, redigido por: ONG Justia Global, the National Movement of Street Boys and Girls (MNMMR) and the World Organisation Against Torture (OMCT) in the context of the project Preventing Torture and Other Forms of Violence by Acting on their Economic, Social and Cultural Root Causes, 2009.10 Ver: (1) DIAS, Jorge de Figueiredo. ANDRADE, Manuel da Costa. O homem delinquente e a sociedade criminolgica. Coimbra: Almedina, 1997. (2) ZAFFARONI, Eugenio Raul. Criminologa: aproximacin desde um margen. Bogot: Temis, 2003. (3) CARVALHO, Salo. Antimanual de criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.11 THE CRIMINALIZATION OF POVERTY: A Report on the Economic, Social and Cultural Root Causes of Torture and Other Forms of Violence in Brazil, redigido por: ONG Justia Global, the National Movement of Street Boys and Girls (MNMMR) and the World Organisation Against Torture (OMCT) in the context of the project Preventing Torture and Other Forms of Violence by Acting on their Economic, Social and Cultural Root Causes, 2009. O levantamento estatstico resultado de visitas a mais de 60 unidades prisionais, em 18 estados da federao.12 A rebelio do Presdio de Urso Branco, em Porto Velho, Rondnia, foi uma das mais sangrentas do Brasil. Contudo, os fatos cometidos no Carandiru, em SP, repercutiram e repercutem at a presente data. O desfecho no menos trgico de So Paulo, em relao a Rondnia, que culminou na transferncia dos presos para outras cidades do interior daquele estado, aqui objeto de anlise por conta das origens do PCC.13 Esta citao compe o item 11 do documento intitulado Estatuto do PCC, reproduzido primeiramente no jornal Folha de So Paulo em 25 de maio de 1997 e, tambm, no livro do jornalista Carlos Amorim (AMORIM, Carlos. Op. cit., p. 389).14 AMORIM, Carlos. Op. cit., p. 389.15 Expresso empregada em vrios textos estrangeiros, a exemplo do artigo Brazil Police Foil Tunneling Bank Robbers, publicado em . Acessado em: 10 set. 2006, s 22h10min.16 AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.17 A narrativa dos objetivos do P.C.C foi divulgada pelos meios de comunicao, conforme manifesto elaborado pelos seus membros.18 Como em todo rito de insero em organizaes sociais, a apresentao de um membro externo se d por parte de um membro que j faa parte do sistema. 19 NSEFUM, Joaquin Ebile. El delito de terrorismo: su concepto. Madrid: Montecorvo, S.A. 1985, p. 105.20 BJORGO, Tore. Conclusions. In: Root Causes of Terrorism: myths, reality and ways forward. Oxon: Routledge, 2005, p. 259-260.21 REINARES, Fernando. Terrorismo y antiterrorismo. Barcelona: Paids, 1998, p. 33.22 Como assevera Fernando Reinares, el acto de terrorismo es tambin, en tanto que estrategia de comunicacin, un mecanismo para propagar mensajes de contenido poltico, una forma de dramatizar pblicamente el descontento. Sus fines ltimos van por consiguiente, reiterando algo ya mencionado, mucho ms all de ocasionar daos materiales o humanos a los sujetos considerados antagonistas. (REINARES, Terrorismo y antiterrorismo, 1998, p. 38)23 Os terrorologistas como citado por ROSS, Political terrorism: an interdisciplinary approach, 2006, p. 6.24 WILKINSON, Terrorism versus democracy, 2002, p. 233-234.25 Como j vem sendo cogitado no pas por meio de iniciativas polticas de edio de uma lei tipificando o delito de terrorismo (v. anexo).26 Uma ao diferente implicaria em atribuir razo ao requerimento propagandeado: o Estado no cumpre a Lei de Execuo Penal; os direitos humanos so violados pelo Estado e nos seus domnios; h uma total falncia no controle; o sistema penitencirio no consegue suprir demanda promovida pelos processos incriminadores; o sistema de justia ineficiente, entre outros. 27 No mbito internacional, mais de 2/3 dos terroristas (identificados porque presos) provm das classes mdias ou altas de seus respectivos pases ou regies. Sobre o estereotipo dos terroristas, consultar: MALECKOV, Jitka. Impoverished terrorists: stereotype or reality. In: BJORGO, Tore. Conclusions. Root Causes of Terrorism: myths, reality and ways forward. Oxon: Routledge, 2005, p. 34.28 Como asseverado por Joaquin Nsefum: [] el que atraca el banco o roba las armas para iniciar una rebelin no es terrorista, sino rebelde. Quien lo hace para emplear el dinero o las armas como medio de terror, es terrorista. Pero ambos pueden tener el mismo fin o mvil: imponer por la violencia un determinado sistema poltico. Lo que vara es el mtodo empleado para lograrlo (NSEFUM, Joaquim. Op. cit., p. 105).