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Embrapa Informação TecnológicaBrasília, DF

2008

Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro

O conteúdo social da tecnologia

ISSN 1677-5473

Texto para Discussão 31

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaSecretaria de Gestão e Estratégia

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

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Exemplares desta publicaçãopodem ser solicitados na:

Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa)Secretaria de Gestão e EstratégiaParque Estação Biológica (PqEB)Av. W3 Norte (final)70770-901 Brasília, DFFone (61) 3448-4468Fax (61) [email protected]

Ademar Ribeiro RomeiroAltair Toledo MachadoAntonio César OrtegaAntonio Duarte Guedes NetoArilson FavaretoCarlos Eduardo de Freitas VianCharles C. MuellerDalva Maria da MotaEgidio LessingerGeraldo da Silva e SouzaGeraldo Stachetti RodriguesJoão Carlos Costa GomesJohn WilkinsonJosé de Souza Silva

José Manuel Cabral de Sousa DiasJosé Norberto MunizJosefa Salete Barbosa CavalcantiMarcel BursztynMaria Amalia Gusmão MartinsMaria Lucia MacielMauro Del GrossiOriowaldo QuedaRui AlbuquerqueSergio SchneiderTamás SzmrecsányiTarcízio Rego QuirinoVera L. Divan Baldani

Supervisão editorialWesley José da Rocha

Revisão de textoCorina Barra Soares

Normalização bibliográficaVera Viana dos Santos

Editoração eletrônicaJosé Batista Dantas

Projeto gráficoTenisson Waldow de Souza

1ª edição1ª impressão (2008): 500 exemplares

Editor da sérieIvan Sergio Freire de Sousa

Co-editorVicente Galileu Ferreira Guedes

Conselho editorialAntonio Flavio Dias AvilaAntonio Jorge de OliveiraAntonio Raphael Teixeira FilhoAssunta Helena SicoliIvan Sergio Freire de SousaLevon YeganiantzManoel Moacir Costa MacêdoOtavio Valentim Balsadi

Colégio de editores associados

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Todos os direitos reservadosA reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).

© Embrapa 2008

Trigueiro, Michelangelo Giotto Santoro

O conteúdo social da tecnologia / Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro.– Brasília, DF : Embrapa Informação Tecnológica, 2008.

153 p. ; 21 cm. – (Texto para Discussão, ISSN 1677-5473 ; 31).

1. Biotecnologia. 2. Sociologia. 3. Política. I. Título. II. Série.

CDD 303.483

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Apresentação

Texto para Discussão é uma série de monogra-fias concebida pela Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) e editada – com periodicidadepor fluxo contínuo – em sua Secretaria de Gestão eEstratégia (SGE). Foi criada para encorajar edinamizar a circulação de idéias novas e a prática dereflexão e debate sobre aspectos relacionados àciência, à tecnologia, à inovação, ao desenvolvimentorural e ao agronegócio.

O objetivo da série é atrair uma ampla comuni-dade de extensionistas, pesquisadores, professores,gestores públicos e privados e outros profissionais, dediferentes áreas técnicas e científicas, para a publi-cação e o debate de trabalhos, contribuindo, assim,para o aperfeiçoamento e aplicação da matéria.

As contribuições são enviadas à editoria poriniciativa dos autores. A própria editoria ou o ConselhoEditorial – considerando o interesse da série e o méritodo tema – poderão, eventualmente, convidar autorespara artigos específicos. Todas as contribuiçõesrecebidas passam, necessariamente, pelo processoeditorial, inclusos um juízo de admissibilidade e aanálise por editores associados. Os autores são acolhi-dos independentemente de sua área de conhecimento,vínculo institucional ou perspectiva metodológica.

Diante dos títulos oferecidos ao público, comen-tários e sugestões – bem como os próprios debates –podem ocorrer no contexto de seminários ou adistância, com o emprego dos meios de comunicação.

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Essa dinâmica concorre para consolidar, legitimar ouvalidar temas nos espaços acadêmicos na pesquisa eoutros mais.

Em 2008, a série completa uma década deimportante contribuição técnica e científica e inicianovo ciclo em sua trajetória. Inaugura formatoeditorial que melhor valoriza a informação e é maiscompatível com as especificações de bases de dadosinternacionais e programas de avaliação de periódicos,ao tempo em que experimenta importante expansãoqualitativa de temas e de autores.

Endereço para submissão de originais à série:Texto para Discussão. Embrapa, Secretaria de Gestãoe Estratégia, Parque Estação Biológica (PqEB),Av. W3 Norte (final), CEP 70770-901, Brasília, DF.Fax: (61) 3347-4480.

Os títulos publicados podem ser acessados, naíntegra, em www.embrapa.br/embrapa/publicacoes/tecnico/folderTextoDiscussao

O Editor

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Dez anos de discussões estratégicas

O ano de 2008 é especialmente significativo paraas publicações da Embrapa. Comemora-se o décimoaniversário da série Texto para Discussão. Essa é umavitória coletiva daqueles que se interessam pelacriação, difusão e intercâmbio de idéias novas.

Parabenizo os editores, autores, pareceristas,colaboradores, revisores, diagramadores, impressores,pessoal de acabamento, distribuidores, bibliotecáriose leitores. É dessa interação de talentos diferenciadosque resulta cada número da série que trouxe umadimensão nova ao quadro das nossas publicaçõestécnico-científicas.

Felicito também a Secretaria de Gestão eEstratégia (SGE), que criou, cuidou e dinamizou umasérie que discute e inspira idéias estratégicas relativasà ciência, tecnologia, produção agropecuária,problemas sociais, ambientais e econômicos dasociedade brasileira. São monografias lidas porprofessores e estudantes, pesquisadores e tecnólogos,extensionistas, administradores, gestores, especialistase o público em geral.

A publicação é um exemplo de parceria frutíferaentre a SGE e a Embrapa Informação Tecnológica.A série Texto para Discussão é, de fato, multiinstitu-cional; em suas páginas, estão publicadas idéiasoriundas das mais diferentes instituições. Nela,encontram-se colaboradores de universidades,institutos de pesquisa, diferentes órgãos do Executivoe de outros poderes públicos, secretarias municipais eUnidades de Pesquisa da Embrapa.

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O maior presente deste décimo ano é a decisãode torná-la mais produtiva em número de edições. Paraa Diretoria-Executiva da Embrapa, não poderia havermelhor forma de se comemorar o aniversário de umveículo dessa natureza.

Silvio CrestanaDiretor-Presidente da Embrapa

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Sumário

Resumo ...................................................................................11

Abstract ................................................................................. 12

Introdução ............................................................................. 13

A construção de uma teoria tecnológica .................................. 20

A estrutura da prática tecnológica ........................................... 74

A legitimação da prática tecnológica ..................................... 109

Conclusões .......................................................................... 133

Referências .......................................................................... 144

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Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro3

O conteúdo social da tecnologia1, 2

1 Original recebido em 30/1/2008 e aprovado em 7/4/2008.2 Este trabalho é resultado de um estágio pós-doutoral no Centre

for Social and Economic Research on Innovation in Genomics(Innogen), na Inglaterra, no ano de 2006, o qual foi financiadopela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior (Capes).

3 Sociólogo, Doutor em Sociologia, professor do Departamentode Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), atual coorde-nador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, CampusUniversitário Darcy Ribeiro, ICC, Ala Central B, 70910-970,Brasília, DF.

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Resumo

O conteúdo social da tecnologia

O trabalho discute o processo de geração de tecnologia, seusfatores determinantes e sua estrutura, no contexto atual dodesenvolvimento científico-tecnológico. Sua preocupaçãocentral é com a construção de uma teoria sobre a produção detecnologia, e, para isso, apóia-se em ampla revisão de literatura,especialmente nas contribuições decorrentes do debate sobreautonomia/não-autonomia da ciência e da tecnologia nasociedade. A partir da análise de distintas posições acerca dofenômeno tecnológico, apresenta um quadro explicativo daestrutura da prática tecnológica. Além disso, analisa a problemáticada legitimação e o modo como as sociedades vêm lidando com ofenômeno tecnológico, suas reações, seus apoios e seusconflitos, especialmente no que tange à pesquisa agropecuária eàs novas biotecnologias.

Termos para indexação: geração de tecnologia, práticatecnológica, teoria tecnológica, teoria científica, novasbiotecnologias.

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Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro

Abstract

The social content of technology

The paper discusses the technological practice, their decisivefactors and its structure, in the current context of the scientific-technological development. The central concern is theconstruction of a theory about the technology production,grounded on a wide literature revision, especially in the currentcontributions of the debate around the autonomy/not-autonomyof the science and of the technology in the society. Starting fromthe analysis of those more different positions concerning thetechnological phenomenon, it undertakes a course in that aimsat to present an explanatory picture for the structure of thetechnological practice. Besides, it analyzes the problem of thelegitimation and how the societies are answering to thetechnological phenomenon, in their reactions, supports andconflicts, especially to the agricultural research and to the newbiotechnologies.

Index terms: technologial practice, technological theory, newbiotechnology, production of technology, scientific theory.

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O conteúdo social da tecnologia

.EIntrodução

ste trabalho propõe-se a compreender o processo deprodução de novas tecnologias no contexto atual dodesenvolvimento histórico-social. A preocupação de fundoé com o questionamento a respeito do que tem sidochamado de condição tecnológica contemporânea.O propósito é entender a natureza do fenômeno tecnológico.

A tecnologia será tratada em suas característicasgerais, que a distinguem da religião, da ciência, da políticae da ideologia, isto é, como uma prática social específicae uma forma de conhecimento.

Pensar a tecnologia como uma realidade própria,em suas características gerais, não significa negligenciarsuas variadas formas de manifestação: o que apresentamde peculiar e irredutível, a exemplo da biotecnologia, dosartefatos bélicos, dos equipamentos e dos conhecimentosrelacionados à informática, às telecomunicações, aosnovos materiais, e assim por diante. Cada uma dessasformas tecnológicas possui especificidades, no queconcerne aos impactos produzidos na sociedade – emtermos de melhoria ou de ameaça à qualidade de vida –,aos diferentes tipos de reação social – de apoio ou deresistência – e às possibilidades de valorização ou delimitação da dignidade humana.

Aborda-se a tecnologia como um fenômeno distintona sociedade, com o cuidado de evitar aquilo que algunsautores consideram uma excessiva abstração ougeneralização da tecnologia. Nesse sentido, cabe lembrar

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a crítica ao tratamento genérico da tecnologia feito porHeidegger (2006). De acordo com essa crítica, Heideggerestaria negligenciando o conhecimento de novidadesimportantes no fenômeno tecnológico contemporâneo, esuperestimando determinados efeitos negativos datecnologia, relacionados à dominação humana, emdetrimento de tantas outras possibilidades emancipatórias,a exemplo das novas técnicas para o aumento dalongevidade, das novas biotecnologias agropecuárias paraa produção em áreas de baixa fertilidade, das modernastecnologias de informação e de variadas situações em quesão evidentes as conquistas humanas.

O que se quer argumentar é que a tecnologia não énecessariamente uma realidade ameaçadora e restritiva;tampouco é emancipatória, para a humanidade e para avida no planeta. O julgamento deve ser feito caso a caso,dependendo do tipo de tecnologia enfocada, de suaevolução histórica e de suas inúmeras possibilidades devir a ser uma coisa ou outra, dependendo de ampladiversidade de fatores.

Falar de tecnologia em sua acepção geral, num nívelmais abstrato, no qual se busca compreender os seuselementos estruturais, independentemente de suas váriasformas concretas, é, além de lícito, um desafio necessário.Identificar e analisar os elementos estruturais e inferir omodo geral de evolução do fenômeno tecnológico, semperder de vista suas especificidades, é um caminhopromissor do ponto de vista crítico. A combinação entreo geral e o específico tem o potencial de acentuar a visãode complexidade, que atenua a possibilidade tanto de umaperspectiva catastrófica quanto de uma atitude ufanista, arespeito da tecnologia.

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O conteúdo social da tecnologia

Fundamentalmente, o presente trabalho deverá seocupar com o questionamento da natureza da tecnologia,do papel e do lugar que ela ocupa na sociedade contempo-rânea. Como pressupostos básicos, defende-se a idéiade que o fenômeno tecnológico não se reduz a um únicoprocesso criativo, e tampouco explicativo. Como jáassinalado, entende-se que sua condição concreta nãopermite maiores generalizações a respeito de benefíciosou malefícios, mesmo em se tratando da tecnologiamoderna. A discussão sobre a natureza geral do fenômenodeve ser contraposta à sua especificidade. Ou seja, écrucial entender de qual tecnologia estamos falando.Qualquer consideração a respeito de juízos ou de suaaceitabilidade social (ou não) depende de um conjuntode fatores que não são dados a priori, em umadeterminada acepção de racionalização, objeção, conflito,ou qualquer coisa no gênero. Seguindo essa perspectiva,até que ponto se pode falar numa “condição ontológicada tecnologia”, como quer Heidegger (2006), semdelimitar o campo da experiência humana que acaba pordar sentido a uma ou outra forma tecnológica concreta?É com esse questionamento e com tais pressupostos quese tenciona desenvolver este artigo.

O texto está dividido em três partes. Na primeira,será feita uma análise teórica a respeito da natureza datecnologia, culminando com a formulação da noção deprática tecnológica e com a descrição do que se entendeser sua estrutura. Começa-se por uma discussão sobreos vários enfoques teóricos e as concepções metodoló-gicas a respeito da abordagem da tecnologia na literatura.O foco da discussão será o debate em torno da autonomia/não-autonomia da tecnologia na sociedade, fundamentalpara delinear o próprio conceito de prática tecnológica,feito em seguida.

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Na segunda parte, serão explicitados a estruturada prática tecnológica, seus componentes e o modo comointeragem na realidade. Nesse momento, serão destacadosa estrutura institucional – concernente a uma instituiçãode pesquisa propriamente dita – e o “operadortecnológico” – elemento de conexão entre a “basesociomaterial” e a estrutura institucional. Também serãoenfatizados o caráter dinâmico de tal estrutura e o amplocampo de conflitos que a perpassa, condicionando muitosde seus processos e configurações.

Finalmente, na terceira parte, será discutido o papelanalítico da legitimação na compreensão da práticatecnológica, evidenciando-se muitas das reaçõesprovenientes de setores os mais diversos da sociedade edos ambientes de pesquisa. A intenção é ressaltar aimportância da formação de determinados consensos naprática tecnológica, que se baseará no conceito deideologia da prática. Desse modo, pretende-se destacara grande complexidade que subjaz ao fenômenotecnológico contemporâneo, em suas múltiplas articulaçõescom o setor produtivo, com os organismos do Estado ecom os inúmeros setores e movimentos da sociedade civil.Assim procedendo, espera-se ficar evidente todo oconteúdo social que é intrínseco à tecnologia, desde oseu processo de produção até a obtenção de sua formafenomenológica final – a tecnologia concreta, suamanifestação aparente, ou, ainda, segundo a terminologiaheideggeriana, sua realidade ôntica.

Nesse sentido, as formas fenomenológicas datecnologia constituem apenas indícios de outra realidade,menos visível, menos aparente, a saber, a condiçãoontológica da tecnologia, acessível mediante o processode abstração e de inferência, próprio da atividade teórica

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O conteúdo social da tecnologia

e filosófica (IHDE, 2006). Distintamente da abordagemheideggeriana tradicional a respeito da tecnologia, quaseimune à ação humana consciente e aos condicionamentossociais, a condição ontológica da tecnologia é plena deconteúdo social e de um conjunto amplo decondicionamentos de toda ordem. Tudo isto junto dá àtecnologia e ao seu desenvolvimento um carátermarcadamente dinâmico e com muita imprevisibilidade. Éprecisamente no exame de uma situação concreta (comona análise da prática bioprospectiva contemporânea) queessa condição ontológica salta aos olhos, emergindo deum sem-número de decisões, conflitos, negociações eações racionais conseqüentes. O conteúdo social datecnologia, os conhecimentos produzidos e astransformações operadas na natureza constituem acondição ontológica da tecnologia.

O fato de Heidegger (2006) ter tratado a tecnologia,em geral, num elevado nível de abstração, sem se deterou se aprofundar em uma situação específica, impediu quea realidade viva, dinâmica e sujeita a inúmeros fatorescontingentes (ainda que dentro de um fulcro que baliza oseu desenvolvimento) viesse à tona em sua análise. Ficou,sobretudo, a impressão de uma visão pessimista a respeitoda tecnologia, em sua relação com a experiência humana;esta mesma impedida ou restrita a uma condiçãoontológica (ao standing reserve e ao enframing), quepraticamente já impõe um determinado e, no final dascontas, inexorável desenvolvimento tecnológico. É ahumanidade subjugada à sua criatura. Nesse cenário,como diz Heidegger: “Só um Deus poderia nos salvar”.Esse brado manifesta a sua já confessada desesperançade que a humanidade venha a tomar a frente de sua história,na dominação imposta pela moderna tecnologia.

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A tecnologia não é uma realidade autônoma(ELLUL, 2006a, 2006b). Ao contrário, ela é forjada porcomplexos processos de decisões racionais, por conflitosos mais diversos, e mediante possibilidades múltiplas derealização, a depender de fatores estruturais e do própriomodo como tais conflitos são resolvidos, em um lugar eem um tempo delimitados.

A tecnologia, como qualquer outra realizaçãohumana, não é algo fechado, acabado, predeterminado,ainda que existam condições estruturais objetivas em quetais atividades se tornam possíveis. Ocorrem, porém,inúmeros fatores imprevisíveis, que podem assumirimportância crucial no desdobramento dos acontecimentosintegrantes da evolução tecnológica. Os fatoresimprevisíveis podem ser tanto descobertas revolucionáriasquanto fortes resistências oferecidas pela sociedade,fazendo que o caminho para o desenvolvimentotecnológico não se explique pela linearidade.

Este trabalho deverá acentuar um tratamento maistipicamente sociológico da problemática tecnológica, aobuscar explicitar o argumento a respeito da importânciada legitimação na prática tecnológica contemporânea.Com esta discussão, posições teóricas serão confrontadas,mas não apenas aquelas posições que sustentam, explícitaou implicitamente, a idéia da autodeterminação datecnologia. Também o serão aquelas que, emboradiscordando desta última perspectiva, ainda sustentam oentendimento da autolegitimação para a tecnologia, aexemplo da abordagem de Habermas (1980), para quema aceitabilidade da tecnologia depende unicamente decritérios de eficácia, provenientes de uma racionalidadetécnico-instrumental.

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O conteúdo social da tecnologia

Neste debate, a obra de Luhmann (1980) podeser considerada paradigmática. Ao não reconhecerqualquer componente moral na legitimação da tecnologiae nos sistemas sociais, de um modo geral, Luhmann calca-se em uma abordagem decisionista. Sua tese central éque a extrema complexidade do mundo contemporâneoe das sociedades impõe que a aceitabilidade das decisõese das normas sociais se dê, fundamentalmente, pela meraobservância dos procedimentos e das regras que levam adeterminada decisão. Esses procedimentos são formais epreviamente conhecidos pelos atores envolvidos ouvisados em qualquer uma dessas decisões. A tecnologia,nesse sentido, seria legitimada não necessariamente seseguisse (ou não) critérios de eficácia e êxito, mas, eunicamente, se os procedimentos que nela resultassem(técnicos, mas também normativos) fossem rigorosamentecumpridos. Não haveria, nesse caso, espaço legítimo paraqualquer contestação quanto aos resultados das decisões,se os grupos e os vários atores envolvidos, seja em suaelaboração, seja em sua aplicação, estivessem devida epreviamente esclarecidos sobre os passos a serem segui-dos dentro e fora dos laboratórios e das indústrias (parase deter ao caso em análise, da aceitabilidade datecnologia).

Ambas as posições – as de Habermas e Luhmann– deverão ser confrontadas na segunda parte do trabalho,considerando, ainda, os elementos empíricos provenientesda análise da prática bioprospectiva, importantes parafortalecer os argumentos contrários às teses supracitadas.

Tudo isso exigiu cuidadoso estudo de muitasdiscussões, para não cair em esquemas analíticos muitosimplificadores e com grandes apelos ideológicos. A esse

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respeito, há que se considerar o forte componente políticoe ideológico que perpassa o cerne das discussões sobrea bioprospecção contemporânea, ao qual o pesquisadornão está imune. Mesmo ciente das inúmeras dificuldadesdessa empreitada, o presente ensaio se lançou a essedesafio.

questionamento da natureza da tecnologia e do lugar queela ocupa na sociedade tem proporcionado amplo debatena literatura, envolvendo enfoques, posições filosóficas emetodologias. São perspectivas teóricas que se confron-tam e se superpõem, evidenciando, a um só tempo, agrande complexidade do fenômeno em discussão e orecente peso – nos últimos 50 anos – que o assunto passoua ganhar entre os autores que lidam com a problemáticado conhecimento.

As primeiras abordagens da tecnologia remontamaos antigos gregos, como Platão e Aristóteles, e sãoinvestigadas, nos tempos modernos, por Marx, Engels,Rousseau, Bacon, Comte e Simmel (o que constitui a basefilosófica e teórica clássica da reflexão em torno datecnologia). Contudo, o debate começa a se intensificarcom a discussão introduzida por Heidegger (1977), cujaversão original foi publicada em alemão, em 1954.

.O

A construção de uma teoria tecnológica

Debate sobre autonomia enão-autonomia da tecnologia na sociedade

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O conteúdo social da tecnologia

Não obstante, são nas discussões a respeito da naturezado conhecimento científico e do seu papel na sociedade –particularmente na sua relação com a tecnologia, aindaanteriores à década de 1950 – que se podem encontrarmuitas das questões que passaram a orientar a reflexãomais recente sobre a tecnologia.

A Teoria do Conhecimento, a Filosofia da Ciênciae mesmo a Sociologia da Ciência foram impulsionadas,nos finais dos anos 1920, com a constituição do chamado“Círculo de Vienna” (CARNAP et al., 2006). Essemovimento, conhecido como Positivismo Lógico, possuía,como principal ambição filosófica, combinar o Empiricismode Bacon aos desenvolvimentos obtidos com a LógicaMatemática no século 20. No esforço em demarcar ocampo específico da ciência – considerada por muitoscomo algo essencialmente racional e isenta de quaisquerinterferências sociais – e em destinar à tecnologia um lugarsecundário, a mera aplicação dos conhecimentoscientíficos, os protagonistas do Círculo de Viennaacabaram por “aquecer” o debate a respeito da contra-posição autonomia/não-autonomia da ciência nasociedade. Estão aí as bases da moderna Sociologia daCiência, também inspirada na obra Ideologia e Utopia,de Karl Manheim, publicada originalmente em 1929, emsua Sociologia do Conhecimento.

Contribuição da Sociologia da Ciênciapara a construção de uma teoria sobre a tecnologia

A Sociologia da Ciência, desde os seus primeirosmomentos, voltava-se para a compreensão da dimensãosocial da atividade científica, correlacionando essa

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atividade a outras esferas da vida social, como a políticae a econômica. Nesse sentido, autores importantes, comoBernal (1939), Merton (1949), Hagstrom (1965), Kuhn(1970)4, Ben-David (1971), Crane (1975) e Bourdieu(1983), contribuíram de maneira destacada paraesclarecer o entendimento sobre o papel da ciência nassociedades contemporâneas e o modo como ela seorganiza e se constitui como uma instituição social.

A despeito das peculiaridades, verifica-se, entreesses autores e na tradição dominante da Sociologia daCiência, uma ênfase comum na noção de “comunidadecientífica” e nas relações entre os cientistas – nos aspectosnormativos internos e nos padrões de conduta e nasprincipais motivações desses indivíduos. Também sedestacam importantes contribuições para o entendimentoda formação e da consolidação de determinadas comuni-dades científicas, dentro de uma perspectiva histórica, ostrabalhos de Fernandes (1990) e Schwartzman (1979),na Sociologia brasileira.

Essa ênfase na noção de “comunidade científica”levou a que se estabelecesse, nas análises teóricas eempíricas da tradição dominante da Sociologia da Ciência,uma evidente dicotomia “interno/externo”, para abordaras condições de produção do conhecimento científico.Uma outra dicotomia proveniente dessa tradição é aquelaexpressa na separação entre os aspectos cognitivos e ossociais da produção científica.

4 Embora não se possa dizer que sua abordagem integre propriamente o“núcleo duro” da Sociologia da Ciência, por seu enfoque propriamentefilosófico, não se pode desconhecer a importante obra de Toulmin (1961),que introduziu a noção de “idéias de Ordem Natural”, noção esta quepode ser considerada uma precursora do conceito kuhniano de paradigma.

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O conteúdo social da tecnologia

Num extremo, tais separações tendem a acentuara visão a respeito do valor destacado da verdade científicaou de uma racionalidade técnico-científica, o que apontapara a vertente da neutralidade científica, que se consagrana idéia de “ciência pura” – na linha da defesa preconizadapelo Círculo de Vienna. O exemplo mais marcante destaúltima linha pode ser visto, na Sociologia da Ciência, notrabalho de Merton (1949), ao insistir na tese da autonomiada ciência na sociedade.

No outro extremo, autores como Bourdieu (1983)e Kuhn (1970), embora ainda dedicando importânciadecisiva às relações entre os pares-cientistas – seja pormeio da noção de “campo científico”, seja mediante a de“comunidade científica”, respectivamente –, comoconstructos explicativos para a compreensão do modocomo se organiza e realiza a atividade científica, apontampara o necessário imbricamento de elementos sociais,culturais e políticos na obtenção dos fatos científicos.

Para Bourdieu (1983), o “campo científico” é umainstância relativamente autônoma da sociedade, sendocondicionado pela estrutura global desta última e pelassuas relações econômicas, políticas e ideológicas, as quaisinterferem nos aspectos gerais do campo e em sua estruturade demandas, possibilidades, prioridades e restrições depesquisa, bem como nos próprios componentes motiva-cionais dos cientistas, na medida em que eles incorporamvalores e expectativas provenientes de sua origem sociale de sua socialização. Seguindo nessa linha de argumenta-ção, o autor desenvolve a tese de que o “campo científico”constitui-se em espaço de lutas entre os cientistasconcorrentes, em busca do monopólio da autoridade eda competência científica – entendida, esta última, comouma junção entre capacidade técnica e poder político.

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Em suma, os fatos científicos não são realidadespuras, nem resultado exclusivo de uma dimensão cognitiva,mas encerram um conteúdo técnico/instrumental, e outro,social, ambos indistinguíveis.

Kuhn (1970), por seu turno, nega qualquer caráterde verdade objetiva aos fatos científicos. Para ele, osresultados científicos consistem em consensos socialmenteproduzidos no interior de uma comunidade científica;consensos estes que refletem um contexto sócio-históricoparticular, uma época e um lugar determinados. EmboraKuhn (1970) se aproxime de Bourdieu (1983) quanto àidéia de que os conhecimentos são produtos sociais e nãorealizações exclusivas de uma racionalidade técnico-científica (e aqui, não se trata de, meramente, identificar ereconhecer certos condicionamentos ou “obrigaçõesmorais”, que acabam por apenas circunscrever o cerneda ciência e os fatos científicos, preservando-os eisentando-os de influências externas ou sociais, como étípico na abordagem mertoniana), ele se diferencia dosegundo, no que concerne à preocupação quanto àobjetividade. Para Bourdieu (1983), o cientista deve estarsempre atento (a idéia da “vigilância epistemológica”), paraobter conhecimentos que expressem, o máximo possível,os padrões de determinação da realidade – física e social– que a expliquem objetivamente. Nesse sentido, aocontrário de Kuhn (1970), que distingue fases deestabilidade consensual e paradigmática, no curso da“ciência normal”, de fases revolucionárias (de mudançaradical de paradigma), Bourdieu entende o desenvol-vimento da ciência como um processo de permanentesrevoluções, sejam estas referentes aos conhecimentosgerados, sejam referentes à própria dinâmica das relaçõesde disputa, sempre presentes no campo científico.

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A não-autonomia da ciência na sociedade éenfocada, na literatura, sobretudo pela corrente marxista(ARONOWITZ, 1978; BRAVERMAN, 1977;BUKHARIN, 1971; BURAWOY, 1978; COHEN,1978; GOONATILAKE, 1984; THERBORN, 1980).Conforme essa tradição, a tendência dominante é aquelaque considera a ciência como uma força produtiva.A controvérsia, contudo, gira em torno da ênfase dada àsforças produtivas ou às relações de produção no desen-volvimento histórico-social. Também se destacam, nessasdiscussões, autores como Jürgen Habermas e HerbertMarcuse, e outros membros da Escola de Frankfurt, que,embora desenvolvendo abordagens não estritamentemarxistas, ao combinarem elementos da discussãoweberiana sobre o processo de racionalização nassociedades contemporâneas, apresentam importantescontribuições para uma crítica da ciência e da tecnologia,diagnosticando a politização e a ideologização dessas duasatividades humanas no atual contexto do desenvolvimentocapitalista; discussões estas bem próximas à da análisemarxista a respeito do “fetichismo” da mercadoria e à datendência alienadora crescente no modo de produçãocapitalista.

De um lado, as teses da autonomia da ciência nasociedade, ao insistirem nos mecanismos internos deregulação da comunidade científica e das relações entreos pares, ao mesmo tempo em que contribuem para oentendimento de todo o jogo de interações e motivaçõesde cientistas – fundamentais para a organização e conduçãoda atividade científica –, dificultam a análise das novasdinâmicas verificadas entre cientistas e não-cientistas, quepassam a fazer parte, de uma maneira mais intensa edecisiva, da atual prática científico-tecnológica. De outro

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lado, as abordagens marxistas e as teses da não-autonomiada ciência na sociedade, ao insistirem na dimensãoeconômica e produtiva da ciência, embora apresentemimportantes esclarecimentos acerca da natureza(multidimensional) da ciência e de seu papel na sociedade,acabam por restringir os aspectos socioculturais e adinâmica concreta da produção de conhecimentoscientíficos, na medida em que enfatizam abordagensmacrossociológicas e excessivamente generalizantes.

Outra perspectiva mais recente, o chamado“Construtivismo” (CALLON, 1987, 1988, 1989;KNORR-CETINA, 1981, 1982; LATOUR, 1983, 1990,1992, 2000; LATOUR; STRUM, 1986; LATOUR;WOOLGAR, 1997), procura superar determinadaslimitações presentes nas abordagens clássicas daSociologia da Ciência. Essa abordagem surge e seconsolida no interior de um grande debate, na esteira decontribuições filosóficas as mais diversas, apoiadas na obrade Wittgeinstein (1984) sobre a filosofia da linguagem,culminando com os trabalhos de Barnes (1974, 1977) eBloor (1976, 1982), a respeito do que se designou chamar“programa forte”. Essa proposta teórico-metodológicaconsiste numa posição considerada radical na Sociologiada Ciência, levando ao extremo uma perspectiva rela-tivista. Para tais autores, os fatos científicos são construçõessociais e devem ser examinados simetricamente ouneutramente; isto é, tais fatos não devem ser julgados nemcomo mais, nem como menos racionais que outros fatossociais. Nesse sentido, argumentam os autores, não háqualquer hierarquia entre a ciência e outras formas deconhecimento; todas elas são realizações humanas quefazem sentido dentro dos próprios contextos sociais, osquais dispõem de um mesmo universo lógico e lingüístico.

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Na trilha da visão kuhniana, o Construtivismo sevolta radicalmente contra a idéia de uma racionalidadepura, ou de uma verdade objetiva, imputada aos resultadoscientíficos. A realidade externa não é descrita meramentepor um sujeito epistêmico. Ao contrário, o que se tem sãorepresentações dessa realidade, traduzidas em fatoscientíficos, mediante complexos processos de negociaçãoe decisões entre vários atores; decisões estas que não seapóiam apenas em critérios estritamente científicos eracionais – numa linguagem e num método científico, queproduzam verdades objetivas.

Até aí vão as proximidades com Kuhn (1970). Mastambém as distâncias são evidenciadas, na medida emque, para o Construtivismo, o “social”, na produção cientí-fica, não decorre apenas de consensos obtidos entre oscientistas – como é verificado na abordagem kuhniana –,mas ultrapassa consideravelmente o âmbito específico dascomunidades científicas, incluindo um conjunto bastantediversificado de atores e interesses sociais.

É importante ressaltar que a corrente do Constru-tivismo é forjada num contexto do desenvolvimentocientífico-tecnológico muito distinto daquele dos primeirosfundadores da Sociologia da Ciência. Tal corrente nãosurge, pura e simplesmente, como resultado de debate,no campo das idéias, mas da própria dinâmica entre asidéias e as transformações operadas na realidade,particularmente no modo como os conhecimentoscientíficos e tecnológicos passam a ser produzidos. Nessesentido, a sua origem é contemporânea aos principaisavanços verificados na ciência e na tecnologia. Em suma,suas referências empíricas são realidades bastante distintasdaquele mundo que existia à época dos primeiros escritosde Merton (1949) e de outros clássicos da Sociologia da

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Ciência, como Weber (1968), em sua análise a respeitoda esfera da ciência e a da política.

Se, de um lado, as preocupações de Merton (1949)refletem as ameaças do Nazismo e o medo de intromissõese invasões no ambiente científico, no contexto da SegundaGuerra Mundial e em seus momentos subseqüentes,buscando enfatizar e preservar o espaço autônomo daCiência, de outro lado, o Construtivismo reflete asnecessidades de se pensar um desenvolvimento científico-tecnológico “invadido”, não mais por pressões políticas,mas, e sobretudo, por interesses e pressões econômicase sociais, no sentido mais amplo.

O atual estágio do desenvolvimento científico-tecnológico passa, então, a desafiar os estudiosos e osteóricos da Ciência, em busca de modelos e esquemasanalíticos que permitam dar conta de novas estruturas erelações que configurem esse estágio. O Construtivismocumpre, em parte, esse papel, ao desenvolver as tesesdas “redes sociotécnicas”, dos “laboratórios expandidos”e das “arenas transepistêmicas”, como conjuntos de atorese interesses bastante diversificados, envolvendo cientistase não-cientistas, na atividade científico-tecnológica.

Sem entrar na análise e na interpretação sistemáticados diferentes trabalhos que pontuam essa nova correntena Sociologia da Ciência, o argumento central trazido poreles reside na tese de que a realidade e a natureza (físicaou social) não são puramente descritas e captadas peloscientistas, em seus laboratórios e em suas práticas depesquisa. Ao contrário, os fatos científicos são “feitos” ouconstruídos. Assim, para o Construtivismo, entre arealidade e os enunciados ou discursos sobre ela, situa-se um conjunto complexo de operações, decisões e

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negociações, que resultam em representações obtidas emnome da natureza ou da realidade.

Em resumo, o Construtivismo admite, de maneiramais ou menos consensual, que os conhecimentos nãosão reduzidos a simples registros e anotações de resultadosfornecidos pela experiência, ainda que não exista acordoquanto aos mecanismos presentes na construção dos fatoscientíficos. Outro aspecto comum nessa abordagem é aênfase nos estudos em laboratórios, apoiados, princi-palmente, na tradição da Etnometodologia. A aproxi-mação, com um enfoque mais propriamente antropológico,visa a captar, no dia-a-dia da pesquisa, em situaçõesconcretas, o modo como efetivamente se dá o processode fabricação dos fatos científicos.

O laboratório é, assim, um mundo a explorar, umuniverso a desbravar. O desafio para o antropólogo ou osociólogo, neste caso, reside na necessidade de sedesvencilhar de um conjunto de pré-noções próprias dasua formação científica, para se compreender, o maisfielmente possível, o real significado (ou o mais próximopossível) das relações e das decisões cotidianas noslaboratórios. Para tanto, faz-se necessário partir dos fatoscientíficos e desconstruir significativamente toda uma sériede ações, procedimentos e decisões e negociações,metodológicas, teóricas, e também socioeconômicas epolíticas, a fim de se compreender o processo que resultounaquele fato científico.

A despeito de diferenças de tratamento – porexemplo, Latour (2000) e Callon (1987), seguindo aterminologia das “redes sociotécnicas” e a idéia de“laboratórios expandidos”, e Knorr-Cetina (1982),

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analisando o que conceituou as “arenas transepistêmicas”–, os principais autores do Construtivismo argumentamcontra a idéia de que os fatos científicos constituamrealizações estritas de uma racionalidade técnico-científica.O que se contrapõe, tanto ao “realismo empiricista”, ouaos protagonistas do Círculo de Viena, na tradição deuma discussão epistemológica, como também à conhecidatese weberiana da dicotomia entre “juízo de valor” e “juízode realidade”.

Contudo, se o Construtivismo avança na perspectivade incorporar novos atores e a influência de não-cientistasno atual processo de produção de conhecimentoscientíficos e tecnológicos, o que se verifica nas análisessobre as novas biotecnologias, o Construtivismo nãoresolve, tampouco progride, na discussão sobre adimensão cognitiva e de suas possibilidades na busca deconhecimentos válidos (cientificamente) e verdadeiros, nasformulações da Epistemologia. A esse respeito, éimportante destacar a contribuição de uma tradiçãoracionalista, na linha particularmente de Popper (1945) eHabermas (1988), os quais, embora seguindo direçõesdistintas, insistem na idéia de que os conhecimentoscientíficos são produzidos mediante processos inter-subjetivos. O primeiro, por uma perspectiva mais céticaem relação às possibilidades de se obter um conhecimentoverdadeiro; para ele, o fato científico corresponde a umateoria que sobrevive ou resiste às tentativas para o seufalseamento. É aceita provisoriamente, até que uma novateoria a suplante. O segundo admite que fato seja tudoaquilo que justificadamente pode-se afirmar.

Uma comunidade ampliada de participantes daprática científica, como aponta o Construtivismo, traz, semdúvida alguma, problemas importantes para a perspectiva

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formulada originalmente por Habermas (1988), caso sepretenda estabelecer um diálogo entre essas abordagens,na Sociologia da Ciência. Um desses problemas dizrespeito precisamente ao fato de que, para Habermas(1988), a ciência, como a elaboração de fatos científicos,é coisa restrita aos cientistas e não diz respeito a outrosatores; já sua aplicação, sim.

Conquanto concordassem com a linha cons-trutivista, novos interlocutores dos cientistas, e não sógestores de ciência e tecnologia e industriais, passam a seimiscuir na ciência, exigindo explicações e um melhorentendimento sobre os novos resultados científicos quepassam a interferir na vida dos indivíduos e no planeta emgeral. Tais resultados, demonstrados cotidianamente namídia e nas reações e nos enfrentamentos sociais, atingemcrenças e convicções há muito arraigadas nas sociedades,ensejando um “agir comunicativo reflexivo”, segundo aterminologia de Habermas (1988).

Daí surgem inúmeras questões. Por exemplo: comoesclarecer a opinião pública a respeito dos níveis aceitáveisde “formaldeído” (composto químico-industrial utilizadonos aglomerados que fazem parte da construção de casaspopulares), ou da camada de ozônio sobre a Terra? Tudoisso leva a que os cientistas saiam da sua comunidade,para ingressarem num novo espaço de discussão, incluindoum público “profano” (CALLON, 1989). Em que medidaantigos padrões de conduta das comunidades científicastendem a se manter em face dessas novas pressões queemergem do interior da sociedade? Até que ponto ésustentável, a não ser por critérios puramente normativos– como defende a epistemologia tradicional –, a idéia deque ciência é algo apenas da alçada de cientistas, como

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pretende ainda Habermas (1988)? Com que concepçãode ciência estamos então lidando? A esse respeito, ademarcação rígida do espaço preservado para aracionalidade técnico-instrumental e para a ciência étambém uma posição de valor, uma posição comconseqüências políticas, numa linha semelhante à críticaque Marcuse (2006) fizera à noção de técnica de Weber(1984).

Ao contrário do que pretende Habermas (1980)com relação ao lugar que atribui à ciência na sociedade,mas servindo-se das próprias categorias analíticas e daestratégia metodológica, na formulação de um caminhopara a emancipação humana, de seu livramento do impérioda racionalidade técnico-instrumental, o presente trabalhoentende que tal padrão de racionalidade tende a serconfrontado por nichos de racionalidade comunicativareflexiva, provenientes de diferentes esferas do “mundoda vida”, do contexto das interações diárias, de movi-mentos sociais organizados e de públicos leigos, que sesentem impelidos a questionar e a interferir concretamenteno rumo dos acontecimentos que se dão no interior doslaboratórios.

O que se verifica, no campo das novas biotec-nologias, mais precisamente no debate introduzido arespeito da utilização (ou não) de células embrionáriasem pesquisas sobre células-tronco, é um claro exemplode tal interferência na ciência. E não se trata apenas deuma pressão social, mantida afastada, fora dos “muros”dos laboratórios. Os fatos revelam que tais pressões têmalterado o curso de determinadas opções técnicas seguidasoriginalmente pelos cientistas. Foi o que se verificouquando determinados cientistas buscaram contornar fortes

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pressões sociais contrárias à utilização e ao descarte decélulas embrionárias no estudo de células-tronco.5

Obviamente que a ciência, ou melhor, a pesquisacientífica, é realizada por cientistas, assim como são ospadres que celebram as missas, ou os músicos que tocamnas orquestras. Mas isso não significa que cada uma dessasatividades seja imune ao grande público, aos fiéis ou aosauditórios. O que se está argumentando, aqui, é que oexame do modo como a pesquisa científica é realizada,concretamente, traz à evidência elementos constitutivosde sua atividade, que não se limitam a uma estritaracionalidade técnico-instrumental. Em outras palavras,ao ser condicionada por ampla diversidade de fatores –psicológicos, econômicos, políticos e culturais, de ummodo geral –, a ciência, como qualquer outra atividadehumana, não é conduzida apenas por esse tipo deracionalidade. Esse argumento destaca a dificuldade emsustentar, com base em evidências empíricas, uma rígidaseparação entre as diferentes formas de racionalidade,ou entre o que seria da alçada estrita da política e o daciência, como preconizava Weber (1968).

Um dos méritos do Construtivismo foi ter propi-ciado realçar a dimensão normativa das formas clássicasde explicar e interpretar os acontecimentos científicos.

5 Em matéria divulgada no jornal Correio Braziliense, do dia 18 de outubrode 2005, no caderno Mundo, lê-se, a esse respeito: “Um cientista norte-americano e um alemão conseguiram uma façanha que pode provocaruma revolução na genética: criar células-tronco sem precisar destruir oembrião. Robert Lanza e Alex Meissner afirmaram ao Correio que suaspesquisas com ratos podem encerrar os debates éticos e viabilizar atécnica em seres humanos. Desde 1998, a Medicina reconhece o potencialdas células-tronco embrionárias, capazes de se transformar em qualquertecido ou órgão humano, curar doenças e encerrar a agonia de pacientesà espera do transplante”.

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Contudo, como apontado por Winner (2006) e por Fuller(2006), essa mesma abordagem acabou, igualmente, refémdo mesmo approach por ela condenado, como se verámais adiante, neste trabalho.

Por ora, é importante ressaltar que os elementosanalíticos e metodológicos introduzidos peloConstrutivismo, na Sociologia da Ciência, suas idéias arespeito das inter-relações das esferas do conhecimentoe da atividade humana, permitiram avançar na construçãodo que se poderia chamar uma Sociologia da Tecnologia.São relevantes as contribuições, nesse sentido, dostrabalhos de Pinch e Bijker (1987), Woolgar (1987),Callon (1987) e Law e Hassard (1997) – estes doisúltimos, com a organização de uma coletânea de artigos arespeito do que tem sido conhecido, na literatura, comoActor-Network-Theory (ANT).

As críticas apresentadas por Fuller (2006) e Winner(2006) ao mainstream do Construtivismo tambémconstituem elementos importantes para a construção deuma teoria sobre a tecnologia ou mesmo para oaprofundamento dos chamados “Estudos Sociais sobre aCiência e a Tecnologia”. Winner, por exemplo, traz umadas mais relevantes críticas a respeito do Construtivismo.Para ele, essa abordagem negligencia os impactos sociaisda tecnologia e não estabelece pesos específicos para ashierarquias entre os diferentes públicos envolvidos naprodução científica e tecnológica. O Construtivismo parecepermanecer refém da tradição dominante da Sociologiada Ciência ou da Filosofia da Ciência, mantendo forteseparação entre fatos científicos e artefatos tecnológicos,e adotando uma atitude de neutralidade na própria ativi-dade de pesquisa, na linha da isenção pretendida pelosneopositivistas.

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Conforme a visão de representantes doConstrutivismo, se os valores sociais estão imbricados naprodução dos fatos científicos, como eles negligenciariamessa condição de valor nas próprias atividadesinvestigativas? (WINNER, 2006). Como podem secolocar numa atitude de pretensa isenção, ao assumiremintegralmente a fala de seus interlocutores como fundamentoúltimo e exclusivo de suas análises? Não estariam repetindoa velha máxima positivista, segundo a qual o objetocientífico deve ser fielmente descrito (contrariamente aoque defendem), tal e qual se constitui empiricamente? Comoeles próprios se colocam como parte de um processo deconstrução e interação que envolve múltiplos fatoressociais e não-sociais? Todas essas são questões queparecem ainda em aberto na abordagem construtivista,para ficar em consonância com a idéia de simetria propostapor alguns dos inspiradores dessa abordagem, no conjuntodas prescrições do programa. Segundo Winner (2006),identificar tais atores (engenheiros, industriais, cientistas),o que realizam e o impacto de seus trabalhos na sociedadee no meio em que desenvolvem suas atividades deve fazerparte da agenda ou do programa de pesquisa propostopelo Construtivismo.

Tal cobrança pode ser prontamente contestadapelos construtivistas, pelo questionamento a respeito dequal deve ser o papel da ciência e da tecnologia nasociedade. Argumentariam, por exemplo, que não éatribuição (um dado a priori) da ciência ou mesmo datecnologia assumir qualquer papel de ordem moral. Paramuitos, essa questão não permite solução, uma vez quehá diferentes acepções de ciência e de tecnologia em jogoe quanto à responsabilidade que cada uma deve assumir,bem como quanto à divisão de tarefas atribuída à ciência

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e à tecnologia. Quem estabelece tudo isso, poderiamperguntar a seus críticos? No entanto, todas essas questõesacabam por evidenciar e dar razão à reflexão propostapor Fuller (2006), a respeito da necessidade de que odebate filosófico seja parte integrante de uma Sociologiada Ciência, de uma Sociologia da Tecnologia, ou mesmodos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia.

Na linha de sua argumentação, Fuller (2006, p. 35)faz uma importante diferença entre Construtivismo eRelativismo. Na sua definição, a negação do Universalismoé o Relativismo. Já o Construtivismo nega que os sujeitosconheçam, do mesmo modo, a mesma realidade.O Construtivismo tanto pode ser compatível com oRelativismo quanto com o Universalismo. “Para oconstrutivista, o Relativismo do antropólogo é umRealismo sobre múltiplos mundos sociais” (FULLER,2006, p. 37). A tese da incomensurabilidade de Kuhn étambém Realismo, argumenta o autor.

O debate acerca da ciência, de sua natureza e dopapel que desempenha na sociedade, bem como asquestões éticas que emergem do cenário das novas áreasda produção do conhecimento, evidenciam a necessidadede evitar respostas reducionistas ou abordagensherméticas, e de repensar posições bastante consolidadasna tradição hegemônica de como se deve fazer e explicara ciência e a tecnologia. Das discussões precedentes,depreende-se que a lógica e os valores pelos quais sepauta o núcleo dominante da Sociologia da Ciência,embora importantes para a fundamentação de uma teoriasobre a tecnologia – ao porem em discussão conceitoscomo comunidades científicas, valores sociais versus fatoscientíficos, Relativismo versus Realismo ou versusUniversalismo, relação entre Ciência e Economia ou entre

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Ciência e Poder –, induzem uma reavaliação do fenômenotecnológico. Em outras palavras, reavaliar a tecnologiapor certo prisma científico pode restringir a construçãode uma teoria sobre a tecnologia.

A esse respeito, é sempre importante ressaltar quea ciência e a tecnologia possuem histórias e objetivosdiferentes – ainda que essa mesma proposição sejaquestionável, como se verifica na abordagem de Heidegger(2006), para quem a tecnologia é um caminho para odesvelamento, o desencobrimento da verdade científica.

Por oportuno, cabe questionar aqui que razões –sociais ou no plano da história das idéias – motivariam umtratamento desigual entre ciência e tecnologia? Por queuma Filosofia da Ciência, e mesmo uma Sociologia daCiência, é mais consolidada do que uma Filosofia daTecnologia ou uma Sociologia da Tecnologia? Por que atecnologia, em si mesma, não representa um problema?Por que ela é apenas vista como um conjunto de meios einstrumentos (uma coisa), utilizáveis conforme umadeterminada finalidade?

Questionamento a respeito da tecnologia

As primeiras discussões sobre ciência remontam apouco mais de um século. Sobre tecnologia são maisrecentes. Mas cada uma incita discussões distintas.

Uma Teoria da Ciência surge e se consolida a partirde um campo filosófico específico, que faz parte da Teoriado Conhecimento. A preocupação básica referia-se aoquestionamento acerca da validade do conhecimento; oque caracteriza, aliás, o debate filosófico dos temposmodernos, conforme análise de Habermas (1982).

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De acordo com Habermas (1982, p. 25), “[...] aposição da filosofia moderna diante da ciência, nosumbrais do século XIX, caracterizou-se pela concessãode um espaço legítimo à ciência”.

Não obstante,

[...] as teorias do conhecimento não se limitavam aexplicar o conhecimento científico-experimental, istoé, não desabrochavam em teoria da ciência(HABERMAS, 1982, p. 25).

A discussão pelo prisma filosófico a respeito daciência transcendia o seu espaço interno, concentrando-se no tema da razão e de suas possibilidades.

Seguindo essa linha de argumentação, Habermas(1982) identifica que o distanciamento entre a FilosofiaModerna e uma Teoria da Ciência – já mais autônoma eindependente – acentuou-se na medida em que seconfrontavam duas grandes correntes do pensamento acercada razão, a saber: a “auto-reflexão fenomenológica do conhe-cimento”, representada por Hegel (1977), e o “questiona-mento lógico-transcendental”, feito por Kant (1929).

Para Habermas (1982), a crítica de Hegel à aborda-gem kantiana chega mesmo ao paradoxal resultado de afilosofia não apenas ter mudado de posição em relação àciência, mas também de ter renunciado totalmente a estaúltima. Daí, o argumento de Habermas (1982) de que aciência não foi, a rigor, pensada filosoficamente depois deKant (HABERMAS, 1982, p. 26).

Contudo, a ciência passa a constituir uma categoriado conhecimento, pela emergente Teoria do Conheci-mento, propiciando e consolidando, a partir daí, uma Teoria

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da Ciência. Neste caso, porém, a Teoria do Conhecimento,tomando como base os padrões dominantes da ciênciapositiva moderna, afasta-se radicalmente da idéia de umsaber absoluto de uma grande filosofia – típica da tradiçãofilosófica clássica –, bem como evita uma simples“autocompreensão” da rotina investigatória fática.

A reflexão crítica necessitava, porém, da eliminaçãode antigos obstáculos positivistas, a exemplo do programafilosófico introduzido pelo Círculo de Vienna. Entretanto,o desfecho verificado é que a crítica do conhecimentoabdicara em favor da Teoria da Ciência, cuja tônica eramarcadamente positivista – uma leitura positiva sobre aciência. Esse Positivismo era manifesto, basicamente, pelareificação da ciência como um saber autodeterminado eauto-explicativo, e pelo esvaziamento de um espaçopassível de crítica sobre esda forma científica, na medidaem que ela é assumida como única forma válida de sefazer ciência.

Ademais, enquanto uma Teoria da Ciência seconsolida, assumindo uma autonomia em relação aopensamento filosófico que a gerou, uma teoria sobre atecnologia foi sendo negligenciada (IHDE, 1979, 2006).De fato, ao longo da história, o pensamento filosófico temsilenciado acerca da tecnologia. Uma das teses a esserespeito é que o status secundário de uma “filosofia datecnologia” é fruto das características da moderna históriaintelectual (SCHARFF; DUSEK, 2006).

Para Ihde (2006), esse fato é conseqüência de todauma tradição idealística, que remonta a Platão, influen-ciando fortemente a Teoria do Conhecimento e a daCiência. Nesse sentido, ele demonstra que a ciência e aTeoria da Ciência são “filhas da filosofia”, ou de uma base

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filosófica que privilegia o conceito e a forma, uma puraconceitualidade, como entidades abstratas, hierarqui-camente superiores, na escala das capacidades humanas.No nível mais baixo, estariam as percepções dosfenômenos, em suas manifestações concretas.

Conforme essa argumentação, uma particularrelação entre a ciência e a tecnologia é análoga à relaçãomente–corpo, subjacente às discussões filosóficasclássicas. Nesse binômio, a mente teria primazia sobre ocorpo. E isso se dá da mesma forma como o puro conceitoé superior à percepção ou à corporização, dentro do“Mito da Caverna”, de Platão. A mente atinge a formapura e a essência imutável dos fenômenos; estes sãoalterados em sua aparência externa, sendo a percepçãodesse exterior um conhecimento precário e superficial.Analogamente, a ciência associa-se à mente, ao teórico;a tecnologia, ao corpo, à prática (IHDE, 1979).

Essa valorização do teórico e científico, emdetrimento do prático e tecnológico, explicaria por que apreocupação inicial da filosofia moderna era com a ciência,e não com a técnica, considerada menor. No melhor doscaminhos, a tecnologia era pensada como ciência aplicada,a “neta da filosofia”, uma “engenharia de conceitos”, enão como uma forma própria de conhecimento, mais antigaque a ciência e sempre presente em toda a história humana,na luta que essa espécie trava com a natureza (física ebiológica), visando ao seu controle e à dominação. Umaforma de conhecimento que surge da prática concreta dosindivíduos em sua vida diária, uma engenharia material,ainda que assumindo, historicamente, contornos e formasbem específicas, como a da racionalidade científica dehoje; esta mesma dirigida para fins práticos, pensada apartir do destino final desse conhecimento (IHDE, 1979).

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Entretanto, mais recentemente, duas grandes ten-dências filosóficas têm reavaliado a tecnologia como umfenômeno próprio, ao invés de meramente umconhecimento sucedâneo da ciência, subsidiário desta.Trata-se, diz Ihde (1979), da Filosofia Analítica – incluindoo Positivismo Lógico (representado pelo Círculo deVienna), o Formalismo e o Construtivismo – e da Fenome-nologia, incluindo o Existencialismo e filosofias dialéticas,estas últimas ligadas à tradição Hegel-Marx. Se, de umlado, o Positivismo relegou um papel estreito à Teoria daCiência, como uma área de conhecimentos autônoma,porém acomodada, a Fenomenologia propôs uma novaconcepção de ciência, ainda que rejeitando, como o Positi-vismo, o caráter altamente especulativo da Filosofia Clássica.

A contribuição da Fenomenologia e do Existencia-lismo à teoria tecnológica é inegável. Fundamentalmente,essas abordagens filosóficas propõem uma inversão nojulgamento ontológico acerca da tecnologia, relativamentea uma suposta preferência filosófica pelo platonismo e pelaênfase na dimensão conceitual. Nesse contexto, é cruciala solução materialista dada por Heidegger à tecnologia.Representando a corrente fenomenológica, esse autordefende a primazia da praxis, argumentando que atecnologia é ontologicamente anterior à ciência, na medidaem que ciência é tecnologia.

Para Heidegger (2006), a primazia ontológica édada ao mundo e não ao conceito, à prática e não à teoria,à tecnologia e não à ciência. Nesse sentido, a ciência vema ser a ferramenta da tecnologia. A inversão operada porele leva a modificar os termos da relação ciência–tecnologiapara outra, de base materialista, a tecnologia para a ciência.

Assim, a Fenomenologia encerra uma redescobertada percepção e uma ênfase sobre formas concretas de

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objetificação. Por outro lado, se uma teoria da ação é ofundamento de uma teoria do conhecimento, se tecnologiaé ontologicamente a base da ciência, se praxis é anteriorao conceito, então, existe uma difícil conciliação entre afilosofia da praxis e a contraparte idealística, segundo Ihde(1979).

Na abordagem de Heidegger (2006) sobre atecnologia, “ôntico” é uma certeza que denota apenas algoparcial de uma realidade maior, a condição ontológica.É apenas pelo ôntico que o ontológico pode ser compreen-dido, embora a dimensão ontológica seja a condição depossibilidade para o ôntico.

A definição instrumental e antropológica de tecno-logia (uma atividade humana e um conjunto de meios parase obter um determinado fim) é, para Heidegger (2006),funcionalmente ôntica; correta, mas parcial, limitada a umconjunto subjetivístico de possibilidades. Heidegger(2006) inverte esta definição, ao propor uma questão aqual pertence à tradição filosófica: quais são as condiçõesde possibilidades que tornam a tecnologia uma realidade?

Assim, tecnologia, como vê Heidegger (2006), nãoé ôntica, mas ontológica. Ou seja, é aquilo que faz que elaseja o que ela é. Na acepção de Heidegger, a tecnologiaé um “modo de desvelamento”; em outras palavras, é “ummodo de verdade”, “um campo dentro do qual as coisase as atividades podem aparecer como elas são”. Aquiloque faz que as coisas apareçam. Tecnologia não é ummeio, mas um caminho de revelação, ou de desenco-brimento ou de desvelamento; é também poiésis (trazer àluz), no sentido que os gregos atribuíam a esse vocábulo.Em suma, a estratégia de Heidegger é tentar localizar oque é ontológico por meio da análise fenomenológica doque é ôntico.

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Dois conceitos-chave são apresentados porHeidegger (2006) para formular sua acepção a respeitoda essência da tecnologia, ou de sua condição ontológica:o de standing reserve e o de enframing, mantendo, aqui,a versão inglesa dos termos. Geralmente, o primeiroconceito consiste naquilo que está presente na natureza(disponível para quaisquer ações humanas transfor-madoras), em sua forma original, bem como em suasformas modificadas, resultantes dessas ações. É assim anatureza (a original e a transformada pela ação humana) eo estoque de conhecimentos disponíveis para posteriorestransformações.

Contudo, o autor identifica dois modos de desen-cobrimento: o bringing-forth e o challenging-forth. Oprimeiro, que leva à poiésis, na verdade, a algo produtivo;e o segundo, típico da tecnologia moderna, ligado à explo-ração, ao contínuo ato de desafiar a natureza, forçando-aa se expor, a colocá-la sempre disponível aos propósitosdo progresso técnico. Essa idéia de disponibilidade – outratradução para a expressão standing-reserve – é a marcada tecnologia moderna, que, aliás, também insere ohomem, como parte dessa mesma condição de explora-ção, em um movimento que se reproduz continuamente.

É isso que acaba por delimitar o campo depossibilidades no qual deverá se inscrever a tecnologia,como uma praxis. Outros caminhos poderão ser tentados;contudo, tal acervo de objetos, meios, instrumentos econhecimentos disponíveis, para a exploração, deverá serdeterminante na produção de novas tecnologias. É daíque se associa o caráter determinista da abordagemheideggeriana da tecnologia. Ou seja, embora a tecnologiaseja também algo a ser revelado, um desvelamento darealidade (no sentido do bringing-forth), uma possibi-lidade emancipatória que se associa à busca da verdade,

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não fica claro, na citada obra do autor, como efetivamenteisso se daria no contexto contemporâneo, presidido pelalógica da dominação e da exploração. Além disso, não sedepreende da abordagem heideggeriana o espaço para oinusitado, o imprevisto; tudo o que “viesse a ser”, ou quefosse “trazido à luz” (em sua remota esperança numa açãoconsciente por parte dos indivíduos, em prol de sualibertação e dignidade), estaria coagido pela condição desua disponibilidade (em seu standing reserve) para acontinuidade da exploração, na tecnologia moderna.

O outro conceito-chave na discussão proposta porHeidegger (2006) a respeito da tecnologia é o deenframing. Para o autor, é todo o conjunto de atividadeshumanas que tornará possível a tecnologia, que consistena reunião ou na composição do conjunto das possibi-lidades disponíveis (no standing reserve) da tecnologia;é o processo de desvelamento, de desencobrimento dostanding reserve. Em outras palavras, a tecnologiamoderna é enframing do standing reserve. Na pers-pectiva de Heidegger, tecnologia, como enframing, éprecursor da ciência, daí a primazia da tecnologia.Ou seja, enframing é o campo de possibilidades dentrodo qual também a ciência se dá.

A primazia ontológica dada à tecnologia por Heidegger(2006), em contraste com a tradição da Teoria do Conhe-cimento ou da Epistemologia, que atribui à ciência o papelproeminente, é crucial na presente discussão. Não apenastal proposta filosófica acaba por quebrar a forte dicotomiaciência–tecnologia presente no núcleo central da Teoriada Ciência e na Sociologia da Ciência (para o autor, taldistinção é meramente arbitrária; tanto a ciência quanto atecnologia são formas de desencobrimento ou dedesvelamento da realidade), quanto leva a destacar a

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própria materialidade do conhecimento e da ciência, queincorpora todo um conjunto de instrumentos, meios erecursos naturais (do aparatus), sem o que nãoconseguiria realizar-se.

É o que se evidencia na discussão que faz a respeitoda moderna tecnologia. Para Heidegger (2006), não é atecnologia que incorpora a ciência; ao contrário, é estaúltima que incorpora a tecnologia. Nessa linha, Heideggerenfatiza que cabe à moderna física teórica (e não o contrário)preparar o terreno para a essência da moderna tecnologia.

E complementa o autor:

O que a essência da técnica tem a ver com o desenvol-vimento? Tudo. A técnica, portanto, não é simples meio.É uma forma de desenvolvimento. É algo no âmbito doconhecimento. Algo poético. A técnica é uma forma dedesencobrimento, ou desvelamento6 (HEIDEGGER, 2006,p. 17-18).

Nessa linha,

[...] o desencobrimento que domina a técnica modernapossui, como característica, o pôr, no sentido de explo-rar; se dá e acontece de um múltiplo movimento: extrair,transformar, estocar, distribuir, reprocessar são todosmodos de desencobrimento. (HEIDEGGER, 2006,p. 17-183).

Em resumo, segundo o autor:

A física moderna não é experimental por usar, nasinvestigações da natureza, aparelhos e ferramentas.Ao contrário, porque, já na condição de pura teoria, afísica leva a natureza a expor-se como um sistema deforças, que se pode operar previamente, e que se dispõedo experimento para testar; e a natureza confirma tal

6 Essas citações estão, originalmente, no texto em inglês. Trata-se, aqui, deuma livre tradução, para tentar manter o ritmo da exposição dos argumentos.

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condição e o modo como o faz [...]. A técnica modernasó se pôs realmente em marcha quando conseguiuapoiar-se nas ciências exatas da natureza [...]. A teoriada natureza, proposta pela física moderna, nãopreparou o caminho para a técnica, mas para a essênciada técnica moderna. (HEIDEGGER, 2006, p. 25).

A citação anterior apresenta um dos focos centraisda atenção de Heidegger, em sua Questão Concernenteà Tecnologia, e o que tem sido também objeto de maiorescontrovérsias no campo da Epistemologia e da Teoria daCiência. Mas, se, por um lado, pode-se inferir dos comen-tários anteriores um certo pessimismo quanto às possibi-lidades de emancipação humana, pelas vias da tecnologia,uma vez que ela já está quase que inteiramente pré-moldada(o determinismo heideggeriano), em todo o apparatus eno standing reserve – na análise sobre a modernatecnologia –, no extremo, algo que se nutre de si próprio;por outro lado, tais discussões ensejam amplo debate,com recortes teóricos e filosóficos os mais diversos,abrindo caminho para a construção de uma teoria datecnologia que não se restrinja meramente à condição desubsidiária da ciência. Em outras palavras, para pensar atecnologia como uma realidade própria, um fenômenodistinto e um objeto de investigação aberto aos mais varia-dos campos do conhecimento humano. Contribuir paraessa condição é um dos principais méritos de Heidegger.

O debate recente em torno da tecnologia é algobastante instigante, em meio a uma grande diversidade deabordagens, categorias analíticas e posições metodoló-gicas. A intenção deste trabalho é apresentar os principaiseixos de discussão em torno da tecnologia. Busca-seextrair desse debate elementos teóricos e filosóficosrelevantes para aportar a formulação de um modelo teóricopara a análise da tecnologia. Esta tentativa está sintetizadana Fig. 1. Em geral, são quatro os principais pontos de

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destaque: posição filosófico-metodológica (fenome-nologia, essencialismo, construtivismo e evolucionismo),os principais enfoques metodológicos (sociológico,econômico, filosófico, psicológico, histórico e antro-pológico), o cerne do debate central (autonomia versusnão-autonomia) e a aceitabilidade da tecnologia nasociedade (requer legitimação versus autolegitimável).

O primeiro aspecto a destacar da Fig. 1 são osprincipais enfoques metodológicos, as grandes áreas doconhecimento, que mais têm se dedicado à discussão datecnologia. São eles o enfoque sociológico, o econômico,o filosófico, o psicológico, o histórico e o antropológico.Um mesmo trabalho pode utilizar mais de um enfoque.Isso significa que pode apresentar, por exemplo, umaabordagem próxima da filosofia, e se apoiar emargumentações típicas do enfoque histórico.

O enfoque sociológico não é exclusivo do campoda sociologia. Dele fazem parte trabalhos de matemáticos,de biólogos e de todo um conjunto de contribuições dachamada Economia Política. O enfoque sociológicosubdivide-se nas seguintes abordagens: 1) a Socioeco-nômica, que procura explicar as inovações tecnológicas apartir de determinações culturais; 2) a abordagem deSistemas de Informação, da qual faz parte a conhecidavariante mertoniana do “estrutural-funcionalismo”(SOUSA; SINGER, 1984a); 3) a da chamada SociologiaRadical (SOUSA; SINGER, 1984a), que procuradesenvolver uma abordagem tipicamente marxista arespeito da tecnologia; 4) a linha Construtivista; e 5) outra,próxima do Construtivismo, mas dele distinguindo-se, porenfatizar os aspectos políticos e aqueles ligados àproblemática da legitimação, que ressalta o conteúdosocial presente na tecnologia.

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O enfoque psicológico tem-se voltado para ainvestigação do modo como a inteligência, a personalidadee as atitudes influenciam a criatividade dos indivíduos(SOUSA; SINGER 1984a, p. 348-349). Já o enfoqueeconômico tem tratado a tecnologia mediante duas formasdiferenciadas: como uma atividade autodeterminada eindependente dos acontecimentos sociopolíticos, e comoum fator dependente, que responde às forças econômicase ao ambiente institucional. Nesse enfoque, se inseremtambém os evolucionistas, na análise da inovação.

O tratamento filosófico procura refletir sobre acondição tecnológica contemporânea, destacando-se umconjunto de autores, que seguem acepções as maisdiversas, como a Fenomenologia e o Essencialismo.O enfoque antropológico tem ganhado importância comos trabalhos dos construtivistas e com a conhecidaabordagem da Etnometodologia. Finalmente, o enfoquehistórico está presente na obra de muitos autores, desdeos mais antigos, como Marx e Comte, até os maisrecentes, como Thomas Kuhn e Lewis Munford. Por issomesmo, pode ser considerado como um enfoque clássico.

O segundo aspecto contido na Fig. 1 são as quatrograndes posições filosóficas ou orientações metodológicaspara a análise da tecnologia (Fenomenologia, Essencia-lismo, Construtivismo e Evolucionismo), as quais não seexcluem mutuamente, embora entre algumas a oposiçãoseja mais rigorosa. É o caso da contraposição entre aconcepção fenomenológica e a essencialista. A primeirasegue uma tradição ancorada nos trabalhos de EdmundHusserl e Alfred Schutz, mas também em Martin Heideggere em muitos outros filósofos da tecnologia, como Don

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Ihde, Hubert Dreyfus e Charles Spinoza7. Para essaabordagem, a tecnologia é vista pela experiência concretados indivíduos, em sua lida com a natureza e o mundosocial do qual fazem parte. Por sua vez, o Essencialismotrata a tecnologia como uma coisa em si mesma, comorealidade própria, independentemente de suas relaçõescom a experiência humana e com o contexto no qual sedesenvolve8. São representantes dessa abordagem: Saul

8 De um ponto de vista filosófico, “o Essencialismo remete para a crençana existência das coisas em si mesmas, não exigindo qualquer atenção aocontexto em que existem. Uma posição essencialista distingue-se facil-mente de uma posição dialéctica: a primeira pressupõe a reflexão de umacoisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexão de uma coisa em relaçãocom outras; a primeira confia em que as qualidades de uma coisa revelam-se a si próprias, a segunda defende que as qualidades de uma coisa devemser sempre discutidas em confronto com outras qualidades e com outrascoisas, procurando-se sempre uma explicação lógica para que uma dadaqualidade exista ou predomine. O oposto do Essencialismo filosófico é oRelativismo. Neste confronto, ambos os termos são utilizados comsentido pejorativo e repelem-se mutuamente. O confronto só amenizaquando se substitui o Relativismo pela variante eufemística Relacionismo.Em suma, o Essencialismo contempla a coisa em si mesma; o Relativismoexige a conformidade da coisa com aquilo que compõe o mundo que acircunscreve. Se substituirmos a palavra coisa pela palavra texto, teremosencontrado o significado do Essencialismo para a literatura”. (CEIA, 2005).

7 Em termos gerais, “a Fenomenologia, nascida na segunda metade do século20, a partir das análises de Franz Brentano sobre a intencionalidade daconsciência humana, trata de descrever, compreender e interpretar os fenô-menos que se apresentam à percepção. Propõe a extinção da separaçãoentre ‘sujeito’ e ‘objeto’, opondo-se ao pensamento positivista do século 19.O método fenomenológico define-se como uma volta às coisas mesmas,isto é, aos fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá comoobjeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, aoconteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata.Toda consciência é consciência de alguma coisa. Assim sendo, a consciêncianão é uma substância, mas uma atividade constituída por atos (comopercepção, imaginação, especulação, volição e paixão), com os quais visaalgo. As essências ou significações (noema) são objetos visados de certamaneira pelos atos intencionais da consciência (noesis). A fim de que ainvestigação se ocupe apenas das operações realizadas pela consciência, énecessário que se faça uma redução fenomenológica ou epoché, isto é,coloque-se entre parênteses toda a existência efetiva do mundo exterior. Naprática da Fenomenologia, efetua-se o processo de redução fenomenológica,o qual permite atingir a essência do fenômeno. As coisas, segundo Husserl,caracterizam-se pelo seu inacabamento, pela possibilidade de sempre seremvisadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam”. Em síntese, essaabordagem privilegia a experiência humana, em sua relação com os fenôme-nos que se apresentam concretamente aos indivíduos. (WIKIPÉDIA, 2006).

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Kripke e Hilary Putnam. Estes autores defendem umaversão particular do Essencialismo, procurando coincidiras propriedades essenciais não-triviais dos particularescom as propriedades descobertas pela ciência(MURCHO, 2000). As obras de Ellul (2006a, 2006b),Bunge (2006) e Borgmann (2006) podem ser relacionadasà perspectiva essencialista, no tratamento da tecnologia.

As duas outras abordagens identificadas são oConstrutivismo, discutido na seção anterior, e oEvolucionismo. Esta segunda abordagem origina-se nasteorias biológicas da evolução desenvolvidas por CharlesDarwin, mas é identificada, na lida com a tecnologia, entreimportantes enfoques econômicos, cujos representantessão exemplificados pelos trabalhos de Dosi (1982, 2000,2005), Dosi e Fagiolo (1998), Dosi e Nelson (1994,2002), Freeman (1991, 1995), Freeman et al. (1982),Nelson (2003, 1997), Nelson e Winter (1982) eRosemberg (1982). Contudo, há outras posiçõesevolucionistas que não fazem parte da abordagemtipicamente econômica, a exemplo de Maturana (1981),que se insere mais propriamente na discussão a respeitodo modo como o conhecimento, em geral, se dá, e deLuhmann (1980, 1985, 1986, 1987, 1990), cujas obrassão muito importantes para uma contraposição aosevolucionistas da abordagem econômica.

O terceiro aspecto contido na Fig. 1 refere-se àaceitabilidade social da tecnologia. Esse aspecto serádesignado, aqui, como a problemática da legitimação.Conforme se pretende explicitar melhor nos próximoscapítulos, o argumento que se tenciona sustentar é que atecnologia, como outras atividades humanas, requernecessariamente uma base de legitimidade.

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A discussão sobre a legitimação da tecnologia éum aspecto que não pode ser negligenciado. Isso éevidente no contexto atual do desenvolvimento científico-tecnológico, sobretudo em áreas de ponta doconhecimento, como nas Novas Biotecnologias, na áreamédica, na agropecuária, ou ainda nas tecnologias deinformação, que tematizam fortemente questões éticas eligadas à soberania das nações. Essas questões demandammaior discussão e sua aceitabilidade social não é algo quedependa apenas de critérios de eficácia e êxito, comoquer, por exemplo, Jürgen Habermas.

O quarto e último aspecto exposto na Fig. 1 revelao cerne do debate central sobre a tecnologia. Nele,identifica-se a contraposição entre as teses da autonomiaversus não-autonomia da tecnologia na sociedade, ou entrea autodeterminação ou não da tecnologia na sociedade.Essa é a grande discussão que preside os vários estudossobre a tecnologia e que melhor pode orientar a construçãode uma teoria tecnológica ou de seus modelos explicativos.

A defesa da idéia da autodeterminação datecnologia, ou de sua autonomia, pode ser algo explícito,como é o caso de Ellul (2006a, 2006b). No primeirodesses textos, Ellul (2006b, p. 182) apresenta, comoHeidegger, uma definição total de técnica. Mas é em seusegundo trabalho que se verifica o que pode ser uma dasdefesas mais radicais da noção de autodeterminaçãotecnológica, na literatura. Para esse autor, nem a economianem questões morais interferem no curso tecnológico.A esse respeito, afirma:

Não obstante a importância do fator econômico, eumanterei o conceito da auto-suficiência da tecnologia,no sentido de que a economia pode ser um meio de

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desenvolvimento, uma condição para o progressotecnológico, ou, inversamente, um obstáculo, masnunca determinar, provocar ou dominar esse progresso[...]. Moralidade julga problemas morais. Nada tem afazer com problemas tecnológicos: apenas os meios ecritérios tecnológicos são aceitáveis. (ELLUL, 2006b,p. 392-394).

Para Ellul, Habermas faz uma análise superficial darelação entre tecnologia e política. Ao desenvolver suaargumentação, Ellul (2006b) assinala que:

O homem moderno toma por base que qualquer coisacientífica é legítima, e, em conseqüência, que qualquercoisa tecnológica também o é. Hoje, nós não podemosmais, meramente, dizer ‘tecnologia é um fato, nósdevemos aceitá-la como tal, nós não podemos ir contraela’. Isto é uma séria posição que reserva a possibili-dade de julgamento. Mas tal atitude é vista comopessimista, antitecnológica e retrógrada. Realmente,nós deveremos adentrar no sistema tecnológicoreconhecendo que tudo o que ocorre dentro dele élegítimo ‘per si’. Não há, nesse caso, nenhumareferência exterior [...]. Se, em determinado instante,alguma coisa é tecnológica, é legítima, e qualquerdesafio é suspeito. (ELLUL, 2006b, p. 395).

Cabe, então, perguntar: o que o autor consideraalgo legítimo em si mesmo? No sentido de algo autole-gitimável, a posição final acaba coincidindo com a visãohabermasiana, que dispensa qualquer discussão moral paraa tecnologia. A crítica de Ellul a Habermas deve-se muitomais ao fato de que, embora ambos compartilhem dessemesmo entendimento quanto à idéia de que a tecnologiaseja autolegitimável, o primeiro discorda de que a esferapolítica possa interferir no curso tecnológico, a fim de“corrigir” determinados rumos seguidos pelodesenvolvimento tecnológico, colocando-os sob o crivo e a

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aprovação da sociedade, de modo que “a dominação daracionalidade técnico-instrumental seja subordinada a umaracionalidade comunicativa reflexiva” – cara ambiçãoiluminista de Habermas.

O que Ellul propõe é compreender o que ele chamaa “intrínseca lógica da evolução da tecnologia”, uma vezque nada, nem mesmo a política, pode ir contra oumodificar tal desenvolvimento. Caso haja conflito entrepolítica e tecnologia, perde, inevitavelmente, a primeirapara a segunda (ELLUL, 2006b, p. 391).

A julgar por essas posições, fica difícil desenvolveruma crítica conseqüente ao fenômeno tecnológicocontemporâneo com base na obra de Ellul. Sua abordagemaponta para a inexorabilidade no curso do desenvol-vimento tecnológico. Afinal, qual o conteúdo intrínsecoda tecnologia? Ao imunizar a tecnologia de toda e qualquerinterferência externa, o autor acaba por reificá-la e atribuir-lhe um caráter de neutralidade, difícil de sustentar, teóricae empiricamente.

Outros autores também compartilham a idéia deque a tecnologia é algo autodeterminado, como se podedepreender da contribuição de Borgmann (2006), aopropor, numa visão otimista com relação à tecnologia, queesta deva ser meramente ajustada, numa ou noutra situação,para ficar mais adaptada a determinados propósitoshumanos, em contextos sociais bem específicos edelimitados.

Borgmann (2006) defende que os novos propósitospara as tecnologias modernas devem ser definidos à luzdas coisas focais. Segundo o autor, não se tratasimplesmente de mudar finalidades, mas de discutir o papel

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da tecnologia na promoção de bem-estar. Para um deseus críticos, Feenberg (2006a, p. 330), a solução deBorgmann, “saltando da esfera da tecnologia para restaurara centralidade de sentido”, é remanescente da própriaestratégia de Habermas, a quem ele pretende se opor.

A tecnologia permanece, nesta última perspectiva,algo misterioso, mágico, dotado de força própria, capazapenas de ajustar-se a determinados objetivos humanos.Esse lado misterioso e autônomo também se evidencia naobra de Heidegger, ao reificar o standing reserve e aoestabelecer, para a condição ontológica da tecnologia, umpoder acima das forças, dos conflitos e das pressõessociais. Algo do qual “somente um Deus poderia nossalvar”, nas palavras do próprio Heidegger.

Nessa linha “escatológica”, também se poderiamregistrar as importantes contribuições de Marcuse (1982,2006), com sua visão pessimista a respeito dos destinosda tecnologia nas sociedades capitalistas avançadas.Segundo este autor, não haveria saída para uma ciência euma tecnologia emancipadoras, dentro das estruturas domodo de produção capitalista. Para se estabelecer umanova ciência e uma nova tecnologia, seria necessária umanova estrutura social, uma nova maneira de lidar com anatureza e com a relação entre os indivíduos, livres dadominação e do controle de uns sobre outros.

Contudo, cabe a pergunta: como isso se faria,conforme acertadamente questiona Habermas, se atecnologia e sua evolução fazem parte do próprio legadoda humanidade? Para ele, a tecnologia, tal qual aconhecemos, é parte constitutiva da história e do acervo(tanto material quanto simbólico), disponível àhumanidade. No seu extremo, também se poderia

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argumentar a respeito da visão autodeterminista datecnologia, constante da acepção de Marcuse. Para esteúltimo autor, a tecnologia teria assumido uma tão elevadacondição de autonomia, que, como observou Heidegger,só um Deus poderia nos salvar. Mas salvar do quê? Afinal,a tecnologia não introduz apenas dominação, opressão,aniquilamento da pessoa humana (ROSS, 2006). Há umadimensão cultural significativa que precisa ser consideradanesse debate. Maciel (1996), por exemplo, apontamúltiplas possibilidades de realização da tecnologia na suadiscussão sobre o “milagre italiano” dos anos 1980.Também é importante destacar alguns trabalhos críticos,na perspectiva do chamado feminismo, como os deHaraway (2006), o qual desenvolveu uma discussão arespeito do Cyborg, no final do século 20, e de Tuana(2006), propondo, de modo bastante original, umareavaliação da ciência e de sua relação com a tecnologia,pela perspectiva da mulher.

Os autores que discordam da idéia da autodeter-minação da tecnologia, presentes, por exemplo, noConstrutivismo e no Evolucionismo, além dos que insistemna abordagem sociológica do conteúdo social da tecno-logia, constituem um conjunto bastante amplo. Tais autoresapontam um lado promissor na construção de uma teoriasobre a tecnologia, na medida em que introduzem elemen-tos críticos relevantes para enfrentar a tradição hegemônicana Sociologia da Ciência e na Epistemologia, os quaisrelegam a tecnologia à condição de plano secundário, aalgo neutro ou passível de meras adaptações a situaçõessociais específicas.

O trabalho de Feenberg (2006b) constitui, nesseentendimento, uma boa síntese do que pode representarum lado promissor para o tratamento contemporâneo da

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tecnologia. Ao desenvolver sólida argumentação contra aabordagem dominante na Sociologia da Ciência e o legadode Max Weber – a respeito de sua teoria sobre a racio-nalização do mundo moderno, notadamente a isenção deuma “ética de responsabilidade” quanto à esfera da ciência,e a forte demarcação entre a ciência e a política ou aprática –, Feenberg (2006b) apresenta a idéia de“Racionalização Democrática” – um novo modo deracionalização, consentâneo ao atual estágio dodesenvolvimento científico-tecnológico – e amplia conside-ravelmente o entendimento a respeito da natureza, dopapel e do lugar da ciência e da tecnologia no contextocontemporâneo.

É inegável que ciência e tecnologia cumpremimportante papel no desenvolvimento histórico-social eno avanço das forças produtivas. Entretanto, assim comoa ciência e a tecnologia possuem um poder expresso porsua capacidade de controlar forças físicas e sociais, asociedade, por sua vez, exerce sobre elas outro poder,que se origina, tanto da infra-estrutura econômica quantoda sociedade política ou da sociedade civil.

Enfim,

São as relações sociais que definem os parâmetrospara o estabelecimento de necessidades que conduzi-rão ao desenvolvimento e uso de determinadas tecno-logias. São elas, também, que criam possibilidadesdiferenciadas para que certos sujeitos (nações, classessociais ou grupos) conduzam o, e apropriem-se doavanço tecnológico, transformando-o em força produ-tiva, instrumento de dominação política e/ou fatorideológico de legitimação do Estado. E isso, tendo-seem conta que as novas tecnologias vão se constituirelementos condicionadores das próprias relaçõessociais. (SOBRAL, 1988, p. 12).

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É dessa forma que a criação e o uso de novas tecnologiaspodem dar origem, ao mesmo tempo, a condições deemancipação e de transformação de sujeitos. É nessesentido, também, que “a tecnologia tanto é fator detransformação como de manutenção de estruturas sociais”(FIGUEIREDO, 1989, p. 6). Contudo, cabe a pergunta:de que modo a ciência e, particularmente, a tecnologiadesenvolvem essas relações de manutenção e de trans-formação de estruturas sociais?

A prática tecnológica

Inicialmente, cumpre lembrar que a tecnologia nãoé pura neutralidade, mas a escolha de um possível caminho.Ademais, a ciência não é mera contemplação de formas etemas; não é algo neutro, isento de valores, mas um arranjosocial, político e individual, de ações engajadas no mundomaterial.

Em termos gerais, tecnologia consiste em umaatividade humana, socialmente condicionada, que reúneum conjunto de meios – instrumentos e procedimentos –para a obtenção de um fim almejado. Porém, distintamenteda ciência, cujo objetivo precípuo é a explicação dosfenômenos, além de suas descrição, interpretação epredição, a tecnologia visa, fundamentalmente, ao domínioe ao controle da natureza, seja essa física, seja social.Contudo, não são os meios, como tais, que revelam olado mais dramático da tecnologia; tampouco os objetivosvisados, mas a maneira como os sujeitos sociaisrelacionam significativamente meios e fins. Em outraspalavras, como a experiência humana lida, concretamente,com determinados meios, em busca dos fins almejados.

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Nessa perspectiva, a tecnologia não é uma coisa, umobjeto, um equipamento, ou mesmo um conjunto deconhecimentos – tudo isso é apenas uma dimensão dofenômeno tecnológico, seu lado aparente, a realidade“ôntica”, segundo o enfoque heideggeriano.

Uma tecnologia pressupõe, necessariamente, umaescolha – uma seleção entre opções possíveis –, em quecertas opções são privilegiadas em detrimento de outras.Cada uma das possibilidades tecnológicas representa uminteresse social específico. Assim, uma tecnologia traduz,em si, um aspecto de positivação, a sua forma concretaaparente, e uma dimensão de exclusão, relativa às opçõesque foram preteridas por essa forma concreta, e, alémdisso, encerra um conflito de interesses sociais. Daí, ocaráter não-neutro da tecnologia.

Seguindo a trilha heideggeriana, ao buscar aessência da tecnologia a partir do exame de sua mani-festação aparente – de sua realidade ôntica –, será desen-volvido um conjunto de considerações a respeito do quese entende como condição ontológica da tecnologia.A tecnologia é uma realidade em permanente evolução.Há, aí, a atuação de forças de variação e da chamada“retenção seletiva”9. A produção de tecnologia não éresultado de um plano previamente articulado, nem deum destino inexorável. Uma coisa é, concordando comHeidegger, admitir uma condição ontológica básica paraa tecnologia – por exemplo, a disponibilidade de umestoque de conhecimentos científicos e tecnológicos; outracoisa é dizer que tal condição implica um determinismo.

9 Essa discussão apóia-se nos trabalhos de Niklas Luhmann, em sua análisesobre o processo evolucionário dos sistemas sociais (LUHMANN, 1980,1985, 1986, 1987, 1990).

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É nesse contexto que é importante a noção de autopoiésis,formulada originalmente por Maturana (1981) e aplicadaamplamente na abordagem evolucionista de Luhmann10.Na síntese apresentada por Stockinger (1997), tem-seque

Autopoiésis ou auto-organização é uma qualidadeinterna do sistema, intocável de fora. O termo deno-mina a unidade que um elemento, um processo, umsistema é para si próprio, isto é, independentementeda interpretação ou observação por outros. Atravésda auto-organização o sistema constitui seus próprioselementos como unidades funcionais. A relação entreos elementos se refere a sua autoconstituição, a qualé reproduzida, assim, permanentemente. Uma conse-qüência importante que resulta forçosamente de umaconstituição auto-organizada de um sistema é aimpossibilidade de controle unilateral. Nenhuma partedo sistema pode controlar outros sem estar sujeito aocontrole das outras partes. Autopoiésis inclui auto-referência a uma capacidade de relacionar-se consigopróprio, de refletir-se. Ela permite uma enorme amplia-ção dos limites de adaptação estrutural e da abrangên-cia da comunicação interna. (STOCKINGER, 1997, p. 1).

10 A noção de autopoiésis é especialmente relevante para um debate com asabordagens evolucionistas de Dosi (2005) e Nelson e Winter (1982),dentro do enfoque econômico. Estas últimas abordagens são importantesna presente discussão, ao identificarem a complexidade do fenômenotecnológico, em suas críticas ao determinismo tecnológico. Nesse sentido,esses autores apontam inúmeros aspectos, não apenas os econômicos,mas também os institucionais e aqueles relacionados aos processos deaprendizagem, na criação e na difusão de novas tecnologias. Em suasanálises sobre a tecnologia, ou, mais especificamente, sobre a inovação,ressaltam o seu caráter evolutivo, não-linear e sujeito a inúmeros fatorescontingentes, provenientes do ambiente. Contudo, tais abordagenstendem a acentuar o papel do ambiente e de sua influência sobre asrespostas geradas pelos sistemas, em detrimento da capacidade auto-organizativa deles, ao contrário do que procuram fazer os trabalhos deMaturana (1981) e de Luhmann (1986). Além disso, a perspectiva aquiadotada pretende dar muito mais ênfase a toda a dimensão de conflitos ede disputas políticas e ideológicas, as mais diversas, na explicação dagênese da geração de novas tecnologias, em comparação ao que se verificanessas abordagens do enfoque econômico.

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Isso posto, propõe-se a pensar a tecnologia comouma praxis – um processo evolucionário – que se realizamediante uma combinação dinâmica entre variação eseleção, no âmbito de um amplo conjunto de possibilidadesencontradas num dado ambiente. Este último significa oconjunto de todas as possibilidades tecnológicas, passíveisde serem selecionadas, num contexto histórico e socialespecífico. Tratar a tecnologia como uma praxis implicaconsiderá-la não como um dado ou um mero instrumento,mas como algo aberto a um sem-número de direções etrajetórias possíveis, nos limites estruturais definidos.Desse modo, a tecnologia não consiste num simplesresultado que emerge de uma situação preestabelecida(um percurso linear), numa acepção muito rígida para sua“condição ontológica” (como em Heidegger), que limita(ou praticamente impede) novos cursos e formasfenomenológicas.

A condição ontológica da tecnologia é um campoaberto de possibilidades de realizações, ancorada numaestrutura física, institucional e social (a estrutura da praxistecnológica11), que a delimita e, ao mesmo tempo, permitenovas realizações. Estas mesmas, por sua vez, tendem areforçar essa estrutura ou mesmo modificá-la, evidenciandoo caráter dinâmico desse processo.

Ao se apoiar no conceito de autopoiésis, pretende-se ressaltar a importância da estrutura da praxis tecnoló-gica e de sua capacidade organizativa interna, bem comodas relações entre os vários elementos que a constituem e

11 A praxis tecnológica consiste nas atividades relacionadas à produção detecnologias. Em termos mais específicos, será designada, mais adiante,como prática tecnológica.

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de sua relativa autonomia diante do ambiente – que seconstitui, como já se destacou, no conjunto de todas aspossibilidades tecnológicas a serem selecionadas noprocesso de produção tecnológica. Em suma, a produçãode tecnologias consiste num permanente processo seletivo,em que algumas opções tecnológicas são selecionadas erealizadas, em detrimento de outras. Opções estas quecorrespondem a inúmeras necessidades e demandas pornovas tecnologias, qualquer que seja sua índole –demandas econômicas, políticas, culturais, médicas,alimentares, agropecuárias, educacionais, e outras –, etambém aos próprios resultados tecnológicos (originadosde outros processos ou momentos de produção tecno-lógica).

Nem as demandas nem os resultados tecnológicos,ou o estoque de conhecimentos científicos e tecnológicos,são fixos. Eles não representam realidades imutáveis, masestão em contínua variação, dependendo da própriaprodução de novas tecnologias e de todo um conjunto defatores sociais, econômicos, políticos, culturais,ideológicos e físicos. Daí a praxis tecnológica realizar-semediante uma relação contínua entre uma “retençãoseletiva” (o que resulta do processo seletivo) e uma“força de variação”, de variadas origens. Para melhorexplicitar esses mecanismos, propõe-se o conceito de“seletores”. Estes são constituídos por atores que buscamexercer uma hegemonia, ou fazer valer seus interessessobre o ambiente tecnológico. O objetivo é ampliar suaschances para implementar determinadas tecnologias, oumesmo a restringir outras possibilidades e demandastecnológicas.

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Os seletores têm como função precípua atuar nabusca da redução de complexidade do ambientetecnológico12. Seletores são instituições, consórcios deinstituições, indivíduos e grupos sociais que manifestamconcretamente suas necessidades, pressões e interesses,com vista em exercer pressão na produção de novastecnologias. Esse é um jogo nem sempre consciente porparte dos atores, mas o resultado final é a tendência àredução da complexidade do ambiente, no processo deprodução de novas tecnologias13.

Nesse sentido, o resultado da ação ou da condutados seletores, em face do ambiente tecnológico, tende aproduzir determinados consensos a respeito das

12 É importante insistir que a noção de ambiente tecnológico é bem distintadaquela desenvolvida no enfoque econômico, principalmente entre oschamados evolucionistas e segundo a corrente neoschumpeteriana.O ambiente tecnológico consiste no campo de todas as possibilidadestecnológicas, que serão objeto de uma seleção, mediante mecanismos osmais diversos, que envolvam conflitos, busca de hegemonias e tambémmuitas negociações entre os mais distintos atores e organizações dasociedade; já no enfoque econômico, ambiente tecnológico significa,em geral, o contexto externo ao de uma firma, incluindo o mercado,outras organizações e os instrumentos legais, locais ou internacionaisque afetam a demanda e a produção de inovações e novas tecnologias.

13 De acordo com Schutz (1979, p. 131), “A maior parte de nossas açõesdecorrem de proposições ocasionais”. A esse respeito, o autor distingue“conduta” de “ação”. Conduta são experiências de significado subjetivoque emanam de nossa vida espontânea. A ação dá-se no mundo exterior,baseada num projeto e caracterizada pela intenção de realizar o estadode coisas projetado, por meio de movimentos corporais. Ação conscienteé o ato projetado. Assim, “Agir racionalmente envolve evitar aplicaçõesmecânicas de precedentes, abandonando o uso de analogias e procurandoobter um novo meio de dominar a situação”. Na discussão precedente,sobre a noção e a atuação dos seletores na produção de novas tecnologias,o que se pretende destacar é que o embate pela prevalência de umanecessidade ou demanda tecnológica não se trata, necessariamente, deações racionais planejadas, mas também de motivos calcados numaexperiência passada, de aprovação ou de rejeição por parte de umindivíduo, ou mesmo de condutas baseadas na mera manifestação de umdesejo espontâneo, de uma ira difusa, ou de um protesto, como o queocorre entre aglomerados de pessoas.

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possibilidades tecnológicas consideradas prioritárias,ou a imposição de determinadas opções (provenientesde pressões políticas de grupos ou de instituições hegemô-nicas), que também serão consideradas prioridades. Emsuma, dá-se, como resultado da ação ou da conduta dosseletores sobre o ambiente, certa estabilização, quepermite que a praxis tecnológica seja levada adiante.

Para que isso ocorra, é necessário que haja umaestrutura capaz de implementar, efetivamente, a produçãode novas tecnologias. Assim, outro resultado das açõesdos seletores (embora não necessariamente projetado poreles) é viabilizar a configuração de uma determinadaestrutura, que possa cumprir o papel de levar a termodeterminados resultados tecnológicos. É o que se designade “estrutura da praxis tecnológica”, ou estrutura daprática tecnológica.

Tanto os seletores quanto a estrutura da praxistecnológica atuam continuamente para reduzir o grau decomplexidade do ambiente tecnológico14. Os seletores ea estrutura da praxis tecnológica constituem o sistematecnológico15. Desse modo, o sentido do sistematecnológico, seguindo a terminologia de Luhmann (1980),é uma estratégia seletiva, mediante a qual se elegem

14 Para Luhmann (1980, p. 39), a complexidade consiste na “Totalidade daspossibilidades que se distinguem para a vigência real (complexidade domundo e complexidade do sistema)”.

15 Essa noção de sistema tecnológico é bem distinta da abordagem evolucio-nista, no enfoque econômico, particularmente em suas discussões sobre“sistemas de inovação”. Nessa abordagem, um sistema de inovação consistenas interações com atores os mais diversos – firmas, consumidores,universidades, organizações não-governamentais e governamentais – enos “arranjos produtivos”, consórcios e parcerias, no processo inovativo,ou que contribuem para o desenvolvimento da capacidade inovativa e deaprendizado de um país, uma região ou mesmo de uma instituição(FREEMAN, 1991, 1995; LUNDVALL, 1992).

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algumas entre diversas possibilidades tecnológicas,presentes no ambiente16.

Como as possibilidades podem ou não ocorrer, diz-se que o sistema é sempre contingente. Mas aquilo quegarante o sistema contra a contingência das possibilidadesescolhidas é a estrutura do sistema. O consenso e acomplementaridade (ou os conflitos) não são dados fixosessenciais da sociedade, mas representam relaçõesdinâmicas, em processos.

A Fig. 2 ilustra diversos leques de atuação paravários seletores. A intenção é que cada área compreendidaentre duas setas contíguas seja variável, no tempo e no

16 “A teoria de sistemas autopoiéticos pode explicar a dinâmica da evoluçãoda estrutura social, apenas se se pressupõe que os elementos que compõemo sistema não têm a duração, e que, portanto, devem ser reproduzidospermanentemente. O sistema deixaria de existir mesmo no ambientemais propício, se ele não equiparasse os seus elementos com a capacidadede conectar com outros, portanto, com sentido, e assim os reproduzisse.O sentido transforma o caos em estrutura” (STOCKINGER, 1997).

Fig. 2. Áreas de atuação dos seletores no ambiente tecnológico.

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espaço social (a força de variação na produção de novastecnologias), dependendo do tipo de tecnologia, domomento em que ela é demandada, do contexto social,econômico e político no qual ela se insere, e a depender,também, de um estoque de conhecimentos científicos etecnológicos, e da própria disponibilidade de recursosfísicos, humanos e financeiros. Além disso, cada um dessesleques exerce pressão sobre os demais, forçando aampliação ou a redução de determinadas áreas, de acordocom o jogo de disputas estabelecido entre todos osseletores.

O que se tem na Fig. 2 são alguns campos depossibilidades ou de restrição à produção de novastecnológicas. Cada campo apresenta um leque de opçõespara a produção de novas tecnologias, que provém dediferentes tipos de demandas e pressões econômicas,sociais, políticas e ideológicas. Nesses leques de opçõestecnológicas, somente algumas serão selecionadas. Issocaracteriza um vasto campo de conflitos. É nesse cenárioque atuam os diferentes seletores. Estes podem ser:produtores, consumidores, legisladores, formuladores depolíticas públicas, executores de políticas públicas, ou“conectores”. Estes últimos são importantes tipos de atoresnesse jogo de disputas que se estabelece entre todos eles.

Os conectores são seletores ideológicos. Atuamligando fatos a sistemas de representações. Por exemplo,um pai, ao alertar uma criança de que o hábito de andardescalça pode ser prejudicial à saúde, está atuando comoum conector, conforme essa acepção. Na vida moderna,são muitos os conectores, como a grande mídia, a Igreja,os professores de uma escola fundamental, movimentosem defesa dos animais. Eles cumprem uma função bem

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específica, que é a atualização permanente de valores,crenças e ideologias em uma sociedade.

No exame da produção de novas tecnologias, osconectores deverão assumir papel crucial, uma vez quemuitos dos debates em torno da produção ou restriçãode novas tecnologias têm passado pelo crivo dessesatores, os quais estão lidando, muitas vezes, com fatosnovos, que precisam ser interpretados e decodificadospara um público amplo. É a situação exemplar dadiscussão a respeito da utilização ou não de célulasembrionárias em pesquisas sobre células-tronco, ou dodebate sobre a produção e o consumo de variedades desoja geneticamente modificadas. Em ambas as situações,o componente ideológico é fundamental, e os atoresadquirem papel decisivo no encaminhamento da produçãotecnológica.

A chamada condição ontológica de Heidegger(2006) não é sensível a esse tipo de manifestação. A noçãode “estrutura da praxis tecnológica” aqui proposta é algobastante complexo e dinâmico, sujeito a uma permanentesituação de risco, capaz de desafiar antigas estruturas emesmo padrões tecnológicos bem sedimentados. Nãoobstante a relevância dos conectores, no contexto atualde produção científico-tecnológica, os demais seletorespodem exercer papel hegemônico na definição daspossibilidades tecnológicas que deverão ser levadasadiante. Os produtores, a força econômica e a pressãoque essa esfera da sociedade exerce sobre a produçãotecnológica são bem conhecidos e já estão bemdocumentados na literatura. Contudo, pretende-se chamara atenção para o caráter multideterminado e não-reducionista nas análises sobre a tecnologia.

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Os seletores limitam o rol de opções tecnológicas,num dado campo de possibilidades, de acordo com osinteresses, as pressões ou as necessidades específicas decada seletor. Eles interagem com outros seletores – essaidéia é semelhante à de “translação de interesses”, presenteem Latour (2000) – e modificam as outras necessidadese interesses ou pressões, ou são por estas condicionadase modificadas. Esse é um jogo complexo, que dependede uma conjuntura determinada, do estoque de conheci-mentos científicos e tecnológicos e dos conflitos e daspossibilidades reais para a produção de determinadatecnologia.

Os seletores são atores que, agindo hegemonica-mente em sua esfera de atuação, ajudam a reduzir o rolde opções de outros seletores, ao mesmo tempo em quebuscam ampliar o próprio rol de possibilidadestecnológicas selecionadas. Com isso, simplificam oprocesso de produção tecnológica, fazendo o que osevolucionistas chamam de “redução seletiva”.

Do embate dessas atuações e conexões depossibilidades de produção de novas tecnologias resultaum amplo conjunto de alternativas de escolhas humanas.Estas representam opções tecnológicas passíveis derealização, as quais também dependerão de um conjuntode outros fatores, processos sociais e instâncias demediação, recursos humanos, financeiros e condiçõesinstitucionais efetivas, para poderem viabilizar o conjuntodessas opções tecnológicas mais prováveis. Tudo issodeverá passar por outro processo seletivo, na práticatecnológica concreta, cujos resultados realimentarão apraxis tecnológica, e assim continuamente, sem umdesfecho único, inteiramente prefigurado, uma vez quedependem de diversas instâncias de mediação e de muitos

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conflitos potenciais ou explícitos. Conforme a tradiçãoevolucionista de Luhmann (1980), toda seleção écontingente, mas, uma vez realizada, restringe futurasseleções.

Em cada um desses campos de possibilidadestecnológicas (indicados na Fig. 2), atuam diferentesseletores, numa diversificada arena de disputas e práticas,políticas ou ideológicas. Dessa maneira, é possívelcontornar o determinismo heideggeriano, que se fixa numaconcepção muito rígida para a condição ontológica datecnologia, sobrepassando outros importantes fatoresexplicativos (sociais, políticos, econômicos e culturais).

É importante insistir que os leques indicados naFig. 2 movimentam-se permanentemente e que taismovimentos relacionam-se aos dos demais, recipro-camente, condicionando ou pressionando a produção denovas tecnologias. Isso representa as “cadeias deseletividade” na geração tecnológica, de acordo com aterminologia de Karin Knorr-Cetina. Nesse sentido, sãoas forças econômicas, junto com as instituições e osfatores sociais, manifestados concretamente, mediante aatividade dos mais distintos seletores, que operam comoinstrumentos seletivos.

O processo de produção de tecnologia é, assim,uma estratégia seletiva mediante a qual se elegem certasopções tecnológicas, entre diversas possibilidades, semexcluir, porém, definitivamente, as possibilidades nãoselecionadas. Isso garante que uma possibilidade nãocontemplada em determinada produção tecnológica possavir a ser incluída posteriormente, como uma nova condição,a depender de como os demais seletores e o contextohistórico-social global condicionarão o novo momento dapraxis tecnológica. É o que se verifica exemplarmente na

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chamada bioprospecção, quando antigos conhecimentos,provenientes de comunidades indígenas, por exemplo,excluídos de determinado contexto científico-tecnológico– relegados à condição de simples crendices –, passam areceber nova atenção de cientistas e de grandes empresasprodutoras de fármacos, ao verificarem que tais saberespoderiam encurtar consideravelmente o processo dedescoberta e de identificação de princípios ativos encon-trados na natureza, na obtenção de novas drogas,cosméticos e produtos alimentares.

O presente trabalho baseia-se nessa idéia paraformular o conceito de prática tecnológica, cuja acepçãooriginal se deve a Althusser (1979). De modo bem geral,Althusser (1979, p. 66) concebe a “prática” como “todoprocesso de transformação de uma matéria-primadeterminada; transformação esta efetuada por um dadotrabalho humano, que utiliza meios (de produção) deter-minados”. Dessa forma, todo sistema unívoco de trans-formações específicas, operadas sobre matéria-prima,cujo produto é típico do sistema, constitui uma prática.

Existem, pois, tantas práticas quantos são ossistemas diferenciáveis de transformação. Contudo, essessistemas não são assim percebidos na realidade histórico-social empírica, mas são estabelecidos a partir do processode transformação, próprio de uma das práticas diferen-ciadas: a prática teórico-científica do materialismohistórico (ALTHUSSER et al., 1980, p. 156).

Numa formação social concreta, pode-se distinguir,teoricamente, um conjunto de práticas, em que a “práticasocial” funciona como sua unidade. Nesse sentido, nãohá prática em geral, mas práticas determinadas e singulares:a prática econômica, a prática política, a prática científica,

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a prática tecnológica. Cada prática é vista como umsistema relativamente autônomo. No que tange à práticacientífica, por exemplo, ocorre a produção de conceitosou a realização de experimentos (verificação). Isso nãosignifica que essa produção seja isolada e auto-suficientena estrutura social. Ao contrário, a realidade social écomposta por um conjunto de práticas articuladas entresi – um sistema de subsistemas; ou seja, a práticaeconômica, que é operada segundo suas característicasparticulares, articula-se com a prática ideológica que aexplica, a justifica e, em certo sentido, a condiciona coma prática política que a integra em seu movimento, e assimpor diante. Do que foi dito, destacam-se dois aspectosfundamentais: de um lado, a característica de especifici-dade de cada prática, no conjunto dos demais processossociais, e, de outro lado, as articulações das diferentespráticas e sua unificação com a prática social. Daí a idéiade que cada prática possui uma autonomia relativa naestrutura social.

Esse sistema articulado de práticas não éhomogêneo; ao contrário, há certa hierarquia entre as váriaspráticas identificadas numa formação social. Trata-se doconceito de “contradição sobredeterminada”, que, seopondo às idéias de contradição (simples) de Hegel,significa que a “unidade complexa” é o “efeito pertinente”das práticas sociais; isto é, cada prática ocupa, ali, umaposição determinada e necessária. Cada uma contribui, àsua maneira, para a construção da unidade que as reúne.A prática econômica, não necessariamente dominante numdado momento da história de uma sociedade, é aquelaque encerra os fundamentos últimos (não exclusivos) dasvárias práticas. O conceito de “causalidade estrutural”

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permite que se pense no mecanismo da prática social comoa unidade dessas práticas diferenciadas e hierarquizadas.

Dessas discussões deduz-se que uma prática nãoconstitui uma instância empírica pura, no seio de umaformação social. Portanto, qualquer que seja – teórica,econômica, política ou ideológica –, nenhuma prática épura. A prática teórica, por exemplo, não se realiza demodo abstrato e sem as implicações dos valores e dosinteresses políticos que, de algum modo, interferem emsua elaboração.

Enfim, a noção de prática, enquanto atividade detransformação de uma dada matéria-prima em um produtoespecífico, mediante a utilização de determinados meiosde produção, implica a sua ocorrência dentro de umaestrutura de relações de produção. Esse ponto é bem expli-citado por Sousa e Singer (1984b), ao afirmarem que:

A especificidade da prática delimita o terreno no qualo conflito ocorre para a adaptação e acomodamentodaquela prática, como uma condição de existência paraa reprodução de relações sociais específicas, a exemplode relações sociais capitalistas. Quando afirmamosque as práticas são irredutíveis a outros processossociais, estamos dizendo que elas não se ligam deuma forma permanente às relações sociais capitalistas.Ao contrário, elas são formas de atividades separadase distintas, sujeitas a conflito. Através do resultadodeste conflito, as práticas servem, de uma certamaneira, como uma condição para a reprodução derelações sociais predominantes [...]. Em contraste comas teses da ‘redutibilidade’ e ‘irredutibilidade’, a noçãode uma ciência relativamente autônoma aceita que aprática econômica, de alguma maneira fundamental,defina o terreno dentro do qual correm, não apenas aprática científica, mas também outras práticas.A palavra ‘relativa’ é crucial neste contexto. Ela revela

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os caminhos nos quais a ciência e a tecnologia setornam condições para a prática econômica. (SOUSA;SINGER, 1984b, p. 11).

A ciência e a tecnologia constituem camposrelativamente autônomos e distintos entre si, definindopráticas específicas, embora crescentemente imbricadasno contexto atual do desenvolvimento histórico-social.Quanto à prática científica, verifica-se que a sua matéria-prima é o conhecimento que se tem da natureza – física esocial – e os interesses e as necessidades manifestas pornovos conhecimentos, os quais serão transformados, pelasteorias científicas existentes, em um conhecimento maisaprofundado da realidade; conhecimento este capaz deexplicar, sistematicamente, os vários fenômenos danatureza17.

A prática tecnológica, que se refere aqui à geraçãode tecnologia, distingue-se da prática científica nãoexatamente em sua matéria-prima (ambas partem de umconhecimento sobre a natureza e de demandas ounecessidades provenientes da sociedade), mas em suaatividade de transformação e em seu produto propriamentedito; isto é, a atividade tecnológica, contrariamente à práticacientífica, que objetiva, fundamentalmente, o controle e odomínio sobre a natureza.

Para compreender o funcionamento interno daprática tecnológica, pretende-se analisar, no capítuloseguinte, os componentes estruturais básicos dessa prática,bem como as suas inter-relações, no processo de geraçãode tecnologia.

17 A explicação não é o único produto da atividade científica, apesar de sero seu primordial. A prática científica também inclui predição, controlee descrição.

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estrutura da prática tecnológica consiste num conjuntoarticulado de componentes físicos e institucionais que seinter-relacionam mediante um vasto campo de conflitos,o qual é resultado de determinadas ações intencionais, noprocesso de produção de tecnologias. A idéia de inten-cionalidade na estrutura da prática tecnológica significaque há um certo direcionamento, um curso razoavelmenteprevisível na obtenção dos resultados tecnológicos,embora muitas ações verificadas no processo de retençãoseletiva, abordado anteriormente, pressuponha uma gamadistinta de motivações e enfrentamentos, nem sempreplanejados. Em outras palavras, a estrutura da práticatecnológica atua para implementar, efetivamente, aspossibilidades tecnológicas que já passaram por algumprocesso seletivo, mediante disputas muito diversificadasna prática tecnológica. Nesse sentido, o que se estádesignando, aqui, de estrutura da prática tecnológica éapenas um momentum, uma estabilização dessa mesmaprática – a qual é mais geral, uma vez que envolve todasas disputas prévias, toda a dinâmica de seletividade emface do ambiente tecnológico, conforme abordado nocapítulo anterior.

Cada um dos componentes da estrutura da práticatecnológica possui uma relativa autonomia em relação aosdemais e exerce um papel relevante nessa prática.Inicialmente, serão apresentados os quatro componentes

A estrutura da prática tecnológica

Os componentes básicos

.A

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básicos, formulados originalmente por Sousa (1980). Sãoeles: 1) as alternativas de escolhas humanas; 2) o estoquede conhecimentos científicos e tecnológicos; 3) as formasfenomenológicas da tecnologia; e 4) a base socioma-terial18.

Na presente discussão, as alternativas de escolhashumanas representam as possibilidades tecnológicas quejá passaram previamente por um crivo social, do qualfizeram parte os seletores, em suas distintas áreas deatuação. Consistem nas demandas e nas necessidadesmanifestas por parte da sociedade, que incluem desdegrandes interesses econômicos para a obtenção de umproduto ou um processo a ser empregado na atividadeprodutiva, até necessidades tecnológicas voltadas para aagricultura de base familiar, ou mesmo demandas nas áreasmédica, de fármacos, da despoluição de rios, da relaçãoensino–aprendizagem, ou determinadas necessidades decomunidades indígenas, por exemplo. Tais alternativas deescolhas humanas constituem o conjunto das opçõestecnológicas que serão efetivamente objeto da atençãodos indivíduos e das instituições que integram a estruturada prática tecnológica, em termos de serem (ou não)implementadas. Diz-se “ou não” porque também passarãopor novo processo seletivo, num campo repleto detensões, a depender dos recursos disponíveis – humanos,físicos e financeiros –, dos novos interesses políticos quese projetam no interior da estrutura da prática tecnológica,e de todo um conjunto de possibilidades de interferências,na geração de tecnologias, inclusive a entrada de novas

18 Os termos originalmente utilizados por Sousa (1980) para se referir ao queconsidera os componentes estruturais da prática tecnológica são, respecti-vamente: 1) range of humam choice; 2) scientific and technologicalknowledge of the alternative arrangements of nature; 3)phenomenological forms; e 4) social-material base.

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opções tecnológicas, previamente preteridas e oportuna-mente inseridas na nova disputa, em face de vários fatoresconjunturais.

Em suma, as alternativas de escolhas humanas sãoas opções tecnológicas que representam os interesses, aspressões e as necessidades expressas pelos diferentesgrupos de uma dada sociedade, consideradas tais opçõesprioritárias, em relação a tantas outras possibilidadespresentes no ambiente tecnológico. Elas não são decorren-tes, pura e simplesmente, de interesses econômicos,apresentando, também, todo um conjunto de aspectosideológicos, culturais e humanos, em seu sentido amplo.

Outro elemento da estrutura da prática tecnológica,o estoque de conhecimentos científicos e tecnológicos,compreende uma matéria-prima fundamental da práticatecnológica19; que é o ponto de partida para um processoinvestigativo, propriamente dito. São os resultadoscientíficos e tecnológicos obtidos previamente e disponíveisna literatura e em novos arranjos presentes na natureza;consiste, em geral, de todo o acervo disponível no atualestágio do desenvolvimento científico-tecnológico.

Por sua vez, o que se está designando, aqui, deformas fenomenológicas da tecnologia são os resultadosda prática tecnológica, a tecnologia concreta e os

19 Conforme definido anteriormente, a matéria-prima da prática tecno-lógica consiste nos conhecimentos a respeito da natureza – física esocial – e nos interesses e nas necessidades manifestas por novosconhecimentos, os quais serão transformados, mediante as teoriascientíficas, em um conhecimento mais aprofundado acerca da realidade.Na estrutura da prática tecnológica, são representados pelas alternativasde escolhas humanas (que sintetizam tais interesses e necessidades) epelo estoque de conhecimentos científicos e tecnológicos.

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conhecimentos adquiridos nessa prática, incluindo osobjetos técnicos concretos (instrumentos de trabalho) edeterminados arranjos socioeconômicos (por exemplo,técnicas educacionais, estratégias para a extensão rural ea utilização de um programa informacional). Correspon-dem à dimensão mais visível, à manifestação concreta dofenômeno tecnológico (à realidade ôntica da tecnologia,na terminologia heideggeriana).

Finalmente, a base sociomaterial é constituída pelasrelações econômicas, sociais, políticas e ideológicas quecaracterizam determinado modo de produção e, maisespecificamente, uma formação social concreta – umasociedade, num tempo e num lugar determinado. É ocomponente fundamental da estrutura da práticatecnológica, e que condiciona, em última instância, todosos demais elementos dessa mesma estrutura. Ela,juntamente com o estoque de conhecimentos existentes,condiciona o conjunto de alternativas de escolhashumanas, definindo o campo de possibilidades em que,mediante o conflito, certas opções tecnológicas sãoselecionadas em detrimento de outras. Isso é o que estásugerido na Fig. 3.

Fig. 3. O esquema proposto pelo modelo de Sousa (1980).

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Apesar de a Fig. 3 representar tais componentesda prática tecnológica dentro de um padrão circularfechado e sem um marco referencial inicial, comoreconhece o autor, o ponto de partida analítico nessemodelo é o estoque de conhecimentos existentes,associado às alternativas de escolhas humanas. Esseestoque está diretamente ligado à base sociomaterial (osconhecimentos científicos e tecnológicos são gerados apartir de demandas e necessidades requeridas pelos váriosgrupos e interesses, em uma dada sociedade, conformeabordado anteriormente, na análise sobre o papel dosseletores), e tanto depende dos resultados obtidos pelaciência e pela tecnologia (sua ligação, na Fig. 3, com asformas fenomenológicas da tecnologia), quantocorresponde a uma matéria-prima da prática tecnológica.

No que concerne às formas fenomenológicas datecnologia, Sousa (1980) destaca algumas importantesobservações para o entendimento do modelo proposto.Em primeiro lugar, o autor comenta que as tecnologiasconcretas são referidas como formas fenomenológicasporque se apresentam, para o cidadão comum, otrabalhador e o empresário, como algo indiferente, porémútil. Entretanto, desde que inseridas na base sociomaterial,elas produzem um elemento ideacional, ou seja, as formasfenomenológicas da tecnologia contribuem para a práticaideológica, como um componente da matéria-prima paraa transformação de processos objetivos em subjetivos(SOUSA, 1980, p. 179).

Uma segunda observação, decorrente da anterior,refere-se ao fato de que as formas fenomenológicas datecnologia, configuradas na base sociomaterial,condicionam as alternativas de escolhas humanas e as

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futuras mudanças tecnológicas. Contudo, os interesses eas pressões que fazem parte do conjunto das alternativasde escolhas humanas não se encontram no mesmo nívelde estruturas básicas (da base sociomaterial, por exemplo),apesar de serem daí derivados (SOUSA, 1980, p. 179);isto é, possuem uma relativa autonomia na estrutura daprática tecnológica, como, aliás, todos os demaiscomponentes aqui examinados.

Um terceiro aspecto é que as formas fenomeno-lógicas da tecnologia estão fortemente ligadas à basesociomaterial, mediante complexos processos de relaçõessociais e de conflitos. É o que está sugerido na Fig. 3, nasligações com as alternativas de escolhas humanas e ocampo de conflitos. Isso significa tanto a existência demúltiplos mecanismos de condicionamento e tensão nadisputa pela obtenção de novos resultados tecnológicos,quanto, no sentido inverso, a interferência de taisresultados, em contínuos ciclos da prática tecnológica; ouseja, diz respeito, este último sentido, aos impactosproduzidos pelas formas fenomenológicas da tecnologia,na sociedade. Impactos estes que deverão tambémcondicionar o conjunto de novas demandas portecnologias, e propiciar novas reações, de apoio ou deresistência, e conflitos, em muitos setores da sociedade.

Todas essas observações apontam para acaracterística de multidimensionalidade das formasfenomenológicas da tecnologia, em razão de seusdiferentes componentes econômicos, socioculturais epolíticos. Apoiado no modelo apresentado anteriormente,este trabalho acrescenta dois componentes à estrutura daprática tecnológica. São eles: a estrutura institucional e oque se chamou de “operador tecnológico”.

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A estrutura institucional

Este componente é muito importante na estruturada prática tecnológica, pois é nele que se realiza, concreta-mente, a atividade de geração de tecnologias. Em termosempíricos, corresponde, por exemplo, a uma instituiçãode pesquisa, um laboratório de uma indústria, umauniversidade ou uma estação experimental20.

Quanto ao conceito específico de estruturainstitucional, cabem as seguintes observações. Emprimeiro lugar, as instituições envolvem relacionamentossociais, no âmbito de determinadas fronteiras, o quesignifica que a instituição inclui partes da população e excluioutras. Assim, a própria instituição possui uma fronteira,apesar de ela não ser fixa no tempo, nem impermeável àspressões e às influências dos demais grupos e estruturasda sociedade. As instituições se orientam por normas eregras preestabelecidas, e e dispõem de uma hierarquiade autoridade e uma divisão de trabalho para a realizaçãode suas tarefas. Por outro lado, como admite Weber(1984), as interações institucionais são mais associativasdo que comunais, implicando a diferenciação da instituiçãode outros segmentos sociais, a exemplo da família. Umaúltima observação é que as instituições realizam atividadesintencionais e planejadas, visando atingir objetivos e metasprefixadas.

Em resumo, “uma instituição é uma coletividade comuma fronteira relativamente identificável, uma ordem

20 Embora se esteja dando ênfase a uma organização, em particular, o quese está chamando, aqui, de estrutura institucional também abrange assituações de consórcio entre duas ou mais organizações.

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normativa, escalas de autoridade, sistemas decomunicação [...], e se engaja em atividades que estãorelacionadas, usualmente, com um conjunto de objetivos”(HALL, 1984, p. 23). Essa definição, a despeito desimplificar um fenômeno extremamente complexo comoé o das organizações, permite a identificação de certascaracterísticas estruturais, muito úteis para este ensaio.Entre elas, destacam-se: 1) a complexidade (divisão dotrabalho, títulos dos cargos, as diversas unidades edepartamentos, e os vários níveis hierárquicos); 2) aformalização (conjunto de regras, normas e padrõespreestabelecidos de comportamento); e 3) a centralização(característica relativa à distribuição de poder dentro dainstituição, constituindo-se numa das melhores maneirasde resumir toda a noção de estrutura institucional).

De um modo geral, a estrutura institucional destina-se a atender a três funções básicas: 1) a de realizar produ-tos organizacionais e atingir metas organizacionais; 2) ade minimizar ou, pelo menos, regular a influência dasvariações individuais sobre as organizações; e 3) a deestabelecer os contextos em que o poder é exercido (asestruturas também estabelecem que posições têm podersobre as outras), e onde as decisões são tomadas (o fluxode informações que participam de uma decisão ébasicamente determinado pela estrutura onde são executa-das as atividades das organizações) (HALL, 1984, p. 38).

Se, de um lado, o presente trabalho entende aestrutura institucional como um conjunto completo não-imutável (a estrutura não produz uma conformidade total),de outro lado, verifica-se que ela impede o comportamentoao acaso (daí a idéia de certo direcionamento presente naestrutura da prática tecnológica); isto é, as características

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estruturais e as características individuais interagem numadada organização. Realmente, fatos que poderiam parecercomo conseqüências de ações individuais podem revelarimportantes vínculos estruturais. Por exemplo, a capa-cidade de inovação – fundamental para a sobrevivênciadas organizações – que pareceria estar baseada nascapacidades dos seus membros. Entretanto, fatoresestruturais como o tamanho e a complexidade organiza-cional, juntamente com elementos da estrutura socialglobal, estão, possivelmente, mais relacionados cominovações institucionais do que certos fatores individuais,como idade, atitudes e educação (HALL, 1984). Issonão significa que as características individuais deixem deser relevantes, no processo de inovação ou de geraçãode tecnologias; ao contrário, quer-se argumentar queaspectos relacionados aos indivíduos interagem comcaracterísticas estruturais da sociedade em geral e dasorganizações em particular, para produzir acontecimentosnestas últimas (HALL, 1984, p. 38).

Finalizando, é na estrutura institucional que ocorremas ações ou os processos organizacionais. Estrutura e pro-cessos são, pois, mutuamente condicionados, formandoum todo inseparável. Itens como poder, conflito, liderança,tomada de decisões, comunicações e mudanças, quecompreendem os processos institucionais, resultam de umaestrutura e conduzem a ela.

O operador tecnológico

Operador tecnológico é aquele responsável pelaimplementação de uma relação causal qualquer (HEISE,1975). Na prática tecnológica, a articulação entre, por

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exemplo, a base sociomaterial e o estoque de conhecimen-tos científicos e tecnológicos existentes efetua-se naconcretização de uma forma tecnológica, por meio de umasérie de mecanismos implementadores daquela relação.Sem o operador, poderiam ser indicados os elementos-chave causais da estrutura da prática tecnológica, bemcomo os relacionamentos entre esses elementos, mas nãose poderia dar conta de mostrar como ese relacionamentoefetivamente ocorre.

Neste trabalho, o conceito de operador visa afortalecer o argumento central deste capítulo, ou seja, ode que a estrutura institucional é uma parte componenteindispensável da estrutura da prática tecnológica. Assimsendo, a noção de operador tecnológico abrange umconjunto de estruturas que possuem a capacidade deacionar e orientar o processo de geração de tecnologia;ou seja, trata-se de um complexo de fatores quecondicionam diretamente as atitudes e os comportamentosdos pesquisadores, bem como os processos e os objetivosinstitucionais, na produção de tecnologias21. O fato de ooperador acionar e orientar a engrenagem da estrutura daprática tecnológica liga-se à idéia de que a existência purae simples de um conjunto de pressões e necessidades dediferentes grupos sociais (as alternativas de escolhashumanas) e a presença do aparato institucional não sãosuficientes para movimentar os vários mecanismos dessaengrenagem. Por um lado, as distintas pressões e necessi-dades de certos grupos da sociedade apenas definem um

21 O termo “operador” tem sido utilizado amplamente, em outras áreas doconhecimento científico, especialmente na Física e na Matemática, emoperações efetuadas sobre variáveis ou funções, no cálculo vetorial. Sãoexemplos: o “operador d’Alembert” e o “operador Nabla”; este últimosignificando o operador vetorial que, multiplicado por uma função escalar,forma o gradiente da função, e, por uma vetorial, o rotacional.

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aspecto de possibilidades tecnológicas, num dado momen-to de uma formação social concreta; por outro lado, ainstituição de pesquisa, como tal, depende de muitascondições e recursos que ultrapassam consideravelmenteo seu âmbito específico, ou seja, não é inteiramenteautônoma, no processo de geração de tecnologia.

O operador tecnológico, como um conceitoespecífico, na estrutura da prática tecnológica, atua como propósito de captar quais demandas e necessidadesdeverão efetivamente ingressar no processo de geraçãode tecnologia, como opções tecnológicas selecionadas.Trata-se, portanto, de um elemento de conexão entre abase sociomaterial e o aparato institucional propriamentedito. Além disso, o operador tecnológico tambémestabelece uma conexão entre a realidade objetiva (basesociomaterial) e os aspectos subjetivos dos pesquisadores(suas expectativas, crenças e valores), interferindodiretamente no processo de produção de tecnologia.

Por esse raciocínio, a utilização do conceito deoperador tecnológico tem um objetivo específico: o deesclarecer de que modo as influências sociais são efeti-vamente transmitidas para a instituição de pesquisa ou paraum conjunto de instituições consorciadas, e para seusprincipais agentes sociais, os pesquisadores. A Fig. 4demonstra essa utilização do conceito de operadortecnológico. Assim, a área explicativa da utilização doconceito é restrita ao ponto ou aos mecanismos deconexão entre influxos sociais e a estrutura institucional.

Numa outra forma de demonstrar e esclarecer essautilização, a Fig. 5 exemplifica, com dois elementos daestrutura da prática tecnológica, qual o papel do operador

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tecnológico. Este não só intermedeia as relações entre abase sociomaterial/alternativas de escolhas humanas e aestrutura institucional, como possibilita as própriasrelações.

Fig. 4. Área de atuação do operador tecnológico.

Fig. 5. Área problemática do uso do conceito de operadortecnológico.

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São três os componentes fundamentais do operadortecnológico: 1) o componente das diretrizes governa-mentais e dos programas de financiamento e cooperação– pertencente ao domínio do planejamento, ao controle eà formulação de políticas para o setor; 2) o componentedas demandas manifestas de setores da sociedade –relacionado à esfera da produção material; e 3) ocomponente motivacional, ligado ao indivíduo pes-quisador.

O componente das diretrizes governamentaise dos programas de cooperação e financiamento22

A peculiaridade do componente das diretrizesgoverna-mentais e dos programas de cooperação efinanciamento, no operador tecnológico, reside no fatode ser ele o elemento responsável pelo fornecimento derecursos materiais e financeiros a programas de pesquisadas instituições. Desses componentes, destacam-se asdiretrizes governamentais para o setor de pesquisa, porexemplo, especificamente para a pesquisa agropecuária,uma vez que tais diretrizes procuram compatibilizar o fluxode recursos, na instituição, com as estratégias de desenvol-vimento nacional e, particularmente, com as políticascientífica e tecnológica.

Fazem parte desse componente: os bancos e asagências financiadoras – nacionais e internacionais (oBanco Mundial, o Banco Interamericano deDesenvolvimento e a Financiadora de Estudos e Projetos– Finep –, por exemplo); as instituições internacionais de

22 Este componente reportar-se-á, aqui, à formação social brasileira, parti-cularmente ao setor agropecuário.

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cooperação (Instituto Interamericano de Ciências Agrárias– Iica –, Agência Canadense para o DesenvolvimentoInternacional – Cida – e Milho e Trigo para o TerceiroMundo – CIMMYT –, entre outras); os órgãos dogoverno com programas de apoio ao desenvolvimentotecnológico (são exemplos os programas de irrigação eos do Incra, para assentamento de colonos); e os órgãosdo governo, responsáveis pela formulação de diretrizes epolíticas voltadas ao setor agropecuário e aodesenvolvimento tecnológico (o Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão, o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento, o Ministério daCiência e Tecnologia e o CNPq).

Esse componente do operador tecnológico acionao processo de geração de tecnologia, ou interferediretamente nas programações de pesquisa da instituição,estabelecendo, em âmbito interno, as áreas prioritáriaspara a geração de tecnologias, em relação aos recursosrecebidos (com as destinações específicas) e as orienta-ções e as determinações das instâncias superiores.

Vale enfatizar que esses recursos, quaisquer quesejam suas origens, devem estar em consonância com aspolíticas formuladas pelos aparelhos de Estado, o qualnão é uma entidade neutra e acima dos interesses dasociedade, mas, ao contrário, representa interessescontraditórios, que remontam à base sociomaterial. Assim,as várias políticas do Estado expressam diferentesinteresses em luta, e não apenas aqueles relativos aosgrupos dominantes, locais ou de outros países, num dadocontexto político de uma formação social concreta. Assim,ao se pensar nas políticas do Estado, dirigidas ao setoragropecuário, bem como à ciência e à tecnologia, deve-se ter em conta que elas traduzem uma grande diversidade

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de pressões e necessidades econômicas, sociais e políticas,geradas na base sociomaterial local; pressões estaspredominantemente ligadas ao processo global de acumu-lação de capital.

O componente das demandas tecnológicas manifestas

A especificidade deste componente do operadortecnológico reside no fato de que ele representa, comprimazia, a esfera da produção material, na geração detecnologia. O componente das demandas tecnológicasmanifestas é formado pelas pressões e pelas necessidadesexpressas por diferentes grupos sociais, as quais constituemas opções tecnológicas selecionadas (como tecnologiasque deverão ser produzidas). Desse componente fazemparte, por exemplo, as demandas de cooperativas, degrupos de produtos rurais, de fazendeiros, de empresasprivadas nacionais, de empresas multinacionais, desindicatos de trabalhadores rurais e de camponeses, emgeral. Constitui um elemento fundamental do operadortecnológico, podendo vincular-se ao processo de geraçãode tecnologia, tanto por meio de um contato direto comos pesquisadores (solicitação de clientes, nas estaçõesexperimentais e nos escritórios dos pesquisadores), quantopor meio da própria instituição de pesquisa (mediante osserviços de extensão rural, que captam as demandas dosetor produtivo e as dirigem às programações de pesquisada instituição). Outras formas de conexão das demandasdo setor produtivo, por intermédio do operadortecnológico, podem incluir acordos entre representantesdesses segmentos (por exemplo, uma grandeagroindústria) e as chefias das unidades técnicas dainstituição de pesquisa.

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O conteúdo social da tecnologia

Enfim, as demandas tecnológicas expressas pordiferentes segmentos da sociedade, aqui apresentadascomo um componente do operador tecnológico, resultamde conflitos de interesse, os quais estão representadosnas alternativas de escolhas humanas. Conforme já sediscutiu, tais alternativas correspondem às pressões e àsnecessidades manifestas de diversos grupos, em face daexistência de problemas tecnológicos concretos, e quesão consideradas prioritárias, em face das disputas prévias(que já passaram por um processo seletivo prévio,mediante a ação dos seletores).23 Sendo assim, essecomponente do operador tecnológico representa umterceiro momento, no processo de disputas por novastecnologias: o primeiro momento é o da ação dos seletores(cujo resultado configura as alternativas de escolhashumanas); o segundo, é o da disputa que se dá entre essaspróprias alternativas, já previamente indicadas como maisprováveis ou prioritárias, para serem implementadas; oterceiro, é o conjunto das demandas que serão, de fato,transformadas em tecnologias concretas (que resistiram avários embates); porém, não sem ensejar, continuamente,reações de oposição, sobretudo por parte dos grupos edos interesses que foram preteridos ou que pretendemver ampliadas suas chances de fazer valer suas necessi-dades ou posições políticas ou ideológicas.

23 As disputas pela implementação de determinadas tecnologias, em detri-mento de outras, na estrutura da prática tecnológica tem uma naturezadistinta daquelas estabelecidas nos confrontos entre os diferentes seleto-res, no nível mais amplo de organização da sociedade. Neste último nível,as disputas tendem a ser mais difusas, orientadas por debates ideológicosintensos, interesses econômicos e pressões políticas que envolvem oparlamento de um país e os demais poderes constituídos, além da grandemídia e os movimentos sociais, em geral. Já na estrutura da práticatecnológica, os conflitos tendem a ser circunscritos ao âmbito dos atorese dos componentes organizacionais mais diretamente ligados à produçãode tecnologia. Mas nem assim imunes aos questionamentos e às pressõesque emergem de um contexto social mais amplo.

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Tudo isso ressalta o caráter dinâmico do processode produção de tecnologia, que é sujeito a inúmerosfatores contingentes e a certa imprevisibilidade, ao mesmotempo em que segue determinados direcionamentos eintencionalidades, na estrutura da prática tecnológica.

O componente das demandas tecnológicasmanifestas representa, assim, a materialização e acondensação dessa relação de conflitos; isto é, elecorresponde à situação em que as opções tecnológicas jáforam selecionadas. Dessa forma, esse componente, aocontrário das alternativas de escolhas humanas, expressao resultado desse conflito – não necessariamente abrangetoda a série de opções tecnológicas em uma conjunturapolítica precisa. A propósito, é exatamente em razão dofato de ser uma materialização ou um resultado de umconflito que se tem, nesse componente do operadortecnológico, a característica de uma estruturaqualitativamente diferente das alternativas de escolhashumanas; ou seja, o componente das demandas manifestasnão se trata de um simples subconjunto deste últimocomponente, mas de algo qualitativamente diferente – oresultado de um processo de oposições permanentes,dentro da estrutura da prática tecnológica.

O componente motivacional

O componente motivacional compreende oconjunto de valores, crenças e expectativas do pesquisadorque influenciam decisivamente as suas ações no processode geração de tecnologia. A origem do componentemotivacional não se prende, entretanto, apenas àspeculiaridades individuais propriamente ditas, mas resulta

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da interação desse indivíduo com o seu mundo exterior –a realidade objetiva. Em outras palavras, para o presentetrabalho, as atitudes, os comportamentos e as decisõesdo pesquisador, na atividade de produção de tecnologia,não são explicados unicamente por razões de naturezaestritamente individuais – a mera vontade do pesquisador.Decorrem principalmente de causas estruturais, queultrapassam a vontade dos indivíduos. Assim, ocomponente motivacional está relacionado tanto com aorigem socioeconômica e a educação do pesquisador,quanto com a sua formação acadêmica e científica,abrangendo o seu processo de socialização e o acúmulode experiências. Além disso, o componente motivacionalinclui fatores como a condição salarial, as perspectivasde promoção e de premiação e os mecanismosinstitucionais de punição.

Para fins de análise, identificam-se, aqui, seis aspec-tos considerados relevantes para a definição do compo-nente motivacional. São eles: 1) variáveis ligadas ao“campo científico”24; 2) variáveis ligadas à origem socio-econômica do pesquisador; 3) características relativas àformação do pesquisador; 4) demandas latentes de setoresda sociedade, por determinadas tecnologias; 5) sistemasde premiação; e 6) sistemas de punição ou coação.

As “variáveis relativas ao campo científico” estãorepresentadas, dentro do componente motivacional dooperador tecnológico, pelas escolhas, atitudes e necessi-dades manifestas dos pesquisadores, voltadas para aobtenção do reconhecimento dos pares concorrentes (por

24 A noção de “campo científico”, formulada originalmente por Bourdieu(1983), ou seja, “é o lugar ou o espaço de jogo de uma luta correncial, me-diante um sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (emlutas anteriores)” (BOURDIEU, 1983, p. 123).

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exemplo, a escolha do campo de pesquisa, do tipo deproblema estudado, das técnicas utilizadas, do lugar depublicação – revista, editora –, ou mesmo a escolha entreuma publicação imediata de resultados parcialmentecomprovados e uma publicação tardia de resultadosinteiramente controlados. Trata-se, no entanto, de umabusca de prestígio operada em uma luta concorrencial,da qual cada pesquisador deve participar, a fim de fazervaler a qualidade de seus produtos e da própria autoridadecomo produtor legítimo. A presença de variáveis do“campo científico” na atividade tecnológica decorre dofato de essa atividade estar articulada à prática científica,refletindo, na geração de tecnologias, parte dos conflitosnaquele campo. Para o pesquisador de uma instituiçãoprodutora de tecnologia, esse fato pode se apresentar portrês maneiras: 1) por meio da sua formação acadêmica,quando passou a disputar o reconhecimento dos paresconcorrentes; 2) mediante o próprio processo depesquisa, ao relacionar o estoque de conhecimentoscientíficos aos conhecimentos tecnológicos de domínio; e3) por meio das avaliações feitas ao seu trabalho pelasfrações em disputa no campo científico, no caso de suapesquisa relacionar-se ao desenvolvimento científicopropriamente dito.

O segundo elemento do componente motivacional– as variáveis ligadas à origem socioeconômica dopesquisador – visa a apreender determinados aspectosque influenciaram a socialização desses indivíduos e quefazem parte, hoje, do conjunto de valores e crenças dessaspessoas. Neste trabalho, tais variáveis correspondem, porexemplo, à profissão e ao grau de instrução dos pais, àrenda familiar, ao local de residência na infância e naadolescência e ao tipo de escola freqüentada pelo

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pesquisador, seja ela pública, seja particular.Quanto àscaracterísticas relativas à “formação acadêmica dopesquisador”, destacam-se: o tipo de universidade cursada,pública ou particular, se local ou no exterior, o tempo deformação e o último grau obtido. Esse grupo de fatoresdo componente motivacional busca apreender asprincipais influências das universidades e das instituiçõestipicamente científicas, no processo de pesquisa. É sabido,por exemplo, o grande peso que uma formação no exteriorimpõe, em termos da escolha do tipo de problemaestudado, dos métodos e das técnicas utilizadas e do lugarde publicação, na definição e na consecução dedeterminada pesquisa (VELHO, 1985, p. 128-30).

Por “demandas latentes de setores da sociedade”entende-se a atividade de identificar os fatorespropriamente conjunturais que condicionam a escolha doproblema de pesquisa. “Demandas latentes” significa queelas não necessariamente devem estar expressas em algumdocumento formal da instituição (por meio deprogramação de pesquisa) ou associadas a uma solicitaçãodireta de clientes (fazendeiros, empresários, camponesese trabalhadores, em geral), mas que são percebidas pelopesquisador como algo que ele julga relevante para umestudo, em relação à situação atual da economia e àsforças sociais em jogo. São os casos de muitas pesquisassobre tecnologias apropriadas, desenvolvidas quando atônica era o sistema de produção do pequeno agricultor;ou, então, da ênfase em estudos que permitam aumentaro rendimento físico (produtividade) de determinadosprodutos, considerados estratégicos para o modeloeconômico vigente, como a soja no Brasil.

Um outro elemento apontado aqui como integrantedo componente motivacional é o “sistema de premiação”.

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Trata-se, neste caso, do conjunto de bens materiais oumorais, recebidos pelos pesquisadores em virtude dosseus desempenhos profissionais. O sistema de premiaçãoenvolve tanto aumento salarial, ascensão funcional, cursosou viagens ao exterior (concedidos, normalmente, pelainstituição de pesquisa), quanto o reconhecimento e oprestígio concedido pelos pares, expressos em termos decitações e referências ou de convites para a realização desimpósios, palestras e cursos. Além disso, o sistema depremiação inclui as retribuições feitas por certos clientesou instituições (por exemplo: convites para trabalhar emoutras empresas, obtenção de bolsas de estudo em apoioà pesquisa e mesmo diplomas e títulos honoríficos).

Finalmente, o “sistema de punição ou coação” ageno sentido oposto ao do sistema de premiação; ou seja,enquanto o sistema anterior é um incentivador ou umreforço positivo para o pesquisador, o sistema de puniçãoprocura estabelecer um controle inverso dos comporta-mentos desse indivíduo, no processo de pesquisa. Trata-se, portanto, de uma série de mecanismos que impedemou dificultam determinadas ações dos pesquisadores.O sistema de punição está presente, na instituição depesquisa, na formalização (normas e padrões defuncionamento), bem como na hierarquia e na distribuiçãode poder dentro dessa instituição. A reprovação dos paresconcorrentes e as críticas de outros setores da sociedadeao seu trabalho também são elementos importantes dosistema de punição ou coação. A atuação extrema dessesistema é vista, por exemplo, numa demissão, num cortede recursos para certos projetos, na não-aprovação paraa realização de um curso de aperfeiçoamento e nodescrédito da comunidade científica.

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De um lado, no “componente motivacional” dooperador tecnológico, são enfatizados os aspectos ligadosa atitudes, comportamentos e expectativas do indivíduopesquisador; de outro lado, no seu “componente dasdemandas tecnológicas manifestas”, destacam-se asexpectativas e as necessidades relativas à basesociomaterial, na estrutura da prática tecnológica.

Em suma, os três componentes do operadortecnológico aqui apresentados, embora possuamespecificidades, atuam no sentido de implementar oprocesso de geração de tecnologia, seja condicionando emotivando o pesquisador a seguir uma determinadadireção de pesquisa, seja interferindo diretamente nosobjetivos e nas decisões institucionais. Vale enfatizar queo operador tecnológico, na estrutura da prática tecnoló-gica, funciona como um elemento articulador, ou seja, elearticula a base sociomaterial e as alternativas de escolhashumanas com a instituição de pesquisa, bem como a basesociomaterial com o indivíduo pesquisador, condicionandosuas decisões no processo de geração de tecnologia.

Em seguida, serão mostradas algumas maneiraspelas quais a estrutura institucional e seus componentesconceituais básicos – complexidade, formalização ecentralização, bem como o operador tecnológico –interagem com os demais elementos da estrutura da práticatecnológica.

As relações entre os componentesda estrutura da prática tecnológica

A inserção da estrutura institucional e do operadortecnológico no modelo proposto originalmente por Sousa

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(1980) não contradiz seus pressupostos teóricos acercada noção de autonomia relativa das estruturas componen-tes da prática tecnológica e da preeminência da basesociomaterial sobre tais componentes. Entende-se,ademais, que a estrutura institucional e o operadortecnológico constituem elementos que condicionam e sãocondicionados pelas demais estruturas ali relacionadas.Nesta seção, serão discutidos alguns arranjos estruturais– conjuntos articulados de estruturas – encontrados naprática tecnológica. Inicialmente, será focalizada aarticulação entre as alternativas de escolhas humanas e ooperador tecnológico, como consta na Fig. 6.

Fig. 6. Articulação entre as alternativas de escolhashumanas e o operador tecnológico.

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Nesta situação, verifica-se que o operador tecno-lógico vincula-se à base sociomaterial, que o condiciona,em última instância, às formas fenomenológicas datecnologia e ao conjunto de alternativas de escolhashumanas, por meio de um campo de conflitos. Isso significaque o operador tecnológico contribui para ampliar o lequede alternativas de escolhas humanas, acrescentando, nestaúltima estrutura, um conjunto particular de variáveis. É ocaso, por exemplo, das variáveis do campo científico(presentes no componente motivacional do operadortecnológico), representadas pelos diversos interesses emdisputa pelo monopólio da autoridade científica; ou seja,o conjunto de alternativas de escolhas humanassubentende, também, as pressões e os interesses em lutano campo científico, expressos em diferentes métodos depesquisa, áreas de estudo ou tipos de problemasinvestigados. Outros elementos do operador tecnológicotambém podem ampliar ou reduzir o espectro dealternativas de escolhas humanas, especialmente aquelasque se referem a políticas e diretrizes governamentais, nasdefinições de novos programas de desenvolvimentocientífico e tecnológico.

Por seu turno, as alternativas de escolhas humanascondicionam o operador tecnológico, na medida em queelas atuam como uma estrutura selecionadora das váriasdemandas tecnológicas, as quais, também mediante umcampo de conflitos, deverão compor parte importantedesse operador. Em outras palavras, conforme já desta-cado, o operador tecnológico é resultante de uma dadarelação de conflitos travados entre os diferentes interessesnas alternativas de escolhas humanas.

Convém enfatizar que o operador tecnológico, adespeito de sua especificidade na estrutura da prática

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tecnológica, origina-se também da própria basesociomaterial. É isso que permite compreender o modosegundo o qual os mais distintos interesses econômicos esociais interferem e perpassam o interior dos várioscomponentes do operador tecnológico, definindo os limitesentre os quais se dá a disputa na produção de tecnologia.É o que se dá mediante a ação dos vários seletores quebuscam fazer valer suas posições e as opções tecnológicasdo ambiente tecnológico, conforme seus propósitos. Dessemodo, o operador tecnológico, que é gerado na basesociomaterial e articulado às alternativas de escolhashumanas, aciona e orienta o processo de obtenção dasformas fenomenológicas da tecnologia, na estrutura daprática tecnológica. Um segundo arranjo estrutural, queenvolve a estrutura institucional e o operador tecnológico,é visto na Fig. 7.

Fig. 7. Articulação entre a estrutura institucionale o operador tecnológico.

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Esse arranjo estrutural representa um dos pontoscentrais deste ensaio. Aqui, pretende-se analisar o modopelo qual diferentes necessidades tecnológicas ingressamem uma dada organização de pesquisa, num momentoparticular da sociedade. Isso será feito discutindo-seseparadamente a atuação dos três componentes básicosdo operador tecnológico.

Em primeiro lugar, o componente motivacional dooperador tecnológico, que exerce uma ação mais imediatasobre os pesquisadores, relaciona-se à estrutura institucio-nal, segundo várias formas. Uma delas consiste nasdisputas travadas pelos pesquisadores no campo científico.A esse respeito, entende-se que a estrutura institucional,com suas características de complexidade (diferenciaçãointerna), formalização (normas, regras e padrõespreestabelecidos de comportamentos) e centralização(distribuição de poder na instituição), condiciona e, numcerto sentido, é condicionada pelas relações do “campocientífico”. A centralização, por exemplo, pode levar àintensificação ou ao acomodamento dos conflitos quecomportem uma busca por maiores níveis de prestígio ede poder entre os pesquisadores: a luta motivada pelaocupação de cargos mais elevados na hierarquiainstitucional pode interferir nas disputas por maioresprestígio e legitimidade no campo científico – uma lutapelo monopólio da autoridade científica.

Outra forma de o componente motivacionalrelacionar-se à estrutura institucional se dá por intermédiodos sistemas de premiação e de punição ou coação.Quanto aos mecanismos de premiação, destacam-se aspromoções e as ascensões funcionais, que se orientamprincipalmente por um plano de cargos e salários, o qual

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é fundamentado na complexidade e na formalização daestrutura institucional. O sistema de punição, por sua vez,sofre a ação da estrutura institucional, por meio daformalização e da centralização, na medida em que,visando ao controle institucional, são estabelecidassanções e punições aos pesquisadores que transgrediremsuas normas e padrões de comportamento. A relação entreos sistemas de premiação/punição e a estruturainstitucional não ocorre, contudo, apenas no sentido dessaestrutura para esses sistemas, mas também no sentidoinverso; isto é, a interferência dos sistemas de premiação/punição sobre a estrutura institucional pode ser verificadanas atitudes dos pesquisadores, ao reivindicarem um direitoque lhes pareça justo, uma promoção, por exemplo, noprotesto contra decisões de superiores hierárquicos, e nabusca de modificação de certos padrões vigentes.

Quanto à articulação entre o componente dasdemandas tecnológicas manifestas e a estrutura institu-cional, destaca-se a presença da esfera da produçãomaterial no processo de geração de tecnologia e, particular-mente, na instituição de pesquisa.

O componente das demandas tecnológicasmanifestas, como foi discutido, é representado pelosinteresses e pelas necessidades tecnológicas, as quais,mediante possibilidades variadas de conflitos, resultam dasalternativas de escolha humanas. Por exemplo, demandasde uma grande agroindústria, de uma grande fazenda desoja, de uma grande empresa produtora de sementes erações, de uma cooperativa e de uma confederação detrabalhadores. A principal forma de o componente dasdemandas manifestas da sociedade ligar-se à estruturainstitucional ocorre por meio das programações de

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pesquisa da instituição. Conforme essa idéia, a estruturainstitucional deve estar capacitada, em termos de com-plexidade e formalização, a apreender tais necessidadestecnológicas. No exame da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa), os setores responsá-veis pela difusão de tecnologia, além de desempenharemas ações propriamente divulgadoras das tecnologiasgeradas, atuam também no propósito de identificar novasdemandas tecnológicas, a serem consideradas nasprogramações de pesquisa da Empresa.

De um modo geral, são os serviços de extensãorural (da instituição de pesquisa ou não) que realizam,predominantemente, esse papel de captação de problemastecnológicos passíveis de solução. Entre esses serviços,destacam-se as pesquisas dirigidas a produtores(entrevistas), reuniões e dias de campo, visitas a empresasagroindustriais e a comunidades rurais, além de contatospessoais com certos clientes. Uma outra forma deapreensão e processamento dessas demandas pode incluiracordos diretos entre clientes e chefias das unidadestécnicas da Instituição.

A seleção das demandas tecnológicas manifestasocorre tanto no próprio processo de identificação deproblemas quanto na compatibilização com as diretrizesgovernamentais e com os programas de cooperação e definanciamento, durante as definições de programação depesquisa. Em um momento ou em outro, é muito importanteo poder de pressão das forças sociais em jogo.

Finalmente, tem-se a relação estabelecida entre ocomponente das diretrizes governamentais e dosprogramas de cooperação e de financiamento do operadortecnológico e a estrutura institucional. Esse componente,

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com suas características básicas (de fornecimento derecursos e de formulação de políticas), é fundamental paraexplicar a estrutura e os processos institucionais.Os bancos e as agências de financiamento (nacionais ouinternacionais), as instituições de cooperação científica etecnológica (locais e internacionais) e os órgãosgovernamentais (formuladores ou não de políticas), ligados,por exemplo, ao setor agropecuário e à ciência e àtecnologia, condicionam a estrutura institucional, atuandopredominantemente no seu sistema de normas eplanejamentos. É principalmente por meio dessecomponente do operador tecnológico que são definidasas metas e os objetivos institucionais – dos mais geraisaos específicos. Essa relação, entretanto, não é estanque,mas dinâmica, modificando-se à medida que se alteramas combinações de forças da base sociomaterial e asdisputas e as negociações entre os seletores. Isso significaque os interesses econômicos e sociais aí identificadospodem modificar, tanto determinados modelos e planosde desenvolvimento formulados pelos organismos doEstado, quanto a relação de fluxo de recursos para asinstituições de pesquisa. Assim, em um dado momento deuma sociedade, a principal prioridade de pesquisa podeser, por exemplo, relativa à soja, e, em outro, referente àmandioca, ao feijão ou ao milho. Dito de outra maneira,quem define, em última instância, as diferentes prioridadesde pesquisa, numa conjuntura política determinada, sãoas relações em disputa constantes da base sociomateriale que perpassam os leques de opções tecnológicas emque atuam os distintos seletores. Num contexto de umaformação social periférica, devem ser levados em contaos aspectos relativos à hegemonia do capital internacional– dos interesses dominantes das sociedades centrais –,

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bem como a peculiaridade do Estado nacional, enquantoestrutura de permanentes tensões, envolvendo osinteresses locais e os externos.

As diretrizes governamentais são absorvidas pelasinstituições de pesquisa basicamente mediante asdefinições das suas linhas de pesquisa. Tais diretrizes sãocompatibilizadas com os vários recursos e suasdestinações, com as diferentes demandas tecnológicascaptadas pela instituição, com os interesses dedeterminados grupos de poder nas instituições e, ainda,com as expectativas pessoais dos pesquisadores. Trata-se, portanto, de um complexo de fatores que interagem,visando ao estabelecimento das estratégias e dosplanejamentos institucionais. Assim, se, por um lado, ocomponente das políticas do Estado e dos programas definanciamento constitui uma estrutura de interesses, os maisvariados, por outro lado, a sua interferência nas instituiçõesde pesquisa também se dá dentro de um espaço amplode determinações de origens diversas. De qualquer modo,tal componente tem um papel fundamental na articulaçãodo operador tecnológico com a estrutura institucional, umavez que ele representa o comando ou a base de recursossobre a qual deverão se reportar, em última instância, asdecisões institucionais.

A análise do conteúdo desse componente permiteque se tenha uma idéia dos fatores que influenciaram maisdiretamente as ações de planejamento da instituição, bemcomo as definições das programações de pesquisa; ações,estas, refletidas nos produtos organizacionais e, particu-larmente, nos resultados de pesquisa. Nesse sentido, ainvestigação a respeito da importância da quantidade decada montante de recursos (com a sua origem e o seu

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destino) no conjunto do orçamento da instituição, ou oestudo dos diferentes tipos de interesse das políticas doEstado para o setor, pode levar a um conhecimento maispreciso das distintas determinações estruturais queperpassam e condicionam o processo de geração detecnologia, em uma dada instituição de pesquisa.

A autonomia (relativa) da instituição de pesquisareside no fato de ser ela o elemento da estrutura da práticatecnológica capaz de coordenar e processar, internamente,esses diferentes fatores que acionam e orientam o processode geração de tecnologia; ou seja, a instituição de pesquisadefine e estabelece as metas e os objetivos a serematingidos, bem como as estratégias utilizadas para essesobjetivos. Esse é o seu papel, no processo de traduçãode determinadas necessidades sociais em tecnologiasconcretas. E isto é o que está sugerido na Fig. 7: aarticulação entre a estrutura institucional e o operadortecnológico – ambos ligados a uma base sociomaterialque lhes dá origem, e convergindo para as formasfenomenológicas da tecnologia, mediante um campo deconflitos.

O último arranjo estrutural consiste na articulaçãoentre a estrutura institucional e o estoque de conhecimentosexistentes, como mostra a Fig. 8. Essa relação permitecompreender o modo mediante o qual o estoque deconhecimentos científicos e tecnológicos perpassa, naorganização de pesquisa ou no consórcio de organizações,todo o processo de geração de tecnologia.

Sob o aspecto da relação entre a complexidade oua diferenciação interna e o estoque de conhecimentosexistentes, poder-se-ia pensar que a estrutura institucionalorganiza-se em setores que estariam mais voltados:

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a) à identificação e à apreensão dos conhecimentoscientíficos e tecnológicos atuais (bancos de dados, depar-tamentos de informação e documentação, bibliotecas esetores responsáveis pela capacitação e treinamento derecursos humanos); b) à utilização e à aplicação dosconhecimentos disponíveis (departamentos de estatísticasou de “métodos quantitativos”, laboratórios e estaçõesexperimentais); e c) à publicação dos resultados de pes-quisa (produção editorial), bem como à difusão dastecnologias obtidas. Isso não implica admitir que taissetores sejam isolados uns dos outros, nem que o processode pesquisa siga uma única ordem definida de etapassucessivas. A propósito, o estoque de conhecimentos exis-tentes intervém em todo o processo de produção de

Fig. 8. Articulação entre a estrutura institucional e oestoque de conhecimentos científicos e tecnológicos.

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tecnologias, sendo tanto “ponto de partida” quanto“resultado” de pesquisa.

Na estrutura da prática tecnológica, a articulaçãoentre o estoque de conhecimentos existentes e a estruturainstitucional vincula-se à base sociomaterial e às formasfenomenológicas da tecnologia, as quais representam amaterialização e a transformação de um estoque deconhecimentos científicos e tecnológicos existentes, pormeio de um conjunto de atividades institucionais.

Os três arranjos estruturais comentados anterior-mente não esgotam as várias formas de conexão entre oscomponentes da estrutura da prática tecnológica.25

A despeito de terem sido discutidos separadamente, essesarranjos não representam, porém, configurações isoladasna estrutura da prática tecnológica; ao contrário, como jáse destacou neste trabalho, eles compõem um todoarticulado e dinâmico, em que cada componente interfere,direta ou indiretamente, na ação dos demais. Para estetrabalho, tal conjunto articulado pode ser representadoesquematica-mente pela Fig. 9.

Essa figura, embora seja uma grande simplificaçãoda situação real, permite que se tenha uma visão globaldas diferentes conexões encontradas na estrutura da práticatecnológica. Como se pode ver, a Fig. 9 mostra a basesociomaterial (principal estrutura da prática tecnológica)e as formas fenomenológicas da tecnologia – resultadosdesta prática – ocupando os vértices que estão interligadosaos demais no octaedro. Desse modo, a base sociomaterialliga-se à estrutura institucional, ao estoque de conheci-

25 Poder-se-ia pensar, também, por exemplo, nas relações entre:a) a estrutura institucional e as alternativas de escolhas humanas; eb) o operador tecnológico e o estoque de conhecimentos existentes.

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mentos existentes, às alternativas de escolhas humanas eao operador tecnológico, os quais convergem para asformas fenomenológicas da tecnologia. A relação entre abase sociomaterial e as formas fenomenológicas datecnologia faz-se através de um campo de conflitos, queperpassa todo o processo de produção tecnológica, oqual contém os elementos socioculturais e políticos dedistintos grupos da sociedade.

Um aspecto relevante desse modelo é que, nele, ainstituição não está reificada, como nas teorias organi-zacionais tradicionais. Aqui, a organização de pesquisarepresenta um componente importante e problemático,

Fig. 9. Estrutura da prática tecnológica.

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não determinista, do processo de geração de tecnologia,apesar de estar condicionada, em última instância, pelabase sociomaterial. No modelo em questão, a instituiçãode pesquisa, representando uma estrutura dotada deautonomia relativa, influencia e é influenciada por todosos componentes da prática tecnológica. Particularmente,a organização de pesquisa ou um consórcio deorganizações (uma ou mais universidades, um laboratóriode uma empresa, uma estação experimental ou uma grandeorganização pública, nacional ou internacional) refletemum conjunto bastante diversificado de “alternativas deescolhas humanas” (diferentes interesses e necessidadessocioculturais e políticas), atuando no sentido de selecionardeterminadas formas tecnológicas. É sustentada nessaidéia que o presente trabalho entende a organização depesquisa como uma estrutura de permanentes tensões –uma arena de disputas, em que se manifestam pressões enecessidades sociais de origem as mais diversas, nãoapenas econômicas, mas sociais em seu sentido maisabrangente, sendo o “campo científico” e os interessestipicamente acadêmicos os responsáveis por parteconsiderável de tais pressões e necessidades.

Uma vez apresentados os componentes básicos doque se entende por estrutura da prática tecnológica, faz-se mister examinar um aspecto fundamental para a análiseconseqüente do desenvolvimento científico-tecnológicocontemporâneo, a saber: o modo como os vários atores,cientistas, empresários, engenheiros, dirigentes de órgãospúblicos, políticos, membros de organizações não-governamentais e de movimentos sociais, consumidorese o público em geral reagem e conferem a aprovação aosdiferentes cursos seguidos pelas inúmeras “trajetórias

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tecnológicas”26, em determinado momento de umasociedade. É o que se fará a seguir, com a inclusão dalegitimação na abordagem da prática tecnológica.

26 A noção de “trajetória tecnológica” é bem peculiar à abordagem evolucio-nista, no enfoque econômico. Para Dosi (1982, 2000, 2005), por exemplo,trajetória tecnológica é um cluster de possibilidades de direções tecno-lógicas. Por sua vez, a noção de “paradigma tecnológico” é semelhanteà noção de exercício de uma “ciência normal” (conforme a abordagemde Thomas Kuhn, em seu Estrutura das Revoluções Científicas). Ouseja, segundo o primeiro autor citado, um paradigma tecnológicoincorpora fortes prescrições quanto a determinadas direções tecnológicas.É importante ainda destacar que, na concepção de Dosi, esta últimanoção pressupõe também um forte poder de exclusão; nesse sentido,para o autor, as forças econômicas, juntamente com as instituições e osfatores sociais, operam como instrumentos seletivos no processo deinovação. Como se pode verificar, há muitas semelhanças entre taisacepções e a perspectiva evolucionária, aqui desenvolvida. Contudo, oevolucionismo de Dosi e de outros autores do enfoque econômico tendea minimizar a dimensão de conflitos no processo de geração de novastecnologias (de inovações, como é sua tônica), e a “capacidade auto-organizativa” do sistema (na linha da noção de “autopoiésis”, conformetratado por Luhmann (1980) e Maturana (1981). Contrariamente, adiscussão levada a termo neste capítulo, a respeito da estrutura da práticatecnológica, procurou ressaltar toda a complexidade e a dinâmica daestrutura institucional, bem como em suas relações com um conjunto deoutros elementos que integram a prática tecnológica.

27 Toma-se, aqui, como referência empírica, a produção das chamadasnovas biotecnologias e seus impactos introduzidos na sociedade.

.GA legitimação da prática tecnológica27

eralmente, a legitimação significa, aqui, o reconhecimentoque indivíduos e grupos sociais conferem a determinadaautoridade ou dominação. É, assim, aspecto central navida contemporânea, em particular no que concerne àprodução e à adoção de novas tecnologias, haja vista agrande controvérsia que têm introduzido na sociedade,

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colocando em tela questões cruciais para os indivíduos eo público em geral, que dizem respeito à vida, ao meioambiente e ao futuro das sociedades. São questõesculturais, e não apenas econômicas e políticas; o que tornamuito peculiar a estabilização de controvérsias, e oprocesso de negociação e construção de políticas públicaspara o setor de ciência e tecnologia.

Antes considerado assunto de especialista, cada vezmais a ciência, a tecnologia e a inovação atingem públicosmaiores, leigos, e que demandam, não apenas novosresultados dos laboratórios e das indústrias, mas, eigualmente, segurança e participação na decisão sobre oque consumir e o que preservar na natureza.

O tema da legitimação não é muito freqüente nasanálises sobre o desenvolvimento científico-tecnológicocontem-porâneo. Embora muitos autores, na Sociologia,na Ciência Política e no Direito, tenham levado em contaesse aspecto em diversos estudos teóricos e empíricos28,de um modo geral, os mecanismos e os processos delegitimação não têm sido muito considerados no esforçode construção de uma teoria sobre a produção detecnologia.

Para Jürgen Habermas, por exemplo, a inserçãoda legitimação na geração de tecnologia não tem sentido,uma vez que esse autor a considera como “autolegitimável”

28 A partir de Weber (1984), dentro do enfoque da Sociologia do Direito, aproblemática da legitimação passa a ocupar parte importante no debatedos cientistas sociais. Atualmente, a Sociologia Política, a Ciência Políticae a Sociologia do Direito têm insistido nesse tema, abordando mais espe-cificamente o que alguns autores chamam “a crise de legitimação doEstado contemporâneo”, e as possibilidades de utilização do conceito de“sistema” na realidade social.

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(pertencente à esfera sistêmica da sociedade)29, “ao sefundamentar exclusivamente em critérios de eficiência eeficácia”. Outros autores excluem a referência à legitimaçãono processo de produção de tecnologia, em razão de aabordarem como algo isento de todo condicionamentosocial. É a concepção da neutralidade na produção datecnologia. O argumento básico apóia-se no pressupostode tratar a tecnologia não como um dado, ou meramentecomo um produto – em sua “forma fenomenológica” final.Ao contrário, a tecnologia é vista como um processo –uma prática social específica, na qual interferem váriasestruturas e relações sociais, perpassando um vastocampo de conflitos, os mais variados.

Seguindo essa idéia, entende-se que concentrarapenas no produto dessa prática pode levar a negligenciaraquilo que parece conter o aspecto mais promissor parauma crítica do fenômeno tecnológico recente, a saber, oseu processo interno de transformação. Como outrosprocessos sociais, a tecnologia requer uma legitimação,tanto por parte dos seus praticantes mais imediatos, quantopor outros setores da sociedade. Assim, não é suficientecompreender como se constitui a estrutura da prática

29 Esquematicamente, a concepção de sociedade de Habermas (1988), emsua Teoria da Ação Comunicativa, apresenta dois grandes níveis: o“sistêmico” e o do “mundo vivido”. O nível sistêmico é aquele verificadopelo observador externo (semelhantemente à noção de sistema emParsons e Luhmann). Nele, estão o subsistema econômico, regido pelodinheiro, e o político, regido pelas regras de poder. Ambos os subsistemassão orientados por uma racionalidade técnico-instrumental, que associameios a fins, visando à eficácia. Por sua vez, o mundo vivido é o lugaronde ocorrem as interações espontâneas entre os indivíduos. É nele queos sujeitos compartilham regras sociais, vivências e emoções. Ao contráriodo nível sistêmico, exterior ao indivíduo, o mundo vivido resulta daperspectiva subjetiva dos atores. Ou seja, ele compreende a “visão dedentro” da sociedade, percebida pelos atores a partir do seu cotidiano e dasexperiências partilhadas. Para esse autor, é o pano de fundo implícito noprocesso comunicativo, de certezas pré-reflexivas, evidências não ques-tionadas, vínculos nunca postos em dúvida; mas é também nesse nívelque ocorre a “razão comunicativa reflexiva ou discursiva”.

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tecnológica e de que modo se articulam seus várioscomponentes. Faz-se necessário, também, compreendercomo tal legitimação garante (ou não) uma ou outraconfiguração possível na atividade tecnológica. Isso seráfeito com a formulação da noção de “ideologia da prática”,e sua inserção no quadro teórico esboçado até aqui.

A intenção expressa, com esta última noção, édestacar o papel e a importância de determinadosconsensos entre os atores mais diretamente envolvidos(pesquisadores, estudantes, técnicos, dirigentes de órgãospúblicos e empresários) com uma atividade ou práticacientífico-tecnológica específica, a respeito dessa mesmaatividade30. Nesse caso, tais consensos referem-se aquestões teóricas e metodológicas (que interessam maisde perto a pesquisadores e estudantes), bem como sereferem a todo um conjunto de problemas diversos –econômicos, políticos e éticos, em geral, ligados àprodução científico-tecnológica.

Para explicitar os argumentos precedentes, otrabalho desenvolverá, inicialmente, a noção de contextoinstitucional de produção científico-tecnológica. Com essanoção, pretende-se evidenciar um conjunto de processos

30 O que se está chamando “atividade ou prática científico-tecnológica” éo conjunto de muitas ações, presentes num “complexo científico-tecnológico-industrial”, que visam a gerar novos produtos e processos(medicamentos, testes para diagnósticos, alimentos, conservantes, pro-gramas informacionais, programas de vôos espaciais, computadores, eassim por diante), com fins comerciais. São exemplos de práticascientífico-tecnológicas: as novas biotecnologias, a bioprospecção, aprodução de novos materiais, a microeletrônica, a informática, a produçãoaeroespacial e tantas outras áreas de ponta do conhecimento. Uma desuas características marcantes é o fato de se realizarem dentro de umcontexto de múltiplas interações e vários tipos de ator, envolvendodesde pesquisas básicas até a inovação propriamente dita. O trabalho deGibbons et al. (1994) é uma importante referência para aprofundar essadiscussão.

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sociais que ultrapassam o domínio específico da estruturada prática tecnológica, embora muitos deles estejam alipresentes. O que se quer dizer é que a legitimação daprática tecnológica, ao conectar diferentes esferas e níveisde atuação de inúmeros atores e instituições – não apenasaqueles ligados diretamente à prática tecnológica –, requerum recorte analítico específico, capaz de ressaltar umconjunto de relações que têm origem em outros âmbitose práticas sociais, isto é, além da esfera tecnológicapropriamente dita.

O contexto institucionalde produção científico-tecnológica

O contexto institucional de produção científico-tecnológica envolve um nível de análise mesossociológico.Isto é, ele não se reduz, deterministicamente, às esferasprodutiva e política da sociedade – no nível macrossocioló-gico –, e também não está contido no nível das relaçõesinter-pessoais cotidianas – num âmbito microssociológico.Uma de suas particularidades é a de procurar relacionaresses dois níveis extremos de abordagem, ressaltandovariáveis organizacionais.

Esse conceito, porém, não foi pensado para seraplicado a um contexto institucional mundial, mas a umaformação social específica. Não obstante, no presentetrabalho, serão discutidos apenas os seus elementosconceituais; a caracterização empírica do contextoinstitucional de produção científico-tecnológica desta oude outra sociedade pode ser objeto de outros estudos.

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A idéia básica para a formulação desse conceitopartiu da constatação de que dois aspectos da realidadese revestem de uma importância destacada nas novasatividades científico-tecnológicas. Um desses aspectosrefere-se ao que se está chamando, aqui, “dimensãointerorganizacional”; o outro, diz respeito à “dimensão dasatitudes e comportamentos dos pesquisadores”, ocomponente motivacional do operador tecnológico, naestrutura da prática tecnológica.

A Tabela 1 procura representar esquematicamenteos elementos componentes do contexto institucional deprodução científico-tecnológica.

A dimensão interorganizacional

A dimensão interorganizacional consiste em umarranjo estruturado de organizações (organizaçõespúblicas de pesquisa, universidades, órgãos de fomento,órgãos do Estado formuladores de política para os setoresindustrial e de ciência, tecnologia e inovação, e empresasprivadas, nacionais e multinacionais), as quais fornecemas condições materiais objetivas para a produçãocientífico-tecnológica31. Essas condições envolvem osrecursos físicos (laboratórios, instalações, máquinas,equipamentos), materiais (enzimas e anticorpos utilizadosnas novas Biotecnologias, por exemplo), financeiros ehumanos; bem como envolvem as definições deprioridades de pesquisa estabelecidas nos programasgovernamentais.

31 Conforme a discussão sobre o componente das diretrizes governamentaise dos programas de cooperação e financiamento, no operador tecnoló-gico, e a estrutura institucional.

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Dimensão interorganizacional

Nível estrutural- Principais organizações ligadas

a determinada práticacientífico-tecnológica

- Principais tipos de articulaçãoentre as organizações

- Grupos e organizaçõesdominantes

- Recursos humanos e finan-ceiros, insumos, equipamen-tos e infra-estrutura física

Nível processual- Alocação de recursos

financeiros

- Formulação de políticasindustriais

- Formulação de políticaspara C, T & I

- Definição de acordos,convênios e parcerias entreas organizações

- Realização de programasde pesquisas

- Realização e definiçãode programas de formaçãode recursos humanos

- Compra e venda de empresas

- Decisões sobre opatenteamento e a propriedadeintelectual

- Definições sobre as regras decertificação de produtos eprocessos

Dimensão das atitudes e doscomportamentos dos

pesquisadores

Tabela 1. Contexto institucional de produção científico-tecnológica.

- Expectativas, crenças,valores e padrões de com-portamento entre os pares

- Atitudes em relação aos pares

- Atitudes em relação ànatureza do fenômenoestudado

- Atitudes em relação a suaorganização de pesquisa

- Atitudes em relação aosparadigmas anteriores

- Atitudes e comportamentosem relação aos sistemas depremiação e punição

- Realização/frustração com anatureza do seu trabalho

- Atitudes e comportamentosem relação a demandas dasociedade

- Atitudes e comportamentosem relação a uma “ética”científica dominante (buscadesinteressada porconhecimentos,universalimo, ceticismo,abertura à crítica dacomunidade científica)

- Atitudes e comportamentoscom relação à autonomia doseu trabalho

- Atitudes e comportamentosem relação ao patenteamentodos resultados da pesquisa

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A idéia de essa dimensão interorganizacionalrepresentar um conjunto articulado significa que a suacaracterística básica é a ligação e o relacionamento entreas várias unidades organizacionais componentes docontexto institucional de produção científico-tecnológica.

Assim, uma empresa privada depende de umapolítica industrial, formulada pelos órgãos do governo, osquais também se articulam às universidades e aos institutosde pesquisa, mediante o fornecimento de recursosmateriais e das políticas para a ciência e a tecnologia; asindústrias interagem com as universidades, por meio dacontratação de serviços; estas últimas fornecem recursoshumanos e conhecimentos para as novas empresasprodutoras de tecnologia; e assim por diante. Desse modo,cada organização afeta, direta ou indiretamente, todo oconjunto articulado de organizações presentes emdeterminado contexto institucional de produção científico-tecnológica.

A dimensão interorganizacional compreende umnível estrutural, e outro relativo a processos, conformeindicado na Tabela 1. O nível estrutural refere-se aospadrões e às formas de articulação entre as diferentesunidades organizacionais (a complexidade ou a diferen-ciação), aos grupos e a organizações dominantes (acentralização) e aos recursos humanos e à infra-estruturautilizados na produção científico-tecnológica. Os pro-cessos decorrem de ações organizacionais concretas, asaber: formulação de políticas públicas, definição depropostas para acordos entre as organizações, resultadosde pesquisa, intercâmbios técnico-científicos, convêniosentre universidades e indústrias para o desenvolvimentode produtos e processos, e programas conjuntos defomação e treinamento de recursos humanos, abrangendoos setores público e privado.

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A dimensão das atitudes edos comportamentos dos pesquisadores

Esta dimensão, que mereceu destaque na análisedo componente motivacional do operador tecnológico,visa a identificar e a compreender as principais expectativase padrões de comportamento dos indivíduos pesquisa-dores, bem como as modificações nesses padrões decomportamento.

Inicialmente, convém distinguir entre atitudes ecomportamentos. A atitude relaciona-se ao

[...] modo pelo qual um agente social se posicionaperante objetivos de valor; é uma maneira organizadae coerente de pensar, sentir e reagir em relação apessoas, grupos e questões diversas, como as sociais,econômicas e políticas. (SOUSA, 1989, p. 13).

Por sua vez, o comportamento é a ação manifesta,mantendo, contudo, íntima relação com os componentesque formam a atitude (SOUSA, 1989, p. 13). Nessesentido, as atitudes que as pessoas aprendem porquaisquer meios influenciam seus comportamentos deaproximação/afastamento em direção a pessoas, objetos,eventos e idéias, e também seus pensamentos sobre omundo físico e o social.

Tanto os comportamentos quanto as atitudes podemser modificados pela aprendizagem32. Para isso, é

32 A noção de aprendizagem é bem específica. De acordo com Telsorj eSawrey (1971, p. 210), ‘‘a aprendizagem é o processo que se deduzhaver ocorrido quando a resposta de uma pessoa a determinado estímulose modifica de maneira singular ou determinada, em decorrência daexperiência”. Essa noção também é muito cara aos evolucionistas, noenfoque econômico, como um elemento importante para explicar pro-cessos inovativos.

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fundamental o aparecimento de desafios objetivos nasituação atual ou a existência de uma situação estimuladora,que possa ser estabelecida por outro agente ou gruposocial, ou por um evento significativo para o sujeito: porexemplo, o impacto produzido por uma descobertarevolucionária na área de atuação do cientista.

A separação entre atitudes e comportamentos éimportante, uma vez que atitudes ou concepções decientistas acerca de sua área de trabalho nem sempre sãotransformadas em ações concretas. Por seu turno, a“ideologia da prática”, que se pretende explicitar maisadiante, ainda neste ensaio, consiste não propriamente decomportamentos, mas de atitudes que determinados atorestêm a respeito de uma atividade científico-tecnológicaparticular.

A dimensão das atitudes e dos comportamentos dospesquisadores representa um aspecto crucial do contextoinstitucional de produção científico-tecnológica: é para láque convergem decisões tomadas no âmbito interno deuma organização de pesquisa, na articulação, discutidaanteriormente, entre o operador tecnológico e a estruturainstitucional, ou em outras instâncias da dimensãointerorganizacional do contexto institucional de produçãocientífico-tecnológica. Em suma, o contexto institucionalde produção científico-tecnológica compreende umconjunto de procedimentos institucionalizados, através depadrões de comportamento interiorizados pelospesquisadores, e um arranjo organizacional que sustentae estimula esses comportamentos.

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A ideologia da prática33

Basicamente, a ideologia da prática compreendevalores, crenças, modelos teóricos e atitudes dos atoresmais intensamente envolvidos com determinada atividadecientífico-tecnológica, a exemplo de pesquisadores,estudantes, técnicos, dirigentes de órgãos públicos eempresários. Esse conceito envolve não apenas elementosquestionadores dos padrões científicos e tecnológicosdominantes, mas também aspectos internalizados, demodo espontâneo, no processo de socialização do pes-quisador e dos demais agentes indicados anteriormente.

De modo mais específico, a noção de ideologia daprática apóia-se nas formulações originais de Yoxen(1981). Para esse autor, a ideologia da prática estárelacionada à própria dinâmica da produção científico-tecnológica, que muda continuamente, exigindo umconstante repensar dos cientistas e dos pesquisadoressobre suas atividades profissionais.

33 De acordo com o Dicionário de Ciência Política de Bobbio et al. (1983),a discussão sobre a noção de ideologia envolve uma gama de significadosque lhe são atribuídos. Porém, identificam-se duas grandes tendências,dois tipos básicos de significado que os autores chamam de “significadofraco” e “significado forte da ideologia”. Em termos gerais, o significadofraco refere-se a crenças políticas: um conjunto de idéias e valores respei-tantes à ordem pública, que tem como função orientar os comporta-mentos políticos coletivos. Já o significado forte tem origem no conceitode ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações dedominação entre as classes. Este tipo de significado diferencia-se clara-mente do anterior porque mantém, em seu conteúdo central, emboradiversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, anoção de falsidade; isto é, a ideologia, nesse caso, é uma crença falsa. Emsuma, na primeira situação, a ideologia é tomada como um conceito neutro; nasegunda, é associada a um conceito negativo (a falsa consciência). Nopresente trabalho, optou-se por esse primeiro grupo de significado,abordando a ideologia como crenças, opiniões, enfim, uma “visão de mundo”particular, sem que isso signifique, necessariamente, uma falsa consciência.

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A ideologia da prática compreende, então,complexos processos de representação de atividadescientíficas ou tecnológicas (YOXEN, 1981, p 75). Porexemplo, na área da Biologia Molecular, estudada poresse autor, as ideologias da prática incluem determinadaconcepção sobre a natureza da vida, calcada, segundoele, num enfoque “reducionista”, “o qual reduz a vida ameros programas genéticos de informação”.

Em suma, ideologias da prática abrangem tantoproblemas e metas de pesquisa quanto conceitos, técnicas,pressupostos metodológicos e o controle de questões queentram em choque com idéias científicas tradicionais, asaber: a utilização da Engenharia Genética no controle ena manipulação da vida, com inúmeras implicações éticase sociopolíticas.

Uma diferença importante entre o conceito, aquiutilizado, de ideologia da prática e a noção de “paradigma”,formulada por Kuhn (1970), é que esse primeiro conceitonão se limita aos pesquisadores e cientistas (à comunidadecientífica), como é típico da abordagem deste último autor,mas refere-se também a outros agentes sociais (técnicos,empresários e dirigentes de órgãos públicos).

Com isso, a noção de ideologia da prática pretenderessaltar a importância das atitudes de todo esse conjuntode indivíduos, e não somente de cada grupo isoladamente(como os pesquisadores), numa determinada atividadecientífico-tecnológica. Ou seja, no atual contexto, deintensa articulação e mútua dependência desses váriosatores, em extensas redes sociotécnicas de relações(BAUMGARTEN, 2005; CALLON, 1989; KNORR-CETINA, 1981, 1982; LATOUR, 1983, 1990;LATOUR; WOOLGAR, 1997), torna-se indispensável

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a construção de consensos entre esses atores, acerca daprática científico-tecnológica da qual participam, o quereforça o papel da negociação e da legitimação, nessecontexto.

A idéia de legitimação significa um estado ou umadisposição dos indivíduos para aceitarem determinadasdecisões tomadas no âmbito político (WEBER, 1984),como: nos órgãos do governo formuladores de políticasindustriais e para o setor de ciência, tecnologia e inovação;nos centros de poder nas organizações de pesquisa; enos estratos hierárquicos superiores no campo científico(de acordo com discussão a respeito do componentemotivacional do operador tecnológico).

Enfim, a legitimação compreende todo um processode interações, envolvendo indivíduos e instituições sociais,na busca da formação de consenso sobre questõesespecíficas na prática tecnológica. Entretanto, paraeste ensaio, não há uma legitimidade em si, estável.A sua natureza é dinâmica, instável e processual(BOURRICAUD, 1987). Nela atuam as normas jurídicase sociais estabelecidas e os “fatores contingentes”,identificados, por exemplo, na abordagem de Luhmann(1980), na desordem, no imprevisível.

A formação de consenso na ideologia da prática

A abordagem deste item será feita destacando trêsníveis distintos de análise, conforme estão representadosna Fig. 10.

Nessa figura, os três níveis indicados referem-se àbase sociomaterial (descrita na formulação da estrutura

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Fig. 10. A formação de consenso na ideologia da prática e seusefeitos na realidade social.

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da prática tecnológica), às relações interpessoaiscotidianas – o “mundo vivido”, na acepção de Habermas(1988) – e ao contexto institucional de produção científico-tecnológica.

Sob o aspecto individual, a base sociomaterialcorresponde ao nível mais estruturado e desejado darealidade social. Numa terminologia habermasiana, elarefere-se ao nível sistêmico da sociedade, que pressupõeo domínio de uma racionalidade técnico-instrumental.

Outro componente da Fig. 10 é o “quadro dasrelações interpessoais cotidianas” – o “mundo vivido”. Énesse nível em que são compartilhados sentimentos,emoções e informações, em que predomina umaracionalidade comunicativa, seguindo a abordagemhabermasiana. Para o indivíduo, esse quadro correspondeà dimensão menos estruturada da realidade social, em queele vivencia experiências pessoais e coletivas.

Por fim, tem-se o contexto institucional de produçãocientífico-tecnológica, formulado anteriormente. Elerepresenta a instância de mediação entre a base socioma-terial e o quadro das relações interpessoais cotidianas, naanálise da produção científico-tecnológica.

A relação entre o contexto institucional e a ideologiada prática compreende a área de interesse central destetrabalho, voltada para a análise dos sistemas de repre-sentação da atividade científico-tecnológica. As relaçõesentre o contexto institucional de produção científico-tecnológica e a base sociomaterial, e entre ele e as relaçõesinterpessoais cotidianas, não serão tratadas neste ensaio,embora representem aspectos importantes para a com-preensão de como aqueles níveis extremos da realidadecondicionam a atividade científico-tecnológica e a inovativa.

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Com as linhas tracejadas, está-se querendo indicaras ligações que não serão tratadas neste momento. Porenquanto, interessa examinar: 1) as ligações que conver-gem para a ideologia da prática – a percepção dos indiví-duos envolvidos com determinada prática científico-tecnológica, a respeito de aspectos e níveis distintos darealidade, relacionados a essa mesma prática; 2) ainfluência exercida pela ideologia da prática no contextoinstitucional de produção científico-tecnológica.

Vale ainda observar que a delimitação doscomponentes apresentados na Fig. 10 não deve ser vistade modo muito rígido. Por exemplo, a ideologia da práticafoi representada na figura como algo separado do contextoinstitucional de produção científico-tecnológica, o que nãocorres-ponde completamente à verdade, pois ela se inserenaquele contexto, fazendo parte de valores e padrõesculturais subjacentes às relações sociais, ali existentes.

A ligação que vai, na Fig. 10, da base sociomaterialpara a ideologia da prática corresponde à “visão externa”da sociedade, por parte dos indivíduos que formam essaideologia. Ou seja, refere-se à percepção de pesquisa-dores, estudantes, técnicos, dirigentes de órgãos públicose empresários, e de muitos outros atores que dependemou que procuram interferir na prática tecnológica, espe-cialmente os “conectores” – tipos de seletor ideológico –,na análise inicial empreendida, sobre o nível mais desejadoda realidade, que diz respeito aos grandes temas einteresses nacionais, bem como à forma como se organizaeconômica e politicamente a sociedade.

Como esses indivíduos pertencem a grupos sociaisdiferentes, é de se esperar que tais juízos acerca da basesociomaterial sejam diferenciados, levando-se ainda em

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conta a posição que eles ocupam na estrutura social, suasorigens socioeconômicas, o prestígio de que dispõem e oacesso a informações importantes, além de toda acapacidade de exercer influência uns sobre os outros, ede “traduzir” ou ligar novos fatos; por exemplo, associaro lançamento de uma nova variedade de soja a deter-minados sistemas de representação, a qual é característicada atuação dos conectores. A identificação dessasprováveis diferenças, numa situação concreta, não seráinvestigada neste trabalho. Contudo, é nesse nível depercepção que os indivíduos procuram formar determi-nados consensos e reagir contra, por exemplo, os seguintestemas: concorrência internacional, subordinação ao capitalexterno, soberania, autonomia científica e tecnológica doPaís, distribuição de renda, privatização de empresaspúblicas, reformulação da Constituição, escolha dosistema de governo, características do parque industrialnacional e exploração da biodiversidade local.

Tudo isso envolve amplos questionamentos que nãose restringem aos agentes mais diretamente envolvidoscom determinada atividade científico-tecnológica,atingindo, também, vários segmentos da sociedade, noprocesso global de legitimação. Ao se indicar a seta, naFig. 10, no sentido da ideologia da prática para a basesociomaterial, pretende-se referir à interferência daprimeira sobre os arranjos e as disposições da basesociomaterial, como um dos efeitos do processo maisabrangente de legitimação da esfera política da sociedade.

Ademais, a ligação entre o quadro das relaçõesinterpessoais cotidianas e a ideologia da prática corres-ponde à “visão interna” da sociedade, na perspectiva depesquisadores, estudantes, dirigentes de órgãos públicose empresários, participantes de determinada atividade

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científico-tecnológica e de outros indivíduos, consumido-res e grupos da sociedade. Perspectiva esta diferenciada,de acordo com os contextos diários de relacionamentosdesses indivíduos.

Nesse caso, os indivíduos não se colocammeramente como observadores externos34, mas, em seucotidiano, vivenciam e trocam experiências pessoais eprofissionais importantes, que podem influenciar a for-mação de consenso na ideologia da prática. Ao seexaminar a influência das relações interpessoais cotidianasna ideologia da prática, entende-se que não apenas ocapital ou o poder do Estado ou dos grandes gruposprivados são questionados, mas também outros aspectosexistenciais, ligados, por exemplo, aos anseios pelaprodução de uma “tecnologia artesanal” ou a determinadasnecessidades de uma ou outra comunidade indígena, e,ainda, a questões que dizem respeito ao próprio destinoda humanidade e à sobrevivência do planeta.

Assim, no embate das forças que emergem dasociedade, o cotidiano passa a revelar novos problemas,desde os relacionados aos movimentos ecológicos atépreocupações com a sobrevivência das espécies, entreos quais cumpre lembrar: a redefinição da idéia de público

34 Na realidade, mesmo em relação às dimensões mais estruturadas da reali-dade social, os indivíduos não se posicionam como meros observadoresexternos. De um modo ou de outro, eles se envolvem com aspectos queestão mais distantes de seu cotidiano, trazendo-os, então, para o seucontexto de relações diárias, e influenciando, num certo sentido, arealidade global: é o somatório de todas essas “microinterferências” queproduz a configuração geral. Contudo, ao se fazer essa distinção (visãoexterna / visão interna da sociedade), quer-se sugerir a importância doenvolvimento pessoal dos atores, em seu dia-a-dia, em torno dedeterminadas questões relevantes para a produção científico-tecnológica,da qual participam diretamente. Fato este que pode ter uma influênciadecisiva no processo de formação de consenso da ideologia da prática.

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e privado; o foco nos movimentos sociais, e não apenasnos partidos políticos; a apreensão em relação ao mundoem geral, e não apenas a uma nação; a busca de sentidopara a vida; e a expansão dos direitos dos indivíduos.

Além disso, a questão tecnológica também suscitaa problemática existencial e o universo de representaçõessimbólicas do mundo vivido – as pessoas sentem-seseduzidas pelo luxo e pelas comodidades e possibilidadesoferecidas pelas novas tecnologias: “um CD traz aorquestra à sua casa”; “um cidadão comum viaja numônibus espacial”; “uma televisão que cabe no bolso”; “oscelulares invadem todos os ambientes”; “a guerra podeser acompanhada, via satélite, em todo o mundo, aomesmo tempo”; “novas variedades de plantas para regiõesáridas”; “a clonagem de seres vivos”; “a utilização decélulas de embriões em pesquisas sobre células-tronco”,“novas fontes de energia mediante a exploração dabiomassa”; “cirurgias a raio laser”; e “novas vacinas paradoenças até então incuráveis”. Sem dúvida, uma grandeconquista!

Entretanto, esse mesmo homem do cotidiano, essecidadão comum, em face desse novo mundo, sente-sedividido entre um sentimento de encantamento e asensação de incômodo e espanto quanto à forma deacesso a tais tecnologias. Na maior parte das vezes, sente-se excluído dos benefícios, especialmente se habita ochamado Terceiro Mundo. Para ele, a fome continua sendoum problema sem solução; ouve falar da vacina contra amalária, mas não sabe quanto custa ou se vai ter acessoa ela; sabe de novas fontes de energia, mas continuaassistindo a desastres ecológicos; percebe que o raio laserutilizado em cirurgias serve também para a guerra e paraa morte. E a geração de novos seres vivos transgênicos?

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Tudo isso virá para o bem ou para escravizar? É lícito opatenteamento de novos seres vivos?

Nesse quadro, típico da vida contemporânea, todossão instigados a questionar esses pontos e a reagir demaneira distinta, não excluindo a possibilidade deenfrentamento físico e de invasão de laboratórios e camposexperimentais. Evidentemente, pesquisadores, estudantes,técnicos e dirigentes de órgãos públicos também não estãoalheios a essa problemática. Ao contrário, estão direta econtinuamente envolvidos com ela.

Em suma, a problemática científico-tecnológicarecente torna particularmente sensível determinadasquestões e valores presentes no cotidiano das sociedades,ao tocar em temas éticos cruciais para a humanidade,implicando alto grau de tensão na ideologia da prática.Não obstante, a partir de discussões sobre experiênciascomuns, os atores mais diretamente envolvidos comdeterminada prática científico-tecnológica trocaminformações, debatem e mantêm contatos formais einformais, escrevem em revistas especializadas,manifestam-se em programas de pesquisa, participam decongressos no País e no exterior, ministram e assistem acursos em universidades locais e estrangeiras, e formam,nessas situações, algum consenso em torno de temas sociale politicamente relevantes. Consenso este entendido nãocomo uma única concepção, mas como uma concepçãopredominante, no conjunto de muitas controvérsias, capazde dar respaldo ou legitimidade às políticas públicasformuladas para os setores científico, tecnológico e deinovação, e a importantes programas de pesquisa.

Se, por um lado, a base sociomaterial representa onível mais estruturado da realidade e o quadro das relações

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interpessoais cotidianas, o seu nível menos estruturado edesejado, por outro lado, o contexto institucional deprodução científico-tecnológica apresenta aspectos decada um desses níveis extremos de manifestação darealidade. Na dimensão interorganizacional dessecontexto, a base sociomaterial procura reproduzir a suaarquitetura (no nível estrutural), a qual possibilita odesenvolvimento de determinados processos e açõesorganizacionais, ajustando interesses e atendendo adiferentes necessidades na produção científico-tecno-lógica.

Na dimensão das atitudes e comportamentos dospesquisadores, e em todo o conjunto de relações sociaisdiárias, mantidas entre os vários agentes que integram ocontexto institucional de produção científico-tecnológica,quer nos órgãos públicos, nas universidades, ou noslaboratórios, quer nas empresas privadas, verifica-se ummeio mais fluido, menos estruturado. Assim, o efeito docontexto institucional de produção científico-tecnológicasobre a ideologia da prática se dá tanto a partir de umapercepção de seus aspectos mais estruturados e deseja-dos (no seu conjunto), quanto a partir da visão formuladapelos próprios indivíduos que nele vivenciam e trocamexperiências, a respeito de acontecimentos cotidianos.

Em suma, o próprio contexto de produçãocientífico-tecnológica pode ser objeto da atenção e doquestionamento dos atores mais intensamente envolvidoscom essa produção (além dos demais membros dasociedade), condicionando o conteúdo da ideologia daprática e o seu processo de formação de consenso (oumesmo de imposição de interesses, conforme se discutiuna análise sobre os seletores).

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As conseqüências de uma redivisão de trabalhopúblico-privado, na coordenação e na execução dapesquisa; a compra de instituições de pesquisa por gruposprivados; uma maior participação de empresas eorganizações internacionais na geração e na apropriaçãode resultados tecnológicos; novos acordos universidades/indústrias; decisões quanto ao patenteamento de novosprodutos; a definição de novos programas de formação etreinamento de recursos humanos; o estabelecimento decertos grupos hegemônicos e a centralização na alocaçãode recursos financeiros – que ocorrem na dimensãointerorganizacinal do contexto institucional de produçãocientífico-tecnológica – são algumas situações estimulado-ras a demandar respostas e posicionamentos daquelesatores.

As reações podem ser as mais variadas, desde apronta aceitação das modificações organizacionaisobservadas (quando pesquisadores vêem positivamenteuma privatização crescente da organização da pesquisa,que poderá aumentar seus salários num primeiromomento), até a rejeição radical de determinados rumos(como a perda de sua autonomia, em razão, por exemplo,daquela mesma privatização), passando por toda umapolêmica envolvendo determinadas políticas sobrepatenteamento e sobre formação de recursos humanos.

Ideologias da prática condicionam e interferem nocontexto institucional de produção científico-tecnológica,seja em sua dimensão interorganizacinal, seja na dasatitudes e dos comportamentos dos pesquisadores, epassam a fazer parte de inúmeros processos, reações eapoios, na estrutura da prática tecnológica. Se, de umlado, a intrincada rede de possibilidades, interesses econdições objetivas para a produção de novas tecnologias

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(considerando-se, entre outras limitações, o próprioestoque de conhecimentos disponíveis) vai no sentidocontrário ao pretenso voluntarismo na construção denovos paradigmas e inovações, capazes de resolverimportantes e recorrentes problemas presentes emdeterminada sociedade (a idéia de que a geração detecnologias é um processo estruturado), de outro lado,há sempre uma margem e um conjunto de novaspossibilidades que podem ser exploradas pelos indivíduosque atuam mais diretamente no processo de produção detecnologias.

O pressuposto da afirmação anterior é que valores,crenças e atitudes, que compõem as ideologias da prática,possuem uma contraparte comportamental; isto é, asideologias da prática não se constituem meramente comoum pensar sobre a atividade científico-tecnológica, mas éum pensar que diz respeito ao próprio comportamentodesses atores. É, desse modo, uma ideologia das suaspraxis e das reações concretas, de conformidade comessa ideologia.

Essas considerações não implicam cair numdeterminismo, que atribui às idéias valores absolutos,realizações imediatas; há limites estruturais para taisrealizações, como se tem procurado ressaltar, que dizemrespeito à própria natureza da base sociomaterial, e,inclusive, aos interesses dos atores em agir de acordo comsuas crenças e atitudes, mesmo que haja conhecimentosdisponíveis para a produção de determinadas tecnologiase inovações.

A interferência da ideologia da prática no contextoinstitucional de produção científico-tecnológica pode servista em várias situações. No estudo realizado por Yoxen

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(1981), por exemplo, fica bastante evidente a mútuainfluência entre determinadas ideologias da prática(incluindo princípios e convenções epistemológicas,concepções sobre o objeto de estudo e sobre o papel desua atividade profissional para a sociedade) e os arranjosorganizacionais – sistemas de administração e gerencia-mento da pesquisa científica e tecnológica.

Nesse mesmo estudo, esse autor verifica que oconceito de “programa genético” (componente básico daideologia da prática da Biologia Molecular)

[...] interage com um desenvolvimento da estruturada pesquisa gerenciada, que, por sua vez, é inscritanum sistema dinâmico de poder econômico e político,que tem recentemente forçado uma mudança naBiologia Molecular, da reprogramação da biologia paraa reprogramação da natureza. (YOXEN, 1981, p. 106).

Um outro exemplo da interferência da ideologia daprática no contexto institucional de produção científico-tecnológica pode ser visto na criação do Sistema Coope-rativo de Pesquisa Agropecuário, no País, e da EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aorefletirem toda uma discussão e concepção de como sedeveria organizar e realizar a pesquisa agropecuária nacio-nal, “para dar respostas rápidas e imediatas” aos anseiosde modernização no campo, a partir da década de 1970.

Em resumo, certas concepções dominantes sobredeterminada atividade científico-tecnológica podeminterferir na forma e na disposição dos arranjos organiza-cionais: facilitando ou dificultando novos acordos entre asunidades organizacionais; criando ou estabelecendocondições para o surgimento de novas organizações; emodificando a disponibilidade de recursos humanos efinanceiros.

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Finalmente, a ideologia da prática condiciona,diretamente, atitudes e comportamentos dos pesquisa-dores, no contexto institucional de produção científico-tecnológica, seja na escolha de uma área de pesquisa, deum novo método ou abordagem teórica, seja até mesmonas decisões relativas à divulgação ou à retenção dosresultados de pesquisa. Não obstante, esse conceito nãoesgota a discussão a respeito da problemática da legitima-ção na prática tecnológica contemporânea. Há muitos tiposde alinhamentos retóricos, construções narrativas ereações políticas e ideológicas muito variadas no interiorda sociedade.

.EConclusões

ste trabalho pretendeu no sentido de formular uma teoriapara o processo de geração de tecnologia. A empreitadaé por demais complexa, pela relativamente recentereflexão a respeito da tecnologia e pela própria comple-xidade do fenômeno em tela. O desafio foi enfrentadocom base em ampla diversidade de contribuições,provenientes da Teoria do Conhecimento, da Sociologiada Ciência, da Filosofia da Tecnologia e de todo umconjunto de reflexões provenientes da Economia, daHistória, da Sociologia, da Psicologia, da Antropologia ede muitos campos de investigação a respeito do fenômenotecnológico recente. Nesta discussão, ficou evidente aimportância da filosofia na construção de uma teoria sobrea tecnologia, especialmente aquela que a tem tratado não

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como um “epifenômeno”, um subproduto da reflexãosobre a ciência ou da Epistemologia. Para alguns autoresaqui abordados, a tecnologia tem recebido, ao longo dosanos, um tratamento secundário por parte daquelespreocupados com o conhecimento e a ciência. É tratadacomo algo menor. A razão para esse fato estaria refletidanas características da moderna história intelectual.(SCHARFF; DUSEK, 2006)

Na importante reflexão apresentada por Ihde(2006), esse status secundário atribuído à tecnologia temorigem no próprio pensamento clássico grego eacompanhou toda a moderna tradição dominante dafilosofia, até recentemente. Na contraposição mente/corpoe em sua correspondência ciência/tecnologia, ganha amente, perde o corpo (a matéria); ganha a ciência, perdea tecnologia.

Contudo, na seminal obra de Heidegger (2006), atecnologia precede a ciência, notadamente em sua formamoderna. Nessa linha de argumentação, diz o autor que atécnica moderna só se pôs realmente em marcha quandoconseguiu apoiar-se nas ciências exatas da natureza. Emoutras palavras, a teoria da natureza, proposta pela Físicamoderna, não preparou o caminho para a técnica, maspara a essência da técnica moderna, segundo Heidegger.

Essa importante inversão ontológica atribuída àrelação ciência–tecnologia, considerando a tradiçãodominante da Epistemologia e da Teoria da Ciência, abre,então, espaço para uma nova fase nas discussões arespeito do fenômeno tecnológico e ganha destaque apartir de meados do século passado. Não obstante, aatual revolução científico-tecnológica, que se difunde a

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partir de meados da década de 1970, com avanços degrande impacto em diferentes áreas, como na engenhariagenética, na microeletrônica, na informática e nos novosmateriais, favorecendo mudanças de fundo na organizaçãosocial do conhecimento e na maneira como ele é produzido(um novo modo de produção do conhecimento, segundoo diagnóstico de vários autores), propicia o surgimentode novas abordagens sobre a ciência e sobre a tecnologia,a exemplo do chamado Construtivismo, e de importantescríticas à rigidez da separação entre ciência e política.Nesse sentido, as novas abordagens muito contribuírampara que a tecnologia, ou a tecnociência, como algunspreferem, começasse a se consolidar como um campopróprio de investigação, e não mais como algo meramentesecundário ou menor.

Compreender a complexidade da tecnologia e tratá-la em sua devida singularidade é importante para seformular uma crítica conseqüente do fenômeno tecnológicorecente, evitando-se quaisquer posições ufanistas – comose a tecnologia, sozinha, viesse a resolver todos osproblemas da humanidade (a atitude de tratar a tecnologiacomo uma panacéia) –, bem como toda e qualquer visãoessencial-mente negativa da tecnologia – como um malque precisa ser evitado, posto que leva ao aniquilamentoda liberdade humana, segundo muitas dessas interpre-tações.

Tanto uma posição quanto outra foram rejeitadasna presente reflexão, ao negar um caráter neutro ouautodeterminado para a natureza da tecnologia e de seudesenvolvimento. A esse respeito, a tese defendida foi ada existência de uma multiplicidade de possibilidades parao desenvolvimento científico-tecnológico. Este ocorre

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dentro de um campo de conflitos, de todos os tipos. Istoé, há uma permanente seletividade no processo deimplementação de novas tecnologias, que tende amodificar-se constantemente, de acordo com a conjunturae em razão de fatores sociais, políticos, econômicos,ideológicos e físicos. A esse conjunto de fatores, atribuiu-se a idéia de um conteúdo social presente na tecnologia.Essa é a sua “condição ontológica”, para usar expressãocara a Heidegger (2006), embora, como se procurou frisarao longo do trabalho, assumida com um sentido diversodaquele atribuído por esse autor.

Para Heidegger (2006), a condição ontológica datecnologia deixa pouca margem para a intervençãohumana, para a imprevisibilidade. Há quase umainexorabilidade no curso do desenvolvimento tecnológico,dentro da abordagem heideggeriana, de tal sorte que“somente um deus poderia nos salvar do perigo”.

Embora reconheça que também nesse perigo, nessainevitabilidade, possa residir alguma esperança, talvez napoesia, como nos sugere Heidegger (2006), em sua análisesobre a tecnologia, o aparato de toda essa condiçãoontológica não permite especular sobre muito mais que omero desdobrar do que está oculto, mas sempre presente(contido, não revelado).

Ao contrário, o fenômeno tecnológico, ainda queaconteça dentro de limites estruturais definidos, é algoextremamente complexo e sujeito a direções muitoimprevistas inicialmente, dada a sua multiplicidade depossibilidades (presentes no ambiente tecnológico) e aação de diversos atores (os “seletores”), que disputamentre si, num vasto espaço de mediações sociais einstitucionais, as mais diversas, as inúmeras opções

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tecnológicas, para fazer valer suas escolhas, em detrimentode tantas outras.

O sistema tecnológico – o conjunto formado pelosseletores e suas relações e pela estrutura da práticatecnológica – tende a exercer permanente redução decomplexidade, em face do ambiente tecnológico – oconjunto de todas as possibilidades tecnológicas presentesem dado tempo e lugar –, para viabilizar a produção denovas tecnologias, numa formação social concreta. Alémdisso, o resultado dessa ação sistêmica também interfereno ambiente tecnológico, tornando-o mais complexo, esuscitando, por sua vez, novas ações por parte do sistema(para forçar à redução de novas complexidades), e assimsucessivamente, numa espiral crescente de complexidadee imprevisibilidade. Trata-se, desse modo, de uma pers-pectiva evolucionária para explicar o avanço tecnológico;o que se contrapõe, fortemente, a qualquer visãodeterminística ou que coloque a tecnologia numa situaçãode extrema autonomia, como se verificou, por exemplo,na abordagem de Ellul (2006a, 2006b).

Em suma, o fenômeno tecnológico é algo que ocorredentro de limites estruturais bem definidos, mas aberto anovas possibilidades e sujeito a inúmeros fatores contin-gentes, numa dinâmica em permanente evolução. Dessemodo, a tecnologia não é uma coisa, um produto oumeramente um equipamento, tampouco um conjunto derelações humanas dirigidas a um propósito determinado.A tecnologia consiste numa atividade humana socialmentecondicionada, que reúne um conjunto de meios –instrumentos e procedimentos – para a obtenção de umfim almejado. Seu caráter distintivo é que ela visa,fundamentalmente, ao domínio e ao controle da natureza,seja esta física, seja social. Contudo, não são os meios,

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como tais, que revelam o lado mais dramático da tecno-logia; tampouco os objetivos visados; mas a maneira comoos sujeitos sociais relacionam significativamente meios efins. Em outras palavras, como a experiência humana lida,concretamente, com determinados meios, em busca dosfins almejados.

A ideologia da prática, compreendendo concep-ções, crenças, valores, teorias e abordagens metodológicasde cientistas, técnicos, estudantes, dirigentes de órgãospúblicos e empresários, a respeito da atividade científico-tecnológica na qual eles se envolvem, é um dos elementosimportantes, responsáveis pela legitimação dessaatividade. Nesse sentido, os vários níveis políticos edecisórios que perpassam a prática tecnológica – relativosàs formulações governamentais, à hierarquia institucionale às regras e normas do “campo científico” – necessitamser reconhecidos e legitimados por aqueles agentes e poroutros setores da sociedade.

É bem verdade que os componentes constitutivosda estrutura da prática tecnológica incluem processossociais, embates, conflitos, dominação e legitimações,porém, como se procurou destacar, isso não é auto-evidente, nem dispensa a realização de estudos teóricos eempíricos que procurem verificar a influência demecanismos legitimadores da prática tecnológica.Ademais, não se esteve preocupado com quaisquercrenças, ideologias e relações intersubjetivas que existemnessa prática, mas com aquelas que se consideram as maisfundamentais, que garantam o seu funcionamento, ligadasaos seus princípios teóricos, éticos e sociais.

Na explicação do processo de formação deconsenso na ideologia da prática, e do modo como tais

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consensos atingem a atividade tecnológica, a noção decontexto institucional de produção científico-tecnológicamostrou-se relevante. Este conceito, que não representaum componente integrante da estrutura da práticatecnológica, mas uma outra categoria de análise,compreende uma dimensão interorganizacinal e outra,relativa a atitudes e comportamentos dos pesquisadores.Desse modo, procurou-se destacar uma abordagem maisintegrada para a análise da problemática tecnológica,envolvendo os níveis individual/interpessoal, intra-organiza-cional e interorganizacinal.

As discussões empreendidas procuraram contribuirpara a construção de uma teoria sobre a tecnologia,tratando de aspectos até então pouco explorados, comoa definição de um lugar próprio para a legitimação, numquadro analítico mais abrangente. Também se procurouavançar com a exploração da dimensão intersubjetiva edo agir comunicativo no tratamento da tecnologia.

A esse respeito, buscou-se, na obra de Habermas(1988), a idéia para a análise da relação entre o agircomunicativo e o agir técnico-instrumental – o confrontoentre o nível sistêmico e o do mundo vivido da sociedade,na sua Teoria da Ação Comunicativa. Contudo, o presentetrabalho distanciou-se do Habermas da Teoria da AçãoComunicativa, quando ele atribui um peso excessivo àcaracterística sistêmica da tecnologia, minimizando oudificultando a análise dos conflitos, embates e interaçõesque perpassam a prática tecnológica, em seu todo.

Uma das limitações na abordagem habermasianada tecnologia – de seu caráter meramente instrumental –decorre do fato de o autor citado se concentrar apenas

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no produto ou resultado final da tecnologia – calcado,basicamente, em critérios de eficiência e eficácia. Porém,ao se considerar a tecnologia enquanto uma prática,conforme o entendimento do presente ensaio, outradimensão, mais oculta, é revelada: novos processos erelações aparecem, envolvendo conflitos, questionamentose o agir comunicativo (seja ele espontâneo ou mesmoreflexivo). Uma trama complexa é evidenciada, exemplar-mente no tocante às novas biotecnologias e à biopros-pecção.

A tecnologia tem, sem dúvida, esse caráter sistê-mico e automático, próprio de sua racionalidadeinstrumental. No entanto, inscrevê-la na dimensãosistêmica da sociedade, alijando de sua prática o agircomunicativo (com a idéia de autolegitimação para atecnologia), implica, no extremo, atribuir-lhe um caráterneutro, o de um instrumento com um curso próprio eautodeterminado, meramente uma ferramenta à disposiçãode determinados interesses.

Ao contrário, o próprio conteúdo da tecnologia ésocialmente condicionado e reflete um jogo complicadode disputas e necessidades socioeconômicas. Em suma,ela não apenas contém aspectos quantitativos ou materiais,mas outros, qualitativos, relativos às variáveis sociopo-líticas, que explicam, em última instância, a sua forma e opadrão dominante que assume em diferentes contextoshistóricos.

A dificuldade para se aceitar essa perspectiva deHabermas quanto à tecnologia parece ter origem nopróprio modelo dual que o autor propõe para a análiseda sociedade, dividindo-a, de um lado, em mundo vivido(o lugar das interações espontâneas, das experiências

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partilhadas e da prática argumentativa), e, de outro, emum nível sistêmico, orientado pelo agir instrumental eestratégico. A questão que se coloca, então, é a seguinte:é justificável estabelecer uma classificação tão rígida paraprocessos sociais, enquadrando-os em um ou em outrolado?

Uma resposta defensiva poderia ser: na verdade,Habermas não classifica processos sociais como tais, mascomo regras de conduta, regras de ação social, classi-ficadas segundo o seu objetivo. Entretanto, persiste oquestionamento: essa perspectiva teórica é realmenteviável? Não significa uma excessiva abstração, umaidealização apenas, uma vez que tais regras são colocadasem prática por pessoas que interagem segundo condutasprevisíveis, mas também diante de um contexto que operanum quadro de extrema complexidade, em razão damultiplicidade de fatores contingentes, como bem apontaNiklas Luhmann?

É oportuno mencionar a matriz weberiana deconcepção a respeito da ciência e da política, como esferasdistintas de atuação (a primeira, situando-se no terrenodos meios; e a segunda, no dos fins), a qual subjaz a muitosquadros analíticos, entre os quais a perspectiva teóricade Habermas. Num certo sentido, tal separação poderesultar numa concepção instrumental para a ciência,isentando-a de questões de responsabilidade – umaciência, no extremo, a serviço do poder.

É o entendimento de Marcuse (1982), em suapoderosa crítica aos dois últimos autores, ao diagnosticarque o próprio conceito de técnica utilizado por eles encerraum determinado conteúdo político, que, no caso concreto,constitui-se num compromisso com a dominação

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capitalista. Para Marcuse (1982), a crítica à tecnologiadeveria passar pela crítica à própria sociedade e aomodelo de ciência e tecnologia que preside no capitalismo.Ou seja, para ele, não há saída possível, não háemancipação humana, no quadro de uma ciência e umatecnologia que se fundem com a lógica da expansão e dadominação capitalista. A ciência e a tecnologia seriam,nesse sentido, instrumentos eficazes de controle danatureza e dos indivíduos e grupos sociais.

Na verdade, para Habermas (1988), o resultadoda ciência, ao contrário da tecnologia, é obtido no sentidopopperiano, no espaço da crítica intersubjetiva,ressaltando o agir comunicativo teórico-reflexivo – asverdades científicas são, nesse sentido, socialmenteconstruídas, mediatizadas pela linguagem. Não obstante,ela também encerra um agir técnico-instrumental, relativoaos processos lógicos e cognitivos e às próprias regrasdo método científico – voltadas à eficácia da obtenção deconhecimentos válidos e verdadeiros.

Então, por que não usar da mesma perspectiva paraa tecnologia, que, como se buscou evidenciar no trabalho,envolve relações, conflitos e interações permanentes entreindivíduos e grupos, ou seja, o permanente exercício deuma intersubjetividade, e não o mero agir instrumental,voltado à eficácia? Enfim, ciência e tecnologia têmobjetivos distintos, embora análises mais recentes, comoa do Construtivismo, tendam a fundi-los, na concepção,cada vez mais em voga, da chamada tecnociência.

É fato que a ciência e a tecnologia, bem como osprocessos de inovação, constituem práticas intimamentearticuladas. Entretanto, quer-se destacar a importância de

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se tratarem suas especificidades, o que pode indicarcaminhos promissores para uma crítica conseqüente datecnologia, e suas inúmeras possibilidades e diferentesalternativas, como as chamadas “tecnologias artesanais”,que não necessariamente seguem o ritmo, a lógica e osobjetivos de uma “tecnociência”, ou da racionalidadetécnico-instrumental, levada ao extremo, no contextocontemporâneo.

O foco na problemática da legitimação tem tambéma finalidade de alcançar possibilidades teóricas no embateque se tem observado na literatura, envolvendo o temada ciência e da tecnologia e seus novos desafios nasociedade. É do interior da sociedade, em diferentesgrupos e movimentos (religiosos, ambientalistas,sindicalistas), que deverá emergir o sentido de novaspossibilidades, em busca de maior de participação einserção nos processos decisórios, a respeito dosresultados gerados nos principais laboratórios de pesquisaespalhados pelo mundo.

Ressaltar a complexidade da geração de tecnologiasno mundo contemporâneo foi um dos objetivos centraisdeste ensaio. Há muito mais a explorar na construção deuma conseqüente teoria tecnológica do que o aquirealizado. O exame das várias problemáticas em torno depráticas tecnológicas concretas, como a da pesquisaagropecuária, da bioprospecção ou da investigação naárea de fármacos, também poderá colocar em evidênciaa multiplicidade de interpretações possíveis, de direçõesde análise e de questionamentos. O presente trabalho éapenas mais uma dessas tantas possibilidades.

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.Títulos lançados

1998No 1 – A pesquisa e o problema de pesquisa: quem os determina?Ivan Sergio Freire de Sousa

No 2 – Projeção da demanda regional de grãos no Brasil: 1996 a 2005Yoshihiko Sugai, Antonio Raphael Teixeira Filho, Rita de CássiaMilagres Teixeira Vieira e Antonio Jorge de Oliveira,

1999No 3 – Impacto das cultivares de soja da Embrapa e rentabilidade dosinvestimentos em melhoramentoFábio Afonso de Almeida, Clóvis Terra Wetzel e Antonio Flávio Dias Ávila

2000No 4 – Análise e gestão de sistemas de inovação em organizaçõespúblicas de P&D no agronegócioMaria Lúcia d’Apice Paez

No 5 – Política nacional de C&T e o programa de biotecnologia doMCTRonaldo Mota Sardenberg

No 6 – Populações indígenas e resgate de tradições agrícolasJosé Pereira da Silva

2001No 7 – Seleção de áreas adaptativas ao desenvolvimento agrícola,usando-se algoritmos genéticosJaime Hidehiko Tsuruta, Takashi Hoshi e Yoshihiko Sugai

No 8 – O papel da soja com referência à oferta de alimento e demandaglobalHideki Ozeki, Yoshihiko Sugai e Antonio Raphael Teixeira Filho

No 9 – Agricultura familiar: prioridade da EmbrapaEliseu Alves

No 10 – Classificação e padronização de produtos, com ênfase naagropecuária: uma análise histórico-conceitualIvan Sergio Freire de Sousa

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2002No 11 – A Embrapa e a aqüicultura: demandas e prioridades depesquisaJúlio Ferraz de Queiroz, José Nestor de Paula Lourençoe Paulo Choji Kitamura (eds.)

No 12 – Adição de derivados da mandioca à farinha de trigo: algumasreflexõesCarlos Estevão Leite Cardoso e Augusto Hauber Gameiro

No 13 – Avaliação de impacto social de pesquisa agropecuária: a buscade uma metodologia baseada em indicadoresLevon Yeganiantz e Manoel Moacir Costa Macêdo

No 14 – Qualidade e certificação de produtos agropecuáriosMaria Conceição Peres Young Pessoa, Aderaldo de Souza Silva eCilas Pacheco Camargo

No 15 – Considerações estatísticas sobre a lei dos julgamentoscategóricosGeraldo da Silva e Souza

No 16 – Comércio internacional, Brasil e agronegócioLuiz Jésus d’Ávila Magalhães

2003No 17 – Funções de produção – uma abordagem estatística com o usode modelos de encapsulamento de dadosGeraldo da Silva e Souza

No 18 – Benefícios e estratégias de utilização sustentável da AmazôniaAfonso Celso Candeira Valois

No 19 – Possibilidades de uso de genótipos modificados e seus benefíciosAfonso Celso Candeira Valois

2004No 20 – Impacto de exportação do café na economia do Brasil – análiseda matriz de insumo-produtoYoshihiko Sugai, Antônio R. Teixeira Filho e Elisio Contini

No 21 – Breve história da estatísticaJosé Maria Pompeu Memória

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No 22 – A liberalização econômica da China e sua importância para asexportações do agronegócio brasileiroAntônio Luiz Machado de Moraes

2005No 23 – Projetos de implantação do desenvolvimento sustentável noplano plurianual 2000 a 2003 – análise de gestão e política pública emC&TMarlene de Araújo

2006No 24 – Educação, tecnologia e desenvolvimento rural – relato de umcaso em construçãoElisa Guedes Duarte e Vicente G. F. Guedes

2007No 25 – Qualidade do emprego e condições de vida das famílias dosempregados na agricultura brasileira no período 1992–2004Otávio Valentim Balsadi

No 26 – Sistemas de gestão da qualidade no campoVitor Hugo de Oliveira, Janice Ribeiro Lima, Renata Tieko Nassu,Maria do Socorro Rocha Bastos, Andréia Hansen Oster e Luzia Mariade Souza Oliveira

2008No 27 – Extrativismo, biodiversidade e biopirataria na AmazôniaAlfredo Kingo Oyama Homma

No 28 – A construção das alegações de saúde para alimentos funcionaisAndré Luiz Bianco

No 29 – Algumas reflexões sobre a polêmica agronegócio versusagricultura familiarAna Lúcia E. F. Valente

No 30 – Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmicasociopolítica do campo brasileiroSérgio Sauer

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