meu corpo, meu altar
TRANSCRIPT
Meu corpo, meu altar.
Janeiro 20, 2015 por Dayane
“A igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade
diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa”. Eduardo Galeano
Ver o nascimento do orixá, perceber o desenvolvimento da interação entre filhos e seus
orixás e sentir em minha própria pele uma morada para Oyá me faz perceber na vivência
religiosa atos de amor e devoção onde o divino, o sagrado, não está acima, não está ao
meu lado: ele está em toda parte, inclusive dentro de mim, e faz do meu corpo, do corpo de
todas as filhas de santo uma festa para si e para os que veem a chegada do orixá, a
presença do orixá.
Nosso corpo é um altar e como altar precisa de cuidados e preparo para receber a energia
que levanta nossos poros. É por isso que desde o princípio é o nosso corpo como um todo
que recebe os devidos preparos para ser purificado e facilitar a manifestação e chegada do
orixá. É interessante sentir e presenciar o começo do surgimento dessa relação: as
primeiras dúvidas, os primeiros medos, as primeiras reações ao sentir o desconhecido
palpitando no meio do peito, que com o tempo se tornará mais do que conhecido: se
tornará natural, necessário, amado. O corpo se transforma. Aos poucos, a sensação que
causara algum desconforto por ser desconhecida passa a ser uma sensação de entrega, de
arrebatamento, de encontro com a energia que mais converge com a nossa própria energia
individual. O momento de dar as mãos ao orixá e deixar que ele tome conta do nosso corpo
e dite a sua própria dança, a sua própria história e traga para este mundo tão caótico, tão
cansativo, a suspensão, ainda que momentânea, das dores, dos alvoroços no meio do peito,
das agonias e preocupações tão cotidianas que nós estamos fadados a passar no dia a dia.
O meu corpo é um altar e sentiria falta de Oyá se ela me faltasse. E é para que ela não me
falte que eu cuido dele, é para que ela não me falte que ele é cuidado periodicamente
dentro dos rituais da minha casa, dentro dos nossos preceitos.
Percebo essa questão do corpo (e quando falo corpo também incluo a cabeça) como um
elemento de suma importância desde a entrada da pessoa na religião até o seu processo
contínuo de renovação de axé. E isso pode ser observado para onde os rituais são
direcionados: primeiro se faz as limpezas, os ebós para transferir as energias negativas
para os elementos utilizados e propiciar a abertura para as energias positivas,
posteriormente a isso temos o ritual da lavagem de cabeça (dentro da minha raiz) que já
pegará um corpo limpo para purificar ainda mais o elemento principal nosso: nossa
cabeça, para assim continuar com os rituais que já foram predeterminados pelo jogo. Falo
de maneira bastante superficial dessas etapas, pois cada um tem suas particularidades,
mas já aqui podemos perceber que se o cuidado com o corpo é tão intenso e presente é
porque ele passa a representar algo muito importante a partir do momento que decidimos
nos ligar ao axé. Isso não significa que deverá haver algum tipo de celibato ou resguardo
eterno, pois o corpo não é culpa, é também nosso e serve para nos propiciar prazer
também. A alegria de viver está também dentro disso.
Quando falo do corpo espero que compreendam que não falo somente da parte física,
material da questão. Quando atento para a importância do corpo não é só para o fato de
que ele esteja “limpo” nos momentos em que deve estar. Falo do corpo como um elo, como
um elemento que foi transformado num elo e é partir dele que estabelecemos o nosso
contato, a nossa conexão com o orixá não somente através da manifestação, mas do
pensamento, da reza, da fala, da conversa… Tudo isso gira em torno do nosso corpo, sai
de nós.
Noto que há uma necessidade, uma busca incessante de conhecimento (e isso é muito bom),
mas noto também que há uma falta de responsabilidade individual enorme entre adeptos e
adeptas da religião. A minha ligação mais importante é com Oyá! Não é somente com a
minha casa, não é somente com a minha mãe de santo. Se nós duas estamos bem, tudo fica
bem, se não estamos outros tantos problemas surgirão. Nossos principais rituais visam a
construção e fortalecimento desta ligação, mas se não nos comprometemos
individualmente na hora do silêncio, na hora em que estamos sozinhos em recolhimento ou
em reza essa ligação não criará essência e não vai ser somente tempo de feitura que nos
fará construir isso. O cuidado é contínuo.
Axé,
Dayane de Oyá