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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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METROPOLIZAÇÃO DO CONSUMO E TRANSFORMAÇÕES DO COMÉRCIO: UMA ANÁLISE DOS NOVOS ESPAÇOS VAREJISTAS
DE MARACANAÚ.
RAFAEL BRITO GOMES1
Resumo: Este trabalho pretende discutir a metropolização de Fortaleza a partir da difusão do
consumo no seu entorno metropolitano. Nosso recorte é o município de Maracanaú, que está integrado à Região Metropolitana de Fortaleza. A partir da década de 1990, dinâmicas na escala nacional atingem as cidades brasileiras, especificamente as suas periferias, com a reestruturação do comércio varejista e as políticas de redistribuição de renda. Nesse contexto, Maracanaú, como periferia urbana da metrópole, torna-se espaço interessante para as empresas comerciais até então restritas na capital. Nesse sentido, procuramos apreender essas dinâmicas como produto e condição da metropolização, pela via do consumo. Nosso recorte, nesse sentido, tornou-se mais integrado à metrópole como um de seus espaços de consumo: e reproduz Fortaleza, cada vez mais, como metrópole multicêntrica. Palavras-chave: Metropolização; Consumo; Comércio varejista; Maracanaú.
Abstract: This paper discusses the metropolization of Fortaleza based the consumption diffusion in
the metropolitan. Our area of study is Maracanaú, county integrated into the Metropolitan Region of Fortaleza. From the 1990s, dynamic in national scale affect the Brazilian cities, specifically their peripheries, with restructuring of the retail trade and the income redistribution policies. In this context, Maracanaú, as urban outskirt of the metropolis, it is interesting space for commercial enterprises hitherto restricted in the capital. In that sense, we seek to grasp these dynamics as a product and condition of the metropolization, by way of consumption. Our area of study in this sense has become more integrated to city as one of its pole of consumption: Fortaleza is completed, increasingly, as multicentric metropolis.
Key-words: Metropolization; Consumption; Retail trade; Maracanaú.
1 – Introdução
Este artigo procura entender a transformação do comércio e do consumo na
Região Metropolitana de Fortaleza como produto da metropolização. Este objetivo
de estudo partiu da inquietação sobre fenômenos que indicam reconfiguração da
estrutura monocêntrica da metrópole cearense. Diante disso, nosso recorte de
análise é Maracanaú, um município que se constituiu parte da Região Metropolitana
de Fortaleza (RMF) como sua periferia urbana conurbada, mas, atualmente, possui
formas e conteúdos que eram presentes somente nas centralidades da metrópole.
1 – Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-
mail de contato: [email protected]
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Instituída em 1973, a RMF é um conjunto de municípios dependentes do polo
metropolitano, tem caráter monocêntrico e estrutura radio-concêntrica (PEQUENO,
2009), devido à forte centralização do trabalho, do consumo e da gestão. Maracanaú
é um dos primeiros espaços a consolidar estruturas mais “desconcentradas” da
RMF, quando, na década de 1980, o número de empresas do primeiro “Distrito
Industrial de Fortaleza” (DIF I) (instalado no município em 1966) foi ampliado, e com
a instalação de seis conjuntos habitacionais (COHAB), como política de
“desfavelização” da capital. Portanto, com a elevada composição orgânica de capital
das indústrias do DIF I e a pouca qualificação da população dos COHABs, grande
parte dos moradores foi obrigada a “vender” sua força de trabalho em Fortaleza, o
que consolidou movimentos pendulares. Maracanaú materializa-se parcela pobre e
produto da expansão urbana de Fortaleza (SILVA, 2005).
No contexto das transformações econômicas e sociais no Brasil nos últimos
vinte anos, foi possível a inserção da classe trabalhadora no consumo de massa. Tal
processo ocorre a partir da década de 1990, diante das políticas econômicas e
algumas de impacto social, que favoreceram o crescimento do consumo dos
trabalhadores. Nesse contexto, o espaço não se constitui palco e se impõe como
produto e condição, pois essa classe recém-inserida no consumo de massa se
concentrou, historicamente, nas periferias das metrópoles brasileiras.
Nosso objetivo de pesquisa, diante disso, foi entender essas transformações
das periferias metropolitanas, cada vez mais cooptadas pelo capital que organiza e
racionaliza espacialidades para acumular. Nesse sentido, empresas comerciais
capitalistas se instalam nessas periferias e não só generalizam suas formas e
conteúdos, mas também participam na reprodução da própria metrópole. Para isso,
foi importante entender essas dinâmicas a partir da metropolização.
Como processo entendido à luz da geografia, tomamos como base teórica
Sandra Lencioni. A autora compreende a metropolização um processo de difusão do
capital no espaço que, com isso, possui cada vez mais congruências às dinâmicas
comuns e geridas pela metrópole (LENCIONI, 2006b). A metrópole, por sua vez, é a
cidade constituída pela sua condição de lócus da produção da modernização, ou
seja, são nas mesmas que se dispersam informações, a gestão sobre os territórios e
as inovações consubstanciadas pela globalização.
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Nessa perspectiva de análise do espaço – para entender a metropolização –
delimitamos a pesquisa empírica na dimensão do comércio como materialidade do
consumo, especificamente aquele que reproduz o capital. Compreendido como
satisfação do corpo (biológico) e do espírito (racional) do homem, o consumo é um
conceito social. Mas à medida que o homem é imergido cada vez mais no império da
valorização dos objetos (BAUDRILLARD, 1995), se reproduz a partir de ideias gerais
pré-concebidas (LEFEBVRE, 1991), onde os objetos tem o poder de determinação
dos modos de consumo (MARX, 1974).
Ao ser confundido somente como meio de satisfação do hedonismo em si
(BAUMAN, 2001), o consumo não pode ser entendido como um fim da produção. O
que ocorre é o inverso e há, cada vez mais, uma “substituição” do consumo como
reprodução do trabalhador para aquele que serve unicamente à reprodução do
capital. Há uma relação social do consumo.
É nesta perspectiva que encontramos nossa orientação teórico-metodológica
para analisar, empiricamente, o consumo e a metropolização. Buscamos questionar
por que Maracanaú, que consolidou o comércio como materialidade do consumo de
reprodução do trabalhador, se insere no contexto metropolitano, quando o capital
comercial transforma os modos de consumir a partir das demandas das empresas.
Essa pergunta permitiu o desenvolvimento de hipóteses e orientou na
elaboração dos procedimentos metodológicos que foi a seleção das leituras e dos
referenciais teóricos; na compreensão do objeto no campo (análise espacial e
entrevistas); na interpretação dos dados das instituições consultadas; e na
elaboração de nossas representações cartográficas.
Como base metodológica, recorremos a Mark Gottdiener para entender as
escalas que constituem o espaço como produto e condição da metropolização pela
via do consumo. O autor entende o espaço como a “complexa articulação entre
estrutura e ação, que está sempre em movimento” (GOTTDIENER, 2010, p. 200). A
estrutura se constitui nas dinâmicas da sociedade capitalista construídas
historicamente em escalas mais amplas (nacional e global), onde as verticalidades
se impõem na racionalidade e disciplinamento do espaço (SANTOS, 2012). Já as
ações compreendem os movimentos de agentes oriundos e instituídos nas
horizontalidades (locais ou regionais) de articulações epifenômenos.
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Nessa perspectiva, a metropolização pode ser mais bem compreendida como
processo transescalar, quando é produto da constituição estrutural do consumo no
Brasil, e resultante das transformações do seu contexto social e econômico. Já as
espacialidades comerciais modernas, ao serem “transbordadas” para a Região
Metropolitana, consolida nas periferias o “consumo capitalista”, a partir de formas
comerciais sofisticadas, como o shopping center, e de redes de filiais de empresas
nacionais e internacionais, anteriormente concentradas somente na metrópole.
Maracanaú, nesse sentido, materializa espacialmente essas dinâmicas pela
sua maior integração com a metrópole e por ser uma periferia densa que, cada vez
mais, se torna uma nova demanda de consumo almejada pelo capital comercial.
2. A dimensão estrutural da metropolização do consumo.
A metropolização ganha importância no debate acadêmico por que não se
resumir, como antes, às explicações da expansão morfológica das metrópoles. A
forma ainda é importante, pois auxilia nas descobertas de determinadas dinâmicas
atuais, mas sozinha não é suficiente para entender a natureza do processo.
Na dimensão do consumo e metropolização, a materialidade do seu
amálgama – as formas comerciais – é produto de verticalidades incorporadas, mas
também é “contingencia” de horizontalidades. Portanto, a perspectiva de análise do
espaço de Gottdiener (2010) é pertinente, pois o autor o entende como um conjunto
indissociável de estruturas e ações.
No Brasil, a metropolização e o consumo podem ser discutidos a partir dos
resultados da reestruturação do comércio na década de 1990, que afetou a atividade
varejista brasileira, e das políticas de maior redistribuição de renda, que culminaram
na generalização do acesso das “massas” ao consumo – ou seja, dos trabalhadores.
Em relação à reestruturação das empresas comerciais, as formas de
comercialização se configuraram, a partir da década de 1990, cada vez mais como
produto das demandas empresariais de reprodução do capital, aos moldes mais
globais. É, sobretudo, resultado de uma concentração “financeira, que permite o
aparecimento de grandes grupos na distribuição” (BARATA-SALGUEIRO, 1992, p.
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709), e estas são também influenciadas pela sua especialização em um setor
comercial varejista e pelo o aumento da concorrência. Tal fato tem relação com a
entrada de empresas transnacionais varejistas no Brasil, principalmente dos EUA.
A modernização da atividade comercial, no entanto, deveria ser
acompanhada, também, da generalização do padrão de consumo, na medida em
que o consumo de massa, que possibilita a ampliação da produção, só é realizado
quando bens e serviços são barateados e postos à disposição das massas.
Pochmann (2014) destaca que a generalização do consumo de massa foi possível
pelo processo de abertura política, produtiva, comercial e laboral; pela diminuição
das barreiras de acesso ao crédito junto aos bancos para o consumo unitário; e pelo
barateamento dos valores dos produtos a partir de políticas de controle de inflação.
Acrescentamos, ainda, as políticas do Governo Federal de acesso ao
consumo, a partir de programas sociais de repasse de renda, como o Programa
“Bolsa Família”, implantado em 2003. Em 2013, o programa repassou para as
famílias consideradas pobres cerca de R$ 24,8 bilhões. O comércio varejista, sem
dúvida, foi um setor bastante beneficiado, pois o objetivo do programa era facilitar o
acesso ao consumo das famílias pobres e, com isso, ampliar as taxas de
crescimento econômico com a dinamização do circuito produtivo e de consumo.
É nesse sentido que podemos falar da metropolização, pela via do consumo,
a partir de uma escala estrutural do espaço. As mudanças nas formas comerciais,
como materialidade do consumo, são expressões espaciais das generalidades e
particulares da sociedade, e, desse modo, suas atuais configurações permitem
entender que os conteúdos e as formas dos comércios empreendem maneiras de
consumir. Certamente tais maneiras são oriundas de regras predeterminadas pelas
empresas como meios de manutenção dos lucros.
Nesse sentido, a inserção da classe trabalhadora no consumo de massa, a
partir do começo da década de 2000, será no Brasil um determinante de um “novo”
urbanismo da metrópole. Esta, historicamente “explodida” em periferias – resultado
da sua urbanização –, passou a desconcentrar suas centralidades. Ora, esse
fenômeno é coerente na medida em que a grande massa de trabalhadores, até
então com parcas condições de acesso ao consumo, estão concentrados nessas
áreas urbanas afastadas, empobrecidas e pouco assistidas pelo Estado.
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As periferias, na verdade, se configura em um novo mercado consumidor a
ser cooptado pelo capital comercial. Nesse sentido, atrelado às novas configurações
empresariais “globalizadas” que desejam somente acumular capital, deve-se
compreender as formas comerciais como materialidade do consumo, e sua
expansão como metropolização. Ora, são formas/conteúdos resultantes da
modernização e das estruturas concernentes à metrópole, ou seja, empresas
imbuídas de estratégias competitivas de acumulação e da financeirização das
formas de consumo, onde crédito é cada vez mais comum.
A metropolização, pela via do consumo, é a síntese da estruturação,
desestruturação e reestruturação de espaços para ampliação do capital, a partir do
consumo reproduzido em comércios “geridos” na/pela metrópole.
3 – Espacialidades e transformações do comércio de Maracanaú.
Na dimensão de uma escala mais próxima (horizontal), a metropolização e
consumo, encontram sua concretude espacial na estrutura da metrópole e seu
entorno, que são considerados conjuntamente a região metropolitana. Segundo José
Borzacchiello (2005), este recorte espacial é caracterizado por um grupo de
municípios com “elevada taxa de urbanização, agrupados na forma da lei para
integração e organização do planejamento e execução de funções com interesses
comuns metropolitanos [...]” (SILVA, 2005, p. 105). A essência da inserção de
espaços urbanos no contexto metropolitano está no conteúdo imposto pela
metrópole e na intensidade das suas relações cotidianas com a mesma, que
suplantam, ou diminuem as “tradicionais” relações periferia-centro.
No Brasil o entorno metropolitano foi, historicamente, constituído por periferias
pobres, mas fortemente integradas aos Centros antigos e locais de trabalho – o que
consolidaram movimentos populacionais pendulares. A periferia é entendida como
produção desigual da cidade, onde sua estruturação é função da parca
acessibilidade que, de modo geral, depende das possibilidades reais (infraestrutura
e condições sociais) e virtuais (renda e cultura) de apropriação e mobilidade na
cidade (SANTOS, 2008).
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Na perspectiva das espacialidades do comércio, as poucas possibilidades de
acessibilidade das/nas periferias caracterizam essa atividade e o consumo como
resultado das necessidades dos trabalhadores. A distância social e física das
periferias, em relação aos locais onde o consumo pode se realizar “plenamente” (ou
seja, nas centralidades da metrópole), contribuiu para uma “ambiência” nesses
lugares de comércio da “escassez”. Portanto, o varejo é estruturado com o mais
básico para suprir as necessidades dos trabalhadores e reproduz também a própria
periferia. Dessa forma, as atividades têm função social semelhante a, muitas vezes,
um “serviço” que procura prover o trabalhador com bens necessários a sua vida, na
medida em que é fácil mudar a natureza da tipologia comercial quando é perceptível
o surgimento de novas demandas e o “esquecimento”, ou desvalorização, de outras.
Nesse sentido, uma das estratégias adotadas por aqueles que optam
trabalhar no comércio é o aproveitamento das oportunidades de obter renda frente
às dificuldades do acesso ao consumo. O proprietário, geralmente, visualiza essa
condição social como uma demanda que poderá gerar possíveis “prosperidades”.
Quatro variáveis são essenciais para entender a instalação do comércio de
periferia: a escassez do bem ou serviço; os recursos para instalação e adequação
do espaço para o comércio; as possibilidades de custo quase nulos de transportes
para reabastecimento; e o meios menos custosos para divulgação do negócio.
Portanto, as tipologias em açougues, padarias e bodegas 2, assim como os serviços
de cabeleireiros, locadoras (DVDs e jogos eletrônicos) e oficinas automotivas, nada
mais são que resultados das diferentes “escassezes” na periferia.
No entanto, no contexto da periferia brasileira, a partir da década de 2000, há
um processo de inserção da sua população no consumo de massa. Na escala
metropolitana de Fortaleza, Maracanaú é o espaço que materializa esse processo.
3. 1 – O comércio moderno: materialidade da metropolização do consumo
Na metade da década de 2000, as empresas comerciais voltadas para o
consumo de massa e das periferias de Fortaleza, que até então se concentravam no
seu Centro antigo, decidiram instalar suas filiais em áreas mais afastadas das suas
2 Nome comum das mercearias instaladas nas periferias das cidades nordestinas (DINIZ, 2011).
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centralidades. Tal decisão é produto de estratégias empresariais competitivas de
aproximação aos seus mercados consumidores e, também, para cooptar essa
camada social recém-inserida no consumo de massa. Para ilustrar essa condição de
inserção social, dados mostram que 80% da população de Maracanaú foi
beneficiada pelo programa “Bolsa família” em 2007 (LIMA, 2008).
No contexto das periferias, onde são limitadas as condições de acessibilidade
da maioria dos trabalhadores, a integração à metrópole para consumir era possível
pelos transportes coletivos. Portanto, as vias de acesso aos ônibus metropolitanos
tornaram-se as mais movimentadas – devido à mobilidade pendular diária – e, logo,
eram mais propícias para instalação do comércio. Desse modo, a localização das
primeiras lojas de empresas capitalistas em Maracanaú se deu nessas vias de maior
concentração de comércio local e de melhor acessibilidade, pois nesses pontos
eram maiores as chances de obter os lucros com vendas contínuas. É no movimento
de troca constante que há participação do capitalista comercial na aquisição da
mais-valia, quando ele “facilita” a circulação das mercadorias (HARVEY, 2014).
No caso das periferias, como a frequência do consumo unitário ainda é baixa,
um comércio capitalista deve vender ao maior número de pessoas – diferente do
comércio de luxo, por exemplo, que lucra pelo alto valor agregado das mercadorias
e, por isso, se mantém ainda com vendas reduzidas (SANTOS, 2008). Nesse
sentido, a localização é importante por que é função da acessibilidade ao maior
número de clientes na escala dos bairros da periferia mais integrados entre si.
A primeira aglomeração do comércio “moderno” se deu na Avenida Mendel
Steinbruch (trecho de Maracanaú da rodovia CE-060), pelo fato de ser o principal
acesso para Fortaleza – que influenciou a predominância de oficinas e lojas de
peças automotivas – e pela instalação da CEASA-CE (em 1972) – que atraiu o
comércio atacadista de abastecimento do pequeno varejo local. Portanto, esse eixo
tornou-se uma localização comercial de “caráter mais regional” (VILLAÇA, 2001).
Já o Conjunto Habitacional Jereissati I foi outra aglomeração comercial de
grande importância, mas de um “caráter mais urbano” (LEFEBVRE, 2001), devido ao
perfil predominante de comércio varejista; à sua condição de COHAB com maior
densidade populacional do município (concentrava em 2000 cerca de 30% da
população); a condição de bairro mais acessível – pelo maior número de rotas de
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transporte coletivo do município; e por localizar a maioria das estruturas de gestão
municipal – que centraliza movimentos de pessoas. Portanto, é a aglomeração com
maior quantidade de comércio registrado na Prefeitura de Maracanaú (500
estabelecimentos) e o mais diverso, pois concentra cerca 105 tipologias varejistas.
Na dimensão dos dados, consideramos a variedade mais importante do que a
quantidade, pois, geralmente, é o que define o retorno de consumidores aos centros
comerciais, na medida em que a chance de encontrar o produto desejado é maior.
Sobre sua natureza capitalista, o comércio moderno foi identificado no campo
a partir das seguintes categorias (que não pode excluir a primeira): (1) capital de
origem externa ao município – logo, atrelado às escalas de mercado, ou seja, pouco
voltado somente às demandas de consumo do trabalhador; (2) a organização interna
racional; (3) funciona em rede com mais de uma filial; (4) atua, pelo menos, na
escala da RMF; (5) possui, pelo menos, um funcionário e gerente – noção de
trabalho racionalizado e hierárquico.
Entre suas 97 lojas de 85 empresas de origem externa a Maracanaú,
destacam-se os setores de confecções (20%), eletrodomésticos (15,5%), alimentos
(14%) e óticas (11%). 51% dessas lojas estão localizadas no único Shopping center
de Maracanaú, e 48,5% são lojas de rua. Predominam empresas de atuação na
escala nacional, com 29% de participação, mas também se destacam aquelas de
atuação na RMF (23%) e no Nordeste (21%).
O contexto metropolitano, representado no mapa 01, indica as relações de
organização das unidades de gestão (matriz), centros de distribuição, filiais e
franquias. Fortaleza concentra 42 centros de gestão (49%), as metrópoles de São
Paulo e Rio de Janeiro participam, respectivamente, com 18% e 6%. É visível a
importância do Centro de Fortaleza na gestão do comércio moderno de Maracanaú,
pois concentra 21 sedes (48,8%) das 42 empresas da capital.
Podemos dizer que há um processo de expansão das redes varejistas na
RMF a partir do comércio concentrado, anteriormente, no Centro e que também é
atuante na escala nacional, ou seja, Maracanaú possui um varejo capitalista também
multiescalar. Para Reis (2006) a relação da localização dispersa do comércio é
congruente com concentração administrativa dos grandes capitais, quando ocorre a
racionalização e o planejamento das estratégias para ampliação dos negócios.
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Mapa 01 – Interações espaciais do comércio moderno de Maracanaú (2014).
Fonte dos dados: Pesquisa direta, 2014. Organização: autor.
No contexto do Jereissati I, que concentra 18,5% do comércio total e 85% (85
empresas) do comércio moderno, a aglomeração se deu na Avenida V e no
shopping center, localizado também nessa mesma via. Na verdade, o que
transformou essa avenida na principal centralidade de Maracanaú foi a instalação do
shopping center em 2003, sob iniciativa do prefeito Júlio César (gestão 1997/2004).
Este prefeito contratou um escritório de arquitetura para elaboração do design do
empreendimento, e uma empresa de pesquisa de mercado para identificar, junto aos
moradores locais, quais lojas eles mais acessavam em Fortaleza. Tais trabalhos
culminaram no plano de diversidade das lojas (tenant mix), e, desse modo, o
shopping center foi resultado mais de uma política pública de desconcentração, do
que uma estratégia de empresas privadas em um primeiro contexto. No entanto,
pelo o seu significado, poder estruturante da cidade e de “valorização” da
localização, o mesmo atraiu comércio para seu entorno e encareceu o preço do solo.
Pintaudi (2008) destaca que as formas comerciais são produtos das
transformações do espaço urbano, e que procuram atender, cada vez mais, às
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demandas do capital. Nesse sentido, a forma comercial é função da ação contínua
da realização da troca capitalista, mas como mediação da produção/consumo
determinados pelas estratégias e demandas das empresas.
Podemos dizer que as principais estratégias das empresas para acumular
capital, com a modificação do consumo, são: “visibilidade” da loja no contexto de
aglomeração comercial, conseguida a partir da criação de promoções (como ação) e
a padronização da sua fisionomia (como objeto) – isso ocorre como “soma das
imagens que o consumidor tem do varejista e de seu produto, mesmo a distância”
(VARGAS, 2001, p. 310); instalação na aglomeração comercial de mais de uma
unidade da mesma empresa, como aproveitamento do descompasso dos horários
de funcionamento do comércio de rua e do shopping center, e das diferentes
concepções que os consumidores possuem desses dois formatos comerciais – as
lojas de ruas vendem produtos mais baratos, e o shopping center é amálgama do
consumo, lazer e prestígio; e, por fim, o aproveitamento (e participação) da
construção de uma centralidade comercial a partir da articulação do Jereissati I com
outros bairros mais distantes da periferia – a partir da “integração” pelos transportes.
A metropolização, pela via do consumo, é um processo que reinsere as
periferias (física e social) na dinâmica da metrópole, e não é mais um movimento
somente de integração pela subserviência da periferia (Maracanaú) ao Centro
(Fortaleza), ou seja, é também uma participação direta na reprodução da metrópole.
Ora, Maracanaú é um recorte que, pela aglomeração de comércios até então mais
“raros” no contexto de periferia, tem uma nova centralidade que também polariza
outras parcelas da RMF. Moradores – maioria de trabalhadores – dos municípios
Maranguape, Pacatuba e bairros de Fortaleza próximos e vizinhos à Maracanaú
identificam o Jereissati I como uma de suas centralidades de consumo e trabalho.
A condição urbana primaz de Fortaleza ainda permanece, mas há diminuição
– não suplantação – da sua condição monocêntrica. Portanto, a metropolização e o
consumo, em síntese, são essa forma capitalista de reprodução ampliada – física e
ideológica – da metrópole a partir da desconcentração de formas comerciais
modernas e da difusão do conteúdo do consumo de reprodução do capital.
Maracanaú se constitui em um espaço que reproduz a metrópole multicêntrica.
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