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A26 DOMINGO, 22 DE SETEMBRO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO Metrópole Cracolândia De palhaço, médico combate a droga no centro de SP. Pág. A36 Brejo Alegre é a cidade com a maior taxa de analfabetismo: 12,3% São Paulo está entre as cidades com maior IDH: 0,81 Conheça detalhes dos mais de mil quilômetros percorridos pelo Rio Tietê DA NASCENTE À FOZ 2020 2010 2000 1990 2007 1992 2004 2012 2016 2010 1998 2018 Duas décadas de esperança As obras da primeira e da segunda fase do programa de despoluição do Rio Tietê já custaram US$ 1,6 bilhão ao governo do Estado desde 1992. A terceira etapa do programa custará mais US$ 2 bilhões, totalizando um investimento de US$ 3,6 bilhões até 2016 EM 1992 , O GOVERNADOR LUIZ ANTÔNIO FLEURY FILHO DECLAROU QUE O TIETÊ ESTARIA LIMPO EM 15 ANOS EM 1998, NO FIM DA 1ª ETAPA, A PROMESSA ERA QUE O TIETÊ ESTARIA LIMPO NA CAPITAL EM 2018 EM 2004, O SECRETÁRIO MAURO ARCE DISSE QUE O TIETÊ PODERIA VOLTAR A TER PEIXES NO TRECHO QUE CORTA SÃO PAULO ATÉ 2010 O GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN ANUNCIA QUE, EM 2016, O RIO NÃO TERÁ MAIS CHEIRO RUIM E SERÁ POSSÍVEL FAZER PASSEIOS DE BARCO, COMO ACONTECE EM PARIS TRÊS IRMÃOS (EM PEREIRA BARRETO) NOVA AVANHANDAVA (EM BURITAMA) PROMISSÃO (EM UBARANA) IBITINGA (EM IBITINGA) BARIRI (EM BORACEIA) BARRA BONITA (EM BARRA BONITA) PORTO GÓES (EM SALTO) RASGO (EM PIRAPORA DO BOM JESUS) SP MS PR MG Salesópolis São Paulo RIO TIETÊ Itapura QUALIDADE DA ÁGUA: ÓTIMA BOA RAZOÁVEL RUIM PÉSSIMA Usinas hidroelétricas Curiosidades sobre alguns municípios banhados pelo rio FOZ DO RIO NASCENTE DO RIO Jaú é a cidade com maior esperança de vida: 78,1 anos Ubarana é a cidade menos desigual. Índice de Gini: 0,35 Santana do Parnaíba é a cidade com maior renda per capita: R$ 1.859 Piracicaba é a cidade com menor taxa de analfabetismo: 3,2% INFOGRÁFICO: RUBENS PAIVA/ESTADÃO FONTE: ESTADÃO DADOS E SABESP SENTIDO DO RIO José Roberto de Toledo Lucas de Abreu Maia Rodrigo Burgarelli Comparado ao tamanho dos rios amazônicos, o Tietê é um regato. Nas estatísticas, po- rém, é uma catarata de super- lativos. Estudo inédito do Es- tadão Dados mostra que o Tietê e seus afluentes for- mam a bacia hidrográfica mais populosa, mais rica e mais poluída do Brasil. É tam- bém a de maior desenvolvi- mento humano do País. A produção da bacia do Tietê soma R$ 1 trilhão por ano. A ca- da R$ 4 do PIB brasileiro em 2010, R$ 1 saiu do entorno do rio e de seus tributários. Às suas margens ou perto delas moram 30 milhões de pessoas, a maior população ribeirinha do País, com médias de 10,6 anos de es- tudo e 75,3 anos de vida. O Rio Tietê – cujo dia é come- morado hoje – nasce acima dos mil metros de altitude, nas en- costas da Serra do Mar, em Sale- sópolis, a leste da capital. Corre 1.136 quilômetros para o inte- rior, por 73 municípios paulis- tas. Deságua no Rio Paraná, en- tre Itapura e Castilhos, 300 me- tros acima do nível do mar. São apenas 740 metros de desnível da nascente à foz, ou 1 metro de declive a cada quilômetro e meio de percurso, em média. Mesmo assim, as quedas do Tietê são famosas desde antes dos bandeirantes. Uma das maiores cachoeiras era chama- da pelos índios de utu-guaçu, ou salto grande. Acabou por ba- tizar as cidades de Itu e Salto. Para fugir desse trecho inicial tortuoso e cheio de corredeiras, a navegação rio abaixo entre os séculos 18 e 19 começava em Araritaguaba, atual Porto Feliz, com destino às minas de ouro de Cuiabá. Por só poderem ser feitas em parte do ano, no perío- do de cheia do rio, as expedi- ções eram chamadas de mon- ções – como as navegações por- tuguesas pelo Índico. As longas canoas eram escava- das em enormes troncos derru- bados ao longo das margens do rio e seus afluentes, como o Pira- cicaba. Escavadas na madeira maciça, levavam mantimentos, ferramentas e escravos para as minas, e traziam ouro. Hoje, a hidrovia Tietê-Paraná percorre 2,6 mil quilômetros e transporta 6 milhões de tonela- das de cargas anualmente, en- tre insumos e grãos. Um com- boio de seis barcaças carrega- das tira 210 carretas das estra- das, gastando um quarto do combustível e emitindo um ter- ço da quantidade de carbono. Na época das monções, as ca- noas demoravam semanas ou até meses para chegar ao Para- ná. Entre outros motivos, por- que tinham de ser carregadas por terra em varadouros como o do traiçoeiro salto do Ava- nhandava. O salto foi inundado nos anos 1980 pelo reservatório da usina de Nova Avanhandava. Nenhum acidente natural re- siste no trecho entre Conchas e a foz. Foi construída mais de uma dezena de barragens ao lon- go do maior rio paulista, para aproveitamento hidrelétrico. Em seu curso, o Tietê gera até 2 mil megawatts de energia. Em Pereira Barreto, a cerca de 50 km da desembocadura, um canal desvia parte do Tietê para o Rio São José dos Doura- dos, que corre paralelo e na mes- ma direção. As águas canaliza- das ao norte ajudam a girar as turbinas da hidrelétrica de Ilha Solteira, no Rio Paraná. Desenvolvimento. O rio foi de- terminante na fundação da maior cidade do hemisfério sul e na ocupação do território ao seu redor. Nas últimas décadas o desenvolvimento se estendeu do alto ao baixo Tietê. O IDH na sua bacia é 14% maior do que a média do Brasil. Porque a esperança de vida ao nascer é também mais alta: 75,3 anos. É bem diferente de 100 anos atrás, quando as margens e várzeas do Tietê eram evita- das pela população temerosa das enchentes e de doenças co- mo a malária. Na educação, a expectativa de anos de estudo na bacia do rio é 11% maior do que a média brasileira (9,5 anos). A desigual- dade de renda é menor do que no resto do País. O índice de Gi- ni ao longo do Tietê varia de 0,33 a 0,67 (quanto mais próxi- mo de 1, mais desigual), mas, na média, esse valor é de apenas 0,44 – ou 27% menor do que a média do Brasil. O desenvolvimento econômi- co e demográfico custou caro ao rio. A qualidade de suas águas, cristalinas em Salesópo- lis, torna-se apenas “boa” em Biritiba-Mirim, “razoável” em Mogi das Cruzes e “ruim” em Itaquaquecetuba. Na confluência com o Rio Ari- canduva, já em São Paulo, fica “péssima”, e segue assim por mais 200 quilômetros, até o de- semboque do Sorocaba, em La- ranjal Paulista. A seguir vêm mais 130 quilômetros de água ruim. Ela só volta a ficar boa em Barra Bonita. A degradação se deve ao des- pejo de efluentes industriais e de 595 bilhões de litros de esgo- to doméstico não tratado todo anonorio–40%dototaldoBra- sil. Só a capital é responsável por jogar 750 milhões de litros de esgoto em estado puro no Tietê diariamente. Apesar disso, na maior parte de seu curso, o Tietê tem águas de boa qualidade. Em Araçatu- ba, ela vai parar nas torneiras. Em Penápolis, abriga clubes de pesca de pacus e tucunarés. Nos últimos 30 quilômetros antes de chegar à foz, no Rio Pa- raná, as águas do Tietê voltam a ter a mesma excelência dos pri- meiros 40 quilômetros de seu curso. Com pouca ajuda, o rio mais poluído do Brasil se recu- pera e termina tão limpo quan- to começou. Rio mais poluído do País, T ietê é também o mais rico e populoso Nova fase de projeto de despoluição atrasa 6 meses à espera de verba NA WEB metros seria a altura do alagamento caso todo o esgoto não tratado jogado no Tietê ao longo de um ano fosse despejado no centro expandido de São Paulo, uma área de 150 km 2 . Imagens. Veja galeria de fotos do Rio Tietê 4 www.estadao.com.br NILTON FUKUDA/ESTADÃO RETRATOS DO BRASI L Poluição cruza mais de 100 quilômetros do Estado, pág. A27 } Bacia abrange 323 municípios, que produzem R$ 1 trilhão por ano, abrigam 30 milhões de pessoas e têm o maior IDH médio do País; no entanto, essas cidades também despejam 595 bilhões de litros de esgoto não tratado por ano em suas águas, 40% do total do Brasil Salesópolis. Límpido nos primeiros 40 km e nos últimos 30 km, bem diferente da capital Prevista inicialmente para terminar em 2015, a terceira etapa do Projeto Tietê deverá ser concluída apenas no ano seguinte, por causa do atraso de seis meses na liberação do financiamento. Para manter a meta de universalizar o tra- tamento de esgoto no rio até 2020, a quarta e última fase será antecipada e deve come- çar já no ano que vem. “Os recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvi- mento) sofreram atraso e tive- mos de encavalar as etapas”, diz Carlos Eduardo Carrela, superintendente de projetos da Companhia de Saneamen- to Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que é respon- sável pela despoluição do Rio Tietê. Outra alteração é o valor total da terceira etapa, que prevê au- mentar a coleta de esgoto em 300% e ampliar a quantidade de estações de tratamento de duas para cinco. Por causa de mudan- ças no projeto, o investimento nessa fase saltou de US$ 1,8 bi- lhão para US$ 2 bilhões. Esgoto. O maior avanço em 2013 foi verificado em Barue- ri, onde há um ano pratica- mente não havia tratamento de esgoto. Hoje, segundo a Sabesp, um terço dos 87% que a cidade coleta já tem al- gum tratamento. “Há três meses iniciaram em Barueri as obras para construir a maior estação de tratamento da América Lati- na, que vai tratar até 16 mil litros por segundo”, diz Car- rela. Apenas esta obra, segun- do ele, terá custo de R$ 350 milhões. A Sabesp já obteve o financia- mento inicial de R$ 1,050 bilhão para iniciar, em 2014, a quarta e última fase. O edital, segundo a empresa, deverá ser lançado até o fim do ano. / BRUNO DEIRO

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A26 DOMINGO, 22 DE SETEMBRO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO

Metrópole CracolândiaDe palhaço, médicocombate a droga nocentro de SP. Pág. A36

Brejo Alegre é a cidade com a maior

taxa de analfabetismo:

12,3%

São Paulo está entre as cidades com maior IDH:

0,81

● Conheça detalhes dos mais de mil quilômetros percorridos pelo Rio Tietê

DA NASCENTE À FOZ

2020201020001990

20071992

2004

2012 2016

2010

1998 2018

Duas décadas de esperançaAs obras da primeira e da segunda fase do programa de despoluição do Rio Tietê já custaram US$ 1,6 bilhão ao governo do Estado desde 1992. A terceira etapa do programa custará mais US$ 2 bilhões, totalizando um investimento de US$ 3,6 bilhões até 2016

EM 1992 , O GOVERNADOR LUIZ ANTÔNIO FLEURY FILHO DECLAROU QUE O TIETÊ

ESTARIA LIMPO EM 15 ANOS

EM 1998, NO FIM DA 1ª ETAPA, A PROMESSA ERA QUE O TIETÊ ESTARIA LIMPO NA CAPITAL EM 2018

EM 2004, O SECRETÁRIO MAURO ARCE DISSE QUE O TIETÊ PODERIA VOLTAR A TER PEIXES NO TRECHO QUE CORTA SÃO PAULO ATÉ 2010

O GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN ANUNCIA QUE, EM 2016, O RIO NÃO TERÁ MAIS CHEIRO RUIM E SERÁ POSSÍVEL FAZER

PASSEIOS DE BARCO, COMO ACONTECE EM PARIS

TRÊS IRMÃOS(EM PEREIRA BARRETO)

NOVA AVANHANDAVA(EM BURITAMA)

PROMISSÃO(EM UBARANA)

IBITINGA(EM IBITINGA)

BARIRI(EM BORACEIA)

BARRA BONITA(EM BARRA BONITA)

PORTO GÓES(EM SALTO)

RASGO(EM PIRAPORA DO BOM JESUS)

SPMS

PR

MG

Salesópolis

SãoPaulo

RIO TIETÊ

Itapura

QUALIDADE DA ÁGUA: ÓTIMA BOA RAZOÁVEL RUIM PÉSSIMA

Usinas hidroelétricas

Curiosidades sobre alguns municípiosbanhados pelo rio

FOZ DO RIO

NASCENTEDO RIO

Jaú é a cidade com maior

esperança de vida:

78,1 anos

Ubarana é a cidade menos desigual.

Índice de Gini:

0,35

Santana do Parnaíba é a cidade com maior

renda per capita:

R$ 1.859

Piracicaba é a cidade com menor taxa de

analfabetismo:

3,2%

INFOGRÁFICO: RUBENS PAIVA/ESTADÃOFONTE: ESTADÃO DADOS E SABESP

SENTIDO DO RIO

José Roberto de ToledoLucas de Abreu MaiaRodrigo Burgarelli

Comparado ao tamanho dosrios amazônicos, o Tietê é umregato. Nas estatísticas, po-rém, é uma catarata de super-lativos. Estudo inédito do Es-tadão Dados mostra que oTietê e seus afluentes for-mam a bacia hidrográficamais populosa, mais rica emais poluída do Brasil. É tam-bém a de maior desenvolvi-mento humano do País.

A produção da bacia do Tietêsoma R$ 1 trilhão por ano. A ca-da R$ 4 do PIB brasileiro em2010, R$ 1 saiu do entorno dorio e de seus tributários. Às suasmargens ou perto delas moram30 milhões de pessoas, a maiorpopulação ribeirinha do País,com médias de 10,6 anos de es-tudo e 75,3 anos de vida.

O Rio Tietê – cujo dia é come-morado hoje – nasce acima dosmil metros de altitude, nas en-costas da Serra do Mar, em Sale-sópolis, a leste da capital. Corre1.136 quilômetros para o inte-rior, por 73 municípios paulis-tas. Deságua no Rio Paraná, en-tre Itapura e Castilhos, 300 me-tros acima do nível do mar. Sãoapenas 740 metros de desnívelda nascente à foz, ou 1 metro dedeclive a cada quilômetro emeio de percurso, em média.

Mesmo assim, as quedas doTietê são famosas desde antesdos bandeirantes. Uma dasmaiores cachoeiras era chama-da pelos índios de utu-guaçu,ou salto grande. Acabou por ba-tizar as cidades de Itu e Salto.

Para fugir desse trecho inicial

tortuoso e cheio de corredeiras,a navegação rio abaixo entre osséculos 18 e 19 começava emAraritaguaba, atual Porto Feliz,com destino às minas de ourode Cuiabá. Por só poderem serfeitas em parte do ano, no perío-do de cheia do rio, as expedi-ções eram chamadas de mon-ções – como as navegações por-tuguesas pelo Índico.

As longas canoas eram escava-das em enormes troncos derru-bados ao longo das margens dorio e seus afluentes, como o Pira-cicaba. Escavadas na madeiramaciça, levavam mantimentos,ferramentas e escravos para asminas, e traziam ouro.

Hoje, a hidrovia Tietê-Paranápercorre 2,6 mil quilômetros etransporta 6 milhões de tonela-das de cargas anualmente, en-tre insumos e grãos. Um com-boio de seis barcaças carrega-das tira 210 carretas das estra-das, gastando um quarto docombustível e emitindo um ter-ço da quantidade de carbono.

Na época das monções, as ca-noas demoravam semanas ouaté meses para chegar ao Para-ná. Entre outros motivos, por-que tinham de ser carregadaspor terra em varadouros comoo do traiçoeiro salto do Ava-nhandava. O salto foi inundadonos anos 1980 pelo reservatórioda usina de Nova Avanhandava.

Nenhum acidente natural re-siste no trecho entre Conchas ea foz. Foi construída mais deuma dezena de barragens ao lon-go do maior rio paulista, paraaproveitamento hidrelétrico.Em seu curso, o Tietê gera até 2

mil megawatts de energia.Em Pereira Barreto, a cerca

de 50 km da desembocadura,um canal desvia parte do Tietêpara o Rio São José dos Doura-dos, que corre paralelo e na mes-ma direção. As águas canaliza-das ao norte ajudam a girar asturbinas da hidrelétrica de IlhaSolteira, no Rio Paraná.

Desenvolvimento. O rio foi de-terminante na fundação damaior cidade do hemisfério sule na ocupação do território aoseu redor. Nas últimas décadaso desenvolvimento se estendeudo alto ao baixo Tietê.

O IDH na sua bacia é 14%maior do que a média do Brasil.Porque a esperança de vida aonascer é também mais alta: 75,3anos. É bem diferente de 100anos atrás, quando as margense várzeas do Tietê eram evita-das pela população temerosadas enchentes e de doenças co-

mo a malária.Na educação, a expectativa

de anos de estudo na bacia dorio é 11% maior do que a médiabrasileira (9,5 anos). A desigual-dade de renda é menor do queno resto do País. O índice de Gi-ni ao longo do Tietê varia de0,33 a 0,67 (quanto mais próxi-mo de 1, mais desigual), mas, namédia, esse valor é de apenas0,44 – ou 27% menor do que amédia do Brasil.

O desenvolvimento econômi-co e demográfico custou caroao rio. A qualidade de suaságuas, cristalinas em Salesópo-lis, torna-se apenas “boa” emBiritiba-Mirim, “razoável” emMogi das Cruzes e “ruim” emItaquaquecetuba.

Na confluência com o Rio Ari-canduva, já em São Paulo, fica“péssima”, e segue assim pormais 200 quilômetros, até o de-semboque do Sorocaba, em La-ranjal Paulista. A seguir vêm

mais 130 quilômetros de águaruim. Ela só volta a ficar boa emBarra Bonita.

A degradação se deve ao des-pejo de efluentes industriais ede 595 bilhões de litros de esgo-to doméstico não tratado todoano no rio – 40% do total do Bra-sil. Só a capital é responsávelpor jogar 750 milhões de litrosde esgoto em estado puro noTietê diariamente.

Apesar disso, na maior partede seu curso, o Tietê tem águasde boa qualidade. Em Araçatu-ba, ela vai parar nas torneiras.Em Penápolis, abriga clubes depesca de pacus e tucunarés.

Nos últimos 30 quilômetrosantes de chegar à foz, no Rio Pa-raná, as águas do Tietê voltam ater a mesma excelência dos pri-meiros 40 quilômetros de seucurso. Com pouca ajuda, o riomais poluído do Brasil se recu-pera e termina tão limpo quan-to começou.

Rio mais poluído do País, Tietê étambém o mais rico e populoso

Nova fase de projeto de despoluiçãoatrasa 6 meses à espera de verba

NA WEB

metros seria a altura do alagamento caso todo o esgoto não tratado jogado no Tietêao longo de um ano fosse despejado no centro expandido de São Paulo, uma área de 150 km2.

Imagens. Vejagaleria de fotos do

Rio Tietê

4www.estadao.com.br

NILTON FUKUDA/ESTADÃO

RETRATOS DO BRASIL Poluição cruza mais de 100 quilômetros do Estado, pág. A27 }

Bacia abrange 323 municípios, que produzem R$ 1 trilhão por ano, abrigam 30 milhões de pessoas e têm o maior IDH médio do País;no entanto, essas cidades também despejam 595 bilhões de litros de esgoto não tratado por ano em suas águas, 40% do total do Brasil

Salesópolis. Límpido nos primeiros 40 km e nos últimos 30 km, bem diferente da capital

Prevista inicialmente paraterminar em 2015, a terceiraetapa do Projeto Tietê deveráser concluída apenas no anoseguinte, por causa do atrasode seis meses na liberação do

financiamento. Para mantera meta de universalizar o tra-tamento de esgoto no rio até2020, a quarta e última faseserá antecipada e deve come-çar já no ano que vem.

“Os recursos do BID (BancoInteramericano de Desenvolvi-mento) sofreram atraso e tive-mos de encavalar as etapas”,diz Carlos Eduardo Carrela,superintendente de projetosda Companhia de Saneamen-to Básico do Estado de SãoPaulo (Sabesp), que é respon-sável pela despoluição do RioTietê.

Outra alteração é o valor totalda terceira etapa, que prevê au-mentar a coleta de esgoto em300% e ampliar a quantidade deestações de tratamento de duaspara cinco. Por causa de mudan-ças no projeto, o investimentonessa fase saltou de US$ 1,8 bi-lhão para US$ 2 bilhões.

Esgoto. O maior avanço em

2013 foi verificado em Barue-ri, onde há um ano pratica-mente não havia tratamentode esgoto. Hoje, segundo aSabesp, um terço dos 87%que a cidade coleta já tem al-gum tratamento.

“Há três meses iniciaramem Barueri as obras paraconstruir a maior estação detratamento da América Lati-

na, que vai tratar até 16 millitros por segundo”, diz Car-rela. Apenas esta obra, segun-do ele, terá custo de R$ 350milhões.

A Sabesp já obteve o financia-mento inicial de R$ 1,050 bilhãopara iniciar, em 2014, a quarta eúltima fase. O edital, segundo aempresa, deverá ser lançado atéo fim do ano. / BRUNO DEIRO

%HermesFileInfo:A-27:20130922:

O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 22 DE SETEMBRO DE 2013 Metrópole A27

A parte limpa

Chico SiqueiraESPECIAL PARA O ESTADOARAÇATUBA

C om as águas limpas, oTietê é usado paraabastecer a popula-

ção e como fonte de explora-ção do turismo em Araçatu-ba. Assim como Salesópolis,onde a Sabesp capta 50 mi-lhões de litros por mês paraabastecimento, Araçatubatambém usa a água para seus

moradores. Desde junho, a cida-de passou a fazer captação.

Segundo a concessionária Sa-mar, responsável pelo serviço,5 milhões de litros são capta-dos por dia para abastecer 50mil moradores. Estudos para amodernização da rede estãosendo feitos para ampliar a cap-tação para 24 milhões de litrospor dia.

A água limpa também servepara fomentar o turismo. Oscondomínios de ranchos de ve-

raneio, clubes e hotéis instala-dos às margens do rio recebemmilhares de turistas, do Brasil edo exterior, em busca de lazer.Além da pescaria, os frequenta-dores aproveitam o rio para es-portes aquáticos ou simples-mente para descansar.

Os aposentados Jurandir Mo-reira de Souza, de 63 anos, Ha-milton Camargo, de 61, e Antô-nio Roberto Silva, de 60, estãoentre os visitantes. Todos osanos, os três saem de Mauá, na

Grande São Paulo, para pescarem Araçatuba. “Há dez anos pes-camos aqui e nunca nos decep-cionamos, pois a qualidade daágua favorece a pesca”, diz Sou-za. Na sexta-feira, os três pesca-ram 25 quilos de tucunaré, espé-cie que foi introduzida no rio.

Energia. O rio também temsuas águas usadas para geraçãode energia e transporte de car-gas. Por ele, transitam por anocerca de 6 milhões de toneladasde cargas pela hidrovia Tietê-Paraná, que sai de São Simão evai até Anhembi, em 2,4 mil qui-lômetros de extensão. No tre-cho paulista, são 863 km de viasnavegáveis pelo Rio Tietê, comdez eclusas, dez barragens, 23pontes, 19 estaleiros e 30 termi-nais intermodais de cargas.

NA WEB

Artur Rodrigues

De uma pedra cheia de musgo,no alto da Serra do Mar, em Sale-sópolis (97 km de São Paulo),nasce o rio mais importante doEstado. As águas límpidas jor-ram em um poça de no máximoum palmo de profundidade, lo-tada de peixinhos.

“São guarus (espécie que atingecinco centímetros). Eles são aprova da boa qualidade daágua”, diz João dos Passos, de62 anos, uma espécie de “faz-tu-do” do Parque Nascentes do

Tietê. A área, de 134 hectares,fica a 1.027 metros de altitude.Dali, saem os 4.178 litros deágua por hora que vão se avolu-mar e percorrer 1.136 quilôme-tros até a foz, no Rio Paraná.

Os visitantes do parque geral-mente são alunos de escolas dacapital que custam a acreditarque estão diante do mesmo rioque conhecem. Ninguém, in-cluindo a equipe de reporta-gem, resiste aos bebedouros doTietê, com água geladinha etransparente.

Nacidade vizinha, Biritiba Mi-

rim, onde o rio ganha volume, apopulação desfruta mais do Tie-tê. Duas vezes por semana, oaposentado Natalino Machado,de 54 anos, pega o barco e sai rioafora. “Aqui, a gente pega traíra,lambari, bagre. Já peguei peixede até 2 quilos”, diz.

“Vizinho” do Tietê, o comer-ciante Valdemar José Cardoso,de 51 anos, cresceu brincandoali. Agora, está entre os morado-res que ajudam a livrar a águados aguapés que prejudicam apesca e a navegação. “Temosuma ligação muito forte com o

rio. Então, percorremos de bar-co retirando essas plantas”, diz.

Imigrantes japoneses, os paisde Paulo Shintate, de 46 anos,chegaram às margens do rio, emBiritiba Mirim, quando ele ti-nha apenas 6 anos. Desde então,é com a água do Tietê que a famí-lia irriga a plantação. “Usamosuma bomba que tira água limpalá do rio. Se não fosse ele, tería-mos de ter um tanque e outrosgastos”,conta. Dos cinco alquei-res administrados por Shintate,são colhidos cerca de dez milpés de plantas por semana.

Acervo de clubeconta históriado Tietê

Vídeo. Veja asimagens da

nascente do Tietê

Em Salesópolis, nanascente, água é potávele morador, engajado

estadao.com.br

NILTON FUKUDA/ESTADÃO

CHICO SIQUEIRA/ESTADÃO

EPITACIO PESSOA/ESTADÃO

Bruno Deiro

Enquanto não decola o Arco Tie-tê, projeto da Prefeitura quepromete revitalizar a região daMarginal do Tietê com a cons-trução de 75 mil unidades habi-tacionais, uma relação mais pró-xima entre os paulistanos e omais famoso rio de São Paulo sóestá presente em lembranças efotografias antigas.

O Clube Esperia, um dos di-versos centros esportivos queprosperaram à beira do rio noséculo passado, é dono de um

rico acervo, que registrou o mo-do como São Paulo foi se distan-ciando das águas do Tietê. O his-toriador do clube, André Fracca-ri, guarda imagens e troféusmarcantes desse processo.

Responsável pelo acervo há24 anos, ele tem catalogadascentenas de fotos que mostramo rio como um local de recrea-ção dos paulistanos. Nos anos40, porém, as memórias ganha-ram um tom sombrio. “Na últi-ma grande travessia de nataçãono rio, em 1944, o João Havelan-ge contraiu tifo negro naságuas”, lembra Fraccari, em re-ferência ao ex-nadador e presi-dente da Fifa entre 1974 e 1998.

Em 1972, o evento que mar-cou o fim das competições deregata foi chamado “Despedidado Rio Tietê”. O próprio clubeteve parte da sede desapropria-da para dar lugar às avenidasque margeiam o rio. “A Margi-nal matou de vez o Rio Tietê emSão Paulo”, diz Fraccari.

O projeto Arco Tietê é a apos-ta para reaproximar o paulista-no do rio. Ainda sem data parasair do papel, a maioria das 17propostas aprovadas prevêmais parques e áreas de lazer.

RETRATOS DO BRASIL

Poluiçãocruza maisde 100 kmno EstadoPrefeituras investem em recuperação, masé difícil acabar com ‘mar’ de lixo e espuma

EM ARAÇATUBA, TURISTASPESCAM ATÉ TUCUNARÉNa região, água é usada no abastecimento da população e para o lazer

Peixinhos. Poça da nascente tem, no máximo, um palmo

Visitantes de parque,geralmente da capital,custam a acreditarque é o mesmo rioque conhecem

Turismo. Camargo, Souza e Silva pescam há dez anos

● Sujeira

Recorrente. Espuma em Salto: ‘Tem dias que não dá para respirar’, dizem moradores da região

● Deterioração

José Maria Tomazela / SALTO

“Parece neve, mas o cheiro éde esgoto”, diz a estudante Je-nifer Correa da Silva, de 13anos, diante do mar de espu-ma que cobre o Rio Tietê logoabaixo da cachoeira de Salto,a 104 km de São Paulo.

Confiando na despoluição dorio, a prefeitura investiu na recu-peração de antigos espaços tu-rísticos, como a Ilha dos Amo-res e a centenária ponte pênsil,totalmente restaurada, e aindainstalou o Memorial do Rio Tie-tê para contar a história do prin-cipal rio paulista. “Faltou com-

binar com quem está rio acima,principalmente na Grande SãoPaulo, pois as águas chegamaqui tão carregadas de poluiçãoque viram espuma”, diz GláuciaVecchi, monitora do memorial.

Ao longo dos 80 quilômetrosentre Santana de Parnaíba e Por-to Feliz, o rio continua tão poluí-do quanto há 20 anos, dizem osmoradores. “A espuma até au-mentou e tem dia que não dápara respirar”, diz Monica Coe-lho, comerciante de Piraporado Bom Jesus. Segundo ela,quando a Barragem do Rasgãolibera água o manto branco co-bre o rio. “Tem turista que até

gosta, mas quem mora aqui nãosuporta mais.”

O prefeito Gregório Rodri-gues Maglio (PMDB) contaque, na década de 1980, quandohavia passeios de barco no Tie-tê, a cidade recebia 10 mil turis-tas por fim de semana. “Hoje, oturismo está reduzido às roma-rias do Bom Jesus, mas não che-ga a um terço do que era.” Ma-glio lidera um movimento paraque as cidades atingidas pela po-luição sejam indenizadas. “Pira-pora deixou de crescer por cau-sa da poluição.”

O rio que passa quase mortoem Pirapora do Bom Jesus agita-se nas corredeiras de Cabreúvae cria belos cenários ao cortarremanescentes de Mata Atlânti-ca. “É o trecho mais bonito, masnão podemos explorar o turis-mo por causa da poluição”, diz asecretária de Meio Ambiente,Rosemeire Rabelo Timporim.Na Jornada do Tietê, hoje, a ci-dade vai reafirmar a posiçãocontra o projeto de instalaçãode pequenas centrais hidrelétri-cas nesse trecho do rio. O repre-samento, segundo Rosemeire,acabaria com as corredeiras,agravando a poluição.

A cidade de 42.301 habitantestrata 90% do esgoto. “Fizemosa lição de casa, mas estamos sen-do castigados pela omissão dosoutros”, diz a secretária de Ca-breúva.

O rio continua e passa por Sal-to. Lá, quando ocorrem enchen-tes, o campo de futebol da Asso-ciação Atlética Avenida fica co-

berto de lixo. O presidente doclube, João Wolf, de 74 anos, vê-se obrigado a contratar carrega-deiras e caminhões para retirartoneladas de sujeira. “Ultima-mente, estou mandando jogarde volta no rio, pois quem trou-xe, que leve.”

Menos sujo. De Salto a PortoFeliz, o rio corta belas paisa-gens e atrai muitas aves, masainda é possível ver plásticospendurados nas margens. De-pois de passar por Tietê, o rioque deu nome à cidade recebeas águas do Sorocaba e chegamais limpo a Laranjal Paulista.

Nesse trecho está prevista aconstrução de duas barragenspara gerar energia e estender anavegação para além de Con-chas. O projeto, em fase de licen-ciamento, pode dar novo impul-so à economia da região, segun-do os prefeitos.

O Tietê é navegável a partirdo Terminal de Conchas. A hi-drovia segue para Anhembi, on-de começa o lago da hidrelétri-ca de Barra Bonita. A abundân-cia de peixes garante a subsis-tência de pescadores. Mas o la-go está assoreado. Um projetovisando ao afundamento da ca-lha navegável está em estudo.

“Os clubes sempreapoiam projetos dedespoluição do rio,pois o viram morrersem poder fazer nada”André FraccariHISTORIADOR DO CLUBE ESPERIA

“Hoje o rio está pior do queantes. Pegaram dinheiro noexterior para despoluir, masnão aconteceu nada”João WolfPRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA

AVENIDA, CUJO CAMPO DE FUTEBOL

FICA COBERTO DE LIXO NAS CHEIAS

“Plasticamente (as fotos)ficam muito bonitas, mas épura poluição”Aline OliveiraESTUDANTE QUE FAZ TRABALHO DE

UNIVERSIDADE SOBRE O RIO