metodologia do ensino superior - universidade e sociedade

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Trabalho entregue para o Curso de Mestrado em Psicanálise Social na PUC-RJ.

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Metodologia do Ensino Superior

Curso: Mestrado em Psicanlise Social

Universidade e Sociedade

Mestrando: Douglas Naegele Barbiratto Curso: Psicanlise Social Disciplina: Metodologia do Ensino Superior

Em Universidade e Sociedade, analisarei o papel da universidade, espao em que como futuro docente dar-se- minha prtica profissional. Apontarei, ento, que o desafio da universidade , ao situar-se no contexto da sociedade, colaborar na organizao e na construo de uma nao que busque, efetivamente, sua soberania. Focalizarei, a seguir, a construo e reconstruo do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem, refletindo sobre as variveis que nele interferem. Por fim, para refletirei sobre as polticas que afetam a universidade, discutiremos a relao entre o Estado e a universidade. Sob esse foco, este trabalho est estruturado em cinco tpicos, nas quais foi inserido o seguinte contedo... 1 Papel da universidade; 2 Teorias da aprendizagem; 3 Programas de ensino; 4 Papis do professor;

1 Papel da universidade

Ao aprisionar-se na iluso de certezas, a universidade aprisiona seu esprito criativo. Por isso, tem de assumir a dvida. (Paulo Freire)

1.1 - Desvinculao da sociedade Nascida em uma sociedade marcadamente segmentada, a universidade brasileira teceu tnues laos com a comunidade em que, historicamente, tem-se inserido.

Douglas Naegele Barbiratto

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Curso: Mestrado em Psicanlise Social

1.1.1 - Do imprio atualidade: marcas de continuidade na histria das universiversidades

A transferncia da famlia real para o Brasil transformou o pas em sede da coroa portuguesa. Essa mudana impulsionou a implementao de medidas administrativas, econmicas e culturais para estabelecimento da infra-estrutura necessria ao funcionamento do imprio. A criao dos primeiros estabelecimentos de ensino superior buscava formar quadros profissionais para os servios pblicos voltados administrao do pas. As reas privilegiadas eram: medicina, engenharia e direito. Em 1808, foram criados os primeiros estabelecimentos de ensino mdico-cirrgico de Salvador e do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro foi cenrio de outras iniciativas culturais e cientficas, como a criao da Imprensa Rgia, da Biblioteca Nacional e dos primeiros peridicos cientficos. Na histria da cincia e tecnologia, so as continuidades que chamam a ateno da professora Silvia Figueira, especialista em Histria das Cincias, do Instituto de Geocincias da Unicamp. No teramos chegado ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico que temos hoje se no tivesse sido construda uma tradio em pesquisa desde, pelo menos, o sculo XVIII, afirma a professora. Atravessando o tempo, esto presentes na cultura das universidades atuais, formas de pensar e atuar que marcaram o tempo do imprio. A forma de buscar o novo nas universidades, por exemplo, ainda feita muitas vezes moda de Dom Pedro II. Este, vendo a necessidade de modernizar a cincia e tecnologia brasileira, viajava, se empolgava com o que via na Europa, e trazia modelos e profissionais para reformar as instituies brasileiras. Ainda hoje, buscam-se pesquisadores de outros pases, trazendo-os para implantar laboratrios e linhas de pesquisa no Brasil, diz a pesquisadora. Figueira comenta que h um certo desprezo na literatura pelo perodo anterior constituio das universidades. As anlises tambm costumam desconsiderar a produo cientfica dessa poca, bem como quando o sistema educacional brasileiro compreendia Instituies de Ensino Superior e Grandes Escolas, como as de Engenharia, e mesmo os colgios e seminrios jesutas, comenta; e desabafa: A idia de que apenas na universidade se faz cincia tambm permanece forte at hoje. O livro Espaos da cincia no Brasil: 1800 - 1930, editado pela Fiocruz em 2001, traz importantes contribuies nesse sentido, analisando a atuao e papel desempenhado por instituies como o Jardim Botnico do Rio de Janeiro, o Instituto Bacteriolgico em So Paulo, o Instituto Butant e tambm da Academia Brasileira de Cincias, da Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional e da Comisso Geolgica do Brasil. A criao de universidades foi amplamente discutida por grupos sociais diversos no pas, porm, apenas no sculo XX surge a primeira universidade brasileira. Apesar das controvrsias histricas, parece ser consensual entre os historiadores que a primeira universidade criada pelo governo federal brasileiro foi a do Rio de Janeiro em 1920, que aglutinou as Escolas Politcnica, de Medicina e de Direito j existentes. Para Jos Lus Sanfelice, professor do Departamento de Histria e Filosofia da Educao, da Faculdade de Educao da Unicamp, provvel que esta iniciativa oficial tenha tido o propsito, dentre outros, de ditar um modelo universitrio, uma vez que as aes privadas e nos

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estados tendiam a se proliferar sem controle. Afinal de contas, um ensino elitizado, e para as elites, no podia estabelecer-se revelia do poder central. Reunir escolas e/ou faculdades j fundadas, tornou-se uma marca do desenvolvimento do sistema de ensino universitrio brasileiro. Baseadas na universidade do Rio de Janeiro foram criadas as universidades federais nos estados. A presena de oligarquias na criao das universidades, e os diversos acordos realizados entre o poder federativo e os estados so apontadas como intimamente relacionados aos diversos caminhos trilhados pelas universidades brasileiras desde a sua criao. Para grande parte dos historiadores, a instaurao de muitas universidades significou o desvio de recursos financeiros para os estados, local de prestgio poltico e de emprego para os filhos das elites. Catlicos, liberais e positivistas: projetos contraditrios para as universidades Para compreender as diferentes posies assumidas na histria pelas instituies de ensino superior brasileiras parece ser importante conhecer as principais foras polticas atuantes, seus interesses e projetos. Roberto Romano da Silva, professor do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp, destaca trs grupos atuantes no sculo XIX: a alta hierarquia do clero catlico, as lideranas civis liberais e os pensadores positivistas. Estes grupos apresentavam, na opinio do pesquisador, idias conflitantes sobre o papel da universidade na vida poltica e social brasileira. Para a igreja catlica, a criao de uma universidade com hegemonia religiosa ajudaria a aumentar os quadros intelectuais a servio do projeto religioso. A universidade nos moldes catlicos privilegiaria disciplinas como: Filosofia, a Tomista, que era adotada oficialmente pela Igreja Catlica e que se caracterizava pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo; Teologia; Direito, com base na doutrina social da igreja; Letras; Artes; e, quem sabe no futuro, alguns poucos setores tecnolgicos. J os liberais definiam um programa totalmente diverso dos catlicos, privilegiando os setores jurdicos de estudo, as reas humansticas e a medicina. O projeto seria desvinculado de compromissos religiosos e buscaria assegurar as formas de autoridade, e de pensamentos, gerados pela Revoluo Francesa e Revoluo Industrial. Os positivistas defendiam idias contrrias s duas posies anteriores, argumentando que o Brasil no precisava de universidades, mas de ensino fundamental para as massas, sobretudo no campo tecnolgico. Nessa perspectiva, seria um absurdo a preocupao com o ensino universitrio quando tudo ainda estava por fazer, entre ns, em matria de ensino primrio e secundrio, comenta Romano, citando Pereira Barreto, um grande nome da ala positivista de 1880. Para os positivistas, o controle das universidades pela igreja prejudicaria o advento da idade cientfica e tcnica no Brasil e, se fossem dominadas pelos liberais, transformariam o pas em uma anarquia social e poltica, com os devaneios metafsicos que imperaram na Revoluo Francesa. Defendiam, por sua vez, a criao de escolas tcnicas e cientficas que ensinassem as leis da natureza, e os meios de aproveit-las em favor da humanidade. Para Romano, o debate sobre a universidade e sua insero na vida social ainda mantm, atualmente, as grandes linhas dessas doutrinas: o problema da passagem da cincia tcnica, e a educao das massas populares (ensino fundamental versus

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ensino universitrio), permanecendo o desafio de compatibilizar as garantias individuais e as necessidades coletivas, na sociedade e no Estado. Ditadura imprime suas marcas via Reforma Universitria A reforma universitria, gestada pelo governo militar em 1968, considerada um grande marco na histria das universidades brasileiras. Sanfelice comenta que o objetivo da reforma era modernizar a universidade para um projeto econmico em desenvolvimento, dentro das condies de 'segurana' que a ditadura pretendia para si e para os interesses do capital que o representava. A Lei 5540/68 introduziu a relao custo-benefcio e o capital humano na educao, direcionando a universidade para o mercado de trabalho, ampliando o acesso da classe mdia ao ensino superior e cerceando a autonomia universitria. Diversas medidas foram tomadas para alcanar tais metas, entre elas: a unificao do vestibular por regio; o ingresso por classificao; o estabelecimento de limite no nmero de vagas por curso; a criao do curso bsico que reunia disciplinas afins em um mesmo departamento; o oferecimento de cursos em um mesmo espao, com menor gasto de material e sem aumentar o nmero de professores; a fragmentao e disperso da graduao; o estabelecimento de matrcula por disciplina. Em 1971, foi promulgada a Lei 5692 que instituiu tambm a reforma do ensino fundamental, com mudanas que determinaram, por exemplo, a extino das disciplinas de Geografia e Histria que foram substitudas pelo ensino de Estudos Sociais. Entre os resultados obtidos com as polticas implementadas os pesquisadores apontam: a diminuio na qualidade do ensino fundamental pblico, com a respectiva valorizao do ensino particular, e a conseqente elitizao do ensino universitrio, que impede at hoje o acesso de grande parte da populao universidade pblica. Mas algumas medidas tomadas, com o decorrer dos anos, resultaram em verdadeiras inverses nos objetivos iniciais das reformas do ensino superior no pas determinadas pelo regime militar. A professora Albertina Lima Vasconcelos, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), conta que para satisfazer as novas determinaes da Lei 5692 foram criadas vrias faculdades no interior da Bahia, que deveriam formar os profissionais de licenciatura curta para atender nova demanda em Estudos Sociais, Cincias e Letras. A professora analisa que, na Bahia, as faculdades criadas no interior foram equvocos que acabaram dando certo. Aps dez anos de extensas negociaes e luta dos docentes, as faculdades foram transformadas em universidades estaduais e foram criadas as licenciaturas plenas em Histria e Geografia. Criadas para satisfazer o mecanismo de formao de profissionais da ditadura e promover a extenso do poder governamental pelo interior da Bahia, as faculdades impediram a migrao de jovens para outras capitais e a expanso do ensino particular no interior da Bahia, promovendo o fortalecimento do ensino superior de carter pblico no estado. Analisar a histria pela perspectiva das rotas de fuga dos mecanismos ditatoriais, parece ser importante, mas no apaga da histria as marcas da perseguio, cassao e expulso de pesquisadores, docentes e alunos em todo o Brasil, que no aceitaram a ditadura e a ideologia da segurana nacional. Romano ressalta que a universidade cumpriu muitos papis durante o regime castrador. Alguns de seus membros foram hericos na tarefa de manter a qualidade superior da pesquisa e do ensino. Outros se entregaram colaborao sem freios ticos com os donos do mando poltico da hora.

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O movimento estudantil, na poca, foi um dos esteios da luta em prol da democracia e do respeito aos direitos humanos. A conivncia de docentes das universidades com os militares foi registrada na Revista Adusp, da Universidade de So Paulo (USP). Uma ampla cobertura traz tona a colaborao da reitoria da USP com os rgos repressivos que, inclusive, antecedem o perodo do golpe militar. Ao mesmo tempo a USP tambm teve uma intensa movimentao poltica de combate s condies da poca, realizando passeatas, assemblias, manifestos e reivindicaes que ficaram na histria. A Universidade de Braslia (UnB) tambm traz em sua histria profundas marcas da poltica de desenvolvimento que imperou durante a ditadura. Em contraposio aos modelos at ento existentes de universidade, na dcada de 60 a UnB surge com uma proposta, idealizada por Darcy Ribeiro e Frei Mateus Rocha, que buscava criar a universidade necessria para uma nao independente: mais democrtica e com maior autonomia. A universidade necessria ficou no projeto, visto que a universidade construda durante o regime militar foi bastante diferente. Duramente atacada, a UnB tornou-se por meio do movimento estudantil e docente um importante foco de resistncia ditadura na prpria capital da Repblica. O site oficial da UnB apresenta um interessante artigo de Geralda Dias, professora de Histria das Universidades na instituio, que aborda as mudanas no projeto da UnB e relata diversos episdios da dura interveno do governo na universidade. Se por um lado as universidades foram consideradas focos de subverso, e a funo da reforma era erradicar qualquer possibilidade de contestao, por outro lado tambm ocorreu uma expanso das universidades, e a reforma deveria atender aos projetos estratgicos dos militares que, sob influncia da Guerra Fria, pretendiam transformar o Brasil em potncia. As universidades que tinham fortes vnculos com o governo passaram por uma modernizao com nfase na pesquisa tecnolgica e na ligao com o setor produtivo. A relao entre laboratrios de pesquisa, desenvolvimento e a segurana nacional ressaltada, e a universidade torna-se responsvel pelo aumento do capital humano. Para Sanfelice essa diretriz parece ter orientado a criao da Unicamp. Com o apoio do poder constitudo, foi implantada em funo de necessidades concretas de mercado, que naquela conjuntura exigia engenheiros, qumicos, fsicos, bilogos, matemticos e economistas, contando tambm com recursos pblicos do estado e posio geo-econmica estratgica. A estas, entre outras razes, os pesquisadores atribuem o fato da Unicamp constituir-se nos dias de hoje uma referncia nacional e internacional, tendo em vista sua capacidade de produo cientfica, produo de conhecimentos e de inovao tecnolgica. Em todo o pas, estudantes e professores buscam reorganizar suas entidades representativas e denunciam a transformao da universidade numa instituio muito mais estatal do que pblica. Uma das grandes bandeiras de luta que surge nessa poca a autonomia universitria. O tempo passou... Constituio de 1988, nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), e a comunidade universitria no Brasil ainda discute questes que remetem ao tempo da ditadura, e sua bandeira de luta tambm ainda parece hasteada no mastro das agendas universitrias. DIAS, Susana. Do imprio atualidade: marcas de continuidade na histria das universidades. Disponvel em: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades

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Metodologia do Ensino Superior 1.2 Combate a segregao social

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Mais do que nunca, a universidade tem de ter claro o seu papel. Face crise social que assola quase todas as naes, a mais relevante misso da universidade tem de ser a de se transformar em um instrumento que rompa com a segregao social de modo a promover uma sociedade integrada e eficiente.

1.3 Desafios para universidade

Ao situar-se no contexto da sociedade, o desafio da universidade colaborar na organizao e na construo de uma nao que busque, efetivamente, sua soberania. Tal desafio exige uma cuidadosa sintonia dos projetos cientficos e tecnolgicos com os projetos de interesse do pas. No entanto, para dar conta desse desafio, a universidade deve romper com as amarras corporativas que inviabilizam o cumprimento de seu papel de: pensar o futuro da nao; pensar o futuro do planeta; e, por conseqncia, pensar o futuro da humanidade.

E que so essas amarras corporativas? So compromissos e regras firmados entre instituies e corporaes que limitam a liberdade, a atuao autnoma e o desenvolvimento da criatividade. No mbito acadmico, podem contribuir diminuio da diversidade de pesquisas, reduzindo a atividade intelectual e a livre produo de conhecimentos, levando a uma homogeneizao do saber devido aos interesses das corporaes parceiras. E isso que temos, hoje, principalmente dentro das universidades privadas.

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Metodologia do Ensino Superior 1.3.1 - Universidade na encruzilhada

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Desde meados do sculo XX, o mundo questiona e discute a universidade como, talvez, nunca o tenha feito antes. So vrios os aspectos questionados e discutidos. Mas, nos ltimos anos, certos enfoques se tornaram cada vez mais severos, chegando-se mesmo a questionar at a prpria pertinncia das universidades no mundo atual. Os questionamentos ganham ainda mais fora quando se fala em custos e gastos pblicos, j que as finanas pblicas se tornaram cada vez mais limitadas, complexas e problemticas. Mas, afinal, geralmente aplicar dinheiro em educao ainda desperta mais sentimento de gasto do que de investimento. E, se h dvidas quanto aos resultados, as coisas ficam ainda mais difceis. O quadro no muito diferente quanto s instituies privadas e seus usurios e mantenedores. Examinando, porm, os registros histricos, podemos constatar que sempre foi assim: as sociedades sempre estiveram conflitando com as universidades, e estas sempre estiveram se autocriticando e buscando reformar-se. No que diz respeito sua reputao pblica, elas tm sido, quase permanentemente, instituies insatisfatrias, lembra Minogue (5), apesar de serem sempre reconhecidas como importantes e necessrias. Para muitos, elas trazem consigo o mistrio da sabedoria, o romance do segredo e a aventura do desconhecido nos caminhos do futuro. Relativamente discretas na Idade Mdia, as crticas dirigidas contra a universidade multiplicaram-se durante o Renascimento. Dos humanistas aos filsofos, a universidade era constantemente questionada, registram Charle e Verger (1). Ao longo dos sculos, a universidade passou por inmeras reformas: procurava-se torn-la mais eficiente ou mais til. Na prtica, o que se quis foi assegurar o controle do Estado, em detrimento da autonomia considerada vulnervel aos corporativismos e aos controles religiosos e partidrios. Nas mudanas a busca do conhecimento como fim em si foi sendo preterida em favor da busca de uma sabedoria tambm utilitria. Em vez do foco apenas no estudante como indivduo, passouse a considerar mais a sociedade como um todo, ou os interesses sociais maiores. Ademais, o conhecimento cresceu tanto que extinguiu para sempre o sbio generalista ou enciclopdico. A erudio assume hoje novas caractersticas. A dinmica dos acontecimentos foi tal que, a rigor, as reformas das universidades nunca foram capazes de atender s exigncias dos momentos histricos em que aconteceram. Em meados do sculo XIX, por exemplo, quando Newman props o seu modelo de universidade, a revoluo democrtica, a industrial e a cientfica j estavam acontecendo no mundo ocidental. Como disse Clark (2), a cincia estava comeando a tomar o lugar da filosofia moral e, a pesquisa, o lugar do ensino. Mais tarde, quando Flexner escrevia sobre a Universidade Moderna, essa j estava deixando de existir. A verdade que a universidade sonhada nunca de fato aconteceu, at porque quase uma idealidade, uma utopia pura, inatingvel mas sempre desejada. Talvez esteja a a sua fora, a sua resistncia milenar. As que mais avanaram ou se destacaram apenas chegaram s fronteiras mais prximas dos sonhos. Sonhos que mudam com o tempo,

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com a dinmica evolutiva da humanidade. Os novos paradigmas que as universidades tanto ajudaram a construir determinaram profundas transformaes no mundo em todos os tempos. Mudanas essas que muito as afetaram, imprimindo-lhes tambm peculiaridades nacionais e regionais. Em nosso Pas, como na Amrica Latina, vemo-las hoje includas nos chamados sistemas de educao superior (3, 6), verso moderna dos sistemas de ensino superior, longe do sonho inicial, mas talvez mais prximas dos mortais comuns, com todas as suas qualidades, pecados e imperfeies. O ensino superior com as caractersticas que passou a apresentar a partir do sculo XVIII atingiu em cheio os sistemas universitrios tradicionais. A crescente demanda por vagas nos cursos universitrios praticamente afogou as universidades e os valores a elas ligados. Estatsticas recentes mostraram fantstica acelerao na expanso de matrculas no ensino de graduao no Brasil, chegando-se a 2.694.245 alunos no ano 2000. Em 1968, apenas 278.295 estudantes estavam matriculados (4). Contradies entre o mundo universitrio tradicional e as aspiraes dos estudantes e seus familiares, quanto a possibilidades finais de insero profissional no mundo real alm de outros motivos sociais estratgicos foram exigindo transformaes irreversveis das universidades, descaracterizando-as e impedindo que universidades novas alcanassem as caractersticas institucionais necessrias ao status reconhecido de universidade. Alm disso, medida que os avanos cientficos e tecnolgicos foram chegando mais e mais aos nveis da competio econmica, transformando-se em objetivos centrais das naes, os seus centros geradores muitos dos quais baseados nas universidades foram sendo cobiados, descentralizados, diversificados e autonomizados. Perdendo ou no mais concentrando as correntes intelectuais geradoras de novos conhecimentos e realmente inovadoras, as universidades mais autnticas vo se enfraquecendo, tornando-se meras componentes do sistema de educao superior. Um sistema j a caminho da Educao a Distncia, para que os grandes contingentes de jovens possam ser atendidos. a encruzilhada. Talvez de um caminho inevitvel e sem volta. preciso assumir que a universidade tradicional j no mais possvel. Estamos a caminho de uma nova aventura que no parece desprezvel. Est nascendo uma nova universidade. Talvez seja preciso uma nova Alma Mater. Ou mais de uma. MORHY, Lauro. Universidade na encruzilhada. Universidade de Braslia, 12 mar. 2003. Disponvel em: http://www.serprofessoruniversitario.pro.br

1.4 Expectativas da sociedade

Ao ter conscincia de seu papel a universidade a instituio que mais tem condies de preservar a cidadania e de buscar o progresso. Para isso a universidade deve: Adotar uma postura aberta para integrar o conjunto do pas;

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Abandonar o apego ao presente para se comprometer com o futuro; Neutralizar a viso dependente para formular um pensamento nacional consistente com o progresso.

1.4.1 A sagrada misso pblica

A universidade pblica est em crise e precisa ser defendida. Existe uma crise de curto prazo, que se traduz na greve das universidades paulistas, para a qual se acabar por encontrar uma soluo. Mas ser, por definio, uma sada precria, como foi precria a criao de uma gratificao para os professores das universidades federais em 1998. preciso encontrar as causas mais profundas dessa crise cuja origem est na relativa perda de apoio da universidade junto opinio pblica. A universidade no est em crise porque pblica. Pases civilizados s possuem universidades pblicas. Universidades privadas, que derivam lucro do ensino, so inaceitveis nos pases mais avanados. A universidade pblica tambm no est em crise porque no esteja cumprindo sua misso, que de ensinar, pesquisar e publicar, que de fazer avanar o conhecimento. Poderia faz-lo melhor se tivssemos professores mais bem pagos e mais motivados, que se sentissem estimulados a produzir. Mas, apesar das condies adversas, continuam a existir muitos grupos de excelncia nas universidades pblicas brasileiras.

1.4.2 Um conceito equivocado

A origem da crise est no conceito de pblico que foi adotado pelas universidades brasileiras. Seguindo o modelo francs e alemo em vez do americano e ingls, pblico aqui se tomou, na linguagem corrente, sinnimo de estatal. Ora, em primeiro lugar, no preciso ser estatal para ser pblico, para estar voltado para o interesse geral. Identificar pblico com estatal um reducionismo imperdovel. Segundo, o ensino e a pesquisa, embora exijam financiamento do Estado, so incompatveis com formas estatais e burocrticas de administrao. O aumento do conhecimento favorecido quando os pesquisadores e professores so selecionados e avaliados de forma competitiva e quando, no seu trabalho, no so obrigados a obedecer a normas burocrticas estritas. Se ignoramos esses pressupostos, o resultado ser o que temos no Brasil: de um lado, universidades e departamentos que no podem ser responsabilizados nem premiados pelo seu mau ou bom desempenho; e de outro, a rigidez, a ineficincia, o mau uso dos

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recursos pblicos. No bastasse isso, as universidades so oneradas por um peso excessivo das aposentadorias precoces e integrais, sem nenhuma relao com a contribuio. Torna-se difcil para a opinio pblica entender por que as universidades pblicas noestatais, como as PUCs, a FGV, a Cndido Mendes, a Metodista de Piracicaba, podem alcanar nveis satisfatrios de ensino e pesquisa a um custo para o contribuinte muito menor o custo das taxas escolares do que o custo incorrido nas universidades estatais. O nvel de ensino e principalmente o de pesquisa ainda so em geral superiores nas melhores universidades estatais do que na mdia das pblicas no-estatais, mas a diferena no justifica o diferencial de custo para o pas. No ltimo dia 23, nesta Folha, li um editorial e um artigo de Renato Ortiz cujos ttulos eram, respectivamente, Pela universidade pblica e Crnica de uma morte anunciada. Magnfico que o jornal se ponha a defender a universidade. Mas por que s a estatal? Por que no reconhecer que aquelas universidades que acabei de nomear no so privadas, como insistem em afirmar os professores das universidades estatais, como confirmam as estatsticas oficiais, como repete a imprensa e como os prprios dirigentes e professores das entidades sem fins lucrativos equivocadamente admitem. Por que no afirmar que, no Brasil, h trs tipos de universidades: as estatais, as privadas e as pblicas no-estatais, que so de direito privado, mas no visam ao lucro, estando voltadas para o interesse pblico? O Congresso aprovou uma lei, h cerca de dois anos, que distinguiu os trs tipos e permitiu que as universidades e escolas superiores que se pretendiam sem fins lucrativos, mas no o eram, passassem a ter donos. Foi uma estranha autorizao para apropriao privada de bens pblicos, mas pelo menos deveria ter tido como contrapartida que, a partir de ento, as verdadeiras universidades pblicas no-estatais fossem reconhecidas. E que as universidades estatais aproveitassem a oportunidade para ganhar autonomia e se tornarem tambm pblicas no-estatais. Por enquanto, porm, nada aconteceu, alm da prosperidade das entidades privadas. No obstante, Renato Ortiz, a universidade pblica no vai morrer. Existem, sim, os cnicos e os irresponsveis, que falam em privatizao da universidade, que pedem que a universidade se equipare s empresas, que faam consultoria em vez de pesquisa, que preparem apenas tcnicos em vez de cidados com capacidade de pensar. Mas eles so minoria e no destruiro a universidade pblica. Quem est ameaando a universidade pblica somos ns, que a defendemos, porque no estamos sabendo reform-la. Precisamos mudar o estatuto jurdico das universidades estatais. Torn-las, como fizeram os ingleses, autnomas e pblicas no-estatais. E continuar a financi-las quase integralmente, como fazem tambm os ingleses, pelo Estado. Seria prefervel que o ensino universitrio fosse pago ao mesmo tempo em que se assegurassem 30% das vagas para bolsas. O ensino que deve ser gratuito e universal o bsico. Mas o pagamento ou a gratuidade no o problema principal. uma questo que pode ser deixada para depois. O essencial , gradualmente, tornar as universidades fundaes autnomas, de direito privado, que contratem professores e funcionrios pela legislao trabalhista e organizem fundos de penses para eles. Os professores podero alcanar estabilidade

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depois de alguns anos, adotando-se o sistema de tenure americano. Mas no ser uma estabilidade automtica. S os melhores alcanaro. As universidades devero ter liberdade para contratar, estabelecer salrios, planos de carreira. O Estado, por sua vez criar uma agncia executiva, como a inglesa, que receber os recursos oramentrios e os distribuir s universidades a partir de dois critrios: o nmero de estudantes e a qualidade do ensino; e o volume e qualidade das pesquisas e publicaes. A agncia avaliar as universidade segundo o sistema de avaliao de pares do qual j temos 50 anos de experincia bem-sucedida. Os recursos dessa agncia federal e de agncias estaduais nos Estados como So Paulo que tm universidades se somaro aos recursos especficos dados pesquisa pelo CNPq, pela Fapesp, e s bolsas dadas aos alunos pela Capes etc. Dessa forma teremos avaliao e competio entre as universidades. E todas tero a autonomia administrativa necessria para serem bemsucedidas e realizarem sua misso pblica, que uma misso quase sagrada. Algumas cometero erros: contrataro funcionrios em excesso ou aumentaro salrios que no tero como pagar. Nesse caso essencial entender que o Estado no vir socorr-las. A responsabilidade ser da prpria universidade, de seus reitores, de seu conselho de administrao. Claro que haver um longo perodo de transio. Os atuais professores e funcionrios devero ser mantidos como esto, como servidores pblicos. E continuaro a ser pagos diretamente pelo Estado, embora cedidos s novas organizaes sociais especiais em que sero transformadas as universidades estatais. Suas aposentadorias devero ser colocadas fora do custo da universidade no custo total do servio pblico para que o custo da universidade no fique indevidamente inflado. Essa a reforma que a mdio prazo garantir universidade pblica o papel que deve ter no pas. Propus idias semelhantes a estas em 1995. Embora tenham contado com um imenso apoio da opinio pblica, elas encontraram resistncia de professores e reitores, que viam nela uma ttica neoliberal para privatizar a universidade. Creio que esse tipo de desconfiana, se ainda no desapareceu de todo, perdeu toda sua credibilidade. O que estou propondo aquilo que os professores universitrios brasileiros sempre reivindicaram: autonomia. Mas autonomia s pode vir com responsabilidade. Uma responsabilidade que as boas universidades no tero dificuldade em assumir. Agora est na hora de debater com seriedade esta proposta. Emend-la, melhor-la. Mas no perder de vista o objetivo: defender a universidade pblica, que a nica instituio capaz de produzir um bem cujo valor sempre foi imenso, mas que agora tornou-se estratgico o conhecimento. Fonte PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A sagrada misso pblica. Folha de So Paulo. So Paulo, 04 jun. 2000, Caderno Mais!, p. 10-1.

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1.5 Objetivos da universidade

Considerando que todos os objetivos da educao convergem para um nico foco o desenvolvimento harmnico do homem, os objetivos mais relevantes da universidade so: a) Universalizao da cultura cabe universidade preservar as conquistas culturais da humanidade, contribuindo para a harmonizao das barreiras ideolgicas que segmentam os povos. b) Socializao do saber cabe universidade estender os conhecimentos que produz comunidade, contribuindo para a resoluo tanto dos crnicos problemas sociais quanto dos que vierem a surgir. c) Formao de profissionais cabe universidade acompanhar o movimento dos mercados de trabalho, contribuindo com a demanda de mo-de-obra profissionalmente especializada. d) Formao de pesquisadores cabe universidade antever cenrios futuros, contribuindo para a formao de especialistas que se dediquem produo de conhecimento em todas as reas de conhecimento.

1.5.1 A universidade prisioneira do medo

No h maior inimigo da produo de pensamento do que o medo. Todavia, poucas coisas tm estado mais presentes na universidade. Medo do mercado Preocupados com a obteno de emprego e conhecedores das leis de mercado, os alunos sabem que o mais recomendvel o bom comportamento. Em vez de idias novas e atrativas, aprendem a manejar ferramentas, com seus bem-comportados professores, para responder, sem criticar, aos problemas formulados pelos futuros empregadores. Os alunos percebem que os colegas crticos que tm idias prprias e so ousados podem, s vezes, ter sucesso, mas tambm podem ser rejeitados no processo. Para evitar riscos, deixam que o medo conduza a formao profissional, estudando apenas conforme o professor ensina, limitando-se a mostrar que aprenderam as lies. Alguns professores, em geral os mais inseguros, abusam da arrogncia e do poder de que dispem como forma de se defender de outro medo: o de perder a reputao, que,

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em parte, depende dos alunos. O giz usado como pequeno cassetete branco sobre a conscincia dos alunos. Medo do Estado Em regime ditatorial, a esses medos internos, soma-se o medo do Estado e de seu aparelho repressivo, pelo seu poder de aumentar e reduzir os recursos universidade, impor controles, censurar ou prender quem contesta. Medo que no desaparece com a democracia, que muda os instrumentos de represso, mas mantm o controle das legislaes. A democracia no elimina o medo, mas modifica os agentes causadores e as formas de sua manifestao. Medo da liberdade Poucos medos so mais fortes e mais escondidos que o medo da liberdade. Sob a ditadura, o professor, o aluno, o funcionrio e a administrao sabem que, cumprindo as normas, respeitando os limites permitidos, ningum perturbar sua rotina. Mas a liberdade rompe as normas e cobra mudanas. O professor j no tem desculpas para no ter idias, mas ainda no est preparado para manifest-las, ou ainda no acredita na liberdade de realiz-las. O aluno, por sua vez, no tem desculpas para no exigir melhores aulas, mas ainda no aprendeu a conduzir a luta por seus direitos em sala de aula. O funcionrio, que nunca teve voz, agora comea a falar, mas apenas como empregado lutando por interesses trabalhistas, sem querer participar da construo da universidade. A administrao j no dispe da ditadura para garantir sua autoridade e faltam-lhe, contudo, instrumentos para cobrar, exigir, conduzir a universidade s mudanas que todos desejam, mas temem. Sem as normas de antes, a universidade fica desnorteada. Para sobreviver de forma menos arriscada, amedronta-se, como se no tivesse liberdade. No podendo negar que a liberdade existe. Cada um se angustia por no ter desculpas para no us-la na realizao das mudanas pelas quais tanto luta, das reformas que tanto planeja, ou na construo da universidade que diz desejar. Vem da o medo da prpria liberdade e o desejo inconsciente de que ela no exista. O medo se agrava por razes psicolgicas. O fim da ditadura libera as contradies, elimina a ternura protetora que os perseguidos desenvolvem entre si. Surge o vazio nostlgico das alianas que desaparecem quando expostas liberdade. Medo da crtica externa Em vez de us-la como alerta para auto-anlise e autocrtica, a academia v a crtica externa como fruto de conspirao e m vontade. Ao ser criticada pelos setores da imprensa, do governo, por empresrios e sindicatos, a universidade, em vez de descobrir se h verdade nas denncias, e usar essa descoberta para transformar-se, prefere defender-se tomando-as necessariamente como falsas. Esse temor crtica no decorre da costumeira arrogncia que a faz sentir-se superior. Decorre do medo das conseqncias que essas crticas tero, medo de que elas levem a mudanas que ameaaro privilgios adquiridos dentro da cmoda vida acadmica.

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Medo do novo O medo e o dio irracional s idias novas, que Carl Jung chama de misonesmo, caracterstica intrnseca do inconsciente humano. Entretanto, imperdovel que esse medo impere no meio universitrio, porque a instituio que busca o avano das idias s deve existir com o propsito de inovar as idias. Apesar disso, talvez em nenhuma outra instituio, haja to grande horror s novas idias como na universidade atual. Nas demais instituies, o medo do novo vem do imprevisvel. Na universidade, vem do medo de errar e do medo do ridculo, da sndrome de Salamanca. Isso ocorre em grande parte porque os universitrios esto presos platia interna da universidade, ao seu local acadmico e ao seu imediatismo, que amarram as idias ao horizonte limitado das teses recentes. O acadmico prefere o aplauso seguro dos pequenos avanos tericos ao risco dos grandes saltos no pensamento. Estes medos criam amarras imperdoveis entre intelectuais, porque o erro e o ridculo so inerentes e inevitveis em toda nova idia que faz o pensamento avanar. Muito mais do que com as terrveis mas estimulantes ameaas da ditadura, o acadmico se assusta com a hiptese de sua proposta ser ridicularizada e se inibe. Usa a mesma autocensura que o protegia dos servios de informao nos regimes autoritrios, mas de forma mais grave, mais definitiva e conveniente, e se acomoda na viciosa, lenta, cuidadosa e cmoda carreira acadmica. Um exemplo disso est nos cientistas sociais de pensamento marxista, que tinham a louca coragem pessoal de enfrentar a represso policial, mas no a coragem intelectual de contestar as prprias idias oriundas de Marx. Este medo trgico para a liberdade dos universitrios e para o seu papel de geradores de saber, porque, sem o risco do erro, do ridculo, da loucura, das grandes hipteses, muitas delas sem qualquer futuro cientfico, a universidade se limita ao papel de sistematizadora do pensamento anterior. Lamentavelmente, o medo do novo est disseminado e fortalecido na estrutura acadmica, que prefere atribuir mrito s idias consolidadas. Fonte BUARQUE, Cristovam. A universidade prisioneira. Advir, Rio de Janeiro, n. 6, jul. 1995, p. 4-25. Edio especial.

1.6 Compromisso da universidade

Se o maior compromisso a ser firmado pela universidade, haja vista a qualidade do trabalho intelectual nela gerado, preservar a cidadania e alavancar o progresso nessa misso, devem estar incorporados, na universidade, tanto o ineditismo prprio da produo cientfica quanto a inovao prpria da tecnologia.

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So nessas reas que se d a maior contribuio da universidade soberania e ao futuro das naes. 1.6.1 Universidade para a crise

Modernidade e soberania associam-se quando a questo desenvolvimento. A retomada de qualidade Conscincia da perda O primeiro passo para a retomada da qualidade na universidade est dado com os sentimentos de angstia e insatisfao, que decorrem da conscincia da perda de qualidade. De certa forma, at a apatia manifestao positiva, se for comparada com a euforia iludida e orientada em busca de melhorar a qualidade definida em termos obsoletos. Nesse sentido, a universidade brasileira est na frente das demais instituies nacionais. A grande insatisfao j existe. Poder caminhar para longo niilismo aptico ou para a rebeldia, e, da, reformulao com a redefinio do conceito de qualidade e retomada desta nova qualidade. Fermentao Felizmente, em vez de cair na iluso da falsa qualidade, este conjunto de sentimentos se manifesta, forando a fermentao necessria retomada da qualidade de fato. Nos ltimos anos, considervel parcela da comunidade est mobilizada constantemente em atividades muitas vezes diferentes das tradicionais. Muitos, estticos, acreditam que este ativismo nada tem a ver com a academia. So os que no vem a necessidade de mudanas. Os que vem, sabem que a universidade, longe de estar aptica, est viva. Conduo da rebeldia H em muitos o desejo de fugir da angstia do sem-rumo atravs de proposta imediata que empolgue e conduza a comunidade de volta apenas ao tradicional trabalho acadmico. Esta alternativa no servir para o momento. O papel de liderana conseqente, hoje, criar e garantir as condies para liberar toda criatividade existente, atravs de: absoluta abolio do medo, mesmo com as complicaes gerenciais que isso provoca; sugesto de concepes radicais de universidade que esteja na vanguarda dos problemas, mesmo com o risco de incomodar; incentivo total e apoio firme s idias da comunidade, mesmo com o risco da perda de credibilidade por no conseguir realiz-las integralmente; criao das condies de infra-estrutura para manter o clima de crescimento, mesmo que os recursos sejam escassos;

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alerta permanente para o problema da qualidade e a realizao de toda e qualquer ao que ajude a melhor-la desde j, sobretudo atravs da constante avaliao e autocrtica; avaliao, provocao e cobrana de alunos por professores, de professores por alunos e de funcionrio pela administrao, quebrando-se o chamado pacto da mediocridade, na prtica do dia-a-dia do ensino.

Viso global do universo do conhecimento Lamentavelmente, a maioria dos corpos docente e discente das universidades ainda assume a viso moderna de que o pensamento segmentado da especializao o caminho mais eficiente para o avano do conhecimento. Com isso, a universidade generalizou a prtica do pensamento isolado dentro de cada departamento, perdendo no apenas a dimenso global de cada tema e objeto real de estudo, mas, sobretudo, a dimenso humanista do pensamento. As tentativas dos cursos por crditos, cursos bsicos e profissionalizantes, no permitiram a formao de pensamento integrado e humanista. Esta formao exigir prtica diferente do trabalho universitrio, onde o professor e o aluno saiam do enclausuramento de seu departamento para a pesquisa multidisciplinar por tema, participando de atividades humanistas que permitam a universalizao do saber. Publicizao do ensino estatal O Brasil vive raro momento em que o ensino superior estatal criticado em nome da justia social. As universidades dos estados so ocupadas, gratuitamente, pelos filhos das classes mdia e alta; nas universidades particulares ficam os demais. Nessas condies, parece ser mais justo cobrar dos ricos a escola superior que seus filhos freqentam. Esta concepo de justia social incorre em trs erros: iluso quanto s caractersticas sociais da populao universitria; desconhecimento do custo de manuteno da universidade; e falsa viso do papel da universidade. Mesmo considerando que o sistema de escolha, por vestibular, favorea o ingresso dos filhos dos ricos nas escolas pblicas, falso dizer que nas universidades particulares esto os filhos dos pobres. No Brasil, raramente os pobres passam da escola primria. A alternativa de que os ricos paguem por seus filhos tambm no soluciona o problema. So to poucos os que poderiam pagar a taxa mdia do custo da universidade que essa contribuio seria insignificante para o financiamento global da universidade. Em compensao, o fato de pagar daria, a esses poucos, poder e direito sobre a universidade, forando-a a adaptar-se aos seus interesses particulares, que consistem, obviamente, na obteno de um passaporte promoo individual como forma de recuperar os seus gastos. Essa situao apenas se justificaria para os que concebem o curso universitrio como investimento financeiro. O mesmo ocorreria se a universidade fosse financiada diretamente por empresas: as indstrias montariam escolas de engenharia; os donos de hospitais, faculdades de medicina. Estas empresas, como proprietrias, aprisionariam as escolas em seus

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interesses e racionalidades, buscando o mximo de retorno no prazo mais curto. atendendo apenas demanda dos ricos. A injustia da universidade pblica no reside no fato de que nela s entram os filhos dos ricos isso injustia social. A injustia da universidade est em que todos aqueles que dela saem trabalhem apenas para os ricos, em decorrncia da estrutura, do currculo e dos mtodos de trabalho. Formar e ser elite intelectual no erro, obrigao. Errado s servir elite econmica e social. Em uma sociedade em transformao, como a brasileira, a universidade no deve limitar-se a encontrar pequenas respostas, deve formular grandes e novas perguntas. Isso no possvel com alunos, pais de alunos ou empresas buscando retorno imediato de seus investimentos. O momento exige a mais absoluta liberdade de pensamento e o compromisso maior com o destino do pas, o que s possvel com o ensino superior pblico-e-gratuito para todos os que tenham condies intelectuais de aproveit-lo, assumindo o compromisso de usar socialmente os conhecimentos obtidos. O grande desafio da universidade brasileira para os prximos anos no privatizar o ensino estatal, com base em mopes e equivocados conceitos de justia; tornar pblica a universidade hoje apenas estatal, pondo-a a servio do pblico. A universidade pblica deve transformar-se para formar profissionais que atendam s necessidades da populao e da construo do futuro da nao, em vez de atender apenas demanda atual da minoria rica. Ao mesmo tempo que restringe seus cursos aos mais competentes, a universidade deve desenvolver mecanismos para levar seu potencial educativo a toda a populao, atravs de programas de extenso, ensino a distncia, treinamentos etc. Ao lado do compromisso de servir ao pblico, o maior compromisso da universidade pblica o de faz-lo com o mximo de qualidade. Por isso, a publicizao da universidade estatal passa pela manuteno de rgidos critrios de seleo. Fonte BUARQUE, Cristovam. Universidade para a crise. Advir, Rio de Janeiro, n 6, jul. 1995, p. 36-48.

1.6.2 O ensino superior

O Ensino superior no mundo inteiro passou, nos ltimos anos, a fazer parte do rol de temas encarados como prioritrios e estratgicos para o futuro das naes. Generaliza-se a convico de que o desenvolvimento requer, cada vez mais, uma decisiva ampliao dos nveis de escolaridade da populao. Para as naes que j souberam incorporar as crianas e jovens ao ensino fundamental e mdio, tratar-se-ia de enfrentar o desafio da universalizao do acesso ao ensino superior. Estima-se que esta

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abertura exige, por sua vez, uma ruptura com os padres e modelos rgidos e em muitos casos indiferenciados de ensino superior ainda prevalecentes em muitos pases. A educao superior, neste processo de transformaes, no poderia se furtar ao aproveitamento das novas tecnologias de informao e comunicao. As necessidades do desenvolvimento e com elas o novo perfil da demanda cobram flexibilidade e agilidade, apresentao de alternativas de formao ajustadas s expectativas de rpida insero num sistema produtivo em constante mudana. O novo mercado de trabalho, que se engendra neste processo de transformaes econmicas, mostra-se cada vez mais exigente no tocante ao domnio de conhecimentos, capacidade de aplic-los criativamente na soluo de problemas concretos, esprito de liderana e polivalncia funcional, bem como adaptabilidade mudana tecnolgica. De outra parte, a produo de conhecimento e a necessidade de se contar com quadros sempre maiores de pesquisadores e tcnicos altamente capacitados para a pesquisa cientfica e tecnolgica no perdem importncia, multiplicando demandas ao sistema de ensino superior e tomando mais complexas suas relaes com o estado, os setores produtivos e a sociedade em geral. O impacto das novas presses sobre o ensino superior sentido e ser equacionado de modo muito diferente pelos pases, em virtude da histria de seus sistemas de ensino, da sua organizao e da maior ou menor capacidade poltica de se proceder a mobilizao dos recursos necessrios e a implantao de polticas pertinentes. A disposio para investimentos pblicos e privados duradouros e convergentes com os objetivos que se pretende alcanar so imprescindveis neste contexto. O Brasil se insere, neste quadro, de modo muito peculiar. De um lado, comea a experimentar com intensidade os efeitos das grandes transformaes em curso e no pode se esquivar das mesmas questes que preocupam as naes mais desenvolvidas. De outro, carrega o nus de possuir um sistema de ensino superior (e de resto de educao em geral), que acumula precariedades dramticas. Nosso sistema, em boa medida, mais pode ser caracterizado pelo que no ocorreu ou pelo que deu errado, do que pela existncia de identidade definida e prpria (com exceo da ps-graduao stricto sensu). Construir um novo modelo supe lidar cumulativamente com velhos problemas e novos desafios. Problemas estruturais esto a cobrar solues prvias em paralelo ao encaminhamento positivo das novas urgncias. Vista no horizonte de mdio prazo do sistema de ensino superior, a sociedade brasileira demanda cumulativa e simultaneamente: a) O aumento da oferta de vagas que amplie o acesso ao sistema. b) A ampliao das alternativas de organizao e definio de misses institucionais, bem como, da oferta de cursos e carreiras, que estejam sintonizadas com as demandas substantivas dos estudantes e com a definio de projetos pedaggicos compatveis com os desafios da modernidade.

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c) A elevao significativa nos padres de qualidade do ensino reconhecendo-se as peculiaridades das misses e dos projetos institucionais. d) Adequada estrutura de financiamento do sistema, capaz de conciliar as exigncias de um ensino de timo nvel com os oramentos pblicos e com a renda familiar da populao. Adiante, pretende-se qualificar e inventariar os diferentes aspectos e dimenses atinentes a este complexo de desafios. Ao se fazer isto, pretende-se explicitar o que parece ser inevitvel em termos de mudana nas polticas para o ensino superior. Fonte NEVES, Ablio Afonso Baeta. O ensino superior. [S.l.: s.n].

1.7 Busca da qualidade

Sem abrir mo de sua autonomia acadmico-cientfica, a universidade deve buscar a qualidade de seu trabalho. O futuro das novas geraes depende dessa qualidade.

1.7.1 O sistema de avaliao na educao superior no Brasil

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) tem examinado a situao do ensino superior no Brasil sob pticas diferentes e complementares. O Censo da Educao Superior, a Avaliao Institucional, a Avaliao das Condies de Ensino e o Exame Nacional de Cursos (ENC) formam um sistema abrangente que mostra qualitativa e quantitativamente a situao da educao superior no Pas. O censo, realizado anualmente, faz um retrato do ensino superior a partir da coleta de um amplo leque de informaes, como nmero de alunos, concluintes, cursos, instituies e docentes. A Avaliao das Condies de Ensino realizada quando o curso necessita do credenciamento ou da sua renovao. Trata-se de uma verificao feita por uma comisso de professores que analisa o curso no seu prprio local de funcionamento, considerando o corpo docente, a infra-estrutura e o projeto didticopedaggico.

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A Avaliao Institucional uma verificao aos moldes das Condies de Ensino, que leva em conta as mesmas dimenses, alm de considerar tambm o Plano de Desenvolvimento Institucional. realizada cada vez que uma instituio de ensino superior procura se credenciar e, depois disso, repetida a cada quatro anos. Alm dessas avaliaes, operacionalizadas pelo Inep, a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes/MEC) faz ainda a avaliao dos cursos de ps-graduao, completando assim o quadro das condies do ensino superior no Pas. O ENC, que atribui um conceito ao curso a partir de uma prova aplicada aos formandos, uma parte apenas desse sistema. E, embora o exame tenha assumido uma dimenso hipertrofiada, ele deve ser colocado em sua devida proporo: apenas um dos vrios instrumentos adotados no mbito do Ministrio da Educao para conhecer a realidade da educao superior. Algumas caractersticas do ENC podem ser apontadas pela sua exacerbada repercusso. O ENC obrigatrio, embora no corresponda a um dever cvico, nem gere direitos. exatamente o contrrio: no faz-lo gera punies. O resultado do exame leva a um ordenamento dos cursos superiores, sem significar necessariamente que os classificados entre os piores sejam ruins e os classificados entre os melhores sejam bons. Em certas reas do conhecimento, cursos com nota D so perfeitamente aceitveis e, em outras, cursos com B podem estar abaixo de qualquer patamar aceitvel. Uma instituio de bom nvel, com um corpo docente bem preparado e condies de funcionamento adequadas, por exemplo, que esteja instalada numa regio tradicionalmente carente de ensino, provavelmente apresentar nas primeiras turmas de formandos desempenho aqum do que seria desejado. Entretanto, essa uma situao transitria que ser superada. Aps um perodo de tempo mais longo, se a instituio causar uma interferncia no desenvolvimento cultural e escolar na regio, os estudantes passaro a ter um desempenho adequado. Neste caso, uma nota baixa no ENC no traduz essa situao especfica e penaliza um esforo de melhoria de um quadro educacional. Por outro lado, um curso com conceito A no ENC numa regio bastante densa e desenvolvida do Pas pode adicionar pouco conhecimento aos estudantes. o que acontece quando os jovens que tm acesso ao ensino superior possuem, previamente, uma slida formao educacional e cultural. Neste caso especfico, a nota A pode refletir muito mais este perfil de entrada do que propriamente aquilo que o curso proporcionou de ganho em termos de conhecimento. Uma outra questo o boicote, que faz com que excelentes cursos fiquem colocados entre os piores e, como conseqncia, alguns entre aqueles com desempenho E sejam guindados ao conceito D, outros que deveriam ter recebido D recebem C, e assim por diante. Finalmente, uma outra razo que ampliou as dimenses do ENC foi a enrgica oposio tomada por associaes ligadas a avaliaes de cursos em vrias reas do conhecimento, pesquisadores da rea educacional e entidades estudantis e cientficas. Isso tudo serviu para chamar a ateno para o ENC, ofuscando, conseqentemente, os outros estudos sobre o ensino superior brasileiro e outras possibilidades de avaliao mais comprometidas com a realidade nacional e com os anseios da sociedade.

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O programa do Presidente Lula apresentado sociedade afirmava claramente a necessidade de rever o Exame, e o Ministrio da Educao, coerente com esta diretriz, tem proposto o seu aperfeioamento. Para isso, vamos ouvir pessoas e associaes e estudar os outros mecanismos de avaliao j em uso no Brasil e aqueles utilizados em outros pases. No podemos deixar que a luz do holofote lanada sobre o ENC nos ofusque e nos impea de estudar os resultados de todos os processos de avaliao do ensino superior de forma a diagnosticar seus problemas e apontar possveis solues. preciso lembrar tambm que o sistema de avaliao construdo durante o governo FHC tinha uma perspectiva liberalizante para a educao, completamente diferente da proposta do governo Lula. Fonte HELENE, Otaviano. O sistema de avaliao da educao superior no Brasil. SBPC/Labjor Brasil, 10 fev. 2003.

1.8 A avaliao da universidade

A sociedade deve avaliar no por uma viso mope norteada pela relao custobenefcio at que ponto a universidade est cumprindo seu papel. Precisamos verificar at que ponto a universidade: a) abandona o papel do legitimadora do saber, adotando o axioma da dvida; b) desbanca seus dogmas, confrontando o seu saber com conhecimentos emergentes; c) enfrenta problemas da sociedade, buscando sadas que preservem a soberania do pas e a igualdade entre os povos; d) articula a cincia tecnologia, dando suporte ao crescimento do setor produtivo, sem se deixar levar pelo imediatismo; e) provoca a sinergia entre a produo individual e a coletiva, possibilitando a transformao de hipteses particulares em teorias. Durante os governos militares, as universidades, assim como as escolas isoladas de alta especializao, no tinham como absorver a crescente demanda por formao humanstica e tecnolgica, cada vez mais exigida pela sociedade. Observamos, ento, um boom no credenciamento de instituies de ensino superior. De modo quase absoluto, a no ser nas universidades tradicionais e nas referidas escolas especializadas, no se fazia pesquisa, s se transmitiam conhecimentos.

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Ora, esse boom acabava por descaracterizar o espao histrico de produo de conhecimentos a universidade. Face a esse quadro, a Lei n 9.394 Lei de Diretrizes e Bases da Educao/LDB , de 20 de dezembro de 1996, em seu art. 52, estabeleceu os parmetros, definindo o que uma universidade. Tambm a partir desse momento, todas as universidades passariam a ser avaliadas, entre outros critrios, pela atualizao e produo cientfica de seus docentes. Com essa medida, esperava-se, a mdio prazo, uma inverso progressiva do papel da universidade em relao transmisso/produo do conhecimento. Em sntese, no plano do ensino superior, deveria a pesquisa assumir posio condicionante do ensino. Aps a LDB, a ps-graduao stricto sensu espao que congrega cursos sistemticos, linhas e grupos de pesquisa, e pesquisadores , alm de continuar sendo componente importante no sistema educacional brasileiro, passaria a influenciar a avaliao da universidade como um todo para efeitos da comprovao da pesquisa institucionalizada. At ento, a avaliao de um curso de ps-graduao estava a ele circunscrita, j que seus resultados no afetavam o todo da instituio.

1.9 A produo do conhecimento

No processo de produo do conhecimento, a universidade no parte do nada. Ao contrrio, ela se debrua sobre conhecimentos j elaborados para afirm-los, question-los ou neg-los. Contudo, para possibilitar que o conhecimento produzido possa gerar novos conhecimentos: a universidade tem de expor o que produziu; a universidade tem de descrever o caminho de suas buscas e descobertas; a universidade tem de relatar seus erros e seus momentos de incerteza.

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1.9.1 - A educao da universidade brasileira

a) Instrumento de modernidade Todo instrumento social tem de ser um instrumento de modernidade da sociedade. Entre todos esses instrumentos, a universidade tem o principal papel. Mas, em um momento de crise como o atual, no basta ser instrumento de execuo de modernidade previamente definida; a universidade tem de ser um agente da definio de modernidade como smbolo do futuro desejado para a utopia nacional. As faculdades e os departamentos no podem limitar seus trabalhos apenas ao estabelecimento de uma medicina ou engenharia moderna; tm de participar da definio do que significa moderno no pas onde se situam. A universidade brasileira, confinada na elite minoritria identificada com os valores e com os objetivos importados dos pases-com-maioria-rica, assumiu para a modernidade o mesmo significado dado pela universidade nesses pases. Por coincidncia de interesse com a elite, recusou-se a exercer o papel de definidora da modernidade. Concentrou na idia de moderno a imitao dos pases ricos. Nesse processo, renegou os valores culturais locais, identificou-se com sociedades e realidades externas, transformou-se em um instrumento de deformao social, ajudando a montar uma infraestrutura tecnolgica que pode ter sido capaz de solucionar os problemas da modernizao nos pases ricos, mas, aqui, no teve a menor preocupao com os problemas mais simples da maioria da populao. Ainda mais grave: foi conivente com o fato de que a parte moderna da economia e da sociedade tenha sido construda sobre a diviso e a segregao social custa do empobrecimento e do atraso da maioria. Cabe universidade ajudar na definio de uma nova modernidade que assegure o funcionamento democrtico da sociedade, eliminando o apartheid social, construindo uma economia eficiente com abertura em relao ao exterior, descentralizada e respeitando a ecologia. Uma modernidade tica, enfim, no sentido de ser definida por seus objetivos, e no pelos meios que utiliza. b) Instrumento de soberania Em um artigo no Jornal do Brasil de 14 de abril de 1990, Claudio de Moura Castro cita um PhD tailands que, ao voltar ao seu pas, ficou quatro meses adquirindo uma formao budista antes de ocupar os cargos tecnocrticos para os quais se formou nos Estados Unidos. Como ele, milhares dos quadros orientais, na Coria e, sobretudo, no Japo, esto sendo capazes de compor a formao tcnica de construo da eficincia social com a afirmao dos valores locais, com os quais definem uma tica para seus trabalhos e uma maior eficincia por levarem em conta a realidade cultural do mundo onde trabalham e ao qual continuam pertencendo. Pelo contrrio, as universidades brasileiras, cuja formao tecnocrtica copiada diretamente da norte-americana, tendem a um repdio total da cultura nacional. Mesmo

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quando a estudam, como manifestao folclrica. Criam, com isso, uma cultura parte, isolada da grande massa, identificada apenas com o pensamento dos universitrios e da elite social. O resultado trgico a mdio e a longo prazos pelos lados tico-poltico, cultural e tcnico. Pelo lado tico-poltico, porque essa situao exigir uma crescente segregao do tipo apartheid. Pelo lado cultural, devido esquizofrenia com que passam a conviver, rodeadas por uma realidade, mas com uma conscincia voltada para outra, distante, qual serve mesmo quando diz repudi-la. Do ponto de vista tcnico, porque essas universidades criam solues desvinculadas da realidade, condenadas, por isso, ao fracasso. A renovao universitria vai exigir uma modificao nessa postura. O profissional, aproveitando-se da formao no exterior, deve ser capaz de compor tal formao com uma vivncia e uma integrao dos valores, dos problemas e dos objetivos da sociedade brasileira. Para isso, a universidade deve estar na vanguarda da luta por uma soberania que priorize a definio de seus objetivos, os tipos de especializao, de campos de estudos, de solues que interessem nao e no que se ocupe da criao de uma iluso de modernidade, a qual interessa, basicamente, elite consagrada pela universidade, que funciona como vanguarda da colonizao espontnea, da dependncia, do entreguismo e da dissoluo da cultura nacional. c) O compromisso com a qualidade O primeiro compromisso de qualquer trabalho, especialmente o intelectual, com a qualidade. Ao lado da seriedade, do ineditismo e da funcionalidade, a qualidade deve ser atributo bsico das universidades. Lamentavelmente, na medida em que a universidade se isola em uma minoria e essa minoria deixa de representar a vanguarda, por ser dependente e por ter esgotado seu projeto para o pas, a universidade perde funcionalidade e cai na repetitividade, perdendo, conseqentemente, qualidade. Nas reas tcnicas, a funcionalidade significa a soluo dos problemas relacionados eficincia. Nas reas cientficas, artsticas e filosficas, significa o avano do saber. Infelizmente, muitos dos que tentam defender a qualidade insistem em faz-lo sem uma crtica repetitividade e falta de funcionalidade do seu produto. Fazendo-se uma anlise do conjunto de teses defendidas nos cursos de ps-graduao nas universidades brasileiras, percebe-se uma constante repetio dos mesmos temas, das mesmas respostas, apenas agregando-se pequenos detalhes de umas para outras. A qualidade do trabalho universitrio exige uma redefinio do conceito de qualidade, de maneira a incorporar, de um lado, a criatividade presente no ineditismo de cada trabalho e, de outro, uma sintonia dos trabalhos com o objetivo de modernidade e de contribuio para a soberania da sociedade. Essa realidade exige uma nova postura de toda a comunidade, tanto dos tradicionalistas, como dos revolucionrios: dos primeiros, porque toleram um conceito pobre de qualidade; dos demais, por terem, at certo ponto, desprezado a busca de qualidade. Para isso, impossvel deixar de avaliar o trabalho universitrio, ou limitar os avaliadores apenas aos pares do trabalho universitrio. Tampouco possvel deixar que essa avaliao seja feita com base em conceitos burocrticos de custo-benefcio no curto

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prazo, ou com a viso mope de que, ao povo, s serve o que resolve seus problemas imediatos. d) O entendimento da democracia Uma universidade encravada na elite isolacionista, com todos os seus vcios e sua inrcia conservadora, s se transformar se estiver aberta a um intenso debate. Mas esse debate se perder, se a democracia na universidade for vista como um fim em si e caso se mantenha isolado de uma busca de participao na democratizao do conjunto da sociedade. A viso fechada da universidade, comprometida apenas com os interesses da elite minoritria, levou-a a uma viso deformada da democracia: nos mesmos moldes que prevaleciam na Grcia, onde a democracia mais pura entre os patrcios convivia com a escravido; ou nos moldes da democracia parlamentar do apartheid na frica do Sul, desconsiderando a maioria negra. O entendimento da democracia vai exigir a convico de que a participao interna s se justifica como meio para que a universidade se mantenha em sintonia com a sociedade em geral e com sua luta por soberania e eficincia no caminho para a igualdade. Fonte BUARQUE, Cristovam. A educao da universidade brasileira. Advir, Rio de Janeiro, n. 6, jul. 1995, p.26-35. Edio especial.

1.10 A socializao do conhecimento

Da socializao do conhecimento, emergem, na universidade, duas outras funes: a) a transmisso do conhecimento sociedade por meio das atividades de ensino - , capacitando-a para o enfrentamento do futuro; b) aplicao do conhecimento na comunidade por meio de atividades de extenso -, contribuindo para a resoluo de seus problemas.

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Metodologia do Ensino Superior 1.10.1 Universidades: urgncias

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No simpsio sobre A universidade e os desafios da inovao, de que participei como expositor, na Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao, realizada em Braslia, em setembro de 2001, alm de aspectos estruturais atinentes ao tema, duas questes foram fortemente enfatizadas por mim, por outros participantes da mesa e nas intervenes do pblico. O texto que apresentei - Cincia, Tecnologia e Inovao: desafios e contraponto - e que pode ser encontrado na revista ComCincia, n 25, de setembro de 2001 ou no Observatrio da Imprensa, n 138, de 12/09/01, ou ainda no JCmail, n 1874, de 14/09/01, frisa essas duas questes e as coloca como fundamentais para o bom desempenho de nosso sistema de cincia, tecnologia e inovao. A primeira dessas questes diz respeito urgente necessidade de se ampliar o mercado de trabalho, tanto acadmico, quanto empresarial, no Brasil, para que possam ser absorvidos os mestres e doutores que, a cada ano, se formam em nmero cada vez maior pelas nossas universidades ou por programas no exterior. No ano de 2000 foram 5.700 doutores e 17.000 mestres. Em 2001, 6.000 doutores e 20.000 mestres. Dos 5.700 doutores formados em 2000, menos da metade tem vnculo de trabalho. Esses nmeros tendem a aumentar, tanto pelo lado dos que se formam quanto pelos que, titulados, no encontram trabalho formal em universidades ou em centros de pesquisa acadmicos ou empresariais. A apreenso entre os que estudam fora do pas tambm crescente, pois no vem, com a perspectiva da volta, possibilidade de encontro de trabalho nas reas de sua formao e de sua competncia. O assunto , pois, urgente e com urgncia que preciso motivar o nosso mercado empresarial para o problema: sem pesquisadores nas empresas no h inovao tecnolgica, nem inovao de produtos e, em conseqncia, no h competitividade e o pas fica a ver navios, no os que exportam o que produzimos, mas os que chegam para trazer o que importamos. Enquanto, claro, pudermos pagar. A segunda questo, que se liga questo anterior, pelo menos no que diz respeito expanso do mercado acadmico, a da qualidade do ensino oferecido pelo sistema privado de universidades no Brasil. Como se sabe, alm do baixo ndice populacional na faixa de 18 a 24 anos com matrcula em cursos superiores (cerca de 11% apenas), 65% do total dessas matrculas esto em instituies privadas. Quando considerado apenas o estado de So Paulo este nmero sobe para algo em torno de 84%. Quando se considera o nmero de doutores e, por exemplo, o nmero de projetos na Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp), tem-se, contudo, um quadro em que se sobressai, de modo espetacular, o sistema pblico de ensino superior, conforme se pode verificar pelos dados abaixo:

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Instituies superiores de ensino e de pesquisa no estado de So Paulo Nmero de doutores e de projetos Fapesp Nmero de % Doutores Instituies pblicas 4.596 de ensino e pesquisa Instituies de pesquisa Total pblicas pblicas 1.141 5.737 Nmeros projetos FAPESP de % 85.3 9.0 94.4 5.6 100

66.9 6.404 16.6 678 83.5 7.082 16.5 424 100 7.506

Instituies particulares de ensino 1.136 e pesquisa Total pblica particulares + 6.873

Algo disso tem, sem dvida, a ver com a estrutura jurdico-institucional do sistema privado de ensino superior, profundamente comprometido, de um modo geral, com os aspectos comerciais da educao como negcio e, conseqentemente, com os fins lucrativos do empreendimento. preciso dar, definitivamente, um sentido pblico ao sistema de ensino superior, como um todo, que , por definio, um bem pblico. Transformar a estrutura jurdico-institucional do ensino superior privado no pas e darlhe um carter eminentemente fundacional, sem fins lucrativos, , pois, desafio premente e tarefa inadivel. E claro, para que no haja soluo de continuidade, por resistncias e lobbies corporativos e por vazios de financiamento, pode-se legislar para frente, o que j seria uma mudana de qualidade enorme no quadro institucional de nossas universidades e uma condio de qualidade sem precedentes aos requisitos de funcionamento de nossas escolas superiores. E para que no se invoquem argumentos privatistas baseados na experincia de outros pases, bom que se diga, desde logo, que na Inglaterra 99% dos alunos esto em universidades pblicas, na Frana, 92,2% e nos Estados Unidos, avocado sempre como campeo do privativismo, 78%, como se pode ver pelo quadro abaixo.

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Tipos de cursos Instituies pblicas

Totais por Cursos de Cursos de tipos de % 4 anos 2 anos instituio 5.814.545 5.277.255 74.920 11.091.800 2.928.810 78,0% 20,6%

Instituies privadas sem fins 2.853.890 lucrativos Instituies privadas com 100.817 fins lucrativos Totais por tipos 8.769.252 de cursos

105.388 5.457.563

206.205 14.226.815

1,4% 100,0%

No mbito das condies estruturais de funcionamento das universidades pblicas federais, sempre oportuno lembrar a necessidade, at agora reconhecida, mas de soluo sempre postergada, de constituir-se a sua autonomia de gesto financeira, experincia que por mais de uma dcada vem sendo levada a efeito pelas universidades estaduais paulistas com resultados que, podendo ser continuamente melhorados nos ajustes finos, tm-se mostrado, contudo, conceitual, metodolgica e operacionalmente eficientes, eficazes e de alta relevncia para a qualidade do ensino da pesquisa e dos servios prestados pela USP, pela Unicamp e pela Unesp. Ligado a essa falta de autonomia de gesto financeira, apresenta-se o problema crnico da total falta de uma poltica de recursos humanos para as universidades federais que se reflete de forma poderosamente negativa na poltica salarial dessas instituies que, padecendo ainda de um outro mal endmico - o da carncia de polticas regulares e sistemticas de fomento -, correm o srio risco de no s terem comprometidas suas atividades fim, como o de, por isso, comprometerem, sem volta, qualquer iniciativa de planejamento programtico do setor de cincia, tecnologia e inovao. A imprensa, de um modo geral, tem dedicado ateno particular ao momento delicado por que passa o sistema de Cincia, Tecnologia e Inovao (C,T&I) no Brasil. E mais delicado ainda, quando se considera que, sem dvida alguma, se trata do melhor e mais bem montado sistema da Amrica Latina, o que colabora para pr em evidncia os problemas por que estamos passando. Sobre um fundo de arquitetura inteligente e, teoricamente, bem estruturado, sobressai o problema crnico da irregularidade dos repasses de recursos para as instituies pblicas de pesquisa e para os grandes programas inovadores, produtos desse desenho. o caso dos Ncleos do Programa Nacional de Excelncia (Pronex), do CNPq, que entre outras adversidades econmicas j enfrentadas, s devero receber os recursos de 2002 em 2003, quando o atual governo j ter dado lugar ao novo governo eleito. As universidades federais espalhadas pelos estados brasileiros vivem momentos crticos em virtude do atraso de repasses, a ponto de uma grande instituio como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegar ao estado de inadimplncia e ter

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a energia eltrica cortada por falta de pagamento. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada em 1 de novembro, outras universidades esto vivendo situao semelhante, sob ameaa de fecharem o ano sem poder pagar fornecedores, sempre pela mesma razo, a irregularidade e o atraso no repasse de recursos. O mesmo fenmeno tem ocorrido com o CNPq e, h pouco tempo, foi necessria a interveno direta do presidente da Repblica para que o rgo pudesse retomar o fluxo contnuo no dispndio de recursos j concedidos e contratados. Os fundos setoriais, que so parte importante desse desenho original e criativo do sistema de C, T&I brasileiro, no conseguiram executar, no geral, mais do que 20% dos recursos que se anunciavam quando de sua criao. O fato que a irregularidade econmico-financeira constante acaba por gerar a assistematicidade tcnica do sistema, de modo que o que era timo virtualmente acaba por ser menos que sofrvel na realidade. O outro efeito perverso, decorrente do mesmo fenmeno, a total falta de possibilidade de qualquer planejamento, efeito esse que perpassa, como uma corrente de alta voltagem, negativa, toda a espinha dorsal do sistema, desde a sua arquitetura organizatria, no centro, at a execuo, pelos usurios dos programas financeiros, nas pontas. Embora no seja condio suficiente para solucionar esses problemas, a autonomia de gesto financeira dessas instituies , contudo, condio necessria para deles tratar de forma adequada e eficaz. A experincia da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp), criada, no Estado, em 1962, e das universidades estaduais paulistas, desde 1989, mostram o acerto e a justeza das decises que instituram a sua plena e total autonomia de gesto financeira. No caso da Fapesp, que recebe, por lei constitucional, 1% da receita tributria do Estado ao longo de seus 40 anos de existncia, a possibilidade de seu bom funcionamento est diretamente ligada sua autonomia e, conseqentemente, sua capacidade de planejamento e de provisionamento dos projetos concedidos e das despesas contratadas. A importncia dessa autonomia, e da capacidade de planejamento decorrente, cresce ainda mais nos momentos crticos, como esse da crise cambial que afeta o corao da pesquisa brasileira, j que a grande maioria dos equipamentos e dos insumos necessrios ao seu desenvolvimento importada e, assim, contratada e paga em dlar. Com autonomia e planejamento a Fapesp tem conseguido, juntamente com a comunidade cientfica paulista, responsvel por mais de 50% da produo brasileira no setor, singrar o mar revolto das adversidades cambiais e navegar, com expectativa confiante para mares mais propcios de estabilidade nos cenrios econmicos nacionais e internacionais. Nesse sentido, no momento de mudanas polticas por que passa o Pas, no demais lembrar que, embora no seja panacia, adotar a autonomia de gesto financeira das instituies federais de fomento pesquisa e tambm das universidades pblicas federais, seria uma boa iniciativa do novo governo e uma boa forma de iniciar, na

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prtica, um bom dilogo com a comunidade cientfica nacional que h muitos anos luta, reclama e propugna por ela.

Fonte VOGT, Carlos. Universidades: urgncias. Disponvel em: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/

1.11 Controvrsias da socializao

inquestionvel o papel da universidade como produtora, transmissora e socializadora de conhecimentos. Contudo, como o conhecimento por ela criado poder ser estendido sociedade... ...se como espao de produo de conhecimento a universidade ainda no consegue ser livre e crtica? ...se como formadora de profissionais a universidade ainda no consegue neutralizar relaes sociais marcadamente segmentadoras e elitistas?

1.11.1 Dilemas da universidade pblica na sociedade contempornea Questes relacionadas com a autonomia universitria, a privatizao e descentralizao do ensino, a expanso administrativa com aumento da qualidade e controle dos custos, os baixos salrios do corpo docente e as novas presses trazidas pelo mundo on-line, esto na ordem do dia. Mas um item em particular, tem sido motivo de grande preocupao para os sistemas educacionais: a competitividade. Nesse cenrio, pairam dvidas de como deve ser entendida a produo e a gesto do conhecimento. Formas convencionais de ensino tm entrado em colapso. Novas modalidades de aprendizagem, como as universidades cooperativas, os MBAs e uma variedade de modelos de educao distncia entraram em cena, sobretudo, para ampliar as oportunidades de trabalho. Novos paradigmas pontuam os avanos nessa rea. Modelos deficitrios tambm esto sendo analisados. Um grande debate sobre o ensino superior e o papel da universidade pblica foi desencadeado pela Conferncia Mundial de Educao Superior da Unesco (Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura), realizada em Paris, em outubro de 1998. Desde ento, inmeros fruns tm procurado identificar os principais problemas que as instituies educacionais do mundo em desenvolvimento

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enfrentam hoje em dia, tendo em vista as mudanas conjunturais produzidas nas ltimas dcadas. As Conferncias Ibero-Americanas de Reitores de Universidades Pblicas, iniciadas em 1999, em Santiago do Chile, tm dado significativa contribuio para esse debate na Amrica Latina. No Acordo de Santiago, documento final do primeiro Encontro, os reitores resgataram a definio de universidade pblica: o pblico o que pertence a todo o povo; universidade pblica a que pertence cidadania e est a servio do bem comum. Quatro caractersticas definem a universidade pblica, segundo o documento: sua vinculao: faz parte do Estado ou pblica e autnoma por lei; seu financiamento: de responsabilidade do Estado; sua misso: o seu compromisso social. Esse compromisso em realidade um compromisso do Estado com a sociedade, inscrito na Constituio e cumprido atravs da universidade. Neste sentido, a universidade pblica uma instituio que responde a valores constitucionais e no a polticas contingentes. Da se origina o conceito de autonomia, que garante o exerccio desses direitos. Por fim, seu conceito de conhecimento: como um bem social e no um bem privado. Por isso, os reitores manifestaram a opinio de que a universidade pblica deve responder a todos os desafios da globalizao, desenvolvendo alm da instruo profissional uma formao que ajude os estudantes a aprender a pensar criticamente e a familiarizar-se com sua prpria tradio intelectual. O professor Carlos Antunes, que foi indicado pelo ministro da Educao, Cristovam Buarque, para assumir a Secretaria do Ensino Superior do MEC (Sesu), avalia que preciso repensar a universidade. Sua estrutura est superada. A sociedade mudou e a universidade no. A universidade um espao complexo de produo de conhecimento e que irradia esse conhecimento. Mas o conhecimento tambm mudou. Hoje, ele construdo na fronteira entre as cincias, de forma interdisciplinar, e a universidade tem que compreender isso para que ela possa atingir seus objetivos. De acordo com o Censo 2000, do Sistema de Avaliao do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 30/04/2000, existiam 10.585 cursos de graduao presenciais no pas, oferecidos por 1.180 Instituies de Ensino Superior (IES), nos quais achavam-se matriculados 2.694.245 alunos. Dessas IES, 176 so pblicas (61 federais, 61 estaduais e 54 municipais) e 1004 privadas (85% do total). Alm do estado catico em que se encontram as universidades pblicas, a ampla diferena de alunos matriculados nas universidades particulares pode ser explicada tambm, pelo fato destas procurarem atender demanda de profisses que esto sendo mais requisitadas na atualidade, conseqentemente, esto sempre abrindo novas vagas para cursos potencialmente importantes, ampliando assim sua rea de atuao. Ou seja, os dados confirmam a principal vocao das universidades privadas: formar profissionais para o mercado de trabalho, enquanto nas universidades pblicas o ensino est voltado mais para a formao de docentes e pesquisadores. A proliferao de cursos MBA (Master in Business Administration), bem o espelho das necessidades atuais das empresas para ter profissionais capacitados para enfrentar os desafios da sociedade contempornea. O Brasil visto hoje como um grande potencial para a educao executiva, conforme projees de universidades norte-americanas, que

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constatam uma grande procura por seus cursos de MBA internacional por parte de executivos brasileiros que atuam em empresas multinacionais. Esse o caso da Universidade de Pittsburgh e da Thunderbird. A primeira chegou ao pas h trs anos trazendo o Katz Graduate School of Business, um curso que incorpora aspectos do impacto global e da dimenso humana em seu currculo. Considerada a quinta mais antiga escola de administrao dos Estados Unidos, ela forma em junho de 2003, sua terceira turma no Brasil. Outro investimento que algumas empresas tm feito, para manter seus funcionrios em constante formao, so as chamadas Universidades Cooperativas. Nos Estados Unidos, j so mais de 2000. No Brasil, somam 20. Apesar do nome universidade, elas no tm reconhecimento do Ministrio da Educao (MEC) como instituies de ensino superior. Funcionam como cursos de aprimoramento, voltados para as necessidades e o dia-a-dia das empresas. Essa opo tem merecido tanta ateno que j ganhou novos desdobramentos. Em um acordo firmado na ltima Cpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentvel, o ministro das Relaes Exteriores da Noruega informou sobre a doao de dois milhes de dlares destinados criao de uma nova sede da Universidade das Naes Unidas (UNU), que abrigar a Universidade Mundial Virtual (UMV). A UMV ser implementada conjuntamente entre a UNEP/GRID-Arendal, a Agder University College e a ONU, que pretendem estabelecer uma rede internacional de Universidades Corporativas. A inteno da UMV ministrar educao para o futuro comum, proporcionando conhecimentos cientficos para apoiar a gesto adequada do meio ambiente e para ajudar a desenhar as vias nacionais e regionais que levem ao desenvolvimento sustentvel. Os estudos aumentaro a sensibilidade e a participao das pessoas na busca de solues para os problemas ambientais e de desenvolvimento. Os programas dos cursos virtuais sero elaborados por uma rede global de instituies acadmicas colaboradoras e os estudos sero descentralizados, com enfoque nos pases em desenvolvimento. Sero utilizadas informao e tecnologias de comunicao de ponta, a fim de dar acesso e facilitar uma aprendizagem de qualidade em todas as regies, com custos acessveis. Seguindo esta linha de reorientar a educao para promover a capacitao em temas relacionados com o desenvolvimento humano, em reunio acontecida em 20 de janeiro, o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), recebeu a ministra da Assistncia e Promoo Social, Benedita da Silva, que apresentou uma proposta de operacionalizar o Programa Universidade Cidad, constituindo um grupo de trabalho integrado por representantes de cada segmento das universidades, um representante do Frum de Extenso, e de um representante do Ministrio, que assumir a coordenao do GT. O Presidente do CRUB, reitor Paulo Alcntara Gomes, aceitou o convite e comprometeu-se a ter uma proposta amadurecida em documento para lanar, formalmente, o programa Universidade Cidad, na primeira semana de abril, por ocasio da prxima reunio plenria do Conselho, a ser realizada em Florianpolis.

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Fonte PORTO, Mayla. Dilemas da universidade pblica na sociedade contempornea. Rio de Janeiro, n. 39, ComCincia, fev. 2003. Disponvel em: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni02.shtml.

1.12 Fragilidade do conhecimento

Por ainda ter um carter histrico, o conhecimento produzido, revisto, acrescido, substitudo e retificado por sujeitos historicamente situados, ou seja, um indivduo inserido em um ambiente e em um perodo histrico, isto , em um contexto que determina certas caractersticas, inclusive, de seu modo de pensar e agir diante das mais diversas circunstncias do cotidiano.

2 Teorias da Aprendizagem

A cada poca a educao adequou-se a seu tempo, medida que novas exigncias foram se impondo no cenrio da vida social. Contudo, ela nunca conseguiu dar conta das reais necessidades sociais devido a presses culturais e ideolgicas que atravessam o tempo.

2.1 Conhecimento e sociedade

Cada poca formata conhecimento, procurando atender s necessidades prprias de cada perodo histrico. Cada poca deveria ajustar a educao, adequando-a s novas exigncias sociais. Apesar desses ajustes, que constituem um lento processo marcado por resistncia mudana a educao nunca conseguiu:

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Dar conta das reais necessidades sociais devido a presses culturais e ideolgicas que perduram no tempo. Tornar todos os cidados nos limites das possibilidades de cada um plenamente participantes das comunidades em que esto inseridos.

2.1.1 Educao, conhecimento e sociedade

Apesar de seu crescimento, continuamos almejando que a