metodologia do ensino da lingua portuguesa e literatura

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METODOLOGIA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA Prezado Aluno. O material que apresentamos foi produzido por professores atuantes no Sis- tema Universidade Aberta do Brasil e cedido por sua respectiva Universida- de à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CA- PES, que o disponibilizou para uso das Universidades integradas ao sistema. Coordenação UAB/UESC O módulo a seguir foi reproduzido para o uso na disciplina Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura, referente ao semestre 2012.2 Coordenação de Letras UAB/UESC

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  • METODOLOGIA DO ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

    Prezado Aluno.

    O material que apresentamos foi produzido por professores atuantes no Sis-tema Universidade Aberta do Brasil e cedido por sua respectiva Universida-de Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior CA-PES, que o disponibilizou para uso das Universidades integradas ao sistema.

    Coordenao UAB/UESC

    O mdulo a seguir foi reproduzido para o uso na disciplina Metodologia do Ensino da Lngua Portuguesa e Literatura, referente ao semestre 2012.2

    Coordenao de Letras UAB/UESC

  • Metodologia do Ensino da Lngua Portuguesa e Literatura

    Florianpolis - 2011

    Nilca Lemos PelandrNelita BortolottoIsabel de Oliveira e Silva MonguilhottEliane Santana Dias Debus

    6Perodo

  • Governo FederalPresidente da Repblica: Dilma Vana RousseffMinistro da Educao: Fernando HaddadSecretrio de Educao a Distncia: Carlos Eduardo BielschowskyCoordenador da Universidade Aberta do Brasil: Celso Jos da Costa

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbosaPr-Reitora de Ensino de Graduao: Yara Maria Rauh MllerPr-Reitora de Pesquisa e Extenso: Dbora Peres MenezesPr-Reitor de Ps-Graduao: Maria Lcia de Barros CamargoPr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPr-Reitor de Infra-Estrutura: Joo Batista FurtuosoPr-Reitor de Assuntos Estudantis: Cludio Jos AmanteCentro de Cincias da Educao: Wilson Schmidt

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino: Felcio Wessling MargottiChefe do Departamento: Zilma Gesser NunesCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Zilma Gesser NunesCoordenador de Tutoria: Renato Miguel BassoCoordenao Pedaggica: LANTEC/CEDCoordenao de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira RamosIzete Lehmkuhl CoelhoMary Elizabeth Cerutti Rizzati

  • Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Laboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao Geral: Andrea LapaCoordenao Pedaggica: Roseli Zen Cerny

    Produo Grfica e HipermdiaDesign Grfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiCoordenao: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptao do Projeto Grfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramao: Karina Silveira, Talita NunesCapa: Gustavo Barbosa Apocalypse de MelloTratamento de Imagem: Karina Silveira, Talita Nunes, Thiago Rocha OliveiraReviso gramatical: Daniela Piantola, Hellen Melo Pereira, Mirna Saidy

    Design InstrucionalCoordenao: Vanessa Gonzaga NunesDesigner Instrucional: Maria Luiza Rosa Barbosa

    Copyright 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ficha Catalogrfica

    M593 Metodologia do ensino de lngua portuguesa e literatura / Nilca Lemos Pelandr ...[et al.]. - Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2011.194 p. : il.

    Inclui bibliografiaLicenciatura em Letras Portugus na Modalidade a Distncia.ISBN 978-85-61482-29-9

    1. Lngua portuguesa Estudo e ensino Metodologia. 2. Litera-tura Estudo e ensino Metodologia. I. Pelandr, Nilca Lemos.

    CDD 806.90:37

  • Sumrio

    Apresentao ...................................................................................... 9

    Unidade A - A formao do professor e a constituio da disciplina lngua portuguesa e literatura ................................13

    A constituio da profissionalidade docente e da disciplina 1 Lngua Portuguesa e Literatura .............................................................15

    A organizao das escolas e as linhas de pensamento 2 pedaggico no contexto do desenvolvimento das polticas educacionais vigentes ..............................................................25

    2.1 Linhas do pensamento pedaggico no contexto do desenvolvimento das polticas educacionais vigentes .......................27

    Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e 3 Literatura .........................................................................................................33

    3.1 Metodologia do ensino da Lngua Portuguesa e Literatura .............43

    3.2 A avaliao .........................................................................................................49

    Consideraes finais da Unidade A ............................................................52

    Unidade B - A leitura na escola ...................................................53O que ser leitor?4 ........................................................................................55

    O papel da escola na formao de leitores5 .........................................61

    5.1 O papel do professor de Lngua Portuguesa na formao de leitores ............................................................................................................62

    Concepes de leitura6 ................................................................................69

    6.1 O ensino da leitura ...........................................................................................70

    Consideraes finais da Unidade B.............................................................79

    Unidade C - A leitura literria no espao escolar .................81A literatura e a sua funo 7 .......................................................................83

    7.1 O leitor de literatura .........................................................................................87

    O ensino da literatura na escola: para alm do que dizem 8 os documentos .............................................................................................93

    8.1 Da biblioteca escolar a outros espaos de leitura literria...............102

  • O ensino da literatura no Ensino Fundamental e Mdio: 9 estratgias metodolgicas ....................................................................109

    Poesia .........................................................................................................................109

    Varal literrio ............................................................................................................110

    Exerccio Dadasta ..................................................................................................110

    Limeriques ................................................................................................................111

    Poesia visual .............................................................................................................112

    Narrativa ....................................................................................................................112

    O Romance ...............................................................................................................113

    O Conto .....................................................................................................................114

    O Miniconto .............................................................................................................114

    Outras possibilidades ...........................................................................................115

    Consideraes finais da Unidade C .........................................................118

    Unidade D - O processo da escrita na escola ..................... 119O processo da escrita na escola10 .........................................................121

    10.1 O texto e o envolvimento do aluno-escritor ......................................122

    10.2 Aprendizagem e desenvolvimento da linguagem escrita e autoria ..........................................................................................................125

    10.3 Modelos de ensino na pedagogia da lngua escrita: pontos de referncia em discusso .......................................................132

    10.4 Atos de ensino para quem se pe como aprendiz do ensinar.....145

    10.5 Prticas discursivas no trabalho com textos na escola: as relaes de interao no ensino e na aprendizagem ...............148

    10.6 Voltando ao ponto inicial: locutor e interlocutor, partes integrantes do enunciado ........................................................................153

    Consideraes finais da Unidade D .........................................................157

    Unidade E - Anlise lingustica e ensino de gramtica ... 159Anlise lingustica 11 ..................................................................................161

    O ensino da gramtica12 ..........................................................................173

    Consideraes finais da Unidade E .........................................................177

  • Referncias ...................................................................................... 179

    Crdito das imagens ................................................................... 188

  • Apresentao

    Caro estudante,

    com imenso prazer que o recebemos na disciplina Metodologia do Ensino de Lngua Portuguesa e Literatura. Escolhemos para iniciar o dilogo dos con-tedos referentes a esta disciplina o poema O menino que carregava gua na peneira, do poeta mato-grossense Manoel de Barros.

    Convidamos voc leitura do poema:

    O menino que carregava gua na peneira

    Tenho um livro sobre guas e meninos.

    Gostei mais de um menino

    que carregava gua na peneira.

    A me disse que carregar gua na peneira

    era o mesmo que roubar um vento e sair

    correndo com ele para mostrar aos irmos.

    A me disse que era o mesmo que

    catar espinhos na gua

    O mesmo que criar peixes no bolso.

    O menino era ligado em despropsitos.

    Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

    A me reparou que o menino

    gostava mais do vazio

    do que do cheio.

    Falava que os vazios so maiores

    e at infinitos.

    Com o tempo aquele menino

    que era cismado e esquisito

    porque gostava de carregar gua na peneira

    Com o tempo descobriu que escrever seria

    o mesmo que carregar gua na peneira.

  • Como todo texto literrio, este se apresenta ao leitor aberto a mltiplas leitu-ras. Gostaramos de aqui refletir sobre algumas imagens desencadeadas pelo poema e que, sob o nosso ponto de vista, dizem respeito diretamente disci-plina que agora iniciamos.

    No escrever o menino viu

    que era capaz de ser

    novia, monge ou mendigo

    tudo ao mesmo tempo

    O menino aprendeu a usar as palavras.

    Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

    E comeou a fazer peraltagens.

    Foi capaz de interromper o vo de um pssaro

    botando ponto final na frase.

    Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

    O menino fazia prodgios.

    At fez uma pedra dar flor!

    A me reparava o menino com ternura.

    A me falou:

    Meu filho voc vai ser poeta.

    Voc vai carregar gua na peneira a vida toda.

    Voc vai encher os

    vazios com as suas

    peraltagens

    e algumas pessoas

    vo te amar por seus

    despropsitos.

    (BARROS, Manoel de. O menino que carregava gua na peneira. In: ______.

    Exerccios de ser criana. So Paulo: Global, 2002.)

  • O exerccio da palavra escrita, do ato de produzir a escrita, configura-se na descoberta desse personagem menino-poeta de que as palavras esto abertas para o brincar e de que com elas permitido dizer o indizvel, realizar o inusi-tado, como pode-se constatar no verso: Foi capaz de modificar a tarde botan-do uma chuva nela. O ato da escrita literria, do ser e se fazer poeta, artfice da palavra, assim se anuncia pela metfora da peneira que nunca se completa com seu contedo.

    A imagem potica da peneira, que deixa escorregar por suas fissuras o lquido, implicitamente traz cena outro personagem: o leitor. No carregaria tam-bm o leitor uma peneira impreenchvel? Como podemos dar por encerrada a nossa cota de leitura? Assim como a escrita, a leitura um ato de autoria, de criao e, podemos dizer, de recriao. No exige o ato da leitura igualmente um exerccio de despropsitos e peraltagens?

    s duas imagens a do escritor e a do leitor aproximamos a do professor e seu exerccio docente: a sensao de incompletude muitas vezes gerada pelo ato de ensinar. Por outro lado, os despropsitos e as peraltagens, acolhidas pelo ato de escrever e de ler, deveriam ser acolhidas tambm pelo ato de ensi-nar, pensando que o professor pode buscar outras formas de (re)apresentar o mundo aos alunos. Assim, o exerccio de escrever, o exerccio de ler e o exer-ccio de ensinar se entrelaam e se anunciam como imprescindveis no ato de pensar o ensino da lngua portuguesa e da literatura.

    Esta disciplina tem por objetivo discutir questes pedaggicas da profissiona-lidade docente de forma que voc obtenha conhecimentos terico-metodol-gicos sobre aspectos que envolvem o processo de ensino e de aprendizagem da Lngua Portuguesa no Ensino Fundamental e Mdio e, assim, sinta-se capaci-tado para atuar profissionalmente de modo competente e efetivo na escola.

    Cabe, todavia, questionarmos: afinal, no espao escolar, sendo estudantes de Curso de Licenciatura em Letras, como alcanamos o domnio desse conhe-cimento? E, na funo de professores, como nos tornamos competentes na mediao pedaggica do que se ensina e do que aprendido?

    Para responder a essas questes, este livro est organizado em cinco unidades que centralizam a discusso do nosso objeto de ensino, a linguagem verbal. Nessa direo, a Unidade A trata da formao do professor e da constitui-o da disciplina Lngua Portuguesa e Literatura, isto , apresenta um breve histrico da constituio da profissionalidade docente e do ensino da Lngua

  • Portuguesa e Literatura e suas implicaes no processo do ensinar e aprender. Referimo-nos, ainda nesta unidade, aos documentos oficiais que orientam a definio de objetivos, metodologias e avaliao.

    Na Unidade B, trazemos a discusso sobre o papel da escola e do professor de Lngua Portuguesa na formao de leitores. Na Unidade C, ainda tematizando a leitura, continuamos a reflexo sobre a especificidade que est na leitura do texto literrio e sua insero no espao de sala de aula do Ensino Fundamental e Mdio. Na Unidade D, tratamos de questes que envolvem o processo de escrita e seu ensino na escola. E a Unidade E complementa este livro com re-flexes sobre a atividade de anlise lingustica e o ensino de gramtica.

    No foi nosso objetivo esgotar todas as questes relativas Metodologia do En-sino de Lngua Portuguesa e Literatura, mas sim abordar pontos que considera-mos fundamentais no exerccio da docncia que ensina a linguagem verbal.

    O dilogo continua! Seja crtico na sua leitura, relacionando suas vivncias pessoais e docentes ao contedo exposto ao longo deste livro.

    As autoras.

  • Unidade AA formao do professor e a constituio da disciplina lngua portuguesa e literatura

    Interao professora e aluna

  • Metodologia do Ensino

    14

    Nesta Unidade, refletimos sobre alguns aspectos da histria da for-mao docente e da constituio da disciplina de Lngua Portuguesa e suas implicaes no processo de ensino e de aprendizagem. Apresenta-mos, em sntese, as linhas de pensamento pedaggico no contexto do de-senvolvimento das polticas educacionais em curso e as orientaes dos documentos oficiais que norteiam a prtica pedaggica na definio do objeto de estudo, dos objetivos da disciplina e da orientao metodolgi-ca e da avaliao. Tendo isso em vista, os objetivos desta unidade so:

    Refletir sobre fatores que intervm no processo de formao do professor de Lngua Portuguesa e Literatura.

    Compreender as relaes entre a organizao dos espaos esco- lares e o desenvolvimento de prticas sociais de linguagem.

    Pensar o processo de ensino e aprendizagem de Lngua Por- tuguesa e Literatura considerando os documentos oficiais de referncia e as teorias e os estudos cientfico-pedaggicos em circulao.

    Refletir sobre possibilidades de elaborao didtica dos conhe- cimentos cientficos referentes aos processos de ensino e de aprendizagem da linguagem verbal.

    A Unidade est organizada em trs captulos: um captulo sobre a constituio da profissionalidade docente e da disciplina (um breve histrico); outro captulo sobre a organizao do espao escolar e as li-nhas do pensamento pedaggico no desenvolvimento das polticas edu-cacionais contemporneas; e um terceiro captulo sobre os processos de ensino de Lngua Portuguesa e Literatura (os documentos oficiais de referncia e a sistematizao terico-metodolgica do ensino de Lngua Portuguesa e Literatura, incluindo a avaliao).

  • Captulo 01A constituio da profissionalidade docente...

    15

    A constituio da profissionalidade docente e da disciplina Lngua Portuguesa e Literatura

    Quando eu comecei na faculdade, eu tinha uma viso, trabalhava obser-

    vando o livro didtico, era o meu limite. E a faculdade me fez enxergar

    alm, assim oh!, pesquisar mais, ir biblioteca, Internet, a questo dos

    textos reais, eu trabalhava muito com textos assim... qualquer texto para

    mim... quanto mais fceis... Antigamente se tinha essa viso, por exem-

    plo, quando tu falaste da letra T [referindo-se a uma outra professora],

    procurava textos que tinha um monte de T, aquela coisa... eram textos de

    cartilha mesmo e eu comecei a enxergar outros. (S-br, Entrev. 3: 162-169.

    In: AGUIAR; PELANDR, 2009, p. 132).

    Vivemos, ao final dos anos de 1970 e incio da dcada de 1980, um forte movimento de democratizao da sociedade, em que a luta dos educadores trouxe contribuies significativas para a educao e para o modo de se compreender a escola e o trabalho pedaggico. Essa luta colocou em evidncia as relaes de determinao existentes entre a educao e a sociedade e a estreita vinculao entre a forma de organi-zao da sociedade, os objetivos da educao e a forma como a escola se organiza, escreve a pesquisadora em educao, Professora Helena Costa de Lopes Freitas, em seu trabalho Formao de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formao (FREITAS, 2002, p. 138).

    Os anos de 1980 marcaram, por sua vez, a ruptura com o pensa-mento mecanicista, que predominava at ento, e novas concepes so-bre a formao do educador passaram a ser consideradas, ancoradas em perspectiva scio-histrica (FREITAS, 2002).

    Pensamento mecanicista No pensamento mecanicista, herdado dos filsofos da Revoluo Cientfica do sculo XVII, como Descartes, Bacon e Newton, [] o valor do novo homem que surge se encontra no mais na famlia ou linhagem, mas no prestgio resultante do seu esforo e capacidade de trabalho [...] e a cincia deixa de ser um saber contemplativo, formal e finalista para que, indissoluvelmente ligada tcni-ca, possa servir nova classe [ao novo modo de produo o capitalismo]. A natureza e o prprio homem so comparados a uma mquina. As consideraes a respeito do valor, da perfeio, do sentido e do fim so excludas da cincia. (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 148).

    Discutiam-se, naquela poca, as relaes en-tre escola e sociedade, mais especificamente sobre como as formas de organizao da sociedade tinham implicaes na organizao dos espaos escolares e no processo educacional desenvolvido.

    1

  • Metodologia do Ensino

    16

    A perspectiva scio-histrica ancora-se, dentre outras, na teoria de Vygotsky que aponta novos paradigmas para a compreenso do desen-volvimento humano. Essa teoria, fundamentada no materialismo hist-rico-dialtico, contrape-se aos reducionismos das concepes empiris-ta, tecnicista e idealista, indicando perspectivas de super-los. Vygotsky, em sua teoria social do desenvolvimento humano, compreende o sujeito como constitudo e construdo nas relaes sociais, via linguagem. Ele afirma tambm que, na ontognese, deve ser considerada no s a linha natural, biolgica, mas tambm a linha cultural, social, histrica. Segun-do Vygotsky, o indivduo, na condio de ser biolgico e de ser scio-his-trico humano, por meio das relaes sociais, pela mediao semitica, constitui suas formas de ao e sua conscincia (FREITAS, 1994).

    A publicao do livro Pedagogia do oprimido (2005), do grande educador brasileiro Paulo Freire, escrito nos anos de 1967 e 1968, quan-do de seu exlio no Chile, constitui tambm esse momento histrico de construo de novos olhares sobre a formao do professor. Frei-re discute uma nova concepo de educao, a partir da compreenso da realidade social e econmica dos educandos, e denuncia a educao bancria, caracterizada pelo aluno que chega escola e recebe do pro-fessor o contedo como se fosse uma mercadoria.

    Figura 1 - Paulo Freire

    Paulo Freire (1921-1997) desenvolveu o conceito de educao bancria em

    seu livro Pedagogia do oprimido, publicado pela primeira vez no Brasil em

    1970. Ele referia-se ao modelo tradicional de prtica pedaggica em que o

    professor tido como aquele que supostamente tudo sabe e o aluno nada

    sabe. Os contedos escolares so transmitidos passivamente aos alunos, ou

    seja, o professor deposita na cabea vazia de seus alunos o contedo que

    eles no possuem, como algum que deposita dinheiro em um banco.

    Essas concepes em que o professor no mais visto como mero transmissor de contedo enfatizam, ento, [...] a necessidade de um profissional de carter amplo, com pleno domnio e compreenso da re-alidade de seu tempo, com desenvolvimento da conscincia crtica que lhe permita interferir e transformar as condies da escola, da educao e da sociedade (FREITAS, 2002, p. 139), corroborando a importncia dos processos de formao de professores nessa perspectiva.

    H uma nova traduo da obra de Vygotsky feita por

    Paulo Bezerra (2001), a partir da edio em russo

    (VIGOTSKI, L.V. A cons-truo do pensamento e da linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 2001), no entanto para a produo

    deste livro nos utilizamos da verso anterior, a de

    1989.

    Ontognese Ontognese refere-se ao

    desenvolvimento do indi-vduo desde a fecundao

    at a maturidade para a reproduo (FERREIRA,

    1988).

  • Captulo 01A constituio da profissionalidade docente...

    17

    As transformaes concretas no campo da escola tambm se de-ram [] no sentido de buscar superar as dicotomias entre professores e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois a escola avanava para a democratizao das relaes de poder em seu interior e para a construo de novos projetos coletivos; construindo, assim, a concepo de profissional de educao que tem na docncia e no trabalho pedaggico a sua particularidade e especificidade (FREI-TAS, 2002, p. 139, grifos da autora).

    Com relao formao do professor de Lngua Portuguesa e Li-teratura, para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Mdio, a Lei no. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional) reafirma a obrigatoriedade da formao em nvel superior, razo pela qual se organizam, dentre outros programas de formao, os cursos na modalidade de EaD, dada a impossibilidade de oferta de cursos presen-ciais em todos os municpios brasileiros.

    No que diz respeito ao ensino da Lngua Portuguesa, at os anos 1970 os estudos e pesquisas se faziam na rea de conhecimento denomi-nada Didtica, que se subdividia em Didtica Geral e Didtica Especial, que, por sua vez, desmembrava-se em Didtica do Portugus. A propos-ta dessa disciplina apontava para um ensino normativo, prescritivo, um conjunto de normas, recursos e procedimentos que deveriam informar e orientar a prtica dos professores, de forma a poderem prescrever com mais eficcia as normas da lngua, diz a professora, doutora e livre-docente em Educao Magda Becker Soares (1997, p. X).

    Figura 2 - Magda Soares

    Considerada uma das maiores pesquisadoras do ensino da Lngua Portu-

    guesa de nosso pas, Professora Titular Emrita da Faculdade de Educao

    da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Centro de Alfa-

    betizao, Leitura e Escrita CEALE da referida Faculdade. Ela autora de

    vrias obras de referncia para o ensino da Lngua Portuguesa. Destacamos

    aquelas que so consideradas clssicas: Linguagem e escola: uma perspectiva

    social, da Editora tica; Letramento: um tema em trs gneros, da Editora Au-

    tntica; e Alfabetizao e Letramento, da Editora Contexto.

    Lei no. 9394/1996: Art. 62. A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do Ensino Fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal.

    Os cursos de pedagogia formavam o professor para a sala de aula, orien-tadores educacionais, supervisores e adminis-tradores escolares; esses ltimos nomeados de especialistas em educa-o. Hoje, nos cursos de formao, essa diviso no existe mais. Os cursos de pedagogia formam profissionais para atuar na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

  • Metodologia do Ensino

    18

    Assim como nos cursos de formao regular, Curso Normal e Cur-so de Letras, a disciplina de Lngua Portuguesa foi tendo seu nome alte-rado tambm no Ensino Fundamental e Mdio ao longo do tempo. Na dcada de 1960, poca do antigo curso ginasial, era denominada Portu-gus, subdividida em Estudos de Lngua e Estudos de Literatura, minis-trados inclusive por professores diferentes. Na dcada de 1970, passou a chamar-se Comunicao e Expresso, e dela no fazia parte a literatura, que passou a integrar o currculo do segundo grau, como estudo de his-tria literria e de autores e obras visando aos concursos vestibulares.

    Nos currculos atuais temos, no Ensino Fundamental, a disciplina de Lngua Portuguesa, e a Literatura faz parte dela. Porm, persiste a tendncia de se considerarem distintas a lngua e a literatura e de o texto literrio ser utilizado em sala de aula apenas como pretexto para aulas de leitura, interpretao e estudos gramaticais. Ainda h forte tendncia em considerar a gramtica normativa e prescritiva como contedo cen-tral das aulas de lngua e compreender o ensino da literatura, quando objetivado, como o estudo para a caracterizao de obras e autores.

    No Ensino Mdio, no entanto, embora continue fazendo parte da disciplina de Lngua Portuguesa, a [...] literatura possui alguma auto-nomia de disciplina, como afirmam Ramos e Corso (2010, p. 29). Es-tudar a lngua tambm estudar literatura e vice-versa, pois o objeto do ensino de Lngua Portuguesa e Literatura a linguagem verbal (a palavra, o texto, a linguagem em uso) nas suas mltiplas formas de ma-nifestao, incluindo a literria, nas diferentes esferas sociais.

    O processo de democratizao da sociedade trouxe tambm a de-mocratizao do acesso escola. O nmero de alunos dobrou no ensino primrio e triplicou no ensino secundrio (SOARES, 1997, p. IX apud BATISTA, 1997, p. IX). A Lei n. 5692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional LDB) estendeu o ensino obrigatrio de qua-tro para oito anos e ampliou o Ensino Mdio, criando os cursos mdios profissionalizantes. At o advento da Lei n. 5692/1971, denominava-se ensino primrio o correspondente aos primeiros quatro anos do ensi-no formal; ensino ginasial ou secundrio, os quatro anos seguintes, do primeiro ao quarto ano ginasial, considerado ensino secundrio. Atual-

    As professoras Tnia Regina Oliveira Ramos e Gizelle Kaminsky Corso

    (2010), responsveis pela disciplina Literatura e Ensi-no deste curso de Letras a distncia, no livro que es-

    creveram sobre esse tema, discutem com clareza o modo como a literatura

    vem sendo ensinada e qual a compreenso que

    dela se tem. Retomaremos essa discusso na Unidade

    C deste livro.

    O processo de democra-tizao da sociedade na

    rea educacional, que acompanha os aconteci-

    mentos nacionais, trouxe igualmente a discusso

    das relaes de poder no interior da escola,

    apontando para a cons-truo de novos projetos

    coletivos, tais como a elaborao de propostas curriculares de estados e municpios. Essas discus-

    ses provocaram avanos no sentido da democra-tizao desses projetos

    educacionais, principal-mente em estados cujos

    governantes eleitos eram considerados de perfil

    centro-esquerda.

  • Captulo 01A constituio da profissionalidade docente...

    19

    mente, o ensino obrigatrio de nove anos, ampliado pela Lei 9394/1996 (nova LDB), que substituiu, entre outras, a Lei n. 5692/1971.

    A escola, que at ento servia quase que exclusivamente s camadas economicamente mais privilegiadas da sociedade, no consegue atender de forma adequada a esse novo contingente de alunos que a ela chega, pois os professores no foram preparados para esse trabalho. Comea-se a falar da crise da educao e do fracasso escolar. E os indicadores desse fracasso revelam-se principalmente no ensino de Portugus, pelo alto ndice de repetncia nos primeiros anos e a constatao de graves problemas de expresso escrita nas avaliaes a que so submetidos os alunos concluintes do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio nos exa-mes vestibulares e em concursos, nas provas de Lngua Portuguesa. Esse primeiro fenmeno, intitulado crise e fracasso no ensino de Portugus, impulsionou a produo intelectual dos anos de 1970 e incio dos anos de 1980, multiplicando-se os estudos, as pesquisas e reflexes sobre a fa-lncia desse ensino, que denunciam as deficincias das crianas e jovens na leitura e produo de textos escritos.

    Soares (1997) aponta ainda um segundo fenmeno que influenciou a produo intelectual sobre o ensino do Portugus: a reforma univer-sitria do final dos anos de 1960 extinguiu a disciplina Didtica Espe-cial do Portugus, substituindo-a por Prtica de Ensino de Portugus, passando a ser esta ltima uma rea de conhecimento especfico e in-dependente, cuja produo intelectual comeou a ser definida por seus prprios princpios e pressupostos. A esse fenmeno, a referida autora acrescenta um terceiro, a chegada dos conhecimentos construdos no campo da Lingustica, disciplina introduzida nos cursos de Letras nos anos de 1960, cujos efeitos no ensino da Lngua Portuguesa comearam a se fazer sentir somente nos anos de 1980.

    A partir de ento, inmeras tm sido as publicaes direcionadas a questes do ensino da Lngua Portuguesa e Literatura e com essas obras e outras que julgamos representativas deste momento atual que vimos dialogando, no intuito de trazer reflexo propostas e alternativas me-todolgicas sobre o que se ensina quando se ensina Lngua Portuguesa e Literatura. A seguir, destacamos alguns exemplos de obras que tratam do ensino de portugus:

  • Metodologia do Ensino

    20

    GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste,

    1984

    GERALDI, J. W. Portos de passagem. So Paulo: Martins Fontes,

    1991.

    GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. 2. ed. So Paulo, Martins

    Fontes, 1987.

    KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspec-

    tiva sobre a prtica social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,

    1985.

    KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingstica.

    So Paulo: tica, 1986.

    ROJO, R. (Org.). A prtica de linguagem na sala de aula: pratican-

    do os PCNs. So Paulo-Campinas: EDUC; Mercado de Letras, 2000.

    SOARES, M. B. Linguagem e escola: uma perspectiva social. So

    Paulo: tica, 1986.

    ____. Letramento: um tema em trs gneros. Belo Horizonte: Au-

    tntica, 1998.

    ____. Alfabetizao e letramento. So Paulo: Contexto, 2003.

    Na dcada de 1990, as polticas educacionais tomam rumos um pouco diferentes daqueles em que se enfatizavam as relaes de deter-minao entre a organizao da sociedade e a da escola. Os debates no mais se fazem sobre as relaes da escola com a sociedade, mas sim sobre os contedos escolares do ponto de vista das competncias e habilidades a serem desenvolvidas na escola. Aos ideais dos educadores da dcada de 1980, de uma formao humana multilateral, sobrepem-se polticas pblicas neoliberais em que a qualidade da instruo e do contedo condio para a melhoria do processo de acumulao do capital.

    Essas polticas traduzem-se, por exemplo, na criao de sistemas de avaliao, tais como SAEB Sistema Nacional de Avaliao da Educa-o Bsica; ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio; Provo Exa-me Nacional de Cursos de Graduao; ANRESC Avaliao Nacional

    Voc pode ter acesso a to-das as avaliaes via Portal

    do MEC ; pode, inclusive, verifi-car os resultados da escola

    onde atua ou pretende atuar como estagirio.

  • Captulo 01A constituio da profissionalidade docente...

    21

    do Rendimento Escolar, Prova Brasil, Provinha Brasil; IDEB ndice de Desenvolvimento do Ensino Bsico; FUNDEF Fundo de Manu-teno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio, dentre outras medidas que objetivam adequar o Brasil nova ordem, bases para a reforma educativa que tem na avaliao a chave-mestra que abre caminho para todas as polticas: de formao, de financiamento, de descentralizao e de gesto de recursos (FREITAS, 2002, p. 142).

    Se por um lado as concepes que subjazem s polticas pblicas reduzem o trabalho pedaggico a uma dimenso puramente racional, atribuindo valor excessivo aos dados estatsticos; por outro, impem ao professor reflexes sobre o sentido da docncia e sobre a importncia de se manter em constante relao com a sociedade em que se insere. Assim, os professores muitas vezes so responsabilizados pelos baixos ndices de desempenho de seus alunos e dos resultados gerais da insti-tuio escolar. Em decorrncia, so impelidos a uma formao contnua com vistas melhoria da eficcia do ensino.

    Figura 3 ngela Kleiman

    Angela Kleiman professora e pesquisadora do Instituto de Estudos

    da Linguagem (IEL), da Universidade de Campinas (UNICAMP/SP). Tem

    se destacado na produo de materiais bibliogrficos sobre letramen-

    to e ensino da leitura e escrita, na perspectiva da formao docente.

    Dentre os livros por ela organizados, destacamos: Os significados do le-

    tramento: uma nova perspectiva sobre a prtica social da escrita (1995);

    A formao do professor: perspectivas da lingustica aplicada (2001); Le-

    tramento e formao do professor: prticas discursivas, representaes

    e construo do saber (2005), publicados pela Mercado de Letras; e O

    ensino e a formao do professor: alfabetizao de jovens e adultos, pela

    Artes Mdicas Sul, em 2000.

    A formao profissional do professor do modo como vem se estru-turando e se procurou sintetizar isso nos pargrafos anteriores no tem conseguido fazer frente questo da atribuio injusta de valores de desprestgio social profisso. Como diz a professora Angela B. Klei-

    O Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Pedag-gicas (INEP/MEC) criou em 21/05/2010, por meio de portaria, o Exame Nacio-nal de Ingresso na Carreira Docente. Esse exame estabelece padres de referncia para o ingresso de professores na Educa-o Bsica. Diz o texto pgina 3: Esses padres ressaltam a importncia da valorizao do pro-fessor como algum que necessita de conhecimen-tos e habilidades espe-cficas para seu exerccio profissional, os quais no podem ser substitudos por mera boa vontade ou desejo de trabalhar com crianas (BRASIL, 2010).

  • Metodologia do Ensino

    22

    man, docente e pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP/SP:

    [...] a representao que a imprensa faz das capacidades de ler e escre-

    ver das professoras, geralmente baseada em fatos anedticos, mostra

    suas falhas tanto em relao a prticas cotidianas de leitura e escrita [...]

    quanto em relao a prticas especializadas [...]. Alm disso, ela repre-

    sentada como no-leitora, no porque no leia, mas porque no tem

    familiaridade com a apreciao da literatura legtima (em oposio li-

    teratura para as massas). (KLEIMAN, 2001, p. 43).

    Tal crtica fundamenta-se em concepo de lngua cuja norma-pa-dro, variedade lingustica de prestgio social, a nica aceita e na qual a leitura que se considera , unicamente, a de textos literrios.

    Estamos falando de questes de letramento. Assim, destacamos que a pesquisadora Vera Masago Ribeiro, doutora em Educao pela PUC/SP e coordenadora da ONG Ao Educativa/SP, comprovou, em pesquisa realizada na cidade de So Paulo, que a classe dos professores tem capacidades de uso da escrita superiores aos resultados de outros grupos de profissionais liberais. Esse dado torna-se importante no sen-tido de contribuir para aumentar a confiana dos professores na sua capacidade de desenvolver prticas de letramento que lhe possibilitem melhor compreenso de seu contexto de trabalho e maior controle so-bre suas decises (RIBEIRO, 1999). Referimo-nos aqui ao conceito de letramento como [...] um conjunto de prticas sociais que usam a es-crita, enquanto sistema simblico e enquanto tecnologia, em contextos especficos, para objetivos especficos (KLEIMAN, 1999, p. 19). Vale lembrarmos que esse conceito j foi mencionado no livro Lingustica Textual, na pgina 65.

    A formao do profissional docente, quando compreendida como um fenmeno social, reveste-se de muita complexidade, pois a profisso no depende unicamente da vontade de cada ser e de suas experincias na rea em que atua. Em vista disso, podemos dizer que o depoimen-to que inicia este captulo uma demonstrao da atitude positiva da professora frente ao processo de formao e o modo como ele interfere na constituio da profissionalidade docente. Diz a professora: [...]...

    A ONG Ao Educativa foi fundada em 1994 com a misso de promover os direitos educativos e da

    juventude, tendo em vista a justia social, a democra-cia participativa e o desen-

    volvimento sustentvel no Brasil. Disponvel em

    . Acesso em: 12

    ago. 2010.

  • Captulo 01A constituio da profissionalidade docente...

    23

    antigamente se tinha essa viso [...] a faculdade me fez enxergar alm... [...] eu passei a enxergar outros [textos].

    Assim, toda a complexidade de que se reveste a histria do ensino da Lngua Portuguesa em nosso contexto educacional impe, por con-seguinte, que os professores estejam em constante formao.

    As palavras da professora, postas em epgrafe, mais uma vez cor-roboram o que vimos apresentando. Quando a professora diz: [...] eu trabalhava muito com textos assim... qualquer texto para mim... quanto mais fceis... Antigamente se tinha essa viso, por exemplo, quando tu falaste da letra T [referindo-se a uma outra professora], procurava tex-tos que tinha um monte de T, aquela coisa... eram textos de cartilha [...], este seu posicionamento em relao ao trabalho com textos, de traba-lhar com qualquer texto, e quanto mais fceis [melhores], expe que a professora desenvolvia um ensino em que os contedos valiam por si mesmos, um ensino marcado pela nfase dada a aspectos superficiais da linguagem, em que o saber sobre a lngua torna-se mais importante do que o domnio de seus usos. Os textos quando objetos de ensino eram de livros didticos, no importando se eram ou no significativos aos alunos. Mas a situao narrada tambm aponta mudana. O ingresso no curso superior possibilitou, ento, a essa professora enxergar alm, comprovando a importncia da formao continuada.

    Leia mais!

    Retome o livro de Lingustica Textual, Unidade A, em que as autoras apresentam um panorama histrico da Lingustica Textual. Releia tam-bm o de Literatura e Ensino, Unidades B e C.

    Atividade

    Reflita e troque ideias com seus colegas, tutores e professores sobre as questes propostas a seguir. Anote suas ideias para ir cotejando-as com as leituras dos prximos captulos. Figura 4 Reflexo

  • Metodologia do Ensino

    24

    O que ensinar Lngua Portuguesa e Literatura?

    Que conhecimentos so necessrios ao professor de Lngua Por-

    tuguesa e Literatura? Que capacidades lhe so requeridas?

    Que fatores intervm nos modos de organizao escolar e na

    prtica pedaggica dos professores?

    O que dizem os documentos que orientam essa prtica de ensi-

    no de Lngua Portuguesa e Literatura? de Lngua Portuguesa e

    Literatura?

    Afinal, qual a funo do professor de Lngua Portuguesa e Li-

    teratura?

    Reflexes sobre essas questes sugeridas sero desenvolvidas nos ca-

    ptulos que seguem, pois, como dissemos, a profissionalidade docente

    reveste-se de toda a complexidade que permeia a sociedade e, por ser

    um fenmeno social, requer que se compreenda o contexto de atua-

    o do professor.

  • Captulo 02A organizao das escolas e as linhas de pensamento pedaggico...

    25

    A organizao das escolas e as linhas de pensamento pedaggico no contexto do desenvolvimento das polticas educacionais vigentes

    Nossas escolas hoje mantm a organizao que apresentavam desde o incio de sua existncia. Os alunos so agrupados, em geral, por faixa etria, distribudos em turmas ou sries que por um perodo de tempo, em mdia quatro horas, ocupam as denominadas salas de aula, espaos fsicos retangulares e com caractersticas idnticas (principalmente nas escolas pblicas), mesmo tratando-se de comunidades culturais diver-sas. Os prdios escolares so construdos dentro de um mesmo padro: salas de administrao e corredores que do acesso s salas de aula, as quais se distribuem uma aps a outra.

    Nas salas de aula, os alunos sentam-se em carteiras, enfileiradas uma atrs da outra. O professor posiciona-se, em geral, frente dos alu-nos, dirigindo-se a todos ao mesmo tempo, e em algumas situaes faz perguntas a alunos em particular e os demais, quando desejam mani-festar-se, levantam o brao sinal de pedir licena para fazer uso da palavra. So poucos os momentos em que se mudam os padres de in-terao, o que faz com que a cultura escolar perpetue formas de comu-nicao bastante diferentes daquelas usadas fora da escola. So modos de uso da lngua empregados apenas no ambiente escolar.

    O desenvolvimento dos meios de comunicao e as mudanas por que passa a sociedade tornam-na cada vez mais grafocntrica, e o avan-o dos recursos tecnolgicos de comunicao (web, internet) impem novos modos de uso da linguagem verbal, o que constitui desafio ao tra-balho docente no sentido de possibilitar que os alunos tenham acesso a esse conhecimento e possam assim participar das vrias prticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita.

    Embora continuem persistindo modos de ensinar como aqueles que Paulo Freire denominava de educao bancria, em que o professor

    Sociedade GrafocntricaDizemos que uma so-ciedade grafocntrica quando nela a escrita desempenha papel im-portante; as atividades nas instncias sociais so centradas na escri-ta, ou seja, a escrita faz parte das situaes do cotidiano da maioria das pessoas.

    2

    Sugerimos, para enrique-cer seus conhecimentos sobre formas de interao em sala de aula, a leitura do seguinte livro: COX, Maria Ins Pagliarini; ASSIS-PETERSON, Ana An-tnia de (Orgs.). Cenas de sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

  • Metodologia de Ensino

    26

    se julga o nico conhecedor do assunto e o transmite/entrega aos alunos como se o saber fosse uma mercadoria, h outros em que os professores ousam mudar tal condio, como aqueles em cujas interaes em sala de aula o professor se coloca como mediador, no processo de aprendiza-gem, entre o conhecimento que os alunos j possuem e o que precisa ser ensinado. Vygotsky fala da passagem necessria de conceitos cotidia-nos a conceitos cientficos, aqueles que a escola necessariamente tem de ensinar, aumentando assim as experincias de linguagem dos alunos, promovendo sempre mais a incluso social e provocando aprendizagem e desenvolvimento.

    Conceitos cotidianos e conceitos cientficos essas expresses so conceitos da teoria de Lev Vygotsky (1896-1934). Vygotsky conce-be o desenvolvimento humano a partir das relaes sociais que se esta-belece no decorrer da vida. Ele atribui papel preponderante s relaes sociais. A corrente pedaggica que se originou de seu pensamento chamada de scio-histrica ou sociocultural. Segundo sua teoria, o pro-cesso de ensino e de aprendizagem constitui-se por meio de interaes que vo se dando nos diversos contextos sociais, razo pela qual a sala de aula lugar privilegiado para a sistematizao do conhecimento e o professor passa a ocupar o papel de mediador na construo do saber. So conceitos-chave na teoria de Vygotsky: zona de desenvolvimento proximal e mediao. A zona de desenvolvimento proximal a distn-cia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvol-vimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1989). Infere-se deste conceito que h ensino quando a criana, atravs da mediao do professor, atinge um nvel de compreenso e habilidade que no dominava completamente, apreen-dendo um novo conhecimento, ampliando suas estruturas cognitivas. Por conseguinte, a interveno pedaggica provoca avanos que no ocorreriam espontaneamente. O outro conceito-chave, de mediao, diz respeito a toda relao do indivduo com o mundo que feita por meio de instrumentos tcnicos por exemplo, as ferramentas agrcolas, que transformam a natureza e instrumentos simblicos, como a lingua-

    Depois da traduo de 2001 do livro escrito por

    Vygotsky A construo do pensamento e da lingua-gem, por recomendao

    de Paulo Bezerra, nomeia-se zona de desenvolvimen-

    to imediato.

  • Captulo 02A organizao das escolas e as linhas de pensamento pedaggico...

    27

    gem que traz consigo conceitos consolidados da cultura qual perten-ce o sujeito. Nesse processo de mediao e, portanto, de aprendizagem, tem-se a formao de conceitos cientficos. Os conceitos cotidianos, ou espontneos, so aqueles formados a partir de vivncias, da observao do mundo; j os conceitos cientficos esto relacionados instruo in-tencional. Conceitos cotidianos e cientficos influenciam-se reciproca-mente. Com relao ao aprendizado da escrita, por exemplo, ao adquirir esse conhecimento, o aluno adquire tambm capacidades de reflexo e controle do prprio funcionamento psicolgico.

    Diferentes turmas de alunos tero diferentes modos de reagir a cada uma das formas de interao, o que aumenta a importncia de se compreender na formao docente no apenas aspectos do domnio de contedos e habilidades especficas, mas tambm a constituio das in-terlocues na sala de aula, da organizao socioespacial do ambiente educativo.

    2.1 Linhas do pensamento pedaggico no contexto do desenvolvimento das polticas educacionais vigentes

    A dcada de 1960 foi marcada por uma educao de perspectiva tecnicista, como j mencionamos. Posteriormente, foi influenciada por correntes tericas de cunho comportamentalista e comunicacional, poca em que prevaleceu a concepo de linguagem como instrumento de comunicao no ensino da Lngua Portuguesa. A partir da dcada de 1970, as discusses e anlises da educao brasileira, realizadas por intelectuais de campos do conhecimento como a Filosofia, a Sociolo-gia, a Histria e a Educao, passaram a incorporar aspectos polticos, econmicos, sociais e pedaggicos, com orientao da teoria sociol-gica dialtico-marxista. No bojo dessas discusses, as ideias de Paulo Freire foram tambm de grande importncia para as mudanas ocor-ridas na educao brasileira e de outros pases. Alm disso, reafirmando o que dissemos no captulo anterior, outras perspectivas tericas tm sido consideradas no ensino. So elas: o construtivismo piagetiano e a

  • Metodologia de Ensino

    28

    psicognese da linguagem escrita, desenvolvida por Emlia Ferreiro e Ana Teberosky (1986); a teoria scio-histrica de Vygotsky e o desen-volvimento da escrita na criana, segundo estudos de Vygotsky, Luria e Leontiev (2001), dentre outros autores; as metodologias de ensino da lngua segundo a pedagogia de Celestin Freinet (1997); e outros modos de ensinar, motivados tambm pelo conjunto de iniciativas estaduais e municipais, tais como a Constituio Brasileira de 1988, a Lei de Dire-trizes e Bases da Educao Nacional (Lei no 9394/96), os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e, em seguida, para o Ensino Mdio, documentos relacionados com estudos e pesquisas aca-dmicas sobre educao, alfabetizao e ensino da Lngua Portuguesa.

    No estado de Santa Catarina, a ancoragem metodolgica est fortemente

    pautada em Vygotsky, Luria e Leontiev. Em vista disso, houve um processo

    de reorientao curricular embasado no pensamento histrico-cultural, e

    a partir dele a proposta curricular foi construda de forma democrtica,

    com a participao de grupos de trabalho e estudos, envolvendo educa-

    dores da rede pblica de ensino e professores de universidades como con-

    sultores. Esse processo resultou na elaborao de uma proposta curricular

    para o Estado, cuja primeira verso data de 1991, publicada em forma de

    caderno. A segunda edio da Proposta Curricular de Santa Catarina foi

    publicada em 1998 e constituiu-se de trs volumes: As disciplinas curricu-

    lares, Os temas multidisciplinares e As disciplinas de formao para o

    magistrio. Em 2003, houve outra atualizao, e em 2005 foram publica-

    dos os Estudos Temticos. Ressaltamos que processos semelhantes ocor-

    reram em outros estados e municpios brasileiros.

    Tecidas essas consideraes, e tendo em vista a importncia dos pensadores anteriormente mencionados, apresentamos uma pequena sntese, no quadro a seguir, com informaes relevantes acerca de cada um desses estudiosos citados at aqui.

    Vygotsky, Lria e Leontiev so tericos da psicologia

    histrico-cultural que in-vestigaram o desenvolvi-

    mento da mente humana com base nos princpios do materialismo dialti-co, de tradio filosfica

    marxista.

  • Captulo 02A organizao das escolas e as linhas de pensamento pedaggico...

    29

    Pensadores relacionados a outras perspectivas tericas

    Figura 5 - Emilia Ferreiro

    Emilia Ferreiro, psicolinguista argentina, com base na teoria gentica de Piaget, desenvolveu pesquisas sobre como as crianas constroem o conhecimento no processo de aquisio da escrita, estabelecendo um marco no desenvolvimento de estudos sobre o processo de alfabeti-zao, no Brasil. So obras importantes desta autora: Alfabetizao em processo (Cortez Editora e Editora Autores Associados, 2. ed., 1986) e Psicognese da lngua escrita, em coautoria com Ana Teberosky, publi-cado pela Artes Mdicas, 1986.

    Figura 6 - Ana Teberosky

    Ana Teberosky, tambm argentina, doutora em psicologia e docente do Departamento de Psicologia Evolutiva e de Educao da Univer-sidade de Barcelona, reconhecida por suas pesquisas sobre alfabe-tizao. Alm de Psicognese da lngua escrita, trabalho realizado em conjunto com Emilia Ferreiro, tem publicadas, dentre outras obras, Psi-copedagogia da linguagem escrita (Trajetria/UNICAMP, 1989), Apren-dendo a escrever (tica, 1994) e Alm da alfabetizao, em coautoria com Tolchinsky, L. (tica, 1995).

    Figura 7 - Lev Vygotsky

    Lev Vygotsky (1896-1934), como j mencionamos, explicou pela perspectiva do campo da psicologia a constituio histrico-social do desenvolvimento humano no processo de apropriao da cultura mediante a comunicao com outras pessoas, em que na mediao da linguagem os signos adquirem significado e sentido (VYGOTSKY, 1984, p. 59-65). Conhea algumas obras de Vygotsky:

    VYGOTSKY, L. V. Pensamento e linguagem. 4. ed. So Paulo: Martins Fon-tes, 1991; VIGOTSKI, L. V. A construo do pensamento e da linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 2001; VYGOTSKY, L. V. A formao social da mente. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1991; VYGOTSKY, L. V.; LRIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9. ed. So Paulo: cone, 2001.

    Figura 8 - Alexander Luria

    Alexander Luria (1902-1977) realizou estudos especialmente sobre as relaes entre linguagem e desenvolvimento intelectual. Em suas pesquisas, juntamente com Vygotsky e Leontiev, desenvolve a tese de que os processos mentais so histrico-culturais em sua origem e de-monstra haver alteraes fundamentais no modo de funcionamento psicolgico dos sujeitos em decorrncia de processos de alfabetiza-o e escolarizao e de mudanas nas formas de trabalho. Conhea algumas obras de Luria:LURIA, A. R. Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e so-ciais. So Paulo: cone, 1990; LURIA, A. R. Curso de psicologia geral, 4 v., Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979.

  • Metodologia de Ensino

    30

    Pensadores relacionados a outras perspectivas tericas

    Figura 9 - Alexis Leontiev

    Alexei Leontiev (1903-1979) desenvolveu o conceito de atividade, pesquisou os vnculos entre os processos da mente e a atividade hu-mana concreta. Explicou que na relao ativa do sujeito com o objeto, a atividade se concretiza por meio de aes, operaes e tarefas, sus-citadas por necessidades e motivos. Para ele, uma atividade distingue-se de outra pelo seu objeto e se realiza nas aes dirigidas a este ob-jeto. Desse modo, a atividade humana no pode existir a no ser em forma de aes ou grupos de aes que lhes so correspondentes. A atividade laboral se manifesta em aes laborais, a atividade didtica em aes de aprendizagem, a atividade de comunicao em aes de comunicao e assim por diante. (LEONTIEV, 1983). Conhea alguns trabalhos de Leontiev: LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Hori-zontes, 1978; LEONTIEV, A. N. Uma contribuio teoria do desenvol-vimento da psique infantil. In: VYGOTSKY, L.V.; LRIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9. ed. So Paulo: cone, 2001. Esta ltima uma obra clssica dos trs autores, Vygotsky, Luria e Leontiev.

    Figura 10 - Celestin Freinet

    Celestin Freinet (1896 -1966) desenvolveu uma pedagogia que tem como base a aprendizagem atravs da experincia real do aluno. As prticas de elaborao de jornal escolar, troca de correspondncias, trabalhos em grupo, aula-passeio j eram defendidas por ele nos anos de 1920 (sculo passado). So obras deste autor os trs volumes: M-todo Natural I: a aprendizagem da lngua; Mtodo Natural II: A aprendi-zagem do desenho; Mtodo Natural III: A aprendizagem da escrita, todos publicados pela Editorial Estampa, Lisboa, 1997.

    Havemos de considerar, ainda, na histria do desenvolvimento do processo educacional brasileiro, que a crescente urbanizao da popu-lao brasileira tem trazido escola nmero crescente de crianas de classes sociais desprivilegiadas e com cultura e variedades lingusticas distintas daquelas praticadas at ento no ambiente escolar. Ademais, a ampliao da obrigatoriedade do ensino para nove anos tem refor-ado essa situao. Esses fatores, aliados divulgao pela mdia dos resultados das avaliaes nacionais de alunos e cursos, sem uma anlise das variveis que interferem nesses dados, continuam perpetuando o fracasso da escola.

  • Captulo 02A organizao das escolas e as linhas de pensamento pedaggico...

    31

    Assim como diferentes teorias filosfico-educacionais, as mudan-as na sociedade tm repercusso na esfera educativa. Isso, evidente-mente, requer dos professores posicionamentos e reflexes diante do que se est atualizando ou mudando. H sempre uma cobrana de tra-balho de qualidade, por parte da sociedade, e as polticas pblicas, como j dissemos, ainda no chegaram em nvel de resgatar a valorizao do profissional da educao. Os salrios continuam aqum do piso salarial de outras profisses e no tem havido estmulos construo de ambien-tes de trabalho que favoream o desenvolvimento de projetos pedag-gicos com continuidade, capazes de promover mudanas significativas na formao dos alunos. Por outro lado, h larga produo de material bibliogrfico, tanto para professores como para alunos, e a maioria das escolas dispe de internet, o que possibilita acessar a vasta produo de bibliografia digital. O ambiente virtual oferece ainda sites educativos, destinados exclusivamente a professores, portais institucionais, os quais possibilitam a atualizao constante.

    Pensar no ensino de Lngua Portuguesa e Literatura implica, por-tanto, considerar todas as questes mencionadas, levando em conta, so-bremaneira, o avano tecnolgico que vem propiciando novos modos de sentir, de ver e de pensar as realidades vivenciadas. A internet chegou s escolas e temos outro desafio: incorpor-la como ferramenta imprescin-dvel de acesso informao e produo de conhecimento. Afinal, nesse meio encontram-se instrumentos bsicos de trabalho, de desenvolvi-mento social, de participao poltica, alm de possibilitar o domnio de competncias capazes de proporcionar prticas de letramento contnuo, entendidas como atividades estruturantes do pensamento-linguagem e da cultura (SILVA, 2003, p. 13).

    O contexto cultural, econmico, cientfico e educacional impe, por conseguinte, que a prtica pedaggica incorpore, principalmente no que diz respeito ao ensino de Lngua Portuguesa e Literatura, outros conceitos, tais como os de letramento e de gneros do discurso. Como explicitado anteriormente, entendemos por letramento [...] o estado ou condio de quem no apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as prticas sociais que usam a escrita (SOARES, 1998, p. 47); e por gneros do discurso, os tipos relativamente estveis de enunciados (BAKHTIN,

    MEC, Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, Universidades e outras instituies.

  • Metodologia de Ensino

    32

    2003, p. 262), ou seja, os enunciados orais e escritos, concretos e nicos proferidos pelos falantes de acordo com as condies especficas e as finalidades de cada atividade humana. Esses conceitos reafirmam, ento, a palavra em uso, em sua condio concreta de existncia.

    Leia mais!

    A internet na escola Sobre as mudanas no modo de pensar, de aprender e de se relacionar com o conhecimento nesta era da informao, sugerimos a leitura de:

    RAMAL, Andria Ceclia. Educao na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.

    SILVA, Ezequiel Theodoro (Org.). A leitura nos oceanos da Internet. So Paulo: Cortez, 2003.

    Atividade

    Voc conhece a proposta curricular do seu Estado? E a do seu municpio? Investigue o histrico de construo dessas pro-postas e socialize suas descobertas no seu grupo de estudo.

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    33

    Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    Neste captulo vamos tratar dos documentos que tm sido refern-cia para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura em nossas escolas. Eles visam a orientar gestores escolares e professores no planejamento das aes educacionais e atividades de sala de aula.

    O ensino pblico no Brasil, como j vimos, regido por leis espe-cficas. A lei mais importante, atualmente, a Lei No 9.394, de 20 de de-zembro de 1996, denominada de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), que estabelece da educao em todos os nveis. Ela institui os dois nveis de educao que temos hoje: a educao bsica, formada pela educao infantil e pelo Ensino Fundamental e Mdio; e a educao superior.

    Para atender aos princpios e objetivos estabelecidos nesta lei, o ar-tigo 9o da LDB estabelece que a Unio, os Estados e os Municpios devem elaborar, em cooperao, o Plano Nacional de Educao (PNE), para um perodo de 10 anos, estabelecendo metas para a dcada em questo. O PNE em vigor foi elaborado em 2001, com prazo at 2010. Destacamos que duas metas do PNE foram alcanadas nesse perodo: a implantao do Ensino Fundamental de 9 anos e o aprimoramento dos sistemas de informao e avaliao.

    No que concerne avaliao, o MEC tem avaliado todos os sistemas

    de ensino, com exceo da Educao Infantil. Diversos estados e mu-

    nicpios tambm tm feito suas aferies. Destacamos o ndice de De-

    senvolvimento da Educao Bsica (IDEB) que fornece um retrato da

    Educao no Brasil. Assim, sugerimos que voc verifique os ndices da

    Educao Bsica em seu municpio, inclusive por escola, consultando o

    site .

    Para saber mais sobre o PNE em vigor e quais metas foram atingidas ou no, consulte o site .

    Em 2009, 59% das matr-culas j foram feitas no novo sistema de seriao. A expectativa que o ndice de 2010 chegue a 100%. Esperam os espe-cialistas que com a garan-tia do ingresso na escola aos 6 anos as chances de a criana chegar aos 7 ou 8 anos sabendo ler e escre-ver sejam maiores do que antes. O grande desafio garantir a qualidade do ensino.

    3

  • Metodologia de Ensino

    34

    Para poder avaliar a qualidade do ensino no Brasil, foram criados a Prova Brasil e o Sistema de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), que so exames complementares. Essas avaliaes so diagnsticas e visam a orientar o ensino para que se tenha educao de mais qualidade, por meio de possveis mudanas das polticas pblicas e de paradigmas uti-lizados nas escolas de Ensino Fundamental e Mdio.

    A Prova Brasil aplicada a cada dois anos, para quase todas as crianas e jovens matriculados na quarta e na oitava sries (quinto e nono ano). A primeira aplicao ocorreu em 2005, depois em 2007, e a ltima foi em 2009. Ela visa a medir as competncias relacionadas leitura e aos conhecimentos de matemtica.

    Por serem instrumentos de avaliao de amplitude nacional, tanto a Prova Brasil quanto o Saeb exigem a construo de uma matriz de referncia, para a elaborao e avaliao dos testes que lhes confiram transparncia e legitimidade, informando aos envolvidos, professores e alunos, o que e como o ensino e a aprendizagem sero avaliados. Essas matrizes tm por referncia os Parmetros Curriculares Nacionais e, se-gundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), tambm foram consultados professores regentes de clas-se de diferentes redes de ensino municipal, estadual e privado.

    Hoje, portanto, so documentos de referncia para o ensino da Lngua Portuguesa o Sistema de Avaliao do Ensino Bsico (Saeb), a Prova Brasil, os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os do-cumentos dos estados e municpios, que so as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais.

    Dentre as Propostas Curriculares de interesse para esta disciplina de Metodologia do Ensino de Portugus e Literatura, destacamos aque-las cujos estados e municpios esto envolvidos no curso de EaD, Letras/Portugus: Proposta Curricular de Santa Catarina, Diretrizes Curricula-res da Educao Bsica do Paran e Proposta Curricular CBC (Con-tedo Bsico Comum) de Minas Gerais. Alm das propostas estaduais, alguns municpios e a federao elaboraram seu Plano Municipal de Educao, e Pato Branco, no Paran, um deles.

    Matrizes so as refern-cias para a elaborao

    dos itens dos testes. Cada matriz de referncia apre-

    senta tpicos ou descri-tores. Veja quais so os

    descritores que indicam as habilidades de Lngua

    Portuguesa e Matemtica a serem avaliadas acessan-do o site .

    A Prova Brasil avalia estu-dantes das escolas pbli-cas, localizadas em reas urbanas, com mais de 20

    alunos na srie. Para saber mais sobre a Prova Brasil,

    consulte o site .

    Para ter acesso aos docu-mentos referidos, acesse:

    Proposta Curricular de San-ta Catarina ;

    Diretrizes Curriculares da Educao Bsica do Paran

    ; Proposta Curricular CBC

    (Contedo Bsico Comum) de Minas Gerais e Plano Municipal de Educao,

    de Pato Branco, no Paran .

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    35

    No caso dos documentos que orientam o ensino de Lngua Portu-guesa e Literatura no Ensino Fundamental e Mdio, vamos destacar, de modo genrico, o que estabelecem os documentos com relao a obje-tivos, contedos, metodologias e formas de avaliao. Com relao aos objetivos de ensino, os Parmetros Curriculares Nacionais para os anos finais do Ensino Fundamental estabelecem o seguinte:

    No trabalho com os contedos previstos nas diferentes prticas, a escola

    dever organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno

    desenvolver o domnio da expresso oral e escrita em situaes de uso

    pblico da linguagem, levando em conta a situao de produo social e

    material do texto (lugar social do locutor em relao ao(s) destinatrio(s);

    destinatrio(s) e seu lugar social; finalidade ou inteno do autor; tempo

    e lugar material da produo e do suporte) e selecionar, a partir disso,

    os gneros adequados para a produo do texto, operando sobre as di-

    menses pragmtica, semntica e gramatical. (BRASIL, 1998, p. 49).

    Esse objetivo mais amplo orienta, ento, o estabelecimento dos ob-jetivos especficos quanto s diferentes modalidades da lngua: oralida-de, escuta e leitura, produo oral e escrita de textos e anlise lingustica, todas considerando a linguagem em uso, ou seja, os diferentes gneros discursivos que circulam nos diferentes campos da atividade humana.

    Esses objetivos sustentam-se na concepo de linguagem como for-ma de interao humana e a de aprendizagem na perspectiva vygotskya-na. Assim,

    Ao organizar o ensino, fundamental que o professor tenha instrumen-

    tos para descrever a competncia discursiva de seus alunos, no que

    diz respeito a: escuta, leitura e produo de textos, de tal forma que

    no planeje o trabalho em funo de um aluno ideal para o ciclo, mui-

    tas vezes padronizado pelos manuais didticos, sob pena de ensinar o

    que os alunos j sabem ou apresentar situaes muito aqum de suas

    possibilidades e, dessa forma, no contribuir para o avano necessrio.

    Nessa perspectiva, pode-se dizer que a boa situao de aprendizagem

    aquela que apresenta contedos novos ou possibilidades de aprofun-

    damento de contedos j tematizados, estando ancorada em conte-

    dos j constitudos. Organiz-la requer que o professor tenha clareza das

    finalidades colocadas para o ensino e dos conhecimentos que precisam

    ser construdos para alcan-las. (BRASIL, 1998, p. 48).

    Para ter acesso ntegra dos textos dos PCNs, acesse o site .

  • Metodologia de Ensino

    36

    Vejamos o que diz a Proposta Curricular de Santa Catarina. A orientao terica da Proposta Curricular de Santa Catarina tem por fundamento a psicologia histrico-cultural de Vygotsky e a concep-o de linguagem de Bakhtin. A linguagem sob o ponto de vista de suas mltiplas funes considerada uma prtica social, ou seja, acontecimento social, uma forma de interao. (BAKHTIN, 1990). Da mesma forma que os PCNs, essa proposta orienta-se com base na concepo interacionista da linguagem, portanto, pela teoria do dialo-gismo Bakhtin (1990).

    As Diretrizes da Educao Bsica do Paran seguem a mesma orientao terica da Proposta Curricular de Santa Catarina; vejamos: O ensino-aprendizagem de Lngua Portuguesa visa aprimorar os co-nhecimentos lingsticos e discursivos dos alunos, para que eles possam compreender os discursos que os cercam e terem condies de interagir com esses discursos (PARAN, 2009, p. 50).

    Os documentos, de modo geral, consideram a escola um espao de promoo do letramento do aluno. Nela, as prticas de uso da ln-gua se do por meio de diferentes gneros discursivos, com diferentes funes sociais.

    A Proposta Curricular de Minas Gerais, nas suas diretrizes peda-ggicas para o Ensino Fundamental do 6o ao 9o ano, estrutura-se com base nos mesmos fundamentos tericos das propostas curriculares de Santa Catarina e do Paran. Desse conjunto de diretrizes, destacamos as razes para ensinarmos Lngua Portuguesa na escola expostas na Pro-posta Curricular de Minas Gerais:

    [...] ensinamos linguagem, no para descobrir o verdadeiro significado

    das palavras ou dos textos, nem para conhecer estruturas abstratas e

    regras de gramtica, mas para construir sentidos, sempre negociados e

    compartilhados, em nossas interaes. Nosso conceito de natureza e de

    sociedade, de realidade e de verdade, nossas teorias cientficas e valores,

    enfim, a memria coletiva de nossa humanidade est depositada nos

    discursos que circulam na sociedade e nos textos que os materializam.

    Textos feitos de gestos, de formas, de cores, de sons e, sobretudo, de

    palavras de uma lngua ou idioma particular. Assim, a primeira razo e

    sentido para aprender e ensinar a disciplina est no fato de considerar-

    mos a linguagem como constitutiva de nossa identidade como seres

    Para ler a Proposta Curri-cular de Santa Catarina,

    acesse: .

    Leia o texto na ntegra, acessando:

    Para ler a Proposta Cur-ricular de Minas Gerais,

    acesse: .

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    37

    humanos, e a lngua portuguesa como constitutiva de nossa identidade

    sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

    A linguagem compreendida, nas propostas curriculares desses Es-tados, como prtica social, como atividade discursiva por meio da qual os usurios se constituem sujeitos do discurso, desenvolvendo habilida-des sociocognitivas e apropriando-se de conhecimentos e de culturas necessrias sua insero no meio em que vivem. Consta na proposta de Minas Gerais:

    Ao se constituir e se realizar no espao eu-tu-ns, sempre concreto e

    contextualizado, a linguagem nos constitui como sujeitos de discurso

    e nos posiciona, do ponto de vista poltico, social, cultural, tico e est-

    tico, frente aos discursos que circulam na sociedade. A lngua no um

    todo homogneo, mas um conjunto heterogneo, mltiplo e mutvel

    de variedades, com marcas de classes e posies sociais, de gneros e

    etnias, de ideologias, ticas e estticas determinadas. Nesse sentido, en-

    sinar e aprender linguagem significa defrontar-se com as marcas discur-

    sivas das diferentes identidades presentes nas variedades lingsticas.

    Significa tornar essas variedades objeto de compreenso e apreciao,

    numa viso despida de preconceitos e atenta ao jogo de poder que

    se manifesta na linguagem e pela linguagem. No podemos deixar de

    lembrar aqui as razes que devem nortear nosso papel como mediado-

    res das experincias dos alunos com a interlocuo literria. O sentido

    do ensino e da aprendizagem impe a ampliao de horizontes, de for-

    ma a reconhecer as dimenses estticas e ticas da atividade humana

    de linguagem, s ela capaz de tornar desejada a leitura de poemas e

    narrativas ficcionais. essencial propiciar aos alunos a interlocuo com

    o discurso literrio que, confessando-se como fico, nos d o poder de

    experimentar o inusitado, de ver o cotidiano com os olhos da imagina-

    o, proporcionando-nos compreenses mais profundas de ns mes-

    mos, dos outros e da vida. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

    Os objetivos de ensino expressos nos diferentes documentos de re-ferncia definem como objeto do ensino da Lngua Portuguesa aquele por ns j mencionado: a linguagem em uso, ou seja, os textos orais e escritos que ns mesmos produzimos, que so produzidos por outros na sociedade de modo geral, os que circulam em nosso meio, aqueles dos quais fazemos uso para nos informar, para formar e partilhar opinies, para nos orientar, para lazer, para informar algum, para emitir opinio, para registrar nossas memrias, para expressar ideias e sentimentos,

  • Metodologia de Ensino

    38

    para produzir cultura, enfim todas as formas de linguagem verbal que constituem nossa humanidade.

    Elegendo os diferentes textos, os quais materializam gneros que so pro-

    duzidos nos diferentes campos da atividade humana, o contedo do ensino

    a prpria linguagem verbal, os recursos que ela oferece para que se pro-

    duzam esses gneros, a sua gramtica, como ela se estrutura para tornar

    possvel a interao entre os falantes. Na lngua tm-se, ento, os estudos

    no eixo sintagmtico, que tratam da combinao das palavras para for-

    mar sentenas; os estudos no eixo paradigmtico, que tratam das palavras

    enquanto unidades da lngua que apresentam certa autonomia formal

    (MARGOTTI, 2008); os estudos gramaticais de modo geral, conhecimentos

    e conceitos que possibilitam a descrio e a anlise da lngua sob diferentes

    abordagens (formal, funcional); os estudos sobre texto, textualidade e pa-

    dres de textualidade; os conhecimentos de sociolingustica, que possibili-

    tam compreender as relaes entre as formas da lngua e os diferentes gru-

    pos sociais que as utilizam; e conhecimentos sobre a linguagem literria.

    Certamente todos esses estudos cientficos so importantes para o professor, que, ao deles se apropriar, ser capaz de fazer a mediao en-tre os conhecimentos que os alunos j possuem e aqueles de que ainda necessitam ter o domnio para tornarem-se sempre mais capazes de ler e escrever de modo competente e adequado nas mais variadas situaes em que a lngua requerida socialmente. Tais conhecimentos propi-ciaro ao professor avaliar o nvel de conhecimento dos alunos no que diz respeito s diferentes modalidades da lngua (a escuta, a leitura e a produo de textos orais e escritos), de tal forma que o processo de en-sino ancore-se em contedos j apreendidos e aprofunde-os ou avance na aprendizagem de novos contedos, segundo os objetivos de ensino e aprendizagem para dada situao.

    Em se tratando do ensino da linguagem em uso, os contedos sero trabalhados no em sries ordenadas por assuntos, mas sim, usando termos dos PCNs, de forma espiralada e progressiva. Podemos, portanto, sintetizar os objetivos do ensino de Lngua Portuguesa e Literatura nos anos finais do Ensino Fundamental com o que dizem os PCNs (BRASIL, 1998, p.22):

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    39

    O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem o conhecimento lin-

    gustico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das prti-

    cas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situaes de aprendiza-

    do, nessa perspectiva, supe: planejar situaes de interao nas quais

    esses conhecimentos sejam construdos e/ou tematizados; organizar

    atividades que procurem recriar na sala de aula situaes enunciativas

    de outros espaos que no o escolar, considerando-se sua especifici-

    dade e a inevitvel transposio didtica que o contedo sofrer; saber

    que a escola um espao de interao social onde prticas sociais de

    linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo caractersticas

    bastante especficas em funo de sua finalidade: o ensino.

    Nessa perspectiva de ensino, na qual o professor o interlocutor privilegiado nas situaes de uso da linguagem, os PCNs enfatizam que o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental o jovem adolescente cujo processo de desenvolvimento caracteriza-se, dentre outros fatores, pela ampliao das formas de raciocnio, organizao e representao, de expresso de observaes e opinies. Do mesmo modo, caracte-rstico o desenvolvimento da capacidade de investigao, levantamento de hipteses, abstrao, anlise e sntese na direo de raciocnio cada vez mais formal, o que traz a possibilidade de constituio de conceitos mais prximos dos cientficos. caracterstico ainda dessa fase de de-senvolvimento um tipo de comportamento tomado de valores especfi-cos dessa faixa de idade, os quais atuam como forma de identidade em relao ao lugar que esses jovens adolescentes ocupam na sociedade e nas relaes que estabelecem com os adultos e seus pares. Tais valores se evidenciam, principalmente, no tipo de linguagem em que h a incor-porao e criao de modismos, uso de vocabulrio especfico, formas de expresso adotadas em funo da atividade exercida o caso dos surfistas, esqueitistas, funkeiros, etc. , caracterizadas como falas tpicas de determinados grupos. Por essa razo, o trabalho com a linguagem, esta entendida como constitutiva e constituidora do sujeito, impe que a reflexo seja uma constante, a fim de permitir o reconhecimento, pelo adolescente, da prpria linguagem e de seu lugar no mundo, bem como a percepo das outras formas de organizao do discurso, principal-mente daquelas dos textos escritos.

    A prtica de reflexo sobre a lngua anlise lingustica , atividade constante em todo o processo de ensino e aprendizagem, visa, ento, ao

  • Metodologia de Ensino

    40

    desenvolvimento da capacidade de o aluno produzir e interpretar tex-tos, na participao em prticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita, de modo tico, crtico, criativo e democrtico. Em se tratando de prtica de anlise lingustica, no ensino dos anos iniciais, por exemplo, priorizamos atividades epilingusticas em que a reflexo se volta para o uso, para o interior da prpria atividade, como tomada de conscincia da prpria produo e interpretao. J nos anos finais, em que se es-pera que os alunos tenham se apropriado de conhecimentos que lhes possibilitem produzir discursos orais e escritos, para responder s de-mandas das esferas de comunicao mais prximas de seu cotidiano, atividades metalingusticas fazem-se necessrias para que o domnio de conhecimentos sobre a linguagem possibilite a expanso dos nveis de letramento escolar dos alunos. As atividades metalingusticas so aque-las voltadas descrio, sistematizao e categorizao dos elementos de que se compe a lngua.

    Em relao ao Ensino Mdio, a LDB/5692/71 indicava que a lngua portuguesa fosse ministrada em duas disciplinas assim nominadas: Ln-gua Portuguesa e Literatura, com nfase na literatura brasileira. Os Par-metros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio PCNEM, apoiados na LDB/9394/2006, em vigor, concebem a organizao curricular deste nvel de ensino dispostas em trs grandes reas: Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias; Cincias da Natureza, Matemtica e suas Tecnologias e Cincias Humanas e suas Tecnologias. O ensino da Lngua Portuguesa e de Literatura insere-se, por conseguinte, na rea de Linguagens, Cdi-gos e suas Tecnologias (BRASIL, 2000, p. 17). A natureza social e intera-tiva da linguagem enfatizada nos PCNEMs e no mais se compreende a literatura separada da lngua, pois ela da mesma forma compreendi-da como representao simblica das experincias humanas manifestas nas diferentes formas de sentir, pensar e agir na vida social.

    A LDB 9394/1996, no artigo 35, estabelece as seguintes finalidades para o Ensino Mdio:

    Art. 35. O ensino mdio, etapa final da educao bsica, com durao de

    trs anos, ter como finalidades: I - a consolidao e o aprofundamento

    dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o

    prosseguimento de estudos; II - a preparao bsica para o trabalho e a

    cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz

    A atividade metalingus-tica [...] desenvolve-se no sentido de possibilitar ao aluno o levantamento de

    regularidades de aspectos da lngua, a sistematizao

    e a classificao de suas caractersticas especfi-

    cas (BRASIL, 1997, p. 39). [Ensina-se a falar sobre a

    lngua.]

    Para ler o texto na ntegra, acesse: .

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    41

    de se adaptar com flexibilidade a novas condies de ocupao ou aper-

    feioamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa

    humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia

    intelectual e do pensamento crtico; IV - a compreenso dos fundamentos

    cientfico-tecnolgicos dos processos produtivos, relacionando a teoria

    com a prtica, no ensino de cada disciplina. (BRASIL, 1996, no paginado).

    Este nvel de ensino requer, ento, prtica pedaggica diferenciada daquela do Ensino Fundamental ao considerar tambm as competn-cias que se espera sejam desenvolvidas na rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, tais como:

    Confrontaropiniesepontosdevistasobreasdiferenteslinguagens

    e suas manifestaes especficas.

    Compreendereusarossistemassimblicosdasdiferenteslinguagens

    como meios de organizao cognitiva da realidade pela constituio

    de significados, expresso, comunicao e informao.

    Analisar,interpretareaplicarosrecursosexpressivosdaslinguagens,

    relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, fun-

    o, organizao, estrutura das manifestaes, de acordo com as con-

    dies de produo e recepo.

    Compreendereusaralnguaportuguesacomolnguamaterna,ge-

    radora de significao e integradora da organizao do mundo e da

    prpria identidade. (BRASIL, 2000, p. 8-10).

    Em sntese, podemos dizer que no Ensino Mdio, como indicam os documentos mencionados, objetiva-se o aprofundamento dos conheci-mentos adquiridos no Ensino Fundamental.

    As propostas curriculares estaduais para o Ensino Mdio seguem os princpios dos PCNEMs, enfatizando, no entanto, o cuidado em se continuar trabalhando a linguagem como construo de sentidos, ne-gociados e compartilhados em nossas interaes verbais. A Proposta Curricular de Minas Gerais representa o que est posto nas de Santa Catarina e do Paran em outras palavras:

    Nosso conceito de natureza e de sociedade, de realidade e de verdade,

    nossas teorias cientficas e valores, enfim, a memria coletiva de nossa

    humanidade est depositada nos discursos que circulam na sociedade e

    nos textos que os materializam. Textos feitos de gestos, de formas, de co-

    res, de sons e, sobretudo, de palavras de uma lngua ou idioma particu-

  • Metodologia de Ensino

    42

    lar. Assim, a primeira razo e sentido para aprender e ensinar a disciplina

    est no fato de considerarmos a linguagem como constitutiva de nossa

    identidade como seres humanos, e a lngua portuguesa como constitu-

    tiva de nossa identidade sociocultural. (MINAS GERAIS, 2006, p. 12).

    A leitura dos PCNs e das propostas curriculares de cada estado, acompanhada de discusses pelos profissionais da educao, funda-mental para que o exerccio da docncia se faa em consonncia com os objetivos propostos nesses documentos. Para organizar o ensino que se pretende desenvolver faz-se necessrio conhecer os documentos oficiais que so referncia para esse ensino e ter clareza dos objetivos pedag-gicos a serem atingidos.

    Os PCNs+, por exemplo, pressupondo que ao longo do Ensino Fundamental tenham sido aprendidos conhecimentos bsicos sobre o funcionamento da lngua portuguesa, estabelece que

    [...] cabe ao ensino mdio oferecer aos estudantes oportunidades de uma

    compreenso mais aguada dos mecanismos que regulam nossa lngua,

    tendo como ponto de apoio alguns dos produtos mais caros s culturas

    letradas: textos escritos, especialmente os literrios. As competncias e ha-

    bilidades propostas pelos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio (PCNEM) permitem inferir que o ensino de Lngua Portuguesa, hoje,

    busca desenvolver no aluno seu potencial crtico, sua percepo das ml-

    tiplas possibilidades de expresso lingstica, sua capacitao como leitor

    efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para alm

    da memorizao mecnica de regras gramaticais ou das caractersticas de

    determinado movimento literrio, o aluno deve ter meios para ampliar e

    articular conhecimentos e competncias que possam ser mobilizadas nas

    inmeras situaes de uso da lngua com que se depara, na famlia, entre

    amigos, na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55).

    A ao pedaggica em sala de aula pressupe, por conseguinte, a mediao do professor no sentido de trazer para a sala de aula textos que materializem os diferentes discursos que circulam socialmente, considerando sempre suas condies de produo e circulao, e esti-mular a produo oral e escrita observando os mesmos critrios. Como salienta Kleiman (2005):

    Quanto mais a escola se aproxima das prticas sociais em outras insti-

    tuies, [ou de outras prticas de linguagem utilizadas pelos alunos nos

    corredores da escola, fora da sala] mais o aluno poder trazer conheci-

    PCNs+ : Orientaes edu-cacionais complementares

    aos Parmetros Curricu-lares Nacionais, para os

    diferentes nveis e modali-dades de ensino.

  • Captulo 03Diretrizes oficiais para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura

    43

    mentos relevantes das prticas que j conhece, e mais fceis sero as

    adequaes, adaptaes e transferncias que ele vir a fazer para outras

    situaes da vida real. (KLEIMAN, 2005, p. 23).

    Quanto mais significativas forem as atividades de linguagem para os alunos, melhores sero os resultados do processo de ensino e apren-dizagem de Lngua Portuguesa e Literatura.

    Leia mais!

    Caro aluno, indicamos a releitura dos livros de EaD que fizeram parte de sua formao at esta etapa de curso, pois so elementos importantes na cons-truo de propostas de trabalho para a docncia. Dentre eles, destacamos:

    Estudos Gramaticais, de Edair Maria Grski e Cladia Andrea Rost.

    Morfologia do Portugus, de Felcio Wessling Margotti.

    Sintaxe do portugus, de Carlos Mioto.

    Lingustica Textual, de Rosngela Hammes Rodrigues, Nvea Rohling da Silva e Vidomar Silva Filho.

    Sociolingustica, de Izete Lehmkuhl Coelho, Edair Maria Grski, Gui-lherme Henrique May e Christiane Maria Nunes de Souza.

    3.1 Metodologia do ensino da Lngua Portuguesa e Literatura

    Os documentos de referncia para o ensino de Lngua Portuguesa e Literatura nos anos inicias do Ensino Fundamental e no Ensino Mdio, ainda que apresentem alguma divergncia na fundamentao terica de suas proposies, apontam para o alcance de objetivo comum educa-o oficial: a formao do cidado capaz de dar conta das demandas de uso da linguagem oral e escrita (leitura e escritura) do meio social em que se insere, de forma crtica e criativa. Da mesma forma, os do-cumentos propem que os contedos no sejam ensinados como um fim em si mesmos, porm como [...] meio para que os alunos desen-volvam capacidades que lhes propiciem produzir e usufruir os bens cul-turais, materiais e econmicos (BRASIL, 1997a, p. 73). Assim, estaro [...] ampliando o domnio ativo do discurso nas diferentes situaes

    PCNs, Saeb, Propostas Curriculares de Estados e Municpios.

  • Metodologia de Ensino

    44

    comunicativas [...] de modo a possibilitar sua insero efetiva no mun-do da escrita, ampliando suas possibilidades de participao social no exerccio da cidadania (BRASIL, 1998, p. 32).

    Buscando sintetizar o que dizem os documentos de referncia sobre o

    ensino de Lngua Portuguesa e Literatura e no intuito de orientar a ao

    docente, propomos encaminhamentos por meio dos quais julgamos

    ser possvel contribuir para que a formao desse sujeito, pela e na in-

    terao com o outro, mediada pela linguagem, possa exercer de forma

    crtica e criativa sua cidadania.

    Assim, no faremos distino entre metodologias para os anos fi-nais do Ensino Fundamental e o Ensino Mdio, nem proporemos for-mas de avaliao especficas para um ou outro ensino. Apenas procura-remos traar certos princpios que orientem a atividade da docncia em Lngua Portuguesa e Literatura, indicando o que se considera adequado consecuo dos objetivos propostos, frente produo acadmico-cientfica, pedaggica e aos documentos oficiais em circulao na nossa contemporaneidade.

    As mudanas na rea da educao a partir da dcada de 1990, oca-sionadas, dentre outros fatores, pelas teorias filosfico-educacionais e lingusticas que passam a sustentar os documentos orientadores do en-sino, conforme j referido em captulo precedente, vm acompanhadas tambm de discusso, iniciada na Europa, mais precisamente na Fran-a, sobre os conceitos de transposio didtica (CHEVALLARD, 1985; 1991) e de elaborao didtica (HALT, 1998).

    As mudanas no ensino de lngua fazem-se sentir principalmente em vir-

    tude dos estudos de Bakhtin, que desenvolve a teoria dos gneros do dis-

    curso, baseada em concepo de lngua como interao verbal. No ensino

    da Lngua Portuguesa, em nosso caso, tem-se alterao significativa, tanto

    no que se refere ao objeto de ensino, como mencionado anteriormente,

    como s metodologias, passando-se do ensino centrado na gramtica

    para a ins