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Metodologia Científica

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M e t o d o l o g i a C i e n t í f i c a

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

Reitor

Prof. MSc. Pe. José Romualdo Desgaperi

Pró-Reitor de Graduação Prof. MSc. José Leão

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Prof. Dr. Pe. Geraldo Caliman

Pró Reitor de Extensão Prof. Dr. Luiz Síveres

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA VIRTUAL

Diretor Geral

Prof. Dr. Francisco Villa Ulhôa Botelho

Diretoria de Pós Graduação e Extensão Prof.ª MSc. Ana Paula Costa e Silva

Diretoria de Graduação

Prof.ª MSc. Bernadete Moreira Pessanha Cordeiro

Coordenação de Informática Weslley Rodrigues Sepúlvida

Coordenação de Apoio ao Aluno

Prof. Esp. Núbia Rosa

Coordenação de Pólo e Relacionamento Francisco Roberto Ferreira dos Santos

Coordenação de Produção

Maria Valéria Jacques de Medeiros da Silva

Equipe de Produção Técnica Analista Profª Doutoranda Sheila da Costa Oliveira Profª Drª Wilsa Ramos Editoras de Conteúdo Cynthia Rosa Marilene de Freitas Web Designers Edleide Freitas Marcelo Rodrigues Gonzaga

Conteudistas 1º Semestre Prof. Dr Cristhian Teófilo da Silva Prof. Dr Daniel Schroeter Simião Prof. MSc Edilberto Afanador Sastre

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Metodologia Científica Sumário

Sumário :: PARTE 01 :: A Ciência e Outros Saberes ..................................7

Aula 01 – Os saberes da Humanidade ............................................... 9 A CIÊNCIA FRENTE AO SABER HUMANO.......................................................................11

Aula 02............................................................................................ 21 A AUTORIDADE DA CIÊNCIA..............................................................................................22

Aula 03 – Pertencendo a uma Tradição .......................................... 29 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................30 O QUE CONHECER.................................................................................................................30

Aula 04 – Os Três Mundos ............................................................... 39 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................41

Aula 05 – O Debate Moderno nas Ciências...................................... 51 PENSADORES E DEBATES DA IDADE MÉDIA ................................................................53 Pensadores e debates do Renascimento e Modernidade ............................................................55

:: PARTE 02:: A Produção da Ciência e dos Cientistas................65 Aula 01 – Paradigmas: Definições ................................................... 67

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................69 O MODO DE ORGANIZAR.....................................................................................................71 O ORGANIZADOR ..................................................................................................................72

Aula 02 – Paradigmas: Revoluções.................................................. 79 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................81 PARADIGMAS DA CIÊNCIA MODERNA: UM MAPA......................................................83 OUTROS MAPAS PARADIGMÁTICOS ................................................................................84

Aula 03 – A questão da Produção .................................................... 89 O DILEMA DA OBJETIVIDADE E DA NEUTRALIDADE .................................................93 Valores, subjetividade e objetividade ........................................................................................96

Aula 04 – Teorias, Conceitos e Observação .................................... 99 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................102 TEORIAS E CONCEITOS......................................................................................................104 OBSERVAÇÃO.......................................................................................................................106

Aula 05 – O Real e a Construção do Objeto de Pesquisa ............... 111 O REAL ...................................................................................................................................113 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA..................................................................115

NORMAS........................................................................................ 119 Apresentação do Trabalho Acadêmico ....................................................................................119 Leitura do Texto Científico......................................................................................................121 Formas de Comunicação e informação Científica ...................................................................126 Organização da Informação .....................................................................................................130 Pesquisa Bibliográfica..............................................................................................................136 Projeto de Pesquisa ..................................................................................................................137 Referência Bibliográfica ..........................................................................................................140

Glossário ....................................................................................... 141 Referências ................................................................................... 149

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Metodologia Científica Sumário

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Metodologia Científica

: : PARTE 01 : : A C iênc ia e

Out ros Saberes

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

Aula 01 – Os saberes da Humanidade

Enquanto Isso…

Wilson é um calouro da Universidade Católica de Brasília muito entusiasmado com seu curso e cheio de

expectativas para o começo do semestre. Na tarde de ontem, Wilson e seu colega Marcos estavam na

lanchonete conversando. Marcos falou de um caso estranho, noticiado pela TV alguns dias antes, sobre

uma mulher que não se alimenta já há dois anos.

Intrigado, Wilson resolveu procurar na Internet mais informações a respeito e encontrou uma

reportagem , que dizia o seguinte:

Desde maio de 99, o casal Steve, 36, e Evelyn Torrence, 39, riscou do mapa as refeições diárias que

fazem parte do cotidiano de boa parte da humanidade. Brasileira, radicada nos Estados Unidos desde

1998, Evelyn ostenta um corpo enxuto, de 47 quilos, distribuídos em 1,66m. Está bem longe da imagem

de alguém supostamente desnutrido - mas não ingere comida há quase dois anos.

Na realidade, não é que eles não se alimentem de nada: a "comida" deles é

"prana", a energia universal obtida a partir da respiração e da absorção da luz

solar. Algo como a fotossíntese realizada pelas plantas que, no caso dos

humanos, seria feita pelas glândulas pineal e hipófise, segundo Evelyn.

De acordo com ela, existem várias formas de se absorver a energia prânica - em

geral, através de técnicas respiratórias comuns para quem pratica yoga. Mas o

jeito mais simples mesmo é olhar o sol todos os dias de manhã bem cedo. "A luz

do sol vai direto para as glândulas pituitária (hipófise) e pineal", diz Evelyn. Ela

explica que se a pessoa começa a encarar o sol durante dez ou vinte segundos

por dia, os olhos vão se acostumando e a forte luz do sol não incomoda mais.

Para Evelyn, as nossas glândulas são como os painéis solares usados pelas

casas que aproveitam a energia do sol para ter luz e aquecer a água. "Nossas

glândulas absorvem essa energia e ficam o dia todo passando para o nosso

corpo inteiro. Elas funcionam como uma bateria energética que a gente carrega

toda a manhã."

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

Escritora, com três títulos publicados no Brasil, Evelyn acredita que nós

simplesmente somos viciados em comida, que para ela é a pior das drogas. "A

energia do alimento é ilusória, é igual a cocaína.

Quando você come, você está bem, depois entra em processo de

digestão, que tira toda a energia que você tinha e que a comida

deu".

Wilson achou essa história muito estranha, mas plausível. Resolveu ligar para Marcos e disse:

- Pô, cara. Sabe que eu acho até possível isso acontecer? Eu me lembro de ter lido uma vez que "há mais

coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia"...

Marcos retrucou, dizendo:

- Isso é uma grande bobagem! É cientificamente impossível alguém viver sem se alimentar.

Wilson ficou confuso e não soube o que responder.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

A CIÊNCIA FRENTE AO SABER HUMANO

Vivemos numa época muito particular. Somos testemunhas de mudanças em todas as ordens. O mundo

à nossa volta tornou-se um laboratório aberto. O homem parece imbuído de um poder inesgotável, capaz

de transformar radicalmente a natureza na qual vive e as coisas que ele criou. Para tanto, faz uso maciço

dos conteúdos de um tipo especial de saber: a ciência.

Hoje esperamos da ciência respostas para todos os problemas. Tanto para aqueles que o homem se

colocou há milênios, como para os problemas que as mudanças ocasionadas pelo uso da ciência estão

acarretando. Queremos uma resposta científica para a origem do universo, para a formação dos planetas,

para a origem da vida, para o nascimento do homem, para o advento das culturas. Esperamos uma

resposta dos cientistas para enfrentar os mais variados fenômenos da natureza. Pedimos a especialistas

em diversas áreas que expliquem com equações as causas dos terremotos, das erupções vulcânicas, dos

maremotos, dos tornados. Esperamos encontrar saídas certas para as doenças, as epidemias, a dor, a

fome, a miséria e até a morte.

Em outras palavras, pedimos para a ciência as respostas que em outras épocas a humanidade esperou da

religião, da filosofia, da magia e do próprio senso comum. Tratamos, hoje, estes saberes com desprezo.

Os achamos inferiores. Olhamos para eles com desconfiança. Na verdade, depositamos toda nossa fé na

ciência. Ela e os cientistas têm nesta época a última palavra; para nós, usuários do saber científico,

palavra sagrada.

É paradoxal constatar que nossa atitude para com a ciência é o oposto do que a ciência espera de nós

como usuários dela. Esperamos da ciência respostas absolutas, quando ela só pode dar respostas

parciais. Tomamos as respostas da ciência como se fossem definitivas quando elas são apenas temporais.

Olhamos para os resultados da ciência como se estes fossem eternos, quando se trata apenas de

conhecimentos datados historicamente.

Substituímos os antigos saberes pelo saber da ciência. Nossa época realizou tal substituição sem

perceber quais são os limites e o sentido do conhecimento científico. Assim mudamos os conteúdos do

nosso conhecimento, mas mantivemos o sentimento que tínhamos a respeito dele: temos a sensação de

enfrentar uma verdade eterna, absoluta, sagrada. E mais, reduzimos todos os saberes a um só, ou seja,

toda pluralidade de saberes é reduzida pela ditadura de um saber singular, todas as verdades possíveis

são reduzidas a uma e única verdade: a verdade da ciência.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

Nós representamos a ciência como um saber objetivo, neutro, exato e verdadeiro. O que nós esperamos

é que realmente o conhecimento emanado dela seja tudo isso. Ou seja, queremos ter fé absoluta no

conhecimento científico. Esperamos que ele nos salve de toda dúvida, de todo sofrimento, de toda

incerteza. Esperamos confiar nele nossa vida física, mental e espiritual, nosso passado, nosso presente e

nosso futuro.

Em outras palavras, mistificamos o saber científico. Reduzimos todas nossas possibilidades de saber à

ciência. Ficamos cegos para outras possibilidades de conhecimento. Ficamos paralisados quando o saber

científico não obtém os resultados que esperamos. Ficamos sem saída. Se a ciência não resolve, nada

resolve. Delegamos todo poder à ciência.

Para quem está iniciando no mundo da ciência pode parecer estranho ter que aceitar que o conhecimento

científico é só um tipo de saber entre outros. Isto é, a ciência não elimina os outros tipos de saber. Ela

não é superior nem mais verdadeira que outras formas de entender o mundo. Outros tipos de

conhecimento têm também a capacidade de dar sentido à vida de inúmeras pessoas. Mais ainda, a

ciência não é a forma mais evoluída de saber. O que significa que contrariamente a nossas crenças, a

ciência é extremamente limitada em suas possibilidades de explicação do mundo, embora ela seja muito

criativa e dinâmica.

Os Tipos de Conhecimento

Temos que dar olhos a outras formas de saber. Vejamos, então, algumas considerações sobre a magia, a

religião, a filosofia e o senso comum.

- O Conhecimento Mítico

Hoje, os casos nos quais o saber mágico-mítico se faz presente nos parecem sem importância. Olhamos

para eles com completo desprezo. Pensamos imediatamente em um engano. Alguém está querendo-nos

ludibriar. "Isto não é possível", é o primeiro pensamento que vem a nossa mente. Temos uma palavra

para designar aqueles fatos: tratam-se de milagres; casos extraordinários que escapam por completo à

maneira como entendemos o funcionamento do mundo.

Histórias que envolvem casos de levitação, telepatia, clarividência, cura instantânea, entre outros

fenômenos, nos parecem aceitáveis se fazem parte de um texto bíblico, de um livro muito antigo, de

algum livro sagrado que não pertença a nossa cultura e a nossa época. Ora, nos parecem um simples

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

truque se colocadas dentro do nosso dia a dia, ora as colocamos dentro do rótulo "ficção". Dizemos, "isso

não é científico" com o mesmo peso que dizemos "isso não é real" e fechamos o caso como algo vindo de

um submundo, algo vulgar ou irreal.

É bom saber que esse tipo de fenômeno, que existe ainda hoje, foi o modo de entender o mundo durante

longas épocas da história humana. O que para nós hoje é milagre ou caso extraordinário já foi

normalidade para a humanidade algumas centenas de anos atrás.

A magia e o mito já foram, então, formas legítimas e hegemônicas de entender a realidade. Isto quer

dizer que em algum momento da nossa história, o conhecimento dos magos, dos gurus, dos velhos

possuidores de remotas memórias, dos oráculos, das bruxas, dos curandeiros, dos místicos, dos

iluminados, já foi fonte principal, o "laboratório" central de produção do conhecimento que servia a reis, a

guerreiros, a comerciantes, a homens e mulheres comuns para tomar as decisões do seu dia a dia,

conhecimento que servia de referência para interpretar os fenômenos da natureza e para dar sentido à

vida, a história, ao mundo.

O surgimento da história humana está irremediavelmente ligado à magia e a mitologia. Todos os povos e

culturas humanas viveram em sua origem um período mágico-mítico. Foram, então, os magos os

primeiros a formular modos de entender a origem do mundo, a origem das coisas e fenômenos, a origem

das culturas. As visões dos magos se transformaram em histórias contadas pelos mais velhos aos mais

jovens. Tais memórias foram transmitidas oralmente de geração em geração dando origem aos mitos.

Portanto, magia e mito estão ligados à emergência do conhecimento humano.

Desde o surgimento das primeiras culturas (10 mil a.C.) até a invenção da escrita (1500 a 1000 a.C.)

reinou a transmissão oral de conhecimentos. Com a emergência dos primeiros alfabetos foram

sistematizados os primeiros livros sagrados em diversas culturas.

No ocidente, foi a cultura grega que primeiro sistematizou sua mitologia nos livros de Homero (750 a.C.),

a Ilíada e a Odisséia. Nestes, conta-se a epopéia de deuses e heróis que deram origem à cultura grega.

São, portanto, livros de referência para entender a maneira como magia e mito fundamentam o

conhecimento humano nos seus primórdios.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

É importante ter clareza sobre o papel do mito: sistematizar a maneira como uma cultura explicava a si

mesma os fenômenos da natureza, a origem do mundo, a origem dos homens e da cultura e o sentido da

existência. Em outras palavras, os mitos sistematizavam o conhecimento. O próprio fenômeno do

conhecimento era sujeito de explicação mítica. Por exemplo, conta-se na mitologia grega que Atenas, a

deusa do conhecimento, nasceu da cabeça do seu pai, Zeus. Nascer da cabeça de um deus simboliza,

então, a razão do poder da Deusa, o Conhecimento. (KERÉNYI, 2000)

Atenas nasceu da

cabeça de Zeus

Hoje, o processo de racionalização nos impede de ver a riqueza e profundidade dos conhecimentos que

se encontram embutidos nos mitos. No entanto, os mitos continuam a fazer parte de nossa vida cultural.

A psicanálise, fundada por Sigmund Freud , por exemplo, encontra na mitologia grega uma fonte de

explicação de muitas das tensões psíquicas que vive o homem moderno. Isto é, o inconsciente humano

está povoado de mitos que determinam boa parte de suas ações. Pode-se então argumentar que longe

de ter desaparecido, os mitos deixaram de ser a parte consciente e explícita da cultura e passaram a ser

sua parte inconsciente e implícita.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

- O Conhecimento Filosófico

O conhecimento mítico no ocidente deu lugar ao conhecimento filosófico. Um raro processo de

racionalização foi vivido pelas culturas, que, depois de terem descoberto a escrita, sistematizaram seus

mitos em livros. Surgiu uma nova maneira de se perguntar pela realidade. Para alguns filósofos gregos,

as explicações mitológicas da realidade não eram confiáveis. Xenófanes, nascido por volta de 570

a.C., contestou a mitologia presente nos livros de Homero.

Para ele, era questionável o fato de homens e deuses expostos nos livros homéricos compartilharem

qualidades e defeitos. As pessoas teriam criado os deuses a sua imagem e semelhança, da mesma

maneira teriam dado a fenômenos da natureza qualidades que só os homens podem exprimir.

Os primeiros filósofos tentaram dar respostas racionais aos fenômenos da natureza, organizaram as

relações entre os homens a partir da ética e discutiram sobre os alicerces do conhecimento humano.

Fizeram tudo isso sem ter que recorrer aos mitos. Para tanto, usaram sua capacidade de observação (os

sentidos) e sua capacidade de pensar (lógica). Isto inaugurou uma maneira inteiramente diferente de

explicar a realidade.

Os filósofos gregos deram os primeiros passos na direção de uma maneira racional de pensar a realidade.

Eles formularam seu conhecimento a partir de conceitos e não mais de imagens ou símbolos como o

faziam os contadores de mitos. Assim, os filósofos encaram diretamente a realidade. Disse Dilthey

Wilhem: "a filosofia é a consideração que eleva toda a atividade humana à consciência, isto é, ao saber

universalmente válido. É a auto-reflexão do espírito em forma de pensar conceitual" (WILHEM, 1984:27).

Destas afirmações podemos tirar algumas conclusões. Enquanto o mito utiliza uma linguagem indireta

que se apresenta em forma de sinais, de símbolos, de imagens, a filosofia se expressa em forma de

conceitos. Isto demarca uma diferença fundamental. Os conceitos por sua natureza lógica instauram seus

limites de modo mais forte e consciente. O mesmo não acontece com os mitos. Basta dar uma olhada na

maneira como diversas pessoas contam uma história mítica para perceber que cada uma utiliza imagens

e símbolos diferentes, que necessariamente conduzem a interpretações extremamente singulares e

subjetivas.

Outra conclusão possível: enquanto o mito parte da imaginação, da crença e da emoção, a filosofia utiliza

ferramentas menos voláteis, como a observação e a lógica. Isto permitiu que o produto da filosofia se

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

universalizasse de maneira a ser discutido, com maior rigor, por pessoas em diferentes lugares e épocas.

O mesmo não acontece com os mitos que ficam restritos à cultura que lhes deu origem e mudam de

época para época. Mesmo os mitos consignados em livros sofrem diversas interpretações, muitas delas

sem atingir o mínimo de rigor. Muitos vêem nesta qualidade dos mitos uma vantagem frente à filosofia,

pois, a maior flexibilidade dos mitos permitiria sua constante renovação, o que bem pode não acontecer

com os conceitos da filosofia.

Se o mito foi o modo hegemônico de entender a realidade até o surgimento da filosofia, lá no século VI

a.C., a filosofia se tornou o modo hegemônico desde então até o século IV d.C. Todo este período é o que

conhecemos como Antigüidade e é composto pelo chamado período clássico da cultura grega e sua

decadência e pelo ascenso e decadência da Cultura Romana.

Os filósofos gregos e romanos elaboraram ao longo de mais de mil anos os mais diversos sistemas

filosóficos. Desde o materialismo até o idealismo, desde o racionalismo até o irracionalismo.

Greco-romanos deram início às discussões que séculos depois a época moderna tornaria ciências exatas

e/ou naturais, ciências humanas e/ou sociais. Gregos e romanos construíram o modo de conhecimento

hegemônico da Antigüidade: a filosofia.

Assim como o pensamento filosófico se tornou hegemônico, a cultura grega e romana se tornaram

hegemônicas. O Império Grego e o Romano se sucederam no tempo e no espaço. O mundo civilizado viu

gregos e romanos conquistar territórios e levantar templos fazendo da sua filosofia o tipo de

conhecimento que maior difusão teve até esse momento da história humana.

Mas, quando o Império Romano, triunfante na Europa, se lançou a conquistar outras nações, sofreu o

irremediável influxo cultural. Os povos do Oriente Médio da época tinham sistemas de conhecimento

próprios e tradições extremamente fortes, que entraram em choque com a filosofia greco-romana. Em

particular, os Judeus respondiam a uma tradição religiosa muito desenvolvida. O Judaísmo tinha sua

própria maneira de entender a realidade, havia elaborado suas próprias formas de explicar a origem do

universo, do homem e da cultura humana e seu destino. Eles tinham um sistema religioso que ainda que

não fosse de ordem filosófica, era extremamente racionalizado. Tratava-se de uma religião monoteísta,

forma até então desconhecida por gregos e romanos que se mantiveram quase até o final politeístas.

Assim, a história viu o encontro de duas tradições culturais. De um lado, a greco-romana de origem indo-

européia e de outro, a judaica, de origem semita. Os conquistadores romanos foram conquistados pelas

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

discussões de ordem religiosa de seus súditos. O Cristianismo, religião que emerge historicamente da

ruptura entre diversas interpretações da tradição judaica, foi ganhando espaço entre os filósofos latinos.

Ao longo de seis séculos a Europa viveu um processo de fusão cultural ao tempo que se deu a fusão

entre filosofia e religião que deu como resultado a emergência de uma nova maneira de hegemonia do

conhecimento: a Teologia.

- O Conhecimento Religioso ou Teológico

A chamada cultura ocidental é o fruto de um processo histórico de fusão cultural entre o greco-romano e

o judaico-cristão. Muitos são os filósofos que se viram seduzidos pelas questões de fé colocadas pela

tradição judaica. Por exemplo, Aristóbulo (170 a.c.) explica a sabedoria dos filósofos gregos Platão e

Pitágoras apoiando-se no conhecimento da revelação judia e introduz, ao mesmo tempo idéias da

filosofia grega na interpretação do Antigo Testamento. Filón (30 a.c.) afirmava também que os filósofos

gregos tinham-se nutrido do Antigo Testamento.

Apenas algumas décadas depois da morte de Cristo, já havia comunidades cristãs em todas as cidades

gregas e romanas. Com o Cristianismo se introduz a idéia da revelação da divindade e da possível

unidade de conteúdo entre ela e o conhecimento filosófico. O pensamento dos padres cristãos se serve da

filosofia grega e da helenístico-romana. A metafísica filosófica foi rapidamente transformada em

dogmática.

Com a queda do Império Romano (476 d.c.) se fecha a Antigüidade. Surge uma nova forma de

conhecimento que se torna hegemônica, a teologia. Um tipo de saber que se fundamenta na fusão da

racionalidade filosófica e a fé da crença em Deus. Trata-se de um tipo de conhecimento que tenta

demonstrar os dogmas da fé cristã transformando-os em ciência racional.

A primeira fase da filosofia medieval enfrentou tarefa de cristianizar a filosofia de Platão. Esse foi o

objetivo de Santo Agostinho e São Gregório de Nissa, entre muitos outros deste período. A segunda

fase da filosofia medieval tentou aproximar Platão de Aristóteles, e este da razão cristã. Averróis e Santo

Tomas de Aquino, trataram o racionalismo filosófico fundado em Aristóteles, achando que se pode chegar

à fé em Deus de modo racional. Afirmaram a não contradição entre fé e razão e entre conhecimento e

revelação.

Por esta via, a teologia conectou-se com o conhecimento da natureza e a metafísica dos antigos,

especialmente com a ciência aristotélica do cosmos. Fundou-se assim, o sistema realista da ciência

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racional cristã, o que gerou uma das maiores mudanças na intelectualidade européia ao dar oportunidade

à crescente familiaridade entre o saber acerca da natureza e a especulação cósmica dos antigos e dos

árabes que tinham desenvolvido o conhecimento empírico nas áreas da matemática, da astronomia e da

medicina.

Talvez hoje nos pareça estranho, mas na Idade Média o mundo era entendido a partir da perspectiva dos

teólogos. A teologia foi hegemônica durante a Idade Média, o que quer dizer que outras formas de

pensamento tiveram que enfrentar o poder dos teólogos. A Sagrada Inquisição foi, em muitas ocasiões,

um tribunal onde se dirimiam questões epistemológicas sobre qual é o sistema de pensamento que leva à

verdade. Muitos pensadores morreram defendendo suas idéias. Especialmente nos tempos finais deste

período quando pensadores e estudiosos de diversas áreas do conhecimento começaram a por em dúvida

dogmas tidos como inquestionáveis.

O século XIV foi um século de transformações o suficientemente fortes como para dar início a um período

de transição que se chamou de Renascimento. O encontro das tradições de pensamento greco-romanas,

a teológica cristã e a árabe, junto às novas descobertas ultramarinas deram como resultado a

emergência de novas possibilidades de conhecimento que colocaram um limite ao poder da hegemonia

teológica ao tempo que abriram as portas para um novo tipo de conhecimento: a ciência.

- O Conhecimento Científico

A necessidade de elaborar um conhecimento do "mundo exterior" em contra de um conhecimento do

"mundo interior" foi o divisor de águas entre o saber medieval e o moderno. A discussão entre razão e fé

foi, pouco a pouco, substituída pela distinção entre um mundo divino e um mundo natural. Isto permitiu

que homens de conhecimento se dedicassem a pesquisar os fenômenos naturais sem se preocupar pela

intervenção de forças espirituais. Ao mesmo tempo a lógica filosófica foi cedendo terreno ante outra

maneira de entender a capacidade racional: a lógica matemática.

Os modernos se propuseram simplesmente encontrar a razão das coisas do mundo. Com tal propósito

realizaram uma análise efetiva da natureza, colocando, como ideal, não mais conhecer a verdade

absoluta como o fizeram os filósofos ou a revelação divina como os teólogos, mas conhecer as leis que

determinam a natureza a fim de poder dominá-la.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

Leonardo Da Vinci lançou, no século XVI, a idéia de ser a natureza nada mais que uma máquina.

No século seguinte, esta visão foi sistematizada por René Descartes quem criou uma imagem poderosa

de todas as coisas (planetas, animais, vegetais, humanos) como sistemas mecânicos. Isto é, coisas-

máquina, constituídas de partes separáveis. Conhecer significa, então estudar as partes que constituem

cada máquina separando-as para observar sua constituição. Assim, mecanicismo e materialismo estão na

base de todo pensamento científico moderno, pelo menos até o final do século XIX.

Sendo a ciência um tipo de conhecimento que se concentra em fatos reais (não mais em símbolos,

conceitos ou dogmas) surge a noção de conhecimento objetivo, racional, sistemático, geral, verificável,

falível.

O conhecimento científico se descreve como objetivo pois pretende dar conta da realidade com

independência da subjetividade do pesquisador. Isto é, não tem em conta nem suas crenças, nem seus

sentimentos, nem seus valores. A ciência é racional porque deixa de lado a simples sensação para

estabelecer critérios rigorosos de observação e medição da realidade que devem levar a dados

matemáticos.

A sistematicidade da ciência aposta na inclusão de conhecimentos parciais em totalidades cada vez mais

amplas, construindo sistemas gerais organizados racionalmente. A elaboração de leis e normas gerais

impõe a obrigação de explicar todos os fenômenos de um determinado tipo, por isso o conhecimento

científico é geral. É verificável porque o método, o caminho que foi seguido para chegar às informações

obtidas sempre deve ser passível de ser recuperado. E finalmente, o conhecimento científico é falível

porque reconhece que, a diferença de outros tipos de conhecimento onde o erro não tem espaço, a

ciência aceita que um conhecimento pode ser superado por outro mais exato.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 01

Estes critérios levaram a ciência ao longo dos últimos séculos da história a tornar-se o conhecimento

hegemônico. Isto não significa que os outros tipos de conhecimento tenham desaparecido ou perdido

completamente o poder de explicar a realidade. Na verdade, quando se diz que a ciência é hegemônica

se está aceitando que mito, magia, filosofia, teologia e ainda outros saberes como o senso comum e a

arte continuam a desafiar constantemente o saber oficial da ciência.

Assim, é possível afirmar que a ciência é só a última forma de conhecimento que o homem elaborou

na sua longa caminhada. É possível que não seja a última e nem sequer a mais produtiva. Novas formas

de entender anunciam hoje sua chegada iluminando enormes campos desertos. O conhecimento humano

ainda terá de assombrar-se com a vastidão do mundo real.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

Aula 02

Enquanto isso…

Edileuza é estudante de nutrição da UCB e está cursando o primeiro semestre. Na semana passada ela e

uma amiga estavam assistindo TV, quando viram uma propaganda que chamou a atenção das duas. Era

de um produto para emagrecimento que prometia resultados milagrosos. Substituindo duas refeições

diárias pelo shake, o produto assegurava redução de até 10 quilos em 15 dias. E o melhor: era

cientificamente comprovado.

A amiga de Edileuza, que há algum tempo estava preocupada com uns quilos a mais, ficou encantada e

foi logo pegando o telefone para ligar para o número divulgado pela propaganda.

- "Cê tá doida?", disse Edileuza. "Você acredita nisso?".

- "Claro", respondeu a amiga. "Eles dizem que é cientificamente comprovado".

- "Ah, mas nem tudo que é cientificamente comprovado é garantia de ser verdadeiro", retrucou Edileuza.

Sua amiga fez uma cara de quem não estava entendendo nada e perguntou:

- "Ué, como assim?!"

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

A AUTORIDADE DA CIÊNCIA

"A ciência deve parte de sua auto-estima ao fato de ser vista como a 'religião

moderna', desempenhando, hoje, papel similar ao do cristianismo na Europa,

em séculos passados. Mas como se construiu a base para tal autoridade?"

O filósofo da ciência ALAN CHALMERS (1997) dedicou um livro a essa questão e nos convidou a realizar

uma tarefa urgente: investigar por que as pessoas têm dedicado uma fé cega ao que chamamos,

respeitosamente "método científico". Não será complicado para nós reconhecermos que o conhecimento

científico é um conhecimento provado, que as teorias científicas são alcançadas por meio de dados

rigorosamente obtidos através da observação e de experimentos. Fazer ciência é se dedicar ao que

podemos ver, ouvir, tocar etc. A ciência é objetiva porque é livre de opiniões ou preferências pessoais e

suposições especulativas. O conhecimento científico é, desse modo, um conhecimento confiável porque é

provado objetivamente.

Essas afirmações resumem uma concepção popular de conhecimento científico e em grande medida é

conseqüência da Revolução Científica que ocorreu durante o século XVII. A atitude científica de então

consistia em buscar compreender a natureza ou a realidade, consultando a natureza e não a Bíblia ou os

escritos de Aristóteles.

A experiência passou a ser vista cada vez mais freqüentemente como a única fonte válida de

conhecimento.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

Nas palavras de outro pensador da ciência, H. D. Anthony:

"Não foram tanto as observações e experimentos de Galileu que causaram a

ruptura com a tradição, mas sua atitude em relação a eles. Para ele, os dados

eram tratados como dados, e não relacionados a alguma idéia preconcebida...

Os dados da observação poderiam ou não se adequar a um esquema conhecido

do universo, mas a coisa mais importante, na opinião de Galileu, era aceitar os

dados e construir a teoria para adequar-se a eles." (ANTHONY, 1948: 145 citado

por CHALMERS, 1997: 24).

O raciocínio lógico e dedutivo - aquele que diz: 1) todos os homens são animais, 2) eu sou homem,

portanto, 3) eu sou um animal! - acabou cedendo espaço para o indutivismo. Quer dizer, se os

pensadores de então alcançavam o conhecimento pela combinação de diferentes premissas, assumindo a

irrefutabilidade das mesmas, as atitudes e sugestões de Francis Bacon, Galileu Galilei, Isaac Newton,

René Descartes, entre outros, apontavam para a necessidade de questionar as certezas por meio da

observação empírica e da indução racional. Para esses pensadores, a fonte da verdade não seria a lógica,

exclusivamente, mas a experiência.

A objetividade de uma ciência pensada e praticada nestes termos, se origina no fato de que tanto a

observação quanto o raciocínio indutivo são eles mesmos objetivos. Segundo Chalmers (1997: 34):

"Proposições de observação podem ser averiguadas por qualquer observador pelo uso normal dos

sentidos. Não é permitida a intrusão de nenhum elemento pessoal, subjetivo. A validade das proposições

de observação, quando corretamente alcançada, não vai depender do gosto, da opinião, das esperanças

ou expectativas do observador."

Mas será que esta é uma interpretação adequada do que é o conhecimento científico? Quais seriam os

riscos de se assumir e concordar com esta visão da ciência?

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

Preocupado com tais questões, Rubem Alves nos alerta para os perigos de se venerar a objetividade do

conhecimento científico e a validade de suas explicações e previsões sobre a natureza, a sociedade, as

culturas, o universo e a humanidade. Para esse autor: "Antes de mais nada é necessário acabar com o

mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras." (ALVES, 1996: 09). O fato de

alguém ser bom em uma atividade não quer dizer que será melhor que os outros nas demais. O cientista

é antes de tudo um especialista numa atividade só!

"Imagine as várias divisões da ciência - física, química, biologia, psicologia,

sociologia - como técnicas especializadas. No início pensava-se que tais

especializações produziriam, miraculosamente, uma sinfonia. Isto não ocorreu.

O que ocorre, freqüentemente, é que cada músico é surdo para o que os outros

estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as

afirmações dos biólogos, que por sua vez não compreendem a linguagem da

economia, e assim por diante." (idem: 09-10).

Ao que tudo indica, os cientistas são objetivos somente no que concerne às ciências particulares que

praticam, sendo incrédulos perante as demais!

Segundo os argumentos de Rubem Alves, a especialização contínua das disciplinas científicas, e portanto,

dos cientistas, podem levar a perigosas fraquezas, entre elas a delegação da tarefa de pensar para os

outros e uma deformação irreversível da capacidade de apreensão da realidade por aqueles que pensam

cientificamente. Para ele, sendo a ciência apenas "um refinamento de potenciais comuns a todos" quanto

maior for a visão em profundidade, menor será a visão em extensão, do mesmo modo, quanto maior for

a visão em extensão, menor será a percepção de profundidade. Quem se especializar apenas no uso do

microscópio perderá a percepção telescópica e vice-versa...

Voltemos à nossa pergunta inicial: "quais as bases da autoridade da ciência?" Apoiados no que foi dito

até aqui, poderíamos responder que esta autoridade se sustenta, em primeiro lugar, sobre a mudança de

atitude das pessoas perante as formas reconhecidamente válidas de se obter conhecimento. Em segundo

lugar, diríamos que a autoridade da ciência se sustenta sobre uma crença irrefletida na eficácia do

conhecimento obtido pelas pessoas que seguiram estas formas (ou "fórmulas") para explicar e prever o

comportamento das coisas investigadas, sejam elas a natureza, a sociedade ou as próprias pessoas.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

Entretanto, essas duas bases de sustentação da autoridade científica têm promovido uma diferenciação

entre as pessoas. A especialização científica tem instituído uma divisão entre "aqueles que sabem" e

"aqueles que não sabem". O avanço do conhecimento científico acaba promovendo, portanto, uma

desigualdade entre "aqueles que detêm o que acreditam ser a verdade" e o poder de implementá-la

como a única explicação válida das coisas, e os outros, "que não sabem nada" e devem apenas seguir

aqueles que "sabem". Esquece-se, como nos alertou Rubem Alves, que a ciência (melhor dizer, o

conhecimento) é a hipertrofia de capacidades que todos possuem.

Em meio a tantos questionamentos e críticas, de filósofos a autoridades da ciência, podemos nos

perguntar: "e os cientistas-especialistas? O que teriam eles a dizer sobre tudo isso? Sobre sua

autoridade, seu poder aparente?" GASTON BACHELARD, outro filósofo, nos apresenta um posicionamento

defensor da especialização e, nesse sentido, nos coloca mais próximos ao pensamento dos cientistas

(Bachelard, 1986 [1953]). Afinal, se o conhecimento científico especializado esconde perigos, ele também

proporciona avanços significativos na explicação e compreensão de facetas inusitadas da realidade.

Consideremos, então, seus argumentos.

Logo de início, Bachelard explicita que o progresso científico tem se constituído sobre rupturas,

"perpétuas rupturas, entre conhecimento comum e conhecimento científico". Tratam-se de duas formas

de pensar, são duas racionalidades distintas. O conhecimento científico dirige-se para a especialização

organizada. É o trabalho bem colocado, eficaz, organizado. O conhecimento comum seria, por oposição e

contraste, tudo o que o conhecimento científico não é!

Desse modo, enquanto o conhecimento científico especializado é organizado e hierarquizado no interior

de uma "cidade científica", com suas normas, leis, valores, honrarias, punições e racionalismo, o

conhecimento comum escapa aos pesados portões da razão e da experiência que encerram a "cidade

científica", se espalhando por vastos campos de observação ingênua, ação prática e empirismo.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

A especialização devidamente hierarquizada do conhecimento científico traz, para este autor: "... uma

dinamização particularmente feliz para o espírito científico. Ela implica com efeito uma reforma

fundamental dos princípios do saber, ela reage tanto em profundidade quanto em superfície." (1986: 02).

E mais: "Não há especialização sem uma consciência aprofundada, sem um aprofundamento da

consciência." (idem: 03).

Quando Bachelard defende a especialização ele não pretende nutrir a separação entre os "detentores de

saber" e os "não detentores de saber" de que falamos anteriormente. Na verdade, seu objetivo é chamar

a atenção dos estudiosos da ciência (nós, portanto) para a especificidade do espírito científico

contemporâneo. Segundo ele, tem se tornado evidente que o empreendimento científico representa um

"jogo mais arriscado", no qual se formulam teses chocantes para o próprio senso comum e o bom senso.

Nesse sentido, o conhecimento científico não decorre de um refinamento do conhecimento comum, como

nos sugeriu Rubem Alves, mas de um pensamento de outra ordem, descontínuo e difícil em si. Vejamos

um exemplo:

"Tal é o caso, por exemplo, da imagem que Niels Bohr apresentou para condensar certas leis do núcleo

atômico sob o nome de 'gota d'água'. Esta imagem 'ajuda admiravelmente, dizem Pollard e Davidson

(loc. cit., p. 194), a compreender o como e o por que da fissão'. Sob a capa desta imagem da 'gota' onde

se aglomeram os núcleos, poder-se-ia dizer que a incorporação de um neutron suplementar aumenta a

energia interna do núcleo, em outras palavras a 'temperatura' do núcleo. Em seguida a este aumento de

'temperatura', uma emissão de um corpúsculo poderá se fazer segundo um processo que se chamará de

'evaporação'. Mas as palavras gota, temperatura, evaporação devem naturalmente ser colocadas entre

aspas. Para os físicos nucleares estas palavras estão de alguma forma redefinidas. Elas representam

conceitos que são totalmente diferentes dos conceitos da física clássica, a fortiori bem diferentes dos

conceitos do conhecimento comum. Obteria um grande sucesso de hilaridade quem perguntasse se a

física nuclear fabrica um termômetro para medir 'a temperatura' de um núcleo!" (BACHELARD, 1986

[1953]: 10).

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 02

O que se nota no exemplo acima é que não há nenhuma continuidade entre a noção da temperatura que

estamos acostumados a usar para saber quão quente ou frio está o dia com a noção de "temperatura" de

um núcleo como empregada pelos físicos. "A linguagem científica é, por princípio, uma neo-linguagem.

Para ser entendido na cidade científica, é preciso falar cientificamente a linguagem científica, traduzindo

os termos da linguagem comum em linguagem científica." (idem: 10-11).

No fundo, o que Bachelard quer nos mostrar é que há uma diferença muito grande entre a observação

pura e simples da natureza, tal como a faziam os filósofos pré-socráticos, e a experimentação, tal como a

empregou Galileu e Newton, Faraday e Curie. "Há uma mudança de perspectiva."

Os argumentos de Bachelard nos convidam a refletir, mais do que a resolver, nossa pergunta inicial:

"como se construiu as bases para a autoridade da ciência?" Essa indagação se torna ainda mais atual e

urgente quando reconhecemos que não só acreditamos religiosamente no conhecimento produzido por

cientistas, mas que acreditamos em explicações e previsões exclamadas em línguas que sequer somos

capazes de compreender. Esta dificuldade de compreensão da ciência contemporânea e seu estranho

poder de sedução é: "... a condição mesma do dinamismo psicológico da pesquisa. O trabalho científico

exige precisamente que o pesquisador se crie dificuldades. O essencial é criar dificuldades reais, eliminar

as falsas dificuldades, as dificuldades imaginárias." (idem: 08).

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

Aula 03 – Pertencendo a uma Tradição

Enquanto isso…

Guilherme é estudante do segundo semestre de Educação Física e no começo do ano viveu uma

experiência inédita. Com uma mochila nas costas e na companhia de um grupo de amigos, colocou o pé

na estrada e passou três meses viajando de carona pelo Brasil, seguindo o rumo norte do país.

Uma das primeiras paradas foi num vilarejo às margens do Rio Amazonas. Ali fizeram amizade com um

grupo de pescadores ribeirinhos, com quem passavam horas batendo papo. A conversa era variada, e

Guilherme e seus amigos perguntavam uma série de coisas sobre a vida no lugar.

Como não podia deixar de ser, a curiosidade era mútua, e também os pescadores queriam saber um

pouco mais sobre aquele grupo de malucos que chegara de repente, com uma mochila nas costas, vindo

do nada. Os estudantes explicaram que vinham da Capital, onde cursavam Educação Física, na

Universidade Católica de Brasília. Foi então que um dos ribeirinhos perguntou:

- "Mas o que é mesmo que vocês fazem lá nessa tal cidade?"

- "Não é cidade", disse Guilherme, achando graça. "É Universidade".

- "E o que é isso?", perguntou o pescador.

Foi aí que a porca torceu o rabo. Depois de pensar um pouco, Guilherme disse, enfim:

- "Bom, é um lugar aonde a gente vai para aprender".

- "Ah!", disse o ribeirinho, "é que nem o grupo escolar que tem na vila. Mas vocês já tão grandinhos

demais para isso, não?

- "Não é bem como na escola, não. A diferença é que a gente vai lá para aprender uma profissão, para

conhecer coisas que vão nos permitir trabalhar depois".

- "Ah, mas para isso não carece essa tal 'cidade'", disse o ribeirinho. "Eu aprendi meu trabalho aqui em

casa mesmo, com meu pai. E olha que tem muito segredo para ser um bom pescador..."

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

- "É, mas lá a gente aprende coisas da ciência".

- "E o que é ciência?", perguntou o pescador.

Foi aí é que a coisa complicou de vez. Guilherme nunca tinha parado para pensar sobre a difícil tarefa de

explicar o que é uma Universidade. Para ele, mais do que escola, mais do que fábrica de diplomas, uma

universidade é uma instituição que tem história. E é preciso conhecer um pouco dessa história para

entender o que se faz lá dentro. Mas como explicar a importância disso a alguém?

INTRODUÇÃO

Há vinte e três séculos, Aristóteles já afirmava que "todos os homens, por natureza, desejam

conhecer". Questões como "o que conhecer?" e "como conhecer?" acompanham toda a história humana

desde seus primórdios. O contínuo processo de produção do conhecimento viveu, desde o início da

história humana, revoluções e transformações sem fim. É necessário entender esse percurso para poder

fazer parte da rica tradição universitária - tradição de pensamento, tradição de conhecimento, tradição de

busca, tradição de sentimento - e prolongá-la no futuro.

O QUE CONHECER

Compreender o mundo à nossa volta parece ter sido uma preocupação de praticamente todas as culturas

na história da humanidade. É preciso explicar as coisas. Mas que perguntas devem ser feitas? Que

perguntas os seres humanos já fizeram na busca de explicações? Se dermos uma olhada na maneira

como as diversas tradições de conhecimento se formaram, perceberemos que algumas questões sempre

se mantiveram presentes no imaginário de homens e mulheres, e que os inspiraram no processo de

construir o conhecimento. Questões que os orientaram sobre o que conhecer.

Essas questões se concentraram sempre sobre três relações: homem-natureza, homem-sociedade e

homem-Deus. Pode-se dizer que todo conhecimento tem seu endereço de nascença em uma ou mais

destas dualidades. O mais interessante é constatar que, dependendo do tipo de resposta dada a cada

uma dessas relações, homens e mulheres criaram uma tradição de conhecimento: a magia, a filosofia, a

teologia, a ciência. Afinal, cada uma dessas tradições são tentativas consistentes de dar resposta às

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

perguntas colocadas por cada uma daquelas dualidades. Perguntas do tipo: "O que é o ser humano?"; "O

que é a natureza?"; "O ser humano é natureza?"; "São distintos, são contrários, são complementares?".

Ou então, "O ser humano é social?"; "É individual?"; "É formado pela sociedade?"; "A sociedade é

formada pelos indivíduos?". E mais, "Deus fez o homem ou foi o homem que fez Deus?".

Essas e muitas outras questões continuam a aquecer o fogo do pensamento humano, gerando toda essa

teia de conhecimentos que se nos apresenta ora como uma unidade, ora como a mais vasta e intrincada

heterogeneidade.

As ciências modernas encontram, de fato, suas razões para existir nas mesmas questões. É por isso que

as respostas da ciência continuarão a permanecer ligadas a longínquas tradições que tentaram responder

àquelas questões a partir de outros pontos de referência. Os cientistas de hoje são descendentes dos

magos e dos filósofos de ontem. É na magia, na filosofia e na teologia que os cientistas devem procurar

suas raízes. Sem essa perspectiva o exercício da ciência perde toda historicidade e se torna

extremamente perigoso, pois, perdendo suas raízes, passa a desprezar os outros tipos de conhecimento,

tendo-os como inferiores ou arcaicos. Assim, o cientista corre o risco de se transformar num indivíduo

egocêntrico, autoritário e descontextualizado, como muitos dos nossos cientistas são hoje em dia.

. A Dualidade Homem-Natureza .

Ao longo da história, os grandes campos de conhecimento que hoje conformam as especializações

científicas foram surgindo a partir de algumas dessas dualidades. A dualidade homem-natureza é

fundamental para entender o fato de que o ser humano tem diversos tipos de relação com a natureza.

Cada um deles depende do momento histórico (variável tempo) e do geográfico (variável espaço). O ser

humano é o que é sempre em relação à natureza.

Assim, a relação homem-natureza é vista e vivida de maneira diferente por um indivíduo ou grupo

cultural, dependendo do momento histórico e do lugar. Por exemplo, para algumas culturas no mundo, a

natureza adquiriu o caráter de um todo envolvente, um útero todo poderoso que abrigava de maneira

absoluta a cada ser individual. As forças da natureza (raios, trovões, maremotos, vulcões, frutos,

alimentos, calor, abundância, escassez etc.) eram entendidas como expressões da mãe-natureza. O

homem percebia-se como uma parte da natureza, intimamente ligado a ela, um com ela. Pode-se dizer

que a relação homem-natureza era de caráter unívoco. O conhecimento que daí emergiu visava, então,

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ler nas expressões naturais quais eram os desígnios daquela Mãe. A magia surge, assim, como o modo

de conhecimento capaz de realizar a conexão entre o todo e a parte: para os mágicos pré-históricos

haveria uma continuidade entre homem e natureza.

Alguns pesquisadores dizem que este tipo de relação com a natureza, esta convergência, tende a mudar

quando um povo não tem um contexto geográfico rico em elementos naturais (culturas do deserto) ou

quando o desenvolvimento da tecnologia permite ao homem realizar algumas conquistas sobre a

natureza (culturas modernas).

Para as culturas do deserto, cujas raízes se encontram entre os semitas, existe uma diferença clara entre

o homem e a natureza. Cada qual tem sua própria natureza, são totalidades independentes, ainda que

inter-relacionadas. Essa distinção fez com que a tradição de conhecimento dos semitas desse maior

importância à relação homem-Deus e à relação homem-sociedade. Dali surgiram alguns dos sistemas de

pensamento religioso mais influentes da história humana: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo.

As culturas modernas, por sua vez, fundamentaram-se na oposição entre homem e natureza. A natureza

foi vista como uma máquina da qual era necessário extrair suas leis de funcionamento para dominá-la e

torná-la útil para o homem. Todo conhecimento devia, então, ter uma finalidade no sentido de colocar o

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homem por sobre a natureza, torná-lo amo e senhor da natureza. Se para os magos da pré-história o

passe de mágica tratava de conciliar homem e natureza, para os tecnólogos da modernidade a equação

intenta estabelecer uma hierarquia. Se o mago tenta conhecer o curso da natureza, e, portanto, o curso

da história, o homem moderno tenta criar, artificialmente, o curso da natureza e estabelecer sua própria

história.

Assim, a relação homem-natureza tem sido ao longo da história humana fonte de conhecimentos

extremamente diversos. Se para os pré-históricos rendeu enormes quantidades de conhecimentos

mágicos e míticos, para os gregos deu fôlego para criar e fundamentar a tradição filosófica de ocidente.

Vale recordar que os primeiros filósofos se reconheciam como físicos, isto é, sábios capazes de explicar a

natureza e seus fenômenos sem recorrer ao pensamento mítico ou mágico.

Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Pitágoras, entre outros (séculos V-VII a.C.)

chamados filósofos pré-socráticos, deram à relação homem-natureza explicações inteiramente diferentes,

fazendo surgir um tipo de conhecimento fundamentado na lógica racional: a filosofia. Com eles, a

dualidade homem-natureza foi acrescida de outras dualidades que até hoje continuam a fazer parte das

principais questões da física, da química, da matemática: o mundo é uma unidade ou uma multiplicidade

de elementos, as coisas mudam ou permanecem, o mundo é finito ou infinito, é realidade ou aparência, é

harmonia ou discórdia, verdade ou falsidade.

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Disse Bertrand Russell, na sua História do Pensamento Ocidental, que:

"A maneira pela qual estes problemas foram abordados pelos primeiros filósofos

é instrutiva. Uma determinada escola se dedicava a um dos lados de um

dualismo; em seguida, outra lhe faria críticas e adotaria o ponto de vista oposto.

Afinal, surgiria uma terceira escola, que produziria uma espécie de

compromisso, substituindo as duas opiniões anteriores. Ao observar essa

batalha pendular entre as doutrinas rivais de filósofos pré-socráticos, Hegel

resolveu pela primeira vez a sua noção de dialética" (RUSSELL, 2001).

Bastaria dar uma olhada na física quântica e na física da relatividade para ver como, durante o século XX,

foram trabalhadas de maneira radical tais dualidades, levando o pensamento humano a transcender

limites e a enxergar a natureza de maneira inteiramente diferente da que estamos acostumados.

COMO CONHECER

O filósofo grego Parmênides, por sua vez, trouxe o problema do como conhecer.

"O problema que colocava sobre a contradição unidade-multiplicidade na

concepção do Ser e suas decorrências para a produção de conhecimento

passaram a constituir objeto de reflexão indispensável para os pensadores que o

sucederam" (ANDERY, 2000).

De fato, Parmênides adotou uma postura radical para a época: "Só é aquilo que

é, o que não é, não é e não pode ser pensado". Assim, ele instaurou um

processo contra as maneiras contraditórias de expressar o conhecimento,

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criando a primeira teoria sobre a verdade, isto é, impôs a necessidade de rigor lógico na produção de

conhecimento.

Com esta nova questão colocada sobre a maneira de conhecer, Parmênides permitiu

que o pensamento filosófico transitasse das reflexões cosmológicas (sobre a

natureza) para as questões antropológicas (sobre o homem). Portanto, a pergunta

sobre como conhecer é antes de tudo uma pergunta antropológica: como o homem

conhece? Foi este o caminho que levou a levantar a questão sobre o próprio auto-

conhecimento do homem, expresso de diversas maneiras nas tradições religiosas e

filosóficas de ocidente e sintetizado por Sócrates (século IV a.C.) na máxima

"Conhece-te a ti mesmo".

Se os pré-socráticos levantavam questões sobre o cosmos, querendo saber o que é o mundo, os

socráticos se perguntavam sobre o ser que se pergunta sobre o cosmos, e então formularam a pergunta:

o que é o homem? "Sócrates sustenta e defende o ideal de uma verdade objetiva, absoluta e universal.

Mas o único universo que ele conhece, e ao qual se referem todas as suas indagações, é o universo do

homem. Sua filosofia (...) é estritamente antropológica " (CASSIRER, 1994).

Esta postura acerca da relação homem-natureza, colocou na história do pensamento humano novos

problemas e abriu novos horizontes de reflexão. A antropologia de Sócrates deixou claro que não é

possível conhecer a natureza do homem de igual maneira que se conhece a natureza exterior. Esta pode

ser descrita em suas propriedades externas, enquanto que o homem só pode ser estudado em termos da

sua consciência

Pois bem, é o mesmo Sócrates que introduz a necessidade de pensar o homem, não mais como uma

parte do todo-mundo, do todo-natureza, mas com relação ao próprio homem, isto é, é apenas nas nossas

relações imediatas com os seres humanos que obtemos uma compreensão do caráter do homem, emerge

na história do conhecimento a necessidade de entender o homem como sendo fruto de um ato social,

portanto, de estudar a relação Homem-Sociedade.

Platão e Aristóteles, de outro lado, deram à história do conhecimento uma das polêmicas de maior

relevância a respeito de como acontece o fenômeno do conhecimento, dando lugar a duas tradições de

pensamento. Platão defendeu a urgência de conhecer o mundo das idéias como sendo essencial e

transcendente ao mundo das aparências, para tanto utilizava-se a razão e desprezavam-se os sentidos.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

Aristóteles preferiu iniciar, dando crédito aos sentidos e ao mundo sensível e depois sistematizando a

razão numa lógica. Racionalistas e empiristas que até hoje disputam qual é o caminho mais consistente

para chegarmos ao conhecimento.

Mas se os filósofos clássicos se afirmaram na possibilidade do homem poder conhecer, houve também os

que pensaram que este caminho lhes era impossível. Entre os Gregos apareceu a escola dos céticos, que

colocam em dúvida alguma coisa poder ser conhecida ou ensinada. Os céticos da antigüidade encontram

eco nos irracionalistas modernos que estudam a incapacidade humana para chegar a qualquer verdade.

A Dualidade Homem-Sociedade

Foi Aristóteles quem colocou a idéia de que "O Homem é um ser Político". Isto é, ele é na medida em que

vive em sociedade. Mas, não foi o primeiro a pensar desta maneira. Os sofistas, uma escola de filósofos

bastante polêmica, já tinha iniciado a discussão dois séculos antes.

Para os sofistas, a relação Homem-Sociedade estava diretamente relacionada com a questão "como

conhecer ". Daí que uma das máximas dos sofistas que mais gerou polêmica foi a de que "O Homem é a

medida de todas as coisas", o que significa que é o ser humano quem conhece e conhece porque vive

entre homens. Com isto os sofistas colocaram o problema da relatividade do conhecimento, já indicando

que, dependendo da comunidade de homens à qual se pertence, nossos juízos a respeito da realidade

mudam inevitavelmente. Assim, o que para uns é verdadeiro, para outros é falso, o que para uns é belo,

para outros é feio, sem poder chegar nunca a um acordo sobre qual seja a essência das coisas. Com

estas idéias a respeito do conhecimento, os sofistas ganharam muitos inimigos na época.

A relação Homem-Sociedade foi amplamente estudada por filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates fundou um modo de pensar estritamente antropológico ao propor a idéia de que o homem só

pode ser conhecido como sendo parte da comunidade humana. Este ponto de partida lhe valeu a

fundamentação da ética. Já Platão dedicou muitos dos seus melhores textos filosóficos a pensar como

deveriam ser dadas as relações ideais entre os homens. Seu Livro "A República" é conhecido como

uma utopia social na qual os homens de conhecimento deveriam comandar os destinos da sociedade.

Platão dizia que só quem conhecia a verdade (ou seja, os filósofos) é que estavam em condições de

governar os destinos da sociedade. Para Platão, ou o Rei devia ser Filósofo, ou o Filósofo devia ser Rei.

Isso pode parecer, hoje, algo absurdo para nós, que vivemos em uma democracia, mas se pensarmos

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

bem, mais de dois mil anos depois de Platão, estarmos vivendo justamente o que os sociólogos chamam

de "sociedade do conhecimento".

Por sua vez, Aristóteles realizou a primeira grande pesquisa

comparativa de ciência política. Reuniu e estudou as Constituições das

Cidades Gregas e elaborou um quadro comparativo que até hoje é

referência para entender como se constituem politicamente as

sociedades: como ditaduras ou reinos, como aristocracias ou

burguesias, como democracias ou anarquias. Em "A Política" ,

Aristóteles traçou um roteiro que, com certeza, foi matéria obrigatória

para os pensadores políticos dos séculos seguintes desde Maquiavel,

até Montesquieu...

Desde Hobbes até Marx...

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 03

Desde Weber até Bobbio...

"Acreditamos saber que existe uma saída,

mas não sabemos onde está.

Não havendo ninguém do lado de fora

que nos possa indicá-la,

devemos procurá-la por nós mesmos.

O que o labirinto ensina não é onde está a saída,

mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum."

Norberto Bobbio

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

Aula 04 – Os Três Mundos

Enquanto isso...

Um grupo de amigos mobilizou uma calorosa discussão, semana passada, na UCB. Motivo: uma

reportagem de jornal que um deles havia trazido e que dizia o seguinte:

Micro de menino é mais inteligente que o de menina

BRUCE HEADLAM

do New York Times News Service

No semestre passado, a Mattel, fabricante das bonecas Barbie, lançou o Barbie PC, computador para

meninas. Para horror _ou possivelmente o deleite_ dos críticos, o micro, que custa US$ 599, tem pouco

mais da metade dos softwares educacionais do Hot Wheels PC, feito para garotos pela mesma empresa.

"Fiquei surpresa com a diferença entre os pacotes de programas", diz Carol J. Burger, imunologista e

coordenadora do Programa de Igualdade entre Gêneros e Ciência do Virginia Tech. Ela noticiou pela

primeira vez a discrepância em outubro, quando viu anúncios nos jornais. "Isso reforça o estereótipo de

que meninas são mais interessadas em moda e de que meninos, em buscas mais intelectuais."

Entre os softwares oferecidos no Hot Wheels PC, há um jogo de raciocínio chamado "Logical Journey of

the Zoombinis".

Para Pamela Haag, diretora de pesquisas do setor de educação da Associação Americana de Mulheres

Universitárias (AAUW), as meninas mostram amplos interesses que não se refletem nos títulos femininos.

"O interesse de garotas e garotos em programas abrange uma volumosa variedade deles. Por isso é

desnecessário nos intrigarmos com o que pensamos que as meninas devem gostar."

A Mattel nega que a distribuição de softwares seja injusta com as meninas. "Não tivemos a intenção de

desprezá-las ocultando algum item que estava no Hot Wheels PC", afirma Dana Henry, porta-voz da

Mattel.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

Henry diz que a companhia queria que os dois computadores tivessem a mesma quantidade de softs,

mas o número de programas da Barbie _como "Barbie Fashion Designer" e "Detective Barbie"_ deixou

menos espaço no PC para as meninas.

Folha de São Paulo, 2/02/2000, p. 6-2.

A reportagem colocava lenha em uma grande fogueira entre os amigos: quem era mais inteligente: os

homens ou as mulheres? A briga estava ficando feia, e tinha gente argumentando em todos os sentidos.

Uns diziam que a essência da mulher era mais intuitiva, e que os homens eram mais racionais, por isso,

eles eram mais inteligentes. Outros diziam que justamente por ser mais intuitivas, as mulheres eram

mais inteligentes. Até que alguém disse que isso era uma grande bobagem e que, no fundo, não havia

nenhuma essência masculina ou feminina, tudo dependia da educação que o sujeito (homem ou mulher)

recebesse. Aí é que a discussão cresceu ainda mais.

Como a discussão não terminava, um professor que passava por ali foi logo envolvido pelo pessoal e

convidado a dar o veredicto:

- "E aí professor, existe uma essência masculina e feminina? Há um jeito verdadeiro de ser 'homem' ou

'mulher', por trás dos homens e mulheres de verdade?", indagou um dos jovens.

- "Ah, disse o professor, isso depende de que maneira você vê o mundo; isso depende de que tradição de

conhecimento você vai usar. Um monista e um dualista diriam que sim, já um pluralista diria que não."

Dizendo isso, virou-se de costas e saiu tranqüilamente.

- "Alguém entendeu o que ele disse?", perguntou um dos colegas.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

INTRODUÇÃO

Na antigüidade, gregos e romanos desenvolveram perguntas a partir das relações entre homem-natureza

e homem-sociedade, buscando com elas a produção de conhecimento. Em outras palavras, os filósofos

da Antigüidade, preocupados como estavam com o conhecimento do mundo natural, social e humano,

decidiram colocar em pauta o problema de "o que significa conhecer". Com isso, inauguraram uma série

de tradições de pensamento, deram início a um debate que dura até hoje e que tem muitas correntes

diferentes. Não é à-toa que tantos textos façam, ainda hoje, referência àqueles filósofos – seja para

elogiá-los, seja para criticá-los. As questões que eles colocaram foram e continuam sendo referência para

muita discussão.

Eles, os filósofos da Antigüidade, deram à história do conhecimento as bases fundamentais de todas as

correntes de pensamento. Para começo de conversa, podemos dizer que as diferentes correntes de

pensamento que se desenvolveram a partir dos filósofos gregos podem ser englobadas dentro de três

grandes blocos:

• monismo

• dualismo

• pluralismo

Cada um desses blocos pode se subdividir muitas vezes, dependendo do momento histórico e do lugar.

Karl Popper, no seu livro O Conhecimento Objetivo, os chama de "Os três mundos". De fato, essas

três correntes de pensamento são visões de mundo fundamentadas em premissas diferentes. Pode-se

dizer que são esses três os paradigmas últimos que deram fundamento às mais diversas teorias,

filosofias, teologias e ciências. Portanto, vale a pena dar uma olhada nestas três tradições de

pensamento.

. O Monismo .

Uma forma de responder à pergunta "O que é conhecer?" é dizer que conhecer é descobrir a essência de

uma coisa, aquilo que está por trás do que vemos, por trás da aparência. Mas aí vem uma segunda

pergunta: o que é essa essência? Muitos pensadores trabalharam com esta idéia, dizendo que, no fundo,

o mundo todo tem apenas uma essência que aparece para nós sob diversas formas. As idéias que partem

deste pressuposto fazem parte de uma corrente de pensamento chamada de Monista.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

Em geral, o termo monismo é empregado para designar doutrinas segundo as quais há um só tipo de

substância ou realidade no mundo. Tem suas raízes nas religiões e filosofias indianas, mas encontrou

entre os gregos expressões filosóficas bastante desenvolvidas. Especialmente em Parmênides, que ao

identificar o "Ser" e o "Pensar" predeterminou o curso subseqüente da maior parte das doutrinas

monistas do ocidente. Segundo a lógica monista, todas as aparentes diferenças entre fenômenos da

realidade não são mais do que ilusão. Assim, mente e corpo, mundo material e mundo espiritual, sujeito

e objeto etc. são sistematicamente reduzidos a uma só substância e expressão. O monismo é então uma

lógica reducionista.

Quer um exemplo de uma explicação monista do mundo? Pense no filme "Matrix".

Neste filme, as pessoas não existem de verdade. Elas são o produto de um programa de computador. É

como se a realidade fosse apenas o programa do computador, que produz inúmeras ilusões. É o

programa do computador que cria a imagem de uma sala, a imagem de um animal, a imagem de uma

pessoa, a imagem de uma situação. Mas estas imagens não são reais, são apenas a ilusão feita por um

programa que, ele sim, é real. O programa é a essência que dá forma às imagens criadas por ele. Se

você quiser conhecer a realidade, vai ter que sair da ilusão de imagens e descobrir o programa de

computador. Ora, para esta idéia, apresentada no filme, o mundo só pode ser realmente conhecido se

conhecermos o programa de computador, que é a única essência de todas aquelas imagens produzidas

por ele. O mundo tem muitas coisas, mas a essência é uma só, dada pelo programa.

É importante então perceber que as idéias monistas têm percorrido vários milênios na história humana,

chegando até mesmo aos roteiristas de Holywood. Elas vêm do longínquo e misterioso oriente, se

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

enraízam na filosofia grega, como vimos com Parmênides, retomam sua caminhada na Idade Média,

especialmente em Plotino, expoente do monismo místico e chegam até a modernidade com Spinoza e

seu monismo gnosiológico e metafísico.

Mas o Monismo não é só filosófico e religioso. Ele permeou também a

maneira como os cientistas naturais entenderam o mundo. Na modernidade,

a ciência se fundamentou na idéia do mundo ser uma única realidade

material e natural. Ernest Haekel chama esta atitude de Monismo

Naturalista. Para ele, a matéria é a única realidade possível, e termina

atribuindo à matéria as qualidades do espírito. Os problemas da atividade,

da força, da energia são solucionados por meio da consideração da matéria

como algo vivo e dinâmico, como o princípio de todas as propriedades.

Assim, o Monismo, que chegou à modernidade por meio da filosofia e da

teologia, se instaurou no pensamento dos cientistas e iluminou os físicos,

os químicos e os biólogos. A procura das leis universais é basicamente uma

expressão monista. Para muitos destes cientistas, nenhuma relação de

espaço, tempo e causalidade pode ser exterior a nenhuma realidade. Se

assim fosse, teríamos que sustentar a existência de "realidades

independentes". Nesse sentido, toda a física de Newton é monista.

Inclusive na psicologia se deu a emergência de um monismo neutralista

que nega a diferença entre o físico e o psíquico. O Behaviorismo é um

exemplo claro de monismo psicológico. Na sociologia, por exemplo,

Durkheim elabora um tipo de monismo sociológico ao identificar o individuo

com a sociedade.

. O Dualismo .

Você já ouviu falar no Ying e Yang da filosofia chinesa? É como se houvesse dois princípios que se

relacionariam para produzir as coisas no mundo. Para conhecer as coisas, portanto, teríamos que

conhecer os dois princípios que estão por trás delas. As idéias surgidas a partir deste pressuposto podem

ser agrupadas em uma tradição chamada "dualismo".

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O dualismo é também uma tradição muito antiga. Como dissemos, entre os chineses de três ou quatro

mil anos a.C. já existia a idéia do mundo ser formado a partir de duas substâncias: o Ying e o Yang. O

mundo seria uma unidade composta por dois pólos opostos e complementares entre si. Estas duas forças

ou energias criariam tudo que está dentro do cosmos e suas respectivas hierarquias, pois entre os pólos

há conflito entre dominado e dominador, entre o verdadeiro e o falso, entre o espiritual e o material,

entre mente e corpo.

Mas, a filosofia dualista de Platão se torna também ponte para o pensamento dualista da Idade Média. Os

pensadores cristãos, ao descobrir Platão, realizaram um exercício de fusão entre a filosofia grega e a

tradição judaica descrita no Antigo Testamento. Foi Mani, fundador do famoso maniqueísmo, quem

realizou tal tarefa e transformou o cristianismo numa religião fundamentalmente dualista no início da

Idade Média. "Bem" versus "mal", "mundo divino" versus "mundo natural", "Deus" versus "homem",

foram interpretados como realidades opostas.

Na foto, ruínas do palácio do rei persa Sapor I, protetor de Maniqueu.

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Na Idade Média, é a discussão entre fé e razão que melhor

permite espreitar a tradição dualista. Santo Agostinho

descreve, no seu livro A Cidade de Deus, as marcas da oposição

entre esta e a cidade do Homem. O mundo do "Mal" se opõe

radicalmente ao mundo do "Bem", Deus e Demônio se tornam

inimigos irreconciliáveis. A antiga luta entre sensação e razão

que nutriu as discussões sobre o conhecimento entre os gregos,

foi substituída pela disputa entre fé e razão. A razão deveria

estar, para Santo Agostinho, à serviço da fé. O conhecimento

verdadeiro só pode ser alcançado por meio da luz da crença. As

verdades da fé deveriam ser tidas como eternas e infalíveis,

enquanto que as verdades da razão não passariam de efêmeras

e ilusórias. Séculos depois, São Tomás de Aquino, entre outros,

tentou aliviar esta postura que levou tantos homens e mulheres

às fogueiras da Sagrada Inquisição. A razão se transformou, em

São Tomás, em um caminho para a Fé; embora distintas, as

duas conduziriam ao conhecimento de Deus.

Mas é com René Descartes que o pensamento dualista chega à Modernidade, na idéia da oposição entre

matéria (corpo) e espírito (alma). Você certamente já ouviu falar desta oposição, e deve utilizá-la de vez

em quando, não?

Descartes funda assim o famoso mecanicismo. O mundo material é uma máquina sem alma, sem

espírito. Para conhecê-lo, o homem, ser pensante, deve-se analisá-lo com a nossa intuição. Esta

concepção mecânica da natureza permite a emergência do primeiro sistema materialista moderno. Esse

sistema de pensamento iria transformar-se no positivismo que amadureceu entre os séculos XVII e XVIII

nas filosofias de Hobbes, passando por Kant, Hegel e chegando até Auguste Comte no século XIX.

Hobbes, por exemplo, desenvolve o nominalismo no qual demonstra a arbitrariedade dos símbolos e sua

oposição à essência das coisas. Elabora uma teoria do conhecimento onde opõe as idéias simples às

complexas, e conclui que conhecer é perceber a concordância e discordância entre as nossas idéias.

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O dualismo de Kant, perpassa toda sua obra. Uma amostra disto é sua teoria das antinomias da razão,

onde contrapõe o limitado a o ilimitado, o simples ao complexo, o determinado ao indeterminado, a

necessidade à liberdade. Hegel, por sua vez, elabora o dualismo entre evolução da natureza e evolução

do espírito. Enquanto a primeira é, para Hegel, repetição, constância, estabilidade, submissão, a segunda

é criatividade, ruptura, liberdade.

O dualismo percorre também algumas das ciências modernas. A antropologia, nos seus começos, discutia

a diferença entre sociedades modernas e comunidades primitivas. A sociologia elaborou a oposição entre

indivíduo e sociedade. Marx é o melhor exemplo deste segmento. Ele contrapõe capitalistas e proletários,

super estrutura e infra-estrutura, capital e trabalho, realizando assim uma síntese dualista das

sociedades capitalistas.

Atualmente, uma forma muito comum de pensamento dualista é opor razão e emoção (ou sensação).

Para alguns pensadores, nossos sentidos (sensação) imperam, soberanos, na hora de captar a verdade

das coisas que, só depois, vão ser estruturadas pela razão. Para outros, a fraqueza dos nossos sentidos

nos obriga a opor o rigor da razão para poder conhecer o mundo. Outro dualismo comum hoje em dia é o

que opõe subjetividade e objetividade. Os defensores da objetividade afirmam a necessidade de colocar

em cheque os impulsos da subjetividade a fim de permitir uma leitura verdadeira da realidade. Em

contraposição, os defensores da subjetividade negam a possibilidade de apagar o sujeito que sente, que

tem interesses, que tem valores na hora de captar o real.

. O Pluralismo .

Por fim, uma outra forma de responder à nossa pergunta inicial é imaginar que não existe uma nem duas

essências a serem encontradas para a realidade. Conhecer a realidade seria compreender cada fenômeno

que existe por ele mesmo. Simplesmente não existe essência por trás das coisas, existem apenas as

coisas, e cada uma pode ou não se relacionar com a outra. As idéias que surgem desse pressuposto

formam uma corrente chamada "pluralismo".

O pluralismo é, assim, toda e qualquer doutrina que afirme haver muitos, provavelmente infinitos, tipos

de realidade. Esta tradição de pensamento também tem percorrido a história do conhecimento. A idéia da

existência de múltiplos ou infinitos mundos, independentes entre si ou relacionados entre si, persegue o

pensamento humano desde há milênios.

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No ocidente, são os atomistas pré-socráticos os primeiros a sintetizar as idéias pluralistas como uma

reação ao monismo de Parmênides e ao dualismo de Heráclito. Ainda na Grécia, havia uma corrente de

filósofos conhecida como sofistas, que também acreditava nas idéias pluralistas, afirmando a existência

de diversas modalidades de verdade e de mundo, de moral e de beleza.

É interessante ver o que os sofistas entendiam por "verdade". Aliás, essa é ainda hoje uma boa pergunta

a ser feita (e veremos que a ciência faz muito esta pergunta). Os sofistas travaram uma luta filosófica

contra as idéias predominantes na época, especialmente contra Parmênides e depois contra Sócrates e

Platão, os quais defendiam a idéia de uma verdade única, objetiva e universal. Os sofistas relativizaram

esses conceitos. Aceitavam a possibilidade de entender o mundo a partir de diversos pontos de vista,

sem nunca eliminar uma ou outra das respostas. Isso quer dizer que aquilo que pode ser verdadeiro para

mim, pode não sê-lo para você. Tudo depende do ponto de vista que você adota, e da capacidade que

alguém terá de convencer os outros a respeito de seu ponto de vista.

Com isso, os sofistas instauraram uma luta contra o rigor da lógica e pregaram as habilidades da

retórica. Esta seria a arte de convencer, a arte da linguagem; a arte de elaborar discursos competentes,

embora completamente desligados da necessidade de serem demonstráveis, objetivos, universais.

Especialmente esta questão da universalidade foi desrespeitada pelos sofistas. Uma pluralidade de

discursos possíveis é o que eles enxergavam. Isto lhes valeu muitos inimigos e, em alguma medida, o

esquecimento.

Depois dos sofistas, o pluralismo mergulha em certa escuridão histórica. Ele transita de maneira

subterrânea, ao longo da Idade Média, entre diversas doutrinas religiosas e filosóficas de caráter

esotérico que são sistematicamente perseguidas pala igreja Católica. Muitos pluralistas foram julgados

como hereges e queimados por isso. O pluralismo combinava muito mal com a idéia de um Deus único e

todo poderoso. Fazem parte desta tradição muitos dos magos e oráculos da Antigüidade, tanto como os

Alquimistas e Místicos da Idade Média.

Pode-se dizer que, durante este período da história as ciências naturais ficaram nas mãos dos pluralistas.

No subterrâneo da história, homens e mulheres experimentavam com a natureza e tentavam encontrar

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os caminhos que deste mundo nos levaria para outras realidades. Biologia, Anatomia, Medicina e não

poucas versões de filosofia e ocultismo religioso são fruto desta tradição.

Na modernidade, no século XIX, emerge uma clara corrente pluralista na filosofia como reação, uma vez

mais, as disputas entre monistas e dualistas. Exemplos de pluralismo são as doutrinas de Teichmüller,

Lotze e Wundt. Em alguns casos o pluralismo limitave-se ao domínio psíquico, em outros estendia-se a

toda a realidade, considerando-se que a afirmação da liberdade dos indivíduos humanos tinha de fundar-

se numa esfera de entidades não relacionadas internamente.

O pluralismo esteve freqüentemente ligado ao personalismo e

ao atomismo lógico. Entre estes está William James quem

afirmava que uma das vantagens do pluralismo é o seu

caráter mais científico, dada sua maior capacidade de

concordar com as possibilidades expressivas da vida como um

todo, pois que, os fatos o que mostram é a infinita pluralidade

de possibilidades do mundo.

Talvez, a física de Albert Einstein seja o exemplo mais alto de

pluralismo na física contemporânea. A diferença da física de

Newton que desdobra a realidade cósmica como um só mundo,

Einstein introduz noções matemáticas que permitem pensar,

com rigor científico, a possibilidade de diversas dimensões de

realidade. Toda uma revolução na visão de mundo do nosso

tempo.

A antropologia sofreu o embate do pluralismo ao reconhecer que

a sua divisão dualista entre mundos moderno e primitivo se

fundamentava em preconceitos e erros metodológicos. Assim, a

antropologia cultural contemporânea tem uma perspectiva

pluralista das culturas. Esta virada tem percorrido o universo

das ciências sociais do século XX.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 04

Finalmente, cabe mencionar, como uma postura pluralista, a hermenêutica como teoria do conhecimento

que não permite o fechamento das possibilidades de interpretação, mas que abre um leque sempre fluido

de opções. Cada sujeito que interpreta abre um mundo possível, gerando uma pluralidade de mundos

paralelos que ao tempo que convivem, se complementam, disputam, se renovam. O construcionismo

científico é, talvez, dentro das filosofias das ciências modernas, a postura que mais reflete o sentido da

visão pluralista.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

Aula 05 – O Debate Moderno nas Ciências

Enquanto isso...

Na escola, Bruno ouviu a professora dizer que a Terra gira em torno do Sol. Como toda criança curiosa,

ele ficou com a pulga atrás da orelha.

- "Como é possível isto, se a gente vê que é o sol que se movimenta no céu? ", perguntava-se o pequeno

estudante do Ensino Fundamental já em sua casa.

Interessado em desvendar o problema, Bruno resolveu não esperar até o dia seguinte para perguntar

aquilo para a professora. Bruno era o caçula dos irmãos de Márcio, estudante na Universidade. Então,

pensou:

- "Ora, se o Márcio é universitário, deve saber me explicar isso muito bem!"

Márcio só estaria em casa à noitinha. O esperto Bruno resolveu antecipar-se. Nascido internauta, fez uma

pesquisa para achar algo que o ajudasse a começar compreender essa forma de ver o mundo, com a

Terra, ela sim, girando em torno do Sol. Depois de muito pesquisar, o que Bruno sentia é que as coisas

só ficavam cada vez mais confusas.

Quando o irmão chegou, Bruno correu e já foi envolvendo Márcio com suas indagações e idéias. Puxou o

irmão para a frente do computador e, enquanto explicava sobre o que queria conversar, abriu na Internet

um dos sites por onde navegou. A página trazia um texto que mostrava como um homem da Idade Média

argumentaria sobre essa idéia da Terra girando ao redor do Sol. Bruno mostrou para o irmão o texto, que

dizia o seguinte:

"Como o ar e o mar poderiam ficar parados na superfície da Terra, se ela gira a

mais de 1000 quilômetros por hora, como afirmam esses astrônomos

enlouquecidos? Impossível!... Agora vocês me dizem que eu sou um homem do

passado e que a Terra está girando nessa velocidade toda. Hahaha... Eu pego a

minha espada, subo numa torre e a solto lá do alto. Se a Terra realmente

estivesse girando, a minha espada iria parar lá longe... Mas não! Ela cai ali

mesmo, no pé da torre. Vê? Prova de que a Terra está parada."

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

A curiosidade de Bruno provocou inúmeras tentativas em Márcio de explicar ao irmão caçula sobre aquele

assunto. Ele falou sobre física, gravidade, força centrífuga e muito mais, até que se deu conta de que a

tarefa de demonstrar a teoria heliocêntrica não era das mais simples. A cada nova tentativa, sempre

esbarrava no mesmo argumento do irmão caçula: "Mas eu estou vendo o Sol dar a volta!".

Sem dúvida, pensava Márcio, foi preciso ao ser humano ir além da simples observação para explicar essa

idéia. Foi preciso um método específico de conhecimento.

- "Como é que o ser humano foi inventar um jeito de descobrir essa história da

Terra se movendo e contornando o Sol, se toda observação parece demonstrar o

contrário?!", inquietava-se Márcio, que, a essa altura, já não conseguia

respostas fáceis nem para ele, nem para seu irmão.

Como legado de seu pequeno irmão, Márcio prosseguia em suas reflexões:

- "Que método é esse? Como se pensou nisso? Como surge esse método?".

Enquanto isso, Bruno saía resignado, convencido de que teria de esperar um pouco mais para entender

melhor toda essa história do movimento dos astros no universo.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

PENSADORES E DEBATES DA IDADE MÉDIA

Desde o século IV d.C. até o século XV, a história do conhecimento seguiu duas grandes vertentes: de

um lado o conhecimento dos mosteiros, dedicado a cultivar a teologia, a filosofia, a literatura e o estudo

de fenômenos naturais sempre do ponto de vista da religião; e, de outro, o conhecimento dos estudiosos

livre-pensadores da natureza, alquimistas, magos, bruxos, "experimentadores", que, sozinhos ou em

grupos, quase sempre em segredo, procuravam desvendar o que estava oculto por trás das aparências.

Essas duas correntes mantiveram relações bastante conflitantes e em muitos casos marcadas por guerras

e violência.

Esse período corresponde ao que os historiadores

chamam de Idade Média . Durante esse período

o poder e influência da Igreja Católica permeou

tanto a vida política e econômica, como a vida

intelectual. A produção de conhecimento tinha seu

centro e elite no seio das hierarquias estabelecidas

pelo Vaticano.

Sendo assim, a Igreja manteve severos controles sobre os produtores de saber e obrigou a dar um

determinado sentido a seus trabalhos: o conhecimento humano deveria estar voltado para fundamentar,

legitimar e difundir as verdades contidas nas Sagradas Escrituras e, portanto, para glorificar o Reino de

Deus. O conhecimento que não tivesse exatamente essa finalidade era condenado herege.

A preocupação dominante da Igreja foi a de discutir a vida espiritual do homem e seu destino. Nesse

sentido, era necessário elucidar a natureza do mundo, a natureza de Deus, os processos divinos sobre o

mundo, enfim, tudo o que implicava o esclarecimento dos dogmas cristãos. Isso significava que o

conhecimento deveria partir da Fé, ou seja, de uma crença que não dependia dos nossos sentidos. Você

certamente conhece a história de São Tomé, aquele que dizia somente acreditar na ressurreição de Cristo

se o visse pessoalmente (é daí que se diz, hoje: sou como São Tomé, só acredito vendo). Pois como

termina a história de São Tomé? Cristo lhe aparece e diz que ele não deveria ter duvidado, pois a sua fé

não deveria depender da visão. É essa a idéia predominante no conhecimento medieval. O conhecimento

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não deveria partir de sentidos (o que eu vejo, o que eu escuto, o que eu sinto etc.), mas sim partir da fé,

da crença que não depende dos nossos sentidos.

Com isso, o exercício do conhecimento na Idade Média se deu sobre a repressão dos sentidos como meio

de conhecimento, sobre o uso limitado e limitante da razão para entender os desígnios de Deus, e sobre

a soberania da Fé para poder, finalmente, estabelecer contato entre a fonte de todo saber, Deus -

ilimitado, infinito e eterno - e o homem - limitado, finito, temporal.

No final da Idade Média algumas correntes de pensamento tentaram uma leitura menos ortodoxa da

relação entre sentidos, razão e fé. São Tomás de Aquino, por exemplo, introduziu a idéia de que fé e

razão não operam dicotomicamente. Não são necessariamente pólos opostos, mas fenômenos

complementares que têm a mesma origem: Deus.

Outros pensadores foram mais longe e disseram que a razão e

o conhecimento não deveriam necessariamente depender da

fé, mas também dos nossos sentidos. Poderíamos saber

aquilo que tivéssemos experimentado. Esta idéia de fazer

experimentos para saber as coisas é a virada que o

conhecimento deu em direção ao empirismo. Os pensadores

de que falamos são Roger Bacon, Duns Scotus e

Guilherme de Ockham (séculos XIII e XIV d.C.).

Eles introduziram a idéia de que o mundo de Deus e o mundo cósmico (dos homens) são diferentes,

portanto, os meios de conhecimento de cada um deles têm que ser também diferentes. Daí a

necessidade de separar a fé, caminho para conhecer o mundo de Deus, e a razão, meio de conhecer o

mundo cósmico. Ou seja, a fé poderia continuar sendo a base para explicar o mundo de Deus, mas o

nosso mundo terreno deveria ser explicado pela experiência dos sentidos. Com isso, introduziram a

necessidade de recorrer a experimentos para poder conhecer o mundo cósmico.

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As discussões de Bacon, Scotus e Ockham são as sementes

de toda a ciência moderna. É neles que emergem as duas

grandes linhas mestras de todas as discussões sobre filosofia

da ciência e epistemologia, que enriqueceram a produção

científica dos séculos seguintes: de um lado, a necessidade

de partir da experiência sensível; de outro, a necessidade de

lidar com conceitos racionais. A primeira corrente

transformou-se no Positivismo, a segunda, no

Construtivismo.

Pensadores e debates do Renascimento e Modernidade

O que foi derrubado a partir daí foi a concepção medieval de mundo. De uma

ordem cósmica, dominada pelo sagrado, passou-se a uma ordem cósmica

secular, isto é, desvinculada de qualquer caráter divino ou sagrado. De um

universo geocêntrico, no qual a Terra estaria no centro, um universo ordenado

por Deus para ver nele a realização da obra divina, passou-se a um universo

heliocêntrico, em que o sol ocuparia o lugar central e a Terra um lugar discreto e

desvinculado de toda divindade. Copérnico, e seu heliocentrismo, é seguido

por Kepler e suas leis sobre as órbitas dos planetas e por Galileu e suas leis

sobre a queda dos corpos. Todos eles deram os insumos para que se

acumulasse conhecimentos físico, matemático e filosófico suficientes para que,

depois, Isaac Newton sintetizasse sua ordem cósmica a partir de fenômenos observáveis, sem interpor

hipóteses, a não ser as que podem ser derivadas diretamente dos dados.

O que começou com Copérnico, no século XVI, encontrou seu ponto máximo em Newton, no século XVIII.

Tinha, então, se consolidado uma visão moderna do mundo.

Da mesma maneira que aconteceu com o advento da filosofia - quando os pensadores gregos derrotaram

o conhecimento mítico e iniciaram uma nova leitura da ordem natural - a modernidade se instaura a

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partir de uma leitura do universo, sustentada em critérios da física, da matemática e da geometria.

Galileu dizia que o mundo era um livro escrito em linguagem matemática e em caracteres geométricos.

Francis Bacon e René Descartes são os primeiros a elaborar reflexões filosóficas que faziam eco aos

resultados do conhecimento dos físicos e matemáticos da época. Bacon, diferentemente dos pensadores

medievais - que direcionavam a produção de conhecimento para contemplar a obra de Deus - defendeu a

idéia, muito moderna, de que o produto da ciência deveria ser aplicado diretamente à industria e,

portanto, a serviço do progresso. O conhecimento perde seu caráter contemplativo e ganha uma outra

funcionalidade: transformar e dominar a natureza em benefício do homem. Para tanto, o homem deveria

conhecer as leis naturais, decifrar a linguagem matemática e os caracteres geométricos do mundo. No

"Novo Organum", Bacon expressa a necessidade humana de "investigar a possibilidade de realmente

estender os limites do poder ou da grandeza do homem e tornar mais sólidos os seus fundamentos... O

Império do homem sobre as coisas se apóia, unicamente, nas artes e nas ciências". Com esses princípios,

Bacon transformou o conhecimento em algo útil, coisa estranha tanto para os gregos da antigüidade

como para os teólogos da Idade Média.

Mas, para que a ciência produzisse este conhecimento útil, Bacon dizia que era preciso evitar quatro

armadilhas, quatro grandes riscos que poderiam levar o pesquisador a equívocos. Estes quatro fatores de

risco Bacon chamou de:

• ídolos da tribo - O primeiro risco a evitar eram as

falhas inerentes à natureza humana, falhas dos

sentidos e do intelecto. Os sentidos apresentam

erros de percepção que só podem ser corrigidos pela

experimentação, enquanto o intelecto tem a

tendência de generalizar eventos positivos sem ter

em conta os negativos. Quem já não passou por uma

ilusão de ótica? Você pensa que vê algo, mas na

verdade está vendo outra coisa. Esta é uma

armadilha dos sentidos, eles podem nos enganar, e a

experiência, para Bacon, era a forma de fugir deste

risco.

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• ídolos da caverna - Os "ídolos da caverna" dizem respeito a um outro risco, o de o pesquisador

se deixar influenciar pelas suas idéia pessoais. Para Bacon, o conhecimento deve ser isento de

subjetividade, e, por isso, o pesquisador deve estar sempre atento às distorções introduzidas pela

sua personalidade. As suas percepções e idéias estarão sempre permeadas pela sua história

pessoal, seu ambiente social, sua formação, seus hábitos, sua subjetividade, que o levaram a

abordar o objeto de estudo a partir de um prisma determinado.

• ídolos do foro - Os "ídolos do foro" introduzem as falhas próprias do uso da linguagem e da

comunicação entre os homens. Esse é o risco de confundir as palavras e seus significados com as

coisas e sua natureza. Bacon propõe o rigor no uso de conceitos, sempre que possível

sustentados matematicamente para evitar a multiplicidade confusa de significados.

• ídolos do teatro - Por fim, os "ídolos do teatro" alertam para as distorções, frutos do uso

acrítico de falsas teorias, de falsos sistemas filosóficos, aceitos por tradição.

Bacon também é reconhecido pelo fato de ter introduzido um

percurso de caráter indutivo para a produção do conhecimento,

em contraposição à via dedutiva que reinou desde Aristóteles até

o final da Idade Média. A dedução parte de um princípio geral, um

axioma fundamental, aceito sem crítica e, possivelmente,

fundamentado na fé ou na necessidade. Tal princípio pode ser

Deus ou qualquer fenômeno ordenador da realidade que, dada sua

universalidade, termina por determinar todos os fenômenos que

lhe são intrínsecos. Assim, a função do pesquisador seria a de

realizar uma descida gradativa desde os cumes daquele princípio

universal até os fenômenos mais singulares, encontrando as

razões que estabeleceriam a concordância entre o singular e o

universal.

Ao contrário desta postura, Bacon propõe, para o pensamento científico, seguir o caminho oposto:

partindo das sensações e das coisas particulares, de observações específicas, encontrar leis

intermediárias, que, combinadas, podem gerar leis cada vez mais gerais, axiomas gerais, ascendendo

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contínua e gradativamente, até alcançar os princípios de máxima generalidade. Tal axioma geral deve,

uma vez verificado mediante prova ou exame, corresponder aos fatos particulares dos quais foi extraído.

. O Método Cartesiano .

Bacon estabeleceu um roteiro de ação que disciplinou as práticas e o sentido dos cientistas dos séculos

XVII, XVIII e XIX. Esse roteiro é o germe do método científico que será desenvolvido por René

Descartes um século depois, quando ele botou no papel os passos necessários para a produção do

conhecimento científico: o método experimental-dedutivo, ou Método Cartesiano.

Descartes resgata o conhecimento humanista que, no final do século XVI, estava vivendo um período de

crise e de abandono dos axiomas cristãos. Perdida a fé como princípio básico, os homens da época

viveram um período de ceticismo. Descartes acredita na possibilidade de conhecer e de se chegar a

verdades. Para tanto, Descartes propunha que deveríamos agir metodicamente, seguindo um caminho de

esclarecimento que partia da dúvida como princípio de trabalho científico.

Seu sistema vai da dúvida à certeza. A dúvida é

imperfeita, confusa, enquanto que o conhecimento

é claro, distinto. Mas, começando pela dúvida,

Descartes tem que duvidar de tudo, das coisas, do

mundo, até do próprio corpo com o qual percebe o

mundo. A única coisa da qual não consegue duvidar

é o pensamento, fenômeno que o leva a pronunciar

sua máxima mais conhecida: "cogito ergo sum"

(penso, logo existo). Tal sentença é capital para o

entendimento da filosofia moderna, pois ela

permitiu a instalação da razão como portadora da

capacidade de conhecimento do homem, e mais,

pela certeza da existência do homem.

Ao conhecimento verdadeiro se chega através da razão da qual se tem certeza, não através dos sentidos,

dos quais só podemos duvidar. O racionalismo moderno está fundamentado nessas considerações

cartesianas. Mas Descartes junta este racionalismo a uma visão antropológica da produção de

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conhecimentos. Conhecer deve dar ao homem, como já dizia Bacon, o poder sobre a natureza, conforme

o escrito por Descartes no seu Discurso sobre o Método.

Ali, se opõe a filosofia especulativa a uma procura de conhecimentos práticos, a contemplação da

natureza, pela instrumentalização da natureza para as finalidades que os homens querem. De outra

parte, Descartes entende a implementação do racionalismo no sentido de fundamentar matematicamente

os resultados da pesquisa, isto é, a procura da verdade deve conduzir a evidenciar a ordem do mundo, e

esta ordem deve corresponder a equações matemáticas: o mundo é, então, em última instância, uma

expressão matemática do pensamento de Deus.

O método cartesiano é, nesse sentido, um caminho rigoroso que separa o mental do natural e dá a este

último o caráter de mecanismo: surge assim o mecanicismo, segundo o qual, o mundo opera como uma

máquina; é nosso dever, como seres capazes de conhecer, apreender as leis gerais de funcionamento do

mundo-máquina, para assim obter o controle, o domínio sobre o artefato divino que é a natureza. Para

tanto, é necessário dividir o todo em suas partes, classificá-las e estabelecer suas relações.

Ao contrário de Francis Bacon, que subordina a razão à experiência, seguindo um caminho de caracter

indutivo, Descartes submete a experiência à razão, obrigando um percurso dedutivo. As experiências

servirão para confirmar os resultados deduzidos dos princípios gerais, aos quais só se chega através da

razão.

Enfim, Bacon e Descartes são os pilares do consenso moderno em torno de um modo de produzir

conhecimento (um método) que parte dos seguintes pressupostos:

1. o processo de conhecimento é o resultado da captura de verdades que um sujeito realiza sobre

um objeto;

2. tal sujeito apreende o mundo a partir de exercícios sensitivos e racionais que organizados

metodologicamente lhe permitem obter conhecimentos verdadeiros, universais e objetivos;

3. o objeto que é conhecido é objetivo, separado do observador, estruturado por leis naturais que

se expressam matematicamente e completamente destituído de sentido;

4. conhecer o objeto significa dominá-lo;

5. para conhecer o objeto, é suficiente conhecer suas partes;

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6. o método científico impõe, nesse sentido, uma redução da complexidade, deve encontrar a lei

mais geral que dê conta de um grande número de fenômenos;

7. isso significa a necessidade de quantificar, medir, matematizar; encontrar as fórmulas gerais que

decifrem aquele mundo que Galileu dizia estar escrito em linguagem matemática;

8. este método deve ser capaz de construir um conjunto cada vez maior de leis da natureza que

desvendem as regularidades que compõem o mundo e permitam sua utilização e transformação.

Esta é a síntese do método científico, formulado nos séculos XVI e XVII por pesquisadores como Bacon,

Galileu e Descartes, conhecido como Determinismo Mecanicista e que se tornou, até o século XIX, um

modelo dominante de fazer ciência. Tal modelo nasceu nas ciências da natureza e foi acolhido no século

XIX pelas nascentes Ciências Humanas e Sociais.

. Comte e o Positivismo .

Auguste Comte foi quem realizou a síntese positivista das ciências no seu livro Curso de Filosofia Positiva.

O positivismo opõe o real ao quimérico, o útil ao ocioso, a certeza à indecisão, o preciso ao vago, o

positivo ao negativo e, especialmente, o absoluto ao relativo. Com isso, Comte, considera que o processo

de evolução do conhecimento humano tinha atingido o que ele chamava de "estado positivo", no qual

essas oposições ficariam evidentes. Nesse processo de desenvolvimento, ele o expressa na sua famosa

"Lei dos três estados", segundo a qual, o conhecimento humano teria começado num "Estado Teológico",

no qual o conhecimento se dirigia à procura da explicação dos fenômenos naturais a partir de fenômenos

sobrenaturais. Depois viria um "Estado Metafísico", em que agentes sobrenaturais são substituídos por

agentes abstratos capazes de engendrar por si mesmos os fenômenos naturais. E, finalmente, o "Estado

Positivo", no qual se renuncia a procurar causas últimas, sobrenaturais ou abstratas dos fenômenos, e se

começa a buscar as leis efetivas da natureza.

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A natureza é composta por classes de fenômenos ordenados de forma imutável e inexorável, e, portanto,

a ciência deve descrever tal ordem. Por isso as leis dos fenômenos são, para Comte, um correlato exato

do que acontece na natureza, são invariáveis e universais. A obtenção de tais leis demarcam o sentido da

produção do conhecimento científico: a previdência e a ação.

Para explicar todas as ordens da natureza, Comte organiza o conhecimento em cinco tipos de ciências: a

astronomia, a física, a química, a filosofia e, enfim, a física social. O critério de organização desta

hierarquia é a distância entre o objeto de estudo e o ser humano. O grau de complexidade aumenta na

medida em que o estudo versa sobre a natureza humana. Mas, a essas cinco ciências, Comte aumenta

outra que é considerada a superior pelo seu grau de abstração e necessidade, a matemática, ciência da

qual dependem todas as demais. Desta maneira, Comte leva o determinismo mecanicista das ciências

naturais até às ciências humanas e sociais, completando o modelo moderno de fazer ciência. Comte é,

em última análise, a mais apurada expressão do monismo científico ao acreditar que há uma ordem

universal que é refletida pelo pensamento positivo.

Einstein, Bohr, Gödel: Revolução Científica no Século XX

Este modelo de produção científica entrou em crise no final do século XIX e no começo do século XX,

quando aconteceram as principais descobertas da física da relatividade, feitas por Albert Einstein e a

mecânica quântica de Niels Bohr. Uma vez mais, a história enfrentou uma revolução nas representações

que os homens se fazem do mundo, propiciada pelas descobertas de estudiosos dos fenômenos físicos.

A física da relatividade teve que se confrontar com uma pergunta cuja resposta mudou radicalmente

alguns dos pressupostos da ciência moderna tradicional: "como é que um observador estabelece uma

ordem temporal de acontecimentos no espaço?" A resposta demonstrou a arbitrariedade de alguns dos

fatores introduzidos pelo observador no sistema de medição. Este fato derrubou vários axiomas da

ciência moderna: a objetividade das observações feitas por um sujeito, a neutralidade dos resultados, a

realidade dos resultados.

Bohr, por sua vez, demonstrou que não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem

o alterar, a tal ponto que o objeto submetido a um processo de medições não é o mesmo no início e no

final do processo. Com isto, o princípio da neutralidade entre sujeito e objeto é desmontado. Fica claro

que não podemos conhecer do real, mas de nossa intervenção nele, com o qual a antiga certeza

matemática nos deixa frente à inevitável incerteza como fruto da interferência estrutural do sujeito no

objeto.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

A nova física demonstra que, sendo nosso conhecimento estruturalmente limitado, resulta impossível

extrair resultados definitivos. Com isso, tornou-se impossível propor leis gerais e só restaram leis

probabilísticas. "A hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada, uma vez que a totalidade do real

não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir" (SOUZA SANTOS: 1999:26).

Um outro aspecto da crise do modelo moderno consistiu na descoberta

feita por outro matemático, Gödel. Ele demonstrou que, ainda que o

observador seguisse rigorosamente as regras da lógica matemática, é

possível chegar a formulações que não se podem demonstrar nem

refutar, o que introduz o caráter contraditório da matemática. Assim, se a

ciência moderna colocou na matemática o modelo máximo de

racionalidade, a nova física veio demonstrar que a matemática contém

tanta irracionalidade como é possível encontrar em alguns mitos da pré-

história.

A esses descobrimentos foram se somando outros ao longo do século XX que aprofundaram a crise do

modelo dominante, até então. Crise que colocou em cheque o sistema Newtoniano de universo, definido

como um universo ordenado, determinado, mecânico e eterno. A nova física chegou a defini-lo como

caótico, indeterminado ou imprevisível, em vez da ordem, a desordem, em vez da necessidade, a

criatividade, em vez do mecanismo, a espontaneidade. Assim, a noção de Lei tem sido aos poucos

substituída pelas noções de sistema, estrutura, modelo, processo.

Toda esta revolução na forma de entender o fazer ciência e na forma de avaliar os resultados da ciência

está sendo elaborada por diversas correntes filosóficas, alimentadas nas tradições de pensamento que

vêm de muito longe na história e que possivelmente transitaram durante séculos na escuridão dos

subterrâneos para evitar as punições das ordens estabelecidas.

Trata-se de uma tradição que liga as discussões dos sofistas aos afazeres de muitos, cabalistas,

alquimistas da Idade Média e posteriormente aos nominalistas e subjetivistas da Renascença, segundo os

quais as relações entre observador e observado operam numa dimensão extremamente complexa, não

definível nos termos do mecanicismo e do positivismo que imperaram desde o século XVII até o final do

século XIX.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

Tal tradição não vê nem a separação dicotômica entre sujeito e objeto, nem a possibilidade de um

monismo entre as leis do universo e a mente matemática do observador, não reconhece a simples

dicotomia entre razão e sensação, nem a oposição entre mundo sensível e mundo mental. A visão de

mundo, a epistemologia e a própria ontologia da maioria dos cientistas modernos abrem espaço a novas

maneiras de entender o mundo e seus observadores.

Um dos pensadores que serve de fundamento filosófico a esta

ruptura é o alemão Immanuel Kant. No final do século XVIII e

começo do século XIX, transferiu a tradicional preocupação com o

mundo, como objeto da ciência, para o homem, enquanto ser capaz

de fazer a ciência do mundo. Em outras palavras, ele percebeu que

o sujeito que observa é um elemento ativo no processo de

conhecimento, o que impede que o sujeito se anule frente ao

objeto.

Se para a ciência tradicional, a experiência subordina a razão, para Kant, a razão subordina a

experiência, pois ela determina o que deve ser observado e, portanto, o que deve ser conhecido. Na sua

Crítica da Razão Pura, Kant analisou o método de produção do conhecimento das ciências naturais,

frisando em particular as relações entre entendimento e sensibilidade, conceitos e intuições como sendo

elementos necessários para produzir conhecimento. Em particular, revisou criticamente a relação sujeito-

objeto, chegando à conclusão de que não conhecemos as coisas em si, mas somente como elas nos

aparecem. Nossa intuição não é outra coisa senão a maneira como representamos os fenômenos. Se

suprimíssemos o nosso sujeito, desapareceriam toda a constituição e as relações dos objetos no espaço e

no tempo. Todas essas coisas não podem existir em si mesmas, mas somente em nós. O que há com os

objetos em si e separados de nossas representações, permanece-nos inteiramente desconhecido. Não

conhecemos senão o nosso modo de percebê-lo enquanto homens. Em Kant, o objeto é submetido ao

sujeito.

No século XX, a Hermenêutica e o Construtivismo parecem fazer eco, ao menos em parte, de Kant. A

primeira porque coloca a necessidade de um sujeito, em singular, capaz de fazer sua própria

interpretação do mundo em cada momento e lugar. A segunda porque admite que o conhecimento é

fruto de um ato exercido por um alguém que quer conhecer.

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Metodologia Científica UNIDADE 01 - Aula 05

Uns e outros aceitam a idéia de que a procurada objetividade da ciência moderna não passa de uma

ilusão que admite que as observações podem ser feitas sem ter em conta o observador. Em outras

palavras, o tempo se vira para o passado grego e retoma a máxima do pensador sofista Protágoras

quando dizia que "O homem é a medida de todas as coisas". Os sofistas foram desacreditados pelos

filósofos clássicos Sócrates, Platão e Aristóteles, e, em geral, foram tidos como charlatões durante

séculos.

A diferença entre os sofistas da antigüidade e os cientistas contemporâneos se fundamenta em que

aqueles intuíam o mesmo, partindo de uma lógica não formalizada, enquanto os cientistas partem das

experiências de laboratório e do acúmulo de séculos de conhecimento empírico.

A interdependência entre o observador e o universo observado, tanto quanto a interdependência entre o

observador e a sociedade a que pertence, são os fundamentos do chamado Construtivismo Radical ou

Construtivismo Social. Esta nova visão do fazer científico "excede a teoria da relatividade de Einstein

(segundo a qual as observações são relativas ao ponto de vista do observador) e o postulado da relação

da desfocagem (segundo a qual a observação exerce influência sobre o observado)" (WATZLAWICK,

1995).

Em última instância, temos que reconhecer que toda "concepção de mundo sempre foi e continua sendo

para todos uma construção intelectual; sua existência não pode ser comprovada de outra maneira" .

Essas são as discussões dos atuais cientistas. Discussões que, como vimos, não são em absoluto fruto da

novidade, mas que apresentam raízes profundas na história do pensamento. Esta, como a serpente que

engole a si mesma, vive um contínuo e particular processo de reinvenção.

Resta só saber a qual destas tradições você, que agora está na Universidade, irá pertencer...

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Metodologia Científica

: : PARTE 02: : A Produção da C iênc ia e

dos C ien t i s tas

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

Aula 01 – Paradigmas: Definições

Enquanto isso…

Hugo já havia prestado vestibular duas vezes para Psicologia na Católica. Isso explica porque ele era, na

turma de calouros, um dos mais empolgados com o seu curso. Na primeira semana de aula, tudo parecia

maravilhoso. Era um sonho que ele tinha realizado. Em cada aula ele via e ouvia uma série de

informações novas, nomes de autores, teorias, e tudo isso só fazia com que ele ficasse ainda mais

empolgado com o curso. Hugo já se via montando seu consultório, atendendo pacientes, realizando

consultorias.... Mas aos poucos, esta história de amor começou a mudar.

Mais precisamente logo ao final do primeiro mês de aulas, ele começou a sentir uma sensação estranha.

Aquela quantidade enorme de informações começava a se misturar na sua cabeça. Era muita coisa para

memorizar, e às vezes tudo se confundia.

Para saber se isso era normal, Hugo começou a se informar com colegas de semestres mais avançados

do curso. Uma dessas conversas foi com o Rafael, que já estava no último semestre. Qual não foi a

surpresa de Hugo ao ouvir de Rafael que ele estava quase enlouquecido, às voltas com sua monografia

final.

- Ih, Hugo, isso que você está sentindo é brincadeira. Espera só para você ver o último semestre. Eu nem

sei por onde começar minha monografia! São tantos autores, tantas idéias, que eu quase enlouqueço.

Aí é que o Hugo ficou ainda mais angustiado. "Será que a universidade é assim mesmo? Será normal

essa sensação de naufrágio no meio de tanta informação?" Essa pergunta estava incomodando tanto que

ele tomou coragem e, no meio da aula de Metodologia Científica, perguntou isso para o professor. Os

olhos do professor brilharam. Era exatamente a pergunta que ele estava esperando para falar do

conteúdo daquela aula. Então o professor se virou para a turma e disse o seguinte:

- Há dois momentos na vida de um estudante universitário nos quais ele se sente extremamente só,

especialmente perdido. Um, nos primeiros dias de aula quando um professor atrás do outro vem com

disciplinas diferentes, com livros diferentes, autores diferentes, teorias diferentes, e o estudante só vê a

quantidade de informações se acumular, a quantidade de dados crescer exponencialmente e tem, já nas

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

primeiras semanas, aquela sensação de naufrágio perante a quantidade de informações que,

desesperadamente, tenta memorizar.

A essa altura, o professor observava os olhares atentos dos alunos, num estado de quase perplexidade

diante daquelas palavras. E continuou:

- O segundo momento vem quando, depois de alguns anos, chega ao último semestre e, tendo cursado

todas as disciplinas, ele deve realizar uma monografia. Então, descobre que não sabe por onde começar,

que autores escolher, que temas privilegiar, que fatos observar, como penetrar em toda essa teia de

informações de maneira coerente e produtiva. Uma vez mais, vem o naufrágio. De fato, muitos, como diz

o ditado, 'morrem antes de chegar na praia'. Muitos não conseguem escrever a monografia e abandonam

o ideal que os levou até à Universidade.

Finalmente, disse o professor:

- A minha pergunta a vocês é a seguinte: Por quê? O que é que faz com que isso aconteça? Pode até

parecer natural que o estudante que acaba de ingressar na universidade viva esse processo. Mas como

explicar que ele volte a vivê-lo no final do curso?"

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

INTRODUÇÃO

Muitos estudantes chegam à universidade com uma perspectiva individualista e tal postura os faz perder

de vista o fato de estarem sendo iniciados nos domínios de uma tradição de conhecimento. Esse fato é

concomitante com um outro: a maioria dos estudantes têm o hábito de estudar de maneira quantitativa.

Isto significa que ele se propõe a acumular a maior quantidade possível de dados. Dá a sensação de que

a cabeça dele é um arquivo, onde ele vai acumulando um dado atrás de outro, um nome atrás de outro,

uma teoria atrás de outra. O grande desafio é poder lembrar-se, nos momentos certos (provas, exames,

trabalhos) do lugar onde o dado foi colocado. Com o tempo, aquele arquivo vai ficando cheio de dados

perdidos, dados esquecidos ou mal lembrados, dados confundidos com outros dados.

É isso aí: o que começou com uma caixa vazia, depois de muitos semestres, termina com uma caixa

cheia de dados em total desordem. Por usar essa estratégia, o estudante tem, no começo, a sensação de

naufrágio, e, no final, o naufrágio.

O que fazer? A resposta parece simples: é claro, é lembrar da parte qualitativa do estudo. E o que isso

significa? Bem, aí começa esta aula sobre paradigmas.

Foi dito que o estudante começa por acumular dados em um arquivo. De fato, isso deve ser feito, lidar

com dados, com muitos dados. Em cada aula, com cada professor, em cada disciplina, no laboratório, na

biblioteca, na Internet, no grupo de estudo, o que o estudante vê é uma exuberante dança de dados, que

desde o primeiro dia de aula não pára de crescer e, o que é melhor, não vai parar de crescer nunca! Mas

o que são esses dados? Esses dados são nomes de autores, cifras, nomes de teorias, conceitos, fórmulas,

fatos, datas, referências, idéias, inclusive sentimentos e emoções.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

O problema consiste no fato de o estudante perceber esses dados como coisas separadas. Cada um é um

e não tem relação com o outro. Eles não parecem ter ligações entre si ou são ligações que são difíceis de

explicar e que em geral ninguém pergunta. De fato, muitas vezes, o professor explicita pouco sobre as

relações entre os dados que ensina aos seus alunos. Sendo assim, o que no primeiro semestre começou

com uma dança difícil de acompanhar, no último semestre é só um grande caldeirão, no qual muitos

dados pairam à beira do caos mental. É natural que o estudante naufrague.

O estudante pode, então, perceber como todos os dados que recebe das muitas fontes que consulta

estão intimamente ligados uns aos outros, formando conjuntos de dados que guardam entre si relações

de coerência e consistência. Dessa maneira, o estudante irá vislumbrar não um céu cheio de estrelas,

mas, sim, constelações de estrelas, estruturando o céu; não uma enorme massa de dados soltos, mas

constelações de dados organizados de maneira a reproduzir uma estrutura altamente especializada, na

qual cada dado, seja da natureza que for, cumpre uma função, ocupa um espaço, tem um papel e uma

direção.

Assim, mais que acumular dados, o estudante deve tentar entender como foi que cada uma das tradições

de pensamento organizou um determinado número de dados, quais os limites que tal organização

implica, quais são os autores que fazem parte dessa tradição, e, finalmente, como essa tradição

sobreviveu historicamente.

Se ele concluir tal desafio, no final do curso, será o membro legítimo de uma das tradições de

conhecimentos ou um intelectual capaz de administrar, articular, combinar e distinguir os dados

provenientes das diferentes tradições de pensamento e, ao mesmo tempo, capaz de produzir

conhecimento de maneira coerente, compreendendo qual é sua posição a respeito de cada uma daquelas

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

tradições. Então, será muito simples fazer uma monografia, que não é outra coisa senão um exercício no

qual o estudante demonstra que sabe navegar entre os dados que cada uma das tradições lhe oferece.

É a essa maneira de organizar os dados que cada tradição de pensamento defende, que podemos

chamar, preliminarmente, de paradigma. Isto é, cada tradição defende, produz, articula e se articula em

torno de um determinado paradigma.

Assim, temos pelo menos duas coisas para entender o que é um paradigma: de um lado, que eles são

uma maneira de organizar dados, de outra, que alguém organiza os dados. Exploremos essas duas

afirmações.

O MODO DE ORGANIZAR

Um paradigma é um sistema organizador de dados. Entendemos o termo dados, aqui, em sentido amplo,

como o conjunto de elementos que compõem um todo organizado de maneira a dar uma visão global do

que é a realidade. Entre esses elementos, encontram-se desde os fatos propriamente ditos, passando

pelas técnicas e estratégias que o observador utiliza para observá-los, os problemas que tal observador

coloca a respeito desses dados, as hipóteses que considera possíveis, chegando até as teorias que pode

elaborar para descrever, organizar ou interpretar tais dados.

A questão da maneira como se organizam esses dados é fundamental, pois os dados não estão

aleatoriamente dispostos, mas estruturados dentro de um determinado domínio de coerências. Os

elementos que não combinam, isto é, que não correspondem ao padrão de organização disposto sempre

a priori pelo paradigma, são descartados ou relegados à sombra. O domínio de coerências opera como

um dispositivo selecionador de padrão. Como um operador binário: um dado em questão é ou não parte

do domínio solicitado.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

Por exemplo, se no meio de um jogo de futebol, um palhaço entra no

campo, certamente o juiz detém o jogo e pede para que o palhaço

seja retirado do campo. Evidentemente, o palhaço, como dado, não é

coerente com os dados que fazem parte do domínio que corresponde a

um jogo de futebol.

O mesmo acontece com teorias, conceitos, metodologias, técnicas de

pesquisa, interpretações. Nem todas as teorias são compatíveis com

outras. Os conceitos não podem ser usados sem que se perceba a que

domínio de coerência teórico pertencem. Os autores não podem ser

citados sem conhecermos suas afinidades e discordâncias a respeito

de outros autores.Os métodos e técnicas não podem ser usados para

responder perguntas que correspondem a outras maneiras de

organizar os dados.

Assim, podemos colocar uma primeira conclusão: cada tradição de pensamento criou uma maneira de

organizar os dados da realidade, portanto, encontrou uma maneira de entender a realidade. Essa

maneira implica num certo domínio de coerências, que podemos chamar de paradigma.

O ORGANIZADOR

De fato, os dados não se organizam sozinhos. Alguém organiza os dados. Esse alguém é sempre um

observador que, na verdade, nunca está sozinho; ele pertence a uma comunidade de observadores. O

que estes observadores têm em comum é a maneira de organizar os fatos. Por exemplo, uma borboleta

sobre uma flor, para uma pessoa comum, é apenas uma borboleta sobre uma flor. Um poeta, porém, irá

organizar esses dados de modo a dizer que ali está um símbolo do amor e da delicadeza, e todos os

poetas, de certa forma, verão a mesma coisa. Já um biólogo e seus colegas dirão que estamos diante de

um lepidóptero diurno em processo de alimentação. Essa é a forma como a comunidade dos biólogos

organiza esses elementos.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

Assim, o paradigma é tanto a maneira de organizar os dados como a comunidade

de observadores que legitimam essa maneira. Isto quer dizer que toda maneira

tem um caráter social porque é coletiva. É por isso que ouvimos falar, por

exemplo, dos marxistas ou do marxismo, dos positivistas ou do positivismo, sem

que entendamos por isso que não se trata de um sujeito individual, e sim um

sujeito coletivo.

Essa dimensão social compartilhada dos paradigmas implica também uma dimensão temporal, pois todos

os observadores que compartilham uma determinada maneira não necessariamente compartilham o

mesmo momento histórico. Eles podem pertencer a épocas muito distantes e, no entanto, defender o

mesmo domínio de coerências. É por isso que os paradigmas se tornam tradições. Por meio dos membros

que defendem suas premissas, os paradigmas transitam ao longo do tempo, fazendo a história de um

determinado modo de pensar e, ao fazer história, constróem uma tradição.

A esta altura, vale perguntar: por que cada tradição de pensamento defende uma maneira particular de

organizar os dados?

Ao longo da história do conhecimento, monismo, dualismo e pluralismo têm brigado entre si para ver que

tradição apresenta a melhor maneira de organizar os dados. Esses três sistemas de pensamento têm

permeado a filosofia, a religião e as ciências. Historicamente, é sabido de grandes batalhas intelectuais e

até militares, nas quais os membros de tais tradições defenderam, às vezes, com a vida, suas idéias. Na

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

Grécia clássica, por exemplo, Sócrates foi um dos que pagou com a própria vida a defesa de suas idéias e

Aristóteles teve que fugir de Atenas.

Busto de Sócrates

Animais clonados

Podemos nos perguntar: o que faziam os defensores, da idéia

de que a Terra é o centro do universo, serem capazes de

perseguir, até à morte aqueles que diziam que nosso planeta é

só um a mais no centro do nada? É o mesmo que perguntar

por que tantos hoje defendem o progresso da ciência, da

clonagem, da bio-genética, e outros defendem que esse é o

caminho da destruição do planeta, da perdição do homem.

A resposta nos revela um dos paradoxos da história do pensamento humano: apesar da racionalidade

que alguns tipos de conhecimento, em particular a ciência, incorporaram em suas produções intelectuais,

as razões pelas quais os membros de um paradigma defendem a maneira como esse paradigma organiza

os dados, continuam no inconsciente humano. Os axiomas últimos que determinam a estrutura da

maneira de organizar os dados estão fora do alcance de toda lógica racional.

O que nos revela esse paradoxo é o fato de que todo conhecimento humano está fundamentado em

axiomas que se mantêm refratários à critica. Assim, todo conhecimento, inclusive o científico, tem uma

parte racional e outra irracional. A parte racional, corresponde às exterioridades do conhecimento: as

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

técnicas, a metodologia, as teorias, os autores, as disputas. A parte irracional, corresponde a dogmas,

crenças, idéias fixas, em última instância à fé de que isso é inquestionavelmente verdadeiro.

O que tudo isso revela é que o processo de produção do conhecimento não parte do zero. O pesquisador,

quando escolhe um tema, uma série de fatos, algumas técnicas de pesquisa, uma metodologia,

referenciais teóricos, já tem um caminho delineado pelos axiomas intrínsecos do paradigma. As respostas

ao seu problema de pesquisa já estão respondidas implicitamente pelo paradigma. O pesquisador, em

última análise, só opera como um potencializador das possibilidades de resposta do paradigma que ele

usa. A comunidade de observadores se mantém como vigilante. Ela cuidará para que aquele pesquisador

opere dentro dos códigos estabelecidos, a priori, pelo domínio de coerências que regula a maneira como

devem ser organizados os dados dentro daquele paradigma.

Concretamente, isto quer dizer que um poeta nunca irá ver na borboleta um lepidóptero, assim como um

biólogo nunca irá ver o amor neste inseto. Um pesquisador está limitado a ver aquilo que o seu

paradigma permite ver.

Isso não significa que os cientistas estejam condenados a agir institucionalmente dentro dos limites de

cada paradigma. Se assim fosse, a ciência teria poucas chances de viver um processo histórico em que

mudanças de paradigma são parte do necessário e salutar avanço do conhecimento.

Nesse sentido, os paradigmas são sistemas dinâmicos, não estáticos. Isto quer dizer que há sempre uma

margem de mudança que permite que os paradigmas vivam processos a partir de dentro, reajustes,

novas complexificações, e a partir de fora, adaptações, reformulações, mutações radicais, às vezes

totais.

O estudioso de uma tradição paradigmática poderá perceber como um determinado sistema de

pensamento sofre essas mudanças. No seu livro Estruturas das Revoluções Científicas, Thomas Kuhn

estuda os processos que, na história das ciências, permitem observar as rupturas paradigmáticas no

interior da Física, da Química, da Biologia e também das Ciências Humanas e Sociais, como a Psicologia e

a Sociologia.

Kuhn propõe que tais momentos de ruptura paradigmática correspondem a uma mudança na concepção

de mundo. "Quando mudam os paradigmas, muda o próprio mundo. Guiados por um novo paradigma, os

cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções" (KUHN, 2000:145)

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Copérnico

Foi o que aconteceu a Copérnico, quando derrubou o universo sistematizado por Ptolomeu. Foi o que

aconteceu a Einstein, quando instaurou um universo relativo, muito distante do universo mecânico de

Newton. Isso é válido também para as Ciências Sociais: uma versão de história cai quando o historiador

organiza os fatos de uma maneira diferente. Um sistema político ou econômico são derrubados quando o

sociólogo ou o cientista político entram em colapso com uma maneira de estruturar os dados do mundo

social. Quando Freud lançou sua teoria sobre a estrutura da psique, desdobrando a existência do

inconsciente, abalou teorias psicológicas que defendiam o fundamento bioquímico do ser humano.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 01

Hoje mesmo vive-se no âmbito das Ciências Naturais, com fortes influências nas Ciências Sociais, uma

mudança de paradigma. Boaventura de Souza Santos a descreve como uma crise do paradigma

dominante e a emergência de uma nova forma de organizar as relações entre o sujeito que observa e o

objeto observado. Vive-se a mudança de hegemonia que desloca o paradigma positivista e traz para o

centro o paradigma construtivista e hermenêutico.

Enfim, eis o desafio do estudante universitário: construir o mapa dos paradigmas que se degladiam pelo

monopólio da verdade da ciência, tornar-se um expert no labirinto das teorias, autores, conceitos e

técnicas que compõem cada um deles; realizar a crítica que a cada um lhe corresponda e, enfim, fazer

suas próprias escolhas paradigmáticas. Depois, é lançar-se no oceano do conhecimento e navegar sem

temor de perder-se nas diversas correntes e profundidades que ele nos oferece.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

Aula 02 – Paradigmas: Revoluções

Enquanto isso...

Andréa é aluna do segundo semestre de Pedagogia e está gostando muito da experiência universitária,

embora às vezes aconteçam coisas que ela não consegue entender. Por exemplo, na semana passada,

ela quase brigou com sua amiga Kelly por causa de uma discussão sobre processos de aprendizagem.

Andréa tem um primo que está fazendo a primeira série do Ensino Fundamental, pela quarta vez. As

duas conversavam sobre o assunto, comentando as dificuldades que o primo de Andréa tem para

aprender. Kelly, que está terminando o curso de Ciências Biológicas, defendeu a idéia de que o menino

talvez sofra de algum problema neurológico. Andréa contestou, baseada na tese que lera recentemente

num livro sobre aprendizagem.

- "Segundo o autor", explicava didaticamente Andréa à amiga, "problemas de aprendizagem não são

causados pelo cérebro, mas pelas condições sociais em que o aluno está inserido."

- "Ih, Andréa, que bobagem!", retrucou Kelly. "A Biologia já provou que algumas funções do cérebro são

fundamentais para a aprendizagem, e, se elas não funcionam, a pessoa não aprende."

- "Pois é, Kelly, só que o que eu li em textos da Psicologia e da Pedagogia mostra exatamente o

contrário. Estou até com um desses livro aqui. Veja: a configuração social pesa muito mais do que os

limites do cérebro. Aliás, Kelly, está mais do que provado que é o ambiente que forma esses limites",

continuava argumentando Andréa com certa determinação, quando Kelly retrucou:

- "Provado? Então me diz que experiências são essas?"

Diante da incerteza e silêncio de Andréa, Kelly provocou, sem saber o quanto magoaria a amiga:

- "Sabe o que eu acho? Você tá é procurando desculpa para não ver que seu primo é mesmo bem

burrinho...

Ah, pra que a Kelly foi dizer aquilo? Logo do priminho favorito da Andréa! As duas quase se pegaram no

tapa. Mas no dia seguinte, já com a cabeça fria, Andréa começou a pensar no ocorrido e no que estava

por trás da discussão: a verdade científica. E pôs-se a refletir.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

- "Quem está com a razão: os teóricos da Biologia ou os da Pedagogia? O que faz com que pesquisadores

cheguem a conclusões tão diferentes? Será que tem a ver com a visão de mundo de cada área?".

A essa altura, lembrando que, às vezes, até mesmo seus professores dizem coisas opostas, Andréa

perguntava-se: "Como é que pode? Afinal, onde está a verdade?"

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

INTRODUÇÃO

Talvez a maneira mais forte de definir o conceito de paradigma seja dizer que ele representa os

conteúdos de uma visão de mundo. Isso significa que as pessoas que agem de acordo com os axiomas de

um paradigma estão unidas, identificadas ou simplesmente em consenso sobre uma maneira de

entender, de perceber, de agir, a respeito do mundo.

Os que partilham de um determinado paradigma aceitam a descrição de mundo que lhes é oferecida sem

criticar os fundamentos íntimos de tal descrição. Isto significa que o olhar deles está estruturado de

maneira a perceber só uma determinada constelação de fatos e relações entre esses fatos. Qualquer

coisa que não seja coerente com tal descrição passa desapercebida; é vista como elemento marginal ou

sem importância.

Quer um exemplo? Até alguns anos atrás energia elétrica não era problema para o Brasil, nem para os

brasileiros. A única coisa que um cidadão comum sabia sobre o assunto era que, ligando o interruptor da

sala, a luz acendia. Vivíamos com a idéia de que a natureza nos forneceria energia para sempre. A

natureza era vista, então, com um grande supermercado cujas mercadorias nunca acabariam. Bastava

pegar um pouco de energia na prateleira e pagar por ela. Se precisássemos de mais, bastava pegar e

pagar. Esse era o paradigma que orientava nossa visão de mundo com relação ao consumo de energia, e

ninguém imaginava que pudesse ser diferente. Neste cenário, ninguém dava importância, por exemplo,

para lâmpadas mais econômicas, ou para banhos de chuveiro mais curtos, ou para aquecedores solares.

Eles existiam, mas não eram vistos como importantes, pois o nosso paradigma os descartava. Não

precisávamos deles. De repente, tudo mudou. Surgiu o risco de um apagão. Descobrimos que estávamos

enganados, e que a energia é finita. Se não soubermos trabalhar adequadamente com a natureza,

ficaremos sem energia. Isso significou uma mudança em alguns de nossos paradigmas , e, de uma

hora para a outra, as lâmpadas econômicas sumiram dos supermercados. Todo mundo queria comprá-

las, todos foram atrás de aquecedores solares e começaram a contar os minutos do banho no chuveiro. O

que aconteceu? O mundo mudou? Não, mas o paradigma que o descrevia sim. Da descrição de um

mundo com energia infinita, passamos a uma outra descrição. Mudaram nossos paradigmas.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

Mas aqui há uma diferença entre as pessoas comuns e os cientistas. Você deve se lembrar que vários

pesquisadores já alertavam há anos para o risco do apagão, não é? Que diferença é essa, então?

Normalmente, os homens e mulheres comuns (ou seja, nós, em nosso dia-a-dia), não nos damos conta

dos paradigmas que orientam nossa ação. As pessoas do senso comum dificilmente podem ver as forças

que governam sua vida. Já o cientista, ao menos dentro do restrito espaço do seu trabalho disciplinar,

deve tentar manter claro quais são as premissas, os valores, os dogmas, os princípios que estruturam

seu olhar sobre o fenômeno que está observando. Isso não significa que ele consiga tal proeza na sua

totalidade, mas que ele sabe que o que observa é resultado de conexões profundas, com sistemas de

valores que fazem parte de uma maneira particular de ver o mundo.

Saber isso não mudará o resultado de sua pesquisa, só o manterá antenado com o leque de

possibilidades que seu paradigma lhe permite perceber e com os limites que este lhe impõe. Saber isso

lhe permitirá, e isto é o mais importante, saber quando ele está agindo dentro dos limites do paradigma,

e quando e porque razões ele poderá ou deverá transgredi-los.

Finalmente, saber sobre os paradigmas da ciência que pratica, permite o cientista transitar com liberdade

entre eles, criticar uns e assumir outros, combater uns e defender outros, e inclusive, misturar, quando

necessário, elementos de diversos paradigmas.

Da mesma forma, não entender o sentido, a dinâmica e as possibilidades dos paradigmas, deixa ao

cientista a mercê da ditadura que cada visão de mundo impõe aos que acreditam nela. O cientista não

saberá realmente porque enxerga isto e não aquilo, não entenderá realmente o sentido de séries de

fatos, não terá condições de interpretar coerentemente conjuntos de fenômenos, não terá condições de

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

afirmar ou negar com autoridade, nem poderá sustentar seus pontos de vista nem suas críticas. Da

mesma maneira, não poderá enfrentar críticas e não terá condições intelectuais de defender o seu

trabalho. Isso é válido para qualquer área, tanto das Ciências Naturais como das Ciências Sociais e

Humanas.

Portanto, o estudante iniciante no campo das ciências deve considerar a necessidade de estabelecer um

mapa paradigmático, que lhe permita entender sua posição como estudante de uma determinada ciência

e a posição desta, frente ao contexto de todas as ciências que emergiram no que chamamos de

modernidade.

PARADIGMAS DA CIÊNCIA MODERNA: UM MAPA

A seguir, traçaremos os delineamentos básicos de um mapa paradigmático. Ele fica aqui por razões de

espaço e de formato, necessariamente incompleto, mas pode ser a base para que você o transforme,

agregando-lhe, ao longo de seus anos de estudo na universidade, as informações pertinentes para

transformá-lo num mapa completo e funcional aos seus interesses intelectuais. Os grandes paradigmas

da ciência moderna podem, não sem um alto grau de arbitrariedade, ser agrupados dentro de cada uma

dessas tradições de pensamento.

Nesse mapa, podemos ver que essas tradições estão na base de diferentes paradigmas na ciência. O

positivismo e o neopositivismo, por exemplo, são basicamente monistas, pois são uma forma de ver o

mundo como uma unidade que parte de não aceitar a distinção entre fenômeno e essência.

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Já a dialética, o funcionalismo e o estruturalismo são paradigmas dualistas, pois fundamentam suas

procuras na base de polaridades que se opõem: na dialética, por exemplo, a idéia de uma tese que se

opõe a uma antítese. O materialismo é de cunho dialético, portanto, dualista.

Finalmente, a tradição pluralista cobre os expoentes das teorias de sistemas, da fenomenologia e da

hermenêutica: paradigmas que partem de uma visão de mundo, na qual múltiplos sistemas, fenômenos

ou interpretações convivem gerando uma multiplicidade de mundos paralelos. Daí emergem, então,

múltiplas possibilidades de leitura do mundo, criando um mosaico fluido de configurações.

É necessário dizer que este mapa não passa de um exercício arbitrário de classificação. Que ele não

corresponde à realidade histórica das ciências. Mas enquanto instrumento de navegação e de orientação

permite que um estudante navegue sem se sentir perante uma imensidão de nomes, dados, tendências e

teorias sem fim. É claro então que, dependendo de quem faça a classificação, haverá diversas maneiras

de entender as mesmas escolas, os mesmos paradigmas. O que significa que, na realidade, eles

continuam a ser extremamente fluidos e relativos.

Neste mapa, faltam também os detalhes: nomes das ciências que se agrupam dentro de cada paradigma,

nomes dos autores e das teorias que podem ser relacionadas a cada um. Isto, devido ao fato de que este

mapa pretende abarcar a ciência moderna como um todo, e, por isso, é muito geral. Cabe a você

continuar a completá-lo desde sua área de estudo: ver por exemplo, se você estuda Biologia, quais são

os autores e teorias positivistas e neopositivistas dentro da sua área, quais os estruturalistas, os

funcionalistas, quais os sistêmicos, os fenomenólogos ou hermeneutas. Tentando levar isso aos mínimos

detalhes, qualquer um pode manter um certo controle de toda a informação que está recebendo ao longo

dos semestres de estudo na universidade. O mesmo se aplica para todas as áreas de atuação.

OUTROS MAPAS PARADIGMÁTICOS

Outro exemplo de mapa paradigmático é apresentado pelo físico e historiador da ciência Fritjof Capra, no

seu livro O Ponto de Mutação. [CAPRA. A Concepção Mecanicista da Vida, 1995]. Ali, o autor divide a

Ciência Moderna em dois grandes paradigmas: o mecanicista e o sistêmico. O paradigma mecanicista

agrupa todos os paradigmas que aceitaram a visão de mundo de René Descartes, segundo a qual o

mundo natural é uma máquina carente de espiritualidade, e, portanto, deve ser dominada pela

inteligência humana e ser colocada a seu serviço.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

Nessa visão, o mundo, como qualquer máquina, opera a partir de leis matemáticas rigorosamente

estabelecidas, o que permitiria ao homem ter uma cópia fiel do mundo. Esta visão agrupa o positivismo e

o neopositivismo e a dialética materialista. Em suma, agrupam-se aqui as escolas de pensamento

monistas e algumas dualistas. Em concreto, fazem parte dessa linha de pensamento todas as ciências

modernas que hoje consideramos clássicas: Física, Química, Biologia, Psicologia, Sociologia, Medicina,

entre outras, e todas as decorrências tecnológicas que delas resultaram.

No paradigma sistêmico, Capra introduz algumas das ciências que têm efetivado uma mudança radical na

visão clássica (visão mecanicista) ou cartesiana de mundo. A visão sistêmica ou holista rejeita a

dicotomia entre homem e natureza e propõe uma postura de integração entre esses dois pólos que

permita um grau de compreensão, voltado para a interação de processos; a multiplicidade das

interpretações, a heterogeneidade de mundos possíveis, de observadores e leituras possíveis.

O paradigma sistêmico estaria, na visão de Capra, substituindo "os conceitos de uma visão de mundo

obsoleta - a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana". (CAPRA, 1995:14) Capra

elabora no seu livro uma descrição detalhada de como o mecanicismo cartesiano foi incorporado por

todas as ciências tradicionais, levando à crise individual, social e ambiental de caráter global que vivemos

hoje.

O novo paradigma introduz, com a física de Einstein, parâmetros de mundo que permitem pensar a

natureza, a sociedade e a psique humana de maneira inteiramente diferente da descrição mecânica. A

visão mecanicista adota a idéia de que o mundo natural é regido deterministicamente por leis

matemáticas em contraposição ao mundo humano, onde há o livre arbítrio. Já, a visão sistêmica propõe a

inter-relação entre homem e natureza, não permitindo uma separação tão simples. O paradigma

sistêmico de Capra admite interações complexas entre homem e natureza, onde a subjetividade humana

é afetada pela força da natureza, onde o observador é tomado pela sua psique (natureza íntima) e levado

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

a observar de maneira particular um mundo que, ao mesmo tempo, deve compartilhar com outros. O que

nos leva a ter não um mundo, mas tantos mundos quanto observadores, participando, e tantas

interações quanto sejam possíveis, dependendo dos fatores em jogo.

O paradigma mecanicista privilegia a individualidade, a luta, a competição. O paradigma holístico prefere

o coletivo, o cooperativo, o complementar. Se um vê homogeneidade, o outro vê heterogeneidade. Se

aquele propõe autoridade, este afirma a liberdade. Onde um se propõe reduzir, o outro se permite

complexificar. Onde um vê separação, outro vê redes.

Se o primeiro observa absolutos, o segundo advoga pela relatividade. Onde um vê ordem, o outro vê

caos. Onde um vê desordem, o outro vê dinamismo.

O certo é que o paradigma mecanicista transformou o mundo medieval no mundo moderno que hoje

vivemos. A tecnologia aplicada a todos os campos da nossa vida cotidiana, industrial e científica é

fundamentada nas descobertas da ciência mecanicista, positivista, e nossas sociedades e instituições,

nossa individualidade e subjetividade, funcionam de acordo com os modelos dialéticos, materialistas. O

que significa que, de fato, a crise que se vive hoje em todas as áreas, desde a ecológica, passando pela

social, até a individual e espiritual, é responsabilidade do paradigma cartesiano, como propõe Capra no

seu livro.

Diversos cientistas, em todos os campos, estão explicitando suas adesões ao paradigma sistêmico. Na

biologia, por exemplo, Humberto Maturana, vê os fenômenos bióticos no mesmo sentido que Einstein via

os fenômenos físicos. Prigogine na Química, Jung na Psicologia, Luhman na Sociologia, Morin na

Epistemologia etc. As novas tecnologias telemáticas e os mais diversos aplicativos tecnológicos operam

no mesmo sentido: conectividade, interatividade, rede, complementaridade, interação, multiplicidade.

Cabe a cada um de nós, como futuros profissionais, saber a partir de qual paradigma estaremos falando

e agindo. É o mínimo que podemos esperar do nosso curso: que ele nos ajude a nos localizarmos em

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 02

meio a diferentes paradigmas e tradições de pensamento, para que cada um de nós possa, também,

fazer a nossa parte na construção dessas tradições e para que essa história continue no futuro.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

Aula 03 – A questão da Produção

Enquanto isso…

Ao chegar na sala para dar aula a sua turma de Medicina, o professor de Fisiologia vivenciou uma cena

pouco usual: mal colocou os pés dentro da sala e uma multidão de estudantes veio correndo em sua

direção, mostrando um jornal.

- "Professor, o senhor viu esta matéria no jornal de hoje?"

A princípio o professor não entendeu nada. Depois de alguns instantes de agitação e muito barulho, o

pessoal se organizou e alguém explicou:

- É uma matéria sobre um pesquisador que diz que a Aids não é causada por vírus, mas pelas condições

de vida do sujeito.

- É, professor, vê se pode uma coisa dessas?! O sujeito acha que a gente é burro?

Todo mundo sabe que a Aids é causada pelo HIV, não é?

O professor deu então uma olhada na matéria do jornal, que dizia o seguinte:

Gallo & Duesberg

Peter Duesberg e Robert Gallo, ambos cientistas de ponta, eram amigos e trabalhavam juntos para os

institutos de saúde norte-americanos na pesquisa de uma origem viral para o câncer. Em 1984, foi assim

que Gallo escreveu sobre Duesberg, quem, logo depois, se tornaria o maior crítico da teoria do HIV como

causa da Aids:

- Eu o conheço há 15 anos... Quando o encontrei ele já fazia virologia molecular e estava envolvido com

retrovírus... Foi o primeiro a demonstrar que o vírus tinha o genoma segmentado, explicando assim sua

habilidade de se recombinar... Foi o primeiro a demonstrar sua estrutura protéica, estava no grupo que

desenvolveu o primeiro mapa genético dos retrovírus... Peter Duesberg é um homem de extraordinária

energia, honestidade incomum, enorme senso de humor e raro senso crítico. Esse senso crítico nos faz

olhar uma segunda vez, e uma terceira, para uma conclusão que parecia perfeita.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

Gallo conhecia e respeitava a tenacidade de Duesberg:

- Ele é um bulldog de briga. Quando agarra uma coisa com os dentes pode passar um ano, cinco anos,

dez, vinte, e ele ainda estará com os dentes fincados nela.

Não deu outra. Quando entendeu que Gallo estava errado em atribuir ao HIV a causa da Aids, Duesberg

agarrou com unhas e dentes os argumentos e desenvolveu sua própria tese: a de que a Aids surgiu como

uma doença tóxica em grupos específicos e não é absolutamente uma epidemia. Mais: que receitar AZT

(azidotimidina) e coquetel a soropositivos sadios é produzir Aids com receita médica, já que as drogas

são tóxicas e imuno-supressoras.

Peter Duesberg é um dos mais experientes virologistas do mundo, tendo recusado uma indicação ao

Nobel por pura honestidade. Seu raciocínio é compartilhado por muitos outros cientistas de destaque e

universidades do mundo inteiro, que se pronunciam o tempo todo nesse sentido, mas não são ouvidos.

Atualmente nos EUA, 200 mil soropositivos tomam o coquetel, sendo que 150 mil não têm qualquer

sintoma. Em setembro deste ano, uma investigação do Congresso apurou que o governo paga preços

superfaturados pelas drogas contra Aids e câncer. "Os laboratórios divulgam um preço, mas cobram dos

médicos um valor muito inferior para encorajar o uso, e o governo os reembolsa pelo preço publicado",

diz o relatório. A diferença chega a U$447.000.000,00 (quatrocentos e quarenta e sete milhões). O Brasil

está gastando R$800.000.000,00 (oitocentos milhões) por ano com o coquetel.

Polêmica na África do Sul

Em meados de 2000, o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, recusou um empréstimo de um bilhão

de dólares do governo norte-americano para comprar coquetéis contra Aids, afirmando que o país já

tinha estabelecido sua própria força-tarefa contra Aids/HIV. Sem a menor convicção na teoria do HIV, o

presidente afirmou que o número de casos comprovados em seu país era muito pequeno e que as

"doenças oportunistas" de seu povo eram as mesmas de sempre: desnutrição, esgoto a céu aberto,

malária, parasitose. Isso provocou acusações de que a África estaria atrasando o controle dos EUA sobre

a epidemia, o que era "uma ameaça à soberania das nações e à população mundial".

No entanto, em julho, nos encontros que antecederam a Conferência de Durban, a própria diretora do

poderoso CDC (Center of Disease Control, agência central de doenças do governo americano), dra.

Helene Gayle, admitiu para o presidente Mbeki que até então não existia uma prova da existência do HIV

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

nem da validade dos testes, oferecendo os recursos do CDC para levar adiante uma pesquisa que

obtivesse tais provas.

A hipótese de Peter Duesberg: doença tóxica

A pesquisa de Duesberg (foto) foi bancada pelo National Cancer Institute

em 91, aceita e publicada em 92.

O sumário diz: "É proposto que as epidemias de Aids na Europa e nos Estados Unidos sejam causadas

por drogas recreacionais e anti-HIV, e não pelo HIV". Cronologicamente, a epidemia de Aids em 1980

seguiu uma escalada maciça de drogas recreacionais que começou nos anos 60 e 70.

Epidemiologicamente, em ambas 80% das vítimas têm entre 20 e 44 anos, 90% do sexo masculino. Nos

Estados Unidos, 32% são usuários de drogas intravenosas e uma porcentagem desconhecida está

tomando o citotóxico AZT como inibidor de HIV. Evidência direta indica que essas drogas são necessárias

para HIV-positivos e suficientes para HIV-negativos desenvolverem as doenças da Aids.

"A hipótese drogas-Aids prediz corretamente que: 1) a Aids é nova nos EUA, porque a epidemia de

drogas é nova, enquanto a epidemia de HIV é velha, desde 1985 estável em um milhão de casos; 2)

apesar do aumento das doenças venéreas, a Aids permanece restrita a pessoas que usaram drogas

durante muito tempo e pequenos grupos com deficiências clínicas; 3) mais de 72% dos casos de Aids

ocorrem em homens entre 20 e 44 anos, que representava m mais de 80% dos que usam drogas

psicoativas pesadas; 4) diferentes doenças da Aids correspondem ao uso de diferentes drogas: Kaposi a

nitritos inalantes, tuberculose a drogas intravenosas, anemia, leucopenia e náusea ao AZT, pneumonia a

cocaína e crack; 5) as doenças da Aids só se desenvolvem após longo tempo de consumo de drogas, e

não após simples contatos como a hipótese viral prediz. A hipótese tóxica pode ser testada

epidemiologicamente e experimentalmente em animais. Prediz que a maioria dos casos de Aids pode ser

prevenida interrompendo-se o consumo de drogas, e provê bases racionais para terapia."

A seguir, Peter Duesberg desmonta a hipótese HIV ao longo de 16 páginas, faz 132 referências a estudos

científicos e termina com uma citação de Goethe, em Xenien:

"O que é o mais difícil de tudo? É o que parece mais fácil para você: enxergar com os seus olhos o que

está diante deles."

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

O professor fechou o jornal, olhou para a turma e disse calmamente:

- É, meus amigos. Vocês estão diante de uma grande polêmica na ciência. Aliás, são essas polêmicas que

dão um sabor todo especial à construção do conhecimento científico. Quando a gente pensa que chegou a

uma certeza, sempre surge uma pergunta para nos deixar novamente em dúvida.

- Ué, professor, mas se a ciência estudar objetivamente a Aids, ela não pode dizer ,com certeza, que o

que causa a doença é um vírus?

- Depende. O que você acha que é estudar algo "objetivamente"? Será que um cientista pode olhar a

realidade com total objetividade? O que vocês acham?

A turma toda ficou calada. Ninguém ainda tinha pensado sobre isso e, mais: não esperavam ouvir isso

exatamente de um cientista. Naquele dia, todos terminaram a aula com uma série de novas e muitas

questões.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

O DILEMA DA OBJETIVIDADE E DA NEUTRALIDADE

A objetividade entre os cientistas é um ideal, uma utopia. E as utopias, por sua vez, não passam de

romances filosóficos de difícil ou impossível realização. Essa pretensa objetividade da ciência visa

conhecer a realidade tal como ela se apresenta aos sentidos. Trata-se da análise mais isenta possível de

valores, juízos, prejulgamentos, desejos ou sonhos. A objetividade seria a mais sublime compreensão de

um objeto cognoscível por um sujeito cognoscente. É justamente a objetividade que estaria por trás das

exclamações de Arquimedes: Eureca! Eureca! (Achei!, Achei!), quando "descobre" seu peso numa

banheira cheia de água. E é também a objetividade que estaria por trás da famosa imagem da maçã que

ao atingir Isaac Newton na cabeça o inspira a elaborar as leis da gravitação. Esses dois casos retratam

bem o que poderíamos chamar de isenção axiológica, isto é, isenção de valores culturais para a

proposição de um conhecimento derivado da experiência. Mas até que ponto podemos sustentar a

hipótese de que tanto Arquimedes quanto Newton estavam desprovidos de valores, superstições, desejos

ou ambições quando alcançaram suas "descobertas"?

Como nos lembra um outro Newton:

"Não se pode ingenuamente acreditar que a ciência, como um conjunto de

conhecimentos (ciência-disciplina) e de atividades (ciência-progresso), seja algo

independente do meio social, alheio a influências estranhas e neutro em relação

às várias disputas que envolvem a sociedade. Analisada por qualquer um de

seus dois ângulos, a ciência representa um corpo de doutrinas gerado ou em

geração num meio social específico e, obviamente, sofrendo as influências dos

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

fatores que compõem a cultura de que faz parte. Produto da sociedade, influi

nela e dela sofre as influências." (FREIRE-MAIA, 1991:128)

É evidente que muitas pessoas, apoiadas num conhecimento comum do que seja ciência, defendem a

realização de uma ciência neutra, alegando que os bons ou maus usos que dela se faz são de

responsabilidade de outros que não são cientistas e que se servem dela para seus interesses próprios. É

importante estarmos atentos ao fato de que alguns cientistas não assumem uma postura neutra; existe

uma competição dentro da própria ciência. Além disso, grande maioria das pesquisas são financiadas

por agências governamentais, forças militares ou por empresas capitalistas preocupadas em salvaguardar

interesses extra-científicos, como o possível lucro decorrente do direito de patente sobre os resultados de

pesquisas com finalidades médicas. Um exemplo disso é a competição entre cientistas e empresas-

científicas na decodificação do genoma humano . Nesse último caso, a pretensa neutralidade de um

pesquisador é tudo o que se deseja, pois um cientista crítico e consciente das possíveis utilizações de

seus achados acaba sendo visto como um profissional pouco cooperativo.

Nos vemos assim diante de um dilema: ou aceitamos a utopia de uma ciência neutra, que acaba se

esquivando da difícil responsabilidade de lidar com os usos impróprios de suas descobertas, ou lidamos

com uma ciência engajada, isto é, uma ciência preocupada com a obtenção de resultados práticos e por

isso contaminada de valores, ideologias e pragmatismos que nada têm a ver com a busca do

conhecimento puro e simples, ou melhor, puro e objetivo. Em seu texto Neutralidade Científica(1995),

Pedro Demo nos ajuda a entender melhor a situação:

"As duas facções - neutros e engajados - lançam-se acusações mútuas,

geralmente colhidas nos resultados práticos da atitude assumida. Os neutros

acham que os engajados acabam envolvendo-se em ideologias escusas,

colocando a ciência a seu serviço, enquanto os engajados atribuem aos neutros

outra forma de engajamento, pelo menos o de estilo absenteísta: qui tacet,

consentit, ou seja, quem cala, consente. O silêncio contra ideologias escusas

vale como conivência, no mínimo, além de a atitude neutra ser atitude, quer

dizer, um posicionamento." (DEMO, 1995: 71)

Imaginemos uma situação onde estão de um lado os cientistas "engajados" que produziram a bomba

atômica para os Estados Unidos e de outro os cientistas "neutros" ocupados com teorias raciais numa

Alemanha dominada pelo nazismo. Apesar de ser uma situação evidentemente fictícia, seus personagens

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

seriam pessoas terrivelmente reais e um debate entre elas nos permitiria perceber até onde o

"engajamento" influi na formulação de equações matemáticas que atestam a viabilidade física de fissão

do átomo de hidrogênio ao mesmo tempo em que nos permitiria ver até onde seria possível ser "neutro"

na elaboração de teorias que servem à estigmatização e aniquilamento de judeus, ciganos e negros como

"raças inferiores". Essa situação nos ajuda ainda a entender alguns problemas gerais, como por exemplo,

a distinção básica entre meios e fins.

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

Valores, subjetividade e objetividade

Max Weber, um dos principais fundadores da Sociologia Moderna, afirmou que:

"...todo fim é questão política, valorativa, e está fora do alcance científico; somente o problema dos

meios faz parte da pesquisa científica." (WEBER, 1964: 197 apud DEMO, 1995: 72)

Desse modo, poderíamos argumentar que, enquanto os cientistas da bomba atômica se engajavam

exclusivamente nos meios de torná-la viável, eles se engajavam cientificamente; enquanto aqueles

preocupados com o problema de onde, quando e em quem lançá-la, se engajavam politicamente. Fica

muito clara a posição de Weber em favor da neutralidade, porém, quando ele afirma que nossas

cosmovisões pessoais costumam atuar ininterruptamente dentro do campo das ciências (idem: 74),

reconhecemos que ele não defende uma isenção total de valores do pesquisador para a prática científica,

mas antes o dever científico e moral de verificar a verdade dos fatos "descobertos", de levar à

consciência de quem elabora e de quem lê esses fatos, as medidas e critérios segundo os quais sua

realidade foi medida e, finalmente, de tornar claro onde os argumentos científicos se pautam na razão e

quando se pautam nos sentimentos. Em suma, para Weber: "Não há nenhum parentesco ente falta de

caráter e 'objetividade' científica." (idem: 75)

Nota-se de que modo a "neutralidade científica" é admitida simultaneamente como um ideal e como um

postulado metodológico para a obtenção de conhecimentos eternamente válidos pelos cientistas. As

possibilidades de produção objetiva do conhecimento científico encontram-se por isso balizadas pela

impossibilidade dos pesquisadores, enquanto seres humanos, se despirem de suas ambições, valores,

ideologias, em suma, de suas cosmovisões pessoais para fazer ciência. São vários os momentos em que

a subjetividade dos pesquisadores entram em contato com o desejo de objetividade, vejamos alguns

deles segundo a sistematização de Demo (idem: 77)

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

01. Escolha do tema de pesquisa ou investigação: aqui as inclinações pessoais dos pesquisadores se

fazem presentes de maneira quase evidente. Temas de pesquisa são escolhidos ora porque são

esteticamente belos ora porque darão lucro financeiro, ora porque estão na moda ora porque envolvem

graves problemas sociais. Dizer que o subjetivismo entra na escolha do tema não significa dizer, porém,

que os interesses dos cientistas devem continuar a influir no tratamento ou abordagem do tema.

02. Seleção do tratamento ou abordagem do tema: "o contexto teórico escolhido para dar ao tema

significação contém também elementos puramente seletivos. Por vezes são vieses particulares, no

sentido de uma tendência a simplificações, a estereótipos, a insistências. Sobretudo na polêmica, este

fenômeno aparece com facilidade: escolhemos no adversário exatamente os pontos fracos para melhor

podermos rebatê-los, e dificilmente adotamos crítica interna - no fundo forjamos a vítima para que caiba

melhor na mira de nossas armas." (DEMO, 1995: 77).

Quando subjetividade e objetividade entram em contato na prática científica, temos ainda a:

03. desfiguração ideológica: "refere-se à tentativa de fazer passar posições valorativas por colocações

científicas, o que se consegue muitas vezes pela mistura esperta das duas instâncias." (DEMO, 1995: 77)

São muitos os exemplos para ilustrar este caso, consideremos apenas aqueles que ainda dizem ser os

países de clima frio, adequados para o desenvolvimento de povos mais civilizados ou aqueles outros que

dizem que o comportamento humano é equivalente ao comportamento animal, esquecendo-se do fator

cultural como condicionador das atitudes e do pensamento humanos.

Antes de concluirmos, é importante esclarecer que, entre falar das impossibilidades de produção objetiva

de conhecimento científico e falar que qualquer produção objetiva de conhecimento é impossível, existe

uma grande diferença. Tudo o que fizemos aqui foi questionar até que ponto aquilo que é normalmente

aceito como "fato científico" não passa na verdade de "inferência científica", ou seja, na prática, as

descobertas científicas e os valores dos cientistas aparecem misturados.

Isso pode explicar, pelo menos em parte, que a ciência nem pesquisa tudo e nem qualquer coisa, pois é

direcionada pelo contexto social de interesses, que seleciona faces da realidade, não só por razões

lógicas, mas igualmente por razões históricas. De certa forma, pode-se aludir que as faces não tratadas

na realidade pela ciência correspondem tendencialmente a faces que não representam interesse ou que

ainda não entraram no campo de interesse. (DEMO, 1995: 79)

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Metodologia Científica UNIDADE 02 – Aula 03

O que tem ficado claro na história das ciências é que a sociedade tem preferido o cientista criativo nos

meios e o neutro nos fins. Isso quer dizer que o tipo de cientista mais valorizado tem sido aquele

ocupado com o desenvolvimento de tecnologias sem questionar os modos como a mesma será

empregada, em detrimento do cientista questionador, que se preocupa com os rumos que serão dados

para suas descobertas ou invenções. Ao que tudo indica, é preciso manter a crítica sem perder a

objetividade.

Parafraseando as palavras de Pedro Demo e à guisa de conclusão, podemos dizer que a presença de

juízos de valor não trazem, em si, problema metodológico, porque é componente integrante do diálogo

com a realidade. Problema metodológico é dogmatizar o ponto de vista, negando aos outros o direito ao

argumento, e também eliminar a objetivação, tornando a captação da realidade subserviente ao desejo e

às inclinações pessoais ou ideológicas. (cf. DEMO, 1995: 81)

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

Aula 04 – Teorias, Conceitos e Observação

Enquanto isso…

Flávia estava muito irritada. No dia anterior, tinha visto o namorado com uma outra estudante e agora

estava desabafando com Shirley, sua colega:

- Vê se pode! Logo o Cláudio, que se desmanchava todo por mim! Ah, eu

quase não acredito no que vi...

- Caramba, por essa eu não esperava. Me conta direitinho: como foi?

Perguntou Shirley.

- Eu estava saindo da aula e, lá de cima, vi os dois atravessando o gramado,

pararam e, nem acredito, haja beijo, abraço...argh!

- Ah, mas você pode ter se enganado, né? Lá de cima você ia ver assim, com

tanto detalhe? Vai ver não era ele. Até porque não faz sentido! O Cláudio fazer

uma coisa dessas bem aqui, pra todo mundo ver?

- E você acha que eu ia me enganar, confundir o meu próprio namorado? Já

disse: eu vi com meus próprios olhos!

- Ah, sei lá.... Às vezes a gente se engana com o que vê. Outro dia, por

exemplo, na aula de Metodologia Científica eu vi umas ilusões de ótica muito

interessantes.

- Que história é essa de ilusão de ótica?

- Ah, é quando você olha uma coisa, enxerga algo que parecia ser, mas que

não é....

- Hein?!

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

- Ah, é um lance muito legal. São coisas que fazem a gente observar algo

diferente do que é. Você tem que ver. Já sei! Vamos até o laboratório que eu te

mostro.

Depois de terem visto algumas vezes cada imagem, Shirley ainda se empenhava em tentar convencer a

amiga de que ela podia estar enganada:

- Viu, Flávia, sensação estranha, não é? É como eu lhe disse: às vezes nossos

olhos nos enganam.

Ainda muito irritada e dando sinais de que não estava disposta a mudar de idéia, Flávia disse:

- Ah, isso aí é só porque a gente não viu direito. Se nós prestássemos mais

atenção ou se usássemos algum instrumento mais preciso, íamos ver as coisas

como elas são. Essa distorção é só um problema da fisiologia do nosso olho. E

não adianta falar; eu vi muito bem o safado do Cláudio dando um amasso

naquela metida.

- Ô, Flávia, não é isso, não! O problema não é só um engano dos olhos. O

problema está na nossa mente, nos modelos que dizem o que nós esperamos

ver.

- Ai, Shirlei, lá vem você de novo com essa história. Como assim "esperamos

ver"?, Perguntou Flávia, esquecendo-se brevemente da questão do namorado.

- Às vezes, a gente se deixa influenciar pelas expectativas que temos do que

vai ser visto. Não é só um problema da nossa fisiologia; a forma como somos

educados a ver as coisas influencia nossa visão. Só pra você ter uma idéia, olha

estas outras ilusões...

Depois de mais uma seqüência de imagens, Flávia, dando-se conta do esforço da amiga em convencê-la

de que poderia haver algum engano, disse:

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

- Você está querendo me convencer que a observação não garante que a

gente veja uma coisa como ela é?

- Pois é, Flávia, é isso mesmo.

- Se fosse assim, já que você falou em Metodologia Científica, tudo que a

gente ouve falar sobre a Ciência está errado! Imagina, se o que a gente

observasse não garantisse conhecer a realidade, então o Site da Coordenadoria

de Educação a Distância da UFMS, com texto sobre René Descartesmétodo do

Descartes teria ido por água abaixo. Por certo, agora você vai querer me

convencer de que ele é que estava errado. Vai dizer que a Ciência não descobriu

um monte de coisas a partir da observação?

- Não, também não é assim, né. Eu só estou dizendo que a observação tem

seus limites.

- Tudo bem, então. Vamos deixar esse assunto do sem-vergonha do Cláudio

um pouco de lado, e me diga: como é que fica a Ciência nessa história? E mais:

qual o papel da observação na construção do conhecimento científico? Quais os

seus limites?

Intimamente, Shirley comemorava: mesmo sem admitir e até mesmo sem o saber, a amiga Flávia

começava a ceder à evidência de que uma mera observação pode não ser tão evidente.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

INTRODUÇÃO

Se consultarmos qualquer dicionário, encontraremos definições as mais diversas do que vem a ser

"teoria". Teremos, por exemplo: "especulação independente de aplicações práticas"; "conjunto de

princípios fundamentais de uma arte ou ciência"; "doutrina ou sistema acerca desses princípios";

"opiniões sistematizadas"; "hipótese"; "noções gerais"; "utopia"; e, vejam só, "embaixada sagrada

enviada por um Estado grego para representá-lo nos grandes jogos esportivos, para consultar um oráculo

ou para levar oferendas"! O significado que o termo assumiu na Grécia antiga foi, por sua vez, o de

especulação ou vida contemplativa. Especular e contemplar eram tidas como atitudes muito parecidas,

pois quem especula se coloca numa relação de projeção recíproca com a realidade, como quem se posta

diante de um espelho, e quem contempla se dedica ao conhecimento ou à inspiração daí resultante.

Portanto, teorizar era dedicar-se exclusivamente ao conhecimento e à sabedoria.

Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, opôs teoria à prática ou a

qualquer atividade interessada, quer dizer, qualquer atividade que não

tenha a contemplação por objetivo. (Cf. ABBAGNANO, 1999: 952) Este era o

ideal dos homens avessos ao trabalho manual ou no mundo das nuvens.

Piadas foram contadas no mundo antigo sobre estes "homens de saber" ou

filósofos e até comédias teatrais se inspiravam no estilo de vida dos

teóricos. Há um diálogo em que um pai (Estrepsíades) tenta convencer seu

filho (Fidípides), que só se ocupava das corridas de cavalos, a tornar-se um

pensador para aprender a persuadir os outros a livrá-los das dívidas.

Vê-se aí como Aristófanes descreveu o filósofo Sócrates em sua peça As nuvens:

"Estrepsíades: Olhe ali (aponta a casa de Sócrates). Você está vendo aquela

portinha e aquele casebre?

Fidípides: Estou vendo. Papai, de fato o que é aquilo?

Estrepsíades (declamando.): De almas sábias é aquilo um "pensatório"... Lá

moram homens que, falando do céu, querem convencer de que é um abafador,

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

que está ao nosso redor, e nós... somos os carvões! Se a gente lhes der algum

dinheiro, eles ensinam a vencer com discursos nas causas justas e injustas.

Fidípides: Mas quem são eles?

Estrepsíades: Não sei ao certo seu nome. (Solenemente.) São pensadores

meditabundos, gente de bem!

Fidípedes: Ah! Já sei, uns coitados! Você está falando desses charlatães,

pálidos e descalços, entre os quais o funesto Sócrates e Querefonte...

Estrepsíades: Eh! Silêncio! Não diga tolices! Mas se você se preocupa um

pouco com o pão de seu pai, por favor, renuncia à equitação e torne-se um

deles.

Fidípides: Não, por Dioniso, não poderia, nem que você me desse os faisões de

Leógoras.

Estrepsíades: Vá, eu imploro! Você, a mais querida das criaturas, vá aprender!

Fidípides: E que irei aprender para o seu bem?

Estrepsíades: Dizem que no meio deles os raciocínios são dois: o forte, seja ele

qual for, e o fraco. Eles afirmam que o segundo raciocínio, isto é, o fraco,

discursando, vence nas causas mais injustas... Ora, se você me aprender esse

raciocínio injusto, do dinheiro que agora estou devendo por sua culpa, dessas

dívidas eu não pagaria nem um óbolo a ninguém..." (ARISTÓFANES, 1972: 182-

183)

Essa era a percepção de antigamente sobre a atividade dos pensadores ou dos teóricos, mas de lá para

cá as coisas mudaram muito. Não é raro ouvirmos as pessoas dizerem: "já basta de teoria, vamos à

prática!" Ou então, "isso é pura retórica!" Tais afirmações referem-se a essas velhas suspeitas de que o

pensamento teórico não leva a lugar nenhum.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

TEORIAS E CONCEITOS

Fora do senso comum e dentro das comunidades científicas, as teorias usufruem de ampla consideração.

Isso se deve ao fato dos cientistas encontrarem nas teorias um conjunto de regras também práticas para

a solução de problemas reais. Para muitos pesquisadores, não há nada mais prático do que uma boa

teoria. Para entender a proeminência desse lugar ocupado pelas teorias no conhecimento científico, faz-

se necessário cunharmos nosso próprio conceito do que vem a ser "teoria científica". Porém, o que é um

conceito? Voltemos ao dicionário...

Segundo Nicola Abbagnano, Conceito é:

"em geral, todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a

previsão dos objetos cognoscíveis. Embora o Conceito seja normalmente

indicado por um nome não é o nome, já que diferentes nomes podem exprimir o

mesmo Conceito ou diferentes conceitos podem ser indicados, por equívoco,

pelo mesmo nome. A função primeira e fundamental do Conceito é a mesma da

linguagem, isto é, a comunicação." (cf. ABBAGNANO, 1999: 164)

Com esses esclarecimentos, podemos perceber que, para elaborarmos nosso conceito de "teoria

científica", devemos buscar palavras ou nomes que confiram um sentido comum e comunicável do que

vem a ser "teoria" e "ciência", permitindo seu entendimento. Esta é a função do conceito, tornar claro o

que antes era obscuro. É por isso que conceitos são bons para pensar e é por isso que teorias científicas

são feitas de conceitos (mas não somente deles).

A última afirmação do parágrafo acima não é um mero jogo de palavras. Afinal, se concordamos que os

conceitos nos ajudam não só a compreender e a nos comunicarmos, mas também a fixar ou segurar o

significado das coisas, e se concordamos que as teorias são para os cientistas "regras práticas para a

solução de problemas reais", então só nos resta concordar que os cientistas vêem nas "teorias científicas"

um conjunto de proposições conceituais, que lhes permitem dialogar e construir um entendimento

comum sobre os fenômenos que observam. Eis como nosso conceito de "teoria científica" acaba sendo

definido como "um conjunto de conceitos bons para resolver problemas práticos". Essa definição visa nos

auxiliar a compreender de que modo teorias, conceitos, observação e realidade encontram-se misturados

na prática da investigação científica. Isso se torna evidente quando nos detemos diante das hipóteses.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

Uma hipótese é um conceito científico que é também uma teoria científica. Dito de outro modo, a teoria

científica contém, além dos conceitos, uma ou mais hipóteses como suas partes integrantes. Veja o que

Abbagnano tem a nos dizer em seu dicionário de Filosofia:

"A ciência moderna abandonou a repugnância da ciência dos sécs. XVIII e XIX

pelas hipóteses, tão bem expressa por Newton e outros. Isso aconteceu porque

a hipótese deixou de ser uma suposição sobre as causas últimas ou ocultas dos

fenômenos. (...) Em 1865, ao falar das Teorias, Claude Bernard afirmava seu

caráter indispensável e ao mesmo tempo hipotético, no sentido estrito do termo:

‘O experimentador formula sua idéia [ou hipótese experimental] como uma

questão, uma interpretação antecipada da natureza, mais ou menos provável,

da qual deduz logicamente conseqüências que a cada momento compara com a

realidade, por meio da experiência’ (Introduction à l’étude de médecine

expérimentale, I, 2). E reconhecia a fecundidade das hipóteses para a

descoberta de fatos novos: ‘O objetivo das hipóteses é não só levar-nos a fazer

experiências novas, mas também descobrir fatos novos que não teríamos

percebido sem elas’ (Ibid, III, 1, 2)." (ABBAGNANO, 1999: 952)

Atualmente, as teorias científicas não visam mais à contemplação da natureza ou da sociedade no

sentido empregado pelos gregos antigos, mas, sim a classificar e prever os fatos para exercer sobre eles

um controle. As hipóteses desempenham um papel fundamental, porque é por meio delas que se

submeterá a realidade ou os fatos ao teste da experiência e dos experimentos. Uma hipótese não é

necessariamente verdadeira quando se encontra inserida numa teoria científica, mas pode (e deve) ser

provada verdadeira por meio da metodologia científica. Nesse sentido, é que podemos dizer que as

hipóteses são explicações provisórias que tem por objetivo fazer compreender mais facilmente os fatos

para em seguida exercer sobre eles um certo domínio.

No fundo, quando falamos em teorias científicas, conceitos e hipóteses, estamos falando de um certo tipo

de contemplação ou especulação sobre a natureza, a sociedade e o ser humano. A atitude que ainda

temos perante a contemplação teórica ainda guarda algumas semelhanças com a maneira dos antigos

gregos de percebê-la. Entretanto, a imagem dos homens de ciência certamente não é mais aquela de

"charlatães, pálidos e descalços" segundo a percepção de Fídipides.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

OBSERVAÇÃO

Podemos partir de duas suposições ingênuas acerca da observação científica. A primeira delas afirma que

a ciência começa com a observação. A segunda, que a observação produz uma base firme e objetiva da

qual o conhecimento pode ser derivado (CHALMERS, 1997: 46). Sabendo que a observação pode ser tida

como uma modalidade de verificação ("ver" de verdade + ação), é possível estudarmos sob que

condições se dá este ato de aferição da verdade ou da falsidade do que se observa. Até que ponto os

procedimentos científicos de observação independem das limitações físicas e intelectuais do observador?

Até que ponto as limitações físicas e intelectuais do observador podem ser corrigidas pelos

procedimentos científicos de observação?

Vejamos a seguinte passagem do livro de Chalmers (op. cit.: 52):

"... embora as imagens sobre nossas retinas façam parte da causa do

que vemos, uma outra parte muito importante da causa é constituída

pelo estado interior de nossas mentes ou cérebros, que vai claramente

depender de nossa formação cultural, conhecimento, expectativas, etc.

e não será determinado apenas pelas propriedades físicas de nossos

olhos e da cena observada."

Observar é uma coisa, ver ou enxergar é outra bem diferente, pois quem vê passa por uma experiência

perceptiva e cognitiva própria. Quem vê teve que aprender a ver, a interpretar, a discernir o que estava

sendo observado. Quantos de nós enxergaríamos os problemas diagnosticados por um médico a partir de

uma radiografia? Quantos de nós identificaríamos as luas do planeta Júpiter pelas lentes de um super

telescópio? Quantos de nós saberia diferenciar hemáceas do tripanossoma causador da Doença de

Chagas? Ou até que ponto veríamos numa piscadela um tique nervoso ou um tipo de código usado para

transmitir uma informação (por exemplo as intenções de um rapaz de seduzir uma moça)? Todos esses

seriam exemplos de como o entendimento ou a verificação alcançada pelos sentidos de um pesquisador,

em especial sua visão, depende de uma teoria ordenadora dos fatos observados.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

"... quando alguém acorda cedo precisando urgentemente de café e reclama:

‘não há gás’, supõe-se que há substâncias no mundo que podem ser agrupadas

sob o conceito ‘gás’, e que algumas delas, ao menos, inflamam-se. É preciso

considerar também que o conceito ‘gás’ nem sempre foi disponível. Ele não

existia até meados do século XVIII, quando Joseph Black, pela primeira vez,

preparou dióxido de carbono. Antes disso, todos os ‘gases’ eram considerados

amostras mais ou menos puras de ar. Quando avançamos em direção a

afirmações do tipo das que ocorrem na ciência, os pressupostos teóricos

tornam-se menos lugares-comuns e mais óbvios. Não é preciso muita

argumentação para demonstrar que há uma teoria considerável pressuposta na

asserção: ‘o facho eletrônico foi repelido pelo pólo norte de magneto’, ou pelo

diagnóstico de um psiquiatra dos sintomas de abstinência de um paciente."

(CHALMERS, 1997: 54)

Explicações e descrições resultantes da observação (científica ou não) serão

sempre o resultado do domínio de uma linguagem teórica e serão tão acuradas

quanto à teoria utilizada e seus conceitos assim permitirem. Por exemplo, o

conceito de "força" em física é um conceito preciso porque faz parte de uma teoria,

a mecânica newtoniana.

Quando falamos em "força" no nosso dia-a-dia ("a força das circunstâncias", "a força da chuva", "a força

dada a alguém") acabamos falando imprecisamente, justamente porque as teorias que informam esses

usos são múltiplas e assistemáticas (CHALMERS, 1997:54). Como se pode perceber, teorias adequadas

devem necessariamente preceder à observação para poder se chegar a resultados verificáveis sobre um

determinado problema, que por sua vez só é formulado a partir dos conceitos e pressupostos contidos

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

nessa mesma teoria. É nesse sentido que se costuma dizer que as teorias antecipam a descoberta de

novos fenômenos ou que o cientista apenas reconhece a realidade previamente conhecida pelas teorias.

Observações, experimentos ou pesquisas de campo são realizadas sempre que se deseja testar ou

iluminar alguma teoria. Certa vez, um renomado antropólogo inglês, E. Evans-Pritchard, comentou que

"os fatos só podem ser selecionados e articulados à luz da teoria", e completou, "se eu for acusado de

descrever fatos como exemplificações de minha teoria, terei sido compreendido." (EVANS-PRITCHARD,

1969: 261 apud CLIFFORD, 1998: 31)

Já estamos em condições de responder as perguntas inicialmente propostas. Em primeiro lugar, já

sabemos que os procedimentos de verificação não oferecem por si sós respostas definitivas para as

perguntas dos cientistas. Essas respostas são dados filtrados pelas teorias que orientam a observação,

possibilitando que vejamos coisas que antes passavam desapercebidas. Em segundo lugar, sabemos, por

dedução da nossa primeira conclusão, que essa filtragem dos dados pelas teorias opera como uma

ferramenta corretiva da visão dos pesquisadores. O que devemos nos perguntar agora, é até que ponto

esta "correção" não consiste, em última instância, numa "distorção" dos dados para se conformarem às

nossas teorias, e, se for este o caso, por que acreditamos que as ciências têm nos dito a verdade sobre

as coisas quando elas, no limite, só podem nos dizer a verdade sobre aquilo que já era sabido ou previsto

pelas teorias?

É Rubem Alves, em seu texto Pescadores e anzóis (1996) que pode nos ajudar a pensar sobre essas

questões. Para este autor, "teorias" são análogas às "redes de pesca", mas ao invés de serem feitas de

fios e nós, sua trama é feita de palavras e significados, isto é, de conceitos. Redes de pesca e teorias são

ferramentas de trabalho lançadas, no primeiro caso, para pegar peixes e, no segundo caso, para trazer à

tona dados e informações que confirmem as expectativas do investigador-pescador sobre um

determinado objeto de pesquisa. Como uma rede de pesca pode puxar para fora d’água todo um

conjunto de coisas que não são peixes, alguns pescadores, preocupados com o tipo e a qualidade do

peixe e não com seu volume ou quantidade, preferiram os anzóis de diferentes tamanhos e formatos. Se

as teorias podem ser equiparadas às redes de pesca, segundo o raciocínio de Rubem Alves, podemos

dizer que os anzóis desempenham o mesmo papel que os métodos na observação científica. Os anzóis

encontram-se amarrados às linhas do mesmo modo que os métodos às teorias, compondo assim uma

metodologia.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

Porém, os anzóis, as varas de pescar ou as redes não fazem

de ninguém um pescador. Assim como o hábito não faz o

monge, a metodologia por si só não faz de ninguém um

cientista. A habilidade para uma determinada atividade, seja

ela pescar, meditar ou investigar, não é dada pela

ferramenta em si mesma.

Um pesquisador habilidoso não é aquele que conhece uma grande quantidade de teorias e métodos, mas

aquele que pratica, que utiliza as ferramentas ao seu dispor. A prática científica consiste, portanto, numa

busca de conhecimento, mas esta busca parte do lançamento de redes teóricas sobre o mar da realidade.

Muitas vezes as redes são lançadas sem sucesso. Utilizam-se anzóis, mas os anzóis deixam escapar

muitos peixes...

Por analogia, podemos perceber que os cientistas só elaboram métodos e técnicas que dêem conta das

perguntas previamente formuladas e que as respostas alcançadas não são as respostas definitivas, mas

as respostas possíveis e antecipadas pelas ferramentas de obtenção dos dados. É nesse sentido que se

pode dizer que os métodos e técnicas de uma pesquisa, vinculados a uma determinada teoria,

"produzem" as respostas para os problemas anteriormente formulados, do mesmo modo que as técnicas

e ferramentas de pescaria "produzem" ou "antecipam" os resultados da pesca. É como se as redes e os

anzóis "atraíssem" somente os peixes para a qual foram desenhadas.

As metodologias de pesquisa organizam a reflexão sobre os

dados obtidos durante a pesquisa, gerando conhecimento.

Isso se dá a partir de hipóteses, que são teorias que pedem

uma verificação através da experiência e/ou de

experimentos. As leis ou interpretações científicas seriam

enunciados acerca da "rotina" própria de um "objeto de

pesquisa". Uma análise de seu comportamento normal.

Trata-se de um tipo de conhecimento que moldará outros

olhares lançados sobre a realidade desse mesmo objeto,

bem como o próprio teor da experiência humana com essa

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 04

realidade. Aí reside a força, mas também a fraqueza da

observação científica. Dito de outro modo:

"Da mesma forma como os anzóis predeterminam os resultados da pescaria, os

métodos predeterminam o resultado da pesquisa. Porque os métodos são

preparados de antemão para pegar aquilo que desejamos pegar." (ALVES, 1996:

49)

E nem sempre o que se pega é verdadeiramente um "peixe", mas antes, algo que se assemelha

teoricamente a um peixe. É assim que muitos cientistas são enganados por suas observações e

experimentos.

Pensemos agora na divisão das ciências. Temos as "Ciências da Natureza ou Exatas" e as "Ciências

Humanas ou Sociais". Em cada uma das ciências ,assim divididas, estudamos as teorias e aprendemos

seus métodos como produtos acabados, isto é, como se tivessem caído do céu ou se originado da pura

genialidade de determinadas pessoas. Apesar de didática, esta forma de estudar e aprender gera uma

distorção no nosso entendimento acerca do papel da teoria no fazer científico, pois acabamos supondo

que as teorias são algo dado a priori ao invés de resultados de processos reflexivos laboriosa e

lentamente construídos para tal fim. Daí as pessoas acharem que os métodos e teorias das chamadas

"Ciências Exatas" são mais formais, criteriosos e explicativos do que os procedimentos acionados nas

"Ciências Sociais".

Mas será que existem conhecimentos mais ou menos objetivos, ou existem objetos de estudo mais ou

menos concretos, ambíguos, nítidos e assim por diante? Nesse caso, todos os cientistas, enquanto seres

humanos, servem-se da imaginação para compreender a natureza dos dados que coletaram, da

informação que produziram e das teorias que organizaram. Note que, para cada ponto de vista teórico,

existe um ou vários "pontos cegos" de interpretação. São os "peixes" que não são pegos pelo "anzol" ou

pela "rede". Esses "pontos cegos" afetam todas as teorias e seus efeitos são mais ou menos prejudiciais,

conforme a natureza dos objetos de pesquisa. Vale dizer que os buracos ou furos da rede são tão

importantes para garantir os resultados desejados da pesca quanto a largura ou espessura da trama dos

fios. E que, em última instância, tudo depende do "peixe" que se quer pegar ou do problema de pesquisa

que se logrou formular.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

Aula 05 – O Real e a Construção do Objeto de Pesquisa

Enquanto isso...

Chico está no meio do seu curso de Direito na Católica e já está preocupado com a monografia que terá

que apresentar no final do curso. Desde o final do ano passado ele está se interessando por um tema

específico: como a legislação brasileira está se adaptando às novas tecnologias de reprodução,

especialmente à clonagem de plantas e animais. O que interessa a Chico é saber quais têm sido as

decisões da Justiça sobre esse assunto, os argumentos utilizados e como a legislação tem sido aplicada

em casos particulares. Com a idéia de se preparar para sua monografia, Chico já está de ouvidos atentos,

recolhendo bastante material sobre o tema. Mas, às vezes, acontecem coisas inesperadas.

Por exemplo, na semana passada, Chico estava pesquisando sobre outro assunto na base de dados do

acervo da biblioteca, quando viu um livro com o título Clonagem. Ele ficou super animado e foi correndo

buscar o livro na estante. Quando começou a ler a obra, a decepção: era um livro de biologia que tratava

dos aspectos técnicos envolvidos no processo de reprodução por meio de clonagem. "Que droga, não é o

que eu quero!", Decepcionou-se Chico, que já no mês passado tinha passado por algo parecido.

Ele estava muito atarefado e pediu ao seu irmão, Beto, que trabalha perto de uma biblioteca, para

pesquisar sobre o tema "clonagem". Beto trouxe um monte de materiais, mas a maior parte não lhe

interessava. Eram cartilhas a favor, outras contra a clonagem, e também textos médicos sobre os

processos celulares e as técnicas utilizadas para reprodução artificial. Desapontado, Chico falou com o

irmão:

- Rapaz, eu te pedi para ver um material relacionado às decisões judiciais!

- Ué, Chico, você falou para eu ver material sobre clonagem e aí está. Não é tudo uma coisa só?

- É claro que não! Meu objeto de pesquisa são as decisões judiciais e não qualquer coisa sobre clonagem.

Você parece que nem sabe o que é um objeto de pesquisa!

- E não sei mesmo. Que coisa é essa?

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

Você saberia responder ao Beto? O que é um objeto de pesquisa? Por que devemos definir um objeto se

quisermos pesquisar algo? Como é que fazemos isso?

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

O REAL

Realidade é uma palavra que dificilmente oferece qualquer obstáculo para ser compreendida. É "real"

tudo que existe. Ou seja, realidade é tudo aquilo que tomamos tacitamente como existindo. O significado

específico de "realidade" indica o modo de ser das coisas existentes fora do nosso ambiente mental ou

independentemente dele. Nesse sentido, o oposto de realidade seria a idealidade, que por sua vez

indicaria o modo de ser daquilo que está na mente e que não foi ainda materializado ou incorporado em

coisas. Como se pode perceber, todas as coisas reais encontram-se, necessariamente, indicadas por algo

ou alguém que atesta sua existência ou sua concretude. Há, portanto, uma mediação necessária entre o

sujeito do conhecimento e as coisas conhecidas.

Esta mediação se dá por meio das idéias e representações. E é aqui que a "realidade" começa a virar um

problema. Afinal, o que se impõe à mente primeiro: as coisas ou as idéias? Nas palavras de Abbagnano:

"O problema suscitado diretamente pela noção de Realidade é o da existência

das coisas ou do 'mundo exterior'. Esse problema nasceu com Descartes, ou

seja, com o princípio cartesiano de que o objeto do conhecimento humano é

somente a idéia. Desse ponto de vista, torna-se imediatamente duvidosa a

existência da realidade a que a idéia parece aludir, mas sem provas, assim como

uma pintura não prova a Realidade da coisa representada." (ABBAGNANO,

1999: 831)

Esse problema suscitou duas importantes tradições do pensamento ocidental, o racionalismo e o

empirismo. O racionalismo, melhor representado por Descartes e por vários pensadores franceses,

defende a precedência do intelecto na organização da percepção e do entendimento acerca do "mundo

exterior". Já os empiristas, como Bacon, Hume, Locke, entre outros, supunham a mente como uma

"tábula rasa", uma tela em branco que era pintada pela realidade exterior, captada pelos sentidos

humanos.

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

Sobre essas duas posições, vários cientistas sociais, entre eles Émile

Durkheim, trouxeram importantes contribuições para entendermos as

origens lógicas do conhecimento. Para Durkheim, noções como tempo e

espaço, indivíduo e totalidade se apoiam na própria vida social para se

fazerem "reais". Entretanto, o problema da origem da nossa crença na

realidade do mundo exterior continua uma questão em aberto, pois se a

crença se baseia nas representações e se estas se baseiam na vida social,

resta saber o que tornou a sociedade possível em primeiro lugar... mas

esta é uma outra história. Por ora, o que é importante reter dessa

discussão é que, seja lá o que a realidade for, ela acaba sendo percebida

por nós a partir de sentidos, social e culturalmente condicionados.

Para ilustrar este ponto, cabe lembrar a história daquele pensador

que adormeceu e sonhou ser uma borboleta e seu sonho foi tão

"real", tão rico em cores, sons e odores, que ao "acordar", o

pensador se perguntou se não seria ele uma borboleta que pensava

ser um pensador! Ou, para nos valermos de um exemplo mais

concreto, cabe considerar os experimentos de psicólogos que, ao

apresentarem imagens que nós consideramos tridimensionais a

pessoas de culturas diferentes, constataram que elas as percebiam

como um arranjo complexo de linhas e cores, pois suas mentes não

foram "treinadas" para perceber, como nós, a tridimensionalidade

gráfica de cubos, pirâmides, hexágonos etc.

Consideremos agora o olhar treinado dos cientistas. Certamente eles vêem como "reais" coisas que

sequer imaginamos existir. Luas de planetas distantes, células invisíveis a olho nu, causas de fenômenos

climáticos etc. A questão é saber como eles conseguem esta "hipertrofia" dos sentidos, essa "visão além

do alcance". Podemos dizer que os cientistas aprenderam a ver coisas novas através de seus métodos,

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

experimentos e tecnologias. Certas coisas, "cientificamente comprovadas", de fato não existem para

aqueles que não dispõem de tais técnicas e treino. Desse modo, somos levados a crer que, ao seguir as

metodologias científicas elaboradas por outros pesquisadores, chegaremos às mesmas "descobertas"

feitas por eles. Mas que tipo de "descoberta" seria essa que encontra o que já se sabia existir?

A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Para responder a essa pergunta devemos compreender em que consistem os métodos que levam às

descobertas e partir da premissa de que os métodos não podem ser estudados separadamente das

investigações nas quais são empregados. Dito de outro modo, se os métodos são caminhos assumidos

pelos cientistas para chegar a um lugar específico, só saberemos se eles são bons caminhos se o

percorrermos, nós mesmos, até chegar ao lugar desejado.

Ao considerar os processos que levaram às várias descobertas científicas, constata-se que a "descoberta"

se construiu a partir de um rompimento com a ilusão de um saber sem mediação sobre a realidade.

Vejamos porque esse rompimento se faz necessário.

Em primeiro lugar, observa-se que a familiaridade do pesquisador com a realidade do objeto de

conhecimento se constitui num primeiro obstáculo epistemológico à pesquisa científica, porque produz

continuamente concepções ou sistematizações fictícias que nada tem a ver com a "natureza" da coisa

observada ou com seu modo de ser no mundo.

Um segundo obstáculo está na linguagem utilizada para organizar esse conhecimento, pois noções

comuns, familiares, tendem a invadir o terreno da linguagem conceptual, eminentemente científica, a

única apropriada para delimitação do objeto de conhecimento. A influência das noções comuns é tão forte

que todas as técnicas de observação visam realizar uma ruptura efetiva entre o senso comum e o que se

pretende ser "bom senso" científico. A delimitação do objeto é uma construção teórica preliminar

destinada a substituir noções de sentido comum por uma primeira concepção científica. Assim, a

descoberta científica nunca se reduz a uma mera "leitura" do real, pois supõe sempre uma ruptura com o

mundo exterior, tal como o vemos.

Um terceiro obstáculo é a "realidade" das teorias tradicionais. Essas já se encontram confundidas com

nosso senso comum. O poder das teorias tradicionais de cercear novas descobertas em cada campo de

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

conhecimento e em cada disciplina científica é evidenciado pela sua força de "explicar" vários fenômenos,

quando na verdade não passa de uma "ilusão de explicação". Por exemplo, consideremos o

evolucionismo cultural e a tese da superioridade das raças, que teve enorme influência ao final do século

XIX e início do século XX. Apesar dessa tese ter sido amplamente refutada por novas pesquisas e teorias,

a mesma continua a desempenhar, desapropriadamente, a função de classificar pessoas e povos a partir

de traços fenotípicos, como cor de pele ou tipo de cabelo.

Por tudo isso, faz-se necessário não só uma ruptura com o senso comum, mas também uma ruptura com

o senso comum científico. Um meio para se alcançar tal rompimento certamente se dá pelo pensamento

crítico que pondere as implicações morais, éticas, sociais, históricas, de uma dada teoria científica. É

importante que se saiba que cada superação dos obstáculos listados acima implica num passo adiante em

direção à construção do objeto de pesquisa. Como se pode perceber, este só será alcançado a partir de

uma problemática teórica. Segundo F. Saussure, o ponto de vista cria o objeto. Trata-se de dizer que

uma ciência não poderia se definir por um setor do real que lhe corresponderia como próprio (cf.

BOURDIEU et. al., 1975: 51). Ou ainda, nas palavras de M. Weber:

"Não são as relações reais entre "coisas" o que constitui o princípio de

delimitação dos diferentes campos científicos, senão as relações conceptuais

entre problemas. Somente aí, onde se aplica um método novo a novos

problemas, descobrindo-se, portanto, novas perspectivas, é que nasce uma

nova 'ciência'." (apud BOURDIEU et. al., 1975: 51, tradução livre)

Diante de tantos obstáculos e rompimentos com a realidade, o que resta de realmente "real" para ser

investigado? Como se pode perceber, os cientistas podem, por meio de suas problemáticas,

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Metodologia Científica PARTE 02 – Aula 05

distanciarem-se tanto do real, que acabam perdendo seus objetos de vista! Não haverá, desse modo, a

despeito das teorias e métodos existentes em cada ciência, observação e experimentação caso não haja

um diálogo com a realidade. Afinal, a realidade não fala por si só ao cientista. Ela só responderá se for

perguntada, ou melhor, só responderá ao que lhe for perguntado segundo os mesmos termos da

pergunta. Essa pergunta é feita em termos de hipóteses. A hipótese tem a função de promover uma

reaproximação ao real, mas desta vez sob um ângulo de visão rigorosamente formulado para este fim.

O cientista surge, então, como alguém que define previamente os termos no qual se dará o diálogo com

a realidade. Eis como são produzidas as "descobertas" científicas...

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Metodologia Científica NORMAS

NORMAS

Apresentação do Trabalho Acadêmico

Não há uma norma rígida que defina exatamente como um trabalho deve ser apresentado na

Universidade. O que há são algumas normas ditadas pelo bom senso e, por isso, bastante utilizadas. Em

geral, cada universidade, cada curso e, por vezes, cada professor definem como desejam receber seus

trabalhos.

É importante que você se informe em seu curso se há alguma regulamentação específica para

apresentação dos trabalhos. Caso não haja, sempre que tiver que elaborar um trabalho acadêmico,

pergunte ao professor da disciplina se há alguma indicação a ser observada.

Em todo caso, as indicações mais comuns para apresentação de trabalhos na Universidade costumam

ser:

Papel

- A4 (21cmX29,7cm)

Margens

- Direita: 2 cm

- Esquerda: 3 cm

- Superior: 3 cm

- Inferior: 2 cm

Entrelinhas

- Do texto: 1 espaço duplo

- Entre parágrafos: 3 espaços simples

- Notas e citações: 1 espaço simples

Fonte

- Times New Roman ou Arial, corpo 12

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Metodologia Científica NORMAS

Títulos

- De capítulo: inicia uma nova página

- De tópico: linha própria, com 6 espaços acima e 3 abaixo

Numeração de páginas

No canto superior direito. A numeração começa a contar a partir da folha de rosto, mas somente aparece

na primeira página de texto (introdução).

Capa

- Cabeçalho: começar na 1ª linha, centralizado, em maiúsculas, identificando a instituição de ensino, o

aluno, o curso e a disciplina.

- Título: começar na 17ª (aproximadamente a 12 cm da margem superior), centralizado.

- Data: na última linha centralizado, identificando cidade, mês e ano.

Folha de rosto

- Título completo: 13 a 17 espaços simples a partir da 1ª linha.

- Autores: 11 espaços simples (aproximadamente 5 cm) após o título, centralizado.

- Descrição: centralizada, na última linha, com data.

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Metodologia Científica NORMAS

Leitura do Texto Científico

Análise textual

É o que você vai fazer assim que puser as mãos no texto. A análise textual é a leitura que possibilita:

• uma visão de conjunto do texto;

• esclarecimentos sobre o autor, fatos, doutrinas e autores citados no texto, bem como sobre

vocabulário;

• a montagem de um esquema sobre o texto.

Para chegar a isso, durante a leitura, você deve ir marcando o texto com anotações nas margens.

Invente símbolos para marcar o que você julga ser importante, os parágrafos que deverão ser relidos,

trechos que você não entendeu, as idéias que você acha são as principais. Essas marcações podem ser

feitas sublinhando linhas ou parágrafos, ou ainda fazendo marcas ou anotações nas margens da folha.

Mas atenção: se você estiver lendo um livro emprestado ou de uma biblioteca, NUNCA faça marcas no

livro. Use um caderno ou folhas em branco, anotando o número da página e o parágrafo a que a nota se

refere.

Os mesmos cuidados você deve ter no levantamento do vocabulário: vá anotando as palavras que não

entendeu e depois busque o significado no dicionário.

Finalmente, para concluir a leitura textual, você deve buscar informações complementares sobre os fatos

citados no texto, sobre as doutrinas e linhas de pensamento apresentados e mesmo sobre o próprio

autor.

Aí, sim, você terá todas as informações de que precisa para fazer o esquema do texto.

Dica: Se você quiser entender o que vai ler, primeiro deve conhecer bem o texto e chamá-lo pelo seu

nome. É preciso saber se ele é um artigo de revista, um capítulo de livro, ou o que mais. Na vida

universitária, é muito comum termos acesso a trechos de textos fotocopiados na pasta do professor. Este

é realmente um problema. Por isso, na medida do possível, vá atrás do texto original na biblioteca. Ter

acesso à obra na íntegra, seja livro, revista ou outro tipo de publicação, é ótimo para você saber mais

sobre o que irá ler. Quem é o autor; onde está o trecho selecionado (no começo, no meio ou no fim da

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Metodologia Científica NORMAS

publicação); o que veio antes dele e o que vem depois; etc. Esta é uma "leitura" de reconhecimento que

vai ajudar muito você a entender melhor o que vai ler no texto.

Todavia, se você não puder ir à biblioteca ou não encontrar o original do texto e tiver que se contentar

com a cópia da pasta do professor, certifique-se de que seu professor tenha escrito na fotocópia a

referência bibliográfica completa do texto em questão. Senão, peça esses dados a ele. Com isso, seu

trabalho de leitura será muito mais fácil.

Análise Temática

É o momento em que vamos nos perguntar se realmente compreendemos a mensagem do autor no

texto. Aqui devemos recuperar:

• o tema do texto;

• o problema que o autor coloca;

• a idéia central e as secundárias do texto;

Normalmente isso se dá com a montagem do esquema do texto. Nele, você irá indicar cada um dos itens

acima, reconstruindo o raciocínio do autor do texto e recuperando seu processo lógico.

Análise Interpretativa

É onde você fará a interpretação da mensagem do autor. Para isso é importante:

• situar o texto no contexto da vida e obra do autor, bem como no contexto de outros textos sobre

aquele assunto;

• explicitar os pressupostos dos quais o autor parte, suas teorias, as correntes de pensamento às

quais ele se filia, seus paradigmas etc.;

• criticar o texto com relação à sua coerência, validade, originalidade, profundidade e alcance.

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Metodologia Científica NORMAS

Problematização

Esta é uma etapa que você só pode fazer se já tiver um bom acúmulo de leituras sobre o tema.

Conhecendo bem o assunto, tendo lido já o que outros autores dizem sobre aquilo, conhecendo as

críticas que se fazem àquele autor e àquelas idéias, você pode começar a problematizar o texto. Na

prática, isso significa levantar e discutir problemas com relação à mensagem do autor.

Síntese pessoal

Por fim, você poderá fazer a sua própria síntese à respeito do texto.

O Texto Dissertativo

O texto dissertativo constitui um tipo em que expressamos nossas idéias a respeito de um assunto.

Podemos criticar ou apoiar opiniões, avaliar pontos de vista, ou fazer considerações próprias sobre o

tema, baseado em um encadeamento lógico das idéias, para que o leitor acompanhe o raciocínio de

quem escreve.

Etapas de produção

Antes de iniciar a redação, é aconselhável elaborar as etapas de produção de um texto dissertativo, a

saber:

a) Roteiro de idéias:

• estabelecer o tema e a delimitação temática;

• distinguir essencial do acessório;

• dar um título a cada uma das idéias;

• assinalar as relações de sentido (oposição, restrição, alternativa, correlação, adição, causa,

conseqüência, etc).

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Metodologia Científica NORMAS

b) Plano de redação:

Corresponde à estruturação do texto, compreendendo o encadeamento natural das idéias, o

estabelecimento das relações lógicas entre as partes (frases, períodos, parágrafos) e da unidade final do

conjunto (coerência temática).

c) Delimitação do tema:

Refere-se à interpretação e ao tratamento que o redator dá a um determinado assunto desenvolvido no

texto.

Partes do Texto

Tenha também atenção no desenvolvimento de cada uma das partes do texto. Essas são orientações que

podem lhe ajudar:

a) Introdução:

• Idéia Principal (tópico frasal);

• Definição do tema e delimitação por meio da formulação do tópico frasal;

• Principal ponto de vista (tese) a ser apresentado e /ou defendido;

• Estabelecimento de um objetivo: para que escreverei este texto? Que efeito pretende atingir?

• Apresentação das idéias essenciais à sustentação da tese (ponto de vista) a ser defendida;

• Parágrafo-síntese das idéias a serem desenvolvidas;

• Fatos-exemplos.

b) Desenvolvimento:

• Idéias secundárias ou argumentos de apoio;

• Seleção e desenvolvimento das idéias que possam sustentar a tese apresentada e que sejam

adequadas ao objetivo exposto na introdução.

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c) Conclusão:

• Reafirmação do ponto de vista: o que fazer; porque fazer;

• Argumentação: como fazer;

• Parágrafo-síntese (conclusivo);

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Formas de Comunicação e informação Científica

Artigo

Artigos são comunicações escritas, publicadas em revistas especializadas, com o objetivo de divulgar

junto à comunidade científica os resultados, ainda que parciais, de pesquisas em uma área específica. Os

artigos não costumam ser muito extensos, variando de 5 a, no máximo, 30 páginas. Quem define o

tamanho de um artigo e a sua formatação básica é, geralmente, o editor ou editores da revista na qual

ele será publicado.

Monografia

Uma monografia é um trabalho escrito, sistemático e completo sobre um determinado tema, geralmente

fruto de uma pesquisa rigorosa. Uma monografia deve ter um tema claramente definido, apresentar o

resultado de uma pesquisa pormenorizada, detalhada e aprofundada sobre o tema e que traga

contribuições importantes para a área de conhecimento a que se refere.

Ao longo de seus estudos, um estudante costuma passar por três tipos de monografia:

• monografia de graduação: é o resultado de uma pesquisa realizada ao final de sua graduação;

• dissertação: mais aprofundada que uma monografia de graduação, é o resultado de uma

pesquisa de mestrado;

• tese: mais aprofundada que uma monografia de graduação e mais extensa que uma dissertação

de mestrado, é o resultado de uma pesquisa de doutorado.

A estrutura interna de um texto monográfico varia muito de acordo com a área do conhecimento a que se

refere. Ou seja, para saber exatamente como você deverá fazer sua monografia ao final de seu curso,

você deverá ter conversado bastante sobre ela com seus professores para saber o que a área do seu

curso espera de uma monografia. Em linhas gerais, ela segue a estrutura básica de um relatório:

• uma introdução explicitando os objetivos, a justificativa e o objeto da pesquisa;

• a metodologia utilizada ;

• a apresentação dos dados e sua análise;

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Metodologia Científica NORMAS

• a interpretação dos resultados obtidos;

• as conclusões a que se chegou.

Você pode encontrar exemplos de monografias em diversos sites da Internet, sugerimos os seguintes:

- Banco de teses da UnB

- Site do IBICT - teses brasileiras

Periódicos, anais e revistas impressas e eletrônicas

Periódico é todo tipo de publicação regular, como revistas e jornais. Eles têm uma função importante na

circulação de informações atualizadas nas comunidades científicas, por meio da publicação de artigos.

Atualmente, com o crescimento da Internet, já encontramos muitos periódicos circulando em meio

eletrônico. Algumas instituições, inclusive, já não publicam mais seus periódicos em papel, optando

exclusivamente pela reprodução em meio virtual.

Anais são um tipo de publicação que reúne resumos de trabalhos apresentados em eventos científicos,

como congressos, encontros e reuniões. Muitos eventos também estão deixando de publicar seus anais

em papel, passando a adotar os anais eletrônicos, publicados em CD-ROM ou disponibilizados na

Internet.

Relatório

O relatório é a redação dos resultados de uma pesquisa. Sua função se assemelha à do artigo científico,

mas sua utilidade é a de uma comunicação mais técnica e, portanto, bem mais detalhada. Normalmente,

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usa-se fazer relatórios ao longo de uma pesquisa para prestar contas à agência de fomento que estiver

financiando as investigações. Uma pesquisa comporta, portanto, relatórios parciais e um relatório final.

Práticas didáticas, como estágio, também demandam relatórios.

Na elaboração de um relatório, é fundamental apresentar alguns itens de conteúdo como:

• uma introdução explicitando os objetivos, a justificativa e o objeto da pesquisa ou ação que está

sendo relatada;

• a metodologia utilizada até o momento do relatório;

• a apresentação dos dados e sua análise;

• a interpretação dos resultados obtidos;

• as conclusões a que se chegou e recomendações para encaminhamento futuro.

Exemplos:

- Relatório de Atividades 2000 do CNPq

- Relatório da II Avaliação Institucional do PIBIC

Seminário

De acordo com Hühne (2000), o objetivo fundamental de um seminário é a apresentação para debate de

um estudo aprofundado de uma questão. Isto implica que, quando formos participar de um seminário,

devemos providenciar:

• um estudo aprofundado que não se restrinja às características de um fichamento;

• um estudo com vistas à comunicação e discussão;

• um estudo que só pode ser bem debatido se partir de um texto-roteiro, preferencialmente

entregue aos demais participantes.

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Metodologia Científica NORMAS

Para isso, Hühne sugere as seguintes tarefas:

1. Tarefas em grupo

• problematização do tema (geralmente introduzido pelo professor);

• estabelecimento de um cronograma que preveja:

• encontro do grupo para analisar a lista bibliográfica (levantamento e seleção de livros);

• encontro para discussão da problemática à luz das fichas de leitura dos integrantes do grupo

(todos já deverão ter lido e fichado os textos);

• encontro para elaboração de um texto-roteiro para o seminário (que deve ser distribuído depois

aos estudantes da turma);

• encontro para operacionalizar a apresentação do seminário (recursos audiovisuais, técnicas de

grupo etc.).

2. Tarefas individuais

• elucidação do tema ou do texto (ver sua parte no grupo);

• leitura e fichamentos;

• situar a sua parte no contexto do grupo.

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Organização da Informação

Esquema

O esquema é um registro gráfico (bastante visual) dos pontos principais de um determinado conteúdo.

Não há normas para elaboração do esquema, ele deve ser um registro útil para você, por isso, é você

quem deve definir a melhor maneira de fazê-lo. Um bom esquema, porém, deve:

• evidenciar o esqueleto do texto (ou da aula, do filme, da palestra etc.) em questão, apresentando

rapidamente a organização lógica das idéias e a relação entre elas;

• ser o mais fiel possível ao texto, limitando-se a reproduzir e compreender o conteúdo

esquematizado.

Algumas dicas úteis para um esquema, segundo Hühne (2000) são:

• após a leitura do texto, dar títulos e subtítulos às idéias identificadas no texto, anotando-os nas

margens;

• colocar esses itens no papel como uma seqüência ordenada por números (1, 1.1, 1.2, 2 etc.)

para indicar suas divisões;

• utilizar símbolos para relacionar as idéias esquematizadas, como setas para indicar que uma idéia

leva à outra, sinais de igual para indicar semelhança ou cruzes para indicar oposição etc.;

• é igualmente útil utilizar chaves ({) ou círculos para agrupar idéias semelhantes.

Não importa que códigos você usa no seu esquema, pois ele é do seu uso pessoal . O importante é que

ele seja útil a você, ou seja, lhe permita recuperar rapidamente o argumento e as idéias de um texto com

uma simples visualização.

Resumo

Resumir é apresentar de forma breve, concisa e seletiva um certo conteúdo. Isto significa reduzir a

termos breves e precisos a parte essencial de um tema. Saber fazer um bom resumo é fundamental no

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Metodologia Científica NORMAS

percurso acadêmico de um estudante, em especial por lhe permitir recuperar rapidamente idéias,

conceitos e informações com as quais ele terá de lidar ao longo de seu curso.

Em geral, um bom resumo deve ser:

• breve e conciso - no resumo de um texto, por exemplo, devemos deixar de lado os exemplos

dados pelo autor, detalhes e dados secundários;

• pessoal - um resumo deve ser sempre feito com suas próprias palavras. Ele é o resultado da sua

leitura de um texto;

• logicamente estruturado - um resumo não é apenas um apanhado de frases soltas. Ele deve

trazer as idéias centrais (o argumento) daquilo que se está resumindo. Assim, as idéias devem

ser apresentadas em ordem lógica, ou seja, como tendo uma relação entre elas. O texto do

resumo deve ser compreensível.

O resumo tem várias utilizações. Isto significa também que existem vários tipos de resumos. Você irá

encontrar resumos como parte de uma monografia, antes de um artigo, em catálogos de editoras, em

revistas especializadas, em boletins bibliográficos etc. Por isso, antes de fazer um resumo você deve

saber a que ele se destina, para saber como ele deve ser feito. Em linhas gerais, costuma-se dizer que há

três tipos usuais de resumo:

• o resumo indicativo

• o resumo informativo

• o resumo crítico (ou resenha).

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Metodologia Científica NORMAS

Resumo indicativo ou descritivo

Também conhecido como abstract (resumo, em inglês), esse tipo de resumo apenas indica os pontos

principais de um texto, sem detalhar aspectos como exemplos, dados qualitativos ou quantitativos etc.

Um bom exemplo desse tipo de resumo são as sinopses de filmes publicadas nos jornais. Ali você tem

apenas uma idéia do enredo de que trata o filme.

Resumo informativo ou analítico

Também conhecido, em inglês, como summary, esse tipo de resumo informa o leitor sobre outras

características do texto. Se o texto é o relatório de uma pesquisa, por exemplo, um resumo informativo

não diz apenas do que trata a pesquisa (como seria o resumo indicativo), mas informa as finalidades da

pesquisa, a metodologia utilizada e os resultados atingidos. Um bom exemplo disso são os resumos de

trabalhos científicos publicados nos anais de congressos, como os da SBPC. (link para os resumos da

SBPC: http://200.177.98.67/sbpc/53a/lista.exe?TIPO=RA) A principal utilidade dos resumos informativos

no campo científico é auxiliar o pesquisador em suas pesquisas bibliográficas. Imagine-se procurando

textos sobre seu tema de pesquisa. Quais você deve realmente ler? Para saber isso, procure um resumo

informativo de cada texto.

Resumo crítico, recensão ou resenha

Este é, provavelmente, o tipo de resumo que você mais terá de fazer a pedido de seus professores ao

longo do seu curso. O resumo crítico é uma redação técnica que avalia de forma sintética a importância

de uma obra científica ou literária.

Quando um resumo crítico é escrito para ser publicado em revistas especializadas, é chamado de

Resenha. Ocorre que, por costume, os professores tendem a chamar de resenha o resumo crítico

elaborado pelos estudantes como exercício didático. A rigor, você só escreverá uma resenha no dia em

que seu resumo crítico for publicado em uma revista. Até lá, o que você faz é um resumo crítico.

Mas não deixam de estar certos os professores que dizem que resenha não é resumo. A resenha (ou

resumo crítico) não é apenas uma resumo informativo ou indicativo. A resenha pede um elemento

importante de interpretação de texto.

Uma boa resenha depende de uma boa leitura

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Metodologia Científica NORMAS

Você só fará uma boa resenha se tiver lido um texto ao menos até a quarta etapa de leitura, na

classificação sugerida por Antônio Severino.

Por isso, antes de começar a escrever seu resumo crítico você deve se certificar de ter feito uma boa

leitura do texto, identificando:

• o tema tratado pelo autor

• o problema que ele coloca

• a posição defendida pelo autor com relação ao problema

• os argumentos centrais e complementares utilizados pelo autor para defender sua posição

Uma vez tendo identificado todos esses pontos, que devem estar retratados no seu esquema do texto,

você já tem material para escrever metade do seu resumo crítico. Este material já é suficiente para fazer

um resumo informativo, mas, para um resumo crítico, falta a crítica, ou seja, a sua análise sobre o texto.

E o que é esta análise?

Analisar é ampliar o conhecimento

A análise é, em síntese, a capacidade de relacionar os elementos do texto lido com outros textos, autores

e idéias sobre o tema em questão, contextualizando o texto que está sendo analisado. Para fazer a

análise, portanto, certifique-se de ter:

• informações sobre o autor, suas outras obras e sua relação com outros autores;

• elementos que contribuam para um debate acerca do tema em questão;

• condições de escrever um texto coerente e com organicidade.

Agora é só escrever...

A partir daí você pode escrever um texto que, em linhas gerais, deve apresentar:

a) nos parágrafos iniciais, uma introdução à obra resenhada, apresentando:

• o assunto/ tema;

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Metodologia Científica NORMAS

• o problema elaborado pelo autor;

• a posição do autor diante deste problema.

b) o desenvolvimento, a apresentação do conteúdo da obra, enfatizando:

• as idéias centrais do texto;

• os argumentos e idéias secundárias.

c) a conclusão, apresentado sua crítica pessoal, ou seja:

• uma avaliação das idéias do autor frente a outros textos e autores;

• uma avaliação da qualidade do texto, quanto à sua coerência, validade, originalidade,

profundidade, alcance etc.

É bom lembrar que esses passos não são uma norma rígida. Esta é a estrutura usual de resenhas, mas

como a resenha é um texto escrito para publicação em revistas especializadas, cada revista cria suas

próprias regras. Questões como onde escrever o nome do resenhista (se abaixo do título, no final, a

quantos centímetros da margem), quantos parágrafos utilizar, o número mínimo e máximo de linhas, a

utilização de tópicos e subtítulos etc., tudo isso é definido pela revista que for publicar a resenha. Por

isso, sempre que um professor pedir para você fazer uma "resenha", (um resumo crítico, já que não será

publicado) você deve pedir que ele lhe dê esses parâmetros. Se o professor não se pronunciar, sinta-se

livre para decidir como apresentar a resenha, desde que respeitando a estrutura geral apresentada aqui e

as normas de bom senso para redação de trabalhos acadêmicos.

Fichamento

O fichamento é uma forma de investigação que se caracteriza pelo ato de fichar (registrar) todo o

material necessário à compreensão de um texto ou tema. Para isso, é preciso usar fichas que facilitam a

documentação e preparam a execução do trabalho. Não só, mas é também uma forma de

estudar/assimilar criticamente os melhores textos/temas de sua formação acadêmico-profissional.

Um fichamento completo deve apresentar os seguintes dados:

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Metodologia Científica NORMAS

• indicação bibliográfica - mostrando a fonte da leitura (cf. ABNT 6023 / 2002).

• apresentação do(a) autor(a) da obra - Informações sobre formação, profissão, nacionalidade

etc.

• resumo - sintetizando o conteúdo da obra. Trabalho que se baseia no esquema (na introdução

pode-se fazer uma pequena apresentação histórica ou ilustrativa);

• citações - apresentando as transcrições significativas da obra (entre aspas e paginado);

• comentários - expressando a compreensão pessoal e crítica do texto, baseando-se ou não em

outros autores e outras obras;

• ideação - colocando em destaque as novas idéias que surgiram durante a leitura reflexiva.

Fichário

O fichário não é mais do que o espaço no qual você armazena, classificadamente, as fichas produzidas

por seus fichamentos.

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Pesquisa Bibliográfica

Muito bem, você tem um tema sobre o qual deseja conhecer algo! Isso acontecerá várias vezes ao longo

de sua passagem pela Universidade. Você pode ter que preparar um seminário ou elaborar um trabalho

de fim de curso. Ou ainda estar começando a montar seu projeto de pesquisa. E então, como fazer para

selecionar o material mais adequado com o qual começar a trabalhar?

Uma ferramenta muito útil nesses casos é a pesquisa bibliográfica. Ela consiste em você procurar todo

tipo de documento que melhor se adapte ao tema que está buscando. Para desenvolvê-la com sucesso

você necessita do auxílio de bases de dados.

Bases de dados são ferramentas de pesquisa que dão acesso a diversos tipos de textos. Para aproveitar

bem uma biblioteca, é fundamental que você saiba utilizar uma base de dados, pois é com ela que você

saberá utilizar o acervo da biblioteca, bem como poderá encomendar cópias de artigos de periódicos

vindos de outras bibliotecas.

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Metodologia Científica NORMAS

Projeto de Pesquisa

Não há uma norma rígida para a formatação e estruturação de um projeto de pesquisa. Há, contudo,

algumas definições que devem ser observadas, bem como alguns conteúdos imprescindíveis. Neste

sentido, apresentamos aqui uma proposta elementar de estruturação de projeto que deve servir como

orientação para o estudante.

Definições

• é uma proposta teórica, prévia, formulada a respeito de determinado assunto;

• é a previsão de todas as etapas da pesquisa;

• este deve responder às questões: o quê? Por que? Para quê? Para quem? Onde? Como? Com

quê? Quando? Quem? Com quantos?

Passos para elaboração do projeto

1. DELIMITAÇÃO DO TEMA - escolha sobre o que versará o trabalho.

• Requer clareza a respeito do campo do conhecimento a que pertence o assunto;

• Deve determinar o lugar que ocupa no tempo e no espaço.

2. JUSTIFICATIVA - menciona-se a pretensão do trabalho e seu valor nos seguintes aspectos:

• Relevância científica: o que essa pesquisa pode acrescentar à ciência?

• Relevância social: que benefício pode trazer à comunidade?

• Interesse: o que levou à escolha do tema?

• Viabilidade: quais as possibilidades concretas dessa pesquisa?

3. DELIMITAÇÃO E ENUNCIADO DO PROBLEMA

• Situá-lo no tempo e no espaço, localizando as fontes de origem;

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Metodologia Científica NORMAS

• O problema deve ser formulado de forma interrogativa;

• O problema deve ser claro e preciso;

• O problema deve ser delimitado a uma dimensão viável.

4. FORMULAÇÃO DE HIPÓTESE

• Idéia geral a ser comprovada no decorrer da pesquisa;

• São respostas provisórias, anteriores à pesquisa;

• Deve ser fundada em conhecimento prévio;

• Deve ser verificável;

• É formulada por uma afirmação.

5. ELABORAÇÃO DOS OBJETIVOS - os objetivos representam o ponto de chegada em relação

ao teste da hipótese e indicam o que é pretendido com o desenvolvimento da pesquisa.

• Objetivo geral: significa traçar as principais metas que nortearão a pesquisa.

• Objetivos específicos: cada objetivo específico atinge um ponto de vista do tema, um ângulo a

ser pesquisado.

6. DEFINIÇÃO DA METODOLOGIA - representa a descrição formal dos métodos e técnicas a

serem utilizados na pesquisa. Define os seguintes aspectos:

• O caminho a ser percorrido: métodos de abordagem e método de procedimentos;

• Os instrumentos de pesquisa a serem utilizados;

• Delimitação do universo da pesquisa;

• Delimitação e seleção da amostra.

7. REFERÊNCIAS TEÓRICAS

• Exige capacidade de elaboração própria e espírito crítico;

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Metodologia Científica NORMAS

• Contribui com informações inovadoras, acrescentando algo novo ao conhecimento já existente;

• Requer um levantamento bibliográfico cuidadoso, para analisar as contribuições já expressas

acerca do assunto, capazes de esclarecer o fenômeno investigado.

8. CRONOGRAMA

• É a previsão do ritmo de desenvolvimento da pesquisa, esclarecendo acerca do tempo necessário

para cada uma das fases.

9. PREVISÃO DE RECURSOS

• Levantar e arrolar os recursos materiais e humanos, indicando a proveniência dos mesmos.

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Metodologia Científica NORMAS

Referência Bibliográfica

Nenhum texto científico sai da cabeça de um autor isolado no mundo. Quando você escreve um projeto

de pesquisa, um trabalho de fim de curso, uma monografia etc., você está se referindo constantemente a

textos de outros autores. É fundamental que você facilite ao leitor do seu trabalho poder encontrar os

textos com os quais você está estabelecendo um diálogo. A maneira mais simples é oferecer, ao final do

seu trabalho, uma lista das obras utilizadas para compô-lo.

Para tornar a coisa mais simples, permitindo a qualquer um identificar rapidamente o título da obra, o

autor, a editora e demais dados, convencionou-se um padrão para fazer a referência de qualquer obra.

Essa convenção está escrita na forma de uma norma técnica (NBR 6023/2000) da Associação Brasileira

de Normas Técnicas (ABNT). Por meio dessa norma, é possível fazer uma referência de maneira muito

compacta, observe:

KUHN, Thomas. Posfácio. In: ______ A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,

1999.

Ao longo de sua trajetória na Universidade, você terá que citar muitos textos e autores importantes para

seus trabalhos. Por isso, é importante conhecer a NBR 6023 e fazer referências bibliográficas com base

nela. Você não precisa decorar estas normas, mas deve sempre consultá-las para fazer suas referências.

Com o tempo você lembrará, de cabeça, o essencial. Existem muitas fontes onde você pode encontrar a

norma para referências bibliográficas.

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Metodologia Científica Glossário

Glossário

A

A FORTIORI: Latin. Por força da expressão.

ABSENTEÍSTA: abstencionista; diz-se daquele que se abstém de participar, opinar, votar, etc.

AFERIÇÃO: verificação; conferição; ação de avaliar, comparar, cotejar, medir

ALQUIMISTA: Praticante da alquimia, arte química com caráter mais ou menos esotérico, praticada na

Idade Média e no renascimento. Procuravam a partir da manipulação dos elementos formulas para

alcançar a sabedoria, a verdade absoluta (pedra filosofal) a vida eterna e assim por diante. Muitos

alquimistas morreram nas chamas da Sagrada Inquisição.

ANTROPOLOGIA: Ciência cuja finalidade é estudar o homem em suas diversas manifestações culturais.

ARBITRARIEDADE: Ação ou procedimento arbitrário. Que independe de lei ou regra e que resulta do

arbítrio ou do capricho de alguém. Imposição.

ATOMISMO LÓGICO: Sistema de pensamento de caráter pluralista baseado na idéia de o mundo ser

constituído por unidades que possuem cada uma delas liberdade interna.

AXIOMAS: Proposições fundamentais que não admitem questionamento. Valores, princípios.

B

BOM SENSO:sabedoria; juízo claro.

C

CABALISTAS: Os que professam a Cabala, sistema de interpretação da cultura judaica baseado na

leitura do Antigo Testamento, fundamentado num método esotérico.

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Metodologia Científica Glossário

CETICISMO: Sistema de pensamento que parte de negar toda e qualquer possibilidade de

conhecimento.

COGNOSCÍVEL: que se pode conhecer.

CONHECIMENTO: Resultado da observação feita por um sujeito sobre um objeto. Entre tanto, o

resultado não é nem obvio nem simples. O Conhecimento é o processo mediante o qual apreendemos a

complexidade do mundo. Neste sentido todo conhecimento é uma maneira de reduzir a complexidade,

criando uma descrição com sentido do todo ou das partes. As discussões sobre o conhecimento são

estudadas pela epistemologia e a gnosiologia.

CONHECIMENTO COMUM: modalidade de conhecimento caracteristicamente prática; conhecimento

tradicional de uma dada sociedade; bom senso.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO: Um tipo de conhecimento entre outros que se caracteriza pelo uso dos

métodos e critérios de produção de conhecimento legitimados por uma comunidade de cientistas.

COQUETEL: O "coquetel" consiste na administração simultânea de três drogas potentes contra o vírus

para diminuir a ação do mesmo. O "coquetel" não cura a AIDS, mas pode torná-la crônica, dando ao

indivíduo capacidade para uma vida normal, inclusive para o trabalho.

COSMOVISÃO: compreensão específica do mundo natural e social que cerca uma pessoa.

CULTURAS DO DESERTO: Culturas semitas.

CULTURAS MODERNAS: Culturas européias dos séculos XVII a XX.

D

DEDUTIVO: Procedimento lógico de produção de conhecimento que parte de proposições gerais para

extrair delas proposições particulares. É o contrario a Indução.

DIALÉTICA: Sistema de pensamento que se concentra no caráter dinâmico da realidade. Toda realidade

muda constantemente a partir da relação entre suas partes. A toda realidade (tese) se opõe sua contrária

(antítese), desta luta, emerge uma nova realidade (síntese). Há dialéticas idealistas e materialistas.

Hegel e Marx encarnam os mais altos expoentes destas duas vertentes da dialética.

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Metodologia Científica Glossário

DOGMA: Em sentido religioso, dogma é toda verdade contida nas proposições da palavra de Deus e

enunciada pela Igreja. Filosoficamente, dogma assume o caráter de opinião filosófica, isto é, de opinião

referida a princípios sem ter em conta os fatos, opinião que deriva diretamente dos conceitos sem ter

sido construída O dogma é tido como verdadeiro a priori, ele se torna inquestionável.

DOGMATICO: Que adere de maneira irrestrita, acrítica, a princípios aceitos como indiscutíveis.

DOUTRINA: Conjunto de princípios que estão na base de um sistema de pensamento, seja este

religioso, filosófico, científico, político etc.

DUALIDADE: Unidade composta por dois pólos que podem manter relações de diversos tipos: de

complementaridade (A complementa B e B complementa A), de oposição (A nega ou se opõe a B), de

separação (A é diferente ou separado de B). As dualidades são dinâmicas apresentando cada uma delas

mais de um tipo de relação mantendo assim, um alto grau de complexidade interna. Exemplos de

dualidades na história do pensamento: Indivíduo-sociedade, corpo-mente, parte-todo, amor-odio,

matéria-espírito, onda-partícula.

E

EMPÍRICO: que se baseia somente na experiência e não no estudo.

EMPIRISMO: doutrina filosófica que assume que todo o conhecimento é um produto de experiências

sensoriais. Sistema de pensamento que parte da experiência e dos sentidos para adquirir conhecimento.

O Mundo dos objetos é, para os empíricos, completamente real e é nele que se deve procurar, através

dos sentidos, a verdade das coisas.

ESOTERICO: Tipo de conhecimento reservado aos iniciados em uma ciência ou saber. Saber oculto do

povo ou saber sagrado.

ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA: aprofundamento do conhecimento científico sobre um (ou vários)

objeto(s) permitindo sua compreensão em profundidade, mas não necessariamente em extensão.

ESTIGMATIZAÇÃO: condenação, marca; opinião negativa ou depreciativa imposta sobre uma pessoa ou

grupo de pessoas que portam características específicas que as diferenciam das demais.

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Metodologia Científica Glossário

ESTRUTURALISMO: Sistema de pensamento criado no século XX que se fundamenta na idéia de que o

conhecimento da realidade se realiza plenamente apenas quando atinge nela elementos constituintes em

nível de constantes supratemporais e supra-espaciais: a estrutura dos fenômenos se encontra nas

invariantes que são a essência dos fenômenos como uma ordem subjacente que determina, que da

estrutura aos próprios fenômenos.

F

FAISÕES DE LÉOGORAS: Leógoras era conhecido na Grécia por ser amigo do luxo e da boa mesa. Os

faisões são aqui uma alusão a um banquete.

FATO CIENTÍFICO: descrição ou explicação de uma coisa ou fenômeno em termos científicos.

FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS: São o grupo de filósofos gregos anteriores a Sócrates (Século IV a.C.)

Entre eles estão: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Heráclito, Parmênides, Pitágoras,

Demócrito, entre outros.

FUNCIONALISMO: Sistema de pensamento criado no século XX . O paradigma funcionalista se propõe

ver as relações entre as partes e o todo. Mas, concentra-se nas funções que cada uma das partes realiza

para que o todo seja confirmado. A organização das partes no todo sistêmico a partir das suas funções é

premissa fundamental do paradigma funcionalista, mas, com ênfase nas mudanças dentro do sistema. Os

funcionalistas vêm o sistema como um todo dinâmico que sofre mudanças internas, na medida em que as

partes mudam de função adaptando o sistema.

G

GNOSIOLOGICO: Referente ao conhecimento, à teoria do conhecimento, à epistemologia.

H

HEGEMÔNICA(O): Adjetivo de Hegemonia. Preponderância, supremacia, superioridade, de um indivíduo,

uma classe social, um povo sobre outros.

HEREGE: Que professa doutrina contrária ao que foi definido pela igreja como sendo matéria de fé

HERMENÊUTICA: Sistema de pensamento que se fundamenta na expressão e interpretação do

pensamento. Arte da interpretação de textos, foi milenarmente utilizada para a leitura de textos

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Metodologia Científica Glossário

sagrados. Hoje adquiriu uma conotação mais ampla, pois a hermenêutica se aplica a todo conhecimento

humano.

HETEROGENEIDADE: Antônimo de Homogeneidade. Que é de diferente natureza. Que apresenta

variedade de aspectos ou possibilidades. Diferente, múltiplo, relativo.

HIPERTROFIA: aumento de tamanho de um órgão ou de parte do organismo; desenvolvimento

excessivo.

HOLISTA: Paradigma ou visão de mundo que entende que o todo está relacionado com as partes de

maneira íntima, ao ponto de aceitar que cada parte reflete o todo.

I

INDUTIVO: Antônimo de dedutivo. Procedimento lógico que vai do particular ou individual, acumulando

evidencias até chegar ao universal ou geral.

INFERÊNCIA CIENTÍFICA: indução científica; suposições formuladas em termos científicos.

INOCUIDADE: que não faz dano; inocente; inofensivo.

M

MANIQUEÍSMO: Sistema de pensamento fundado por Mani (s.III) segundo a qual, o universo é

dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, o e mal absoluto ou

diabo. Estas dicotomias permearam o cristianismo medieval.

MARXISMO: No sentido amplo: a doutrina de Karl Marx. Abarca o materialismo histórico e o dialéctico e

a aplicação de ambos à vida social. No sentido restrito: crítica do capitalismo que tem como fundamento

uma cosmovisão elaborada pelo materialismo dialéctico e histórico.

MECANICISMO: Sistema de pensamento fundada na idéia de que o universo físico-natural é

basicamente uma máquina. René Descartes (S.XVII) foi um dos defensores deste sistema que foi

acolhido pelos cientistas da época que o desenvolveram até sintetiza-lo na física de Newton. O

mecanicismo propõe o domínio da natureza mecânica por parte do homem.

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Metodologia Científica Glossário

METAFISICA(O): Saber que pretende penetrar a realidade para alem do físico, isto é, dos estudos

referentes à natureza. A metafísica transcende o saber físico-natural. Ocupa-se do ser em seus

princípios, por isso a metafísica é conhecida como ciência do ser.

MÉTODO(S): ordem que se segue na investigação da verdade ou para alcançar um fim determinado;

modo de proceder próprio a cada ciência; Latim - methodus, do grego - méthodos, de meta, objetivo,

finalidade.

MÉTODO CIENTÍFICO: Regras ou Procedimentos que um cientista tem em conta no processo de

produção de conhecimento.

MONOTEISTA: Sistema religioso baseado na existência de um só Deus.

MITO: Narrativa de significação simbólica, geralmente ligada à cosmogonia e referente a deuses ou

personagens heróicas que encarnam as forças da natureza e ou/aspectos da condição humana.

N

NEOPOSITIVISMO: Este é decorrência histórica do Positivismo. Os neopositivistas fazem uma critica

dos dogmas e dos aspectos ideológicos contidos no positivismo de Auguste Comte. Especialmente Karl

Popper, (s.XX) se destaca como um dos mais rigorosos neopositivistas. Ele superou a teoria positivista da

objetividade e da neutralidade cientificas ao propor como critério de cientificidade a falsificabilidade das

teorias, expondo assim, o caráter provisório das teorias científicas.

NOMINALISMO: Sistema de pensamento que chamou a atenção para o fato de que os conceitos são

arbitrários, isto é, que eles são dados às coisas e não as coisas mesmas. Assim os universais não

existem. Só têm existência os particulares. Ockham (s.XIV) foi, no final da idade media um defensor do

nominalismo.

O

ÓBOLO: pequena moeda grega; esmola.

ONTOLOGIA: É a parte da filosofia que estuda o Ser em geral e suas propriedades transcendentais.

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Metodologia Científica Glossário

ORTODOXO: Antônimo de heterodoxo. Que está de conformidade com os princípios de uma doutrina,

religiosa, filosófica ou científica. Conservador. Que conserva ou respeita, ou mantém vigentes os

princípios, as tradições, as normas sem questioná-las ou tentar mudá-las.

P

PARADOXAL: Figura de pensamento que consiste em empregar expressões ou frases que envolvem

contradição.

PERSONALISMO: Sistema de pensamento segundo o qual o mundo é constituído por uma pluralidade

de espíritos finitos, que no seu conjunto, formam uma ordem ideal em que cada um deles conserva sua

autonomia.

POLITEISTA: Sistema religioso baseado na existência de muitos Deuses.

POSITIVISMO: Sistema de pensamento sintetizado por Auguste Comte (s.XIX) segundo o qual todo

conhecimento deve estar fundamentado na experiência e nos fatos. Propõe que o mundo físico e social é

ordenado e que o cientista deve descobrir as leis de tal ordem. O Positivismo adota o mecanicismo de

Descartes. São sistemas complementares.

PRAGMATISMO: filosofia baseada na concepção de que a verdade de uma doutrina deve ser julgada

pelas suas conseqüências práticas.

Q

QUIMÉRICO: Que não existe, ilusório, fantástico.

R

RACIONALISMO: Sistema de pensamento que parte da supremacia do sujeito sobre o objeto e em

particular da supremacia da razão sobre a percepção. Nada existe se não a partir da razão. Descartes, ao

afirmar, "penso, logo existo", deixou plasmado o axioma básico do racionalismo: pode-se duvidar de

tudo, menos da existência da nossa razão. Se podemos pensar, então existimos e existe tudo.

S

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Metodologia Científica Glossário

SEMITAS: Família etnográfica e lingüística originária da Ásia Ocidental e que compreende os hebreus ,

os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes entre outros. Os povos referenciados no Antigo

Testamento são os povos semitas.

SENSO COMUM: conhecimento de aplicação prática; opinião compartilhada pelos membros de uma dada

sociedade; conhecimento tácito.

SISTEMAS DE PENSAMENTO: paradigmas, escolas. Ex: O realismo, O idealismo, O racionalismo.

SUBSERVIENTE: que serve às ordens de outrem; condescendente.

SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: Termo sociológico que se refere a um tipo de sociedade na qual o

principal valor de troca é a informação e o conhecimento. O mundo globalizado, dominado cada vez mais

pelas tecnologias da informação e telemáticas, costuma ser chamado sociologicamente de "sociedade do

conhecimento".

SOFISTAS: Escola de filósofos gregos que partia da negação do conhecimento absoluto, da verdade

universal. Para os sofistas todo conhecimento era relativo a pessoa, ao lugar e à época. Eles eram

relativistas. Tornaram-se inimigos de Sócrates e Platão. Os sofistas ensinavam a retórica, arte do bem

dizer, com a qual os cidadãos gregos pretendiam seduzir aos seus contemporâneos na prática da política.

T

TÉCNICA(S): conjunto de procedimentos práticos de uma arte ou ciência para se obter determinados

efeitos ou resultados materiais.

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Metodologia Científica Referências

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Metodologia Científica Referências

Eletrônicas

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A Casa de Rubem Alves

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A Despedida de Bourdieu, o Último Trovão Francês - Reportagem do Jornal Estado de São Paulo, de

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A Doença de Chagas (MiocardNet)

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A Hermenêutica

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A Vida de Sócrates (Psicosaber)

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Aids: Síndrome Reinventada

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Altavista - Site de Busca

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Antropologia e Multiculturalismo

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Aristófanes

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Base de Conhecimento sobre HIV/Aids

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Behaviorismo - Artigos Diversos

http://pages.apis.com.br/psicologia/Behaviorismo.htm

Bertrand Russell

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Biografia de Homero (Projeto PROIN do Instituto de Letras da UFRGS)

http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/autores2/index33.html

Cade - Site de Busca

http://www.cade.com.br

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

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Carl Gustav Jung e a Psicologia Analítica, por Carlos Guimarães

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Chat com Evelyn Torrence - Realizado pelo Terra, em 26/02/2001

http://chat.terra.com.br/chat/evelyntorrence.htm

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Ciências Sociais

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Clonagem de Animais e de Humanos

http://www2.triang.com.br/waldolar/Clonagem.htm

Clonagem Humana: Aspectos Científicos e Éticos - Artigo de Sérgio Pena

http://www.biotecnologia.com.br/bio/11_j.htm

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

http://www.cnpq.br/

Copérnico - O Filósofo do Céu

http://www.terra.com.br/voltaire/artigos/copernico.htm

Descartes

http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm

Diretoria do Programa de Pesquisa da UCB

http://www.ucb.br/pesquisa/hp/openprincipal.htm

Dualismo

http://sites.uol.com.br/e.terranova/dualismo.htm

Edgar Morin - Entrevista

http://www.geocities.com/complexidade/demoni.html

Émile Durkheim - De Danielle Lalo De Mauro

http://www.netwaybbs.com.br/clientes/brunols/emile.htm

Émile Durkheim - De José Arthur Giannotti

http://www.usina01.hpg.com.br/Durkheim.html

Empirismo

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Evans-Pritchard

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Francis Bacon - Breve Biografia

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Fritjof Capra - Biografia

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Fritjof Capra - O Ponto de Mutação

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Galileo Galilei

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Google - Site de Busca

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Guia Virtual das Ciências Sociais

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Heliocentrismo

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Heráclito: O Pensador do Logos - Artigo de Orsely Brito

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Histórico da Tridimensionalidade

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Homem, Medida de Todas as Coisas - Artigo de Hugo Carvalho

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Humberto Maturana - Entrevista de Omar Sarrás Jadue com o cientista chileno

http://www.tierramerica.net/2000/1119/ppreguntas.html

Idade Média

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Informações sobre o Dióxido de Carbono

http://www.pessoal.bridge.com.br/alquimia/alq1/dioxido.htm

Isaac Newton - Biografia

http://www.terravista.pt/bilene/3250/newton.htm

Islamismo

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Johannes Kepler - Biografia

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John Duns Scotus - Biografia

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Kurt Gödel - Biografia

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Monismo

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Montesquieu - Biografia

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Mr. Mind - Jogos, Humor, Passatempos e Magia http://www.gesbanha.pt/lazer/magia/mindcave.htm

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Metodologia Científica Referências

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Nominalismo

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O Mundo em Crise: Economia, Ecologia e Energia - Artigo de Francisco Fonseca

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O Planeta Júpiter

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O Positivismo - Características Gerais

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O Universo de Aristóteles e Ptolomeu

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O Valor da Vida: Uma Entrevista Rara de Freud - De Carmem da Costa Barbosa

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O Vaticano

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Os Deuses da Ciência: Hipocrisia Científica X Ética Profissional - Artigo de Gláucia Andrade

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Paideia - Site sobre Cultura, Arte, Educação, Diversão e Conhecimento

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Parmênides de Eleia (Rotas Filosóficas)

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Penso, Logo Existo - Página da Turma da Mônica

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Plotino e o Neoplatonismo - De Carlos Antônio Fragoso Guimarães

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Pré-Socráticos - Uma Leitura Poética

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Raios! Apagaram o Governo - Artigo de Carlos Pimentel Mendes

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René Descartes - Biografia

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Revista Morasha - Judaísmo Virtual

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Rubem Alves

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Sala de Física - Biografias Diversas

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Metodologia Científica Referências

Tomás de Aquino

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Transcendendo: Corpo - Vivendo de Brisa

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William James - Biografia

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Ying e Yang

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Zoroastrismo

http://orbita.starmedia.com/~hyeros/zoroastrismo035.html

http://www.brasil.terravista.pt/Albufeira/3777/zoroastrismo.htm