metamorfoses em espelho de Água identidade, perfil...

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MARIA TERESA DE CARVALHO GONÇALVES SAMORA MACARA METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA Identidade, Perfil, Contextos e Mudança nas (auto)Representações dos Professores Orientador científico: Professor Doutor António Teodoro Co-orientadora: Mestre Maria Madalena Cabrita Mendes Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Instituto de Ciências da Educação Lisboa 2009

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MARIA TERESA DE CARVALHO GONÇALVES SAMORA

MACARA

METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA

Identidade, Perfil, Contextos e Mudança

nas (auto)Representações dos Professores

Orientador científico: Professor Doutor António Teodoro

Co-orientadora: Mestre Maria Madalena Cabrita Mendes

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Instituto de Ciências da Educação

Lisboa

2009

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1

MARIA TERESA DE CARVALHO GONÇALVES SAMORA

MACARA

METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA

Identidade, Perfil, Contextos e Mudança nas

(auto)representações dos professores

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Instituto de Ciências da Educação

Lisboa

2009

Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre

em Ciências da Educação, especialização em Educação,

Desenvolvimento e Políticas Educativas, no Curso de

Mestrado em Ciências da Educação, conferido pela

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

Orientador científico: Professor Doutor António Teodoro

Co-orientador: Mestre Maria Madalena Cabrita Mendes

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METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA

E quando assim estava a olhar para o peixe viu a

sua cara reflectida na água. O reflexo subiu do

fundo do regato e veio ao seu encontro com um

sorriso na boca encarnada. E Oriana viu (…).

[As] horas passavam e ela continuava

conversando com a sua imagem. Até que o Sol se

pôs, veio a noite e o rio escureceu. Oriana deixou

de ver o seu reflexo.

(…) Oriana olhou bem para os outros sítios do rio

onde se reflectiam as árvores. E pareceu-lhe que o

reflexo das árvores no rio era mais bonito que as

próprias árvores.

Sophia de Mello Breyner Andresen, 1958, pp.29-30

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Dedicatória e agradecimento

Aos Professores de ontem, de hoje e de sempre

Ao Luís, que segura as “pontas” e cuja (p)e(r)manência me alicerça

À “equipa maravilha” (Odete, Gonilha, Armando, Priscila) e à Clara, que me incentivaram e

ensinaram

À Mestre Madalena Mendes e sua leitura crítica e exigente

Ao Professor Doutor AntónioTeodoro, amigo das horas de agir na profissão docente e

orientador científico

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Resumo

Nos últimos trinta anos, em Portugal, ocorreram processos de democratização

política e de modernização da sociedade e das instituições, tendo como impulso as vontades

nacionais e as mudanças ocorridas no Mundo em globalização, lideradas, no campo da

educação, por agentes como a OCDE ou o Banco Mundial, e pela integração de Portugal na

União Europeia. À implementação da(s) reforma(s), correspondeu uma mudança de

paradigma educativo e organizacional, a criação de uma escola para todos, a emergência de

novos alunos e de novos mandatos à Escola, a contingência de novas respostas educativas.

Tais reformas constituiram instrumentos de mudança das organizações escolares e do sistema

educativo, mas também do que significa ser professor, reformulando o desempenho e a

“performatividade” docente (Ball, 2002), induzindo uma nova “identidade social” (Bernstein,

1996 e Dubar, 2006), produzindo novos modos de “fabricação da alma dos professores”

(Foucault, 1996).

Neste sentido, a autora procurou analisar, numa perspectiva crítica, as representações

de professores do Ensino Básico, sobre os mecanismos de (re)configuração das suas

identidades/perfis profissionais, recorrendo a uma investigação qualitativa descritiva, que

privilegia a análise de conteúdo dos seus discursos sobre o tema, recolhidos segundo a técnica

focus group.

O estudo indiciou que os alunos são factor de realização, de risco e de mudança do

perfil docente, actuando como uma quinta dimensão da (re)construção identitária dos

Professores, a par da formação, do associativismo, do Estado e do Mercado, constituindo

factor importante a ter em conta nos estudos sobre identidade docente.

Palavras-chave: Identidade(s), perfil docente, desempenho e performatividade, globalização,

mandato(s), alunos.

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Abstract

In the past thirty years, in Portugal, radical changes on politics and policies have

been occurring, to achive the society and its institutions democratization and modernization,

led by national wills and the changes occured in the World, stimulated, in the Education area,

by global agencies like OECD, or the World Bank, and the integration of Portugal in the

European Union. These reforms are connected to a new educational and organizational

paradigm, the creation of a school for all, the emergence of new pupils, new demands to

School and teachers, the imperative of new pedagogical solutions for educational problems,

and are not only changing instruments in schools and in the educational system, but are also a

powerful way to change “what to be a teacher” means, to re-formulate the teaching

performance and “performativity” (Ball, 2002), to recompose his/her “social identity”

(Bernstein, 1996; Dubar, 2006), or, in Michel Foucault (1996) words, to produce “new ways

to manufacture teachers soul”.

In this sense, the author intended to analyze, on a critical perspective, the

representations of portuguese teachers of basic education (K12), on the mechanisms of

(re)configuration of their professional identities/profiles, appealing to a qualitative descriptive

research, which privileges the analysis of content of their speeches on the subject, collected

according to the focus group technique, what, in its development, was brought near a circle of

culture (in the sense of Paulo Freire‟s pedagogy).

At least, pupils are the most important references and motivation to teachers changes,

reflecting professional satisfaction and well done, but also risk, acting like a fifth dimension

of teachers identity (re)construction, together with training, associative involvement, State and

Market, and they must be considered on teatching identity studies.

Key-words: identity; teacher profile, performance and performativity; globalization; pupils;

reforms; expectations.

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Siglas utilizadas

APEDE - Associação de Professores e Educadores em Defesa da Escola Pública

ASPL – Associação Sindical de Professores Licenciados

CEE - Comunidade Económica Europeia

CDEP - Comissão Defesa da Escola Pública

CRSE - Comissão de Reforma do Sistema Educativo

EB – Ensino Básico

ECD - Estatuto de Carreira Docente

FENEI (Sindep) – Federação Nacional do Ensino e Investigação

FEPECI – Federação Portuguesa dos Profissionais da Educação, Ensino, Cultura e

Investigação

FENPROF - Federação Nacional de Professores

FNE - Federação Nacional de Ensino

LBSE- Lei de Bases do Sistema Educativo

INAFOP – Instituto Nacional de Acreditação da Formação Professores

ME - Ministério da Educação

MEP - Movimento Escola Pública

MUP - Mobilizar e Unir os Professores

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

OIT- Organização Internacional do Trabalho (agência multilateral ligada à ONU,

especializada nas questões do trabalho.

ONU - Organização das Nações Unidas

PISA - Programme for International Student Assessment

PROMOVA – Professores - Movimento de Valorização

PRÓ-ORDEM – Associação Sindical dos Professores

SEPLEU – Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de

Educação e Universidades

SINDEP - Sindicato Democrático dos Professores

SIPE – Sindicato Independente dos Professores e Educadores

SIPPEB – Sindicato dos Professores do Pré-Escolar e do Ensino Básico

SPE - Sindicato dos Professores no Estrangeiro

SPGL - Sindicato dos Professores da Grande Lisboa

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SPLIU - Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades

SNPL – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados

SPM - Sindicato dos Professores da Madeira

SPN - Sindicato de Professores do Norte

SPRA - Sindicato de Professores dos Açores

SPRC - Sindicato de Professores da Região Centro

SPZS - Sindicato de Professores da Zona Sul

UCLA - Universidade de Califórnia, Los Angeles

ULHT - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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Índice Geral

INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................ 10

1. RAZÃO DE SER.............................................................................................................................................. 11 2. PROBLEMÁTICA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO .................................................................................................... 15 3. METODOLOGIA ............................................................................................................................................ 20

3.1. Tipo de estudo ................................................................................................................................ 20 3.2. Técnicas de investigação ................................................................................................................. 22

3.2.1. Observação Participante ........................................................................................................................... 22 3.2.2. Focus Group .............................................................................................................................................. 23 3.2.3. Análise Documental / Análise de Conteúdo .............................................................................................. 25

3.3. Os participantes no estudo .............................................................................................................. 28 3.4. Tratamento dos dados .................................................................................................................... 31

4. ESTRUTURA DO TRABALHO.............................................................................................................................. 32

CAPITULO I - OLHARES ATRAVÉS DO LAGO. .......................................................................................................... 34

1. IDENTIDADE(S) DOCENTE(S) E REPRESENTAÇÕES ................................................................................................... 35 1.1. Identidade docente ......................................................................................................................... 35

1.1.1. Factores identitários 1.1.2. Identidade, género, funções...................................................................................................................... 40

1.2. Modelos de desempenho ................................................................................................................ 41

CAPÍTULO II - O LAGO IN SITU. .............................................................................................................................. 49

1. A PROFISSÃO DOCENTE E A MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA EDUCATIVO ....................................................................... 50 1.1. A (re)construção socio-histórica do sistema educativo e da profissão docente ................................. 50

1.1.1. Das vésperas de 1974 às primícias do novo século. Os (re)construtores de catedrais ................................ 53 1.1.2. PREC (Período Revolucionário em Curso) – As práticas e as políticas no mesmo espaço discursivo. ........... 54 1.1.3. Período constitucional – Da política ao planeamento ................................................................................ 57 1.1.4. O Ciclo da Reforma Educativa ................................................................................................................... 61

1.2. O período dos indicadores, dos rankings e do controlo centralista ................................................... 72 2. A EMERGÊNCIA DE NOVO PARADIGMA EDUCATIVO E O SENTIDO DAS MUDANÇAS LEGISLATIVAS ......................................... 74

CAPITULO III - METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA ....................................................................................... 81

1. AO OLHAR A SUPERFÍCIE DO LAGO ..................................................................................................................... 82 1.1. As imagens/reflexos para que olham os professores quando se querem encontrar........................... 82

2. METAMORFOSES EM ESPELHO DE ÁGUA OU AS REPRESENTAÇÕES DOS/AS PROFESSORES/AS SOBRE A (RE) CONSTRUÇÃO DO PERFIL

DOCENTE. MUDANÇAS E CONTINUIDADES. ................................................................................................................... 85 2.1. Imagens refractadas ou o caleidoscópio da identidade docente ....................................................... 89 2.2. Instrumentos de (re) configuração identitária «alienada»................................................................ 93 2.3. Instrumentos de (re) configuração identitária «performativa» ......................................................... 96

CONCLUSÕES ...................................................................................................................................................... 101

1. CAI A NOITE SOBRE O LAGO ........................................................................................................................... 102 1.1. Da existência de alguns constrangimentos .................................................................................... 102 1.2. Conclusões/ pontos de chegada .................................................................................................... 103 1.3. Pontos de partida/ Perspectivas futuras ........................................................................................ 107

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................................... 109

APÊNDICES ............................................................................................................................................................... I

2. GUIÃO DO FOCUS GROUP ................................................................................................................................. II 3. GRELHA DE ANÁLISE .......................................................................................................................................IV

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Índice de Quadros

Quadro 1. Taxas de escolarização - 1977/1986 .............................................................12

Quadro 2. Número de participantes nos focus groups, por sexo ………………………28

Quadro 3. Faixa etária dos participantes nos focus groups ..........................................29

Quadro 4. Níveis de leccionação dos participantes nos focus groups ...........................30

Quadro II.1- Ciclo da mobilização e da ideologia (1974-1976) ……………………….55

Quadro II.2 - Ciclo da normalização (1976-1987) ........................................................58

Quadro II.3 - O ciclo das reformas (1987-2002) .......................................................... 62

Quadro II.4 - Ciclo do “ataque à Escola Pública” (2002-2008) ................................... 72

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Introdução

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Introdução

O essencial é invisível para os olhos …

A. St. Exupéry, 1994, p.76

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Introdução

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1. Razão de ser

Para a realização deste estudo e escolha da sua problemática foi motivação

fundamental a vivência da profissão docente, não por qualquer acidente da vida, mas com a

intencionalidade com a qual se articula agora o nosso desejo de compreender melhor este

campo de acção e o pensamento de alguns dos seus protagonistas, os professores.

O percurso da autora processa o tempo histórico da geração de 70, no país e na

profissão, e esclarece a razão que nos move a este trabalho. Nascida em meados dos anos de

1950, entrámos na Escola Primária cerca dos anos 60 e apanhámos a meio a escolaridade

obrigatória de 4 anos1. Fizemos portanto o exame da 4ª classe e, para não correr o risco de

ficar de fora, os dois exames de admissão, ao Liceu e à Escola Técnica. Já no Liceu,

estudámos do 1º ao 5º ano, em dois ciclos (2A+3A) com exame no final de cada um. O 5º ano

comportava dois conjuntos de disciplinas, da área de Letras e de Ciências, determinantes da

opção seguinte para a alínea2 de matrícula no 6º e 7º ano, plataforma organizada de saídas

conformes às entradas nos Cursos Universitários.

Quem se decidisse pelo Curso Médio de acesso à profissão, bastar-lhe-ia fazer o 5º

ano Liceal e o exame de admissão à Escola do Magistério Primário. O prosseguimento até ao

7º ano valeu-nos a dispensa da cadeira de Organização Política e Administrativa da Nação, já

realizada, e a glória de pertencer ao pequeno grupo percentual que à época concluía o Ensino

1 A Carta Constitucional garantia a todos os cidadãos a instrução primária gratuita. Apesar de legalmente consagrada a escolaridade obrigatória, desde 1835, por decreto de 7 de Setembro, do Governo de Rodrigo

Fonseca Magalhães, a sua implementação foi restrita. Com a República, a instrução obrigatória dirigia-se a

ambos os sexos dos 7 aos 11 anos de idade (4 anos de escolaridade). De 1930 a 1956, a escolaridade obrigatória

passa a 3 anos para rapazes e raparigas. A partir de 1956, a obrigatoriedade é de 4 anos apenas para os rapazes, e

só em 1960 esta medida se estende às raparigas. Teodoro (2001) considera que “esta tardia concretização da

escola de massas está no cerne do chamado atraso educativo português, tomando como referência os novos e

velhos indicadores vulgarizados pelas organizações internacionais.” (p.89). O prolongamento da escolaridade

obrigatória corresponde a imperativos do pós-guerra, de melhor formação de mão-de-obra e de ocupação dos

jovens, bem como, no Estado Novo, de regulação social e legitimação ideológica, e tem um contínuo desde os

anos de 1950. A industrialização e o incrementalismo não se obtém com analfabetos, o que implica politicas de

alfabetização, alargamento da escolaridade, expansão do Ensino Secundário e do Ensino Técnico (anos 60).

2 O Decreto-lei 39807 de 7 Setembro de 1954, publicado no Diário do Governo, n.º 198, 1ª série, altera e aprova

os programas das disciplinas do ensino liceal.

De 1905 a 1963 o ensino liceal dividia-se em Curso Geral e Curso Complementar, o 1º com dois ciclos em cinco

anos e o 2º consistindo num 3º ciclo de dois anos.

A partir de 1967 os primeiros dois anos constituem o Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, seguido do Curso

Geral encurtado para três anos (3º, 4º e 5º) e ainda mais dois anos (1º e 2º) do Curso Complementar, na via de

Letras ou de Ciências.

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Introdução

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Secundário, como se pode observar no quadro seguinte, que reflecte a evolução da taxa real

de escolarização nesse nível de ensino.

Quadro 1. - Taxas de escolarização - 1977/1986

Ano lectivo

Taxa real de

escolarização

(%)

Ano lectivo

Taxa real de

escolarização

(%)

Ano lectivo

Taxa real de

escolarização

(%)

1977/78 8,9 1986/87 19,5 1995/96 58,8

1978/79 11,4 1987/88 23,7 1996/97 59,4

1979/80 11,7 1988/89 24,0 1997/98 59,1

1980/81 12,4 1989/90 28,2 1998/99 58,6

1981/82 12,2 1990/91 31,0 1999/00 58,8

1982/83 14,0 1991/92 40,1 2000/01 62,5

1983/84 14,1 1992/93 43,7 2001/02 59,7

1984/85 15,8 1993/94 49,1 2002/03 58,9

1985/86 17,8 1994/95 51,5 …… ……

Fonte: GEPE – Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação, Ministério da

Educação - Portal da Educação.

Em trinta anos, a taxa real de escolarização neste nível de ensino mais que

sextuplicou. Como refere Nóvoa (1992),

“A «explosão escolar» é ainda mais nítida no caso do sexo feminino, atestando

uma nova atitude das famílias em relação à educação das filhas e uma acrescida

profissionalização do trabalho feminino: em 1960 já há mais raparigas que rapazes a frequentar o ensino liceal oficial.” (Nóvoa, 1992, p.486)

Assim, passámos a Alunas/os – Mestras/es no ano lectivo 73-74, sofrendo um

currículo reduzido3 e um ambiente de Escola que era a um tempo conventual e kafkiano

4. O

3 Reduzido às Didácticas da Leitura e Escrita e da Matemática, donde emergiam algumas noções de História da

Pedagogia e uma infeliz Formação Feminina, num curso em que já existiam alguns raros representantes do sexo

masculino, dispensados de tal aprendizagem. Lembramos que já nesse 1º ano a D. Aninhas, que leccionava a

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Introdução

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13

edifício não dispunha de refeitório nem bar e as aulas prolongavam-se por todo o dia. À volta

funcionavam as Escolas Anexas, que só no ano seguinte conheceríamos. No final do 2º ano

esperava-nos um Exame de Estado, que nos conferia a habilitação para leccionar, passando de

alunas/os-mestras/es a professoras/es do Ensino Primário. Contudo, ainda o 1º ano não

chegara ao fim quando, em Abril, a mudança do regime político põe em fuga a direcção da

Escola e dá luz verde a um processo de mudança, de abertura, de alteração do currículo, de

debate, participação e co-gestão que faz de nós protagonistas únicos de uma tal vivência de

aprendizes e actores da democracia.

Em 1975, iniciámos a carreira docente numa localidade dum concelho periférico a

Lisboa, num momento em que o contexto revolucionário e de empolgamento nacional se

articulava com a nossa expectativa e empenhamento na tarefa que íamos abraçar.

O que encontrámos no campo de trabalho não foi fácil, particularmente naqueles

primeiros anos de completo desapoio. Desses tempos recordamos como dominante uma sala

de aula no velho salão de festas da Sociedade Recreativa local, com vidros partidos na janela

e o tecto com pedaços de estuque a soltar-se, o largo fronteiro por recreio, alunos de muita

idade em relação ao ano de escolaridade e bastante desvalidos, colegas professoras efectivas

com as turmas escolhidas e o melhor horário, angústia, medo de falhar e, o melhor, as

reciclagens para os novos programas, onde absorvia cada momento de partilha com os outros

professores, os tais mais velhos que ali eram mais parceiros que na escola. Era um tempo em

que os nossos olhos e ouvidos se desmesuravam para apreender o que melhor integrar na sala

de aula.

Passados os anos iniciais, adquirimos confiança, a velha «Sociedade» local dá lugar a

uma bonita Escola num edifício construído de raíz, os alunos continuam a desafiar

diariamente a nossa capacidade de ser e aprender com e para eles e, o Ministério da Educação,

a nossa capacidade de atender responsavelmente à passagem dos diferentes titulares da Pasta.

Em mudança de Escola, tivemos a sorte de poder acolher uma turma que ninguém

queria, por vir de uma professora com métodos olhados com receio. Era do Movimento da

muito contestada disciplina, passou à aposentação, sendo substituída a disciplina por Desenho e Trabalhos

Manuais. 4 A Escola era gerida por um director e uma subdirectora que tomavam chá e decidiam dos apoios sociais às

alunas que vinham do interior e dos subúrbios, alimentavam clientelismos e mantinham grande número de salas

fechadas. Pelo Natal, representava-se o Acto do Nascimento, à boa maneira vicentina, para as famílias. Os

visitantes masculinos não familiares eram mantidos afastados.

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Introdução

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14

Escola Moderna. Foi com o capital desses alunos que se deu o nosso primeiro olhar sobre

essas outras metodologias. Primeiro um olhar mediado, porque o MEM desse tempo era um

círculo fechado, com poucos incentivos à penetração. No entanto, foram os princípios

defendidos por este Movimento, e sobretudo as práticas democráticas de aprendizagem

cooperativa na sala de aula que nos deram o suporte que buscávamos, através de leituras,

seminários e congressos.

Construído na procura incessante, na inquietação permanente, num grande

desassossego, o nosso percurso só aparentemente é individual e solitário porque nele sempre

esteve implícita a consciência de pertença ao grupo profissional, no sentido da construção da

Escola e das Pedagogias mas também dum estatuto próprio de Carreira. A partir de meados

dos anos 80, a experiência como Sindicalista constituiu uma enorme aprendizagem do outro

lado das coisas. Em agenda, a Gestão Democrática, o Estatuto de Carreira, a Lei de Bases. Da

reflexão às propostas e contrapropostas, o Sistema Educativo em perspectiva, o poder agir

pela Escola, numa outra posição. Novas sínteses.

Depois, o regresso à Escola, portadoras de um revigoramento que quer responder ao

apelo forte da sala de aula.

Já nos idos de 90, a caminho do fim do século, novas tarefas, nova abordagem do

mesmo Sistema: a Educação na autarquia local, integrando uma equipa multidisciplinar,

interagindo com uma comunidade de escolas entre o rural e o urbano, em projectos de

diferentes áreas e formação; trabalhando com associações de pais; mobilizando, agentes e

animadores culturais, associações disciplinares, centros de formação, autarquias vizinhas,

Ministério da Educação. Onde constatámos que é possível realizar uma gestão integrada e

sustentada das competências autárquicas para a Educação e apostar com sucesso no apoio às

escolas, em projectos educativos e em formação, bem como repensar a Rede Escolar e a Carta

Educativa Concelhia com coerência e diálogo com os interessados.

De novo na Escola, a partir de 2004, somos portadoras de um imenso capital de

informação e de experiências partilhadas com outros/as professores/as, nas muitas salas de

aula visitadas e horas de formação proporcionadas, enquanto desempenhamos funções

técnico-pedagógicas.

Nesse trajecto formativo dos últimos anos, terminámos entretanto a licenciatura em

História, e alguns Seminários de Mestrado com o intuito de complementar lacunas e fortalecer

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Introdução

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15

a possibilidade de compreensão do mundo e seus processos evolutivos sociais, entre outra

formação contínua dirigida às necessidades da função na sala de aula.

Agora a Escola é Agrupamento. Um universo criado ligando mundos. O ruído na

comunicação. A falta de operacionalidade. A distância dos docentes do 1º aos restantes ciclos

ou destes aos primeiros, firmados no preconceito e na rotina. Os factores de comunicabilidade

neste novo contexto não cumprem os seus objectivos, não passam de meros elementos de

representação numa gestão conjunta. Apesar de tudo, uma oportunidade para ultrapassar

barreiras e encetar aproximações e projectos. Desafios e dúvidas a precisar de debate, de ir

mais além, de orientação e enquadramento teórico para iluminar a leitura do mundo e da

prática profissional com o conhecimento teórico já produzido e, assim munidas, sairmos do

particular para investigar, aprofundar, produzir dissertação.

Com esse objectivo, voltámos à Academia. Onde integrámos a Unidade de

Investigação e a equipa do Projecto Internacional “Educando o Cidadão Global: Globalização,

Reforma Educacional e Políticas de Equidade e Inclusão. O caso português”5, que foi decisivo

na definição da problemática deste estudo.

Atente-se que este é o perfil e uma trajectória da investigadora participante que aqui

se apresenta, o qual não é relevante nesta introdução enquanto história pessoal, mas apenas

como padrão de percursos profissionais contextualizados no tempo, explicitando a

naturalidade da continuação entre as experiências de vida e o mundo académico e científico,

não obstante se regerem por discursividades diferentes. Remete para a diacronia de uma

geração de alfabetizados na Escola que pretendeu fazer a inculcação ideológica do Estado

Novo, chegados à profissão docente quando se desenhava o projecto de construção da Escola

antifascista e democrática, e confrontando-se hoje com as novas tendências de recuperação

prioritária dos valores de rentabilidade, gerencialismo e accountability em subordinação às

necessidades do mercado neoliberal.

2. Problemática e questões de investigação

Mudanças nos contextos educativos escolares e novas expectativas foram geradas

pelos desenvolvimentos políticos, sociais e económicos, ocorridos em Portugal, nas últimas

5 Coordenado internacionalmente pelo Professor Doutor Carlos Alberto Torres da UCLA e, a nível nacional,

pelo Professor Doutor António Teodoro da ULHT.

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Introdução

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três décadas (1974-2007), mormente pelos impactos da globalização, sobretudo a partir da

década de 1980.

O sistema educativo institui na sociedade o paradigma de formação e certificação dos

cidadãos para a vida activa, cujo processo se inicia em tenra idade e se prolonga em

aprendizagens ao longo da vida e em múltiplos contextos. A sociedade evolui entre a

regulação e a emancipação, e a Escola participa nos dois processos como organização que a

espelha, qualifica e certifica, enfrentando as expectativas sociais dos indivíduos, enquanto

encarregados de educação ou educandos. Coloca-se assim perante a necessidade de prestar

contas e de reflectir sobre os resultados, regressando a uma ponderação sistemática sobre os

processos que os desencadearam. Tal desiderato desenvolve-se através da acção dos

profissionais que a constituem, em particular os professores, mediadores dos processos de

aprendizagem, para quem a transformação substantiva e adjectiva do Mundo - do espaço e do

tempo, de uma ordem social (agora pós-tradicional) e da emergência de meios de

comunicação global e da expansão do conhecimento que aumenta a incerteza e a consciência

do risco, no enunciado de Giddens (1997) - que, acrescenta, afecta a construção das

identidades pessoais e implica a renovação das identidades culturais locais, nas sociedades e

também na Escola, pode mostrar-se elemento catalisador de inovação no desempenho e na

performatividade docente.

Com o presente estudo, tendo por força motriz as sinestesias das mudanças dos

tempos e das vontades, lançámos mãos à realização de um estudo empírico e exploratório dos

impactos das mudanças ocorridas nas últimas três décadas no sistema educativo português,

em particular no perfil docente, através da análise qualitativa do discurso dos professores

sobre as suas práticas e sobre os contextos educativos em que actuam e interagem, bem como

sobre o seu próprio processo de adaptação a novos contextos e a novas necessidades no

conteúdo funcional. Pretendemos desocultar a representação de professores portugueses do

Ensino Básico sobre estas circunstâncias e de como elas condicionam a sua identidade e perfil

profissional, bem como da relevância dos seus alunos como referentes da motivação para

inovar.

O nosso olhar abarca professores dos 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico, em serviço

desde há de cerca de 30 anos, considerando o desejo de auscultar alguns daqueles que, como

nós, iniciaram a profissão com a aurora do regime democrático (1974), momento peculiar,

dinâmico e perturbador da vida política do país e da reestruturação do sistema de educação e

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Introdução

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ensino, e estão perto de a terminar num quadro assaz diferente; e também os professores da

geração que se segue, fazendo a sua entrada na profissão já num quadro de normalização,

norteada por uma Lei de Bases do Sistema Educativo (1986). Analisamos o discurso de

professores destas duas gerações sobre o percurso profissional comum e o peso específico dos

alunos como motivo e medida da possibilidade de construção do sentimento de realização

profissional para a maioria dos docentes, até ao presente, onde se evidencia uma nova

conflitualidade na relação aluno-professor.

Da tentativa de correlação das representações com as práticas que os professores

referem como suas, consideramos poder extrair contributos para a aferição de um senso

comum do professor onde possamos descortinar categorias de análise que possibilitem a

inferência e desocultação de elementos e factores da sua construção profissional,

eventualmente relevantes num momento de profundas alterações ao Estatuto da Carreira

Docente, em que se desenha um exame de admissão à profissão, mas também para a formação

inicial e contínua dos professores, para a avaliação do seu desempenho e para a gestão das

escolas, perspectivando melhoria da oferta educativa na escola e mormente dos papéis que lhe

cumpre – ou não – desempenhar e, finalmente, da adequação do e no sistema educativo.

A definição da identidade como atribuível a um espaço-tempo geracional (Erikson,

1968) justifica a nosso ver que definamos neste quadro a categorização dos nossos

interlocutores para a recolha empírica, pois que a identidade social não sendo transmitida por

uma geração à seguinte, é construída por cada “ (…) uma com base em categorias herdadas da

geração precedente mas também através das estratégias identitárias desenroladas nas

instituições que os indivíduos atravessam e para cuja transformação real contribuem” (Dubar,

1997, p.118).

Alguns dos professores que elegemos no âmbito deste estudo como interlocutores

privilegiados são actores de um tempo que abrigou a repressão das liberdades, mas traçou a

ruptura dos constrangimentos da vida quotidiana, a mudança dos comportamentos e dos

costumes, a mudança das relações e das posições relativas de género, assistiu ao fim de uma

guerra colonial, a um golpe militar libertador e à descolonização, debateu a abertura à Europa,

à sua comunidade económica, à moeda única e à abertura das fronteiras. Assistem às guerras,

aos tufões, aos tsunamis, em directo, através da televisão, e vulgarizam (alguns) o computador

e a Internet, comunicando e transaccionando em tempo real à escala planetária; assistem à

fragilização do Estado-Nação em favor das agências internacionais, à precarização do

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Introdução

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trabalho e à sua deslocalização, às normativas transnacionais que decidem da vinha que não

podemos plantar, em prol de outras regiões, mudando a face dos campos e a actividade

tradicional, a troco de subsídios e da batata espanhola e das bananas da América do Sul nas

grandes superfícies comerciais. Actores ainda de um tempo em espaço de assimilação perante

a chegada de retornados de África (a partir do final anos 1970) em fuga de um Ultramar

descolonizado e entregue a dolorosos conflitos fratricidas, na busca de um caminho

emancipador, mas também de emigrantes do Brasil e dos países de Leste (a partir dos anos

1990), que trazem novas cores e novos sons à sociedade e à Escola.

Porque o mundo pula e avança6, é nosso objectivo compreender que representações

possuem os professores, como nós, e os que se nos seguiram, sobre as mudanças que

ocorreram ao longo deste período temporal (1974-2007) e dos novos contextos educativos que

foram emergindo; que leituras fazemos dos impactos das mudanças políticas, sociais e

globalizadoras no interior da Escola; como nos ajustámos às mudanças ou mudámos por

causa delas e que olhar diacrónico e reflexivo sobre o perfil profissional ressalta do discurso

dos professores.

Nesse universo que é composto de mudança, perante a mutabilidade dos alunos, as

diferentes demandas à escola no que a estes concerne, perante a variabilidade e

heterogeneidade das equipas de trabalho e os diferentes ministérios que foram passando por

nós, o professor é aparentemente o elemento estável, não obstante as continuidades e

descontinuidades que sofre e, ele próprio, em si desenvolve e o tornam mutável.

Partilhamos com Nóvoa (1994) a ideia da complexidade dos processos sócio-

históricos atravessados por rupturas, continuidades e descontinuidades.

“A compreensão última do processo histórico, sobretudo no domínio educativo,

obriga-nos a escavar as superfícies e a olhar para as correntes subterrâneas:

apercebemo-nos então que as rupturas são contemporâneas das continuidades, que a visibilidade dos tempos quentes esconde por vezes a descrição das mutações

lentas.” (Nóvoa, 1994, p.178)

O entendimento dos processos de mudança que delineiam perfis no exercício da

profissão docente passa certamente pela procura dos sentidos literal e oculto que se encontram

no discurso dos professores quando reflectem sobre o seu caminho na profissão, sobre como

interagem e reagem, como reformulam a sua praxis ao enfrentar marés que transportam para a

6 Gedeão, António (1956). «Pedra Filosofal» (poema). In Movimento Perpétuo. Coimbra: Of. Atlântida.

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Introdução

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praia diferentes salvados, que desvendam ou ocultam afloramentos que facilitam ou

dificultam a passagem em diferentes estações. Valorizados ou desprestigiados, suportados ou

abandonados pela tutela, confrontados, estimados ou agredidos, que leitura poderão fazer das

mudanças que vêm ocorrendo na Escola, fruto da sua relação indissociável com um mundo

em mudança e uma sociedade que interpela?

Tendo presente que alguma investigação - Lopes (2000), Ball (2003), António

(2004); Lopes (2004) e Caria (2007), entre outros -, que adiante traremos à colacção, vêm

apresentando a identidade profissional como produto da relação entre a formação específica,

as relações e construções associativas entre membros da classe, o enquadramento normativo

que o Estado define para a profissão e/ou o desafio do mercado através de mecanismos de

competitividade como os rankings ou outros, propomo-nos destacar de entre estes elementos

a importância dos alunos, como uma dimensão estratégica para a satisfação profissional,

potencialmente reconfiguradora de perfis e identidades.

É este entendimento que intentamos trazer à superfície aquífera do lago, ora em

descanso, quase estagnada, ora em revoltas ondas concêntricas que levantam ocasionalmente

os fundos, com o objectivo de patentear a representação dos docentes sobre as mudanças

ocorridas no seu perfil profissional e a sua percepção da relação entre estas e a glocalização7

da sociedade que se espelha na Escola, bem como da emergência de novos riscos e/ ou medos

face à desvalorização social da Escola e dos seus profissionais. Mesmo aceitando o risco de

que quando, como agora, os alunos e suas famílias, os públicos a quem os profissionais se

dirigem, tenham mudado tanto na sua relação com a escola e os professores e em tal sentido,

na diacronia considerada, que o reflexo destes no rio das representações docentes seja mais

bonito que a realidade deles próprios.

7 A glocalização é entendida como a produção de efeitos novos na sociedade local em função ou em

consequência da acção de uma globalização hegemónica, isto é, como as consequências locais do factor

globalização

O termo «Glocal» é usado na Europa, pela 1ª vez numa apresentação pública pelo Dr. Manfred Lange, em Maio de 1990, na Chancelaria de Bona, Alemanha, por ocasião da Global Change Exhibition e de novo, em 1991, na

Global Change Exhibition Geotechnica de Colónia. O termo «glocalização» foi desenvolvido posterior e

independentemente no mundo da língua inglesa pelo sociólogo britânico Roland Robertson, nos anos 1990, e

pelos sociólogos canadianos Keith Hampton e Barry Wellman, no final dessa década, e ainda Zygmunt Bauman.

“By definition, the term «glocal» refers to the individual, group, division, unit, organisation, and community

which is willing and is able to «think globally and act locally». The term has been used to show the human

capacity to bridge scales (from local to global) and to help overcome meso-scale, bounded, «little-box»

thinking”. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Glocalization (Consultado em 9 Maio 2009).

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A problemática central deste estudo consiste em compreender as representações dos

professores sobre a sua acção e suas motivações, como meio de desocultar factores de

acomodação ou de mudança e de esclarecer esta circunstância e a sua conscientização como

parte do processo de construção identitária permanente do sujeito profissional.

Alvitramos como hipóteses as seguintes:

- A (re)construção do perfil docente sofre impactos da globalização, isto é, das

mudanças políticas, económicas e sociais e do paradigma político e ideológico que

ocorrem nos planos internacional e nacional.

- O perfil docente legislado (re)configura-se na passagem ao perfil em campo.

- As representações dos professores condicionam a sua capacidade de mudar as

práticas.

- Na sua diversidade e heterogeneidade, fruto das novas configurações sociais, os

alunos são factor de (re)construção do perfil e da identidade docente.

3. Metodologia

3.1. Tipo de estudo

Para procedermos ao estudo a que nos propusemos, importava uma escolha reflectida

dos procedimentos e dos instrumentos adequados a uma pesquisa científica e à natureza da

problemática. Ponderámos, pois, as principais vantagens e desvantagens das abordagens

qualitativas e quantitativas.

A investigação qualitativa surge como alternativa à investigação quantitativa de base

positivista, que se afirmara no mundo científico como o paradigma dominante, considerando a

existência de uma realidade objectiva, como tal estudada, em que a cada fenómeno

correspondia uma só interpretação científica.

Reconhecendo-se limitações ao paradigma quantitativo, quando nos interessamos pelo

estudo de processos cognitivos e meta cognitivos, a investigação qualitativa e os seus métodos

de inspiração etnográfica e antropológica, são uma resposta àquelas limitações. Esta

fundamenta-se no interaccionismo simbólico que “vê o significado (…) surgindo no processo

de interacção entre pessoas (…) vê os significados como produtos sociais” (Blumer, 1969,

p.5) e assenta, segundo este autor, em três premissas:

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1) Os seres humanos agem para com as coisas na base dos significados que as coisas

têm para eles;

2) Estes significados são o produto de interacções sociais na sociedade humana;

3) Eles são modificados e manipulados através de um processo interactivo que é usado

por cada indivíduo ao lidar com os signos que encontra.

O paradigma qualitativo tem também fundamentos na perspectiva fenomenológica que

aborda o comportamento humano tomando em conta a existência de perspectivas divergentes

sobre as situações, reforçando uma compreensão interpretativa da interacção humana, que

realça os aspectos subjectivos do comportamento das pessoas e tenta entrar no mundo

conceptual dos sujeitos para compreender qual o significado que constroem em torno dos

acontecimentos das suas vidas. Ao considerarem que a realidade é constituída pelo significado

das múltiplas formas de interpretar as experiências humanas, os fenomenologistas

reconhecem-na como sendo socialmente construída (Bogdan & Biklen, 1999).

A investigação qualitativa realiza a pesquisa no ambiente natural do objecto ou dos

sujeitos e não exige neutralidade ou independência do investigador que, frente aos factos

sociais, os considera a partir do seu sistema de valores, envolvendo-se com o objecto num

continuum interpretativo. “Em outras palavras, o papel do pesquisador é reconhecido bem

como sua eventual subjectividade, que se espera, todavia, ser racional, controlada e

desvendada” (Laville & Dionne, 1999, p.39), almejando não já desvendar relações causais

determinantes mas determinar factores e compreender a complexidade das situações.

Bogdan & Biklen (1994) e Tuckman (2005) assinalam um conjunto de características

para a investigação qualitativa que passam pela relevância do contexto de investigação ou o

ambiente natural, pela importância da compreensão dos processos, isto é, do “como” em

detrimento do “quanto”, pelo carácter heurístico dos fenómenos na interpretação dos

significados, pela natureza indutiva da análise dos dados e pela natureza descritiva do estudo.

Segundo Fernandes (1991),“o foco da investigação qualitativa é a compreensão mais

profunda dos problemas, é investigar o que está “por trás” de certos comportamentos, atitudes

ou convicções” (p.65). De acordo com Richardson (1999), as investigações que se voltam

para uma análise qualitativa descrevem a complexidade de determinado problema,

compreendem e classificam os processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuem

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para o seu processo de mudança e possibilitam, em maior nível de profundidade, o

entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos.

O presente estudo cruza elementos conceptuais da profissão propriamente dita,

nomeadamente papéis e cultura profissional, com processos individuais ou grupais de

profissionalização, triangulando dados de categorias diferentes, esclarecendo processos

segundo os quais os professores constroem a sua carreira, manifestando perfis diferentes.

Partimos então para um estudo qualitativo, com análise intensiva do conteúdo dos

discursos dos professores, no âmbito dos debates já realizados8, e para a análise documental

da legislação que aduz sobre o perfil profissional docente.

Tomando como referência teórico-analítica as perspectivas críticas na desocultação do

perfil docente, quisemos construir um percurso que procura conhecer os efeitos que os

contextos têm na adequação dos perfis de exercício dos professores do 1º e 2º Ciclos do

Ensino Básico em Portugal. Neste estudo, o perfil docente é entendido como uma qualidade

múltipla e tipificadora, em construção e em reconstrução dialéctica em cada profissional, para

o que concorrem diferentes tipos de variáveis.

Tendo em conta as questões de investigação e os instrumentos utilizados, o modelo de

investigação será pois descritivo, segundo uma abordagem qualitativa que se entende como

adequada para compreender a natureza dos fenómenos de mudança nas práticas profissionais

e nos contextos em que se inserem.

3.2. Técnicas de investigação

As técnicas de investigação são entendidas como “conjuntos de procedimentos bem

definidos e transmissíveis, destinados a produzirem certos resultados na recolha e tratamento

da informação requerida pela actividade de pesquisa” (Almeida & Pinto, 1995, p.85). Para

esta investigação elegemos as seguintes: a observação participante e o focus group, como

procedimentos de recolha dos dados, a análise documental e de conteúdo como procedimento

de tratamento dos mesmos.

3.2.1. Observação Participante

8 Os debates foram realizados no ano lectivo 2005/2006, segundo a técnica do focus group adiante explicitada,

no âmbito do projecto internacional de investigação Educando os Cidadão Global: Globalização, Reforma

Educacional e Políticas de Equidade e Inclusão. O caso português. A técnica foi aplicada por elementos da

equipa de investigação em que nos integramos, constituindo-se em um moderador e dois observadores por grupo.

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A observação é constituída por um conjunto de utensílios de recolha de dados e um

processo de tomadas de decisão. “As técnicas observacionais são procedimentos empíricos de

natureza sensorial [que,]ao mesmo tempo que permite a colecta de dados de situações,

envolve a percepção sensorial do observador…” (Martins & Teóphilo, 2007, p.84).

A observação participante que, muitas vezes, é também designada por trabalho de campo,

caracteriza-se pela inserção do observador no grupo observado, a partir do momento em que

se inicia o processo de investigação, como “parte integrante daquela estrutura social e, na

relação face a face com os sujeitos da pesquisa, realiza a colecta de informações, dados e

evidências”(idem, p.85).

Ao considerar que a motivação para o presente estudo reside em grande parte na condição

de professora de que se investe a investigadora, de algum modo ela é pertença do grupo e

como tal é reconhecida pelos sujeitos observados que nela depositaram confiança e aceitaram

responder às questões. Assim, a nossa participação enquanto pesquisadora que observa é

formal mas revelada, isto é, não opina mas a sua identidade partilhada com o grupo é

conhecida. Deste modo, fazendo parte do meio a investigar, a investigadora pôde ter melhor

acesso às perspectivas dos outros do que teria um observador exterior, por viver ou ter vivido

as mesmas situações.

Contudo, não sendo neutral nesta causa, procurou em todas as circunstâncias ter um olhar

periférico e realizar uma análise objectiva, facilitada pelo conhecimento vivido dos códigos

identitários que unem os profissionais da docência, olhando-se no mesmo lago que os demais

participantes e procurando entre eles achar a sua própria imagem, requerendo o seu trabalho a

um tempo envolvimento pessoal e desprendimento. Esta flexibilidade da observação

participante constitui-se, segundo Martins & Teóphilo (2007) em oportunidade e risco, pois

“factores de contaminação podem provocar distorções sobre as interpretações dos fenômenos

sob estudo pelo viés (...) profissional-ideológico” da investigadora (p. 85). Do campo de

abordagem, serve este estudo mais focalizado apenas uma - a do perfil docente - de entre as

múltiplas dimensões de análise que foram levantadas, ao tentar compreenderem-se os

impactos da globalização no sistema educativo, das políticas à sala de aula.

Sendo a autora elemento da equipa de investigação, foi-lhe dado preparar materiais,

colocar os problemas e participar nos debates como observadora, nas sessões de focus group.

3.2.2. Focus Group

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Na fase da investigação empírica exploratória, de identificação dos problemas,

recorremos à técnica do focus group, também chamada de entrevista focalizada de grupo que

tem como objectivo a discussão de um tópico e que consiste, segundo Gibbs (1997), numa

discussão organizada para conhecer e recolher informações e experiências sobre um assunto,

obedecendo a um guião orientador das questões a discutir, que assim é tratado segundo

diversas perspectivas, tantas quantos os participantes.

Os grupos trabalham em interacção nos tópicos fornecidos pelo investigador (Morgan,

1997), podendo considerar-se através de registo da observação a linguagem usada,

experiências, valores e opiniões. Tem por finalidade procurar o sentido e a compreensão dos

complexos fenómenos sociais, onde o investigador utiliza uma estratégia indutiva de

investigação, sendo o resultado amplamente descritivo (Gibbs, 1997).

Adoptou-se pois como procedimento fundamental de pesquisa o focus group, já que,

inspirando-se em entrevistas não directivas, o envolvimento dos participantes, a

heterogeneidade do grupo tornam esta espécie de entrevista colectiva uma viva fonte de dados

necessários aos objectivos da investigação, a par da observação participante, que permitirá o

conhecimento das percepções do grupo e indicará ao investigador situações alternativas a

considerar. Também Martins e Teóphilo (2007) concordam que “os insights que emergem das

provocações e estímulos de um focus group podem ajudar o pesquisador a refinar seus

conceitos e entendimentos sobre o tema pesquisado” (p.88).

Tratando-se de um estudo empírico sobre o discurso, este trabalho exploratório é um

de entre os vários propósitos que o focus group pode servir9, permitindo, de acordo com

Edmunds (1999), capturar subjectividades através da observação e estabelecer a compreensão

de percepções, sentimentos, atitudes e motivações.

“ [Este,] tal como outras formas de investigação qualitativa, procura interpretar e

compreender o sentido das coisas, sendo o investigador o principal instrumento de

recolha e análise dos dados. Na sua análise é utilizado o método indutivo de

investigação, sendo o produto final amplamente descritivo. Este aspecto é particularmente importante na penetração dos detalhes e aspectos específicos da

informação recolhida para se descobrir categorias, dimensões e inter-relações de

análise.” (Galego, 2006, p.63)

A partir da abordagem feita por Galego & Gomes (2005), as principais vantagens

apresentadas pelo focus group no que a esta investigação concerne, são (i) “a possibilidade de

9 Para um maior aprofundamento sobre estes propósitos, ver Galego & Gomes (2005).

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vários indivíduos serem entrevistados em simultâneo; (ii) a rapidez na recolha de dados, pois

pode ser coordenado, conduzido e analisado num curto espaço de tempo10

; (iii) a

possibilidade de se conciliar com outras modalidades de investigação”; e ainda (iv), aliar a

reflexão dos participantes à sua vivência diária.

A principal dificuldade que oferece é identificar os pontos de vista de cada

participante, limpos da influência da opinião do grupo (Gibbs, 1997), na medida em que, na

discussão em profundidade que tem lugar, os participantes se envolvem fortemente com o

assunto em agenda, se influenciam e se provocam, convocam opiniões partilhadas ou opostas,

podendo a interacção não reflectir o comportamento individual dos participantes. A discussão

não dispensa o papel do moderador e o registo das observações circunstanciais dos

comportamentos e dos tempos relativos dos discursos, feito por dois elementos da equipa de

investigação, que não intervêm, possibilitando a melhor interpretação dos comentários feitos

em ambiente social.

Os participantes foram acomodados confortavelmente em redor de uma mesa,

apresentando-se mutuamente, e o moderador apresentou claramente o objectivo da reunião e

foi colocando as questões do guião, à medida que o tempo atribuído a cada item se esgotava,

sem formular juízos ou comunicar de algum modo a sua perspectiva sobre o tema.

3.2.3. Análise Documental / Análise de Conteúdo

A análise documental constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa e trabalha

de mão dada com a análise de conteúdo. O seu objectivo, segundo Bardin (2007), é “a

representação condensada da informação, para consulta e armazenagem; o da análise de

conteúdo é a manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo), para

evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre outra realidade que não a da mensagem”

(p.41), completando informações sobre o tema e/ou desvendar aspectos novos, apesar de,

segundo Minayo (2000)11

a sua origem se remeter a metodologias quantitativas, cuja lógica se

baseava na interpretação cifrada do material de caráter qualitativo, em que o rigor científico

invocado era caracterizado pela pretensa objetividade dos números e das medidas.

Ainda de acordo Bardin (2007), a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos que

envolvem a investigação científica: o rigor da objectividade e a fecundidade da subjetividade,

10 Cerca de duas horas é o limite máximo aconselhável de duração de cada sessão de um focus group. 11

In Cappell, M, Melo, M. C., Gonçalves, C.A. (2003). Análise de conteúdo e análise de discurso nas ciências

sociais. Rev Administração da UFLA, Janeiro 2003; 5(1), pp.69-85.

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resultando na elaboração de indicadores quantitativos e/ou qualitativos que devem levar o

pesquisador a uma segunda leitura da comunicação, baseado na dedução, na inferência. Essa

nova compreensão do material textual, que vem substituir a leitura dita “normal” por parte do

leigo, visa a revelar o que está escondido, latente, ou subentendido na mensagem.

Minayo (2000) acredita que a grande importância da análise de conteúdo consiste

justamente na tentativa de impor um corte entre as intuições e as hipóteses que encaminham

para interpretações mais definitivas, sem, contudo, se afastar das exigências atribuídas a um

trabalho científico.

O trabalho de análise documental inicia-se com a selecção dos documentos que não é

mera acumulação cega e mecânica. À medida que colhe as informações, o pesquisador

elabora as especificidades do material selecionado, apoderando-se dos dados (Laville &

Dione, 1999). Seleccionámos e procedemos a uma leitura crítica, em função das necessidades

da pesquisa, de fontes impressas categorizadas como documentos com força de lei, definindo

orientações directas ou indirectas acerca do perfil docente, e que nos ajudam a compreender o

quadro institucional e regulamentar que enquadra os professores, no período temporal em

apreço. De uma organizaçao cronológica dessa documentação, passámos à descrição do

material e anotação sobre a natureza e a fonte respectiva e a uma breve síntese do seu

conteúdo, já que, como refere Bardin (2007, p.40) “a análise documental permite passar de

um documento primário (em bruto) para um documento secundário (representação do

primeiro”. Um estudo mais minucioso procurou captar nos documentos o sentido e as

intenções, reconhecer o essencial e seleccioná-lo em torno das ideias principais que informam

a nossa temática e “recensear o reportório semântico” que nos ajuda a “compreender o

estereótipo” (ibidem, p.27) de perfil docente desenhado pela tutela.

Utilizámos a técnica documental para recolha, nos diplomas legais ou relatórios e

pareceres que, no decorrer da pesquisa, nos pareceram relevantes e reveladores dos

parâmetros definidores do perfil docente, procurando fazer a leitura das linguagens

discursivas directivas que subjazem a políticas para a educação e regulam o perfil docente, e o

seu tratamento descritivo em sede de contextualização.

Neste âmbito, elegemos os documentos seguintes, referidos por ordem cronológica:

- Lei 46/86 de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) com as alterações

incorporadas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei nº 49/2005 de 30 de

Agosto.

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Introdução

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27

- Decreto-lei 139-A/90 de 28 Abril (ECD) alterado pelo Decreto-lei 1/98, de 2 de

Janeiro (deveres profissionais, formação, recrutamento e selecção do funcionário

público/técnico educação);

- Desp. 22/SEEI/96 e Desp. Conj. Nº123/97/ME/MT (Flexibilização curricular);

- Decreto-Lei n.º 290/98, de 17 de Setembro (cria o INAFOP – 1999/2002 – Instituto

Nacional de Acreditação da Formação de Professores.Visa “induzir mudanças nos

perfis de formação” e acreditar educação não formal).

- Decreto-Lei nº 240/2001 de 30 de Agosto, do Ministério da Educação. (Contem o

perfil geral de desempenho profissional dos educadores de infância e dos professores

do ensino básico e secundário);

- Decreto-lei 15/2007 de 19 de Janeiro (ECD).

Contudo, o registo dos discursos orais dos professores - material empírico determinante

no nosso estudo - transposto para código escrito, constituiu um documento veículo de uma

comunicação de grupo restrito, e também um domínio possível de aplicação da análise de

conteúdo (Bardin, 2007). Esta utiliza “procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição

do conteúdo das mensagens” (p.33) comunicadas, com a finalidade de as interpretar, que

passam pela fragmentação do texto segundo categorias, obedecendo a regras: Devem ser

“homogéneas”( (ibidem, p.31), não misturando”alhos com bugalhos”; “exaustivas”, esgotando

a totalidade do texto; “exclusivas”, pois um mesmo elemento do discurso não pode ser usado

aleatoriamente em duas categorias diferentes; “objectivas” pois que codificadores diferentes

devem chegar a resultados iguais; e “pertinentes”, isto é, adaptadas ao objectivo.

No caso vertente, tomando como unidade todo o texto produzido, recenseámos itens de

sentido ou categorias, “espécie de gavetas ou rubricas significativas que permitem a

classificação dos elementos de significação constitutivos da mensagem” (ibidem, p.32), a

saber, mudanças e continuidades, recortando a informação segundo o critério da analogia e

utilizando a frase como unidade de fragmentação, pondo em evidência as possibilidades de

inferência de conhecimentos em função dos indicadores encontrados (relação com, formação,

métodos, etc.) para a dimensão em estudo (perfil docente), e tendo em conta as condições de

produção e de recepção dos discursos (cf. Apêndices).

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Introdução

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28

Sendo os discursos recepcionados um acto de fala, a análise da enunciação proposta por

D‟Unrug (1974)12

, por ser versátil, pareceu-nos de ter em conta no trabalho, entre as técnicas

de análise de conteúdo, por entender a comunicação como um processo espontâneo, mas

também constrangido pela situação de produção, elementos a ter em conta e que nos são

fornecidos pelos observadores e pelos registos áudio.

“O locutor exprime com toda a sua ambivalência os seus conflitos de base, a

incoerência do seu inconsciente, mas na presença de terceiro a sua fala deve respeitar a exigência da lógica socializada. É pelo domínio da palavra, pelas suas

lacunas e doutrinas que o analista pode reconstruir os investimentos, as atitudes, as

representações reais.” (Bardin, 2007, p.164)

Assim, na técnica de análise de entrevistas não directivas, situação que mais se aproxima

dos debates em grupo restrito a que procedemos, esta técnica apoia-se essencialmente na

análise da lógica do discurso e da dinâmica das intervenções (lapsos, silêncios, tom de voz,...),

e nas figuras de retórica (jogos de palavras) utilizadas, que permitem uma inferência indirecta.

Consideramos ainda que, o contexto de recolha seleccionado, em que os

participantes/emissores têm em comum a pertença ao mesmo grupo profissional, nos permite

uma interpretação controlada, ou uma inferência representativa, a partir das significações que

as suas mensagens fornecem.

3.3. Os participantes no estudo

Para efeitos de realização do Focus Group foi construída uma amostra de

conveniência, constituída por indivíduos/sujeitos num universo restrito de cerca de 29

professores/as do Ensino Básico, os quais integraram três grupos de debate com um máximo

de 12 professores participantes em cada (Quadro 2).

Quadro 2. - Número de participantes nos focus groups, por sexo

GRUPO

ALMADA ESTORIL OURÉM TOTAL

Participantes

H 3 3 2 8

M 9 7 5 21

TOTAL 12 10 7 29

12 M.-C. d‟Unrug (1974), Analyse de contenu et acte de parole, Delarge. (apud Bardin, L., 2007).

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Introdução

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29

Os professores do Ensino Básico (H e M), que integraram os três diferentes grupos de

discussão, exerciam actividade docente na área metropolitana de Lisboa (zona urbana e

periurbana dos concelhos de Cascais e Oeiras), na margem sul (zona periurbana do concelho

de Almada) e no interior centro, mais rural e de menor densidade populacional (concelho de

Ourém)·.

Cada grupo foi constituído a partir de critérios aproximativos para o tipo de

participantes que entendemos conveniente de acordo com a metodologia adoptada (nunca

menos de seis nem mais de doze13

, percepção do período a que se reporta a pesquisa e a

disponibilidade encontrada). Como critérios de heterogeneidade foram determinadas as

seguintes variáveis, de que procurámos aproximar-nos: professores com cinco ou mais anos

de serviço; professores a leccionarem em diferentes escolas da região; proporção de 1:3 dos

participantes homens em relação às mulheres.

As idades dos professores (Quadro 3) oscilaram entre os vinte e quatro anos e os

sessenta e seis anos de idade, havendo contudo uma maior representatividade dos professores

com idades compreendidas entre os vinte e quatro e os cinquenta anos de idade.

Quadro 3. - Faixa etária dos participantes nos focus groups

FAIXA

ETÁRIA/ANOS

ALMADA ESTORIL OURÉM TOTAL

24 - 30 1 2

Dados não

disponíveis

31 - 40 0 2

41 - 50 9 2

Mais de 51 2 4

TOTAL 12 10 7 29

A média do tempo de serviço foi de 19,3 anos, no grupo do Estoril. Os docentes que

não tinham mais de 20 anos de exercício da profissão, fizeram apelo também a memórias dos

seus professores enquanto estudantes.

Todos os professores participantes exerciam no momento, ou já o tinham feito

anteriormente, como fora estabelecido pelo critério de homogeneidade, em algum dos dois

primeiros níveis de ensino (1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico). No entanto, alguns deles

13 Este limite pode variar de autor para autor. Essa variação não se afasta muito dos valores apresentados.

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Introdução

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leccionavam também em outros níveis ensino, nomeadamente no Superior e apenas um

leccionara exclusivamente no Secundário (Quadro 4).

Quadro 4. - Níveis de leccionação dos participantes nos focus groups

NÍVEIS

ALMADA ESTORIL OURÉM TOTAL

1º Ciclo EB 6 4

Dados não

disponíveis

10

2º Ciclo EB 0 1 1

1º, 2º e 3º Ciclo EB 0 0 0

2º e 3º Ciclo EB 4 0 4

2º, 3º ciclo EB e Ensino Secundário 1 0 1

2º, 3º Ciclo e Ensino Superior 0 1 1

Ensino Secundário 0 1 1

1º Ciclo EB e Ensino Superior 0 1 1

Reformado (2ºciclo EB) 0 1 1

Prof. Apoio 1 1 2

TOTAL 12 10 7 29

Os grupos participaram em duas sessões de cerca de duas horas e meia, entre Maio e

Julho de 2004, durante as quais procuraram dar resposta às questões constantes de um guião

comum, elaborado pelos elementos da equipa do Projecto “Educando o Cidadão Global:

Globalização, Reforma Educacional e Políticas de Equidade e Inclusão. O caso português”.

Cada sessão contou com um moderador que contextualizou e lançou as perguntas, moderando

as intervenções, e dois observadores, elementos do grupo de investigação. As sessões

gravadas foram transcritas e categorizadas as questões e respostas obtidas, com a construção

de indicadores, mediando a análise do discurso com os dados da observação.

De todas as questões colocadas e tratadas, seleccionámos para o nosso estudo aquelas

que se prendiam directamente com o perfil docente, mas também buscámos nas restantes

todas as afirmações transversais constantes do discurso dos professores, que se lhe referiam.

Querendo identificar os factores/situações que influenciam o perfil dos professores,

estes foram convidados a pronunciar-se no grupo sobre a questão de saber se reconheciam

mudanças ou continuidades no perfil docente, ao longo do tempo definido, quais seriam e que

factores as determinaram.

O seu discurso foi gravado e foram consideradas as anotações dos observadores sobre

o contexto e modo em que é produzido, tentando captar as qualidades e nuances de sentido.

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Introdução

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31

Passado a registo escrito, a partir da sua leitura, foi elaborada uma grelha de análise que

registou segundo categorias, os impactos e as alterações no perfil docente referidas,

destrinçando quais os factores de mudança ou de continuidade nos seus quotidianos escolares

de modo a obtermos as componentes que nos permitissem o trabalho de construção

comparável por Bogdan & Bilken (1994) a uma espécie de bricolage ou de artesanato

interpretativo.

3.4. Tratamento dos dados

O conteúdo discursivo dos professores, consistindo no material empírico recolhido, é

alvo de análise de conteúdo, isto é, de um conjunto de instrumentos metodológicos que se

aplicam a discursos (conteúdos e continentes), para uma hermenêutica controlada, que intenta

contra a apreensão intuitiva de significados, e baseada na dedução: a inferência.

“Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade. Absolve e

cauciona o investigador por esta atracção pelo escondido, o latente, o não-aparente,

o potencial de inédito (do não dito) retido por qualquer mensagem.” (Bardin, 2004, p.7)

Comporta um “rodeio metodológico e o emprego de «técnicas de ruptura» ” (idem)

que se opõem à leitura simplista do real, e defendem o investigador da armadilha das

impressões quando o objecto de análise nos é familiar, tornando a leitura válida e

generalizável. Permite descobrir com mais segurança os conteúdos e estruturas que

confirmam ou infirmam as nossas hipóteses e esclarecer significações que a priori não

compreendíamos. A análise sistemática do conteúdo enriquece a tentativa exploratória,

aumenta as descobertas e/ou «serve de prova» face às nossas hipóteses. Para tal obedece a

algumas regras base, sendo no mais reinventada a cada momento de forma adequada ao

domínio e ao objectivo. A descrição analítica constitui uma primeira fase do procedimento.

Tratando-se de um estudo empírico sobre o discurso, a análise crítica e interpretativa

dos conteúdos e a desocultação do não dito apoia-se num quadro teórico, numa hermenêutica

de inferências.

Para facilitar a compreensão dos dados recolhidos construímos uma grelha de análise

que, a partir do discurso dos professores, registe as alterações ao seu perfil, separando os

factores de mudança e os de continuidade nos seus quotidianos escolares, pois...

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Introdução

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32

“[the] product of bricoleur‟s job is a bricolage, a complex, dense, reflexive,

collagelike creation that represents the researcher‟s images, understandings and interpretations of the world or phenomenon under analysis.” (Denzin & Lincoln,

1998, p.4)

4. Estrutura do Trabalho

O texto que compõe esta investigação está organizado e estruturado em quatro

capítulos.

Capítulo I – Olhares através do lago

No Capítulo I, a partir dos contributos de Dubar e outros autores, procuramos

apreender de que forma a investigação e a produção teórica vêm tratando esta temática, e

esclarecer conceitos manipulados no presente estudo, como identidade, perfil e representações

sobre estes. Desenvolvemos também alguns modelos de desempenho que são a expressão na

acção de perfis possíveis. São imagens já desvendadas para além da superfície do lago da

profissão docente.

Capítulo II – O lago in situ

No Capítulo II, colocamo-nos no lugar do arqueólogo que estuda o contexto do

achado. O mesmo é dizer que pretendemos trazer à colacção uma imagem sócio-histórica do

período a que se reporta o estudo, do tempo e do espaço em que se escreve a história,

começando depois da revolução de Abril de 74, procurando situar e compreender os ciclos das

políticas educativas que deram esteio à modernização e à aplicação do novo paradigma da

escola para todos, na Educação. Para tal apoiámo-nos em autores e obras de referência e em

algumas fontes documentais que identificamos na bibliografia.

Capítulo III – Metamorfoses em espelho de água

No capítulo III, intentamos uma leitura crítica dos discursos dos professores em

função da questão colocada nos Focus groups sobre o reconhecimento de possíveis alterações

e continuidades no perfil docente, ao longo do período considerado (1976-2006), e suas

causas, procurando também desocultar o não dito nas representações verbalizadas. É o lugar

onde a superfície do lago devolve as imagens dos professores que nele se debruçaram,

permitindo uma contemplação reflexiva que o estudo problematiza, cruzando, naturalmente,

com as conclusões de alguma outra investigação e o apport de autores que aqui convocamos e

de obras consultadas que a bibliografia referencia.

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Introdução

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33

Capítulo IV – Conclusões

Por fim, no Capítulo IV, apresentamos algumas conclusões da investigação realizada,

que apontam para impactos da globalização na (re)construção do perfil docente, mediante

factores catalizadores de novas qualidades que nem sempre se apresentam à consciência dos

docentes como produto daquela. Evidenciamos um elemento que nos pareceu destacar-se do

quadro geral, isto é, o papel do factor aluno - o parceiro mais directo - na (re)construção do

perfil docente individual, sobretudo num quadro de reconfiguração face às crianças/jovens da

pós modernidade, que comportam um desafio permanente à plasticidade da acção docente e

um risco profissional, de acordo com um mundo em que a incerteza se manifesta a par da

evolução vertiginosa do conhecimento e dos seus campos de aplicação. Ao concluir, não

deixamos de nos interrogar, deixando possíveis pontas soltas que outros trabalhos poderão

seguir e (re)ligar.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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34

CAPITULO I

Olhares através do lago.

“A identidade nunca é dada, é sempre construída e a

(re)construir numa incerteza maior ou menor e mais ou

menos durável.”

Claude Dubar, 1997, p.104

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Capítulo I - Olhares através do lago

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1. Identidade(s) docente(s) e representações

1.1. Identidade docente

Para perspectivar e enquadrar o nosso trabalho com a investigação e a produção

teórica produzida, procurámos fazer uma revisão de literatura que nos situasse nas políticas

educativas, contemporâneas com a temporalidade do âmbito de investigação, e também que

elucidasse processos de mudança e procedesse à clarificação de conceitos chave, no quadro da

construção identitária dos docentes e das representações sobre elas.

Na tentativa de evitar falta de precisão terminológica, quando os termos comportem

matizes não negligenciáveis, requer consideração particular o perfil docente como

profissionalidade e identidade, no quadro de uma deontologia, das funções, dos papéis, dos

quadros performativos, ou duma cultura profissional; mas também as representações como

perspectivam, percepções, atitudes, ou como concepções, crenças, teorias implícitas,

epistemologia pessoal, ou pensamento do professor (Estrela, 1997).

Segundo Dubar (1997) e colocando o processo identitário no contexto que o torna

possível, isto é, em socialização, “a identidade não é mais do que o resultado simultaneamente

estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos

diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indíviduos e definem as

instituições” (p.105). A forma como o indivíduo se vê a si próprio, ou “identidade para si”

(idem, ibidem), e a forma como vê e é visto pelos outros com quem interage, ou “identidade

para o outro” (idem, ibidem), estão intimamente relacionadas e são dinâmicas no mesmo

processo incerto e de duração imprevisível de construção identitária. A identidade individual

revê-se ao espelho, que é o colectivo, e vê devolvida uma sua imagem que incorpora em

transacções sucessivas e interdependentes, “para fazer da identidade social uma articulação

entre duas transacções (...): uma transacção “interna ao indivíduo” e uma “externa”

estabelecida entre o indivíduo e as instituições com quem interage” (Dubar, 1997, p.103).

O discurso ou comunicação sobre si e sobre o outro insere-se na actividade

comunicacional e instrumental de que fala Habermas (1967)14

, estruturante também ela da

14 Habermas, J. (1967). Travail et interaction. Remarques sur la philosophie de l‟esprit de Gegel à Iéna, in La

téchnique de la science comme “idéologie”, trad. Gallimard, Les Essais. 1973, pp.152-187. Apud Dubar, C.

(1997, p.82).

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Capítulo I - Olhares através do lago

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identidade dos indivíduos, quando considera que a mudança individual ou social se realiza a

partir de um processo (educativo) de interacção entre iguais, e que o sujeito se constrói na

dialéctica entre pensamento e acção. Considerando o Homem como um ser comunicativo que

no diálogo se realiza a si próprio, e também à sociedade, porque marca a acção social,

reivindica para o sujeito o papel de “sujeito em diálogo” sustentando a nossa pretensão de que

o discurso dos docentes sobre o seu campo de acção profissional, a enunciação das suas

representações, seja ao mesmo tempo uma oportunidade e um meio de (re)configuração e/ou

de (re)afirmação.

Também a representação que os docentes constroem sobre os impactos das políticas

na vida profissional e nos diferentes objectos e contextos educativos, na evolução da

performance individual, da sua praxis profissional e das/os companheiras/os de profissão,

condiciona a sua resposta, e enforma a sua capacidade de mudar. Conforme Benavente (1999)

salienta, “as representações que cada um forjou lentamente sobre o mundo, sobre os outros e

sobre si próprio”, a consciência desta “realidade subjacente das mentalidades”, é “uma das

dimensões mais importantes e difíceis da mudança”, é “uma infra-estrutura dos

comportamentos” (p.310), que tem que ser tida em conta nos processos formativos para a

mudança, enquanto factor indispensável e instituinte de possibilidade de inovação e de

sucesso educativo. Pode ser, quanto a nós, um meio prospectivo e antecipador de futuros

possíveis de Escola, na óptica do docente.

O estudo da identidade docente remete-nos para diferentes domínios, das Ciências

Sociais e Humanas, da Psicologia à Psicologia Social, passando pela Sociologia ou pela

Antropologia. Segundo Lopes (2003), a comunidade científica das Ciências da Educação e

das Ciências Sociais e Humanas vem manifestando interesse pelo estudo da identidade face à

manifesta relevância - sobretudo em contextos de crise - de dimensões e processos das

actividades humanas antes não considerados, tais como sistemas pessoais, relacionais e

comunicacionais, aquilo a que chama a”espessura humana” que contamina e determina a

acção por mais técnica que seja.

A questão da identidade do professor é ainda tratada na literatura segundo três

aspectos, que Develay (2004) explicita como: (i) a ideia de ideal tipo, (ii) pelos referenciais de

competências que caracterizam aquelas que são requeridas para ser professor; ou (iii) pela

importância conferida ao actor, à sua capacidade de reflexibilidade em função da construção

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Capítulo I - Olhares através do lago

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37

dos saberes da prática. O primeiro, no sentido do sociólogo Max Weber15

, “leva a uma

abordagem holística da nova profissão do professor, [em que este] é percepcionado como um

mago (pelo seu carisma), como um técnico (o professor é um bom artesão), como um bom

engenheiro (capaz de engenharia pedagógica ou didáctica), e como um profissional

(desenvolvendo as competências de uma prática reflectida) ” (idem, p.56).

Trigo-Santos (1996) observa que a satisfação profissional tem sido um dos aspectos

mais estudados em Portugal, relativamente aos docentes. Segundo Estrela (1997), o professor

como objecto de pesquisa surge com a necessidade de investigar eficácia face à crescente

democratização do ensino, caracterizando-se «o bom professor», primeiro, segundo o

paradigma do prognóstico-produto e, cerca dos anos 1980, do processo-produto. Os estudos

desenvolvidos põem a descoberto componentes técnicas da profissão que são possíveis de

aprender e treinar por oposição à ideia do «dom» do professor nato e promovem a definição

de saberes-fazer e atitudes que são requisito da docência, acentuando o carácter profissional

do que se considerara uma ocupação.

O conceito de bom professor e de educação de qualidade, variável de acordo com os

fins, estabelece no senso comum uma ligação implícita com a proficiência docente, a

manutenção de disciplina na sala de aula e os resultados obtidos pelos alunos. Esta visão tão

exterior ao processo de ensino aprendizagem dos dias de hoje transporta consigo o paradigma

tradicional duma escola homogénea, homogeneizante passada; ignora características da

prática docente, hoje indispensáveis, que se prendem com a maior ou menor atenção à

diferença ou mesmo a «indiferença à diferença» (Santos, 1995), com um devir inevitável de

diferenciação pedagógica que torna o professor um actor imprescindível, contrariando

prognósticos da sua extinção16

.

15

Max Weber (1864-1920) criou o conceito de Tipo ideal (do alemão Idealtyp) como um instrumento de análise

sociológica, um recurso analítico, para o apreendimento da sociedade por parte do cientista social com o

objectivo de criar tipologias puras, destituídas de tom avaliativo, a partir das evidências do objecto, sem que o

investigador se perca na infinidade das suas subtilezas. O tipo ideal não corresponde à realidade, mas pode

ajudar à sua compreensão, de forma racional e com base nas escolhas daquele que analisa. É então um conceito teórico abstracto criado com base na realidade-indução, servindo como um "guia" na variedade de fenómenos

que ocorrem na realidade; por se basear na indução, dá ênfase à caracterização sistemática dos padrões

individuais concretos (característica das ciências humanas) opondo-se à generalização, tal como é conhecida nas

ciências naturais, e ao método comparativo dos positivistas, como Émile Durkheim. In

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tipo_ideal. Acedido em 15 Julho 2009.

16 Lyotard (1989) e Cortesão (2000) teorizam esta morte anunciada aduzindo possibilidades de sobrevivência.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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Factores identitários

A profissionalidade, definida por Sacristán (1991)17

, como a afirmação de “um

conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a

especificidade de ser professor” (p.63) é, segundo o autor, um conceito e uma prática em

permanente elaboração em função do momento histórico e da realidade social que o

conhecimento escolar pretende servir. Também para Ball (2003), o profissionalismo é “uma

forma de prática contextualizada” (p.540), estando em curso uma profunda mudança em

algumas das forças independentes que, nessa prática, condicionam a formação da identidade

profissional dos professores.

As tecnologias políticas de reforma, instrumentos reguladores do Estado, são

identificadas por aquele autor (2002) entre os factores de (re)construção identitária, como

factores reformadores do que significa ser professor, das suas capacidades e atributos. Estes

instrumentos, segundo o autor, convidam hoje os professorem a rever a sua produtividade

como “sujeitos empresariais” ou “profissionais neoliberais” (p.6). A formação inicial e

contínua, juntamente com outros mecanismos performativos18

(con/re)formam a identidade

profissional, de acordo com a (re)orientação do sistema educativo e as intervenções

discursivas dos agentes políticos, no momento histórico. Então, “novos papéis e

subjectividades [e novas éticas] são criados conforme os professores são «re-trabalhados» (...)

e são sujeitos a avaliações/apreciações regulares, a revisões e comparações do seu

desempenho” (idem, ibidem).

O mercado educativo, ou, na sua versão neoliberal híbrida, o «quasi-mercado»19

, e os

factores de competição, “a incerteza e a instabilidade de se ser julgado de diferentes maneiras,

17 Gimeno S. J. (1991). Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In

A.Nóvoa (org). Profissão Professor. Porto: Porto Editora.

18 Ball (2002) define performatividade como “uma tecnologia, uma cultura e uma forma de regulação que se

serve de críticas, comparações e exposições, como meio de controlo, atrito e mudança” (p.4).

19 Cf Barroso, J. (2006). Com o advento da Escola de massas, a regulação do funcionamento do Sistema

Educativo caracterizava-se por uma combinação entre uma "regulação de controlo estatal, de tipo burocrático e administrativo" (Barroso & Viseu, 2003, p.898) e uma "regulacao autónoma, corporativa de tipo profissional e

pedagógico" (idem, ibidem) que se traduziu numa "regulação conjunta" baseada na concertação entre o "Estado

educador" e os professores. A emergência de uma lógica de mercado nas políticas públicas, e a coexistência

temporal e espacial com o processo anterior faz com que, muitas vezes, a mudança se resuma a uma simples

passagem (ou escolha) entre a regulação pelo Estado e a regulação pelo mercado, não assumindo o objectivo de

substituir globalmente 0 modelo de serviço público existente, mas sim de introduzir ajustamentos ou melhorias

no sistema. “Ou, como defendem algumas soluções mais simplistas para os actuais problemas das políticas

educativas (baseados nos princípios da «economia mista»), que se tentem combater as «falhas» do Estado com o

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Capítulo I - Olhares através do lago

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por diferentes meios, através de diferentes agentes e agências e a exigência de (...) mostrar

desempenhos excelentes (...) numa frustrante sucessão de números e indicadores [em função

de] fins contraditórios, motivações indistintas e valor próprio incerto” (idem, p.10) são um

meio através do qual a capacidade, a conduta e o estatuto do indivíduo profissional é

compelido a (con)formar-se.

Os contextos associativos apresentam-se também como o cadinho em que a

identidade colectiva e individual se reforça em alquimias produtoras de novas qualidades,

mesmo em momentos em que se verifica “um aumento da individualização e a quebra de

solidariedades baseadas na identidade profissional comum, e a filiação em sindicatos, contra a

construção de novas formas institucionais de filiação e «comunidade» baseada numa cultura

de empresa” (idem, p.9).

Lima (2008) refere diferentes estudos sobre identidade docente (Barros, 1991; Jesus

& Abreu, 1994; Moreno, 1998; Lopes, 2000; Pinto, Lima & Silva, 2003), em que também os

alunos são mais ou menos directa ou colateralmente identificados como continentes de

influências e atributos, que de algum modo interferem no perfil e identidade dos seus

professores, funcionando como o “outro” que atribui identidade a alguém, identidade

assimilada ou não pela identidade predicativa de si, que exprime a identidade singular de uma

pessoa, com a sua história individual vivida.

Barros, Neto & Barros (1991), por exemplo, contrapõem aos resultados oferecidos

pelo Relatório Braga da Cruz20

com outros estudos que concluem existir uma satisfação

profissional generalizada entre os professores, centrada essencialmente no trabalho com os

alunos e na realização profissional. E, segundo Jesus & Abreu (1994), em estudo sobre

“orientação motivacional dos professores”, o desejo de permanecer na profissão era maior,

entre os inquiridos, quando, nomeadamente, tinham expectativas de virem a desenvolver

relações positivas com os seus alunos.

Moreno (1998), ao investigar a motivação reconhecida em sessenta professores, em

exercício de funções descobriu que, entre outras das variáveis mais importantes para explicar

reforço do mercado, e as “falhas” do mercado com o reforço do Estado, numa utilização híbrida” (Barroso, 2006,

p.133).

20 Braga da Cruz et a1. (1988) concluem que mais de 35% dos respondentes deixariam o ensino se pudessem,

mais eles que elas e menos os docentes do 1º ciclo que os dos restantes níveis inquiridos. As razões mais

apontadas foram o baixo salário, a degradação da carreira e a falta de estímulo.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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a sua motivação, se encontravam as relações com os alunos e os desafios encontrados no seu

desempenho.

Também os problemas relativos aos alunos (comportamento, níveis de ruído,

aceitação da autoridade do professor) são percepcionados como geradores de stresse, entre

uma amostra de setecentos e setenta e sete professores dos Ensinos Básico e Secundário do

território da Direcção Regional de Educação de Lisboa (Pinto, Lima & Silva, 2003).

Lopes (2000), apoiada nos trabalhos de Dubar, associou a problemática da

construção da identidade profissional aos contextos de trabalho, diagnosticando a existência

duma crise que diz ser fruto da discrepância entre a identidade profissional individual e a

colectiva, comum a outros sectores da sociedade contemporânea. Conclui, na sua

investigação, que as professoras inquiridas (1º ciclo do EB) assentam a sua auto imagem

positiva no “amor” às crianças, como ética e na “experiência” como conhecimento; Salientam

ainda como expectativa de satisfação no relacionamento entre pares o “trabalhar e aprender

em conjunto”, ou o que designamos por formação (contínua) cooperativa.

1.1.1. Identidade, género, funções

Sendo um grupo profissional ainda maioritariamente feminino, Lima (2008, p. 25)

refere alguns estudos, como de Loureiro (1997) e Caria (1999), que encontraram diferenças

quer nas motivações, quer nas trajectórias, quer nas crises vividas pelos homens,

respectivamente mais passivas, mais problemáticas e em maior número, que nas mulheres,

participando menos na vida da escola, a que dão lugar menos prioritário nas suas vidas.21

Seria pois interessante perceber se esta peculiaridade também se traduz numa diferente

relação com os alunos ou se estes influenciam a sua identidade profissional de modo ou com

impacto diferente que nas professoras. Refere ainda o mesmo autor que, no estudo de Estrela,

Rodrigues, Moreira & Esteves (1998), as professoras pareciam mais motivadas que os seus

colegas para trabalhar individualmente com os alunos, e a valorizar mais um tipo de formação

que desenvolvesse competências de comunicação interpessoal e de avaliação dos alunos e

seus contextos.

Outros estudos, como os de Caria (2007), desenvolvem uma perspectiva etnográfica

da profissão, atribuindo-lhe uma identidade que se cruza com o conceito de cultura, utilizando

21 Apesar disso os indicadores apontam para o reconhecimento percentualmente superior ao das colegas, quanto

à presença em lugares de direcção e gestão das escolas.

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para isso o método etnográfico de análise, como parte de “uma problemática teórica de

inspiração sociológica e antropológica” (p.215). Este autor desenvolve uma visão do papel

institucional da profissão, que “reconhece a importância dos processos de reciprocidade de

sentido na construção do social e uma identificação do actor social com a actividade laboral”

(idem, ibidem). Esta identificação “é principalmente determinada pela interacção entre pares

da mesma profissão (…) e pela subjectividade colectiva dos profissionais em causa, inscrita

na autonomia que estes têm para definir o processo do seu trabalho” (idem, pp.126-127). O

que se cruza com a perspectiva de Sainsaulieu (1985)22

, que coloca a hipótese de que o

investimento privilegiado num espaço de reconhecimento identitário está dependente das

relações de poder neste espaço, do lugar que o indivíduo ocupa e do seu grupo de pertença e é

inseparável dos espaços de legitimação dos saberes e competências associados às identidades.

1.2. Modelos de desempenho

Segundo Dubar (1997), qualquer professor recém-chegado à profissão, tenha uma

perspectiva mais messiânica e militante ou mais funcionalista e normalizada da profissão,

transporta consigo um conhecimento científico e instrumental temperado de sonhos de

realização. Esta constatação encontra eco na nossa memória pessoal, para esse período da

carreira docente. O referido autor, acentua que:

“Entre os acontecimentos mais importantes para a identidade social, a saída do

sistema escolar e o confronto com o mercado de trabalho constituem (...) um momento essencial na construção da identidade autónoma. (...) E é no confronto

com o mercado de trabalho que, sem dúvida, se situa hoje o desafio identitário mais

importante dos individuos da geração da crise. (...) É da sua saída que depende, simultaneamente, a identificação pelo outro das suas competências, do seu estatuto,

e da carreira possível e a construção para si do projecto, das aspirações e da

identidade possível.” (Dubar, 1997, p.113)

Nada faz prever na formação inicial o embate com a realidade que agora lhe tira o

sono. À frente do(a) jovem professor(a), diariamente, dezenas de rostos o(a) perscrutam,

experimentam, desafiam, na solidão multi-povoada da Escola, cuja organização - por mais

coordenações, delegações e reuniões - na sua praxis, não é democrática, integradora e

cooperativa, mas antes performativa/conformativa e competitiva. Assim, para construir

respostas imediatas às situações que enfrenta, o(a) jovem professor/a pode ser levado(a) a

22 In Dubar, C. (1997) A Socialização: Construção das Identidades Sociais e Profissionais. Porto Editora, pp

117-118.

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reactualizar experiências vividas como aluno(a) e a elaborar esquemas de actuação que

rotiniza, esquecendo mesmo propostas mais inovadoras que teoricamente acalentara (Cavaco,

1991). O seu desempenho é confrontado diariamente com uma hiper responsabilização em

relação aos resultados escolares e à qualidade do ensino, o que reflecte um sistema educativo

e social avaliativo centrado na figura do professor como condutor visível dos processos

institucionalizados da educação, ignorando, por exemplo, a importância dos contextos

organizacionais.

No «lugar do morto» (António, 2004), entre a tutela e a sociedade, entre o programa

nacional, o currículo e os seus alunos e famílias, no jogo entre o que há em si (o eu e o

conhecimento), o mais que procura constantemente (melhor eu, melhor conhecimento) e o

que lhe é pedido (o programa cumprido, o sucesso escolar e educativo, o bem-estar dos

alunos, entre outros) se faz um profissional. Um profissional, na heterogeneidade da profissão

que contempla especificidades de nível de ensino, de disciplinas, de regiões de inserção, de

orientação ideológica e didáctica, mas que se auto inclui e é pelos pares reconhecido como

portador duma identidade colectiva visível.

A construção de identidade, a definição de um perfil profissional e de uma

deontologia comum é, segundo Dubar (1997), uma articulação entre duas transacções: uma,

interna ao indivíduo, subjectiva, biográfica, e outra, externa, entre o indivíduo e as

instituições, objectiva e relacional. Conforme este autor refere, ambas se processam por

mecanismos de identificação e por mecanismos de atribuição, segundo as categorias sociais

disponíveis, de legitimidade variável. Se existe desacordo entre os dois processos, os

indivíduos desenvolvem estratégias de acomodação (transacção objectiva) ou de assimilação

(transacção subjectiva), construindo-se a identidade na articulação entre estas duas lógicas.

A identidade instituída, que se expressa num perfil ou perfis específicos,

consubstancia-se em desempenhos que se aproximam e/ou afastam dos parâmetros inscritos

nos diplomas normativos, metabolizados de forma particular, mediatizados pela identidade

predicativa individual, pelo ambiente do grupo particular – escola ou movimento pedagógico

– da ingência dos mandatos percebidos e dos imperativos da acção directa na sala de aula e

dos alunos em concreto. Deste modo, cada professor(a) realiza a passagem do agir

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instrumental ao agir comunicacional23

entendido como perfil em campo, eventualmente

reformando reformas e cometendo infidelidades normativas, nas palavras de Lima (1992).

Os professores são os actores educativos que mais directamente convivem com a

comunidade diversa de alunos e pais, intentando realizar com os primeiros uma tarefa de

habilitação através do conhecimento mas também dos valores, e em cujo desempenho

assumem múltiplos perfis, à medida que procuram adequar-se à realidade viva e dinâmica da

sala de aula e responder a demandas sociais e tutelares diferentes, nem sempre convergentes

com uma percepção pessoal e profissional do que precisaria ser feito.

Assim, de acordo com as perspectivas que apontam funções distintas à escola se

preconizam meios para atingir os diferentes desideratos educativos e surgem diferentes

opiniões sobre o papel do professor: mais transmissivo, instrumental e tradicional, falsamente

neutral e culturalmente daltónico, mais ou menos produtor e reprodutor do conhecimento e

das normas socializadoras, ou mais investigativo, resistente a funcionalização, emancipador e

orientador do ensino aprendizagem24

.

Aceitando-se que a profissionalidade docente se afirma a partir daquilo que é

específico na acção docente, do conjunto de conhecimentos, destrezas, comportamentos,

atitudes e valores que lhe conferem especificidade, a sua eficácia remete para o desempenho e

para conhecimentos específicos que se articulam com os fins e as práticas do sistema

educativo, adquiridos em formação inicial e desenvolvida e actualizada naquela que

acompanha a carreira profissional, a formação contínua.

Ao longo dos tempos, as pedagogias orientaram a prática docente para diferentes

ênfases no que concerne à melhor maneira de ensinar e de levar a aprender, ora promovendo a

23 Estes conceitos reportam-se a Jürgen Habermas, filósofo e teórico social alemão do pós-guerra, que mereceu

grande destaque no âmbito das Ciências Sociais, não abordando contudo como tópico principal as questões

educativas. É reconhecido representante da Teoria Crítica, nascida no âmbito da Escola de Frankfurt, na

Alemanha dos anos 20, influenciador de movimentos preconizadores das chamadas “Pedagogias Críticas”, que

configuram a necessidade de afirmar uma nova consciência epistemológica na Educação, bem como uma

transformação nas práticas educativas na Escola.

O discurso, visto como uma auto actividade e um método ou ferramenta do educador na sala de aula, parece

ficar-se por uma relação mais instrumental que comunicativa com o educando; assim a noção de “agir comunicativo” estabelece uma nova orientação, uma vez que a comunicação humana é também um princípio de

acção capaz de marcar a acção social, de a transformar, locus em que a aprendizagem reside como processo de

interacção comunicativa em que professor é promotor do diálogo. Sobre esta questão ver Coutinho (2002).

Na hipótese considerada, colocámos a tutela e seus discursos normativos no lugar da comunicação como

instrumento e a transposição dos mesmos por processos de metabolização no indivíduo ou grupo docente, para o

campo das práticas, onde reside o agir comunicaconal. 24 Cortesão & Stoer (1996, 1997) apresentam e desenvolvem esta caracterização dos modelos de exercício

docente.

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centração do ensino/aprendizagem no professor, no currículo ou no aluno. Assim, também as

opções que cada docente fez, usando da autonomia que a profissão lhe permite, torna

diferente aos olhos dos outros o professor que é, dando ao respectivo perfil características que

o diferenciam de outro.

Há portanto uma galeria de personagens e de papéis possíveis de serem

desempenhados pelos professores, salvaguardadas as suas particularidade instituídas e

instituintes, e que têm vindo a ser interpretados de modos diversos de acordo com o quadro

teórico que as analisa. Assim se fala daqueles que se confinam ao magistério de uma

educação bancária, de que fala Freire (1975) ou, como salienta Cortesão (2000) daqueles “que

representam somente, de forma mais ou menos consciente, um instrumento de reprodução

sócio-cultural” (p.53), e cujas atribuições são herdadas dos processos educativos tradicionais,

mais transmissivos, movimentando-se, “no subcampo de poder do campo da cultura, já ele

próprio submetido ao campo económico (…) hegemónico” (idem, 2000, p.10) e que, no seu

trabalho são, conforme Bernstein (1996)25

, «tradutores» do conhecimento científico produzido

por outros. É o professor que «sabe», domina e ordena os conteúdos científicos considerados

arbitrariamente indispensáveis e explica-os bem, com clareza, aos alunos receptores, segundo

metodologias expositivas, utilizando “linguagem erudita (...) e o jargão próprio da disciplina”

(Cortesão, 2000, p.35), a um ritmo adequado à faixa etária média em presença. É o professor

“daltónico” (Cortesão, 2000), que não consegue discernir a diferença nem identificar a

heterogeneidade, formado num quadro conceptual único, fiel às finalidades, que se pretende

igualitário e neutral no acto educativo, manipulando uma bem explícita pedagogia visível.

Este perfil clássico de «bom professor» constrói uma Escola tradicional, monocultural,

meritocrática e selectiva.

A heterogeneidade da escola de massas fez perigar a estabilidade conhecida, quando

os professores perderam o que foi em tempos um público previsível, submisso, disponível

para aprender o que lhes era exigido, ou para interiorizar humildemente o seu insucesso

(Cortesão & Torres, 1990), enfrentando agora alunos que não gostam de estar na escola e o

manifestam. As orientações educativas das últimas décadas mostram finalmente reconhecer a

heterogeneidade, recomendando situações de ensino e de aprendizagem adequadas, para uma

maior equidade dos percursos escolares, uma relação professor aluno mais próxima,

afectuosa, securizante e estimulante, fazendo apelo a um professor «não daltónico». A

25 In Cortesão (2000), p.36.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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verdade é que da leitura das recomendações à interiorização e adequação no terreno seguiu-se

um longo período de aprendizagem que, até incluir a diferença fazendo dela igualdade, passou

pela fase de reconhecimento, caracterização e exposição equivalente a tolerância, que Stoer

designa de folclorização das diferenças ou de multiculturalismo benigno (Stoer, 1999).

Respondendo a novos desafios, consideram-se então os professores que colocam o

seu enfoque no desenvolvimento de competências segundo projectos personalizados, que

ensinam a investigar e a aprender, que estabelecem com os seus alunos uma parceria de

objectivos e de trabalho e que podem ser eles mesmo investigadores-actores críticos

(Cortesão, 2000), intelectuais transformativos, trabalhadores culturais, professores que não

dissociam a cidadania da profissão. O papel do professor é então “colocar-se no lugar dos

aprendizes” (Perrenoud, 2000, pp.28-29), ou seja, ser capaz de compreender o quadro de

referências do aluno e trabalhar a partir dele, para “reestruturar seu sistema de compreensão

do mundo” (Perrenoud, 2000, p.30), isto é, aprender. Tal implica uma concepção do ensino

com pressupostos activos e construtivistas, apoiada em dispositivos e sequências didácticas.

Implica estabelecer laços com as teorias subjacentes às actividades, conhecer de forma

aprofundada as teorias de desenvolvimento de aprendizagem bem como das didácticas das

disciplinas, que lhe permitem aproveitar, escolher e/ou inventar a actividade adequada a cada

situação/sequência de aprendizagem, prevista ou ocorrida, evitando a rotina, o senso comum

ou a tradição pedagógica (Perrenoud, 2000). Implica ter presentes as mudanças no mundo lá

fora, portas da Escola adentro e exercer a sua função permanentemente questionada e

reciclada em conhecimentos e atitudes.

Cortesão (2000) analisa duas categorias de professores, o “monocultural” e o

“intermulticultural”26

, correlacionando-os com a formação e o enquadramento teórico que

adoptam. O professor “monocultural”, reprodutor de uma “cidadania uniforme“ (p.38),

cientificamente competente, é um professor com sólida preparação, bom tradutor da

complexidade da ciência, seguro e estável, que valoriza a cultura nacional tradicional, claro e

interessante, paciente e trabalhador, distribuidor de saberes a todos os alunos, fonte/emissor

de saber, equitativo, eficiente, justo e exigente, praticando correctamente a avaliação,

preocupado com as dificuldades dos alunos, disponível, que contribui para a construção do

aluno-tipo ideal.

26 Cf. Stoer, 1994 e Stoer & Cortesão, 1999.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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Entende a formação como meio de dominar os conteúdos disciplinares e as

didácticas, valorizando a aquisição de saberes universais e do desenvolvimento cognitivo pela

aprendizagem, de identificar a metodologia mais interessante para cada conteúdo, enfatizando

a didáctica das disciplinas, de desenvolver a transmissão de saberes considerados importantes,

a capacidade de expor com correcção, clareza e elegância, de promover formas igualitárias de

ensino dirigido ao aluno médio, de aumentar a competência, a eficácia e a normalização, de

identificar handicaps e dificuldades de aprendizagem, procurando processos vários de

motivação e avaliação formativa de tipo compensatório.

O seu enquadramento teórico consiste no entendimento da escola como campo

neutral de aquisição de saberes, selectiva e meritocrática.Valoriza as metodologias e os

materiais standardizados, valoriza a estabilidade e a importância de manter a cultura erudita e

nacional, sendo prioritária a transmição de saberes considerados importantes. Concebe os

alunos como receptores, todos iguais em direitos e deveres, preocupado com a garantia da

oferta de igualdade de oportunidade de acesso, acredita numa justa selecção pelo mérito,

entende a massificação do ensino como forma de enfrentar a escola de massas e vê os alunos

como conjuntos homogéneos, considerando as diferenças penalizáveis e dando explicações

biológicas e psicológicas para as dificuldades escolares implicando-se na compreensão de

handicaps existentes nos alunos.

O professor “intermulticultural”, interessado na construção de uma “cidadania

colorida” (p.48), é um professor que se interroga, que se dá conta da heterogeneidade em

presença, capaz de investigar para melhor entender e agir, identificar e analisar problemas de

aprendizagem e de elaborar respostas não estereotipadas às diferentes situações educativas. É,

portanto, um professor flexível, que proporciona aos seus alunos formas de saber, de poder e

de exercício de cidadania.

Serve-se da formação para abalar a sua própria segurança e o ajudar a questionar os

resultados dos seus alunos e a adequação dos conteúdos, métodos e materiais, para que os

possa recriar como instrumentos de diferenciação pedagógica. Utiliza-a para reconhecer e

compreender a heterogeneidade presente na escola e na sala de aula e as características que a

compõem, e também para analisar problemas e significados, das relações de poder às

propostas educativas. Procura nela contributos para o desenvolvimento da democracia

participativa no seu local de trabalho, mormente na sala de aula.

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Capítulo I - Olhares através do lago

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É o professor que valoriza o papel da Escola no sucesso e insucesso dos alunos e tem

consciência do “arco-iris de culturas” (idem, ibidem) existente nela, procurando rentabilizar a

diferença e alcançar níveis de sucesso semelhantes. Entende a Escola como local de práticas

conflituais, de cruzamento de diferentes poderes, interesses e valores, apostando no

alargamento da autonomia relativa. Valoriza a Investigação-Acção e considera as

propostas/programas de trabalho sempre aferíveis e alteráveis de acordo com os processos.

Adopta o “bilinguismo cultural”27

crítico e tem o exercício da cidadania como meta.

Ao mesmo tempo, outras tipologias da diversidade docente são certamente possíveis

de reconhecimento, categorização e descrição, como as identidades militante, missionária,

laboral, burocrática, artística ou profissional (Formosinho, 1992; Correia & Matos, 2000),

entre outras possíveis, observadas que são diferentes atitudes, competências, saberes

mobilizados ou estratégias, na profissão.

O trabalhador docente é antes de tudo um homem ou uma mulher, dotado(a) de

personalidade e experiências inalienáveis que o(a) constroem como ser humano, nas suas

fragilidades e nos seus conhecimentos, emoções e afectos. Face à alteridade permanente que

domina o seu campo de acção, é natural a ambivalência, pois mesmo quando o seu discurso

ideológico é carregado de humanismo, a própria identidade está constantemente a ser

contrastada e em risco no contacto com o outro, seja o aluno, a família do aluno, a auxiliar,

o/a colega professor/a, os seus pares nas diferentes posições da estrutura que enquadra o

exercício da profissão, ou a entidade de tutela. O estereótipo, a categorização e a clivagem são

por vezes mecanismos defensivos securizantes do «eu» individual e do «eu» institucional. De

acordo com Estrela (1997), “quer os processos colectivos, quer os processos individuais de

profissionalização surgem-nos não como processos acabados no tempo, mas como processos

em curso inseridos em contextos espacio-temporais concretos e em interacção com eles”

(p.13).

Estudos realizados permitem mesmo ter em conta que, ao longo da sua vida

profissional, de acordo com a idade do indivíduo e o tempo na profissão, os professores

desenvolvem atitudes e disponibilidades diferentes que contaminam não só o perfil de

exercício da profissão como o discurso sobre ele, o seu ou o dos seus pares (Hubberman,

1992). Este autor considerou sete fases no desenvolvimento profissional dos professores: 1-

27 “Capacidade de se movimentar, com relativo à-vontade, em mais de um campo cultural”. (Cortesão, 2000,

p.91)

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Capítulo I - Olhares através do lago

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Sobrevivência e “choque do real”, mas também do entusiasmo da descoberta; 2- Estabilização

e satisfação profissional, menos preocupados consigo que com aspectos de natureza

pedagógica; 3-Diversificação das actividades, novos desafios, novas responsabilidades; 4-

Pôr-se em questão, questionar o seu desempenho (meio da carreira); 5- Serenidade e

distanciamento afectivo (45 a 55 anos), menos ambição pessoal, menor nível de investimento,

mais serenidade e confiança; 6- Conservadorismo e lamentações, tendendo a resistir a

mudanças e inovações; 7- Desinvestimento (final de carreira) sereno ou amargo.

Antes deste autor, Foller (1969) e Bown (1978) tinham já teorizado etapas do

desenvolvimento profissional dos professores.

Os perfis até aqui desenhados projectam docentes tipo, conceito operatório que

apenas serve uma clarificação teórica de modus operandi na profissão, porquanto, em nosso

entender, ninguém é apenas uma ou outra coisa, mas antes prevalece uma ou outra orientação

ou, ainda, lançam mão das duas performances em ocasiões diferentes da sua carreira ou da sua

acção. Aqueles perfis não são mais que “imagens bipolares, extremos de um continuum que

corresponde à natural diversidade dos universos dos docentes” (Estrela, 1997, p.15), no

universo das escolas.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Capítulo II

O lago in situ.

“A história é a façanha do homem. (...) Em poucas

palavras a história é, em cada momento, a memória do

género humano, ela dá-lhe conhecimento de si mesmo,

da sua identidade, da sua posição no tempo, da sua

continuidade”.

George Lefebvre, 1981, p. 12

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Capítulo II - O lago in situ.

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1. A Profissão Docente e a Modernização do Sistema Educativo

1.1. A (re)construção socio-histórica do sistema educativo e da profissão docente

As últimas décadas das políticas mundiais caracterizam-se por uma “epidemia

política”, que tem como centro a “reforma da educação” (Ball, 2002), e assim também em

Portugal. Fazemos remontar este ímpeto reformador com incidência no nosso sistema

educativo a finais dos anos sessenta do século passado, na primavera marcelista emergente no

Estado Novo conservador, ficando conhecida como Reforma Veiga Simão.28

Esta contem

propostas de modernização do sistema, de forma a melhor responder às necessidades de mão-

de-obra mais habilitada, requerida por um movimento contrário à estagnação vivida até aos

anos de 1950, a partir de grupos económicos que o afastamento da Guerra acalentou, de uma

industrialização incipiente, e de uma nova burguesia interna com vontade de maior

dinamismo económico e político.

Após a ruptura revolucionária de Abril de 1974, ocorreram, no decurso dos últimos

trinta anos, mudanças políticas e processos estruturantes do sistema educativo, impulsionados

por diferentes visões nacionais e por poderosos agentes externos e globalizadores como a

OCDE29

. As principais agências promotoras das reformas educacionais, como o FMI e o

Banco Mundial, estão por trás dos governos nacionais, que se apresentam como os principais

interessados e agentes das reformas, propagandeando a grande necessidade da sua

implementação, colocando-a como estando “para lá da direita e da esquerda”30. Em Portugal,

tais mudanças perspectivaram-se de acordo com a alternância dos resultados eleitorais, e em

resposta a tendências e transformações políticas e económicas mais amplas, pautando-se pelo

compromisso com a democratização da Educação (Educação para Todos, Aprendizagem ao

28 Lei 5/73, de 25 de Julho.

29 Como refere Teodoro (2001a), foi criado “um vasto sistema de organizações internacionais de natureza

intergovernamental, tanto no plano das Nações Unidas – para além da própria ONU, foram criadas organizações

especializadas como a UNESCO, nos campos da educação, ciência e cultura, ou o FMI e Banco Mundial, no

campo financeiro e da ajuda ao desenvolvimento -, como no plano da cooperação económica num determinado

espaço geográfico – a OECE/OCDE, por exemplo -, deu um forte impulso à internacionalização das problemáticas internacionais” (pp.126-127).

30 Giddens, A. (1995). Para Além da Esquerda e da Direita. São Paulo: Editora UNESP.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Longo da Vida) ou pelo empenho de uma visão mais economicista/produtivista da qualidade e

dos objectivos da Educação e da formação de capital humano com valor de mercado.

Às reformas ocorridas na Europa e internamente, a partir da década de 1980,

correspondem mudanças do paradigma educativo e organizacional. A entrada de Portugal na

Comunidade Económica Europeia, em 1986, corresponde a uma exigência de modernização e

desenvolvimento nacional. A partir daqui, “[a] tónica dominante e legitimadora das políticas

educativas (…) situa-se no plano da ideologia da modernização, através da referencialização

do campo educativo ao mundo empresarial e à definição económica da educação” (Mendes,

2004, p.94). Os imperativos do crescimento económico justificam a democratização através

de reformas que se consubstanciam na construção de uma Escola para todos, na emergência

de novos alunos e de novas respostas educativas. Tais processos comportaram instrumentos

de mudança das organizações escolares e do sistema educativo, mas foram também poderosos

meios para “mudar o que significa ser professor” (Ball, 2002, p.3), alterando a sua concepção

identitária, para Si e para o Outro (Dubar, 2006) e, introduzindo “novos modos de fabricação

da alma dos professores”, na expressão de Foucault (1996)31

. Enquanto actores incontornáveis

da acção educativa e da mudança, estes, nas suas práticas, resistem, acomodam-se ou

renovam-se, face às novas qualidades em presença que são consequência endógena do ímpeto

reformista e consequência exógena das mudanças operadas na sociedade.

As organizações e os professores mudam devagar, pela sua natureza conservadora,

pela sua pouca permeabilidade, pela delicadeza dos protagonistas e/ou pelo valor natural da

estabilidade contra o desequilíbrio precursor da mudança. Também a inovação educativa é um

processo lento, que envolve diferentes níveis de realidade, carece ser negociado, partilhado,

formado, que não se desenvolve enquanto os protagonistas o não tomem como seu. Daí a

importância de que se reveste a representação que os actores/professores têm dos processos

vividos na sua profissão e das flutuações que determinam no seu perfil, olhados com as lentes

duma análise crítica que aposta no poder da educação, na capacidade de autonomia e de

aperfeiçoamento humano, na sua actividade reflexiva e de emancipação através de um

processo dialéctico, seguindo o ditame da própria razão, construtora de mudanças (Coutinho,

2002).

31

Foucault, M. (1996) Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes in Teodoro, A. (2006). Professores, para

quê? Mudanças e Desafios na Profissão Docente. Profedições, p.83

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Capítulo II - O lago in situ.

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Apesar das transformações que nos cercam, há ainda, em certos domínios, uma certa

invisibilidade dos processos (de globalização) que, contudo, marcam muitos dos aspectos

quotidianos das nossas vidas, e também na educação, fenómeno que Santos (2001) designa de

“globalização de baixa intensidade”. Neste quadro “avultam mudanças ao nível da redefinição

do papel do Estado nas políticas de educação, sobretudo em tempo de construção de uma

Europa da educação. (…) [Os] factores globalizadores são assim mediados e permeados pelos

efeitos que produzem ao nível das políticas educativas do Estado” (Sanches, 2004, p.39),

enquanto a transnacionalização das orientações comuns avança de forma insidiosa.

Portugal, país semiperiférico32

no mundo globalizado, vem construindo desde os anos

70 do século passado, a partir de demandas internas e das agendas transnacionais que

subscreve, a democratização do sistema educativo, traduzida numa escola para todos, através

de medidas de apoio social à frequência do ensino básico obrigatório e gratuito. Nesse quadro

procedeu também à integração dos jovens portadores de deficiência na escola regular.

Sujeita aos factores exógenos de mudança, a sociedade portuguesa viveu em curtas

décadas processos de renovação que, ancorados numa mudança de regime, varreram o campo

das mentalidades, do poder ser, do poder fazer e do poder vir a ser, ungido de muita esperança

e refreado por muita contingência reguladora interna e externa. Os agentes educativos

formam-se bebendo destes ares que, em lufadas, apontam diferentes direcções, somatizando

em acção educativa e reconstrução profissional que, em momentos particulares, mostra

dinâmica colectiva de referência.

De trabalho a meio tempo ou semi-profissão à docência como profissão se

desenvolveu um processo de construção e de reconhecimento social. Uma Lei de Bases do

Sistema Educativo, promulgada em 1986, prevê que o Governo faça aprovar, sob forma de

decreto-lei, legislação complementar relativa a carreiras de pessoal docente, depois de ter

definido no seu artigo 36º os princípios gerais a que deviam estar sujeitas.

Tem então lugar a publicação do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de

Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, Decreto-lei 139/A/90, de 28 de

Abril33

, um natural ponto de chegada, portador de uma visão específica da profissão e do

perfil docente.

32 Categorização sustentada por Santos (1993) e Teodoro (2001).

33Este Decreto-Lei articula-se com o Decreto-Lei nº409/89 de 18 de Novembro que, em matéria de carreira,

estabelece a natureza, duração, o respectivo desenvolvimento em termos de progressão e promoção e as novas

remunerações dos professores no quadro da reforma do sistema retributivo da Função Pública.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Diferente deste é o Estatuto que se lhe seguiu, em 2007, aprovado pelo Decreto-Lei

15/2007, de 19 de Janeiro - sétima alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de

Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, que fora aprovado em Abril de

1990 -, alterando também o regime jurídico da formação contínua de professores, que

vigorara a partir de Novembro de 199234

, e que é fruto de diferentes contextos e actores,

repondo lógicas contestadas anteriormente pela classe e abrindo uma frente convergente no

lítigio com o Ministério da tutela, composta pelas forças sindicais docentes dos diferentes

quadrantes, unidas em Plataforma comum35

e a que se juntam diferentes movimentos de

professores que se expressam paralelamente na praça pública36

.

Tais acontecimentos ganham significado no seu contexto histórico que importa aqui

resgatar.

1.1.1. Das vésperas de 1974 às primícias do novo século. Os (re)construtores de

catedrais

No final do regime ditatorial, em período marcelista, o então Ministério da Educação

Nacional tutelado por Veiga Simão, conseguiu a aprovação na Assembleia Nacional, em

Junho, da Lei n.º 5/73, cujo conteúdo consistia numa reforma global e articulada da educação

nacional e do sistema educativo.

A ela serão apontados equívocos, designadamente quanto ao conceito de

democratização do ensino que, “de qualquer modo, não [seria] viável num sistema político

antidemocrático por natureza” (Sampaio, 1988, p.13). Também, não chegará a ser

regulamentada, para o que terá contribuído o estalar do movimento revolucionário, a 25 de

Abril do ano seguinte (1974).

34 Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro

35 Nesta Plataforma juntaram-se os Sindicatos das duas principais Federações (FENPROF e FNE), sindicatos não

federados como o SPLIU – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades,

o SNPL – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, o SEPLEU – Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas EscolasSuperiores de Educação e Universidades, a FENEI (Sindep) – Federação Nacional do

Ensino e Investigação, a ASPL – Associação Sindical de Professores Licenciados, a PRÓ-ORDEM – Associação

Sindical dos Professores Pró-Ordem, a FEPECI – Federação Portuguesa dos Profissionais da Educação, Ensino,

Cultura e Investigação, o SIPPEB – Sindicato dos Professores do Pré-Escolar e do Ensino Básico, o SIPE –

Sindicato Independente dos Professores e Educadores.

36 São exemplo destes grupos em movimento os seguintes: Comissão Defesa da Escola Pública (CDEP);

Mobilizar e Unir os Professores (MUP); Movimento Escola Pública (MEP); Associação de Professores e

Educadores em Defesa da Escola Pública (APEDE); Professores- Movimento de Valorização (PROMOVA).

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Capítulo II - O lago in situ.

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Já em vésperas deste acontecimento, Roberto Carneiro, então Director de Serviços do

Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação (GEPAE), também nomeado

por Veiga Simão, preparava, entre outros dois ou três documentos importantes em que um

grupo restrito de conselheiros do Ministro trabalhava, uma pragmática compilação da

legislação avulsa e dispersa sobre o professorado e as condições de exercício da profissão, um

projecto de Estatuto da Carreira Docente, “que se adivinhava como uma questão muito difícil

em Conselho de Ministros”, nas palavras do próprio (Teodoro, 2002, p.320).

Mas os novos tempos e as vontades de mudança que a revolução de Abril desse ano

operou não foram de molde a privilegiar a regulamentação ou a colecção do existente, que de

resto não passou de projecto, mas antes a produção de novos enquadramentos, a (re) novação

das instituições, quais catedrais dos novos credos e ritos da Educação nacional. Foi então

posta de lado, durante algum tempo, a intentada reforma Veiga Simão, conotada com um

período político de má memória, indo as reivindicações do movimento social “no sentido de

que um Portugal novo exigia uma reforma educativa nova” (Teodoro, 2001, p.348).

1.1.2. PREC (Período Revolucionário em Curso) – As práticas e as políticas no

mesmo espaço discursivo.

Os governos provisórios que se estabeleceram no período revolucionário, do 25 de

Abril de 1974 até à promulgação da nova Constituição em 2 Abril de 1976, e os governos

constitucionais que se lhe seguiram, apresentaram projectos de trabalho radicalmente

diferentes para a remodelação do sistema educativo. Assentaram os primeiros na ideia força

da democratização do sistema e da educação centrada no que Stoer & Araújo (1991)

designam de eixo educação-democracia-cidadania, compelidos pela mobilização da sociedade

e dos professores nas escolas a legitimar, por via ascendente, opções e caminhos de política

educativa encetados no terreno das práticas, convergindo os discursos dos políticos e da

sociedade, pois que …

“ […] Portugal vivia então um desses períodos tão raros nas vidas de todas as

sociedades, um período onde tudo [parecia] possível e ao alcance de cada um. Uma vez derrubado o fascismo – o que tinha parecido o cúmulo do impossível – tudo o

resto se tornava realizável e todos se apressavam a resolver de uma vez para

sempre os sofrimentos tradicionais da população portuguesa.” (Melo, 1979, pp.278-279)

O quadro seguinte (Quadro II.1), adaptado a partir do trabalho de Teodoro (2002)

mostra como este ciclo político se organizou:

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Capítulo II - O lago in situ.

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Quadro II.1- Ciclo da mobilização e da ideologia (1974-1976)

Ciclo da mobilização e ideologia

Ano 1974 1974 1974 1974/1975 1975 1975/1976

Ministro

Adelino

Palma

Carlos

Vasco Gonçalves

Pinheiro

Azevedo

Ministro

da

Educação

Eduardo

Correia

Vitorino

Magalhães

Godinho

Vasco

Gonçalves

Manuel

Rodrigues

de

Carvalho

José

Emílio da

Silva

Vítor

Alves

Fonte: Teodoro (2002), pp. 685-686.

O Programa do 1º Governo Provisório (Decreto-lei 203/74 de 15 de Maio, da Junta de

Salvação Nacional), no plano específico da política educativa, era explícito no que se referia

ao desenvolvimento da reforma educativa quando, no seu ponto 8, Política Educativa Cultural

e de Investigação, preconizava, entre outros:

a) A mobilização de esforços para a erradicação do analfabetismo e promoção da

cultura, nomeadamente nos meios rurais;

b) O desenvolvimento da reforma educativa, tendo em conta o papel da educação na

criação de uma consciência nacional genuinamente democrática, e a necessidade de inserção

da escola na problemática da sociedade portuguesa;

c) A revisão do estatuto profissional dos professores de todos os graus de ensino e

reforço dos meios ao serviço da sua melhor formação;

f) A criação de esquemas de participação de docentes, estudantes, famílias e outros

interessados na reforma educativa, visando, em especial, a liberdade de expressão e a

eficiência do trabalho; […].

A Direcção Geral do Ensino Básico, a partir do II Governo Provisório, apresenta como

objectivo “combater, na própria instituição educativa, os efeitos socialmente penalizadores do

insucesso escolar e de, na tradição sergiana, afirmar uma nova concepção do papel do

professor ” (Teodoro, 2001, p.358). Rogério Fernandes (1977), que era àquela data o Director

Geral, atribuía ao professor a «missão cívica de esclarecer o povo, de explicar os problemas,

com objectividade e verdade», acrescentando:

“Ao contrário do angustiado professor que se perguntava qual era o cacique a quem mais lhe convinha servir, o estatuto que a nova equipa da Direcção Geral do Ensino

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Capítulo II - O lago in situ.

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Básico atribuía ao docente era o de cidadão pleno, o que lhe criava o dever da

intervenção cívica consciente. Não se tratava de fazer do professor (…) um propagandista de qualquer regime, de qualquer partido ou de qualquer seita. O

professor deveria ser além de docente, na acepção verdadeira da palavra, um

dinamizador cultural do seu meio em ordem à reconstrução da nação que o fascismo deixara devastada. (…) Reconstruir a nação (…) seria sim libertar as

energias criadoras do povo, promovendo a sua emancipação, promovendo a sua

emancipação concreta no plano material e espiritual, de acordo com uma larga perspectiva racionalista e científica, de tal sorte que a opressão e a exploração do

homem pelo homem desaparecessem para sempre da nossa terra.” (p.136).

Em coerência com tais objectivos, os “Programas do Ensino Primário Elementar”,

apresentados em 1975, formulavam para a acção pedagógica certos princípios que deveriam

nortear as tarefas educativas, da seguinte maneira:

- “Educar é aceitar e respeitar a pessoa, ajudando-a a criar a sua felicidade e a participar na felicidade dos outros.

- Educar é formar homens livres, isto é, homens capazes de se comprometerem

conscientemente em tarefas de emancipação individual e colectiva.

- Educar é um caminho para a extinção de privilégios económicos, políticos e

culturais.” (p.11)

Tinha em vista naturalmente o papel dos professores neste processo a caminho da

sociedade socialista.

A Revolução permitira que a Reforma tomasse contacto com a sociedade, em função

de uma “deslocação do poder do Ministério para as escolas” (Stoer, 1986, pp.127-128), o que

produziu, segundo Grácio (1981), uma reformulação dos objectivos, dando novas dimensões

nos campos da participação democrática, da igualdade de oportunidades de sucesso na

educação, dos conteúdos das aprendizagens e da ligação à sociedade. (Teodoro, 2001, p.366).

Rui Grácio (1981), em jeito de balanço, apresenta uma listagem francamente positiva

do processo de democratização educativa encetado pelos governos provisórios, de que

destacamos:

- “A dignificação do estatuto pedagógico, social e cívico do professorado (…);

- As transformações das relações institucionais no aparelho de ensino, liberto ou

tendencialmente liberto de formas repressivas de autoritarismo e mandarinato político, administrativo e pedagógico, bem como de algum pessoal docente, e

outro, que as encarnava (…);

- A modificação dos objectivos propostos ao sistema de ensino nas suas relações com a sociedade global, intentando romper-se com o isolamento deliberado e a

subordinação aos interesses de minorias sociais (...);

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- A cooperação do sistema de ensino na democratização da formação social,

procurando alterar a sua função de reprodução e legitimação das desigualdades sociais e regionais.” (pp. 106-107)37.

Pelas palavras de Maria Rosa Colaço, uma professora na revolução, se intenta realizar

a síntese do ar que se respirava nesses tempos de esperança, acção e possibilidade:

“São os mesmos lugares e os mesmos rostos. Mas o Tempo – Novo chegou e, com

ele, as constelações de palavras luminosas e, pela primeira vez, ditas aqui sem

tremor na voz. Escreve-se no quadro das Escolas: Liberdade – Paz – Camarada –

Povo (…).

E nós desejamos que um dia as pessoas possam sentir profundamente o que

significou para muitos de nós escrever estas palavras sem a censura as amputar,

amputando-nos o pensamento.

Pegar nos nomes mais belos e antigos do coração do homem, desenterrá-lo do

fundo da perpétua noite em que nos diluímos e, à luz do sol, vê-los crescer nos

olhos das crianças. Sem medo! (…)

Mas não se pode contar em termos exactos o que se sente quando, frente às

crianças e face ao povo, podemos usar pela primeira vez a ganga azul da nossa voz

e, com ela, trabalhar na oficina em que se molda o homem do Futuro.” (Colaço,

1981, p.21).

Contudo, nem todos os autores fazem a mesma leitura da vivência deste período.

Vejamos como Grilo (1994) apresenta a defesa de uma clara “mudança de agulha” ao

sublinhar que:

“A democratização [se saldou] em anarquia, por falta de liderança politica, e de

estruturas e agentes com capacidade para executar as medidas que eram pensadas nos gabinetes. (…) Isto é, a Revolução de 1974 acabou, em certa medida, por se

transformar num obstáculo às reformas educativas concebidas pelo professor Veiga

Simão e sua equipa, em 1970, e consagradas na lei de bases que foi aprovada e

publicada em 1973 (Lei nº 5/73 de 25 de Julho) e que para a época representava um passo extremamente relevante para a modernização e a abertura do sistema

educativo português.” (p.407)

1.1.3. Período constitucional – Da política ao planeamento

Assim, passados dois anos da revolução, a preocupação dos governos constitucionais

assentou numa ideia de normalização e planeamento que recentrasse na tutela e nas

instituições governativas a condução do processo (Teodoro, 2001).

De acordo com esta perspectiva se orientou a segunda fase do período democrático,

que se relaciona com o objecto do nosso estudo, cuja organização cronólogica se evidencia no

quadro II.2, a seguir apresentado.

37 In Teodoro, 2001, p.366.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Quadro II.2 - Ciclo da normalização (1976-1987)

Fonte: Teodoro (2002), pp. 686-689

Fora promulgada a Constituição da República, a 2 de Abril de 1976, que atribuía ao

Estado a responsabilidade maior de “promover a democratização da educação e as condições

para que a educação (…) contribua para o desenvolvimento da personalidade e o progresso da

sociedade democrática e socialista” (artº 73º, nº1).

Realizadas as eleições para a Assembleia e a Presidência da República, e a tomada de

posse do Governo, no mesmo ano, as orientações políticas seguiram caminhos diferentes, em

função de uma correlação de forças políticas e sociais e, como afirma Boaventura de Sousa

Santos (1993)38

, “à Constituição irá faltar o Estado que quisesse e pudesse cumprir o (...)

programa” proclamado pelos constituintes.

Seguiu-se a opção pela integração de Portugal na CEE (Comunidade Económica

Europeia), em 1986, que significou a assunção de uma lógica de modernização da sociedade

portuguesa a partir de agendas externas, e a preocupação de construir uma democracia

capitalista moderna, gerando-se, nesta distância entre o articulado constitucional e as práticas,

o que Santos (1990, 1993) designa de Estado paralelo, convergindo para uma revisão da

38In Teodoro (2001), p.367.

Ciclo da normalização

1976/78 1978 1978/79 1979 1980 1981/82 1982/83 1983/85 1985/87

Ministro

Mário

Soares

Nobre

da

Costa

Mota

Pinto

Lourdes

Pintasilgo

Carneiro

Pinto Balsemão

Mário

Soares

Cavaco

Silva

Ministro

da

Educa ção

Sottomay

or Cardia

Carlos

Lloyd

Braga

Valente

de

Oliveira

Veiga da

Cunha

Vítor

Crespo

Vítor

Crespo

Fraústo

da

Silva

José

Augusto

Seabra

João de

Deus

Pinheiro

João de

Deus

Pinheiro

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matriz constitucional em 1982 e outra mais profunda e de neutralização ideológica (Moreira,

1992), em 1989.

É assim que o 1º governo constitucional, tendo Sottomayor Cardia na pasta da

Educação39

, apresenta um programa no campo educativo com o decisivo propósito de repor o

clima de normalidade no funcionamento das escolas e na condução da política educativa,

assumindo, na caracterização de Grácio (1981), “uma alegada neutralização ideológica do

aparelho de ensino” (pp.15-16) que, conforme Teodoro (2001), “conduziu a uma nova

orientação estratégica, onde prevaleciam os objectivos de qualificação profissional e da

formação do capital humano, enquanto projecto central do processo de modernização

centrado na integração na CEE” (p.389). Deste modo, como bem sintetiza Stoer (1986),

“A «normalização» da educação em Portugal, após o período revolucionário, foi

principalmente um processo pelo qual o Estado reconquistou e assumiu o controlo

da educação, definindo e limitando aquilo que poderia considerar-se como educação. Todo o sistema de ensino foi atingido por este processo de definição e

limitação que foi impulsionado pelo desejo de substituir a política pelo

planeamento.” (p.64).

Esta nova orientação postulou uma recentralização do poder com apoio na

burocratização do aparelho de controlo, não tendo dificuldade em reafirmar e pôr em

funcionamento «normal» o «processo descendente», sem participação dos subordinados

(Lima, 1992, pp.257-258).

Uma outra preocupação central emergente manifestou-se, desde 1978 e durante toda

a 1ª metade da década de 80, no reconhecimento da necessidade de elaboração de uma Lei de

Bases do Sistema Educativo, que sucedesse à nunca regulamentada Lei nº 5/73, vulgarmente

conhecida como Reforma Veiga Simão, e que o texto constitucional e a consciência social

exigiam. Contudo, ela só terá os seus desenvolvimentos a partir de 1980, com o VI Governo

Constitucional e 1º da Aliança Democrática, sucedendo-se projectos de diferentes autorias

partidárias, nos seis anos seguintes. Reunir-se-ão as condições necessárias à sua aprovação,

por liderança da Assembleia da República, na legislatura de 1985 a 1987, no tempo do então

39 Deste mandato recordamos, por experiência pessoal, a circular que instruía as escolas sobre a “proibição da porta aberta”, isto é, a entrada condicionada dos encarregados de educação e outros elementos da comunidade,

num movimento inverso ao que se desenvolvera até aí, desde 74, em que a comunidade era chamada pelos

professores à sala de aula em missões de colaboração.

Recordamos ainda deste período a circular que fazia da “caixa escolar” um contributo a manter por meio de um

artifício legal (a designação de facultativo em todos os documentos que se lhe referissem), prevalecendo assim

uma prestação pecuniária das famílias que se institucionalizou a despeito da escolaridade ser gratuita porque

obrigatória.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Ministro da Educação João de Deus Pinheiro, mediante compromisso que permitiu finalmente

superar as divergências que a vinham inviabilizando.

Concomitantemente, a Resolução nº 8/86 do Conselho de Ministros - no âmbito do X

Governo Constitucional, o 1º liderado por Cavaco Silva - cria a Comissão de Reforma do

Sistema Educativo (CRSE), que toma posse a 18 de Março de 1986, iniciando os seus

trabalhos ao mesmo tempo que a Assembleia da República discutia os diferentes projectos de

Lei de Bases, concorrendo para uma discussão mais alargada e o encontro de consensos.

No campo social multiplicaram-se as tomadas de posição de sindicatos, associações

de pais e de estudantes, reclamando a aprovação de uma lei que pusesse fim a uma política de

medidas avulsas, pondo fim às excessivas oscilações dependentes das conjunturas políticas,

criando maior estabilidade; tiveram lugar na sociedade intensos debates colocando em

confronto as diferentes soluções propostas pelos partidos políticos para apuramento de pontos

de vista próprios40

.

A Lei de bases do Sistema Educativo veio a ser aprovada em 1986, pela lei 46/86, de

14 de Outubro, consagrando no plano dos princípios e orientações

“ (…) alguns dos mais importantes contributos da tradição do pensamento

pedagógico português, da reflexão internacional sobre a democratização dos

processos educativos e dos valores saídos da revolução e consagrados na

Constituição de 1976 […podendo considerar-se] um ordenamento jurídico tardio daquilo que Boaventura de Sousa Santos (1990,1993) designa de Estado paralelo,

ou seja, aprovou-se uma lei preocupada sobretudo com o eixo educação-

democracia, (…) quando o contexto dominante da acção política governamental já se situava em outro plano, decorrente da prioridade atribuída ao eixo educação-

mercado de emprego.” (Teodoro, 2001, p.407)

Segundo Campos, (1987), as metas fundamentais tendo em vista um

desenvolvimento da Lei a médio prazo (no horizonte do ano 2000) seriam:

- A escolarização de 9 anos, efectivamente gratuita e universalmente conseguida,

precedida de oportunidades intencionais de educação de infância;

- A educação tecnológica de base e formação de todos os jovens para a vida activa;

40 No Editorial (1986, Julho) o professor, nº 88, lê-se: “No momento em que este número de o professor está em

fase de preparação, continua a trabalhar-se na Assembleia da República na futura lei de bases do sistema

educativo. É uma incógnita se ela virá, ou não, a ser votada na presente legislatura. Pelo estado em que as coisas

estão não é hipótese improvável que não o venha a ser.

Entretanto, um facto digno de nota foi o de terem entrado nos serviços da Assembleia da República nada menos

que perto de 1500 tomadas de posição – muitas delas colectivas – em torno do problema.” (p.3).

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Capítulo II - O lago in situ.

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- A generalização de segundas oportunidades educativas (ensino recorrente, à

distância, educação/formação…);

- A formação de especialistas e investigadores de elevado nível; e

- A elevação dos níveis educativos de toda a população.

Em apreciação posterior de Matias (2006)41, no âmbito de trabalhos do CNE

(Conselho Nacional de Educação), os princípios consignados que tiveram uma implicação

directa na organização do sistema educativo foram: (i) Formação integral dos cidadãos; (ii)

Descentralização e desconcentração; (iii) Participação; (iv) Correcção das assimetrias; (v)

Segunda oportunidade educativa; (vi) Unidade do sistema (em termos territoriais, horizontais

e verticais) e da direcção política; (vii) Sequencialidade progressiva, isto é, cada nível de

ensino é terminal, organizando-se segundo uma lógica própria; (viii) Liberdade de ensinar e

de aprender; (ix) Democraticidade (de acesso, de sucesso, de ocupação social e profissional);

(x) Coabitação e empregabilidade dos saberes; e (xi) Inserção e integração comunitária.

1.1.4. O Ciclo da Reforma Educativa

Naquele ano de 1986, a conclusão do processo permitiu fechar o ciclo da normalização

e encetar a fase de realização da reforma educativa, dando enquadramenro ao trabalho da

Comissão (CRSE), enquanto transformação global e coerente com os objectivos enunciados

de modernização no quadro da CEE, interrompidos pelo período revolucionário de 1974 a

1976, de intensa mobilização do Estado e dos actores sociais para o projecto democrático.

O quadro seguinte data e dá nome aos actores políticos institucionais que tutelam a

produção legislativa que dá corpo a uma Reforma do Sistema Educativo que, bebendo do

clausulado da Lei de Bases, decreta e regulamenta os aspectos que enquadram o exercício da

profissão, como a Carreira Docente, a Gestão das Escolas e a Formação Contínua dos

Professores, entre outros.

41

Matias, J. (2006). Lei de Bases do Sistema Educativo 1986-2006- Linhas para uma revisão da Lei. Este

documento retoma o texto apresentado ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em Outubro 2006, a convite

do Coordenador Nacional do Debate, Prof. Dr. Joaquim Azevedo, e que, por sua vez, foi objecto de análise por

parte de uma comissão restrita do Conselho e de duas especialistas convidadas – Professoras Maria do Céu

Roldão e Irene Figueiredo. Esta análise foi apresentada numa audição realizada no Conselho Nacional de

Educação no dia 28 de Novembro 2006 onde o autor esteve presente e onde pode recolher contributos muito

significativos, a ser considerados em sessão posterior como Contributos para uma revisão da Lei.

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Capítulo II - O lago in situ.

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62

Quadro II.3 - O ciclo das reformas (1987-2002)

Fonte: Teodoro (2002), pp. 686-689

De entre eles, concentrar-nos-emos no Estatuto, denominado de Carreira dos

Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário (Decreto Lei nº

139/A/90 de 28/04) como modelador de um tipo de exercício da profissão e, portanto,

instrumento ao serviço de uma identidade docente particular.

1.1.4.1.O tempo, os actores e as lógicas do ECD

O Estatuto de Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos

Básico e Secundário era já uma aspiração e um pólo de actividade reivindicativa dos

Professores, desde 1973, através dos Grupos de Estudo do Pessoal Docente, (Teodoro, 1990)

que virão a que dar lugar ao Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, formalizado de

imediato a 27 Abril de 1974, conquistada a liberdade de associação sindical. A partir daí

vinham debatendo no seu seio a necessidade dum quadro regulador de princípios sobre um

modelo de carreira docente que rompesse com arquétipos instalados, introduzindo uma nova

racionalidade na sua concepção e organização. Foram os sindicatos da FENPROF42

a relançar

o processo no espaço público, começando a preparar terreno para a negociação necessária,

logo em 1983, sem grande pressão, até ao momento julgado oportuno. No seu Congresso

Constituinte (1983), é aprovada uma Resolução que considera “o reconhecimento (…) do

42 FENPROF – Federação Nacional de Professores, cujo congresso constituinte teve lugar em Abril de 1983,

englobava na sua estrutura sete grandes sindicatos de professores: SPN, Sindicato dos Professores do Norte,

SPRC, Sindicato dos Professores da Região Centro, SPGL, Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, SPZS,

Sindicato dos Professores da Zona Sul, SPM, Sindicato dos Professores da Madeira, SPRA, Sindicato dos

Professores da Região Açores e SPE, Sindicato dos Professores no Estrangeiro.

O Ciclo das Reformas

1987/91 1991/92 1992/93

1993/95

1995/99 1999/00 2000/01 2001/02

Ministro Cavaco Silva António Guterres

Min.

Educação

Roberto

Carneiro

Diamantino

Durão

Couto dos

Santos

Manuela

Ferreira

Leite

Eduardo

Marçal

Grilo

Guilherme de

Oliveira

Martins

Augusto

Santos

Silva

Júlio

Pedrosa

de Jesus

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Capítulo II - O lago in situ.

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63

direito a uma carreira (…) uma condição indispensável para a valorização e estabilização

social e profissional dos docentes”, reconhecendo neste desiderato “uma questão complexa

que [requeria] amplo e profundo debate sobre o que [vinha sendo e era] o papel dos

professores na sociedade portuguesa, qual a sua identidade colectiva (…)”43

. De algum modo,

a insistência em colocar na ordem do dia essa reflexão criou também a necessidade de se

prepararem para o fazer nos interlocutores indispensáveis ao processo, como outros

sindicatos, a outra federação de sindicatos (FNE – Federação Nacional de Ensino) e o próprio

Ministério da tutela. As primeiras reuniões entre as associações sindicais e o Ministério da

Educação iniciaram-se em Julho de 1984, embora só em Janeiro do ano seguinte o Ministro

José Augusto Seabra tenha apresentado um primeiro Projecto designado “Versão I do Estatuto

da Carreira Docente Não Superior” (Teodoro, 1990, p.57).

Por ocasião do 2º Congresso do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o maior

sindicato docente nacional, em Maio de 85, podia ler-se, no ponto 3 do capítulo IV da sua

Resolução – Construir uma profissão docente dignificada e dignificante:

“ (…) A defesa da profissão docente e a sua valorização é indissociável da luta pela

democratização do ensino (…).

O progresso qualitativo do ensino torna necessária uma estratégia educativa voltada para a formação global do indivíduo, sujeito autónomo e responsável, cidadão

solidário, desenvolvendo a personalidade em todas as suas componentes motoras,

afectivas, sociais, intelectuais. A atribuição destas tarefas à escola implica uma concepção diferente da função social do professor. (…)

(…) a Recomendação relativa à Condição do Pessoal Docente da UNESCO/OIT

considera que o progresso da educação depende em grande medida das aptidões e

competências dos professores e das suas qualidades humanas, pedagógicas, profissionais.” (p.33)

São estas também as razões que levaram o 1º Congresso Nacional dos Professores a

definir como objectivo reivindicativo estratégico a questão das Carreiras Docentes. É a

reivindicação das condições necessárias ao cumprimento de uma função de inegável

significado social.

O 2º Congresso reafirma essa opção estratégica para a actividade reivindicativa.

Decorrendo do artigo 36º da Lei de Bases, que define os Princípios Gerais das

Carreiras de Pessoal Docente e de Outros profissionais da Educação, no plano jurídico, estava

aberta a porta à elaboração de um Estatuto de Carreira.

43 Moção de Orientação sobre o Estatuto da Carreira Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e

Secundário, in Jornal da Fenprof, nº 62, Dezembro 1989.

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Capítulo II - O lago in situ.

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64

A discussão desta matéria viria a ter desenvolvimentos importantes na 1ª fase do

governo liderado por Aníbal Cavaco Silva (87/90), aproveitando um ciclo económico

favorável, estendendo-se pelo governo de António Guterres (98/99), vindo a consubstanciar o

Estatuto de 89 e 90, e as alterações introduzidas em 99.

Para esta negociação, no Ministério da Educação, contou-se com gente conhecedora,

ao longo dos dois governos: Primeiro, com Cavaco Silva como 1º Ministro, Miguel Cadilhe

nas Finanças e Roberto Carneiro na Educação (87/91); depois, com António Guterres, Sousa

Franco e Marçal Grilo (95/99), naquelas funções, respectivamente.

Da parte dos docentes contou-se com a Federação Nacional de Professores

(FENPROF), liderada por António Teodoro que, com os seus sindicatos constituiu uma

apetrechada Comissão negociadora, e a Federação Nacional de Ensino (FNE), liderada por

Manuela Teixeira e o Sindicato Democrático dos Professores (SINDEP) com Carlos Chagas.

A questão do Estatuto era vista por todos os actores como um dos pilares da Reforma

Educativa e foi concomitante com a discussão da própria Lei de Bases do Sistema Educativo e

do documento da Avaliação dos Professores.

Roberto Carneiro, então Ministro da Educação do governo dirigido por Cavaco Silva,

vê-se a braços com duas frentes de luta, uma com os Docentes e seus Sindicatos e uma outra

no interior do próprio Governo, tendo como obstáculo, nas Finanças, Miguel Cadilhe, no

sentido de captar verbas para a negociação possível.

Para fundamento e reforço da sua ideia de Estatuto, o Ministério da Educação contou

com o estudo encomendado ao Professor Braga da Cruz, sobre a Situação Docente em

Portugal, que ficou conhecido como “Relatório Braga da Cruz”44

, e que apresenta a

caracterização global da profissão, os índices de mau estar e de mobilidade dos docentes. Este

estudo, confessa o ex-ministro em entrevista concedida a António Teodoro, visava “contribuir

para melhorar a imagem social dos professores”. E acrescenta: “Eu não consigo passar um

estatuto remuneratório, nem um estatuto de carreira docente, com um mínimo de condições de

dignidade da profissão se não consigo melhorar a imagem social dos professores”, depois de

ter dito que “cada vez que (eu) levava um diploma a Conselho de Ministros que dissesse

respeito a professores, havia um ministro que dizia: Bom, mas eles trabalham numa semana o

44 Braga da Cruz, M. et al. (1989). A Situação do professor em Portugal. Relatório da Comissão criada pelo

Despacho 114/ME/88. In Análise Social, Lisboa.

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Capítulo II - O lago in situ.

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que eu trabalho num dia (…), esbarrava permanentemente com a ideia de que os professores

são absentistas e não estão mal remunerados.” (Teodoro, 2002, p.334).

Talvez servisse de resposta a esta visão redutora da classe docente o apontamento da

Resolução do 3º Congresso Nacional de Professores sobre o tema «Profissão Docente:

realidades de hoje, desafios do futuro», em 1989, quando se afirma:

“É hoje inquestionável que o estatuto social dos professores é significativamente

mais baixo no quadro das profissões que exigem uma formação de nível superior (…) mas, todos os inquéritos de opinião conhecidos sobre a profissão docente

mostram “olhares diferentes sobre o papel e estatuto dos professores, consoante a

situação social ou regional dos inquiridos, bem como, em diversos domínios, uma

imagem mais favorável do que a realidade.

Assim, enquanto o estatuto do professor se encontra normalmente muito degradado

junto das camadas superior e média superior da sociedade e, em especial, junto das

profissões liberais e das que exigem formação superior, ainda mantém nos meios rurais e nos meios operários da cidade um estatuto elevado, particularmente nas

regiões onde as transformações sociais foram mais intensas e onde a educação tem

uma carga positiva de promoção social e profissional.” (p.26)

E mais se reconhece ainda que:

“O elevado número de membros da profissão docente constitui (…) simultaneamente a razão da sua força e da sua fraqueza. Força que resulta de ser a

mais numerosa profissão ligada ao trabalho intelectual; fraqueza que decorre da

heterogeneidade da sua composição e dos custos totais elevados que representa

qualquer medida com incidência financeira.” (idem, 1989, p.21)

Tratou-se pois de um processo muito conflitual, longo no tempo, que teve momentos

determinantes, e cujo desfecho mais positivo só foi possível devido à época favorável que se

vivia, quer do ponto de vista do orçamento de Estado, quer dos movimentos de opinião que

abraçavam a educação como prioridade. Afinal a representação social (positiva) da classe

docente e a sua capacidade sindical para apresentar propostas e conduzir a luta foram factores

muito importantes.

1.1.4.2. Uma carreira docente

Tendo dado os primeiros passos na profissão docente em Outubro de 1975, foi-nos

possível viver na primeira pessoa todo este processo de democratização e de conquista de um

estatuto revalorizador da profissão. Temos por isso bem presente que, mesmo entre os

docentes, a construção dum novo paradigma de carreira levou tempo e contou com a dureza

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Capítulo II - O lago in situ.

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do confronto entre lógicas corporativas paralelas e tradicionais dentro do próprio corpo

docente, que decorriam do modelo organizativo vivido até aí. 45

Para dar lugar à mudança foi preciso gerar dúvida, desequilíbrio, desestruturação do

paradigma anterior, concomitante com intenso debate, para que se pudesse reconstruir um

modelo partilhado pela classe, durante um período de grande enriquecimento para todos os

que participaram reflexivamente neste processo. Num primeiro passo da reflexão entre os

docentes, houve que distinguir entre uma carreira por níveis de ensino, seguindo o

enquadramento tradicional, daquela que se determina pelo grau académico de formação,

independentemente do nível de ensino em que o docente lecciona, como efectivamente foi

estatuído.

A construção do consenso quanto a esta organização de carreira significava a ruptura

com a ideia ancestral de que entre os professores existiam classes, isto é, uma valoração

diferente e maior conforme se subia no nível de ensino, conceito radicado tanto na sociedade

como no imaginário dos próprios. Significou um olhar diferente entre os agentes de ensino

que os tornou num grupo identitariamente mais numeroso e amadurecido46,

em que a

diferenciação em termos de carreira – que não de profissionalidade – radicava

provisoriamente numa diferença de grau académico na formação inicial, que se iria

uniformizando através de mecanismos legais de profissionalização em serviço, de

complementos de formação bem como pela universalização da formação inicial de nível

superior (licenciatura), de acordo com as orientações da Lei de Bases (arts. 30º e 31º do

Decreto-Lei 46/86 de 14 de Outubro)47.

As duas federações sindicais estavam de acordo nesta lógica. A divisão entre elas

existiu quando a FNE tomou unilateralmente no quadro sindical a defesa de uma posição

verticalista, ao admitir e defender a existência de um tecto de carreira comum a todos os

docentes no 7º escalão, condicionando o acesso aos escalões superiores à realização de uma

45 O modelo dividia-se em Educação Pré-Escolar, Ensino Primário e Ensino Preparatório e Secundário.

46 Essa construção dura até hoje, facilitada ou não pela aproximação de níveis de ensino através dos

Agrupamentos de Escolas ou, mais difícil ainda, mas mais necessário e determinante, através da

operacionalização de currículos transversais na sua verticalidade progressiva, nomeadamente o do Ensino

Básico.

47 O 1º projecto conhecido, que deu entrada na Assembleia (Nacional) e que contemplava a formação superior

para todos os docentes, foi o Projecto de Lei de João Camoesas em 1923, nem sequer discutido.

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Capítulo II - O lago in situ.

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67

prova de candidatura48

. Advogava ainda a promoção pelo exercício de cargos, o que

significava o entendimento de que outras funções específicas/especializadas dentro da Escola

eram exteriores ao conteúdo funcional docente, não estavam nesse perfil incluídas, antes

supra posicionadas face àquele, em termos remuneratórios e de carreira.

Com efeito, a exigência de prova de candidatura para progressão ao 8º escalão da

carreira ficou consignada no Decreto-Lei 409/89 de 18 de Novembro, desencadeando um

período de mobilização específica para a luta, uma vez que a FENPROF recusava o tecto da

carreira e tais factores de promoção.

Foi uma luta dura, em que o governo liderado por Cavaco Silva contava com algum

apoio nas mesas negociais por parte da FNE e do SINDEP, tirando partido das ideias

fracturantes.

Lutando contra o bloqueio da carreira no 7º escalão, a capacidade de mobilização da

FENPROF superou as melhores expectativas ao encher o Campo Pequeno de docentes,

vindos de todo o país, em Maio de 1991, para um comício amplamente participado, que seria

seguido de uma greve às avaliações, e que alterou a correlação de forças. A greve não veio a

ser necessária, e o governo do Partido Socialista eleito nos anos seguintes (1995), veio a

retirar a imposição da prova de candidatura.

Assim foi consignada a carreira única e a progressão nesta passou a fazer-se segundo

avaliação da formação contínua obrigatória realizada por cada docente, em cada escalão,

acompanhada de um relatório reflexivo do desempenho correspondente ao período de tempo

do escalão.

A formação contínua, que decorria de diploma regulamentador próprio, foi posta em

prática, mas nela o Ensino Superior não teve papel relevante, desenvolvendo-se segundo

modelo assente em Centros de Formação de Associação de Escolas, aproximando-a dos

contextos de ensino, com supervisão de um Conselho Científico-Pedagógico para a Formação

Contínua, de nomeação ministerial, a quem competia proceder à acreditação das entidades

formadoras e dos formadores, das acções de formação e dos cursos de formação

especializada, bem como acompanhar o processo de avaliação do sistema de formação

48 Uma situação em muito semelhante à que ocorre presentemente para a categoria de Professor Titular, legislada

no actual Estatuto.

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Capítulo II - O lago in situ.

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contínua.49

O crédito era, deste modo, o quantificador que respondia pela qualidade possível

dos desempenhos docentes, a par do relatório individual50

·.

Por outro lado, correspondendo ao escalonamento por nível de formação inicial, que

apresentava transitoriamente duas entradas (bacharéis e licenciados), a formação académica

dos docentes foi-se tornando cada vez mais uniforme, pautada pela licenciatura, surgindo

também cada vez mais formação acrescida (pós-graduação, mestrado ou doutoramento) em

qualquer dos níveis de ensino, como se uma lufada de ar fresco e de motivação para progredir

no desempenho, e remuneratoriamente51

, tivesse entrado pela porta do Estatuto de Carreira

dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário (Decreto-Lei nº

139-A/90 de 28/04, com alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nº105/97 de 29/04, e

nº1/98 de 02/01).

O Estatuto consubstancia o reconhecimento da docência como uma profissão e não

como uma ocupação ou uma semi-profissão, conceitos ultrapassados que decorriam da

diversidade de formações (científicas) que para ela convergiam, do aparente tempo parcial da

sua prestação, do entendimento da pedagogia e didactismo como uma arte e não como uma

ciência, método ou técnica específicas da profissão, e da confusão entre perfil pessoal e

profissional que não se constituirá necessariamente em deontologia do grupo.

1.1.4.3. Um perfil do “pessoal docente”

Para efeitos de aplicação do Estatuto, “considera-se pessoal docente aquele que é

portador de qualificação profissional certificada pelo Ministério da Educação, para o

desempenho de funções de educação ou de ensino com carácter permanente, sequencial e

sistemático” (artigo 2º, nº1 do Decreto-Lei nº139-A/90), e ainda “os docentes do 3º ciclo do

ensino básico e do ensino secundário portadores dos requisitos exigidos para o acesso à

profissionalização ou que dela tenham sido dispensados nos termos legais” (artigo 2º, nº2),

extensivo aos “docentes do 2º ciclo do ensino básico nas condições naquele previstas,

49 O Ordenamento Jurídico da Formação Contínua dos Professores é regulado pelo Decreto-Lei 207/96 de 2 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei 155/99 de 10 de Maio.

50 Sobre a creditação como atavismo de avaliação do desempenho, ver Serradas Duarte, R. (2007). La formation

continue des enseignants au Portugal (1992/2002) - Contraintes et paradoxes engendrés par le lien entre crédits

de formation et progression dans la carrière. Tese de Doutoramento. Lyon Université Lumière Lyon 2 - Institut

des sciences et pratiques d'éducation et de formation - Ecole Doctoral Sciences des Sociétés et du Droit.

51 Para se ter uma ideia, em termos de representação salarial – e não terá sido a conquista mais importante – os

aumentos mínimos obtidos terão andado pelos 17% e os máximos pelos 60 %, valores só comparáveis ao

reajustamento de letra a seguir ao 25 de Abril.

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Capítulo II - O lago in situ.

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enquanto a satisfação das necessidades de exigência do sistema educativo o exigir” (artigo 2º,

nº3).

São-lhe garantidos os direitos estabelecidos para os funcionários e agentes do Estado

em geral, bem como os decorrentes da sua própria condição profissional (artº4º), de que

destacamos:

-O direito de participação no processo educativo, nas áreas do sistema de ensino, da

escola, da aula e da relação escola-meio, individualmente ou em grupo através de

associações profissionais ou sindicais e que compreende, nos termos do art.º 5.º n.ºs 1 e

2:

a. O direito de responder a consultas sobre opções fundamentais para o sector

educativo;

b. O direito de emitir recomendações no âmbito da análise crítica do sistema;

c. O direito de intervir na orientação pedagógica através da liberdade de iniciativa,

a exercer no quadro dos planos de estudo aprovados e dos projectos educativos

das escolas, na escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de

educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados;

d. O direito de participar em experiências pedagógicas;

e. O direito de eleger e ser eleito para e em órgãos colegiais dos estabelecimentos

de educação ou de ensino.

- O direito à formação e informação para o exercício da função educativa, ao apoio

técnico, material e documental e à segurança na actividade.

Reconhece-se pois a estes profissionais, em simultâneo com a qualidade de

funcionário público a de agente com uma autonomia intelectual no seu campo de acção, que

apela a uma profissionalidade e portanto a um perfil reflexivo e autónomo e não apenas ao

funcionalismo executante de explícitos normativos.

Requisitos para concurso, para além da nacionalidade portuguesa ou de país com

convenção estabelecida, e o domínio perfeito da língua, remetem para as habilitações

académicas próprias, isto é, para um perfil cientificamente habilitado, para um perfil cívico de

cumpridor, um perfil físico e psíquico saudável, sem toxicodependências, um perfil modelar e

funcional a um tempo.

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Capítulo II - O lago in situ.

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Considera a existência de um período de adaptação à função, com apoio de colega

experiente, designado de período probatório, o que remete para o carácter ajustável e de

construção progressiva desse perfil.

O que nele não se enquadra, pois determina avaliação não satisfatória (artigo 43º),

também contribui para o definir pela positiva no sentido de uma constante actualização

científica e dialogicidade, e que é:

- O insuficiente apoio ou deficiente relacionamento com os alunos,

- A não-aceitação injustificada de cargos de natureza pedagógica ou pelo seu deficiente

desempenho neles,

- Não realizar a formação continua a que tem acesso e lhe permite a actualização

profissional ou o aperfeiçoamento pessoal. (artº15º)

No entanto, o legislador consigna valores da teoria crítica social ao mostrar acreditar

na capacidade de remediação e ajustamento do docente cujo perfil não cumpre os requisitos,

na sua capacidade reflexiva e de aprendizagem constante, permitindo uma nova avaliação

posterior que evidencie a recuperação do docente para um desempenho satisfatório e para a

progressão na carreira.

Por outro lado o mérito excepcional decorre de uma apreciação curricular

(nomeadamente curso especializado) a par da avaliação extraordinária da qualidade do serviço

prestado e da integração da acção docente na comunidade escolar. A capacitação acrescida

através de um aumento de habilitação é premiada (artº54º e 55º) o que aponta para o estímulo

a uma habilitação de nível cada vez mais relevante.

Apela a um empenhamento a diferentes níveis, tem em conta a transversalidade do

perfil na organização escolar e educativa.

O reconhecimento de um horário de trabalho que contém uma componente não

lectiva, salienta a complexidade da função e denuncia o exercício de funções de auto-gestão,

de actualização e investigação formativa (os estudos e investigações de natureza pedagógica

ou científico-pedagógica), de preparação de aulas, de avaliação do processo ensino-

aprendizagem. Ao incluir a informação e orientação educacional de alunos e famílias, as

actividades para enriquecimento cultural e inserção dos alunos na comunidade, remete para a

função e para o perfil profissional um domínio de tecnociência cultural e social.

Em Agosto de 2001, é publicado o Decreto-Lei nº 240/2001, de 30 de Agosto,

consignando o Perfil Geral dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e

Secundário que, tal como o nome indica se propõe definir os perfis de competência exigidos

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Capítulo II - O lago in situ.

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para o desempenho de funções docentes, nos termos do nº 2 do artigo 31º da Lei de Bases do

Sistema Educativo. Lawn (2001) sustenta que “fixar a identidade tem o poder de determinar o

trabalho no sector público (escola de massas), trabalho este que se molda a si próprio, através

do discurso [do estado] ” (p.199), “traduzindo-se num método sofisticado de controlo e numa

forma eficaz de gerir a mudança” (p.118).

Assim, o diploma caracteriza o desempenho profissional do educador e do professor,

evidenciando “as respectivas exigências de formação inicial, sem prejuízo da

indispensabilidade da aprendizagem ao longo da vida para um desempenho profissional

consolidado e para a contínua adequação deste aos sucessivos desafios que lhe são colocados”

(Preâmbulo), enunciando deste modo e claramente o carácter reflexivo, de formação contínua

e de gestão autónoma e cooperativa do exercício profissional, aduzindo-lhe as dimensões

social e ética, de desenvolvimento do ensino-aprendizagem, de participação na vida da escola,

de relação com a comunidade e de desenvolvimento ao longo da vida.

No Anexo - Perfil geral de desempenho (...) - do Decreto, o professor é definido

como um actor educativo com saberes próprios da profissão, portanto não alienáveis, “ (...)

apoiado na investigação e na reflexão partilhada da prática educativa e enquadrado em

orientações de política educativa para cuja definição contribui activamente” (cap. II, alínea a)

do ponto 2), assumindo a “dimensão cívica e formativa das suas funções, com as inerentes

exigências éticas e deontológicas que lhe estão associadas” (ibidem, alínea g). O exercício

destas dimensões é contextualizado em princípios e objectivos desde logo enunciados, para a

construção de uma sociedade inclusiva:

“ Exerce a sua actividade profissional na escola, (...) instituição educativa, à qual

está socialmente cometida a responsabilidade específica de garantir a todos, numa perspectiva de escola inclusiva, um conjunto de aprendizagens de natureza diversa,

designado por currículo, que, num dado momento e no quadro de uma construção

social negociada e assumida como temporária, é reconhecido como necessidade e direito de todos para o seu desenvolvimento integral.” (ibidem, alínea b)

Ao professor caberá promover aprendizagens “no âmbito de um currículo, no quadro

de uma relação pedagógica de qualidade, integrando, com critérios de rigor científico e

metodológico, conhecimentos das áreas que o fundamentam” (cap.III, ponto 1) e é definido

como um profissional que avalia autónoma e cooperativamente as necessidades de formação

como elemento constitutivo da prática profissional e ao longo da vigência desta,

consciencializando, “mediante a análise problematizada da sua prática pedagógica, a reflexão

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Capítulo II - O lago in situ.

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fundamentada sobre a construção da profissão e o recurso à investigação, em cooperação com

outros profissionais” (idem, cap. V, ponto 1).

1.2. O período dos indicadores, dos rankings e do controlo centralista

A partir de 2002, as mudanças políticas consubstanciam sinais de mudança nos

rumos da Educação, convocando parâmetros de aferição internacional para justificar a

inflecção das políticas educativas no quadro de uma “crise” financeira do Estado que pretende

justificar poupanças na administração pública e políticas de privatização, inaugurando um

novo ciclo.

O quadro seguinte apresenta os responsáveis governativos na política educativa

nacional.

Quadro II.4 - Ciclo do “ataque à Escola Pública” (2002-2008)

A classe docente, pela sua representação numérica na administração pública, não tarda

a ser alvo privilegiado que se consubstanciará num novo Estatuto de Carreira que cria

barreiras artificiais ao acesso aos escalões de topo, mantendo a maior parte dos profissionais

nos valores salariais mais baixos do início e meio da carreira, e experimentando uma

estratégia de hipotético conflito/divisão de corpos e vontades entre os dois extractos de

professores (titulares ou não).

Trata-se de um período de governance52

que, no campo da Educação, aposta no

modelo gerencialista, implementa uma nova cultura organizacional que assenta nas

52 O Banco Mundial, em Agosto de 1991, in Managing Development: The governance dimension. A discussion

paper, no âmbito do projecto Worldwild Governance Indicators, define governance como “the manner in which

power is exercised in the management of a country‟s economic and social resources for development (...) the

traditions and institutions by which authority in a country is exercised.” (p.i). Neste processo enfatisa as

dimensões de informação e transparência, de“accountability, ”, ou prestação de contas, e de “predictability”, ou

Ciclo do “ataque à Escola Pública”

Ano 2002/2004 2004/2005 2005/2008

1º ministro

Durão Barroso

Santana Lopes José Sócrates

Ministro da

Educação

David Justino Maria do Carmo

Félix

Maria de Lurdes

Rodrigues

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Capítulo II - O lago in situ.

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lideranças, em gestores unipessoais que dão rosto às Escolas, e são extensão do centro na

periferia educativa constituída pelos estabelecimentos de ensino. Neste processo o valor de

uso da pedagogia, como saber gestor da construção de processos significativos de

ensino/aprendizagem, mais-valia do saber específico e do trabalho docente, parece estar sendo

destituído em prol da centralidade do conhecimento em si.

Enfatizando o desempenho e a visão utilitarista de educação, faz a apologia da

competitividade através da promoção de rankings que valorizam resultados expressos em

valores absolutos e não em valor acrescentado mediante processos destacáveis como boas

práticas e que actuam em contextos muito diferenciados.

O novo Estatuto de Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores

do Ensino Básico e Secundário, consignado no Decreto-lei nº 15/2007 de 19 de Janeiro,

constituindo uma versão final que é a sétima alteração do ECD desde a sua primeira

aprovação em 1990, dá corpo aos novos rumos, espelhados na regulamentação subsequente da

Direcção, Gestão e Administração das escolas, da Avaliação do Desempenho e das regras de

Progressão e Recrutamento. Na resposta que dá à evocação da eficiência, à relação custo

benefício e à empregabilidade, corresponde às orientações das agências de referência, de que

é exemplo o Banco Mundial.

Naturalmente, na execução prática das policies, o perfil docente como uma

construção em continuum sofrerá a prazo uma (re)configuração, fruto de resistências, adesões

e/ou adequações, “(...) por ser a identidade dos professores flexível, no interior de sistemas

que se ancoram em estabelecimentos, exames e conhecimento universitário, podendo

enfatizar um ou outro aspecto e portanto ser sutilmente manipulável, no sentido de planejar e

reestruturar mudanças na educação” (Lawn, 2001, p.119).

Este autor, ao sustentar que a identidade do professor “simboliza o sistema (...) que o

criou. Reflecte a «comunidade imaginada» da nação, em momentos em que esta é crucial para

o estabelecimento ou reformulação dos seus objectivos económicos ou sociais, tal como se

encontram definidos pelos Estados” (Lawn, 2001, p.118), trata as identidades na perspectiva

inversa à que aqui invocamos, pois apresenta-a como uma construção do discurso político em

função dos objectivos desenhados para o sistema, enquanto nós, não o negando, evidenciamos

o carácter sedimentado da identidade docente como narrativa, ancorado no percurso pessoal e

capacidade de promulgação e de generalizada e consistente aplicação das regras e regulações e de clareza das

linhas de autoridade (p.10).

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Capítulo II - O lago in situ.

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socializado dentro e fora da profissão, como factor de resistência a projectos que parecem não

servir a qualidade da escola pública.

2. A emergência de novo paradigma educativo e o sentido das mudanças

legislativas

Os primeiros anos pós revolução acordaram a profissão duma letargia imposta e

tantas vezes clandestinamente subvertida. Trouxeram para o espaço público a educação como

sua e como factor de progresso. Marcaram toda uma geração de profissionais em exercício e

os que ali chegavam com uma dinâmica nova, uma predisposição para evoluir, uma militância

social contagiante. Alimentaram a energia do debate dos anos seguintes, a relação dialéctica

com os múltiplos ministérios da educação que se sucederam e a capacidade reivindicativa que

levou à promulgação daquela Lei de Bases, daquele Estatuto de Carreira e ao prosseguimento

da Reforma do Sistema Educativo.

A própria produção nacional de estudos de carácter histórico ou sócio-histórico que

focam os professores enquanto grupo profissional com uma identidade em construção,

nomeadamente as questões ligadas ao processo de profissionalização da actividade, e que

dizem respeito ao final da década de 80 e ao início de 90, atestam o ritmo deste processo.

Os textos da primeira década são sobretudo

“ (...) de carácter descritivo, como se se tratasse, na altura, de conhecer uma situação quase completamente desconhecida. (…) Apesar da rarefacção e da dispersão inicial, no

final desta década estava dado o passo decisivo no que diz respeito à temática (…): o

professor tornara-se um objecto/sujeito de estudo; de deveres, mas também de direitos; de

competências, mas também de afectos; um profissional mas também uma pessoa.

[Os textos] da década de noventa, acompanhando provavelmente não só o

desenvolvimento das perspectivas científicas mas também o evoluir do sistema educativo, centram-se fundamentalmente na formação contínua como lugar de desenvolvimento

profissional e formação da identidade”, [sendo a década por excelência do estudo do

desenvolvimento e da identidade do professor, em Portugal].

(…) Subjacente aos textos desta categoria está a «vontade» de compreender a realidade portuguesa (passada e daquele tempo), questão de que a comunidade científica das

Ciências da Educação em emergência se ocupou afincadamente desde a promulgação da

Lei de Bases do Sistema Educativo (…). “ (Lopes, 2004, pp. 64-69)

Esta mobilização da comunidade científica foi acompanhada ou acompanhou a

grande mobilização docente para o debate e para a luta pela conquista de um estatuto

valorizado e esclarecido, em congressos, seminários ou comícios, marcando uma época de

dinamismo ímpar na profissão.

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Capítulo II - O lago in situ.

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A dinâmica do processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e

de uma deontologia comum, nesses anos de preparação e aplicação do primeiro Estatuto e

regulamentação consequente, obedeceu a uma articulação entre o self e as instituições e seu

legislado, tal como Dubar (1997) a descreve, apoiada em estratégias de acomodação e/ou de

assimilação.

Os diplomas em causa estabeleceram, com o referente da Constituição e da Lei de

Bases, a estrutura institucional onde se inscreve, reconhece e move o novo profissional de

ensino, cujo perfil radica em competências científicas diferenciadas unidas por uma intenção

educativa e de ensino, alicerçada em níveis de exigência formativa, quer no campo das

disciplinas quer no campo das metodologias, animada por uma racionalidade reflexiva, uma

prática relacional comunicativa e uma ética própria. Estabelece a avaliação do seu

desempenho na relação dialéctica entre investimento formativo contínuo, experiência e

análise crítica entre pares, potenciáveis pela mão dos próprios profissionais.

Regista a valorização de todo o trabalho desenvolvido em função das práticas,

considerando uma componente não lectiva complementar, lugar e tempo de grande autonomia

profissional.

Hoje, cerca de duas dezenas de anos volvidas, já no quadro de um novo e polémico

estatuto, que recupera as propostas mais rejeitadas da discussão inicial, em jeito de balanço,

diremos que muitas foram as potencialidades do primeiro que foram descuradas por

acomodação da classe, sobretudo no que se refere à exigência corporativa indispensável com

a própria avaliação. Esta, instrumento de validação, remediação e legitimação das práticas,

deixou-se ficar no limbo, acabando por ser um processo de prestação de contas mal

conduzido, abrindo caminho à conjectura, ao mal-estar social e profissional e ao reforço do

controlo atípico e administrativo.

A Escola traduz-se hoje numa comunidade educativa múltipla, vária e facilmente

disruptiva, onde factores conjunturais da sociedade, das políticas e da vida das instituições

condicionam e modelam o olhar com que os diferentes parceiros se reconhecem e o

sentimento mútuo com que interagem e se consideram. Ao desenvolvimento cooperativo das

relações opõem-se momentos e lugares particulares de incremento da conflitualidade, seja

entre os professores e a tutela, entre os alunos, entre estes e os professores e entre

encarregados de educação e estes.

“Existe (…) uma estreita ligação entre o estado da escola e o estado da sociedade.

(…) Em sociedades “constipadas”, em busca de novas referências nos domínios

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Capítulo II - O lago in situ.

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económicos, ecológicos, culturais, a escola “tosse”. (…) Mas nesta atmosfera de

mudança, fala-se pouco dos professores, ou melhor, os professores falam pouco de si mesmos, a não ser para evocarem o seu mal-estar e a nova identidade à qual têm

que aderir.” (Develay, 2004, p.55)

A instabilidade da vida social e política, o incremento do sentimento de frustração

dos pais face a um sistema de ensino que não garante mais aos seus filhos o sucesso na vida

activa, na competitiva sociedade actual e no incerto mercado de trabalho, global e

deslocalizável, encontra nos docentes o bode expiatório privilegiado da sua angústia, tornando

invisível o essencial.

A Escola em crise, os novos papéis que comporta e a imagem social deteriorada dos

professores oferecem-se à curiosidade de diferentes ciências, segundo quadros

epistemológicos e metodológicos que “reflectem a evolução no campo das ciências sociais,

determinada pela crise provocada nos sistemas tradicionais de explicação e de previsão ao

pôr-se em causa a pretendida objectividade da ciência (…) e determinando o primado do

sujeito enquanto produtor da realidade social e produtor de significados” (Estrela, 1997, p.11)

Os professores desempenham hoje funções numa Escola de massas, internamente

heterogénea, que tenta sobreviver e funcionar no complexo contexto socioeconómico e

cultural em que nos encontramos. Numa Escola de onde emerge um profundo mal-estar

docente e discente para o qual vêm contribuindo medidas repressivas e estigmatização social,

no sentido em que se desvaloriza a actividade docente, se desprestigia os seus profissionais

fazendo deles a causa de todos os males, ao mesmo tempo que inquieta pais e se torna uma

“seca” para muitos filhos. Mal-estar que Cortesão (2000) previa que aumentasse enquanto se

mantivesse o fosso entre as características, interesses e saberes dos alunos e aquilo que

professores e instituição escolar oferecem e exigem, ao submeter-se a um projecto de modelo

de desenvolvimento particular.

A massificação do ensino trouxe para a Escola não só a diversificação sócio

económica de origem dos alunos, como a sua heterogeneidade cultural, produto das ondas

migrantes que a globalização e os constrangimentos do mercado de trabalho produzem. O que

aparentemente seria um processo democratizante, porque de alargamento da oferta de

oportunidades a «todos», mostra-se subvertido nos resultados, uma vez que a escola

permaneceu quase imutável na sua estrutura formal homogeneizadora, dirigindo-se ainda

maioritariamente ao aluno-tipo. Afinal, ela tornou-se cúmplice de processos de

marginalização e exclusão de minorias que não podem acompanhar o modelo único, e que se

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Capítulo II - O lago in situ.

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tornam numericamente significativas na sociedade, ao constituírem grupo social não

produtivo. A taxa de alunos que abandona a escola sem sucesso vai crescendo e lançando na

vida activa e profissionalmente inactiva, precocemente e em número já não assimilável como

extracto (necessário) de mão-de-obra barata (Stoer & Cortesão, 1999), milhares de jovens não

preparados, desintegrados, não incluídos, gerando a conflitualidade no espaço escolar e no seu

exterior.

Na realidade, de assimiladora da diferença, a integradora e a inclusiva, a Escola foi

declarando intenções de mudança desejável, a ser concretizada não fora a complexidade do

mundo globalizado «lá fora» e «aqui dentro», e da empresa de escolarização e educação, que

movimenta milhares de pessoas, entre «matéria prima» e recursos, não foram também as

disparidades entre o discurso político e as medidas objectivas e a contradição que vive nos

agentes educativos, entre (con)formados num quadro conceptual que intenta a neutralidade do

acto educativo ou a reflexividade crítica de trabalhadores intelectuais.

Nos anos 1980/90, por contraponto a práticas políticas que pretenderam fazer dos

professores funcionários com obrigações definidas e ditadas de forma muito precisa e

unilateral, foi emergindo um discurso que visava redefinir as funções atribuíveis ao professor

em contextos de maior complexidade.

Simultaneamente, no quadro da redescoberta duma identidade profissional, a classe

reclamava uma significativa autonomia, assumindo-se como de profissionais intelectuais,

acrescidos da dimensão de trabalhadores sociais, se queriam responder a uma escola diferente

da de outrora. Tais discursos e a consciência aguda dos professores acerca das exigências a si

mesmos colocadas por essa escola da diversidade, configuram o espírito da Lei de Bases do

Sistema Educativo e do primeiro Estatuto de Carreira, desenhados entre a segunda metade dos

anos 1980 e os anos 1990.

A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por J.

Delors, produziu para a UNESCO, em 1996, o Relatório «Educação um Tesouro a

Descobrir» onde, no seu capítulo VII, «Os Professores em Busca de Novas Perspectivas»,

constata que professores e escolas se encontram confrontados com novas tarefas tais como

”fazer da escola um lugar mais atraente para os alunos e fornecer-lhes as chaves de uma

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Capítulo II - O lago in situ.

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compreensão verdadeira da sociedade de informação”53

; “enfrentar” não só [os] problemas

[pobreza, fome, violência, droga] e “esclarecer os alunos sobre um conjunto de questões

sociais, desde o desenvolvimento da tolerância ao controle da natalidade, mas também obter

sucesso “em áreas em que os pais, instituições e poderes públicos falharam muitas vezes”;

Devem ainda “encontrar o justo equilíbrio entre tradição e modernidade, entre as ideias e

atitudes próprias das crianças e o conteúdo dos programas”; mas também “prolongar o

processo educativo para fora da instituição escolar, organizar experiências de aprendizagem

[…] estabelecendo ligação entre as matérias ensinadas e a vida quotidiana dos alunos” (Delors

et al., 1996, p.154).

Face à expectativa social visível na atribuição exaustiva de mandatos à escola, de

responsabilidades cada vez maiores na solução dos novos problemas sociais, não se duvide

que a maioria das crianças e jovens do século XXI estão perante uma situação de absoluta

restrição do papel da família e de outras estruturas da rede social com que a família partilhava

os tempos livres e a educação cultural dos seus filhos, restando-lhes pouco mais ou nada para

além da Escola, onde se regista um acelerado alargamento das funções sociais do professor. 54

Contudo, num processo de «recentração da especificidade do papel do professor na

actividade de ensino» (Campos, 2002, p.42)55

, propõe-se agora que as políticas caminhem no

sentido de que os professores, do ponto de vista individual e organizacional, sejam cada vez

mais profissionais do ensino e menos do trabalho social, em geral. Esta revisão de perspectiva

terá algo a ver com a crise dos resultados escolares e/ou com o conteúdo das orientações para

53 Informação essa que lhes enche mais horas do dia e é mais apelativa que a Escola, mas que, só por si, sem a

desestruturação e reestruturação do conteúdo informativo, não produz conhecimento. 54 “O novo mandato atribuído à escola tem como fundamento a necessidade de ensinar e educar todos tirando o

máximo partido das potencialidades de aprendizagem de cada um. À escola também se lhe pede agora que, além

de ensinar as ciências e as artes, promova o ensino do que genericamente poderemos chamar de educação social,

ou mesmo de cultura. O novo mandato educativo reconhece implicitamente a falência da maior parte das instituições sociais, sejam elas a família ou as igrejas. E pede à escola que substitua as organizações falidas.

Pedem que a escola seja escola, família, igreja, local de diversão, de socialização, de ocupação, de

armazenamento de crianças e jovens, e que eduque e ensine tudo e mais alguma coisa." (Serralheiro, José Paulo

(2008). In Jornal a Página da Educação, ano 17, nº 177, Abril 2008, p. 3)

55 Campos, Bártolo Paiva (2002). Politicas de Formação de Profissionais de Ensino em Escolas Autónomas.

Santa Maria da Feira: Edições Afrontamento. Cap. 2. Profissionais de Ensino em Escolas Autónomas. Pp39-62

(texto produzido em Setembro de 1999, por iniciativa do Departamento de Avaliação, Prospectiva e

Planeamento do Ministério da Educação).

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Capítulo II - O lago in situ.

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o século XXI, que apontam para a construção da “sociedade do conhecimento”56

de que a

escola, entendida como “uma instituição cultural mundial”57

, é um dos pilares fundamentais.

Pretende-se acima de tudo que os alunos dominem o conhecimento escolar, dominem

os saberes mais pragmáticos e tecnicistas que constituem o núcleo do currículo para a

formação de alunos e cidadãos globalizados, obedecendo a uma visão utilitária da escola na

perspectiva da criação de mão-de-obra qualificada, susceptível de ser competitiva no plano da

concorrência internacional configurada em espaços regionais preponderantes. No caso da

Europa, um currículo cada vez mais eurocêntrico, regulado por instrumentos como o “PISA -

Programme for International Student Assessment”58

, com o epicentro nas competências

Matemáticas, da Língua Inglesa e das Tecnologias de Informação e Comunicação, afastando

abordagens na base da consciencialização crítica dos alunos em favor de temáticas

transnacionais, como a formação pessoal e social, o paradigma do desenvolvimento ou os

estilos de vida (Gough, 2003).59

“(o) professor [do século XXI] deve estabelecer uma nova relação com quem está

aprendendo, passar do papel de “solista” ao de “acompanhante”, tornando-se não mais alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus alunos a

encontrar, a organizar e gerir o saber, guiando, mas não modelando os espíritos, e

demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar

toda a vida.” (Delors et al., 1996, p.154)

Nos tempos que correm, na impossibilidade de se ignorar a diferença e no

reconhecimento da indispensabilidade de pedagogias diferenciadas60

, os discursos políticos

pretendem que o desempenho docente responda criativamente a essa realidade quando, ao

mesmo tempo, a prática política e social reforça a regulação normativa do professor como

funcionário. Aquela exige resultados, a par de uma prestação de contas estandardizada, da

56 Hargreaves (2004).

57 Ladwig (2003, p.2669).

58 O PISA (Programme for International Studment Assessment), foi lançado pela OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico), em 1957, visando comparar os resultados dos diferentes Sistemas

Educativos através do desempenho dos alunos em quatro áreas: Literacia matemática, literacia em contexto de

leitura, literacia científica e resolução de problemas. O conceito de literacia subjacente remete para uma noção

mais ampla que a da aptidão para ler e escrever e remete para a capacidade de os alunos aplicarem os seus conhecimentos, analisando e comunicando com eficiência, à medida que colocam, interpretam e resolvem

problemas numa variedade de situações.

59 Citado por Pacheco & Pereira (2006). Globalização e identidades educativas. Rupturas e incertezas. In Revista

Lusófona de Educação n.8. Lisboa: UID Observatório de Politicas de Educação e de Contextos Educativos da

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

60 “No momento em que a pedagogia diferenciada pareceria uma regra de base em todo o sistema educativo,

alguns (imaginam) horas de apoio, os mais avançados reservam a pedagogia diferenciada para zonas de

educação prioritária, [NEE] …”. (Perrenoud, 1999, p.26)

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Capítulo II - O lago in situ.

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redução dos seus custos, independentemente do tamanho e importância social da tarefa, da

sufocação burocrática, da desvalorização social e profissional legislada num novo Estatuto61

alicerçado em preocupações de contenção orçamental, no reforço de quadros intermédios de

controlo sitos nas próprias Escolas e nos rankings educacionais.

As contradições que se jogam na escola atravessam todos os níveis da organização,

manifestam-se nas relações interpessoais, provocam desconfianças e auto limitações; o

carácter difuso dos seus efeitos não facilita a apropriação pelos professores de um outro

conhecimento mais aprofundado da sua realidade profissional, e das vias da sua

transformação. Por muito menos se pede muito mais e se quebra a alma dos professores.

61 Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro (altera o Estatuto da Carreira Docente dos educadores de infância e dos

professores dos ensinos básico e secundário, bem como o Regime Jurídico da Formação Contínua de

Professores, Decreto- Lei 139-A/90, de 28 Abril já alterado pelo Decreto-lei 1/98, de 2 de Janeiro).

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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CAPITULO III

Metamorfoses em espelho de água

O professor desceu do mundo dos

arquétipos para o mundo da sua

singularidade existencial, vivendo o seu

tempo e as suas circunstâncias, e nelas

esculpindo a sua identidade pessoal e

profissional. (…) Do conjunto desses

olhares múltiplos captados por ópticas

diversas – quando não opostas –

poderemos construir algumas imagens

compósitas (…).

Teresa Estrela, 1997, p.14

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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1. Ao olhar a superfície do lago

As representações evidenciadas pelos professores sobre a sua identidade (re)

construída são pois imagens compósitas devolvidas pelos múltiplos olhares que procurámos

captar, orientados por uma metodologia de natureza compreensiva, a fim de procurarmos

discernir como se redesenham os professores, como muda e porque muda o seu perfil, num

período de tempo estabelecido e dinâmico, e quais as circunstâncias que o fazem mudar.

As sessões de focus group proporcionaram aos participantes perscrutar no lago da

sua profissionalidade, alimentado pela corrente dos seus percursos, as imagens do que foram e

vêm sendo como professores e professoras, agitando a superfície com a constante

in(a)comodação das diferentes perspectivas que constituem as representações que cada um

tem de si e dos pares.

1.1. As imagens/reflexos para que olham os professores quando se querem encontrar

Volvidas duas décadas de investigação sobre identidade e representações sobre ela,

foram já antes identificados os reflexos mais significativos que os professores recolhem de si

mesmos:

“ (...) a imagética subjacente à significação da representação que os professores

têm de si na profissão [lê-se em]: “a relação com a mudança”, “a relação com os alunos no eixo pedagógico-didáctico”, “a relação com os alunos no eixo sócio-

afectivo” e a relação com os (as) colegas da escola”. (Lopes, 2003, p. 39)

Verbalizando sobre a sua identidade colectiva e até acerca da representação de si

enquanto profissionais, as imagens que os professores procuram traduzem-se

preferencialmente no discurso por referência aos seus pares e aos seus alunos, qual espelho

que devolve uma imagem a que se adere por simpatia, a imagem idealizada que se quer

ajustar a cada eu, ou aquela a que se reage porque é contrária ao ideal mas é visível no outro.

É assim que, ao ser questionada sobre a eventualidade de mudanças no perfil

docente, uma professora busca a resposta na imagem dos professores de seus filhos, que têm

dez anos de diferença, e não em si própria, dizendo:

“O mais novo (...) tem uma vivência totalmente diferente da irmã. Esta década de idade entre eles, na verdade torna-os diferentes. Não são diferentes porque todos

nós somos diferentes, são diferentes pela diferença de idades. [No entanto, os]

professores do mais novo têm o mesmo perfil que tinham os dela.” (B/Estoril)

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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Postos em situação de reflectir sobre o que é comum e identificativo, são levados a

sublinhar em primeiro lugar o que à superfície se mostra diferente: a antiguidade como

diferenciadora de perfis, porque gerados em contextos de construção do self e de formação

profissional que é diversa.

“Chegam à escola (...), vêm completamente diferentes. Chegam à escola e por

vezes não se interessam. O miúdo tem problemas, chamo o pai, não chamo. Muitas vezes não colaboram. Pouco se interessam pela escola. Dão as suas aulas. Não há

comunidade, não há escola, não há amizade com outros colegas. Olham para os

colegas mais velhos, são as cotas, riem-se... (...) Quanto aos colegas que já estão na escola - todos se tentam adaptar aos novos tempos e às novas tecnologias e tentam

andar sempre à frente dos alunos. E são persistentes e falam com os pais e falam

com os alunos e estão na escola e vão para a frente.” (C/ Almada)

Há quem considere que são diferentes as abordagens à profissão dos novos que

foram e dos novos que o são agora, reclamando para os primeiros uma perspectiva de missão,

com consciência do seu trabalho como função social transcendente ligada a um tipo de

profissionalismo que leva o empenho para além do regulado, os segundos com uma

perspectiva de emprego e de cumprimento do regulado stricto sensu. Na verdade, quem o

refere são os que levam mais anos de carreira, porque foram os que escolheram ficar na

docência e crêem ver, em muitos dos recém-chegados, a ideia desta profissão como um

recurso temporário, como ponto de passagem para outra mais satisfatória.

Outros referem a mesma dicotomia por outro ângulo, pela percepção de um percurso

no tempo que é reconhecivelmente idêntico apesar das diferenças, mas ainda assim cotejando

alteridades.

“Será que essa visão não é porque agora estás do outro lado? Já és a mais velha

quando antigamente, eras a mais nova. Em relação aos colegas que chegam, não

sinto tanto que olhem para nós como cotas, digamos assim. Acho sim, que os colegas têm uma dificuldade em pedir ajuda. Os colegas saem da escola com

grandes bases teóricas, mas nenhuma base prática.” (B/Almada)

Esta perspectiva tenta desfazer a confusão que se estabelece no debate entre

diferentes visões e diferentes fases da profissão, aproximando-se das conclusões de

Hubberman (1992), que considerou existir uma primeira fase de sobrevivência e choque do

real, mas também do entusiasmo da descoberta, que parece encontrar confirmação no

depoimento duma colega mais nova na profissão:

“Depois do estágio, ocorreram uma série de mudanças a que nos temos que ir

adaptando constantemente.” (E/Ourém)

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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Segue-se-lhe, segundo o mesmo autor, à medida que o tempo decorre, a estabilização

e satisfação profissional, em que os professores estão já menos preocupados consigo que com

aspectos de natureza pedagógica, mais seguros para a diversificação de actividades e

aceitação de novos desafios e novas responsabilidades.

Para outro conjunto de professores/as, a diferença não está tanto na categoria

idade/tempo mas na qualidade da aposta individual na profissão. Ainda assim a categoria foi

encarada para que pudesse ser descartada.

“Se formos dividir os professores, se polarizamos em dois grupos, eu dividiria não os mais novos e os mais velhos, mas entre os mais novos e os mais velhos, aqueles

que desde o início da sua carreira, procuram ser responsáveis por participar na vida

da escola, evoluir, adaptar-se às novas tecnologias, ter uma atitude de aprendizagem e de interrogação em relação à sua prática pedagógica e aqueles que

começam e levam/levarão por diante uma carreira profissional de 30, quase 40

anos a resistir à mudança.” (E/Almada)

Recorrentemente, o olhar recíproco entre mais novos e mais antigos na profissão

parece velar-se, perder transparência, dissimulando a inquietação que a todos atinge. Para

Esteve (1991), “o professor novato sente-se desarmado e desajustado ao constatar que a

prática real do ensino não corresponde aos esquemas ideais em que obteve a sua formação”

(p.109), espartilhado entre o Eu que consegue ser diariamente na Escola e o Eu idealizado

como querendo e devendo ser; “sobretudo, tendo em conta que os professores mais

experientes, valendo-se da sua antiguidade, os irão obsequiar com os piores grupos, os piores

horários, os piores alunos, as piores condições de trabalho” (idem, ibidem).

Na verdade, esta contínua coabitação em exercício entre indíviduos mais antigos na

profissão e outros mais recentes, onde necessariamente se processam olhares mútuos, é

construtora de identidades colectivas novas, fermentadas no contacto entre as respectivas

afirmações individuais na profissão, em que cada um retira para si os elementos pragmáticos

e/ou securizantes que reconhece na alteridade, processando mudanças lentas na identidade

geral.

Mas também se (re)vêem nos alunos, espelhando-se na relação de diferentes

naturezas que os professores estabelecem com estes e onde, imperceptivelmente, tentam ler-se

a si próprios(as) neles. Ver reflectido na relação que se estabelece o(a) professor(a) que se vai

sendo:

“Os miúdos trazem para a Escola as mudanças, o professor todos os dias tem de se

readaptar e reequilibrar. É um jogo de equilibrios e reequilibrios.” (C/Estoril)

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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“Eu acho que o segredo de uma boa relação, está nos laços afectivos. Agora é

assim, é preciso que isso não seja artificial e que o professor esteja disponível para criar laços com os alunos. Não há alunos que não me cumprimentem.” (F/Almada)

Conscientes de que a identidade profissional é resultado de um processo biográfico

que se cruza com o contexto de relações na profissão, como Dubar (2006) analisou, os

professores não alienam também a capacidade de olhar para dentro de si próprios. Estão-se

confrontando introspectivamente quando dizem:

“Tenho vinte e oito anos de escola e já posso falar no ontem, no intermédio, no

hoje, e penso que estou preparada para [construir] o amanhã.” (E/Estoril)

“Escaparam-me completamente os referentes [dos alunos] (...) eu tenho muita

dificuldade.” (G/Estoril)

Uma e outra revisitam em diacronia o seu desempenho, avaliando de forma diferente

o passado e até perspectivando o futuro, mesmo ao reconhecer que se perdeu algures o passo e

a consciência das mudanças operadas nos alunos e seu mundo de interesses. A primeira,

mostrando a serenidade e o distanciamento próprio dos 45 a 55 anos de idade, segundo

Hubberman (1992), quiça menos ambição pessoal, menor nível de investimento, mais

serenidade e confiança; a segunda, de acordo com o mesmo autor, parece encontrar-se no

meio da carreira, em fase de conseguir pôr-se em questão, de questionar o seu desempenho.

Mesmo considerando que não se pode falar de um perfil único na classe docente, que

“não há o perfil do professor mas há N professores” (C/Estoril), existindo em simultâneo, no

sistema educativo e até numa mesma Escola, e que há tipos de desempenho profissional

variados, não é posta em causa a percepção de uma identidade profissional de pertença

comum. O que existe de único em cada um e o que é partilhado: duas dimensões duma

identidade.

2. Metamorfoses em espelho de água ou as representações dos/as

professores/as sobre a (re) construção do perfil docente. Mudanças e

continuidades.

De acordo com o guião que orientou as sessões, as questões foram colocadas de

modo a avaliar do impacto da globalização nos diferentes níveis do sistema educativo,

nomeadamente nos professores e sua identidade. Isto permitiu-nos ouvir falar sobre o modo

como os professores vêem a evolução do seu perfil e constatar se algo mudou no decurso

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histórico dos cerca de trinta anos considerados, no que à identidade docente importa. E se,

mudando, algo permaneceu. E o que mudou e o que permaneceu e porquê, que relações

estabelece a definição de um perfil, a construção de uma identidade.

As respostas obtidas dizem-nos que a Escola, entendida como o conjunto dos

modelos organizativos e o desempenho dos seus agentes, é o contexto onde o(a) Professor(a)

se reconhece e é reconhecido.Dizem-nos que,

“Mais do que a escola [e o professor] mudou a sociedade” (D/Estoril)

“A escola mudou muito pouco comparada com a sociedade” (A/Estoril),

E ainda,

“As escolas deviam preparar a sociedade para mudar para melhor e foi ao contrário, a

sociedade obrigou as escolas a mudar (…).” (B/Ourém)

Porque “a escola não estava preparada, são as novas crianças que aparecem, as

pessoas, os novos projectos pedagógicos…” (A/Estoril), tocados pelas tecnologias de

reforma, numa escola massificada e face a um perfil de aluno que se apresenta diferente, que

provoca mudanças a diferentes velocidades.

“Todos nós somos o factor da mudança e não podemos de modo algum ser iguais

aos nossos professores, isso passa pela mudança natural das coisas, pela sociedade

em que estamos, pela globalização, pelas fronteiras alargadas dos países. Se podemos hoje estar aqui a falar deste assunto já é um grande passo, há uns anos

atrás era impensável trazer isto para o meio rural, nota-se que a mudança tem sido

significativa e tem chegado a todos.” (F/Ourém)

Mudámos e mudamos movidos pelas mudanças que ocorrem à nossa volta e a que

não conseguimos ficar alheios, situados que estão os professores no epicentro do sistema

educativo, que por sua vez se articula com as recontextualizações da sociedade, cujas

convulsões abalam os fundamentos da sua identidade profissional. Esses abalos causam

desequilíbrios a que maior ou menor capacidade de adaptação vai dar resposta, lançando mão

de estratégias individuais ou de grupo:

“A certa altura pensava que estava a remar contra a maré, estávamos sozinhos. E

depois comecei a perceber. Eu tenho que mudar. Tenho que ver também quem é que está a remar sozinho. A maior parte, muitos dos colegas estavam também nesta

situação. E comecei eu a tentar dar a volta, como é que nós podemos fazer para... e

pronto, teve que partir de mim, uma modificação interior muito grande. Tive que me adaptar.” (D/Almada)

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A Escola enquanto organização viva parece não estar munida de dispositivos que

acorram a estas dificuldades vividas muitas vezes no isolamento, desperdiçando a “saúde” dos

seus recursos humanos. A luta contra a tentação daltónica é difícil e requer cumplicidades.

A representação dos/as professores/as sobre efectivas mudanças que se tenham

produzido não é consensual. Contrapõem que o perfil do professor:

“ Não mudou muito” (G/Estoril)

“Mudou e…não mudou!” (D/Estoril)

“Varia. (...) Há um grupo que mudou e outro que não mudou” (A/Almada)

“ (...) não podemos de modo algum ser iguais aos nossos professores, isso passa

pela mudança natural das coisas, pela sociedade em que estamos, pela

globalização, pelas fronteiras alargadas dos países” (F/Ourém)

“À medida que se vai avançando os professores estão mais resistentes á mudança,

estão mais tradicionalistas.” (C/Ourém)

A diferença de opiniões que aqui transparece e até alguma hesitação poderá resultar

da pouca transparência do trabalho docente aos olhos uns dos outros, como se a prática de

cada um fosse do foro privado, não estivesse exposta e partilhada, e ainda dos diferentes

contextos de trabalho dos professores entrevistados. As duas primeiras respostas olham para o

mundo dos professores, excluindo-se; a terceira inclui-se e por isso pode dar testemunho da

pressão sentida para a mudar com o movimento inexorável do contexto.

Reiteram, como evidenciámos atrás, que a resistência à mudança ou a maior

versatilidade não são específicas de professores mais antigos ou dos mais jovens, ocorrendo

uma e outra em ambos os tipos. Deixam transparecer que a falta de vontade/motivação do

professor, assente no peso da continuidade, é responsável pela existência de acomodação, pois

“ (…) muda quem quer mudar” (A/Estoril).

Alguns professores com mais tempo de serviço constatam que, quanto às estratégias

de ensino e ao interesse em se actualizar,

“Havia uma acomodação grande [entre os] professores”. (A/Estoril)

“Há o professor que é o Doutor, e por vezes há um corte entre ele e os alunos”. (F/Ourém)

“Nós sabemos exactamente os que mudam e os que se esforçam para mudar e os

que não mudam e não querem. Porque acham que como era há 15 anos ou 20 é que estavam bem. (A/Almada)

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Ou, como forma diferente de acomodação, idêntica a uma actualização passiva,

compelida pelas circunstâncias, mas sem adesão:

“Há professores que tiveram mesmo obrigatoriamente de mudar” (D/Estoril)

Mudaram para se se adequarem a necessidades impostas pelas características

emergentes da “nova clientela” trazida para o interior da Escola, os novos alunos, pelas

demandas sociais e pelos mandatos do centro do sistema educativo.

Os professores procuram discernir causas para a estagnação dolorida de uns ou

autismo de outros. Elas estão, por exemplo, na formação recebida, pois se aponta que:

“Não houve a preparação dos professores, para hoje.” (B/Estoril).

“Porque é tudo muito teórico. (...) quando vamos para a prática (...) sentimos muito

essa falta de apoio (...). E acho que isto é muito mau, acabar uma formação e sentirmos esta necessidade assim que estamos na Escola.” (A/Estoril)

Carência que se mantém na falta de conexão entre a formação contínua e os

contextos de trabalho dos professores formandos que, desapoiados, recorrem eventualmente à

reprodução de modelos de professor conhecidos quando se era aluno, pois dizem que

“…há coisas que são vividas em criança e que mais tarde [vêm] a transmitir” (B/estoril).

“Eu fiz a minha escolaridade durante o Estado Novo, e a minha referência de como

estar na aula, a relação professor aluno, de portar-se bem, o portar-se mal, o meu

padrão de referência obviamente é muito condicionado pela minha própria experiência de escolarizado, pela formação que tive, independentemente de

participar em acções de formação. (...), puxa-nos um bocado para aquilo que era

antigamente. Quando na sala de professores se diz: «No meu tempo...», raramente é no tempo de professor, é no seu tempo de aluno” (E/Estoril).

Também as assimetrias regionais que mostram mudanças nos contextos a

velocidades diferentes são responsáveis por alguma estagnação ou acomodação, assimetrias

assinaladas deste modo:

“Tenho muitas dúvidas que a criança de hoje, da aldeia do Lendal, zona rural no

Alentejo profundo, seja muito diferente das crianças de há 30 anos. Numa (...) primeira abordagem não diria que as diferenças são assim tão significativas, a

sociedade portuguesa nos últimos 15 nos não evoluiu tanto assim, não sanou as

assimetrias geográficas que são também culturais.” (A/Estoril)

Estão também na falta de actualização face aos referentes das novas gerações, dos

seus interesses culturais e mediáticos. Está na submissão/contemporização com os referentes

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dos pais que se guiam pelo modelo vivido enquanto alunos, no que se refere às metodologias

de ensino-aprendizagem e de avaliação.

“... eu nem sequer sabia quem era a Britney Spears e tudo me escapou. Escaparam-

me completamente os referentes”( L/Estoril)

“ (...) tive imensas queixas dos pais porque não fazia aqueles testes assim como estavam habituados.” (D/Estoril)

O imobilismo suporta-se no recurso ao manual como programa, face a currículos

incoerentes, decalcados do exterior. Dizem a este respeito que:

“ (...) é um caso típico que os manuais servem como programas e há disciplinas em que os professores já sabem qual é o programa: dão o manual, porque o programa

que nós damos é o manual. (J/ Estoril).

“ (…) Muitos livros são os mesmos. Mudaram as capas, estou-me a recordar da […] Editora que estava tal e qual e depois traziam na capa «de acordo com a

reforma curricular». Mas, abria e era tal e qual como alguns anos atrás.”

(D/Estoril).

“... [Os] programas são quase que um enfeite que existe, ao fim e ao cabo é uma muleta, que é indicada pelo Estado.” (E/Estoril)

Os professores tecem críticas a currículos “incoerentes” porque importados sem

aferição, o que consideram obstáculo a uma efectiva mudança. Dizem que:

“…[os currículos] não são adaptadas às nossas crianças e por isso muitas vezes

não dá a bota com a perdigota” (F/Estoril).

E, por fim, apontam a ausência de procedimentos reflexivos que dêem significado

colectivo e individual aos instrumentos regulamentares da avaliação do desempenho dos

docentes.

“Este relatório, esta avaliação do desempenho, não tem valor nenhum. Nós entregamos aquilo, ninguém o lê. Há a subida de escalão. Em relação às inovações

que nós introduzimos, não tem interesse nenhum, porque ninguém lê o que nós

fizemos durante o ano lectivo. Se lessem...” (G/Almada)

O desinteresse da tutela pelos produtos da avaliação reflexiva individual obrigatória,

feita em cada período de um escalão, de acordo com a regulamentação do anterior Estatuto de

Carreira Docente, fizeram desta, em maioria de casos, um processo burocratizado e até

falseado ou retórico, não contribuindo para contextualizar, aferir, e partilhar processos

inovadores.

2.1. Imagens refractadas ou o caleidoscópio da identidade docente

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Da leitura exploratória do material empírico recolhido nos grupos, da análise crítica e

interpretativa dos conteúdos e da desocultação do não dito, através duma hermenêutica de

inferências, evidenciam-se ao investigador indicadores e variáveis que interferem

directamente na caracterização da identidade docente derramada em perfis diversificados, que

os inquiridos descrevem, como luz refractada que dispara da clareza aparente da síntese em

cada um.

Por entre a tecitura dos discursos, o nosso olhar tenta acompanhar a lançadeira, na

tentativa de decifrar conexões e cores diferentes, as categorias que os falantes entre si usam

para apresentar e explicar como cada profissional ou grupo de profissionais vem estando no

exercício da profissão, e através das quais intentamos isolar em novelo próprio as qualidades

que permitem caracterizar e definir a identidade ou o perfil docente no seu processo

diacrónico. Tecedeiras e tecelãos têm no pensamento a superfície espelhada do lago onde

agora se debruçam e as imagens que o seu ponto de vista refracta na relação pedagógica com

alunos, na relação com os pares e com a organização Escola, na.apropriação da legislação, nas

metodologias e estratégias de ensino, nos âmbitos de intervenção do professor no/ou fora do

que entendem como o seu conteúdo funcional, nos saberes disciplinares específicos e na

formação pedagógica e científica adquirida.

Olhando as respostas à questão da identidade docente pelas diferentes perspectivas

que o guião sugere, o perfil dos alunos destaca-se recorrentemente como sendo importante na

construção do perfil do professor, mostrando a centralidade daqueles, mesmo quando e para

quem, em teoria, ela se colocaria nos conteúdos a leccionar. Isto é, os professores que

colocam no epicentro da sua tarefa a transmissão de conteúdos não deixam de denunciar a

relevância do perfil dos alunos para que possam ser bem sucedidos na sua tarefa, recorrendo a

metodologias e estratégias que veiculem melhor os conhecimentos junto dos alunos,

deixando-se incomodar pela “espessura humana” (Lopes, 2003, p.37) e contaminar como

profissionais pelas naturezas mais activa e personalizada daquelas estratégias,

independentemente de se tratar de “uma produção humana mais reprodutora ou

transformadora, por mais técnica que seja” (idem, ibidem). Transparece a pertinência dos

sistemas pessoais, relacionais e comunicacionais na construção de identidades, cuja actual

visibilidade é um dos aspectos mais positivos, como afirma Lopes (2003) dos consistentes

estudos sobre aquelas, realizados no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, nas duas últimas

décadas.

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Perante os desequilibrios e as crises que as mudanças nos contextos provocam na

identidade, lemos nos discursos docentes as reacções-tipo descritas por Abraham (1987)62

:

(i) O grupo de professores que aceita positivamente a mudança como uma

necessidade social inevitável, adaptando-se às novas exigências, esforçando-se por encontrar

respostas adequadas:

“O meu ponto de viragem, dá-se com a criação dos currículos alternativos. A

relação professor – aluno passava pela criação de laços, pela disponibilidade emocional. Isto foi há 6 ou 7 anos. A partir dessa altura, entendo que estou a fazer

o que gosto, que me levanto todos os dia bem-disposta, para fazer aquilo que gosto,

sinto-me disponível para os alunos, comecei-me a interessar pelos casos deles.”

(C/Almada)

(...) eu acho que houve a necessidade absoluta de se mudar. As próprias reformas

curriculares levam a que as metodologias sejam outras. Eu mesma mudei muito,

desde há 15 anos para cá. Até há 15 anos, eu nunca tinha usado nas minhas aulas com os meus alunos metodologias que hoje utilizo: tecnologias da informação e

comunicação. Tudo isso ao serviço daquilo que são as opções curriculares. O

trabalho de grupo. Eu trabalhava em grupo, mas não com a densidade, com a frequência e nos moldes em que hoje trabalho. (...) Tinha feito estágio onde

nenhuma destas coisas era abordada ou falada. E fi-lo em pleno estruturalismo de

repetição. Obviamente que eu tive que mudar muito. (...) E todas as estratégias de

motivação de leitura. Para se contrapor a outras solicitações que os alunos têm, que são muito mais agradáveis e muito mais fáceis. Se eu continuasse a fazer como

fazia há 15 ou 20 anos atrás, se calhar eles não ligariam nenhuma. E aquilo que eu

faria, achariam uma seca.” (A/Almada)

(ii) O grupo de professores que, incapaz de se opôr à mudança e de fazer frente à

ansiedade que esta lhe provoca, não está disposto a mudar e mantém no recôndito da sala de

aula o que sempre tem feito, negando a realidade, usando a rotina como segurança e

distanciação do problema:

“Aqueles que não mudaram são aqueles que têm muita dificuldade em aceitar os

alunos e, com eles, procurar estratégias para dar resposta. (...) há aqueles que

continuam a fazer o mesmo que faziam há 15 anos, com as consequências que daí advêm. (...) Porque acham que como era há 15 anos ou 20 é que estavam bem.”

(A/Almada)

“O professor tem que usar uma metodologia com que se sinta seguro, confortável. Nós sentimo-nos sempre com vontade de fazer as coisas de forma a sentirmo-nos

confortáveis. Mas há pessoas tão confortáveis sempre na mesma. “ (E/Almada)

62 Apud Esteve, J. M. (1991). Mudanças sociais e função docente. In Nóvoa (orgs.), 1991. Profissão Professor

(p.110). Porto: Porto Editora Lda.

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(iii) Os cépticos a respeito da possibilidade de melhorar a sua prática, de conduta

flutuante, que alimentam sentimentos contraditórios entre a mudança como condição de

progresso e a sua dificuldade em mudar, entre os ideais e a realidade:

“Antigamente era muito estável e o professor rapidamente se enquadrava e era capaz de manter a carreira toda numa determinada linha. Os miúdos trazem para a

escola as mudanças, o professor todos os dias tem de se readaptar e reequilibrar é

um jogo de equilíbrios e reequilíbrios. O perfil do professor mais correcto teoricamente falando seria aquele que conseguia reinventar o professor mais

mediano, médio, aquele que encontrou uma linha mínima e faz a sua carreira

dentro dessa linha. O perfil do professor em termos matemáticos/ estatísticos está na mediania entre as mudanças a que às vezes vai dando resposta. Nós não

podemos abarcar, como antigamente abarcávamos tudo.” (R/Estoril)

Este depoimento parece desenhar o tipo de professor monocultural definido por

Cortesão (2000), como cientificamente competente, com sólida preparação, bom tradutor da

complexidade da ciência, seguro e estável, distribuidor de saberes a todos os alunos mas

promovendo formas igualitárias de ensino dirigido ao aluno médio contribui para a construção

do aluno-tipo ideal, enfatizando a normalização.

Entre este grupo e o próximo parece-nos caberem aqueles professores que

apresentam uma imagem de cristalização, a quem chamam os “Doutores” (E/Ourém), mas

que o não são “ (...) só porque querem, é uma questão de defesa” (F/Ourém), praticando um

distanciamento afectivo que lhe permita manter o equilíbrio.

(iv) Os ansiosos, que temem a mudança e a reforma que, pensam, lhes deixarão a

descoberto as insuficiências no campo dos conteúdos, das metodologias ou da relação com os

alunos, culpabilizando-se pelos insucessos:

“Porque eu já não tenho tanto poder na escola para tomar uma atitude em relação

aos alunos. Nós professores também nos vamos deixando ficar. Porque temos medo. (pausa). A nossa atitude também não acompanhou. (...). A sociedade mudou

e eles (os alunos) obrigatoriamente mudaram. Nestes anos todos eu também mudei.

(...) O que eu tenho tentado fazer é andar à frente dos alunos para não sentir tanto essas mudanças.” (M/Almada)

“Somos cada vez mais uma classe insegura e angustiada. Nestes tempos de

mudança, tudo muda muito rapidamente, quer ao nível da nossa carreira, quer outras mudanças mais gerais. Para uns é muito difícil, porque temos de ser os

primeiros a adaptarmo-nos a elas (...) Sentimo-nos inseguros no nosso papel e

angustiados por não sermos capazes de fazer aquilo que a sociedade nos pede. Hoje

em dia, ouve-se muito dizer aos pais – eu é que pago o ordenado ao teu professor, para ele dar educação. E nós muitas vezes sentimos essa insegurança, mas

conseguimos, dar resposta a tudo isso.” (J/Almada)

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2.2. Instrumentos de (re) configuração identitária «alienada»

Canário (2006) apresenta-nos uma caracterização das mutações da Escola desde o

início do século XX até aos nossos dias, que nos levam da “escola das certezas” à das

“incertezas”, passando pela das “promessas” (pp.16-17). A Escola das promessas corresponde

à emergência da Escola de massas, advento da democratização e da inclusão, período fértil de

possibilidades de realização que muitos dos professores participantes conheceram, implicados

na sua concretização. A apreciação desses tempos, de então para cá, parece denunciar a

insustentada condição dos processos vividos:

Se olharmos para os últimos anos, vivemos uma carrada de instabilidade (…). Fizemos uma carreira toda virada para a instabilidade e estamo-nos a habituar a ver

estas novas formas de ver a escola.” (B/Almada)

Atravessado pela ambiguidade da profissão, oscilando entre a visão desta como mais

bela profissão do Mundo e a mais desgastante e perigosa, os/as professores/as reconfiguram a

sua identidade, adaptam o seu perfil mediante processos de adequação que tragam

estabilidade ao Ser e Fazer, em mundos em mudança.

Ao reconhecerem mudanças no perfil ao longo do tempo considerado, os/as

professores/as entendem que elas existiram não necessariamente por força de um processo

reflexivo, mas aleatoria ou alienadamente, por imperativo das circunstâncias: a) no

relacionamento com os alunos; b) nas estratégias e metodologias utilizadas; c) no alargamento

do âmbito do seu conteúdo funcional. Fazendo dos contextos em mudança e das crescentes

tarefas imputadas à escola, dos alunos em mutação e das novas estratégias para lidar com eles,

instrumentos processuais dessa transformação identitária inevitável.

Os factores citados pelos/as professores/as, como sendo os que contribuíram para a

mudança, isto é, o que os fez mudar, vão das questões de contexto, como a globalização ou a

sociedade global que, “por meio de isomorfismos (...) fornece modelos que influenciam

bastante os sistemas educativos nacionais” (Ferreira, 2008, p.242), à formação inicial e

contínua. De notar que a formação é referida por uns como factor de desajuste e por outros

como factor de inovação.

A globalização, circulação de valores à escala mundial que, mercê das tecnologias de

informação, entram na casa de cada um em tempo real, é vista como um factor de abertura às

mudanças na sociedade e à democratização e modernização do país, consubstanciada, na área

da Educação, na escola para todos, integradora/inclusiva, na banalização das novas

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tecnologias, mas também trazendo para a Escola alunos e pais diferentes, saberes e conteúdos

disciplinares novos, que requerem diferentes saberes metodológicos e instrumentais.

“Há aspectos que acho que merecem ser discutidos em relação à globalização - um

é a parte das crianças que nos aparecem, que é inevitavelmente o problema das

deslocações populacionais, mercê dos problemas sociais, políticos, económicos e tudo aquilo que nós lemos nos livros e nos jornais efectivamente é um fenómeno de

globalização.” (A/Estoril)

“as crianças mudaram porque a sociedade mudou, o mundo mudou a sociedade

mudou” (B/Estoril)

Referem que os alunos são hoje mais abertos, comunicativos, irrequietos e/ou

indisciplinados. E por isso o professor reconhece que pode ou tem mesmo que

“... arranjar estratégias que mantenham os alunos na sala de aula, disciplinados (…); Eles não têm medo do adulto, (...) estabelecem uma relação de proximidade

com os professores a que os professores mais velhos não estavam habituados”

(F/Estoril);

“Os miúdos tornaram-se muito mais abertos, muito mais comunicativos connosco, às vezes até tratam os professores por tu, por pai e mãe. São portadores de novos

conhecimentos. Constroem o seu mundo... através da net, da televisão e através de

tudo aquilo que lhe dão oportunidade na escola. Até... da multiculturalidade. Que é importante se for enriquecida, ou seja, trabalhada pelo professor.” (A/Estoril)

Os alunos são agora diversos, são multiculturais e também portadores de deficiência.

“Neste momento temos dentro das nossas escolas crianças que não tínhamos há dez

anos e que não têm nada a ver com o perfil geral; crianças deficientes, de cadeiras

de rodas...” (A/Estoril).

Mas se as crianças estão diferentes, também os pais são muito diferentes na sua

relação com os filhos, as práticas educativas em contexto familiar parecem ter mudado e os

tempos disponíveis para o exercício dessa relação parental também mudaram muito. Por isso,

são pais com novas expectativas e exigências à instituição escolar.

“Os miúdos hoje vêm diferentes porque têm educação diferente. São pais que dão à

criança um novo estatuto que lhe confere autoridade (...) a educação hoje é o

menino que tem razão; [Os pais dizem:] Já não consigo fazer nada dele (…) Ele é muito engraçado, manda, eu tenho que me levantar sempre às tantas da manhã

porque chora, chora, chora e enquanto eu não for (…). Portanto o menino manda

em casa, na escola, em todo o lado faz birrinha…”. (C/Estoril)

O mundo global exige uma actualização de saberes curriculares e metodológicos.

“Dentro da sala de aula a postura do professor mudou muito a nível dos conteúdos de aprendizagem e a nível dos saberes que o professor tem que [ter]. Temos que

fazer enfoque a três saberes: é o professor saber o currículo nacional; conhecer

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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muito bem o aluno – saber de psicologia; saber até onde eu posso ir – o professor

conhecer-se a ele; jamais seremos iguais a ontem.” (E/Ourém)

A democratização e as novas qualidades dos públicos requerem saberes

metodológicos à altura. O aluno no centro da aprendizagem; O professor como mediador e

facilitador; A inclusão de alunos diferentes.

“…a centragem do ensino no aluno, a preocupação com o papel da relação

professor/ aluno, a preocupação em o professor ser um facilitador e não um transmissor de conhecimentos… isto tem a ver realmente com um pensamento

geral de filosofia de educação que é importado” (...) O ensino centrava-se mais no

aluno, no conhecimento que o aluno trazia para a escola para acrescentar com o outro conhecimento.” (A/Estoril);

Mas há um dado que eu acho que é muito importante de há uns anos para cá, que é

o conceito de escola inclusiva. Neste momento e por aí o perfil do professor

também muda. Neste momento temos dentro das nossas escolas crianças que não tínhamos há dez anos e que não têm nada a ver com o perfil geral; crianças

deficientes, de cadeiras de rodas. Aqui as estratégias e metodologias, onde caiem

essas crianças, eles têm de mudar.” (C/Estoril).

E é o deitar mão a novos saberes instrumentais. Que aproximem os alunos dos

conhecimentos e os transformem em competências, que aproximem o professor do aluno para

que o ensino-aprendizagem aconteça.

Contudo, o papel do professor e da Escola parece não ser mais apenas o Ensino mas

tembém a Educação num acréscimo de objectivos e tarefas diferenciadas, dentro e fora da sala

de aula que nunca foi antes tão alargado. À escola pede-se que actue agora em campos que

pertenciam à família, num trabalho que ultrapassa a complementaridade para se traduzir em

substituição.

“Às 8 da noite, os supermercados estão cheios com mães com miúdos. E eu ponho-

me a olhar para aquelas mães e para aqueles miúdos e penso assim: às 8 da noite

ainda não foram a casa, que tempo é que estas pessoas vão ter para conviver, para transmitir as tais regras aos filhos quando, àquela hora ainda é preciso fazer jantar

para os filhos. Ou não jantam, ou vão-se logo deitar. Portanto, o tempo de

convivência da pessoa que tem um horário de trabalho normal é muito pouco.”

(C/Almada)

“Efectivamente, hoje cai tudo na escola. As questões ambientais vieram para a

escola, o problema do tabagismo e da toxicodependência veio para a escola, o

problema da sexualidade veio para a escola, a prevenção rodoviária veio para a escola, a educação para a saúde veio para a escola, os hobbies que antes estavam na

sociedade civil e o acompanhamento do tempo-livre, que cada vez é menos livre

mas arrumado em compartimentos de 50 minutos, vieram para a escola ... A escola,

como foi feita, com a missão de ensinar está ultrapassada, hoje pede-se mais à escola do que o mero ensinar. Nós vamos assistindo passivamente a isto. Cada vez

se exige mais à instituição e aos professores.” (B/Almada)

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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Necessariamente o perfil docente se reconfigura nesta Escola a tempo inteiro,

permeado por deveres acrescidos que o remetem para o exercício de papéis de enorme

subjectividade, perpassados por novas questões éticas.

2.3. Instrumentos de (re) configuração identitária «performativa»

A reconfiguração identitária dos professores é também um processo top down,

comandada pelo Estado, através da formação acreditada para a profissão e através da

legislação que a regula, pelo quase-mercado da Educação que normaliza através dos manuais,

mas que dinamiza a lei da oferta e da procura através de instrumentos de competitividade

como os exames e as provas aferidas, traduzidos em rankings, marcas do empresarialismo

privado transpostas para a Educação pública.

Lawn (2001) defende que as alterações na identidade são manobradas pelo Estado,

através do discurso, com o intuito de obter identidades oficiais, policiadas no sentido de

assumirem o projecto educativo nacional, traduzindo-se num método sofisticado de controlo e

numa forma eficaz de gerir a mudança.

O Estado tem vindo a assumir, contudo, uma posição submissa face aos projecto das

agências transnacionais para a Educação e de mediador-tradutor que faz a passagem dos

ditames daquelas para os agentes educativos nacionais. Neste processo, os professores são os

elementos neutros apesar da retórica duma falsa autonomia porque atribuída às Escolas

enquando entidades gestoras desconcentradas da tutela e não como directoras de projectos

educativos locais.

“ (...) nosso actual entendimento de «nacional» para pensar a educação – como um sistema caracteristicamente «nacional» para cidadãos «nacionais», um bem público

«nacional» com uma força de profissionais do ensino «naciona» – é uma

„escala‟que se mostra cada vez mais insuficiente para capturar os processos em

desenvolvimento como conseqüência da globalização e, maissignificativamente, o caráter dinâmico do papel e do objetivo da educação e do trabalhodocente nesse

processo.” (Robertson, 2002, p.23)

Os professores participantes neste estudo manifestam a ideia de que os acordos e

orientações internacionais para os Sistemas Educativos nacionais imprimiram nas reformas

curriculares, por exemplo, alterações nem sempre bem adaptadas:

“ (…) Em Portugal, os currículos foram feitos normalmente decalcados de ideias

importadas, que infelizmente não são reflectidas e adaptadas às nossas crianças e

por isso muitas vezes não dá a bota com a perdigota, e não existe neles articulação horizontal nem vertical.” (A/Estoril)

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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Ao mesmo tempo, alimentaram o comércio de manuais escolares, supostamente

actualizados cientificamente, diversos nas metodologias a que servem, trazendo para o

quotidiano dos professores estratégias diversificadas deixadas para trás pela rotinização das

práticas. Neste sentido são vistos como um contributo para mudanças possíveis:

“Os manuais escolares foram-se progressivamente adaptando, com muitas poucas

diferenças, foram facilitando o trabalho dos professores que tinham de programar aulas… agora já lá vem tudo no princípio da unidade e não vejo grandes mudanças

a não ser na readaptação, ou pequenas adaptações, à realidade actual, momento a

momento.” (D/Estoril)

“Na reforma curricular, agora, há muitos (manuais) que lhes estão a dar uma cara

nova e o ano passado apareceu em muitos o método global, o método natural, o

método das 28 palavras, que já existiam há 28 anos atrás.” (F/Estoril).

Dizem os professores que as pedagogias e as reformas dos programas de 1991 foram

perfeitamente condicionadas pela onda pedagógica geral da Europa e das escolas americanas

e que “ tudo se reflecte dentro da sala de aula através não só das metodologias (…) o que tem

a ver realmente com um pensamento geral de filosofia de educação que é importado”

(G/Estoril); Consideram que com a reforma curricular se tentou mudar atitudes e que os

professores tentaram adequar os seus modos de ensinar ao espírito dos novos currículos. Não

que essas metodologias mais activas fossem uma novidade em Portugal; elas já eram

praticadas por militantes do Movimento da Escola Moderna, no recesso das suas salas de aula.

Como excepção.

“Trazia muitas coisas, mas se formos ver não era assim tão novo como preconizava, porque o Movimento da Escola Moderna já era anterior a isso e toda

aquela filosofia já estava aí, não houve assim muito novo.” (D/Estoril).

As novas nomenclaturas terão vindo, em muitos casos, dar nome a práticas já

existentes nas escolas, como o trabalho de projecto, como explicita uma professora:

“Recentemente, apareceu a reforma curricular (a nova) que tentava trazer umas

coisas novas e dentro do que era novo centrava-nos mais no projecto da turma,

quando já havia montes de professores que já faziam projecto de turma decorrente do projecto escola e por aí.” (F/Almada)

Estas observações sublinham a ideia de que determinadas mudanças precisam ser

tuteladas, uma vez que o conhecimento já estava disponível mas não era procurado por todos.

Contudo, revela a existência de redutos inovadores ou diferenciados da generalidade.

No contexto nacional, as rupturas nas políticas ou mudanças colectivas de

paradigma, são períodos catalizadores de processos de mudança, e são consequência dum

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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modo ou doutro da abertura ao mundo, da emergência de aspirações e ideologias. Segundo

Lawn (2001), “[as] tentativas do Estado para criar novos tipos de professores para as novas

orientações da política educativa, originadas em diferentes períodos deste século, têm sido as

principais formas pelas quais a identidade do professor tem sido construída e mantida”

(p.120).

Como ilustração deste mecanismo os professores referem momentos de viragem

política do sistema educativo, como a democratização da Escola pelo acesso generalizado - a

Escola de massas - a integração de alunos deficientes, a par da implementação de uma

reforma curricular, servida por reciclagens emanadas da tutela, que mobilizaram em

simultâneo a classe, tentando veicular a nível nacional uma nova ideologia e seus métodos.

“Depois de 74, tentou-se mudar atitudes com a reforma curricular. O ensino

centrava-se mais no aluno e no conhecimento que o aluno trazia para a escola para

acrescentar com o outro conhecimento.” (B/Ourém)

“Eu fiz a minha formação pedagógica entre 76 e 79. Apanhei o que, na altura, era o

período das grandes experiências pedagógicas (...) Contudo, apesar de estar na

ordem do dia [foi] “interessante [ver que] em, algumas dessas experiências (…) não [houve] grandes mudanças para melhor, nem nunca vi nenhuma avaliação

sustentada do processo.” (C/Estoril).

Donde inferimos que o lastro de outros factores condicionantes e letárgicos se

manifestou ainda numa parte visível da classe, ainda que naquelas condições propícias à

mudança, resultando que, muitas vezes, “em resultado dos programas de formação de que

participam, os professores tendem a reproduzir discursos teoricamente elaborados, mas que,

em vez de contribuirem para a reflexão sobre as próprias práticas, tendem a gerar efeitos de

sua ocultação” (Ferreira, 2008, p.243). O mesmo autor sublinha o facto de a formação

contínua ter obtido forte incremento em termos quantitativos que não teve equivalente na

mudança de concepções e de práticas.

Por outro lado, a formação também contribuiu para a mudança. Para se ser “um bom

professor há que estar sempre actualizado e querer mudar.” (B/Almada). Neste âmbito, a

cultura e os dispositivos de trabalho disponíveis nos territórios em que se situa o professor

têm também importância, criando dinâmicas propícias à actualização, à procura e à inovação,

sejam eles um Centro de Formação ou uma Escola, ou um grupo cooperativo de docentes

dentro desta:

“Eu como trabalhei muitos anos em (...), era um distrito muito mais virado para a

formação de professores e quando chegava a... parece que parava no tempo, só me

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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interessava porque morava em ali; em... existiam pólos de formação coisa que aqui

não se falava, a ESE de...era muito mais para além do tempo…” (B/Estoril).

A universitarização da formação inicial de professores introduziu uma

fundamentação teórica da acção educativa mais sólida (Formosinho, 2002) mas,

generalizadamente, os professores ouvidos neste estudo consideram que nos diferentes

conteúdos dos cursos de formação inicial, ao longo dos anos, foram mais relevantes para a

adaptabilidade dos docentes às mudanças necessárias aqueles que apresentavam uma

componente de ciências e práticas pedagógica mais rica, em detrimento das disciplinas

científicas específicas. Mas,

“ (...) mais do que a formação inicial, a formação contínua é fundamental. E

porquê? Porque cada vez eu acho mais que a formação tem que se fazer para as realidades em que a gente vive, não é? E responder aos problemas que cada

comunidade escolar tem.” (A/Almada)

E se as instituições de formação não “promoverem um pensamento reflexivo, crítico

e comprometido com os contextos de acção concreta” (Ferreira, 2008, p.244), a mudança não

deixará de ser entendida como modismo que se afirma pela mera alteração de nomes e a

formação como uma adequação necessária mas acrítica e descontextualizada:

“Muitas vezes mudava a nomenclatura e não o conteúdo, mas já se chamava «novo», ou então essa nomenclatura correspondia a um enquadramenro teórico que

não era facilmente percepcionado pelos professores...” (A/Almada)

Fica pois atestado que, como defende Lawn (2001), “ [a] produção da identidade

envolve o Estado, através dos seus regulamentos, serviços, encontros políticos, discursos

públicos, programas de formação, intervenções na média, etc.” (p.118). A sua manipulação é

uma componente essencial do sistema, nomeadamente quando a obtenção de resultados

quantitativamente relevantes, que possam servir os interesses do Estado em sede de

propaganda nacional e de comparações internacionais impôe que se imprima competitividade

e publicação em quadro de honra, traduzida em rankings de Escolas que escamoteiam os

processos em função de valores absolutos:

“A avaliação integrada punha-se numa postura de apoio: vamos lá ver o que está mal. Não tem projecto educativo? Então vamos lá ver como é que se faz. Era de

meses. Nisto este ministro acabou com esta e disse que ia fazer outra. (...) porque

esta não prestava para nada, segundo ele, porque não era de rankings, não é?”

(A/Almada)

“Eu também não estou nada de acordo com o ranking, acho que não avalia

coisíssima nenhuma. A expectativa para a escola da Musgueira era igual à para o

Lumiar, não é? Igualzinha. Depois obviamente a outra ficou lá no fundo e a do

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Capítulo III - Metamorfoses em espelho de água

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Lumiar ficou mais cá acima. (...) e não se pode extrapolar que a melhor escola foi

aquela que ficou mais perto das expectativas, em que a diferença entre aquilo que demonstrou e as expectativas que se tinha eram menores. Era menor a distância.

Portanto, estava lá mais perto. Portanto, não se pode fazer, isto é tudo disparate.”

(L/Almada)

Parafraseando Lawn (2001), a aquisição gradual do modelo empresarial dominante

aplicado às Escolas, transforma a “massa” dos professores que trabalha na escola de “massas”

numa “massa” de trabalhadores (re)proletarizados, simultâneamente homogeneizados pelos

objectivos que devem atingir, diferenciados pelos mecanismos de competição e de

racionalização do sistema que pretende a excelência hierarquizada e não generalizada.

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Conclusões

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CONCLUSÕES

Se queres apanhar a truta deves escutar o rio.

Ditado tradicional irlandês

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Conclusões

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1. Cai a noite sobre o lago

1.1. Da existência de alguns constrangimentos

Ao iniciarmos este estudo, colocávamos o problema de saber qual a representação

dos professores sobre os impactos da globalização no seu perfil profissional, sobre os

processos de construção da identidade profissional, as mudanças e continuidades reconhecidas

e as suas causas, perscrutando um período de cerca de trinta anos (1976/2006). Para orientar o

trabalho empírico estabelecemos algumas hipóteses a verificar, escolhendo uma técnica de

consulta – o focus group - que privilegiou a expressão em grupo, mesmo quando a fonte de

informação se queria individual.

Para além das vantagens e desvantagens que o método apresenta e já antes

consideradas, permanece a ideia de que a identidade profissional é uma variável de carácter

colectivo e que o perfil de cada docente a reflecte e a incorpora. Segundo Dubar (1997), a

identidade não é o que permanece idêntico mas o resultado de uma identificação contingente,

duma diferenciação e generalização; definir o que é singular é definir o que faz a diferença em

relação a outrém. A generalização pretende definir o que é comum a uma classe de elementos

todos diferentes dum outro, sendo a identidade a pertença comum. As identidades e as

alteridades variam historicamente e dependem do seu contexto de definição, como os

professores ouvidos deixam claro.

Contudo, a técnica resultou qualitativamente enriquecida pois os focus group

realizados não se ficaram por uma expressão individual de opinião dentro de um grupo mas

acrescentaram-se em debate, em contraditório, no contemplar no espelho da opinião do outro

a possibilidade da sua própria imagem. Pudemos verificar que os professores presentes nestas

pequenas reuniões tiveram muita dificuldade em respeitar os tempos definidos para a reunião

e para cada questão, pois pareciam ávidos de debate, de momentos, como aquele, de reflexão

conjunta, dificilmente dando por esgotada a questão. O que nos pareceu importante na vida

dos que participaram, porquanto as suas representações e, por analogia, as dos professores em

geral, condicionam - no seu dizer - a sua capacidade de mudar as práticas.

No paradigma investigativo que seguimos, há uma forte componente de observações

que poderão traduzir atitudes e convicções da investigadora, deixando influenciar as nossas

percepções pela proximidade com a problemática, o que conforma um problema de

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Conclusões

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objectividade. A explicitação introdutória que fizemos, da nossa relação próxima e subjectiva

com o campo onde se situam os problemas e os sujeitos do estudo que se quis realizar com

estatuto científico, é intencional e em proveito quer da contextualização dos sujeitos quer da

clareza dos pressupostos.

No paradigma qualitativo, o investigador é o processador da recolha de dados por

excelência e a fiabilidade e validade dos mesmos depende muito da sensibilidade, integridade

e conhecimento daquele. No papel de investigador que se identifica com os sujeitos,

assumimos o papel de intérpretes e tradutoras privilegiadas dos discursos e dos sinais que,

com a observação e a escuta informal contribuem para a presença do researcher-as-bricoleur

de que falam Denzin e Lincoln (1998, p.xi).

Lembramos aqui a recomendação de Bourdieu, quando nos diz que os obstáculos

epistemológicos tanto surgem de um excesso de proximidade como de um excesso de

distanciamento (citado em Teodoro, 2001, p.56).

“ [A] circunstância privilegiada de ser-se investigador e actor, [é] condição que

nos [permite] aceder à acção social dos actores e às suas lógicas de justificação, [num] get inside que nos [ajuda] a encontrar (…) os nossos rumos metodológicos, a

construir e delinear a arquitectura desta investigação, a centrar a nossa

problemática, (…).” (Mendes, 2004, p.51)

Contudo, o investigador tem que «desligar», segundo Benavente (1999), não para se

tentar excluir da complexidade que procura compreender e explicar mas para ter em conta o

facto de que a implicação «constitui uma das classes de dados que a explicação da

complexidade tem que «desligar» das outras classes de dados ” (p.25).

A triangulação é então uma forma de superação das limitações que decorrem das

condições de uma investigação qualitativa, pela combinação de tantas perspectivas quanto

possível, no estudo do mesmo fenómeno; perspectivas metodológicas, perspectivas de

investigador, de teoria e até de dados (Bogdan & Bilken, 1999).

1.2. Conclusões/ pontos de chegada

Retomando as hipóteses a que queríamos dar resposta com esta investigação,

procurámos esclarecer se os Professores pensam que o seu perfil mudou, nestes últimos vinte

e cinco anos. E da leitura crítica dos seus discursos, concluímos que constataram mudanças,

mas também estagnação e até uma e a mesma coisa em momentos diferentes da carreira de

um mesmo profissional, reflectindo-se nas suas práticas em sala de aula.

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Conclusões

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Três dos quatro factores reconstrutores da identidade docente identificados pela

literatura estão presentes no material empírico: a Formação, o Estado e o Associativismo. A

formação está identificada como estruturante, pela negativa e pela positiva. A primeira,

quando a formação inicial ignora os contextos reais e a escola ignora a investigação; a

segunda, quando a formação contínua, a experiência formadora e a cooperação são

identificadas como novas oportunidades.

O Estado, por sua vez, condiciona o perfil docente através das políticas definidas e

da legislação reguladora, embora a permeabilidade e a leitura da mesma por cada profissional

ou grupo de profissionais traga nuances aos seus efeitos. O Estado está presente nos diferentes

pais e na comunidade escolar onde o professor trabalha.

O Mercado, ou quasi-mercado educativo, faz-se presente através da competitividade,

das diferentes culturas de escola, dos rankings de resultados que enfatizam currículos,

manuais e exames, e que catalizam para o sector a lei da oferta e da procura, apresentando as

escolas como um produto de qualidade vária para uma clientela de pais e encarregados de

educação. O modelo empresarial afirma-se para a gestão do sector educativo, enfatizando a

mais-valia duma racionalidade produtiva e competitiva ao gosto neoliberal, ancorada em

conceitos de eficiência, eficácia e excelência, que escamoteia processos em favor dos

resultados, evita a diferença em favor da escala, minimiza a reflexão da praxis em favor da

parafernália estatística. Mesmo alterações avulsas das políticas, como o reforço da autonomia

dos actores locais, só aparentemente põem em causa os princípios do controle estatal, uma vez

que se trata de uma autonomia «dada», controlada pelo reforço dos dispositivos de avaliação,

pela obrigação de resultados, pelos mecanismos de concorrência das escolas e dos professores

entre si, interferindo na sua identidade.

Decorrendo pois dos influxos da comunidade educativa em geral, a mudança como

profissional não é alheia também ao perfil de cidadão que conforma a pessoa que o docente é:

mais empenhado ou funcionalista, mais investigativo ou reprodutor, mais ou menos activo na

procura de uma formação contínua. A sua identidade profissional ancora-se na identidade

pessoal e no seu historial biográfico e o índice de reflexividade sobre as práticas estrutura-se

em função do seu saber ser.

As representações dos professores postas em comum reforçam a ideia de que

estamos perante tempos da história da Educação em que “o mundo em que os professores

realizam o seu trabalho está a sofrer alterações profundas e a composição demográfica do

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Conclusões

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ensino está a mudar de forma dramática” (Hargreaves, 2004a)63

. E essa mudança não se

reporta apenas à renovação etária da classe, a que se refere o autor, num momento especial da

vida do sistema educativo português, em que os docentes mais velhos, desgostados, procuram

sair prematuramente da profissão, mas aos novos públicos e suas novas qualidades, melhor

dizendo, aos alunos com que hoje o professor interage, obrigando a compreender e dominar a

sociedade de conhecimento, e a sociedade multicultural e a um tempo semioticamente global

e local, em que os alunos vivem e irão trabalhar; E a reflectir e reconfigurar os modelos de

relacionamento professor-aluno, sem cair na tentação de alienar valores de gestão democrática

do currículo e da sala de aula, buscando entender para agir sobre os novos modos de estar e se

relacionar que os novos alunos protagonizam e que tendem a desvalorizar socialmente a

Escola, o Professor, e os Saberes que lhe são atribuídos, como nunca se experimentou antes.

Referindo que o mundo globalizado, uma sociedade em modernização e

democratização, novos alunos, com características novas, e os mandatos dos pais, da

sociedade (dos media) e das reformas apresentadas pela tutela, fez mudar o desempenho e o

perfil dos professores, de alguns professores, sublinharam que a evolução existente nas

práticas docentes, ao longo do período considerado, não se fez por decreto, havendo diferença

entre a imagem a apresentar, ou o que se diz que se faz, como retórica «de serviço» para com

a tutela, e a realidade, mais rica, mais consoante o contexto e o fluir dos actores e dos

acontecimentos, do que efectivamente se faz.

Pois que “ensinar exige a convicção de que a mudança é possível” (Freire, 2004,

p.76), o perfil docente foi-se então (re)construindo na passagem do perfil legislado (agir

instrumental) ao perfil em campo (agir comunicacional), numa espécie de constante

mediatização que adequa às circunstâncias e aos actores, sem perder a face do cumprimento.

E que essa quase permanente reconstrução decorre em grande parte de uma necessidade

sentida no contacto com os alunos, visto que a sua presença em diversidade, os seus

comportamentos, os seus interesses e os seus handicaps foram geradoras de desequilíbrios na

segurança e eficácia do professor, questionaram o seu passivo de conhecimentos e estratégias,

porque são eles o desencadeador por excelência das acções e atitudes de adequação da prática

docente.

63 Hargreaves, A. (2004a). Ser professor na era da insegurança. In Áurea Adão & Édio Martins (orgs). 2004. Os

professores: Identidades (Re) construídas. (p.15) Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas.

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Conclusões

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Talvez por isso, as mudanças reconhecidas prendem-se exactamente com o campo

das relações em contexto pedagógico, e vão no sentido de uma relação com os alunos, mais

dialéctica e próxima, incluída no plano dos afectos e da individualização do trato pessoal e

didáctico. Tendencialmente acolheu metodologias mais activas, centrou mais o aluno no

processo de ensino aprendizagem, atribuindo-se a si, professor, um papel mais mediador, mais

aberto à actualização de conhecimentos, à incorporação dos conhecimentos dos alunos, à

reflexividade sobre as práticas e à formação contínua.

O aluno é a criança ou o jovem em contexto escolar, mas que já em casa apresenta

novas facetas que afectam a forma como o professor tem que fazer as suas abordagens. As

novas tecnologias põem a criança em contacto, desde muito cedo, com imagens apelativas e

em tempo real de linguagem binária, que se sucedem num ritmo que formata a capacidade de

concentração e se confronta com os tempos longos da aprendizagem. O seu processo de

individuação não se faz mais no seio da família, face aos apelos e às exigências que o mundo

do trabalho coloca aos adultos, mas a sós com ama tecnológica, na rua ou na instituição

escola. A juventude impõe-se desde cedo no quadro das relações que estabelece com os outros

grupos etários, na família, na rua, ou na escola, e estende-se para lá do velho conceito de

maioridade, mantendo-se os jovens na casa de família e economicamente dependentes dos

pais, até tarde, anichados em bolsa marsupial, configurando a já chamada geração dos filhos

canguru.

No reverso do estudo de Morais et al. (1993) que concluiu que a variável crucial que

produz diferenças em aproveitamento diferencial dos alunos parece ser o professor, como se

fora a outra face da mesma moeda, inferimos do nosso estudo que o aluno parece ser elemento

crucial na motivação do professor para mudar, colocando-o hoje, no quotidiano da pós

modernidade, numa situação que é de realização mas também de risco permanente, na

incerteza de conseguir “segurar” a classe, de motivar o aluno, de gerar aprendizagem e

sucesso educativo, aspectos estes que os estudos sobre a identidade docente deverão valorizar,

considerando a relevância do factor aluno. Já Carrolo (1997) argumentava que “a evolução

recente do aluno, como pessoa e como personagem com estatuto nesta história, e o desafio

permanente que ele representa, são percepcionados muitas vezes pelo professor como uma

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Conclusões

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ameaça real (...) [a que este reage] mascarando-se atrás de uma pseudo-segurança (...), [que é]

o jogo das máscaras e dos espelhos no interior da sala de aula.”64

Este papel do aluno na história do perfil e da satisfação docente é também

percepcionado por Esteve (1992), referido por António & Teodoro (2004)65

ao classificar o

que diz respeito directamente à acção do professor dentro da sala de aula como factor de 1ª

ordem do mal-estar docente.

1.3. Pontos de partida/ Perspectivas futuras

Este estudo, espécie de análise de um palimpsesto vivido, na medida em que a página

da profissionalidade escrita e descrita por cada um dos participantes contem camadas

sucessivas de constructos que não desaparecem completamente à raspagem para uma nova

escrita, não se esgota nas palavras destes grupos. A eles se deverá juntar o debate de novos

grupos, porventura alterando, reforçando ou imprimindo novo rumo às conclusões agora

produzidas que não serão todavia generalizáveis, pois não obedecemos às regras quantitativas

para o poder fazer. Porque “ [o] mundo não é. O mundo está sendo.” (Freire, 2004, p.76)

A recolha de empiria realizada junto dos professores realizou-se no ano 2004, pelo

que o que deles ouvimos não reflecte os novos tempos de vida de uma nova cultura

organizacional das Escolas no sentido de uma gestão unipessoal, de uma direcção em que os

professores são minoritários, de uma divisão dos docentes em duas categorias - titulares e não

titulares - e de uma avaliação de desempenho submetida a cotas e ligada a leituras

administrativas dos resultados. O novo gerencialismo e accountability - de orientação

transnacional - consubstanciam um reforço do controle pelo centro através de uma gestão

local facilmente manipulável no contexto de uma retórica de autonomia das Escolas. Os

rankings que estabelecem lugares no mercado educativo - e os múltiplos projectos emergentes

que manuseiam o conceito de (Escola de) Excelência - ou de Good Schools, estabelecendo

contraditório com o conceito de Escola democrática - constituem neste quadro um

instrumento de competitividade que escamoteia os processos e as culturas de Escola, servindo

estatísticas de aferição que ultrapassam o espaço nacional.

64 Carrolo, C. (1997). Formação e Identidade Profissional dos Professores. In Estrela, T. (Ed.). Viver e construir

a profissão docente. (p.24) Porto: Porto Editora.

65 António, A. S. & Teodoro, A. (2004). Um novo cenário: O acesso dos alunos ao conhecimento e os seus

efeitos no bem-estar dos professores. In Áurea Adão & Édio Martins (orgs). 2004. Os professores: Identidades

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Conclusões

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Os professores que nos deram o seu depoimento, já na altura nos diziam que as

tecnologias de reforma educativa empurraram a sua praxis, mas não poucas vezes

contribuiram para a criação de um cenário que ocultou as suas dificuldades reais. A

burocratização do trabalho docente, que desfocaliza o verdadeiro objectivo ao desviar o

professor da preparação do seu trabalho com os alunos para atavismos de secretaria, acentuará

certamente essa reacção defensiva.

Forçosamente, por força de lei, algo se quer que mude na identidade docente,

quebrando a espinha ou funcionalizando uma profissão de actores intelectuais reflexivos e

socio educativos. A movimentação que se vem verificando, com manifestações

numericamente inéditas e a resistência passiva ou activa nos locais de trabalho, o massivo

abandono dos professores com mais tempo de serviço e portanto uma renovação que sendo

etária é sobretudo geracional, no sentido do apport constituido pelo intenso capital de

vivências de construção da profissão que as últimas décadas comportaram, mostram que

importa recontextualizar as questões em novos círculos de debate e estudo empírico.

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Apêndices

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I

APÊNDICES

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Apêndices

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II

2. Guião do Focus Group

1. Identifique algumas mudanças significativas na educação, desde os finais da

década de 80 até hoje, relativamente aos seguintes aspectos:

a) Mudanças no perfil dos alunos;

b) Mudanças no perfil dos professores;

c) Mudanças na relação pedagógica (estilos e metodologias de ensino-

aprendizagem);

d) Mudanças a nível da estrutura curricular e manuais escolares;

e) Mudanças nos processos de avaliação dos alunos;

f) Mudanças nos processos de avaliação do trabalho docente;

g) Mudanças na avaliação das escolas (o que lhe sugerem os rankings e os

conceitos avaliativos de escola “com rosto” ou com “cultura própria”; como liga tudo

isto ao direito de escolha, ou não, pela população escolar);

h) Qual a sua opinião acerca das provas aferidas e dos exames nacionais? Quais os

prós e contras de existência de testes estandardizados? A uniformização das provas

afecta, de alguma forma, a reflexão e a promoção do espírito crítico?

i) Mudanças nos sistemas de educação e formação;

j) Mudanças nos financiamentos e no modo como são utilizados;

k) Mudanças na generalidade da qualidade dos recursos e nas estruturas de apoio

disponíveis (biblioteca, laboratórios, mediateca, salas de informática, etc.);

l) Mudanças na relação entre os sistemas de ensino e o mercado de trabalho;

m) Mudanças no ambiente geral da escola e no seu envolvimento com a

comunidade.

2. Quais as mudanças que encontra nos modelos actuais de organização e gestão da

escola relativamente aos modelos dos finais dos anos 80? Como evoluíram, ao longo

dos últimos 15 anos, os modelos de organização e gestão escolar? Quais os argumentos

a favor e contra os novos modelos de organização e gestão da escola?

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Apêndices

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III

3. As relações de parceria estabelecidas pela escola, são hoje, diferentes, das dos finais

dos anos 80? Quais as mudanças, prós e contras das novas práticas de organização e

gestão neste domínio?

4. Quais são os valores que enformam as práticas educativas da sua escola? Esses

valores diferem dos valores dominantes no final da década de 80 (e.g., colaboração,

competição)? Que mudanças percepciona a este nível?

5. Que mudanças encontra relativamente à salvaguarda do princípio de igualdade de

oportunidades das crianças e jovens?

6. Na sua escola estão instituídas relações de participação democrática? De que modo?

7. Que orientações pedagógicas norteiam a sua actividade? Que estratégia procura

desenvolver em consonância?

8. Qual a sua opinião sobre a consagração da regra da prestação de contas –

accountability – do trabalho desenvolvido pela escola? A expressão significa numa

acepção ampla responsabilidade social e reflexividade (balanço da actividade da escola

relativamente à sua missão relativamente aos objectivos propostos/alcançados)

9. O que pensa sobre os fenómenos da globalização e do neoliberalismo?

a) Em que medida exercem influência nas relações homens/mulheres;

b) Em que medida exercem influência nas relações entre as classes sociais;

c) Em que medida exercem influência nas relações com os grupos étnicos e

minoritários;

d) Qual o impacto na sua vida e no seu trabalho?

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Apêndices

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IV

3. Grelha de análise

Indicado

res

Dimensão

Perfil Docente - mudou? - Continuidades e descontinuidades

Factores de

mudança

Factores de

estagnação

1. “O perfil do professor não mudou, porque na verdade, isto é um bocado duro e um bocado seco, mas acho que o professor não mudou salvo raras excepções.” (…) Os

professores do [meu filho] mais novo têm o mesmo perfil que tinham os dela [da mais velha] ”. (B/Estoril).

2. “…o perfil do Prof. também muda” (A/Estoril)

3. “Há professores que tiveram mesmo obrigatoriamente de mudar” (D/Estoril)

4. “O professor mudou! (C/Ourém)

5. “Mas, não mudou muito” (G/Estoril)

6. “Mudou e…não mudou!” (D/Estoril)

7. “Varia (...). Há um grupo que mudou e outro que não mudou” (A/Almada)

8. “Muda quem quer mudar” (A/Estoril)

9. “Primeiro não há o perfil do professor mas há N professores,” (C/Estoril)

10. “Mais do que a escola [e o professor] mudou a sociedade. (D/Estoril)

11. “A escola mudou muito pouco comparado com a sociedade.“ (B/Ourém)

12. “As escolas deviam preparar a sociedade para mudar para melhor e foi ao contrário, a sociedade obrigou as escolas a mudar (…)”. (B/Ourém)

13. “As coisas estão relacionadas, a escola não estava preparada, são as novas crianças que aparecem, as pessoas, os novos projectos pedagógicos (…). “ (A/Estoril)

14. “O mais novo (...) tem uma vivência totalmente diferente da irmã. Esta década de idade entre eles, na verdade torna-os diferentes. Não são diferentes porque todos nós

somos diferentes, são diferentes pela diferença de idades. [No entanto, os] professores do mais novo têm o mesmo perfil que tinham os dela.” (B/Estoril)

15. “Chegam à escola (...), vêm completamente diferentes. Chegam à escola e por vezes não se interessam. O miúdo tem problemas, chamo o pai, não chamo. Muitas vezes

não colaboram. Pouco se interessam pela escola. Dão as suas aulas. Não há comunidade, não há escola, não há amizade com outros colegas. Olham para os colegas mais

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Apêndices

___________________________________________________________________________

V

velhos, são as cotas, riem-se... (...) Quanto aos colegas que já estão na escola - todos se tentam adaptar aos novos tempos e às novas tecnologias e tentam andar sempre à

frente dos alunos. E são persistentes e falam com os pais e falam com os alunos e estão na escola e vão para a frente.” (C/ Almada)

16. “Tenho vinte e oito anos de escola e já posso falar no ontem, no intermédio, no hoje, e penso que estou preparada para [construir] o amanhã.” (E/Estoril)

Relação

c/ alunos

c/ pais

1. “Há aspectos que acho que merecem ser discutidos em relação à globalização - um é a

parte das crianças que nos aparecem, que é inevitavelmente o problema das deslocações

populacionais, mercê dos problemas sociais, políticos, económicos e tudo aquilo que nós lemos nos livros e nos jornais efectivamente é um fenómeno de globalização.”

(A/Estoril)

2. “As crianças mudaram porque a sociedade mudou, o mundo mudou, a sociedade mudou”

(B/Estoril)

3. “Não temos a autoridade que tínhamos…”

4. –“ Os miúdos tornaram-se muito mais abertos, muito mais comunicativos connosco, às

vezes até tratam os professores por tu, por pai e mãe e a acompanhar isto vem a indisciplina e é isso que prejudicou muito o ensino.”

5. “Os miúdos hoje vêm diferentes porque têm educação diferente. São pais que dão à

criança um novo estatuto que lhe confere autoridade (...) a educação hoje é o menino que tem razão; [Os pais dizem:] Já não consigo fazer nada dele (…) Ele é muito engraçado,

manda, eu tenho que me levantar sempre às tantas da manhã porque chora, chora, chora e

enquanto eu não for (…). Portanto o menino manda em casa, na escola, em todo o lado

faz birrinha…”. (C/Estoril)

6. “A abertura está, essencialmente, na família para o bem e para o mal, também realmente

o mundo tornou-se global, como alguém disse o mundo tornou-se mais pequeno”

(B/Ourém)

7. “ As coisas mudaram, a sociedade também mudou, foi bom, foi muito bom, foi uma

abertura quase brutal. Esta geração é uma geração que não vive com o peso do pecado

original, como a minha geração viveu: não ponhas os cotovelos em cima da mesa, não faças barulho, a geração de 80 para cá, os alunos realmente tiveram já uma educação

com uma maior abertura, perante os factos, as personagens e a sociedade em geral; daí

tratar o professor por tu, por exemplo, coisa que eu não permito, isso é boa, o professor

O mundo lá fora

A globalização

As crianças/a família

O lugar diferente da

criança na hierarquia de valores/ Uma nova

forma de trato/de estar

Perderam o medo

Revestem-se de

autoridade

Os conhecimentos exteriores à escola

As tecnologias de informação

…há coisas que são

vividas em criança e

que mais tarde conseguimos

transmitir. (L/Estoril)

Desencontro de

referentes entre alunos

e professores

Assimetrias regionais

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Apêndices

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VI

não é encarnação simples e quase total da autoridade, mas está ali para o diálogo”

8. “ (…) Os miúdos trazem essa informação de casa (recebem informação de fora). Trazem

para a escola as mudanças, o professor todos os dias quase tem de se readaptar e

reequilibrar é um jogo de equilíbrios e reequilíbrios.”/C/Estoril)

9. “… Eu (…) tinha um manual adoptado na escola que falava da “ Britney Spears”. Eu

nem sequer sabia quem era a Britney Spears e tudo me escapou. Escaparam-me

completamente os referentes. Porque eu não tinha aquele mundo não tinha o feed back dessas coisas. Efectivamente, os miúdos têm uma referência do lúdico que eu não

consigo entender, Os miúdos têm um mundo de fantasia que é muito importante depois

na projecção que têm no real, nos seus comportamentos, na maneira de estar, na relação com o adulto, na relação com as outras crianças que se transporta para aí… Eu tenho

muita dificuldade e sei que não consigo entrar e sei que muitos de nós têm essa

dificuldade. “ (G/Estoril)

10. “Eu tenho muitas dúvidas que a criança de hoje, da aldeia do Lendal zona rural, no Alentejo profundo, seja muito diferente das crianças de há 30 anos. E, se for ver bem no

fundo não me parece que seja tão líquida essa diferença. Numa primeira abordagem não

diria que é tão significativa assim, a sociedade portuguesa nos últimos 15 anos não evoluiu tanto assim. O que é certo é que hoje o mundo tornou-se mais perto. As

brincadeiras diferentes influenciam a criança. Há factores que fazem com que a criança

esteja diferente. E como é que ela constrói o seu mundo? Através da net, da televisão e

através de tudo aquilo que lhe dão oportunidade na escola. Até como o colega disse, da multiculturalidade. Que é importante se for enriquecida, ou seja trabalhada pelo

professor” (A/Estoril

11. “(…) houve uma colega que pôs uma relação de causalidade entre as crianças serem mais abertas são mais indisciplinados, não são relações de causa e efeito … As crianças

mudaram porque a sociedade mudou, o mundo mudou a sociedade mudou, as crianças

estabelecem uma relação de proximidade com os professores e os professores mais velhos não estavam habituados… Os miúdos hoje vêm diferentes porque têm educação

diferente, consumos de televisão diferente, Internet. Muito porque o alunos estão muito

diferentes, porque os pais também são muito diferentes, as exigências são diferentes os

valores são diferentes e está tudo encadeado. E o menino, a educação hoje é o menino

Os pais também são muito diferentes, as

exigências são

diferentes, os valores são diferentes

Os afectos

Alunos diversos/

Referentes dos pais

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Apêndices

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VII

que tem razão. (…) Já não consigo fazer nada dele: ele tem 5 anos e ela não consegue

fazer nada dele. Ele é muito engraçado manda, eu tenho que me levantar sempre às tantas

da manha porque chora, chora, chora e enquanto eu não for lá não „nanan‟, portanto o

menino manda em casa, na escola, em todo o lado faz birrinha, etc.”

12. “Eu lembro que gosto dessa faceta que se está a passar agora. Acho que as crianças

também perderam um bocado o medo de falar com o professor.”

13. “Eu acho que o segredo de uma boa relação, está nos laços afectivos. Agora é assim, é preciso que isso não seja artificial e que o professor esteja disponível para criar laços

com os alunos. Não há alunos que não me cumprimentem.” (F/Almada)

14. “Eu lembro-me do primeiro ano em que estive na escola em que tive imensas queixas dos pais porque não fazia aqueles testes assim como estava programado”.(D/Estoril)

15. “Nos últimos anos houve uma mudança muito radical e os professores não estavam

preparados para receber. Há muitos colegas que não estão preparados para receber várias

crianças de várias etnias e a escola não estava preparada para receber tanta diferença os colegas não estão preparados para receber de várias origens de várias etnias mesmo na

própria prática pedagógica”.

16. “Porque eu já não tenho tanto poder na escola para tomar uma atitude em relação aos alunos. Nós professores também nos vamos deixando ficar. Porque temos medo. (pausa).

A nossa atitude também não acompanhou. (...). A sociedade mudou e eles (os alunos)

obrigatoriamente mudaram. Nestes anos todos eu também mudei. (...) O que eu tenho

tentado fazer é andar à frente dos alunos para não sentir tanto essas mudanças.” (M/Almada)

17. “Somos cada vez mais uma classe insegura e angustiada. Nestes tempos de mudança,

tudo muda muito rapidamente, quer ao nível da nossa carreira, quer outras mudanças mais gerais. Para uns é muito difícil, porque temos de ser os primeiros a adaptarmo-nos a

elas (...) Sentimo-nos inseguros no nosso papel e angustiados por não sermos capazes de

fazer aquilo que a sociedade nos pede. Hoje em dia, ouve-se muito dizer aos pais – eu é que pago o ordenado ao teu professor, para ele dar educação. E nós muitas vezes

sentimos essa insegurança, mas conseguimos, dar resposta a tudo isso.” (J/Almada)

Democratização da

Escola

Escola inclusiva

Perca de

poder/autoridade

Desvalorização social

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Apêndices

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VIII

Relação

c/ os pares

1. “Chegam à escola (...), vêm completamente diferentes. Chegam à escola e por vezes não

se interessam. O miúdo tem problemas, chamo o pai, não chamo. Muitas vezes não

colaboram. Pouco se interessam pela escola. Dão as suas aulas. Não há comunidade, não há escola, não há amizade com outros colegas. Olham para os colegas mais velhos, são

as cotas, riem-se... (...) Quanto aos colegas que já estão na escola - todos se tentam

adaptar aos novos tempos e às novas tecnologias e tentam andar sempre à frente dos alunos. E são persistentes e falam com os pais e falam com os alunos e estão na escola e

vão para a frente.” (C/ Almada).

2. “Será que essa visão não é porque agora estás do outro lado? Já és a mais velha quando

antigamente, eras a mais nova. Em relação aos colegas que chegam, não sinto tanto que olhem para nós como cotas, digamos assim. Acho sim, que os colegas têm uma

dificuldade em pedir ajuda. Os colegas saem da escola com grandes bases teóricas, mas

nenhuma base prática.” (B/Almada)

3. “Depois do estágio, ocorreram uma série de mudanças a que nos temos que ir adaptando

constantemente” (E/Ourém)

4. “ À medida que se vai avançando, os professores estão mais resistentes à mudança, estão

mais tradicionalistas” (C/Ourém)

5. “Se formos dividir os professores, se polarizamos em dois grupos, eu dividiria não os

mais novos e os mais velhos, mas entre os mais novos e os mais velhos, aqueles que

desde o início da sua carreira, procuram ser responsáveis por participar na vida da escola, evoluir, adaptar-se às novas tecnologias, ter uma atitude de aprendizagem e de

interrogação em relação à sua prática pedagógica e aqueles que começam e

levam/levarão por diante uma carreira profissional de 30, quase 40 anos a resistir à mudança.” (E/Almada)

6. “… Sobretudo, tendo em conta que os professores mais experientes, valendo-se da sua

antiguidade, os irão obsequiar com os piores grupos, os piores horários, os piores alunos, as piores condições de trabalho” (E/Almada)

7. “Todos nós somos o factor da mudança e não podemos de modo algum ser iguais aos

O tempo (idade/tempo

de serviço)

Reproduzir modelos

vividos a despeito da formação

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Apêndices

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IX

nossos professores, isso passa pela mudança natural das coisas, pela sociedade em que

estamos, pela globalização, pelas fronteiras alargadas dos países. Se podemos hoje estar

aqui a falar deste assunto já é um grande passo, há uns anos atrás era impensável trazer

isto para o meio rural, nota-se que a mudança tem sido significativa e tem chegado a todos.” (F/Ourém)

8. “Tenho que ver também quem é que está a remar sozinho. A maior parte, muitos dos

colegas estavam também nesta situação. E comecei eu a tentar dar a volta, como é que nós podemos fazer para ...” (D/Almada)

Identificação/Parceria

Metodolog

ias e

estratégias

1) “havia uma acomodação grande [entre os] professores”. (A/Estoril)

2) “... O professor tem que ser um pouco criativo”

3) “Há o professor que é o Doutor, e por vezes há um corte entre ele e os alunos”. (F/Ourém)

4) “Nós sabemos exactamente os que mudam e os que se esforçam para mudar e os que não

mudam e não querem. Porque acham que como era há 15 anos ou 20 é que estavam bem. (A/Almada)

5) “As pedagogias as reformas dos programas de 1991 foram perfeitamente condicionadas

pela onda geral pedagógica da Europa e das escolas Americanas. Não há dúvida de que

tudo se reflecte dentro da sala de aula através não só das metodologias (…) a centragem do ensino no aluno a preocupação com o papel da relação do Prof. e do aluno a

preocupação do Prof. ser um facilitador e não um transmissor de conhecimentos... isto

tem a ver realmente com um pensamento geral de filosofia de educação que é importado …”

6) “ Se calhar eu podia resolver muito facilmente essa a questão da indisciplina, dar um

murro na mesa e mandá-lo calar, expulsar os alunos da sala, o que não acontece, mas também eu posso arranjar estratégias que mantenham os alunos na sala de aula,

disciplinados…”

7) “O programa que nós damos é o manual, enfim se formos minimamente honestos

escolhemos o manual de acordo com o programa.”

[multiculturalidade/ diferença]

…isto tem a ver

realmente com um pensamento geral

de filosofia de

educação que é importado.

[globalização]

…posso arranjar

estratégias.

Necessidade

... Neste momento

Distanciamento

Cristalização

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Apêndices

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X

8) “E se calhar em relação às estratégias e metodologias há coisas que para mim são

importantes e vão ter que ser alteradas e há professores que tiveram mesmo

obrigatoriamente de mudar. E há um dado que eu acho que é muito importante de há uns

anos para cá, que é o conceito de escola inclusiva. Neste momento e aí o perfil do professor também muda. Neste momento temos dentro das nossas escolas crianças que

não tínhamos há dez anos e que não têm nada a ver com o perfil geral; crianças

deficientes, de cadeiras de rodas. Aqui as estratégias e metodologias, onde caiem essas crianças, eles têm de mudar. As estratégias dentro da sala - há uma coisa que na nossa

escola mudou mesmo - e nesse campo, essa parte mudou.”

9) “A escola ao receber estas crianças na altura não punha a questão dos projectos multiculturais, houve uma continuidade a nível de ensino.”

10) “Tem havido um caminhar dos professores da escola que para além dos objectivos

cognitivos, há os afectivos, as dimensões sociais e isto está a ser considerado e aí houve

efectivamente uma mudança que não é maior pelo peso formal dos instrumentos de avaliação.”

11) “A certa altura pensava que estava a remar contra a maré, estávamos sozinhos. E depois

comecei a perceber. Eu tenho que mudar. Tenho que ver também quem é que está a remar sozinho. A maior parte, muitos dos colegas estavam também nesta situação. E

comecei eu a tentar dar a volta, como é que nós podemos fazer para... e pronto, teve que

partir de mim, uma modificação interior muito grande. Tive que me adaptar.”

(D/Almada)

12) “Nós temos a nossa missão pedagógica, mas, sobretudo, para isso ter sucesso temos, de

nos ligar bastante afectivamente com as crianças. Vejo esse trabalho, em que eles estão a

fazer e eu a ajudar… Vejo uma ligação afectiva. Porque, dantes via-se muito: o professor ensina e, hoje em dia, o professor trabalha com as crianças. Até na disposição da sala: eu

sento-me aqui e tenho três ou quatro alunos ao meu lado. Os outros estão noutro grupo,

trabalho com este grupo e depois com o outro.” (F/Ourem)

13) “O meu ponto de viragem, dá-se com a criação dos currículos alternativos. A relação

professor – aluno passava pela criação de laços, pela disponibilidade emocional. Isto foi

há 6 ou 7 anos. A partir dessa altura, entendo que estou a fazer o que gosto, que me

levanto todos os dia bem-disposta, para fazer aquilo que gosto, sinto-me disponível para

temos dentro das

nossas escolas

crianças que não

tínhamos há dez anos e que não

têm nada a ver

com o perfil geral; crianças

deficientes, de

cadeiras de rodas. Escola inclusiva.

Consciência de novos

objectivos

Proximidade/novas estratégias

O aluno no centro

Currículos alternativos

Continuidade/rotina

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Apêndices

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XI

os alunos, comecei-me a interessar pelos casos deles.” (C/Almada)

14) (...) eu acho que houve a necessidade absoluta de se mudar. As próprias reformas

curriculares levam a que as metodologias sejam outras. Eu mesma mudei muito, desde há

15 anos para cá. Até há 15 anos, eu nunca tinha usado nas minhas aulas com os meus alunos metodologias que hoje utilizo: tecnologias da informação e comunicação. Tudo

isso ao serviço daquilo que são as opções curriculares. O trabalho de grupo. Eu

trabalhava em grupo, mas não com a densidade, com a frequência e nos moldes em que hoje trabalho. (...) Tinha feito estágio onde nenhuma destas coisas era abordada ou

falada. E fi-lo em pleno estruturalismo de repetição. Obviamente que eu tive que mudar

muito. (...) E todas as estratégias de motivação de leitura. Para se contrapor a outras solicitações que os alunos têm, que são muito mais agradáveis e muito mais fáceis. Se eu

continuasse a fazer como fazia há 15 ou 20 anos atrás, se calhar eles não ligariam

nenhuma. E aquilo que eu faria, achariam uma seca.” (A/Almada)

15) “O professor tem que usar uma metodologia com que se sinta seguro, confortável. Nós sentimo-nos sempre com vontade de fazer as coisas de forma a sentirmo-nos

confortáveis. Mas há pessoas tão confortáveis sempre na mesma. “ (E/Almada)

16) “…a centragem do ensino no aluno, a preocupação com o papel da relação professor/ aluno, a preocupação em o Prof. ser um facilitador e não um transmissor de

conhecimentos… isto tem a ver realmente com um pensamento geral de filosofia de

educação que é importado” (...) O ensino centrava-se mais no aluno, no conhecimento

que o aluno trazia para a escola para acrescentar com o outro conhecimento.” (A/Estoril);

17) “Mas há um dado que eu acho que é muito importante de há uns anos para cá, que é o

conceito de escola inclusiva. Neste momento e por aí o perfil do professor também muda.

Neste momento temos dentro das nossas escolas crianças que não tínhamos há dez anos e que não têm nada a ver com o perfil geral; crianças deficientes, de cadeiras de rodas.

Aqui as estratégias e metodologias, onde caiem essas crianças, eles têm de mudar.”

(C/Estoril).

1. “Este relatório, esta avaliação do desempenho, não tem valor nenhum. Nós entregamos

aquilo, ninguém o lê. Há a subida de escalão. Em relação ás inovações que nós Avaliação formal

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Apêndices

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XII

Avaliação

introduzimos, não tem interesse nenhum, porque ninguém lê o que nós fizemos durante o

ano lectivo. Se lessem ... “ (G/Almada)

2. “Eu que leio alguns [relatórios), sei que há muitas colegas que têm lá muita coisa

inovadora e que sei que não fizeram …”

3. “Falta nas escolas um espaço de reflexão. A avaliação podia introduzir nas escolas um

espaço de reflexão essencialmente pedagógica, que efectivamente faz falta. Cada vez

somos mais burocratas. Temos não sei quantos papéis para preencher não sei quantas reuniões para fazer e falta espaço e atitude e uma série de coisas para que avaliação seja

não uma avaliação só de resultados, mas uma avaliação de processos”

4. “A avaliação integrada punha-se numa postura de apoio: vamos lá ver o que está mal. Não tem projecto educativo? Então vamos lá ver como é que se faz. Era de meses. Nisto

este ministro acabou com esta e disse que ia fazer outra. (...) porque esta não prestava

para nada, segundo ele, porque não era de rankings, não é?” (A/Almada)

Desinteresse da tutela

pelos produtos da

avaliação do desempenho

Acentuação da burocracia

Âmbito de

intervençã

o

1. “… tem que ser assistente social, psicólogo… (mas) Não houve a preparação para os

professores, para hoje”

2. “A escola hoje quer sobrepor-se a tudo, também. Porque é mais fácil para nós,

professores, hoje, ter louros com aquilo que não nos compete. É muito mais bonito, hoje, levar uma criança ao hospital, se tem uma dor de barriga, do que, se calhar, dizer a à

mãe: “Venha cá, porque esse é o seu dever”. … É evidente que a família anda numa

velocidade de tal ordem que, isto é um campeonato que não sei quem chegará ao fim. Mas, também, vejo hoje a escola como a querer ser um suporte social, onde tudo é

possível, onde se tapa tudo. É quase um pano onde, ali debaixo, todos cabem. E penso

que nós, escola, estamo-nos a sobrepor. (...) no meu agrupamento, decidimos: o que cabe aos pais, aos pais e o que cabe aos professores, aos professores”. Vamos deixar de ser as

avós, as mães, as tias, tudo.” (A/Ourem)

3. “Às 8 da noite, os supermercados estão cheios com mães com miúdos. E eu ponho-me a

olhar para aquelas mães e para aqueles miúdos e penso assim: às 8 da noite ainda não foram a casa, que tempo é que estas pessoas vão ter para conviver, para transmitir as tais

Mudou muito em

relação às exigências que têm sido feitas ao

professor

[novos mandatos sociais]

Escola a tempo inteiro

(Não houve a

preparação para os

professores, para hoje)

Formação

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Apêndices

___________________________________________________________________________

XIII

regras aos filhos quando, àquela hora ainda é preciso fazer jantar para os filhos. Ou não

jantam, ou vão-se logo deitar. Portanto, o tempo de convivência da pessoa que tem um

horário de trabalho normal é muito pouco.” (C/Almada)

4. “Efectivamente, hoje cai tudo na escola. As questões ambientais vieram para a escola, o problema do tabagismo e da toxicodependência veio para a escola, o problema da

sexualidade veio para a escola, a prevenção rodoviária veio para a escola, a educação

para a saúde veio para a escola, os hobbies que antes estavam na sociedade civil e o acompanhamento do tempo-livre, que cada vez é menos livre mas arrumado em

compartimentos de 50 minutos, vieram para a escola ... A escola, como foi feita, com a

missão de ensinar está ultrapassada, hoje pede-se mais à escola do que o mero ensinar. Nós vamos assistindo passivamente a isto. Cada vez se exige mais à instituição e aos

professores.” (B/Almada)

Saberes e

Conteúdos

1. “Um bom professor há que estar sempre actualizado e querer mudar, (…) e se não acompanhar essa evolução, então estagnou.”

2. “ (…). Para mim ser professor é não parar (A./Estoril).

3. “Antigamente era muito estável e o professor rapidamente se enquadrava e era capaz de

manter a carreira toda numa determinada linha. Os miúdos trazem para a escola as mudanças, o professor todos os dias tem de se readaptar e reequilibrar é um jogo de equilíbrios e

reequilíbrios. O perfil do professor mais correcto teoricamente falando seria aquele que

conseguia reinventar o professor mais mediano, médio, aquele que encontrou uma linha mínima e faz a sua carreira dentro dessa linha. O perfil do professor em termos matemáticos/

estatísticos está na mediania entre as mudanças a que às vezes vai dando resposta. Nós não

podemos abarcar, como antigamente abarcávamos tudo.” (R/Estoril)

4. “Em Portugal, os currículos foram feitos normalmente decalcados de ideias importadas,

que infelizmente não são reflectidas, não as adaptadas às nossas crianças e por isso muitas

vezes não dá a bota com a perdigota. Penso que é um caso típico que os manuais servem

como programas e há disciplinas em que os professores já sabem qual é o programa. Dão o manual, porque o programa que nós damos é o manual. Enfim se formos minimamente

honestos, escolhemos o manual de acordo com o programa, mas depois o que damos é o

Mudanças cientificas

…porque o mundo

Necessidade de

equilibrar o

desequilíbrio

O manual como programa

Currículos

transnacionais

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Apêndices

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XIV

manual e se esses manuais são elaborados por pessoas que também são influenciadas por

toda essa filosofia de educação é evidente que temos uma corrente geral, tanto que os

manuais são produzidos por editoras, e as editoras são comércio.” (F/Estoril).

5. “Dentro da sala de aula a postura do professor mudou muito a nível dos conteúdos de aprendizagem e a nível dos saberes que o professor tem que [ter]. Temos que fazer enfoque a

três saberes: é o professor saber o currículo nacional; conhecer muito bem o aluno – saber de

psicologia; saber até onde eu posso ir – o professor conhecer-se a ele; jamais seremos iguais a ontem.” (E/Ourém)

6. “Os programas não mudam desde 1980 pelo menos; os manuais mudam é óbvio. Mas do

2º ao 12º ano em termos de áreas científicas o currículo é péssimo; Achas muito diferente isso da área escola, chamas-lhe outros nomes. Os manuais escolares foram-se

progressivamente adaptando, para falar da minha área, com muitas poucas diferenças, foram

facilitando o trabalho dos professores que tinham de programar aulas… agora já lá vem tudo

no princípio da unidade e não vejo grandes mudanças a não ser na readaptação, ou pequenas adaptações, à realidade actual, momento a momento.

7. “Os manuais escolares foram-se progressivamente adaptando, com muitas poucas

diferenças, foram facilitando o trabalho dos professores que tinham de programar aulas… agora já lá vem tudo no princípio da unidade e não vejo grandes mudanças a não ser na

readaptação, ou pequenas adaptações, à realidade actual, momento a momento.” (D/Estoril)

8. “Na reforma curricular, agora, há muitos (manuais) que lhes estão a dar uma cara nova e

o ano passado apareceu em muitos o método global, o método natural, o método das 28 palavras, que já existiam há 28 anos atrás.” (F/Estoril)

1. “Porque é tudo muito teórico. (...) quando vamos para a prática (...) sentimos muito essa

falta de apoio (...). E acho que isto é muito mau, acabar uma formação e sentirmos esta necessidade assim que estamos na Escola.” (A/Estoril)

2. “Uma professora do 1º ciclo, primária de há 20 anos atrás ou 30, não tem nada a ver com

uma que termina agora a sua formação,”

3. “Há colegas jovens que não se adaptaram também, que se calhar tiveram uma formação, um acompanhamento uma identificação com o que se passou antigamente e que não se

Desarticulada com o

contexto real

A reforma curricular

Desarticulada com o contexto real

Porque há n

formações

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Apêndices

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XV

Forma

ção

identificam com a escola actual.”

4. “Eu fiz a minha escolaridade durante o Estado Novo, e a minha referência de como estar

na aula, a relação professor aluno, de portar-se bem, o portar-se mal, o meu padrão de

referência obviamente é muito condicionado pela minha própria experiência de escolarizado, pela formação que tive, independentemente de participar em acções de

formação. (...), puxa-nos um bocado para aquilo que era antigamente. Quando na sala de

professores se diz: «No meu tempo...», raramente é no tempo de professor, é no seu tempo de aluno” (E/Estoril).

5. “…há coisas que são vividas em criança e que mais tarde [vêm] a transmitir”

(B/estoril).

6. “Eu fiz a minha formação pedagógica entre 76 e 79. Apanhei aquilo que na altura, era o

período das grandes experiências pedagógicas. Algumas delas com a vantagem de poder

de ter feito a minha formação numa área geográfica fora de um grande centro, onde havia

a possibilidade de enriquecer com alguns pormenores. É interessante, algumas dessas experiências, do pouco que conheço, e não é tão pouco assim, creio não ter havido

grandes mudanças para melhor pelo menos” (F/Estoril)

7. “ (...) mais do que a formação inicial, a formação contínua é fundamental. E porquê? Porque cada vez eu acho mais que a formação tem que se fazer para as realidades em que

a gente vive, não é? E responder aos problemas que cada comunidade escolar tem.”

(A/Almada)

8. “No 1º ciclo houve reforma curricular. Deu-se formação aos professores que leccionavam o 1º ano de escolaridade, tentou-se mudar atitudes com a reforma

curricular. O ensino centrava-se mais no aluno, no conhecimento que o aluno trazia para

a escola para acrescentar com o outro conhecimento. Se mudou? …muda quem quer mudar. Trazia muitas coisas, mas se formos ver não era assim tão novo como

preconizava porque o movimento da escola moderna já era anterior a isso e toda aquela

filosofia já está aí, não houve assim muito novo. Mas, como havia uma acomodação grande a nível dos professores, isto foi como se fosse novo. Recentemente, apareceu a

reforma curricular (a nova) que tentava trazer umas coisas novas e dentro do que era

novo era que centralizava mais no projecto da turma, quando já havia montes de

Novas nomenclaturas

e conceitos de

organização curricular

Território

educativo/cultura

profissional

Formação contínua

Manuais para

aplicação de métodos

diferentes trazem para o presente

metodologias

esquecidas pela rotina

Acomodação (com o seu tempo”)

A vivência como modelo

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Apêndices

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XVI

professores que já faziam projecto turma decorrente do projecto escola e por aí. Eu como

trabalhei muitos anos em S, era um distrito muito mais virado para a formação de

professores e quando chegava a O parece que parava no tempo, só me interessava porque

morava em O; em S existiam pólos de formação coisa que aqui não se falava, a ESE de S era muito mais para além do tempo, esta estava aquém do tempo, agora penso que isso já

não acontece. Estou de acordo com a colega que os programas são quase que um enfeite

que existe, ao fim e ao cabo é uma muleta (estou a falar do 1º ciclo), que é indicada pelo Estado. Mas, as pessoas seguem o manual. E nessa reforma curricular, voltando ao

manual, muitos livros são os mesmos. Mudaram as capas, estou-me a recordar da Porto

Editora que estava tal e qual e depois traziam na capa “de acordo com a reforma curricular”. Mas, abria e era tal e qual como alguns anos atrás, agora há muitos que lhes

estão a dar uma cara nova e o ano passado apareceu muito o método global, o método

natural, o método das 28 palavras quando isso já existia há 28 anos atrás”. (F/Estoril)

9. “Inclusivamente a nova geração de professores acha que devia haver o livro de História. Vou ligar esta questão com a formação dos professores. Só para dizer que, quando falei

do perfil dos professores uma das questões importantes que queria introduzir é que os

professores do 1º ciclo, uma via dos professores do 1º ciclo, a nova geração, não teve formação só do magistério primário, como antigamente acontecia. Actualmente 90% dos

novos professores ou têm o curso de matemática/ciências ou de inglês/português ou de

francês/português, isso posso garantir. Mas, também posso dizer que ter mais

habilitações não significa ter mais qualidade, mas a maioria dos professores do 1º ciclo que acabam agora não têm só curso de formação.”

10. “Nós temos formações diferentes. (…) O colega do primeiro ciclo tem uma formação

inicial com certeza diferente do que tiveram os colegas do 3º ciclo (ou do primeiro ciclo actual). Nos anos 80 os colegas do 2º e 3º ciclo tinham uma formação diferente da que é

dada hoje. Eu penso que é importante focar esse aspecto porque quando se diz, “no meu

tempo” também é um discurso muito habitual em alguns sectores da educação. Quando se diz que os professores dantes é que eram bons, confunde-se a preparação científica

com a preparação pedagógica, porque, efectivamente, quem era professor nos anos 80

dificilmente não tinha tido uma formação pedagógica para ser professor. Em termos de

formação substancial, as pessoas da minha geração tiveram formação pedagógica, como foi o meu caso que sou antes 25 de Abril. Era o Curso de Ciências Pedagógicas, curso de

Universitarização

Momentos de ruptura/

viragem colectiva

A formação pedagógica acima da

científica

A irrelevância do grau académico

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Apêndices

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XVII

6 meses, e depois do 25 de Abril um estágio pedagógico de 1 ano. Foi toda a formação

pedagógica que eu tive. Estava integrada no curso. Não havendo uma formação

pedagógica efectivamente substancial, reflectida, continuada vão prevalecer as

representações que nós temos da aprendizagem do sistema de ensino inicial.”

Políticas

1. “Depois de 74, tentou-se mudar atitudes com a reforma curricular. O ensino centrava-se

mais no aluno e no conhecimento que o aluno trazia para a escola para acrescentar com o outro conhecimento.” (B/Ourém)

2. “ (...) a história da formação cívica dos projectos ligados á cidadania europeia coincide

com este afastamento de certa maneira … da tendência que se verifica, pelo menos na

Europa, a criação do cidadão europeu e que ainda não está muito bem conjugado com o cidadão nacional, o problema da cidadania… “ (...) é um caso típico que os manuais

servem como programas e há disciplinas em que os professores já sabem qual é o

programa: dão o manual, porque o programa que nós damos é o manual. (J/ Estoril).

3. “Muitas vezes mudava a nomenclatura e não o conteúdo, mas já se chamava «novo», ou

então essa nomenclatura correspondia a um enquadramenro teórico que não era

facilmente percepcionado pelos professores...” (A/Almada)

4. “ (…) Muitos livros são os mesmos. Mudaram as capas, estou-me a recordar da […] Editora que estava tal e qual e depois traziam na capa «de acordo com a reforma

curricular». Mas, abria e era tal e qual como alguns anos atrás.” (D/Estoril).

5. “... [Os] programas são quase que um enfeite que existe, ao fim e ao cabo é uma muleta, que é indicada pelo Estado.” (E/Estoril)

6. Se olharmos para os últimos anos, vivemos uma carrada de instabilidade (…). Fizemos

uma carreira toda virada para a instabilidade e estamo-nos a habituar a ver estas novas formas de ver a escola.” (B/Almada)

7. “Recentemente, apareceu a reforma curricular (a nova) que tentava trazer umas coisas

novas e dentro do que era novo centrava-nos mais no projecto da turma, quando já havia

montes de professores que já faziam projecto de turma decorrente do projecto escola e

Rupturas

políticas/ideológicas

Manual/programa

Manual/programa

Retórica de reforma

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Apêndices

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XVIII

por aí.” (...)

8. “A ideia genérica é que 90% das alterações legais os professores ignoraram-nas pura e

simplesmente. Houve de facto alterações informais que se aplicaram na prática e que se

têm traduzido nalgumas perversidades muito complicadas e que, (…) as sentis bem, sentimos bem. Quando um professor do 1º ciclo, por exemplo, (…) até há dois ou três

anos, para chumbar uma criança tinha de preencher 50 papéis. Então a opção em 90% era

não o chumbar e a criança merecia.”

9. “Tenho a sensação que se começa a generalizar uma outra prática, que eventualmente

pode não estar contemplada legalmente, mas também é muito complicado evocar um

diploma legal para a proibir porque a ela é muito fluida (…). [Por exemplo, uma] criança tem dez anos, … passa para o 2º ciclo [mas] não sabe ler e então agora com os

agrupamentos… colegas preparem-se vai acontecer isto (…). Mas, a avaliação da criança

vai ser esta – a avaliação formal da criança que aparece é: não atingiu totalmente os

objectivos mínimos, mas passa.”

10. “Trazia muitas coisas, mas se formos ver não era assim tão novo como preconizava,

porque o Movimento da Escola Moderna já era anterior a isso e toda aquela filosofia já

estava aí, não houve assim muito novo.” (D/Estoril).

11. “Eu também não estou nada de acordo com o ranking, acho que não avalia coisíssima

nenhuma. A expectativa para a escola da Musgueira era igual à para o Lumiar, não é?

Igualzinha. Depois obviamente a outra ficou lá no fundo e a do Lumiar ficou mais cá

acima. (...) e não se pode extrapolar que a melhor escola foi aquela que ficou mais perto das expectativas, em que a diferença entre aquilo que demonstrou e as expectativas que

se tinha eram menores. Era menor a distância. Portanto, estava lá mais perto. Portanto,

não se pode fazer, isto é tudo disparate.” (L/Almada)

A

organiza

ção escola

1. "Escola está mais afastada (da sociedade) porque a mudança é muito mais rápida.

Antigamente (a escola e a sociedade) era muito estável e o professor rapidamente se

enquadrava e era capaz de manter a carreira toda numa determinada linha. (…) O perfil do professor mais correcto, teoricamente falando, seria aquele que conseguia fazer esses

reequilíbrios e reinventar o professor mais mediano. Médio é aquele que encontrou uma

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Apêndices

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XIX

linha mínima e faz a sua carreira dentro dessa linha. O perfil do professor em termos

matemáticos/estatísticos está na mediana entre as mudanças. Vai passando naquela linha

e ás vezes vai dando resposta. Normalmente, não existe. Nós não podemos abarcar, como

antigamente abarcávamos tudo.”

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