metaciência na prática - · pdf filepermanente e quase sempre conflituosa ......

78
SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5 MetaCiência na prática para lidar com a pesquisa científica

Upload: dangthien

Post on 21-Feb-2018

219 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

1

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

MetaCiência na práticapara lidar com a pesquisa científica

2

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

CONSELHO EDITORIALIDEIA EDITORA

Arturo Gouveia – UFPB

Elri Bandeira de Sousa – UFPBRoseane Feitosa – UFPB – Litoral Norte

Dermeval da Hora – Proling/UFPBHelder Pinheiro – UFCG

Juvino Alves – UFPB

3

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

MetaCiência na práticapara lidar com a pesquisa científica

M a r c o s N i c o l a u

Ideia | João Pessoa | 2016

4

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Editoração EletrônicaMagno Nicolau

CapaBruno Gomes

Todos os direitos e responsabilidades reservados ao autor.

EDITORA(083) 3222-5986

[email protected]

N639m Nicolau, Marcos.Metaciência na prática: para lidar com a

pesquisa científica. / Marcos Nicolau. - João Pessoa: Ideia, 2016.

77p.

1. Pesquisa - Metodologia

CDU 001.8

Feito o Depósito Legal

NAMID - Núcleo de Arte, Mídia e Informação DigitalPrograma de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC/UFPB

ISBN 978-85-463-0065-5

5

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

À orientadora,das minhas vírgulas,das minhas decisões,

Roseane.

6

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

7

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

S U M Á R I O

PREFÁCIO, 9

INTRODUÇÃO, 15

Capítulo 1METACIÊNCIA E A PERCEPÇÃO DOS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS, 23A metaciência como princípio, 26Como pensar o método e a metodologia, 28As metodologias do universo acadêmico-científico, 30

Capítulo 2DA DISCIPLINA DAS NORMAS ÀS INDEFINIÇÕES METODOLÓGICAS, 33Quando as indefinições metodológicas ajudam, 40

Capítulo 3O RIGOR CIENTÍFICO E SUA RELAÇÃO COM A CRIATIVIDADE, 45Os métodos racionais e a dimensão da criatividade, 51Criatividade na prática da pesquisa: esquemas e analogias, 55

8

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Capítulo 4CONFLITOS DE ORIENTAÇÃO: PARA O BEM E PARA O MAL, 59Os tipos de conflitos mais comuns, 62A função do orientador e o papel do orientando, 65

PARA FINS DE CONCLUSÃO, 69

REFERÊNCIAS, 75

9

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

P R E F Á C I O

Era uma manhã de verão quando recebi um telefonema do professor Marcos Nicolau

convidando-me para fazer a apresentação deste livro. Fiquei surpreso com o convite porque já estou aposentado há algum tempo e um pouco fora de forma da vida acadêmica. Mas, por nunca deixarmos de ser pesquisador, aceitei o convite. E, como acompanho a formação do professor Marcos Nicolau, desde a sua iniciação acadêmica na graduação, eu como professor e ele como aluno, depois como colega na graduação e na pós-graduação sabia que este livro tinha algo de inovador e, com certeza, trazia contribuições importantes, diria até provocativas, a partir do título “MetaCiência na prática: para lidar com a pesquisa cientifica”.

A metaciência é uma disciplina conver-gente constituída de reflexões sobre a própria ciência. Melhor dizendo, é a ciência que estuda a ciência. Marcos puxa esse tema para o campo de pesquisa da ciência da comunicação, com novas perspectivas. Assim penso eu. O livro, traz ainda,

10

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

discussões saudáveis e pertinentes aos aspectos epistemológicos da metaciência quando tenta solucionar ou minimizar, através do diálogo, a permanente e quase sempre conflituosa relação entre orientador e orientando.

Neste livro, Marcos levanta uma série de questões, principalmente na hora das definições do emprego da metodologia e do método, da teoria e da prática, que é sem dúvida um dos momentos de grandes tensões entre orientador e orientando. Aí, vem mais uma salutar pro-vocação do autor quando explica e constrói um mapa tipológico de cinco possíveis conflitos existentes em quase todas as etapas da pesquisa, do início até o fim entre orientador e orientando, e ele vai buscar, novamente, essas explicações no senso comum. Ou seja, o conflito patrão e empregado, policial e bandido, Faixa de Gaza, marido e mulher, pai e filho.

Desse modo, este livro, sem ser uma cartilha e muito menos um manual engessado de como fazer uma pesquisa, ao contrário, possibilita uma série de reflexões de como lidar com a pesquisa, apontando caminhos cheios de alternativas para o interminável e construtivo embate entre orientador e orientando. O autor demonstra os vários percursos para se pensar sobre a teoria e a pratica, a metodologia e o método, como ingredientes intrínsecos ao traba-lho científico, mas sem restringir, sem tolher a

11

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

liberdade e a criatividade dos envolvidos na pesquisa, principalmente do orientando. E é de uma felicidade enorme quando seleciona uma metáfora como explicação didática para distinguir o que é metodologia e o que é método. Distinção essa que é quase sempre um problema para o pesquisador iniciante ao trabalho cienti-fico e até mesmo para os mais experientes.

Marcos define a metodologia, “...como o conjunto de conhecimentos em que se estuda os melhores procedimentos praticados em deter-minada área para a produção desse desejado conhecimento”. E explica “...o método como o processo através do qual podemos alcançar um determinado fim que buscamos conhecer ou desvendar”. Mas, para isso, usa a metáfora do sujeito que vai morar perto de um lago e planeja a melhor maneira de pescar camarão. Na exemplificação, através dessa metáfora, Marcos Nicolau consegue, com bastante clareza, apresentar a definição de metodologia e método de pesquisa, e mais um a vez vai encontrar o exemplo no senso comum.

Adiante, o professor Marcos faz uma pertinente provocação, bastante interessante quando chama a atenção para as possíveis e viáveis transgressões, às vezes necessárias, das enfadonhas etapas de formatação, de nor-matização da mera exigência estética para deixar o trabalho científico “arrumadinho”. O

12

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

autor deixa bem evidente que não se trata de uma atitude de subversão, de coisa estabanada, de uma aventura metodológica ou mesmo da transgressão pela transgressão, e sim, de dife-rentes procedimentos no decorrer da pesquisa, que emergem conforme as necessidades de cada momento com o objetivo de melhor obter os resultados desejados. E mais uma vez inova quando afirma que é o pesquisador quem deve dar adequada função às regras normativas e formatação do trabalho final. Não é a obediência cega às regras normativas da ABNT que torna um trabalho científico melhor; o importante é que se tenha o domínio, o conhecimento das regras e normas vigentes da ABNT, e transgredi-las quando se tem certeza de estar inovando e criando regras normativas para uma melhor andamento do trabalho científico, nada deve ser gratuito ou ser impedido. Não são essas novas regras e normatizações, quando justificadas metodologicamente, que irão tirar o mérito do trabalho de pesquisa.

Com esse pensamento, o autor não quer dizer que o trabalho científico não tenha regras, não tenha normas e nem rigor metodológico, mas o trabalho de pesquisa não é uma coisa engessada, não existe uma linearidade, não é uma receita de bolo com pesos e medidas pré-estabelecidos, principalmente quando se trata do campo de pesquisa nas ciências humanas. Acho

13

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

que é nesse ponto que Marcos avança nos seus questionamentos e neste livro traz contribuições importantes para uma melhor aproximação entre orientador e orientando.

Marcos Nicolau, mesmo como um pro-fessor e pesquisador experiente que já atingiu a sua maturidade acadêmica, demonstra, neste livro, suas inquietudes e as necessidades de se buscar, permanentemente, alternativas metodológicas e métodos da pesquisa para o campo da ciência da comunicação.

Tabatinga/PB, verão de 2016

Osvaldo Meira TrigueiroProfessor Associado Aposentado do PPGC

14

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

15

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

I N T R O D U Ç Ã O

“Existem obras e autores que já discutem metodologicamente diferentes aspectos das

práticas de pesquisa. Por isso, o objetivo aqui é traçar um conjunto de posturas e procedimentos oportunos a questões

subjacentes ou paralelas que permeiam o trabalho científico.”

16

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“Assistimos ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas, idealizadas, mas que

nos põe diante da complexidade do mundo real, uma ciência que permite que se viva a criatividade humana

como a expressão singular de um traço fundamental comum a todos os níveis da natureza”.

(Ilya Prigogine)

17

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Entre os aspectos mais importantes da pesquisa acadêmica está a realização de

estudos científicos que consagra a formação do pesquisador, que proporciona experiência de pesquisa e que permite resultados importantes para a sua área e para a ciência. Mas, em muitos casos, a realização de um trabalho científico transforma-se em dolorosa obrigação de ter-minar o curso, que impõe mais desespero do que satisfação, pela dificuldade de se cumprir as regras metodológicas e as exigências do curso e do orientador.

Do reconhecimento de que precisa elaborar um trabalho científico para concluir seu curso, à consciência de que é um acadêmico em formação, fazendo uma pesquisa em prol da sociedade e da ciência, o pesquisador tem uma longa jornada de sacrifícios, conflitos e desalentos: sacrifícios de estudos e leituras, operacionalizações de pesquisa em fontes diversas, elaboração e revisão constante de textos; conflitos com as exigências das regras metodológicas impostas pela academia e pelo orientador; desalentos diante de hipóteses que não se confirmam, métodos que se mostram insuficientes ou inadequados, elaboração dos textos e apresentação de resultados que exigem mais tempo do que se tem.

18

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Existem obras e autores que já discutem metodologicamente diferentes aspectos das práticas de pesquisa. Por isso, o objetivo aqui é traçar um conjunto de posturas e procedimentos oportunos a questões subjacentes ou paralelas que permeiam o trabalho científico. Entre as proposições estão o uso de analogias e de me-táforas, que poderão subsidiar recursos mentais a partir de perspectivas, geralmente, pouco utilizados no fazer pesquisa e na elaboração os trabalhos acadêmicos, como podemos verificar na breve explanação dos quatro capítulos que compõem esse estudo:

Capítulo um: as universidades existem em nome da Ciência. Mas, o que é Ciência? Uma visão de mundo ou um método de conhecer o mundo? É necessário pensar em Metaciência como forma de entender a construção do pensamento científico. E, nesse contexto de pensamento epistemológico, precisamos saber como visualizar os conceitos interrelacionais entre método e metodologia, com uso dos re-cursos cognitivos das metáforas, por exemplo. Também será oportuno conhecer a dimensão das três metodologias explicitadas por Elizabeth Teixeira (2009), e que nos situam desde o momento em que entramos na universidade.

Capítulo dois: por que muitos pesquisadores implicam com ou resistem às exigências das regras normativas? Serão as normas da ABNT

19

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

realmente indispensáveis ao trabalho científico? Do mesmo modo que ocorreu com o ensino das regras da gramática, não era somente ensinando ao aluno a decorar tais regras que se podia ter bons escritores, mas proporcionando-lhe o prazer de escrever é que se movia o aluno a buscar por si mesmo a utilidade e a importância delas. Assim ocorre com o pesquisador: o sentido da pesquisa precisa provocar a necessidade das normas a serem aplicadas no correto relato das descobertas.

Por sua vez, é mesmo imprescindível que tenhamos pré-definidos os métodos de pesquisa e suas respectivas metodologias antes de nos debruçarmos sobre um fenômeno? Nem sempre, como é demonstrado com a Teoria fundamentada em dados e com a proposta de Feyerabend, de se posicionar contra o método.

Capítulo três: diante da exigência do ri-gor científico, qual o papel da criatividade do pesquisador? O próprio Einstein dizia que, quanto mais lógico se é, mais erros se comete e usou a imaginação para descobrir como funcionava a sua Teoria da Relatividade. No final, era o seu rigor científico que demonstrava as provas das suas descobertas. Nesse sentido e na esteira de Charles Sanders Peirce, devemos aprender a usar métodos racionalmente indu-tivos e dedutivos, mas também a abdução para todos os casos em que a lógica não é

20

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

suficiente. Existem posturas imaginosas e ma-neiras práticas de usar a criatividade, como o uso de esquemas analógicos e metáforas para visualizar e superar os problemas que empacam as pesquisas. Como diz Paul Thagard (1998, p. 79), “O pensamento analógico consiste em se lidar com uma nova situação adaptando-se a um situação semelhante que seja familiar”.

Capítulo quatro: por que, às vezes, o embate conflituoso entre orientador e orientando causa tantos dissabores na realização do trabalho científico? É preciso compreender que o conflito na natureza é sempre uma passagem de uma ordem para outra e, nas relações humanas, esses conflitos não se resolvem quando há disrupções ou radicalismos. Conhecendo um pouco sobre a dimensão dos conflitos e fazendo analogia dos cinco tipos de embates mais recorrentes na relação orientador e orientando, conseguimos distinguir autoridade de autoritarismo.

Enfatizamos, portanto, que para além do arcabouço que o pensamento metacientífico nos proporciona diante do fazer pesquisa acadêmica, está a proposta de pensar os procedimentos de forma sistêmica, com recursos analógicos e metafóricos. Tais recursos são a base da prin-cipal característica do pensamento humano, desenvolvido ao longo da história, permitindo-nos uma compreensão mais representativa do mundo e da realidade a nossa volta. É um

21

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

processo criativo que está ao nosso alcance, e precisa ser exercitado constantemente, afinal, como diz Capra (2002, p. 77),

...a descoberta de que a maior parte dos pensamentos humanos é metafórica foi outro avanço decisivo das ciências da cognição. As metáforas possibilitam que nossos conceitos corpóreos básicos sejam aplicados a domínios abstratos e teóricos.

Sem a pretensão de ser um estudo sobre a função das metáforas nesse contexto, justificamos sua utilização como exercício de criatividade, a partir do reconhecimento, em recentes décadas, da importância delas nos processos cognitivos, tanto na Literatura, quanto na Ciência. Lakoff e Johnson (2002), não apenas demonstram o produtivo papel cognitivo da metáfora e do raciocínio analógico na atividade científica, mas avançam na consolidação de pesquisas anteriores, ao confirmarem que a metáfora reúne em sua estrutura, razão e imaginação.

É preciso pensar numa ciência de fazer ciência e reconstruir continuamente a prática da pesquisa científica, para além da racionalidade humana. Por isso, os pressupostos aqui apre-sentados são: use a metaciência para questionar e repensar métodos e procedimentos, e “meta” ciência na prática para ampliar as possibilidades

22

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

de pesquisa, pois somente os bons resultados asseguram a credibilidade e a reputação essen-ciais a qualquer pesquisador.

23

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Capítulo 1

METACIÊNCIA E A PERCEPÇÃO DOS

FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS

“As metáforas, como instrumento intelectual de cognição funcionam bem porque, embora haja uma diversidade de métodos utilizados

pelas mais diversas ciências, há padrões metodológicos gerais que se fazem presentes

em toda e qualquer pesquisa.”

24

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“Chegará sempre a hora em que deixa de nos interessar a procura do novo nos trilhos do antigo, em que o espírito

científico só pode avançar criando métodos novos”.(Gaston Bachelard)

25

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

O ingrediente fundamental para um pes-quisador encarar as dificuldades do seu

trabalho com persistência é a motivação. Existem estímulos imediatos que nos impulsionam a querer fazer o trabalho científico avançar, mas eles logo se dissipam com o passar do tempo. É pela percepção de que há algo maior nos esperando, que somos motivados a lidar e a superar os empecilhos a cada passo e desafio.

Se, o que nos move é a busca pelo conhe-cimento, é porque queremos ser profissionais melhores do que somos, a cada dia. E a Ciência é aquilo que fazemos dela: uma convivência de aprendizagem com métodos que nos permitem crescer pela própria experiência de buscar resultados - sempre alertas ao modo como as crenças sustentam nossos princípios.

O filósofo e matemático Charles Sanders Peirce, estudioso da Semiótica moderna, demonstrou que, erroneamente, a tradição cien-tífica nos legou duas concepções de ciência: como um corpo sistematizado de conhecimento ou como método de conhecimento. Porém, em oposição a essas duas concepções, Peirce buscou caracterizar uma “ciência viva”. No seu entender, o pesquisador só evolui quando se dispõe a rever suas próprias crenças. A verdadeira

26

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Ciência, portanto, faz-se a cada pesquisa, a cada proposição e descoberta, na criação e recriação de novos métodos.

A metaciência como princípio

Quando estamos fazendo Ciência, a metaciência preocupa-se, como dizem Santaella e Vieira (2008) com o que faz a “ciência ser ciência”. Nesse caso, segundo os autores, a metaciência deve ser compreendida como a definição de princípios científicos gerais que devem estar na base de quaisquer projetos de investigação. Cada região da ciência, que se constitui em uma dada ciência particular, desenvolve redes conceituais que levam à obtenção de hipóteses, teorias e leis que permitem, por meio de sistematizações, explicações e previsões, compreender um setor da realidade que dada disciplina recorta como objeto de suas investigações. “Conceitos mais gerais – como, por exemplo, o próprio conceito de objeto de estudo -, que pertencem a todas as ciências, compõem as categorias científicas fundamentais da metaciência”. (SANTAELLA e VIEIRA, 2008, p. 15).

É neste momento que devemos perceber a relação dimensional entre o particular e o geral: o trabalho científico exige que tenhamos um objeto de estudo na temática que gostamos, dentro da abrangência do curso ou linha de pesquisa

27

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

que escolhemos e passível de ser orientado por um professor da área. Esse objeto de estudo pertence a um contexto teórico construído por inúmeros autores a partir dos quais devemos nos basear para chegar ao estudo a que nos propomos; essa experiência de pesquisa e os resultados alcançados nos colocam na condição de cientistas imbuídos do espírito científico de fazer Ciência.

Quando essa visão geral torna-se uma consciência de fundo na mente do pesquisador, as etapas práticas dos procedimentos meto-dológicos do trabalho científico articulam-se melhor e são mais facilmente superadas como parte de um encadeamento de ações que levam à realização do todo. Passamos a ter a percepção do método científico que nos move, em função de uma metodologia.

A pesquisa acadêmica que se reduz a uma mera obrigação, faz nossos esforços serem vistos como dolorosos sacrifícios, alimentando o desespero de se livrar logo do trabalho ou mesmo de não conseguir concluí-lo. Quando é uma pesquisa científica que contribui para a realização de nossa formação, a vemos como um compromisso científico para conosco e para com a comunidade que nos sustém - cada esforço é um movimento em direção a uma conquista e isso nos orienta a fazer o melhor.

28

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Como pensar o método e a metodologia

A metodologia é um aspecto intrínseco ao trabalho científico que comumente provoca dúvidas nos pesquisadores desavisados ao entenderem-na, ora como campo, ora como procedimentos de pesquisa. De um modo geral é vista somente como aquela parte do trabalho científico que precisa aparecer, tanto nos projetos de pesquisa quanto nos trabalhos finais.

Em uma explicação fácil de encontrar em várias fontes bibliográficas, percebemos o método como o processo através do qual podemos alcançar um determinado fim que buscamos conhecer ou desvendar. E a metodologia, como o conjunto de conhecimentos em que se estuda os melhores procedimentos praticados em determinada área para a produção desse desejado conhecimento.

Dito assim, parece facilmente aplicável, mas é na prática pessoal que cada pesquisador, notadamente o iniciante, encontra as dificul-dades. Por isso, a ideia aqui é mostrar que pode ser de grande ajuda ao pesquisador, a visualização desses conceitos para posterior percepção do seu próprio contexto de pesquisa. Ao perceber e dominar mentalmente as cate-gorias e os procedimentos envolvidos, como um exercício de pensar a pesquisa, inclusive, em termos de analogias, o pesquisador passa a

29

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

vislumbrar as ações necessárias e os prováveis resultados, antes mesmo de testar as hipóteses.

Eis um modelo simples dessa visualização metafórica: um sujeito vai morar perto de um lago em busca de uma melhor sobrevivência. Ao saber que naquele lago existem camarões, logo procura identificar uma maneira de pescá-los e este é o seu desafio. Como método, o sujeito descobre que o melhor modo de pescar camarões é com o uso de rede lançada na água. Ao saber o que fazer, o sujeito definiu o método de enfrentar o desafio, faltando agora, o como fazer, ou seja, definir os procedimentos e as etapas a serem colocados em prática para coletar os camarões: que tipo de rede é apropriada? qual o barco ideal para adentrar o lago? qual o momento certo: dia ou noite? Como acomodar os camarões já recolhidos? E assim por diante.

Seguindo essa linha de pensamento, os pesquisas que envolvem, por exemplo, fenô-menos de vendas ou sucesso de produtos, com a necessidade de sabermos as preferências ou opiniões dos consumidores, exigem que tenhamos de definir método e metodologia para chegarmos às pessoas certas e à coleta de dados adequada. Se sabemos o que buscar em nossos objetivos, precisaremos definir o método a adotar para, diante do universo de consumidores, delimitar uma amostra que possa fornecer e representar as respostas apro-

30

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

priadas. Bem como, percebendo onde estão os consumidores, planejar a metodologia a ser adotada na execução desse procedimento de coleta, em suas diferentes etapas, através de meios e instrumentos apropriados.

As metáforas, como instrumento inte-lectual de cognição funcionam bem porque, embora haja uma diversidade de métodos utilizados pelas mais diversas ciências, há padrões metodológicos gerais que se fazem presentes em toda e qualquer pesquisa. Na metaciência eles correspondem ao estudo, com descrição, explicação e justificação dos métodos e não aos próprios métodos. Portanto, a metaciência é um posicionamento de pen-samento que fazemos para compreensão do processo no qual estamos nos inserindo. Sendo um posicionamento sistêmico, tal qual o uso de metáforas, correspondem ao desenvolvimento de um pensamento criativo capaz de ir além da lógica do pensamento metódico e sistematizado.

As metodologias do universo acadêmico-científico

Consideramos oportuno demonstrar que a percepção de metodologia pode ser mais abrangente ainda, envolvendo a nossa existência como pesquisadores, desde o momento em que adentramos uma universidade, um ambiente

31

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

cuja primazia, em princípio, é a busca pelo conhecimento em nome da Ciência e onde vamos aprender a desenvolver pesquisas científicas.

Nesse sentido, a perspectiva adotada por Elizabeth Teixeira (2009) apresenta-nos três formas de metodologia: Acadêmica, da Ciência, da Pesquisa.

Metodologia Acadêmica: ao entrarmos na universidade, somos introduzidos ao mundo do saber, da construção do conhecimento e dos trabalhos científicos. Os atos de estudar, de ler e de escrever textos acadêmicos passam a fazer parte das exigências do ambiente universitário.

Metodologia da Ciência: trata-se de pressupostos que nos fornecem explicações sobre os paradigmas da Ciência e suas preocupações, orientando-nos sobre as possibilidades de ca-minhos que podemos seguir para a construção do conhecimento, a partir de pistas para com-preendermos o que vem acontecendo com a pesquisa na atualidade.

Metodologia da Pesquisa: esta nos coloca no papel de construir um projeto de pesquisa, de definir temas, objetos de estudo e suas problematizações, de fazer revisão do que sabemos e de projetar novas etapas de pesquisa, reconhecendo-se como orientador ou orientando.

Consideramos a visão da autora como

32

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

uma percepção de base metacientífica, que pode ser conferida em suas próprias palavras:

A metodologia, a meu ver, não deve ser vista como uma disciplina cuja ênfase é o ensino de métodos e técnicas de como planejar, conduzir e apresentar uma pesquisa científica, mas sim, uma disciplina que elucida o que vem a ser essas técnicas, quais os métodos da ciência que atendem e em que bases epistemológicas se encontram fundamentadas. (TEIXEIRA, 2009, p.14).

A metaciência nos ajuda a nortear nossas posturas de pesquisa a partir de um pensamento sistêmico, interdisciplinar e relacional. Enten-demos a pesquisa científica como um processo sistêmico que pode ser vislumbrado a partir das inter-relações entre as partes que compõem o todo do processo.

33

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Capítulo 2

DA DISCIPLINA DAS NORMAS ÀS INDEFINIÇÕES

METODOLÓGICAS

“Embora concordemos que as definições metodológicas no começo da pesquisa ajudem a ordenar rumos e procedimentos, na prática

descobrimos que, em muitos casos, essas predeterminações mostram-se inadequadas,

diante da complexidade dos fenômenos.”

34

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário

e mais apto a estimular o progresso do que suas alternativas que apregoam lei e ordem”.

(Paul Feyerabend)

35

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

A formatação e a normatização dos tra-balhos científicos comumente são ativi-

dades chatas e enfadonhas na perspectiva da obrigação acadêmica ou mera exigência es-tética para deixar o trabalho “arrumadinho”. Mas, quando o pesquisador começa a ter consciência de que essa relação entre forma e conteúdo é parte intrínseca da necessidade de fazer a pesquisa para mostrar os resultados de forma compreensível e inequívoca, sua postura tende a ser outra. A própria ABNT passa a ser reconhecida como o conjunto de recomendações, em função da necessidade de se elaborar uma demonstração textual devidamente ordenada, para a compreensão dos leitores/pesquisadores.

A ciência requer uma prática de pensamento estruturante, fundamentado no raciocínio lógi-co que deve nortear a metodologia e cujos resultados precisam ser apresentados, de forma a serem comprovados e reconhecidos. Durante o desenvolvimento metodológico da pesquisa, o pesquisador comumente exercita, pari passu, o formato que deve dar a cada parte do seu trabalho. Portanto, forma e conteúdo precisam estar integrados dialeticamente nesse processo diário e sistemático de produção, porque um tem influência direta sobre o outro.

36

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

No caso da normatização, boa parte dos artigos científicos publicados em anais de encontros ou em periódicos acadêmicos apresentam transgressões às normas da ABNT e sabemos que não é isso que tira o mérito desses trabalhos. Afinal, não é a obediência cega às metodologias normativas, sobre as quais, muitas vezes, não temos certeza para que servem, que asseguram um trabalho isento de impropriedades científicas. Somos nós, pesquisadores, quem damos função às regras normativas e à formatação do trabalho final, para que este se expresse de forma clara e inequívoca, mesmo quando não coincidem com a ABNT. Afinal, até estas precisam periodicamente de ajustes.

Porém, mesmo para transgredir as normas, é necessário que tenhamos uma solução melhor ou mais prática para colocar no lugar, sob pena de sermos meros transgressores, levados somente a nos livrarmos do trabalho meticuloso que essas regras exigem. Nesse caso, para adotarmos procedimentos que consideramos mais práticos ou melhores, é necessário que conheçamos as normas e saibamos por que não concordamos com elas.

Para alguns, a “burocracia” das normas vai exigir uma rotina de procedimentos que parece contrariar a liberdade de fazer descobertas, como se fossem padrões autoritários. Isso porque, são

37

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

muitas as regras para memorizar e aplicar em cada parágrafo a ser escrito. E isso pode ser resultado histórico das formas de racionalização que nosso país vivenciou com o próprio ensino da língua portuguesa.

Até algumas décadas atrás, as escolas mantinham a ideia de que, para escrever bem, o aluno precisava conhecer e memorizar as normas da gramática portuguesa. Decorar regras para usar quando necessário não é um atividade intelectual que agrade a mente humana - embora haja exceções. Os educadores e linguistas perceberam que, ao descobrir o prazer de escrever sobre o que gosta, o aluno passa a ter a necessidade de conhecer e aprender essas regras gramaticais; por isso o ensino da língua portuguesa, hoje, abrange comunicação e expressão, literatura, entre outras atividades.

O mesmo deve ocorrer com as normatizações do trabalho científico: a necessidade de de-monstrar com clareza nossas ideias, de ter o estudo aceito e reproduzido para subsidiar novas pesquisas e ganhar o reconhecimento dos demais pesquisadores é o que nos motiva a incorporar as normas aos hábitos de produção de textos acadêmicos.

Um trabalho mal estruturado e sem os devidos cuidados das normas, além de depor contra a acuidade do próprio pesquisador, provoca receios, porque pode reproduzir erros

38

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

ou deturpação de informações, capazes de causar grandes estragos em outras pesquisas.

Situações de descuidos os mais simples servem de exemplos: a) o fato do pesquisador não colocar itálico em palavras estrangeiras pode fazer com que essa palavra seja confundida com uma expressão do português e mudar completamente o sentido de uma frase, pois nem sempre o contexto consegue esclarecer a situação. O termo time, do inglês “tempo”, pode ser entendida como time, do português, “equipe” e isso interfere na compreensão do texto; b) colocar os títulos dos livros nas referências com todas as iniciais maiúsculas pode impedir que o leitor/pesquisador perceba se determinado termo de outro idioma é um nome próprio ou uma expressão comum - como nome próprio indicaria um novo autor a ser pesquisado.

Parece banalidade, mas se um pequeno engano for reproduzido em outros trabalhos, pode tomar uma dimensão maior adiante. Daí porque devemos observar essa importante condição: ao ser movido pela necessidade de passar a informação correta, o pesquisador vai querer usar as normas com mais atenção, procurando incorporá-las aos seus hábitos de produção, para dar excelência e precisão ao texto científico.

Alcança resultados precisos e mais rápidos aquele pesquisador que assume rapidamente

39

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

o quanto é importante desenvolver um senso normativo coerente, que garanta informações corretas, fáceis de serem compreendidas e comprovadas, capazes de assegurar cre-dibilidade à sua pessoa e ao seu trabalho, a ponto deste ser utilizado e citado por outros pesquisadores. E, por proporcionar resultados proveitosos, constrói a reputação do seu nome, moeda de valor no meio científico.

Mas, também existe um aspecto de formação pessoal importante nessas atitudes: adotar o hábito de cumprimento contínuo das normas ajuda em muitas outras posturas, tais como, exercitar a disciplina e a vigilância aos detalhes de correção a textos diversos. Por consequência, elaborar um trabalho meticuloso por força de hábitos corretos vai ajudar no exercício de adoção de um pensamento científico mais organizado e produtivo.

Credibilidade e reputação resultam de todo um trabalho que reflete as posturas do pesquisador. Dito de outro modo, a expressão textual de seus estudos são provenientes das suas atitudes e estas desdobram-se da sua visão de mundo. Se o pesquisador acredita que está fazendo ciência, em seu benefício e em benefício da própria comunidade, toma decisões baseadas em atitudes, cujos princípios levam a ações acertadas. Logo, o rigor metodológico não é

40

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

visto como sacrifício, mas sim, como o razoável esforço de alcançar os melhores resultados.

Quando as indefinições metodológicas ajudam

Como bem sabemos, para além dessa atividade de elaboração textual criteriosa do trabalho científico, responsável por apresentar os resultados da pesquisa, existe o processo de investigação propriamente, em que nos debruçamos sobre o objeto de estudo a partir dos procedimentos metodológicos previamente definidos. E embora concordemos que as defi-nições metodológicas no começo da pesquisa ajudem a ordenar rumos e procedimentos, na prática descobrimos que, em muitos casos, essas predeterminações mostram-se inadequadas, diante da complexidade dos fenômenos.

Como nos alerta de Juremir Machado (2015, p. 20) subjugar-se ao método é um risco, mesmo que o consideremos imprescindível: “Não se deve demonizar a técnica. Nem a metodologia. Tampouco se deve endeusá-las. Quando o pesquisador se submete à metodologia, perde o caminho do descobrimento”. Para ele, o mais importante ao final de uma pesquisa não é saber exatamente que método foi usado, mas sim, o que foi “des(en)coberto”.

Frente a um objeto de estudo complexo, definir a melhor maneira de abordá-lo pode exigir

41

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

um conhecimento mais aprofundado, para além de uma simples pesquisa exploratória. E isso nos remete a mais uma questão importante: é imprescindível dispor de um método para iniciar o levantamento dos dados que subsidiarão a pesquisa? Nem sempre, como podemos verificar na prática da Teoria fundamentada, conhecida como Grounded Theory e nos pressupostos de Paul Feyerabend, na obra, Contra o método (2007).

Prescindir de método pode parecer uma maneira dispersa de enfrentar o objeto de estudo, mas, na verdade, trata-se de uma suspensão dos “pré-conceitos” metodológicos do pesquisador, que ficam em estado de alerta, subjacentes, não interferindo nos primeiros enfrentamentos do fenômeno.

Ao adotar a Teoria fundamentada, o pesquisador aproxima-se do assunto a ser inves-tigado sem uma teoria a ser aplicada, uma vez que seu interesse é compreender a situação à sua frente. Procura-se verificar, por exemplo: como agem as pessoas, porque atuam daquela maneira, quais os motivos ou propósitos re-correntes naquele ambiente, bem como, que desdobramentos ou implicações surgem da situação?

Com essa postura e adotando variados métodos de levantamento de dados, o pesquisa-dor coleta uma boa quantidade de informações

42

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

sobre seu pretenso objeto de estudo, a fim de organizar, comparar, vislumbrar regularidades ou inconsistências que, aí sim, exigirão métodos apropriados para compreensão e produção de sentido diante do fenômeno. É chamada, também, de “Teoria fundamentada nos dados”, porque permite inferências e deduções baseadas nessa posterior análise, com procedimentos sistemáticos e rigorosos. (STRAUSS e CORBIN, 1990).

Por sua vez, alertando para o fato de que não tem a intenção de substituir um conjunto de regras gerais por outro conjunto da mesma espécie, Feyerabend (2007) deixa claro que qualquer metodologia, até mesmo as mais óbvias, apresentam seus limites. A ideia de um método fixo ou de uma teoria fixa da racionalidade está baseada em uma concepção muito ingênua do ser humano em diferentes circunstâncias sociais.

Primeiro temos uma idéia, ou um problema; depois é que agimos, isto é, falamos, ou construímos, ou destruímos. Contudo, cer-tamente não é esse o modo pelo qual se desenvolvem as crianças pequenas. Elas usam palavras, combinam-nas, brincam com elas, até apreenderem um significado que estivera, até então, além do seu alcance. E a atividade lúdica inicial é um pré-requisito essencial para o ato final de compreensão. Não há razão alguma pela qual esse mecanismo devesse

43

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

deixar de funcionar o adulto. (FEYERABEND, 2007, p. 40).

Daí a simpatia deste pesquisador pelo pensamento anarquista. Para Feyerabend (2007, p. 42) embora o anarquismo não seja a mais atraente filosofia política, é, sim, um excelente remédio para a epistemologia e para a filosofia da ciência: “Mesmo uma ciência pautada por lei e ordem só terá êxito se se permitir que, ocasionalmente, tenham lugar procedimentos anárquicos”.

Diante disso, percebemos que, apesar da Ciência ter seu fundamento no rigor científico, ela é fruto da mente humana, cuja compreensão da realidade é primariamente dual, baseada na intuição e no raciocínio. Entrelaçando o raciocinar e o intuir existe um indivíduo cheio de limitações e incertezas, que procura sustentar-se nas próprias contradições da natu-reza humana. É dessa relação inconsistente entre racionalidade e liberdade de pensamento que são feitas as descobertas científicas, cujas experimentações parecem cumprir-se no fluxo ondular da existência, conforme Ruben Bauer (1999): “Se tudo fosse desordem no universo, haveria muita criação e inovação mas nenhuma organização e, portanto, nenhuma evolução. E se tudo fosse ordem, não haveria criação ou inovação – tampouco evolução”.

44

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

45

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Capítulo 3

O RIGOR CIENTÍFICO E SUA RELAÇÃO COM A CRIATIVIDADE

“A racionalidade é uma forma de pensar inerente à mente humana, responsável pelo progresso e desenvolvimento da civilização. Mas, nos últimos séculos, descobrimos que,

mesmo na Ciência, não é a única nem a melhor forma de pensar.”

.

46

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“O trabalho de pesquisa não é de natureza mecânica, mas requer imaginação criadora e iniciativa individual.

Entretanto, a pesquisa não é uma atividade feita ao acaso, porque todo o trabalho criativo pede o emprego de

procedimentos e disciplinas determinadas.” (Van Dalen e Meyer)

47

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Pesquisa científica requer a sistematização do pensamento racional, orientado pelas

etapas de um método meticuloso que leve o pesquisador à conclusões corretas e irrefutáveis. O objetivo desse rigor científico, portanto, é superar a crença arbitrária dos dogmas ou o senso comum das interpretações aleatórias. Mas, não significa dizer que esse rigor metodológico prescinda da criatividade, entendida aqui como uma lateralização do pensamento racional, quando este envereda por contextos limitados.

O entendimento do que é Ciência requer uma Metaciência, cujos questionamentos permi-tam ao pesquisador perceber o desenvolvimen-to histórico do pensamento científico como uma jornada de muitos ajustes através das maneiras que o ser humano desenvolveu para a constru-ção do conhecimento e compreensão do mundo que o rodeia. Esse breve panorama poderá nos revelar que o pensamento criativo é parte intrínseca do pensamento científico, e que, nesse contexto, razão e criatividade são propriedades que se articulam na mente humana.

Em determinado momento da moderna história ocidental da humanidade, pensadores perceberam que, para compreender racional-mente os fenômenos da realidade em volta,

48

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

era necessário o exercício metodológico de observação, comparação, experimentação e comprovação; diante de um objeto dos sentidos, precisava-se analisar suas partes e descobrir uma lei universal que pudesse explicar o funcionamento do todo. E a razão humana, para esses estudiosos, parecia ser o instrumento mais eficaz nessa tarefa, porque permitia traduzir os fenômenos com o rigor científico das equações matemáticas.

Embora René Descartes (1596-1650) seja considerado o responsável pela instauração de método científico, trata-se de um processo que teve a participação de muitos outros pensadores. Começou com Roger Bacon (1220-1292) e sua ideia de que a experimentação era a fonte do conhecimento. Aprofundou-se com Francis Bacon (1561-1626), que deu caráter funcional ao conhecimento em prol do desenvolvimento para que natureza pudesse ser transformada e modificada em benefício do ser humano. E depois que Descartes estabeleceu que o pensamento, fruto da razão, devia ser metodicamente planejado para se chegar a conclusões, Auguste Comte (1798-1857) organizou o conhecimento da natureza em ciências distintas, levando-as das ciências naturais para as ciências sociais, processo que constituiu todo o pensamento positivista da época.

Com isso, parecia que a racionalização do

49

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

pensamento podia explicar todos os fenômenos do universo, até que a Teoria da Relatividade, apresentada por Albert Einstein, a Física Quântica de Niels Bohr, bem como os primeiros estudos da Psicologia e da Psicanálise, mostraram que a realidade não podia ser compreendida por uma visão mecanicista e linear. Os paradoxos do mundo subatômico e a complexidade da mente que rege o comportamento humano exigiu novas abordagens do universo, embora, o rigor científico continuasse a predominar no que se estabeleceu como Ciência.

A partir do seu conceito positivista, a ciência só confiava nos estudos que pudessem com-provar, mensurar, explicar as relações de causa e efeito, deixando de lado o que fosse do senso comum. Porém, os fenômenos relacionados à natureza humana como a psique, a intuição, o comportamento – e mesmo os fenômenos da física quântica com seu comportamento probabilístico no mundo subatômico -, demonstraram que desequilíbrios, instabili-dades e caos fazem parte do universo, exigindo que se leve em conta o paradoxo, dada a complexidade das interações entre pessoas e culturas, elétrons e prótons etc. (NICOLAU, 2011, p. 86-87).

O sistemático uso da lógica do pensamento

50

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

humano, que prevalece na contemporaneidade, entretanto, não surge com a Ciência moderna. Tem origem há pouco mais de dois milênios, cerca de 350 anos antes de Cristo, com Aristóteles. Foi o filósofo grego quem deu início à lógica formal a partir de padrões de inferências conhecidos como silogismos. (THAGARD, 1998)

O silogismo apresenta duas premissas e uma conclusão. Se tenho uma premissa maior como verdadeira (todas as árvores são de madeira), seguida de uma premissa menor também verdadeira (está goiabeira é uma árvore), posso concluir algo com segurança (esta goiabeira é de madeira). Tal forma de pensar como uma inferência dedutiva tinha caráter qualitativo e teórico, tornando-se científico com o surgimento do método, em séculos recentes.

A racionalidade é uma forma de pensar inerente à mente humana, responsável pelo progresso e desenvolvimento da civilização. Mas, nos últimos séculos, descobrimos que, mesmo na Ciência, não é a única nem a melhor forma de pensar. A maioria das invenções e descobertas da humanidade foram resultado de desacertos e enganos, por isso devemos considerar a perspectiva do físico Blaise Pascal, que considerava como dois excessos, excluir a razão e admitir apenas a razão.

Precisamos adotar uma forma de pensa-mento alternativo que se mostra irreverente

51

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

ao rigor científico, para romper com as limi-tações deste, em busca do inusitado das ideias. Recorramos a um dos mais importantes estudiosos da lógica, para compreender esse processo: o filósofo e matemático Charles Sanders Peirce, que viveu na virada do século XIX para o século XX, cujos estudos sobre os métodos dedutivo, indutivo e abdutivo parecem-nos esclarecedores dessa relação entre razão e criatividade na Ciência.

Os métodos racionais e a dimensão da criatividade

Na elaboração de nossos trabalhos cientí-ficos, para demonstração dos resultados de pesquisas, somos cobrados a apresentar a metodologia que conduziu todo o processo. Podemos utilizar um método indutivo, no qual partimos de um fenômeno particular de-vidamente delimitado, para chegarmos a uma dimensão geral que nos ajude a entender todos os fenômenos desse tipo; ou podemos sair da visão geral, pelo método dedutivo, em busca da delimitação de um fenômeno que possa justificar essa dimensão mais ampla.

Em ambos os casos é necessário o enca-deamento de etapas metodológicas que se sucedem interligadamente, através dos tipos de pesquisa que permitam delimitar o foco, definir

52

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

a abordagem e os instrumentos de coleta de dados, para posterior análise e explicação do fenômeno. Mas, nem sempre existe uma relação lógica no encadeamento de fatos e de eventos, ficando o pesquisador a mercê de algum achado que possa articular as partes ou as etapas da pesquisa.

Foi analisando como os cientistas, incluin-do ele próprio, lidavam como essa situação que Charles Sanders Peirce percebeu, no entre-laçamento desses métodos, o caráter da abdução, constituído pela elaboração de hipóteses, como um processo que acionava a capacidade especulativa e imaginativa do pesquisador.

Uma situação imaginada pode servir de demonstração pelo seu caráter didático: estamos em uma feira livre e temos diversos cestos, cada um com um tipo de fruta dentro. Um cesto repleto de mangas, outro contendo abacates, mais outro cheio de goiabas e assim por diante. O vendedor vai até o cesto de mangas, retira de lá uma fruta e nos traz. Pelo processo de dedução, se aquele é o cesto de mangas e uma fruta foi retirada de lá, trata-se de uma manga. No caso inverso, por indução, o vendedor mostra uma goiaba e diz: esta fruta foi retirada daquele cesto escuro. Logo, partindo do particular para o geral, podemos inferir que aquele é o cesto de goiabas. Porém, se vemos o vendedor com uma fruta na mão, tal como um abacate, sabemos que

53

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

ali tem um cesto de abacates, mas não podemos assegurar que aquele abacate veio do cesto - não vimos a retirada e o vendedor não confirmou isso. Portanto, sem comprovação, especulamos apenas que aquele abacate veio daquele cesto. Usando da abdução, nossa mente levanta hipóteses que precisam ser confirmadas.

Um exemplo clássico desse situação foi vivenciada por Albert Einstein, na construção da Teoria Geral da Relatividade. O famoso físico teve que deixar de lado o rigor matemático dos seus cálculos para se imaginar viajando pelo espaço sideral sentado num raio de luz, em um exercício metafórico. Ele não tinha como fazer os testes, mas podia fantasiar tudo, situando os objetos e seus movimentos na mente. Os elementos da viagem imaginada forneceram subsídios importantes para que o físico pudesse voltar ao raciocínio lógico e conferir a veracidade científica de seus pensamentos. Daí a sua afirmação de que a imaginação é tão importante quanto o conhecimento.

Somente quando adotamos o rigor científico e o pensamento racional é que temos diante de nós motivos para sermos irreverentes, para romper com os encadeamentos lógicos e usar a imaginação em busca de analogias e metáforas. Ninguém é criativo simplesmente porque tem o pensamento livre para pensar no que quiser. Nesse contexto acadêmico e científico,

54

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

a criatividade é uma reação de busca por alternativas ou soluções quando a racionalidade mostra-se limitada e insuficiente.

Uma postura criativa não significa rejeição à lógica ou mera implicância com o rigor de pensamento que as metodologias científicas exigem. Depois de exercitar o raciocínio em procedimentos metódicos de pesquisa, é preciso reconhecer até que ponto eles estão sendo válidos e profícuos. Quando não conseguimos avançar para compreender os fenômenos é que lançamos mãos das hipóteses - são elas que provocam a utilização de analogias e de metáforas que nos ajudam a descobrir relações inusitadas.

Entre o rigor de uma metodologia em busca de explicações e comprovações, e a elaboração do trabalho final, que demonstra com clareza e irrefutabilidade o que foi encontrado, existe uma trajetória de abstrações, imaginações, analogias que precisam servir à criatividade de encontrar soluções e alternativas para os impasses e de-safios da pesquisa em curso.

Tanto o pensamento lógico, racional e rigoroso de certos cientistas quanto as per-cepções intuitivas e livres de outros são dois extremos da mente humana, passíveis de entrar em negociação: pode-se desenvolver métodos de pesquisa com o rigor de pensamento necessário até certo ponto que a lógica permite; mas deve-se estar atento para a liberação do pensamento

55

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

imaginativo, afeito às analogias e às metáforas, com suas novas perspectivas e visualizações, capazes de fornecer elementos pertinentes às próximas abordagens racionais.

Criatividade na prática da pesquisa: esquemas e analogias

Em qualquer empreendimento, a criati-vidade é estimulada sempre que temos de enfrentar desafios. Essas empreitadas mentais exigem recursos próprios da percepção humana, por isso é muito comum os pesquisadores de diversas áreas recorrerem a uma visualização do problema. Está pode vir na forma de esquemas ou gráficos desenhados numa folha, e ainda, na forma de analogias e metáforas, recorrentes nos métodos abdutivos.

Fazer esquematizações no papel, colocando ali todos os aspectos da situação é uma maneira de dar à mente uma visão geral externa do problema, permitindo que ela reincorpore novas percepções. Enquanto mantemos as visões fixadas na mente, esta tem receio de perdê-las de vista e não se expande o suficiente para ter uma abrangência mais proveitosa de outras particularidades.

Combinações novas podem ser percebidas nesse processo de visualização esquemática; as perguntas precisam ser feitas de outro modo e

56

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

o olhar pode perceber aspectos que não eram visíveis antes.

Segundo Thagard (1998), as analogias desempenham papel significativo tanto na produção, quanto na compreensão da linguagem, uma vez que são subjacentes ao uso da metáfora. Nesse sentido, o pensamento analógico envolve três tipos de aprendizado: a) armazenamento de casos baseados em experiências anteriores, a partir das quais memorizamos as soluções; b) adaptação de um caso anterior à resolução de um novo problema, com uso, inclusive, de inferências abdutivas quando reordenamos um problema de explanação para sugerir hi-póteses; c) utilização de uma fonte análoga para solucionar um problema-alvo, fazendo uma abstração da fonte e do alvo, formando um esquema analógico que capta o que é comum a ambos.

Todas as metáforas têm como mecanismo cognitivo subjacente o tipo de comparação sistêmica feita pelo mapeamento analógico, embora a metáfora possa ir além da analogia ao utilizar outras invenções figurativas para uma aura mais ampla de associações. (THAGARD, 1998, p. 87).

Compreendemos melhor essas conside-rações a partir das observações de Lakoff e

57

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Johnson (2002), ao afirmarem que as metáforas são capazes de estruturar nossos conceitos da vida cotidiana e criar realidades de modo como não se imaginava, desafiando posições tradicionais anteriores. Ela era vista como simples fato da língua, mas não como uma maneira de estruturar nosso sistema conceitual em diversas atividades diárias.

A razão de focalizarmos tanto nossa atenção sobre a metáfora é que ela une razão e ima-ginação. A razão, no mínimo, envolve a ca-tegorização, a implicação, a inferência. A ima-ginação, em um dos seus muitos aspectos, implica ver um tipo de coisa em termos de um outro tipo de coisa o que denominamos pensamento metafórico. (LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 302)

Como esses recursos da imaginação não são destituídos de racionalidade, empregam uma “racionalidade imaginativa”, a partir da qual podemos imaginar situações e comparações com outros sistemas, como neste exemplo simples: percebemos claramente o que está ocorrendo com uma organização, que gasta mais do que ganha em suas estruturas internas de divisões e de departamentos, fazendo um desenho esquemático de todos os seus setores e anotando no esquema o que ocorre em cada um

58

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

deles. O esquema de organograma invertido, de ponta-cabeça, por exemplo, pode ficar parecido com o desenho de uma árvore, com seu tronco e galhos.

Uma comparação elementar demonstra que nenhum árvore deixa seus galhos crescerem ao ponto de não suportar seu peso e arrebentar. Isso também não pode ocorrer com a organização, quando determinado setor gasta mais do que a empresa pode sustentar. A visualização dos gráficos abre a percepção para comparações diversas e nos fornece opções de hipóteses a serem conferidas.

59

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

Capítulo 4

CONFLITOS DE ORIENTAÇÃO: PARA O BEM E PARA O MAL

“A relação entre orientador e orientando precisa partir das premissas básicas da

metaciência, para que ambos saibam que há um propósito maior em jogo.”

60

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“ Maior conhecimento depende inteiramente da existência do desacordo. “

(Karl Popper)

“Autoridade: sem ela o homem não pode existir e, no entanto, ela traz consigo tanto

o erro como a verdade.”(Goethe)

61

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

O esforço da pesquisa tem o seu lado in-dividual, em que o pesquisador debruça-se

compenetradamente nas leituras e fichamentos, observações e elaborações textuais, mas tam-bém, em parte, tem o lado da convivência entre orientador e orientando, um diálogo nem sempre simples, afetado por conflitos de interesses os mais diversos.

As pesquisas científicas ordenadas pela mente humana, dependem dos relacionamentos, das posturas e das visões dos pesquisadores. Nem sempre os acadêmicos sabem usar o embate com seus parceiros de pesquisa para estabelecer um clima de provocações e de descobertas.

A relação entre orientador e orientando é, em maior ou menor grau, cheia de conflitos. Mesmo quando eles não são evidentes, mantêm-se nos bastidores. A ausência total do conflito significa, geralmente, uma obediência cega que resulta apenas no cumprimento dos caminhos pré-determinados e quase nunca em resultados inovadores.

Por outro lado, é comum os conflitos tornarem-se mera briga de interesse e vaidade. O que leva os pesquisadores ao elementar acordo acadêmico: apresentar um trabalho básico de modo a cumprir o prazo e obter aprovação.

62

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

Não é difícil fazer um mapeamento desses tipos de conflitos, tanto na graduação quanto na pós-graduação, a partir de analogias oportunas.

Os tipos de conflitos mais comuns

1) Patrão e empregado

Essa relação conflituosa de orientação é das mais comuns: o orientador é quem manda e cabe ao orientando obedecer sem questionar. Esse excessivo controle das ações do orientando limita as buscas e não permite que as ideias deste possam dar um rumo mais instigante à pesquisa, pelo processo de tentativa e erro, tão importante ao seu aprendizado.

Por mais conhecedor que o orientador se julgue do objeto de estudo, há sempre algo novo a aprender e suas provocações devem servir para que o orientando possa trazer elementos recentes ou mesmo, perspectivas diferentes do que já se conhece.

2) Polícia e bandido

Nesse caso, frequentemente o orientador acredita que seu papel é o de exercer a “lei”, vendo o orientando como um transgressor das

63

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

normas a serem seguidas. Sua postura é a de corrigir o trabalho sob ameaça de reprovação. É uma pressão improdutiva porque o medo da punição reprime a ousadia da experimentação. Nessa condição, transgredir não significa revo-lucionar, mas estar fora da lei.

Quando esse tipo de orientador sobrepõem seus interesses de pesquisa aos interesses do orientando, este, não apenas trilha os caminhos já experimentados, como, também, acaba até cometendo os mesmos erros.

3) Faixa de Gaza

Ocorre quando orientador e orientando querem ter razão e não abrem mão de seus procedimentos e métodos, mesmo quando ambos estão errados. A vontade de ter razão impede que os dois percebam o melhor caminho para avançar nas pesquisas.

Essa situação instaura-se quando existe um sentimento de autosuficiência por parte de ambas as partes, inclusive com a disputa pela primazia dos méritos. Na academia isso é muito mais comum do que imaginamos; porém, a pesquisa alcança melhores resultados quando os dois lados percebem que reconhecimentos não se dividem, somam-se para mérito de ambos.

64

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

4) Marido e mulher

A relação de orientação é uma constante gangorra, em que os dois brigam e “desbrigam”; desentendem-se e fazem as pazes durante o decorrer da pesquisa inteira. Nem sempre o conflito é usado para avançar e a trégua acaba pela escolha do caminho mais fácil e menos promissor, uma mera acomodação.

Porém, assim como há casamentos em que ambos crescem pelo diálogo e pela negociação constante de conflitos, as orientações desse tipo, quando estabelecidas de forma ética e consciente, costumam proporcionar resultados bastante proveitosos.

5) Pai e filho

Esse conflito, baseado na relação de pais com seus filhos em formação, parece ser o mais promissor, quando conduzido às claras. Pais educadores querem o melhor para seus filhos, mas precisam cobrar deles disciplina e perseverança. Sabem que os filhos precisam se arriscar e temem pelos riscos, mas estimulam-nos a irem adiante. As conquistas dos filhos também são as vitórias dos pais. Nesse contexto, a dedicação por parte do orientador e o esforço

65

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

do orientando culminam em avanços significati-vos.

É um tipo de relação na qual existe o constante risco de afrouxamento das cobranças, excesso de confiança ou paternalismo. Porém, pelo diálogo, orientador e orientando mantêm o nível da relação em permanente atenção, mediante as obrigações de cada um. Negocia-se, nesse ambiente, colaboração e compromisso com os resultados da pesquisa.

A função do orientador e o papel do orientando

Existem orientações que já nascem ma-duras, porque tanto o orientador quanto o orien-tando sabem como proceder, a partir de posturas éticas e compromissadas com a atividade acadêmico-científica que estão desenvolvendo. Nesses casos, as questões básicas estão bem resolvidas ou vão se definindo no decorrer da orientação.

O que o orientador espera do orientando? Como em todo processo natural de aprendiza-gem, o orientador deve esperar que o orientan-do seja capaz de, a partir das orientações básicas, desenvolver seu próprio trabalho de pesquisa e elaboração dos textos; autonomia para cometer seus próprios erros tentando descobrir um caminho promissor.

66

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

O que o orientando espera do orientador? Que este traga a lanterna para iluminar o caminho. Que a sua experiência possa apontar os rumos a serem seguidos. Que a provocação seja a energia que mantém a lanterna acesa.

Nesse sentido, as obrigações acadêmicas do orientador devem estar bem delineadas para ambos. O orientador é um:

a) Norteador do trabalho: aponta ca-minhos de leitura, de pesquisa, de produção; indica estudos, livros e autores; fomenta a busca por fundamentos e conteúdos.

b) Rebatedor de idéias: questiona os achados do orientando; confronta e rebate seus argumentos; estimula a crítica aos autores e obras; exige e provoca o posicionamento do orientando. Usa o conflito como forma de cobrar ousadia.

c) Averiguador das normas e norma-tizações: demonstra que existem correções no trabalho textual; cobra a disciplina para aplicação das normatizações; aponta e exige o padrão científico de produção textual; dá o exemplo na sua própria produção científica.

Enfim, a relação entre orientador e orien-tando precisa partir das premissas básicas da metaciência, para que ambos saibam que há um propósito maior na realização de uma

67

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

pesquisa. Seguindo essa condição, a realização pessoal passa a ter imenso valor, uma vez que a superação de dificuldades e os sacrifícios individuais integram um trabalho em equipe, que contribui para o avanço coletivo de construção do conhecimento.

68

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

69

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

PARA FINS DE CONCLUSÃO

“Desconfiemos das posturas que exigem a obediência metodológica em excesso, assim

como daquelas outras que desprezam a metodologia das normas, negligenciando os

detalhes mais simples.”

70

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

“A ciência vive corrigindo-se a si mesma. Nela não existem idéias definitivas:

cada conceito está sujeito aos desafios que representam as novas descobertas.”

(Carl Sagan)

71

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

O pensamento racional requer procedimentos sistematizados para alcançar os resultados

esperados; o pensamento flexível, por sua vez, consegue ampliar a percepção e ir além das limitações que se impõem ao pensamento racional. Numa primeira e simples analogia, trata-se, na verdade, de dois lados de uma mesma moeda, porque o cérebro traz consigo as duas formas de pensar. E, assim como não é possível dizer, na atualidade, que apenas o lado numérico de uma moeda indica o seu valor, também na ciência contemporânea não podemos assegurar que uma forma de pensamento é mais importante que a outra.

Explicando melhor essa segunda analogia, uma moeda atual tem o seu valor indicado em um dos lado, na representação dos números: 10 centavos, 50 centavos, 1 real; porém, em se tratando de uma moeda antiga, esse lado numérico não expressa quanto ela vale. É o outro lado, representativo da época e do lugar onde foi cunhada que estabelece a sua valiosidade para colecionadores e museus. Do mesmo modo, racionalidade e imaginação mostram-se igualmente importantes, dependendo do tipo de problema que se enfrenta em diferentes contextos.

72

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

É assim que devemos ver a pesquisa científica na prática: para muitos cientistas e estudiosos, suas investigações desenvolvem-se de forma metódica, com disciplina e rigor; para outros, é preciso romper com esse rigor e ampliar as perspectivas, deixar de lado as metodologias, encarar a natureza do fenômeno e subverter a lógica dos métodos para fazer descobertas. Por isso desconfiemos das posturas que exi-gem a obediência metodológica em excesso, assim como daquelas outras que desprezam a metodologia das normas, negligenciando os detalhes mais simples.

A história das descobertas humanas está longe de uma linearidade e aprendemos com a experiência dos erros e dos acertos, bem como, com os malefícios e com os benefícios da Ciência. Precisamos saber aproveitar as formas divergentes de pensamento, as percepções con-trárias entre racionalidade e imaginação, porque é dessa divergência que surge o inusitado. E nós mesmos, parafraseando Peirce, para viven-ciarmos uma Ciência viva, precisamos estar atentos para contrariar as nossas próprias cren-ças, quando elas não nos deixam evoluir para ideias melhores.

Nesse sentido, tanto a obediência ao método quanto a conformação passiva do orientando diante do autoritarismo do orienta-dor são tipos de conformação que não levam um

73

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

pesquisador a trilhar seus próprios caminhos. O orientando, mesmo respeitando a experiência e o conhecimento de seus mentores, precisa questionar e debater todo e qualquer modo de conformação, para ir além do que já se sabe.

É importante que o pesquisador perceba o papel do conflito nos embates de ideias e de posicionamentos científicos: superar o desen-contro de interesses para avançar na construção do conhecimento. E o bom orientador é aquele que instiga seus orientandos a irem além do que ele foi, para que estes tragam as descobertas ainda por fazer. Isso porque, nem a própria Ciência é dona da verdade.

Assim devemos pensar a metacência, como o posicionamento que devemos adotar diante da própria Ciência, a partir de um olhar para dentro do nosso próprio modo de pensar. Ao questionarmos os modelos de investigação da realidade, por mais evidente e lógico que pareçam, ao experimentarmos outras dimensões do pensamento que se cria com as metáforas, descobrimos recursos mentais inimagináveis. E se as nossas pesquisas não servirem para que aprendamos, antes de tudo, sobre nós mesmos, também não saberemos tirar proveito de tudo o que somos capazes de realizar.

74

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

75

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

R E F E R Ê N C I A S

BAUER, Ruben. Gestão de mudanças: caos e complexidade nas organizações. São Paulo: Atlas, 1999.

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2002.

FEYERABEND, Paul. Contra o método. São Paulo: Editora da UNESP, 2007.

GLASER; STRAUSS. The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research. News Bruswick and London: Aldine Transaction. 1967.

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Educ, 2002.

76

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5

MACHADO, Juremir. O que pesquisar quer dizer: como fazer textos acadêmicos sem medo da ABNT e da CAPES. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.

NICOLAU, Marcos. Razão e criatividade: tópicos para uma pedagogia neurocientífica. 2. ed. João Pessoa: Ideia , 2011. Disponível em: http://www.insite.pro.br/elivre/razao.pdf

PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.

PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo : Edito ra da Univesidade Estadual Paulista, 1996.

SANTAELLA, Lucia; VIEIRA, Jorge Albuquerque. Metaciência como guia de pesquisa: uma proposta semiótica e sistêmica. São Paulo: Editora Mérito, 2008.

STRAUSS, Anselm L.; CORBIN, Juliet. Basics of qualitative research: grounded theory, procedures and techniques. Newbury: SAGE, 1990.

THAGARD, Paul. Mente: introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

77

SUMÁRIOISBN 978-85-463-0065-5

TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 6. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.

78

SUMÁRIO ISBN 978-85-463-0065-5