mestrado forense processo penal - casos práticos
TRANSCRIPT
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 1
I
Suponha que, correndo inquérito por um crime burla simples (art. 217º CP), o
assistente, exasperado com a demora do processo na fase do inquérito, deduz
a sua acusação. O Ministério Público junta a acusação ao processo e adere
posteriormente à acusação do assistente.
Comente.
(Assento do S.T.J. n.º 1/2000, D.R., I.ª Série-A, de 06/01)
No presente caso estamos face a um crime semi público, nos termos do artigo
217.º/3 CP, pelo que a legitimidade do MP para promover o inquérito encontra-
se dependente da apresentação de queixa pelo ofendido, nos termos do artigo
48.º e 49.º, ambos do CPP, e do artigo 113.º CP.
No fim do inquérito, existindo indicios suficientes da prática do crime, cabe ao
MP (nos crimes públicos e semi públicos – artigo 283.º e 284.º CPP) ou ao
assistente (nos crimes particulares – artigo 285.º) acusar o arguido.
Estando face a um crime semi público a acusação do arguido teria de ser
realizada pelo MP, nos termos do artigo 283.º CPP, podendo o assistente, após
notificação da acusação do MP, deduzir também acusação nos termos
expressamente consagrados no artigo 284.º.
No presente caso, o arguido agiu como se estivesse perante um crime de
acusação particular, isto é, acusando primeiro do que o MP. Tal consubstância
uma nulidade insanável nos termos do artigo 48.º e 119.º al. b), ambos do CPP.
PROCESSO PENAL – PRÁTICAS FORENSES FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
MESTRADO FORENSE 2013/2014
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 2
Coloca-se a questão de saber se, quando estamos no âmbito do crime particular,
após a acusação pelo assistente, a acusação do MP nos termos do artigo 285.º/4
do CPP é uma mera adesão. A resposta a tal questão não poderá de deixar de
ser negativa, na medida em que a adesão encontra-se expressamente
consagrada como possibilidade ao dispor apenas do assitente, e só deste, nos
crimes públicos e semi públicos, após acusação pelo MP, nos termos do artigo
284.º/2 al. a) CPP (exemplo: X (leia-se assistente) vem por este meio aderir à
acusação do MP).
Aplicando o que de seguida se expõe ao presente caso, o STJ entendeu que se o
MP não fizer uma mera adesão à acusação do assistente, isto é, se acusar, não é
pelo facto de a acusação do assistente ser nula que também o será a acusação do
MP.
II
SIMÃO PEDRALVES apresentou queixa contra CRISTINA FERREIRA por um crime
de difamação p. e p. no art. 180º, nº 1, do CP. Para tanto notificado no final do
inquérito, SIMÃO PEDRALVES veio a deduzir acusação por crime de difamação,
agravado pelo facto de CRISTINA FERREIRA ser funcionária pública e ter
praticado o facto com grave abuso de autoridade (art. 184º do CP). O
Ministério Público aderiu à acusação do assistente.
Quid juris?
No presente caso estamos face a um crime de difamação agravada que, nos
termos do artigo 180.º, 184.º e 188.º/1 al. a), todos do CP, consubstância um
crime semi público.
Sendo um crime semi público, nos termos do artigo 48.º e 49.º, ambos do CPP, a
legitimidade do MP para promover o inquérito encontra-se condicionada à
apresentação de queixa por parte do ofendido, nos termos do artigo 113.º do
CP.
PROCESSO PENAL
Maria Luísa Lobo – 2013/2014
No fim do inquérito, existindo indicios suficientes da prática do crime, cabe ao
MP (nos crimes públicos e semi públicos
assistente (nos crimes particulares
Estando face a um crime semi público a acusação do arguido teria de ser
realizada pelo MP, nos termos do artigo 2
notificação da acusação do MP, deduzir também acusação nos termos
expressamente consagrados no artigo 284.º.
No presente caso, o arguido agiu como se estivesse perante um crime de
acusação particular, isto é, acusando p
uma nulidade insanável nos termos do artigo 48.º e 119.º al. b), ambos do CPP.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS
2013/2014
No fim do inquérito, existindo indicios suficientes da prática do crime, cabe ao
P (nos crimes públicos e semi públicos – artigo 283.º e 284.º CPP) ou ao
assistente (nos crimes particulares – artigo 285.º) acusar o arguido.
Estando face a um crime semi público a acusação do arguido teria de ser
realizada pelo MP, nos termos do artigo 283.º CPP, podendo o assistente, após
notificação da acusação do MP, deduzir também acusação nos termos
expressamente consagrados no artigo 284.º.
No presente caso, o arguido agiu como se estivesse perante um crime de
acusação particular, isto é, acusando primeiro do que o MP. Tal consubstância
uma nulidade insanável nos termos do artigo 48.º e 119.º al. b), ambos do CPP.
CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Page 3
No fim do inquérito, existindo indicios suficientes da prática do crime, cabe ao
artigo 283.º e 284.º CPP) ou ao
artigo 285.º) acusar o arguido.
Estando face a um crime semi público a acusação do arguido teria de ser
83.º CPP, podendo o assistente, após
notificação da acusação do MP, deduzir também acusação nos termos
No presente caso, o arguido agiu como se estivesse perante um crime de
rimeiro do que o MP. Tal consubstância
uma nulidade insanável nos termos do artigo 48.º e 119.º al. b), ambos do CPP.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 4
CRIMES PÚBLICOS ≠ CRIMES SEMI PÚBLICOS
Além do facto de, nos termos do artigo 48.º CPP, a legitimidade do MP para
promover o inquérito estar condicionada à apresentação de queixa por parte do
ofendido nos crimes semi públicos, outra enorme diferença entre estas duas
‘’modalidades’’ de crimes assenta no facto de até à leitura da sentença de 1.ª
instância, nos crimes semi públicos, o ofendido poder desistir da queixa.
III
Suponha que, num determinado processo por crime de fraude fiscal, alegou o
Arguido JOÃO FERNANDES que, apesar de ser formalmente gerente da
sociedade FERNANDES & FILHO, LDA., ao tempo dos factos imputados no
processo estava em Angola a criar uma filial, e quem tinha a gestão efectiva
de todos os assuntos (inclusivamente os fiscais) era o seu funcionário SILVA
MILHARES, o qual, entretanto, sem mais explicações, se suicidara.
No despacho de pronúncia, a Mma. Juíza de Instrução afirmou:
«O que não significa que não houvesse uma delegação substancial de
poderes no seu funcionário Silva Milhares (que desse facto se terá
aproveitado em proveito próprio).
No entanto, não conseguimos extrair, com alguma dose de certeza,
que, tendo em conta o elevado volume de negócio envolvido, o
arguido João Fernandes estivesse totalmente arredado do que se
passava em Portugal. Nem, acrescente-se que assinasse documentos
sem se inteirar totalmente do respectivo conteúdo.
Assim, pese embora o alegado pelo arguido, consideramos que, em
sede indiciária, terá que se lhe imputar responsabilidade pela prática
de factos ilícitos detectados no período em causa na acusação».
Comente.
A decisão instrutória devia ter consubstânciado um despacho de pronúncia ou
de não pronúncia, em função da existência (ou não) de indicios suficientes.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 5
Coloca-se a questão de saber com base em que critérios é que o juiz de instrução
deve decidir. Para tal deverá ser feito um juízo póstume, ou seja, se se tivesse na
fase de Julgamento, na pele do juíz de julgamento, com base naqueles factos
iria-se condenar ou absolver o arguido.
Atendendo ao presente caso, numa situação de dúvida, como aquela em que se
encontrava a juíza de instrução, no julgamento, por força do in dubio pro reo, o
arguido seria absolvido.
QUERELA DOUTRINAL
• PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E PROF. CAVALEIRO
FERREIRA: é necessário uma certeza para, na fase de Julgamento,
condenar o arguido. Contudo, tal certeza não é necessária para acusar
(no fim do inquérito) ou para emitir um despacho de pronúncia (no fim
da instrução), ou seja, nas fases preliminares, basta uma mera
probabilidade de o arguido, com base naqueles indícios, vir a ser
condenado.
• PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: uma vez que no nosso ordenamento
jurídico vigora o princípio do in dubio pro reo, considera que nas fases
preliminares (para acusar ou para emitir um despacho de pronúncia) é
necessário, tal como no julgamento, uma certeza e não uma mera
probabilidade de condenação. Não negando que a lei aponte para o
critério da probabilidade, o princípio da presunção de inocência é o
princípio geral que acompanha todo o procedimento. O artigo 283.º CPP,
sob pena de inconstitucionalidade, não pode impor a interpretação da
probabilidade, podendo, isso sim, ser interpretado de acordo com o
princípio constitucional da presunção de inocência.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 6
IV
António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código
Penal) pelo Ministério Público. O assistente, Bento, não se conforma com esta
acusação, por da mesma não constar que o valor do objecto furtado é superior
a € 8.000,00, pelo que requer a abertura da instrução, concluindo que o
arguido deve ser pronunciado pelo crime p.p. no art. 204º, nº 1, al. a), do
Código Penal.
Responda às seguintes questões:
1. Pode o juiz de instrução pronunciar o arguido pelo furto qualificado?
Quando, no fim do inquérito, o MP procede à acusação do arguido o assistente
pode fazer uma de três coisas: (1) nada dizer; (2) dedudir acusação por factos
que não importem uma alteração substancial daqueles que constituem a
acusação do MP; (3) requerer a abertura da instrução e acusar por factos que
importem uma alteração substancial daqueles que constituem a acusação do
MP.
No presente caso, Bento ao acusar António pelo crime de furto qualificado está
a acusar por factos que que alterem substancialmente aqueles que constituem a
acusação do MP, uma vez que o MP acusa por furto simples e Bento está a
acusar por furto qualificado, ou seja, esta acusação tem por efeito ‘’a imputação
ao arguido de um crfime diverso ou a agravação dos limites máximos das
sanções aplicáveis’’, nos termos do artigo 1.º al. f) CPP.
O juíz de instrução poderá se pronunciar sobre estes factos, ou seja pelo crime
de furto qualificado, uma vez que está apenas a decidir sobre aquilo que foi
submetido. Não está a inventar nada. O objecto do processo fixa-se com as
acusações (do MP e/ou do Assistente).
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 7
2. Nesse caso, pode o arguido impugnar o despacho de pronúncia? Com
que fundamento?
Atendendo ao disposto no artigo 310.º/1 CPP, apenas é irrecorrível ‘’a decisão
instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes na acusação do
MP’’.
No presente caso, a decisão instrutória pronuncia o arguido pelos factos
constantes na acusação do assistente, pelo que, de acordo com o Princípio Geral
da Recorribilidade consagrado no artigo 399.º CPP, o arguido poderá impugnar
o despacho de pronúncia. Tal justifica-se porque, ao contrário do que sucede
quando o juíz de instrução pronúncia o arguido pelos factos constantes na
acusação do MP, existe, nestas situações, um desacordo entre o MP e o juíz de
instrução.
Quanto à questão de saber com que fundamento é que poderá o arguido
impugnar o despacho de pronúncia, a lei não delimita/restringe o seu âmbito
de aplicação, pelo que pode ser com qualquer fundamento.
3. Suponha agora que António também requereu a instrução, invocando
a prescrição do procedimento criminal, a utilização de um meio de
obtenção de prova ilícito e ainda a nulidade do inquérito, por não ter
sido ouvido. O juiz, no despacho de pronúncia, julga improcedentes
todas estas alegações. Pode António recorrer deste despacho?
(Ac. do STJ n.º 6/2000 e do TC n.º 216/99)
António, enquanto arguido, poderá recorrer a abertura da instrução
relativamente a factos pelos quais o MP tiver deduzido acusação, nos termos do
disposto no artigo 287.º/1 al. a) CPP.
Nos termos do disposto no artigo 310.º/1 e 2 CPP, uma vez que a decisão
instrutória pronúncia António, arguido, pelos factos constantes na acusação do
MP, tal será irrecorrível ‘’mesmo na parte em que aprecisar nulidades e outras
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 8
questões prévias ou incidentais’’, não prejudicando, contudo, ‘’a competência
do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas’’.
Embora não respeite a este caso prático, importa esclarecer como se procede à
conjugação do artigo 309.º com o artigo 310.º/3, ambos do CPP. O que está em
causa, nesta situações, assenta no facto de sendo a decisão instrutória nula,
dever-se-á proceder à arguição da sua nulidade – através de uma reclamação
para o juíz. Do despacho que indeferir a arguição da nulidade existirá recurso.
Outra breve nota quanto a esta matéria da instrução assenta no facto de como o
CPP nada consagrar quanto à natureza do caso julgado do despacho de
pronúncia, procede-se à aplicação das regras constantes no Código de Processo
Civil, pelo que a decisão instrutória de pronúncia só revestirá a natureza de
caso julgado formal se a decisão for susceptível de recurso.
V
António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código
Penal), tendo o assistente, Bento, deduzido também acusação, mas
acrescentado que o arguido fazia do furto modo de vida (art. 204º, nº 1, al. e),
do Código Penal). Não tendo havido instrução, o presidente, depois de
compulsados os autos, pretende:
1. Rejeitar ambas as acusações, em virtude de entender que não resultam
dos autos indícios suficientes da prática de qualquer crime pelo
arguido. Pode fazê-lo?
(“Assento” nº 4/93 e Acórdão do TC n.º 101/01)
Neste caso encontra-se em causa a aplicação do artigo 311.º/2 alinea a) do CPP,
colocando-se a questão de saber se o conceito de acusação manifestamente
infundada engloba a falta de índicios suficientes.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 9
Assento n.º 4/93: a alinea a) do n.º 2 do artigo 311.º CPP inclui a rejeição da
acusação por manifesta insuficiência da prova indiciária � acusação
manifestamento infundada enquanto manifestamente insufiente de prova
indiciária. Contudo, actualmente já não é assim devido ao n.º3 do artigo 311.º,
sendo que não é, contudo, uma enumeração taxativa. Não se pode dizer que
este acórdão ainda se encontre em vigor de forma totalmente livre, mas se
existir uma lacuna tal será resolvida por recurso à analogia (al. a), b) e c): vícios
formais da acusação (artigo 283.º) e al. d): tipicidade dos factos descritos na
acusação e só estes). Segundo o Princípio da Imediação, o tribunal só pode
decidir com base na prova produzida em em audiência de julgamento e não
com base na prova do inquérito, sendo que se visa que o juiz actue de forma
imparcial e objectiva.
Ou seja, segundo o Assento n.º4/93, a alinea a) do n.º2 do artigo 311.º do CPP
respeita a todas as causas de direito substantivo susceptíveis de inviabilizar a
acusação, designadamente a insuficiência de indícios probatórios dos factos, a
não punibilidade dos mesmo por via de variadas razões, designadamente,
quanto a estas últimas, a prescrição do procedimento crimininal e a
inimputabilidade do acusado, entre outras.
É importante referir que foi a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto que alterou o artigo
311.º do CPP, introduzindo no seu número 3 a definição do conceito de
acusação manifestamente infundada, com o intuito de abranger apenas as
situações em que seja omissa a identificação do arguido, a narracção dos factos,
a indicação das disposições legais aplicáveis e consequentemente as provas que
as fundamental e, ainda, que, caso seja a situação, que os factos não constituem
crime.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 10
Ac. Tribunal Constitucional n.º 101/01: a norma do artigo 311.º/3 CPP que veda
ao juíz de julgamento a possibilidade de rejeitar a acusação manifestamente
infundada por insufiência da prova indiciária, no caso de não ter havido
instrução, não viola as garantias de defesa do arguido e não atenta contra o
princípio da presunção de inocência, nomeadamente por não proceder à
inversão de qualquer ónus de probatório em desfavor do arguido.
O Acórdão agora em análise respeita a uma situação que assentava num
recurso interposto pelo MP a um despacho proferido pelo Tribunal Judicial
de Setúbal, rejeitando a acusação feita pelo MP. No despacho referido foi
invocada a inconstitucionalidade do artigo 311.º/3 CPP, uma vez que definia
o conceito de acusação manifestamente infundada como aquela que
abrangeria apenas as situações em que fosse omissa a identificação do
arguido, a narracção dos factos, as indicações legais aplicáveis, as provas em
que se fundamentou a sua convicção e consequente aplicação das
mencionadas disposições legais e que os factos não constituem crime. Tal
restringia a apreciação judicial do fundamento da acusação a questões de
natureza formal, não permitindo que o juíz a rejeitasse nos casos em que
manifestamente a prova indiciária não suportava a acusação e em que por
apreciação da prova por parte do MP se verificasse ter sido a acusada uma
pessoa, para ser submetida a julgamento, em relação à qual tudo indicava
não poder ser acusada. Com base nestes factos foi invocada a
inconstitucionalidade do artigo 311.º/3 CPP, uma vez que tal violava as
garantias de defesa consagradas no artigo 32.º da CRP. O MP interpôs
recurso para o TC, sendo que o Procurador Geral Adjunto pronunciou-se
pela não inconstitucionalidade da norma referida, com base no facto de
entender que, numa estrutura processual acusatória, a partilha das funções
de investigação, acusação e julgamento estariam asseguradas em diferentes
magistraturas, sendo reservada a formulação de um juízo de suficiência ou
insuficiência de inícios à exclusiva competência do juíz de instrução.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 11
O despacho recorrido recusou, com base na sua inconstitucionalidade, a norma
ínsita no artigo 311.º/3 CPP: o juíz não poderia rejeitar a acusação
manifestamente infundada deduzida pelo MP, não precedida de instrução, com
fundamento em notória insuficiência ou prova indiciária, impondo a submissão
a julgamento do arguido sem que se verifique o pressuposto no artigo 283.º/1
CPP. A inconstitucionalidade resultaria da violação das garantias de defesa e do
Princípio da Presunção de Inocência do Arguido.
Deste modo, a questão da inconstitucionalidade que o TC apreciou foi a de
saber se o artigo 311.º/3 violava as garantias de defesa e o Princípio da
Presunção de Inocência do Arguido, na medida que veda ao juíz de julgamento
a rejeição da acusação com fundamento na insuficiência da prova indiciária
produzida em inquérito.
O TC apresentou como fundamento para a não inconstitucionalidade do artigo
311.º/3 a estrutura acusatória do processo penal português, sendo que por força
deste a entidade julgadora não pode ter funções de investigação e de acusação
no processo antes do julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites
da acusação fundamentada pelo MP ou pelo ofendido.
A estrutura acusatória do processo penal português possui como alicerces
princípais:
• A proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja
que o juíz de instrução seja também o órgão de acusação;
• A proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é que o
órgão de acusação seja também o órgão julgador;
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 12
• A proibição de acumulação orgânica na instrução e no julgamento, ou
seja que o órgão que faz a instrução não faça a audiência de discussão e
julgamento, e vice-versa.
Como sabemos esta repartição de funções entre as diversas entidades que
intervém no processo assegura as garantias de defesa do arguido, assim como a
liberdade de convicção, a imparcialidade a objectividade da decisão proferida
pelo órgão chamado a intervir em cada fase processual.
O TC apresentou ainda o fundamento de que a lei reconhece ao arguido de,
uma vez deduzida acusação contra si, requerer a abertura de instrução (fase
processual facultativa) com a qual se visa a comprovação pelo juíz (de
instrução) da decisão de deduzir acusação em ordem à submissão do arguido a
julgamento.
No presente caso, não tendo o arguido requerido a abertura de instrução, se o
juíz de julgamento apreciasse a prova indiciária – e mesmo a entender-se que
com isso não se colocaria em causa as garantias de defesa do arguido, na
medida em que não contrariaria a sua estratégia processual de defesa, uma vez
que ao não requerer a abertura da instrução, com a celeridade em sede de
julgamento, seria verificada a sua inocência e a sentença de absolvição
transitaria em julgamento com força de caso julgado material -, seguramente
que, tendo em conta o Princípio do Acusatório ‘’Puro’’, ele ultrapassaria as suas
competência específicas.
O arguido é soberano em não requerer a abertura da instrução, não lhe
competindo provar a sua inocência, sendo antes ao MP a quem compete carrear
para os autos a prova da culpa do arguido coberto pelo manto da presunção de
inocência.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 13
2. Rejeitar a acusação do assistente. Pode fazê-lo?
António foi acusado da prática do crime de furto simples, previsto e punido nos
termos do artigo 203.º CP. Bento, assistente, deduz também acusação, nos
termos do artigo 284.º CPP, acrescentando para o efeito que António fazia do
furto modo de vida o que consubstância o crime de furto qualificado, previsto e
punido nos termos do artigo 204.º/1 alinea e) do CP. Deste modo, estamos face
a uma alteração substancial dos factos, nos termos do disposto no artigo 1.º
alinea f) do CPP.
Ora, nos termos do artigo 284.º/1 CPP consagra-se que ‘’Até 10 dias após a
notificação da acusação do MP, o assistente pode também deduzir acusação
pelos factos acusados pelo MP, por parte deles, ou por outros que não
importem uma alteração substancial’’.
Uma vez que estamos face a uma alteração substancial dos factos, Bento deveria
ter requerido a abertura da instrução e não procedendo à acusação nos termos
do artigo 284.º CPP.
Deste modo, existindo duas acusações, o processo será enviado para
Julgamento e no saneamento, nos termos do artigo 311.º/2 alinea b), o juíz irá
rejeitar esta acusação.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 14
VI
António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código
Penal). Realizada a audiência de julgamento suscitam-se as seguintes
questões:
1. Poderá António ser condenado, com base nos mesmos factos, por um
crime de burla (art. 217º do Código Penal). Em que termos?
(Assento do STJ n.º 2/93, Acórdão do TC n.º 445/97, e Assento do
STJ n.º 3/2000)
Assento STJ n.º 2/93: para fins dos artigos 1.º, alinea f), 120.º, 248.º/1, 303.º/3,
309.º/2, 359.º/1 e 2 e 379.º al. c), todos do CPP, não constitui alteração
substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia a simples alteração
da qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de
tais factos a uma figura criminal mais grave � a alteração da qualificação
jurídica seria livre, pelo que o tribunal de julgamento, perante uma alteração
dos factos, poderia condenar, em vez de ser por ofensa à integridade física (tal
como o arguido havia sido acusado) por tentativa de homicidio. O arguido não
tinha de ser advertido da alteração da qualificação jurídica, não possuindo
qualquer direito de defesa quanto a esta modificação. O artigo 1.º al. f) não trata
da alteração da qualificação jurídica, sendo que o que lhe interessa são os factos
e poder de aplicar a lei aos factos encontrava-se na função jurisdicional dos
tribunais.
Ac. Tribunal Constitucional n.º 445/97: declara inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral – por violação do princípio constante no n.º1 do artigo 32.º
CRP -, a norma insita na aliena f) do n.º1 do artigo 1.º CPP, em conjugação com
os artigos 120.º 248.º/1, 303.º/3, 309.º/2, 359.º/1 e 2 e 379.º al. b) do mesmo
Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo
STJ em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de Assento n.º 2/93,
na 1ª Série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993 – aresto esse
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 15
entretanto revogado pelo Acórdão n.º 279/95 do Tribunal Constitucional -, no
sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação
ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão
somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos
factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que esteje
seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de
defesa � fica a meio das duas teses anteriores. Desclara inconstitucional com
força obrigatória geral o Assento STJ n.º2/93. É uma inconstitucionalidade
assente na interpretação do assente e não propriamente nele mesmo. O grande
problema daquele assento assenta na questão relativa ao direito de defesa. Esta
alteração só pode ter lugar se o direito de defesa, além de ser reconhecido, for
respeitado.
Assento n.º3/2000: na vigência do regime dos CPP de 1987 e de 1995, o tribunal,
ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia,
quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente
enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que
previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da
possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a
respectiva defesa.
No caso em análise, António foi acusado pelo crime de furto simples, mas
pretende-se saber se, com base nos mesmos factos, poderá ser condenado pelo
crime de burla.
Neste caso estamos face a uma situação em que existe uma alteração da
qualificação jurídica, ou seja os factos são os mesmos, mas os crimes são
diferentes.
Atendendo ao disposto no artigo 358.º/3 CPP, o legislador consagra, ao remeter
para o n.º1, que a alteração da qualificação jurídica encontra-se sujeita ao
mesmo regime da alteração não substancial dos factos.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 16
Deste modo, ‘’o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a
alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente
necessário para a preparação da defesa’’.
2. Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado tem valor
elevado. Pode o tribunal dar como provado este facto e, em
consequência, condenar António por furto qualificado (art. 204.º, n.º 1,
al. a), do Código Penal)? Em qualquer caso, o que deve fazer o juiz?
No caso em análise António foi acusado do crime de furto simples,
pretendendo-se agora saber se poderá ser condenado pelo crime de furto
qualificado.
Tal corresponde a uma alteração substancial dos factos, nos termos do artigo 1.º
al. f) CPP, pelo que é necessário atender ao disposto no artigo 359.º CPP.
Nos termos do artigo 359.º/1 CPP consagra-se que uma alteração substancial
dos factos não pode ser tomada en conta pelo tribunal para o efeito de
condenação.
Contudo, nos termos do n.º2 do artigo 359.º CPP, o tribunal comunica os novos
factos ao MP, valendo tal como denúncia, para que aquele proceda pelos novos
factos, mas apenas se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do
processo. Ora, no presente caso, assentando o novo facto em o objecto furtado
ter valor elevado, tal não é autonomizável: o valor elevado não é autonomizável
porque não se subsume a nenhum tipo de crime.
Por fim, nos termos do n.º3 do artigo 359.º CPP, uma alteração substancial dos
factos poderá ser tomada em consideração pelo tribunal desde que o MP, o
arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento
pelos novos factos (raramente acontece!).
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 17
3. Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado estava no interior
da residência do ofendido, de onde António o retirou, tendo
arrombado a porta para se introduzir no seu interior. Pode o tribunal
dar como provado este facto e, em consequência, condenar António por
furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal)? Em
qualquer caso, o que deve fazer o juiz?
Considera-se referido para este caso tudo o que foi anteriormente indicado
quanto à pergunta n.º2, excepto a circunstância de o novo facto ser
autonomizável: o arrombamento da porta subsume-se ao crime de dano,
previsto e punido nos termos do artigo 212.º CP e ao crime de violação de
domcílio ou perturbação da vida privada, previsto e punido nos termos do
artigo 190.º CP.
4. Algumas testemunhas, vizinhos de António, afirmam que este, para
além do furto do objecto que lhe foi imputado na acusação, duas horas
depois, quando estava a chegar a casa e depois de ter ido almoçar com
uns amigos, se apropriou de um telemóvel de Duarte, que estava no
interior da sua viatura. Pode o tribunal dar como provado este facto e,
em consequência, condenar António por furto qualificado (art. 204.º,
n.º 1, al. b), do Código Penal), para além do furto simples? Em
qualquer caso, o que deve fazer o juiz?
(Acórdão do TC n.º 226/2008 e Ac. do STJ de 5.03.2008, Proc.
07P3259)
Acórdão do TC n.º 226/2008: pelo que se conclui pela não inconstitucionalidade da
norma do artigo 359.º CPP, na redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto,
interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na
acusação ou na pronúncia, resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em
relação ao objecto do processo – opondo-se o arguido à continuição do julgamento
pelos novos factos – o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em
curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela
totalidade dos factos.
PROCESSO PENAL – CASOS PRÁTICOS MESTRADO
FORENSE
Maria Luísa Lobo – 2013/2014 Page 18
Neste caso estamos face a uma alteração do objecto do processo, sendo um
crime completamente diferente daquele pelo qual António foi acusado. Deste
modo, estamos face a uma alteração substancial dos factos não podendo o
procesos prosseguir se não existir acordo (artigo 359.º/3 CPP). Os novos factos
correspondem a um novo objecto processual. A proibição que o artigo 359.º
consagra quanto ao facto de os factos que importem uma alteração substancial
não poderem ser tidos em conta pelo tribunal para efeitos de condenação deve-
se há existência do Princípio do Acusatório no nosso ordenamento jurídico
processual penal.
Poderia, contudo, existir competência por conexão subjectiva territorial se os
ambos os furtos tivessem ocorrido na área em que se situa a Comarca, sendo
que neste caso o juíz poderia determinar a sua apensação.