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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO RELAÇÕES DE FORNECIMENTO EM EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS Francisco Eduardo Barros Pires Mestrado em Administração Orientadora: Rebecca Arkader Rio de Janeiro 2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

RELAÇÕES DE FORNECIMENTO EM EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO

BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS

Francisco Eduardo Barros Pires

Mestrado em Administração

Orientadora: Rebecca Arkader

Rio de Janeiro

2003

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RELAÇÕES DE FORNECIMENTO EM EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS

Francisco Eduardo Barros Pires Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: ______________________________ - Orientadora

Prof. Rebecca Arkader COPPEAD-UFRJ ______________________________ Prof. Kleber Fossati Figueiredo COPPEAD-UFRJ ______________________________ Prof. Ricardo Miyashita FEN-UERJ

Rio de Janeiro

Março de 2003

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Pires, Francisco Eduardo Barros.

Relações de Fornecimento em Empreendimentos

Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de

casos / Francisco Eduardo Barros Pires. Rio de Janeiro, 2003.

viii, 126 f.: il.

Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Administração –

COPPEAD, 2003.

1. Produção Industrial. 2. Estratégia de Fornecimento.

2. Indústria Automobilística. 4. Dis sertação. I. Título

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iv

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Prof. Rebecca, cujas críticas, incentivos, cobranças, atenção

dedicada e, sobretudo, ensinamentos foram imprescindíveis para realização desta

pesquisa;

À minha família pelo constante apoio durante o longo período de maturação desta

dissertação;

Aos professores Kleber Figueiredo e Ricardo Miyashita por terem aceitado participar da

banca com tanta prontidão;

Ao Alexandre, Eduardo, Cláudio, Frederico e Fabrício pelas ótimas entrevistas

concedidas;

Ao Leandro Hasegawa e Leonardo Uehara pelas indicações que viabilizaram as

entrevistas;

A toda equipe do Centro de Estudos em Logística pelo apoio e pelo tempo concedido

para que eu pudesse me dedicar a esta dissertação.

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RESUMO

PIRES, Francisco Eduardo Barros. Relações de Fornecimento em Empreendimentos

Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de casos. Orientadora:

Rebecca Arkader. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação.

O setor automobilístico brasileiro tem vivenciado um movimento de

modernização sem precedentes nos últimos sete anos, gerando grande exposição na

mídia local e diversos estudos conduzidos pela comunidade acadêmica nacional e

internacional.

A presente pesquisa teve como objetivo investigar as principais características das

relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores adotadas nos

empreendimentos automobilísticos instalados no Brasil na segunda metade da década de

90. Mais especificamente, a pesquisa teve como objetivo verificar até que ponto os

empreendimentos automobilísticos recém-instalados no país estavam adotando políticas

de fornecimento condizentes com as melhores práticas do setor apontadas na literatura;

relatar eventuais dificuldades encontradas pelas montadoras na adoção das novas

práticas de fornecimento e identificar as vantagens competitivas percebidas a partir

destas formas de relacionamento.

Foram realizados estudos de caso em três dos grandes empreendimentos

automobilísticos recentemente instalados no Brasil. A partir das análises apresentadas

no estudo, pôde-se concluir que as políticas de fornecimento nos recentes

empreendimentos automobilísticos brasileiros têm se caracterizado por relações que

envolvem um longo horizonte de tempo, considerável grau de dependência mútua e, até

certo ponto, um compartilhamento de destinos entre montadoras e fornecedores. Não

obstante, o relacionamento tem também se caracterizado, em alguns momentos, por um

clima adversário devido a fortes pressões para revisão de preços.

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ABSTRACT

PIRES, Francisco Eduardo Barros. Relações de Fornecimento em Empreendimentos

Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de casos. Orientadora:

Rebecca Arkader. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação.

The Brazilian automotive industry has undergone a modernization revolution over the

last seven years, generating a great number of articles that were published at national

and international magazines. This modernization movement has been referred to as a

“learning lab” to automotive practices.

This work is aimed at investigating the main issues of the buyer-supplier relationship

adopted at the assemblers with recent installed plants in Brazil. More specifically, this

research aims to check if the practices adopted in these plants matches the best practices

referred to by the literature; to describe the difficulties in the adoption of buyer-supplier

relationship best practices and identify competitive advantages perceived from these

practices.

Field research was conducted at three of the big recent installed automotive plants in

Brazil. From the analysis presented at this research, one can conclude that the buyer-

supplier relationship implemented by these assemblers on their new Brazilian plants are

based on long time frame relationships, some level of mutual dependency, and, to some

extent, shared goals and destinies. The relationship, however, has also been

characterized, at certain moments, as adversarial, given the existing strong pressure

towards price reductions.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 1

1.1. OBJETIVO 4

1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO 4

1.3. RECENTES EMPREENDIMENTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA 6

2. REVISÃO DE LITERATURA 9

2.1. A CADEIA DE SUPRIMENTOS ENXUTA E GLOBAL 9

2.1.1. O Fornecimento Enxuto 9 2.1.2. O Fornecimento Globalizado 11 2.1.3. Mudanças no Posicionamento e Funções na Cadeia de Suprimentos 13 2.1.4. Evolução do Relacionamento entre Montadoras e Fornecedores 16

2.2 AS NOVAS PRÁTICAS NAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO 19

2.2.1. Reconfiguração da Base de Fornecedores 19 2.2.2. Informação, Capacitação e Tecnologia 31

2.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS EM NOVOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS 40

2.3.1. Os Caminhões e Ônibus da Volkswagen em Resende 40 2.3.2. O Carro Smart da Daimler-Benz na França 41 2.3.3. O Celta da General Motors no Rio Grande do Sul 42

2.4. AS NOVAS BASES DAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO – QUADRO CONCEITUAL 44

3. METODOLOGIA 48

3.1. PERGUNTAS DE PESQUISA 48

3.2. MÉTODO DE PESQUISA 49

3.3. ESCOLHA DOS CASOS 51

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3.4. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS 51

3.5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO 52

4. RESULTADOS 54

4.1. OS CASOS 54

4.1.1. A Montadora M1 54 4.1.2. A Montadora M2 67 4.1.3. A Montadora M3 81

4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 95

5. CONCLUSÕES 107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118

ANEXOS ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS MONTADORAS

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1. INTRODUÇÃO

O setor automobilístico brasileiro tem vivenciado um movimento de modernização sem

precedentes nos últimos sete anos, gerando tanto uma grande exposição na mídia local,

como diversos estudos realizados pela comunidade acadêmica nacional e internacional.

Estão aí envolvidas questões primordiais para a competitividade, tais como ganhos de

produtividade, iniciativas pioneiras no relacionamento montadoras-fornecedores,

aumento da capacidade produtiva e instalação de empreendimentos automobilísticos em

áreas tradicionalmente sem expressão neste setor industrial.

Como pano de fundo destas mudanças poderiam se citar, entre outros, os seguintes

eventos: a entrada de novos players no mercado brasileiro; a guerra fiscal entre estados

visando captar investimentos do setor; as fortes desvalorizações da moeda brasileira

ocorridas em 1999 e 2002; o acordo automotivo para o bloco econômico do Mercosul

(Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil); o ainda tímido avanço do Brasil como pólo

exportador de automóveis e as freqüentes oscilações ocorridas nas vendas internas nos

últimos sete anos.

Estas questões ajudam a traçar o atual cenário do setor automotivo brasileiro, cujas

mudanças estruturais parecem dever-se a uma adaptação progressiva aos novos

paradigmas mundiais referentes aos métodos de produção enxuta e suas conseqüências

sobre o relacionamento entre as montadoras e seus fornecedores. A filosofia e os

métodos de produção enxuta – desenvolvidos pelos japoneses a partir da década de 50 e

difundidos nos Estados Unidos a partir dos anos 80 – foram de fundamental importância

para o surgimento de novas formas de se conduzirem as relações de fornecimento no

setor automobilístico mundial. Práticas como o envolvimento dos fornecedores no

desenvolvimento de novos produtos, a produção e conseqüente entrega em pequenos

lotes em bases just in time, os contratos de longo prazo, os relacionamentos exclusivos e

a maior proximidade física dos fornecedores foram desenvolvidas a partir dos princípios

da produção enxuta, tendo como conseqüência direta aumentos de produtividade,

flexibilidade, rapidez e qualidade na indústria automotiva.

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No Brasil, a adaptação do setor automotivo às novas formas de produção de veículos e

suprimento de componentes teve início, ainda que de forma tímida, a partir do final dos

anos 80, com a implementação pela Fiat de uma reconfiguração de sua base de

fornecedores junto a sua fábrica em Betim, em Minas Gerais, possibilitando a produção

em pequenos lotes e a utilização de práticas de just-in-time em parte do seu

fornecimento (FERRO, 1997).

A primeira metade dos anos 90 foi caracterizada por intenso processo de modernização

da indústria automobilística. Calcado no aumento da escala de produção, difusão das

técnicas de produção enxuta, novo enfoque para políticas de suprimento de autopeças e

maior automação, este processo resultou em significativo aumento de produtividade no

setor: o tempo de montagem de um veículo reduziu-se de 48 para 33 horas e a produção

por empregado elevou-se de 7,2 para 16,1 veículos/ano (FERRO, 1995).

O final dos anos 90 foi caracterizado por uma verdadeira revolução na indústria

automobilística brasileira que, a partir da construção de nove novas modernas fábricas –

ao custo total de aproximadamente US$ 5 bilhões (SIEKMAN, 2000) -, tem sido

referenciada como um grande laboratório de novas arquiteturas organizacionais de

relacionamento com fornecedores, que poderão, eventualmente, ser replicadas em outras

fábricas no mundo inteiro. Conforme tem sido veiculado em reportagens na imprensa

nacional e internacional, em nenhum outro lugar no mundo foram adotadas tantas

novidades ao mesmo tempo1. Dentre as características citadas nestas matérias, podem-se

ressaltar a adoção de novos conceitos de logística interna e externa, inovações

tecnológicas na área de produção, proximidade física e co- localização de fornecedores,

práticas de fornecimento em módulos e maiores investimentos no treinamento dos

operários.

1 Siekman, P. ,“No Brasil o melhor das montadoras”, Fortune Américas, 25.01.2000, p.9-12; Tim, B., “Ford to farm out key jobs in final assembly: Carmaker’s chief executive sees move as the model for future manufacturing”, Financial Times,04.09.1999; Edmunds, B., “Assembly gets even leaner”, Professional Engineering, 09.09.2000; Green, J. Manufacturing Revolution Underway in Brazil. Ward’s Auto World, August 1998.

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Além disso, formou-se, no final dos anos 90, uma nova geografia da produção

automotiva no Brasil (FERRO, 1997). A instalação de novos pólos automotivos no

Paraná (S.J. dos Pinhais), Rio de Janeiro (Porto Real e Resende), Minas Gerais (Juiz de

Fora), Rio Grande do Sul (Gravataí) e Bahia (Camaçari) alterou sobremaneira a

configuração geográfica do setor, antes marcadamente concentrado em São Paulo, e

mudou também as características das relações com os operários, que nos novos locais

tendem a ser menos sindicalizados. Como um dos elementos motivadores para a

instalação dessas fábricas em locais de pouca tradição na indústria automobilística

brasileira pode-se ressaltar a atuação dos governos desses estados, que criaram

incentivos financeiros e fiscais para atrair os novos empreendimentos.

Vale ressaltar ainda que, concebidas durante os anos de 1996-97, quando a alta na

demanda de carros indicava que o mercado doméstico brasileiro poderia atingir vendas

de 2,5 milhões no período entre 2000-02, as novas fábricas já sentem a queda nas

vendas – que em 2000 ficaram em torno de 1,68 milhão e em 2001 em torno de 1,79

milhão (ANFAVEA, 2002) - e começam a ser confrontadas com grave problema de

supercapacidade da produção local. A necessidade de se tornar competitiva globalmente

surge, então, como fator premente para o sucesso da indústria automobilística brasileira,

que deve ser capaz de exportar sua capacidade excedente não só para os países do

Mercosul como também para o resto do mundo.

Os padrões de relacionamento com fornecedores nos recentes empreendimentos

automotivos instalados no Brasil, como um dos elementos que contribuem para a

competitividade desta indústria, constitui o tema deste trabalho.

Nesta pequisa, apresenta-se, inicialmente, uma revisão de literatura acerca das

principais tendências e práticas de fornecimento na indústria automobilística brasileira e

mundial. Nesta etapa é apresentado, adicionalmente, um modelo conceitual que resume

as novas bases das relações de fornecimento. Posteriormente, são apresentadas as

perguntas que se objetiva responder com este estudo e também o método de pesquisa

escolhido. Por fim, são apresentados um descritivo das informações obtidas nas

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entrevistas realizadas, uma análise dos resultados obtidos a luz do modelo conceitual e

as conclusões finais desta pesquisa.

1.1. OBJETIVO

A presente pesquisa tem como objetivo investigar as principais características das

relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores adotadas nos

empreendimentos automobilísticos instalados no Brasil a partir da segunda metade da

década de 90. Mais especificamente, a pesquisa tem como objetivo verificar até que

ponto os empreendimentos automobilísticos recém-instalados no país estão adotando

políticas de fornecimento condizentes com as melhores práticas do setor apontadas na

literatura; relatar eventuais dificuldades encontradas pelas montadoras na adoção de

novas práticas de fornecimento e identificar as vantagens competitivas percebidas a

partir destas formas de relacionamento.

A partir de uma pergunta de pesquisa geral: “Como se caracterizam os relacionamentos

entre as montadoras e seus fornecedores nos novos empreendimentos automobilísticos

no Brasil?”, a pesquisa foi orientada a questões específicas relativas à identificação das

práticas relativas ao paradigma de fornecimento enxuto que estão sendo adotadas, das

facilidades e barreiras encontradas para a implementação de novas práticas de

fornecimento, do grau de integração operacional e estratégico entre montadora e

fornecedores e do reflexo das políticas de fornecimento no desempenho dos novos

empreendimentos e na competitividade deste setor industrial.

1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO

A relevância do presente estudo é decorrente das implicações das relações de

fornecimento para a competitividade industrial. Mais especificamente, pode-se dizer

que este estudo é relevante porque se propõe a verificar a adequação dos modelos de

fornecimento propostos na literatura aos recentes empreendimentos automobilísticos no

Brasil.

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É importante ressaltar, adicionalmente, tratar-se de tema altamente presente na literatura

internacional e nacional, em revistas especializadas ou não, mas ainda objeto de poucos

estudos empíricos. Há, portanto, inúmeras questões acerca do mesmo ainda não

respondidas nos estudos nacionais e internacionais.

O trabalho de Arkader (1997), que investiga a introdução de novas práticas nas relações

de fornecimento na indústria automobilística brasileira, pode ser considerado marco

para o presente estudo que, apesar de não ter como objetivo uma atualização daquele

para a nova realidade da indústria automobilística nacional, tem como ponto de partida

algumas análises ali realizadas. Mais especificamente, as análises das relações de

fornecimento dos quatro tradicionais fabricantes de automóveis no país foram de grande

importância para o entendimento da realidade brasileira pré- instalação desses novos

empreendimentos.

Pode-se supor que os empreendimentos mais recentes, que começam a partir de novas

instalações2, já adotem em sua concepção conceitos mais colaborativos de

relacionamento com fornecedores, buscando, a partir de uma visão de gerenciamento da

cadeia de suprimentos (supply chain management) uma maior eficiência operacional ao

longo da mesma e uma conseqüente vantagem nos seus custos totais.

Considerada como um grande laboratório de novas e modernas práticas de produção e

de relações de fornecimento (SIEKMAN, 2000), a indústria automobilística brasileira

vem, como se viu, ganhando notoriedade e espaço na mídia especializada internacional.

Segundo Green (1998, p.30), por exemplo, “no coração do país mais populoso da

América do Sul, montadoras e fornecedores de autopeças estão se aproveitando de mão-

de-obra flexível e produção em baixa escala para criar um laboratório de aprendizado a

partir do qual espera-se tirar lições para serem aplicadas em outras fábricas ao redor do

mundo”.

2 Usualmente denominados de “greenfield”

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O estudo do relacionamento de compra e venda entre os novos empreendimentos

automobilísticos e as empresas de autopeças surge, portanto, como questão relevante

para um melhor entendimento das particularidades desse laboratório de aprendizado.

A relevância do estudo é tanto maior devido à significativa participação do setor

automobilístico como um todo no Produto Interno Bruto Industrial do país –

aproximadamente 15,3% em 2000 (ANFAVEA, 2001) -, e da geração, pela indústria

automobilística, de aproximadamente 265 mil empregos (SILVA, 2000; e

SINDIPEÇAS 2002; ANFAVEA 2002).

1.3. RECENTES EMPREENDIMENTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

BRASILEIRA

Um resumo sucinto das principais características dos empreendimentos automobilísticos

instalados no Brasil desde 1997 é apresentado a seguir 3, para ilustrar o atual panorama

desta indústria no país4.

1.3.1. Honda

Planta Modelos Inauguração Investimento (U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Sumaré-SP

Civic Sedan

Outubro 1997

300 milhões 30.000 veículos

20.564 veículos

69%

1.3.2. Toyota

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Indaiatuba-SP

Corolla Setembro 1998

150 milhões 24.000 veículos

18.572 veículos

77%

3 Fonte: Anfavea 2003, Siekman, P. ,“No Brasil o melhor das montadoras”, Fortune Américas, 25.01.2000, p.9-12;

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1.3.3. Renault-Nissan

Planta Modelos Inauguração Investimento (U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

São José dos

Pinhais-PR

Scenic, Clio,

Frontier

Dezembro 1998

670 milhões 120.000 veículos

50.465 veículos

42%

1.3.4. Volkswagen-Audi

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

São José dos

Pinhais-PR

Golf, Audi A3

Janeiro 1999

700 milhões 170.000 veículos

84.564 veículos

50%

1.3.5. Daimler – Chrysler

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Juiz de Fora-MG

Classe A Abril 1999 820 milhões 70.000 veículos

8.168 veículos

12%

1.3.6. General Motors

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Gravataí- RS

Celta Julho 2000 600 milhões 120.000 veículos

109.798 veículos

91%

1.3.7. Peugeot-Citröen (PSA)

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Porto Real-RJ

Peugeot 206 e

Picasso

Janeiro 2001

600 milhões 70.000 veículos

48.193 veículos

69%

4 As plantas apresentadas estão ordenadas pela data de inauguração - da mais antiga para a mais recente. A planta da

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1.3.8. Ford

Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)

Capacidade produção anual

Produção ano 2002

Produção / Capacidade

Camaçari-BA

Fiesta Outubro 2001

1,3 bilhões 250.000 veículos

~56.500 veículos

23%

Chrysler em São José dos Pinhais, fechada em 2001, não foi abordada neste resumo.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

O objetivo deste capítulo é apresentar as principais tendências de fornecimento na

indústria automobilística. Para tanto, inicia-se, a partir de uma visão mais estratégica,

com o que a literatura especializada identifica como sendo características modernas da

cadeia de suprimentos do setor. Em seguida, são apresentadas as práticas de

fornecimento consideradas pela literatura como best practices dessa indústria. São,

então, identificados e descritos os estudos anteriores referentes aos novos e modernos

empreendimentos automobilísticos mundiais. Por fim, é montado um quadro conceitual

que busca resumir as principais características, identificadas na literatura, para as novas

bases das relações de fornecimento. Este quadro tem como principal objetivo orientar a

pesquisa de campo e as respostas às questões tratadas neste estudo.

2.1. A CADEIA DE SUPRIMENTOS ENXUTA E GLOBAL

2.1.1. O Fornecimento Enxuto

O conceito de fornecimento enxuto, que se baseia em uma estratégia colaborativa ao

invés de antagônica (WOMACK et al, 1991), tem suas origens no Japão, refletindo uma

nova forma de se realizar o suprimento de componentes na produção enxuta

(LAMMING, 1993). Segundo Arkader (1997, p.74), “A terminologia e o conceito de

lean supply ou fornecimento enxuto surgiram a partir das práticas de fornecimento

identificadas com a produção enxuta”.

Womack et al. (1991), em seu livro seminal que difundiu no Ocidente o conceito de

produção enxuta – A Máquina que Mudou o Mundo – apresentam o conceito de

fornecimento enxuto como sendo a solução encontrada pela Toyota nos anos 50 para

estabelecer um novo enfoque para combate ao desperdício no suprimento de

componentes. As práticas introduzidas pela Toyota foram ali relatadas como sendo

baseadas em redução do número de fornecedores diretos da montadora; organização de

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fornecedores em níveis funcionais com diferentes graus de responsabilidade;

partic ipação de fornecedores de primeiro nível no projeto de novos produtos; fluxo

horizontal de informações entre fornecedores de primeiro nível; coordenação do fluxo

de peças através do sistema just-in-time; participação acionária da montadora nas

empresas fornecedoras; financiamento para compra de maquinaria e compartilhamento

de recursos humanos.

Lamming (1993), em seu livro sobre estratégias para inovação e fornecimento enxuto,

considerou o modelo de fornecimento japonês, descrito acima, como limitado, uma vez

que as montadoras e os fornecedores desenvolveram em quase todos os casos um

relacionamento semelhante ao de parceiros seniores e juniores, ficando a colaboração

prejudicada pelo desbalanceamento de força entre eles. O modelo proposto por esse

autor para o fornecimento enxuto é baseado em uma modificação e extensão do modelo

japonês de parceria e formação de grupos de fornecedores - ou keiretsu5- em que se

sobressaem o aparecimento de fornecedores maiores e mais capazes; a presença desses

fornecedores em outros mercados para diversificação de risco e a necessidade de se

operar globalmente.

Um grande número de práticas mais colaborativas de fornecimento foram sendo

consolidadas mundialmente na indústria automobilística ao longo das décadas de 80 e

90 (CUSUMANO E TAKEISHI 1991, SAKO 1992, LAMMING 1993, NEW 1994).

Dentre estas podem-se citar a duração mais longa dos contratos, a redução na base de

fornecedores, a alteração nos critérios de seleção e avaliação de fornecedores, a política

de desenvolvimento de fornecedores, o aumento na freqüência e intensidade de troca de

informações entre as partes, o maior envolvimento dos fornecedores em projeto e

engenharia, as práticas de entregas freqüentes – just-in-time - e investimento em ativos

específicos.

5 Configuração de re lacionamento inter-firmas com fornecedores horizontalmente conectados e verticalmente integrados (LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998).

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2.1.2. O Fornecimento Globalizado

Conforme mencionado por Santucci (1997), a indústria automobilística, antes baseada

em regiões, tranformou-se, nos últimos 15 anos, em uma indústria globalizada.

Anteriormente, a existência de uma produção de veículos local, com modelos

significativamente diferentes em cada país, não exigia que determinados componentes

fossem fornecidos por uma mesma empresa em nível global. Com a crescente produção

de plataformas comuns de veículos em várias regiões, surge uma lógica econômica para

a contratação de fornecedores globais para um componente específico ou um conjunto

de componentes.

O conceito de fornecimento global e de operações globalizadas é discutido por

Lamming (1993) em seu modelo de fornecimento enxuto, que considera que parte do

relacionamento de fornecimento deve ser baseado na disposição, por parte do

fornecedor, de prover serviços locais para a montadora em qualquer lugar no mundo.

Desta maneira, um fornecedor pode ser responsável por colaborações técnicas no

projeto de um motor ou automóvel desenvolvido em um determinado país e montado

em outro. Assim, qualquer fornecedor de primeiro nível que tenha bom desempenho

apenas em seu país de origem e não ofereça serviços similares em qualquer outro ponto

do mundo não seria considerado um competidor completo (LAMMING, 1993).

A adoção do fornecimento globalizado pode, adicionalmente, resultar na necessidade de

reformulação de estratégias corporativas anteriormente baseadas em troca de

informação e propriedade intelectual, como é o caso do relacionamento nas estruturas

de keiretsu (LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998). Um caso emblemático da

dificuldade de se manter um relacionamento montadora-fornecedor caracterizado por

alto grau de abertura de informações e conhecimento, em tempos de operações de

fornecimento globalizadas, seria aquele entre a Toyota japonesa e seu fornecedor Denso

Corp. (ex-Nippondenso). A partir da globalização do fornecimento da Denso, a forte

atuação do braço americano desta companhia (Denso International America, Inc.)

naquele mercado passou a incomodar a Toyota que, por sua vez, começou a temer pelo

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vazamento de informações para seus concorrentes no território americano. O

enfraquecimento do comprometimento da Denso motivou a Toyota, detentora de 24%

de suas ações, a buscar novos fornecedores e a reduzir o grau de dependência existente

(LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998).

A recente estratégia das montadoras, visando reativar as vendas por meio de redução de

custos e aumento da variedade de modelos, seria consistente com a postura de se operar

globalmente com pequeno número de plataformas, a partir das quais as montadoras dão

origem a um grande número de modelos, e com a redução do número de fornecedores a

apenas aqueles com capacitação tecnológica e financeira para participar dos projetos

dos carros a serem produzidos globalmente (GAZETA MERCANTIL, 1997). Berry

(1999) ressalta que as montadoras estão se globalizando no que se refere a peças e não a

veículos, o que é coerente com a redução no número de plataformas produzidas ao

mesmo tempo em que se viabiliza o aumento no número de produtos ofertados ao

mercado.

Existe a expectativa, por parte de especialistas do mercado automotivo, de que a onda

de fusões no setor de autopeças venha a mudar sobremaneira a estrutura da indústria

(GAZETA MERCANTIL, 1997; VAN HOEK AND WEKEN, 1998; GALUZKA et al,

1999). Galuszka et al (1999), por exemplo, indicam a previsão de executivos da

indústria de que a base de fornecedores globais de primeiro nível deva se reduzir de

mais de mil empresas para cerca de 25 fornecedores financeiramente sólidos. Estes

fornecedores globais de primeiro nível seriam, na verdade, montadores de subsistemas

ou módulos que seriam produzidos a partir de componentes contratados aos seus

fornecedores de segundo nível. Ainda segundo este relato, o aumento da concentração

de fornecedores tenderia a fazer com que as montadoras se defrontassem com um

pequeno número de fornecedores de grande porte e com maior poder de barganha do

que os antigos fornecedores, conforme será discutido no item 2.1.4 mais adiante.

Adicionalmente, o movimento de aquisições e fusões no setor vem motivando o

aumento no grau de envolvimento dos fornecedores na agregação de valor ao produto

final (Baldwin e Clark, 1997). Estes mesmos autores relatam o caso dos fornecedores

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Lear Seating Corporation, Magna International e Johnson Controls, que vêm comprando

outros fornecedores do setor, cada um tentando alcançar a liderança no setor de

fornecimento de bancos e módulos do interior dos carros.

No Brasil, segundo Santos (1996), os efeitos do fornecimento globalizado começaram a

ser percebidos a partir da vinda de novas montadoras para o país. Como a escolha dos

fornecedores para estes novos projetos geralmente se deu fora do país e resultou de

políticas de follow sourcing 6, as empresas brasileiras ficaram em desvantagem, tendo

que, quase que por uma imposição, associar-se aos principais fornecedores mundiais.

Ainda segundo este autor, uma provável conseqüência do aumento da concorrência de

empresas mundiais e da política de follow sourcing seria a de que algumas empresas

nacionais tivessem que passar a fornecer indiretamente, através de um fornecedor

estrangeiro, ou de capital estrangeiro, de primeiro nível.

2.1.3. Mudanças no Posicionamento e Funções na Cadeia de Suprimentos

O conceito de cadeia de suprimentos propõe que a competição no mercado ocorre, de

fato, no nível das cadeias produtivas e não apenas no das unidades de negócios isoladas

(ZIELKE E POHL, 1996). Segundo Pires (1998), o modelo competitivo atual, baseado

nas cadeias produtivas, tem levado a reformulações nas atividades de agregação de

valor em algumas indústrias. No caso da indústria automobilística, parte daquelas

tradicionalmente realizadas pelas montadoras tem sido transferida para seus

fornecedores diretos ou de primeiro nível, possibilitando às montadoras um melhor foco

no seu core business - não incluindo aí, necessariamente, o projeto e montagem de

veículos e motores (LAMMING, 1993).

Conforme salientado por Berry (1999), as montadoras estariam cientes de que a sua

maior oportunidade atual relacionada à economia de custos estaria no gerenciamento

eficiente da sua cadeia de suprimentos. Como parte deste movimento de melhor

gerenciamento da cadeia de fornecedores, Galuszka et al. (1999) citam a tendência de

6 Política em que o fornecedor segue geograficamente a montadora visando fornecer sua peça, para determinado carro, em qualquer lugar do mundo

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os novos fornecedores de primeiro nível serem capazes de realizar cada vez mais

trabalhos de maior valor agregado, incluindo o projeto de engenharia e a produção de

seções inteiras dos automóveis, como o chassi e o sistema de direção.

Um modelo proposto por Lamming (1993) representa a evolução prevista para a

transferência das atividades de adição de valor no curto, médio e longo prazos na

indústria automobilística. Segundo este modelo, a montadora irá identificar o seu core

business e concentrará esforços nele; os fornecedores de primeiro nível irão absorver

parte do trabalho técnico repassado pela montadora e controlarão uma maior parte da

adição de valor na cadeia e os fornecedores de segundo nível irão continuar sendo

considerados apenas uma capacidade produtiva elástica até conseguirem desenvolver

capacitação técnica suficiente para começar a absorver parte da responsabilidade técnica

que já estará sobrecarregando os fornecedores de primeiro nível. A figura 2.1., a seguir,

resume o modelo proposto por Lamming (1993, p.213):

Figura 2.1. – Modelo Proposto por Lamming para o Posicionamento de Fornecedores na

Cadeia de Suprimentos da Indústria Automobilística

Montadora Primeiro Nível Segundo Nível

Longo Prazo

Responsabilidade Tecnológica

Montadora Primeiro Nível Segundo Nível

Curto Prazo

Responsabilidade Tecnológica

Montadora Primeiro Nível Segundo Nível

Médio Prazo

Responsabilidade Tecnológica

Alta

Média

Baixa

Nenhuma

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Como conseqüência das novas atribuições dos fornecedores e montadores na cadeia de

suprimentos, um novo equilibrio de poder está surgindo (VAN HOEK E WEKEN,

1998). Diante desta nova realidade, o desafio para as montadoras seria:

“assegurar sua posição de liderança na cadeia, ao mesmo tempo em que permanecem dependentes de fornecedores que realizam a maior parte das tarefas operacionais na cadeia de suprimentos. De maneira a melhorar sua posição e o desempenho de toda a cadeia, as montadoras, como a Mercedes, devem focar a coordenação e integração dos participantes da cadeia utilizando sua visão global da tecnologia, processo de produção e especificação da arquitetura da linha de produção” (VAN HOEK E WEKEN, 1998, p.9).

A tendência apontada pela literatura (VAN HOEK E WEKEN, 1998; BALDWIN E

CLARK, 1997; SALERNO, DIAS E ZILBOVICIUS, 1999) é, portanto, a de

transformar a montadora em gerente do projeto, com menos atividades próprias de

montagem e logística.

Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) sugerem que a partir do aumento das atividades de

projeto a serem realizadas pelos fornecedores, a tendência seria de uma menor

ingerência da montadora no controle dos custos de cada módulo, já que não seria mais

possível acompanhar o preço individual de cada peça componente do módulo.

Uma questão com conseqüências ainda mais estruturais é levantada por van Hoeck e

Weken (1998, p.46): “será possível para as montadoras manter a ponta em projeto e

desenvolvimento quando for aumentada a parcela de atividades realizadas por terceiros

e fornecedores?”. Ainda segundo van Hoeck e Weken (1998), a relação de poder do

setor, que sempre tendeu fortemente para o lado das montadoras, teria tido seus

fundamentos alterados a partir do estabelecimento, na década de 90, de relações de

interdependência baseadas em contratos de longo prazo, resultantes principalmente das

pressões competitivas no setor, que teriam levado a um maior envolvimento dos

fornecedores na cadeia produtiva.

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Cabe citar novamente o caso de relacionamento entre a montadora Toyota e seu

fornecedor de primeiro nível Denso Corp. (ex-Nippondenso), relatado por Lincoln,

Ahmadjian e Mason (1998). Observou-se uma mudança de curso na conhecida

estratégia da montadora japonesa de se concentrar apenas no projeto e montagem de

carros sedans e terceirizar para seus fornecedores de primeiro nível, pertencentes a uma

forte estrutura de keiretsu, o desenvolvimento de grande parte de suas peças. A

mudança estratégica adotada pela Toyota foi a de verticalizar parte da produção de

peças eletrônicas, uma fonte de diferenciação competitiva cada vez maior nos

automóveis. Dois motivos poderiam ser apontados como causa desta guinada na

estratégia da Toyota: a relutância à dependência tecnológica em um item que não

dominava e que se tornava parte integrante do projeto e produção de automóveis e o

enfraquecimento do relacionamento montadora-fornecedor causado pelo crescente

envolvimento da Denso com os rivais americanos da montadora.

2.1.4. Evolução do Relacionamento entre Montadoras e Fornecedores

O estudo de Lamming (1993) relativo ao relacionamento cliente-fornecedor na indústria

automobilística propõe um modelo conceitual que caracteriza quatro fases cronológicas

no relacionamento entre montadoras e fornecedores. Esse modelo propõe as seguintes

fases: primeira fase – modelo tradicional, anterior a 1975: o fornecedor e o cliente

existem em indústrias separadas e só se encontram para realizar um negócio, o nível de

pressão é baixo e as renegociações são jogos ganha-perde; segunda fase – modelo de

stress, entre 1972 e 1985: tentativa desesperada de se cortar custos unitários através de

pressões sobre os preços praticados pelos fornecedores, a renegociação de preços se dá

através de jogos perde-perde; terceira fase – modelo resolvido, a partir de 1982:

melhorias no relacionamento fornecedores-montadora, com critérios de fornecimento se

baseando em preço, qualidade e entrega. A renegociação de preços é ganha-perde ;

quarta fase – modelo de parceria ou japonês, a partir de 1990: visão de gerenciamento

da cadeia de suprimentos e relacionamentos de longo prazo do tipo ganha-ganha.

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Apesar de este modelo de Lamming ser apresentado segundo uma cronologia, o estudo

de Sako, Lamming e Helper (1995) aponta que na indústria automobilística britânica

estariam co-existindo modelos de parceria – originados da implantação de subsidiárias

de fabricantes japoneses neste país- com atitudes características de relacionamentos

adversários.

Ainda sobre a indústria automobilística britânica, Burnes e New (1997) realizaram um

estudo de caso sobre o relacionamento estratégico e operacional em uma parceria entre

a montadora Rover e o fornecedor TRW Steering Systems Ltd., em que, apesar de todos

os relatos sobre o sucesso do relacionamento em um nível operacional, ficou evidente

que no nível estratégico não houve o desenvolvimento de confiança e transparência,

afetando, inclusive, as negociações financeiras entre as empresas: “Apesar da

interdependência operacional entre as empresas, negociações de custos e outros

assuntos de alto nível podem ser conduzidos de maneiras não muito distintas de

negociações comerciais adversárias” (BURNES E NEW, 1997, p.15).

O estudo de Mudambi e Helper (1998) sobre as relações de fornecimento na indústria

automobilística americana descreve o modelo de relações “próximas mas adversárias”

como sendo típico nesse mercado. No estudo são utilizados dados de uma pesquisa

sobre relações de fornecimento nos EUA - realizada pelo International Motor Vehicle

Program (IMVP) em 1993 - a partir do qual testes estatísticos foram realizados para

comprovar a existência de um quadro de cooperação formal acompanhada de

comportamento não colaborativo. Segundo Mudambi e Helper (1998), dada a existência

no Ocidente de uma instituição legal muito mais forte do que a social, não é

surpreendente que os esforços cooperativos tenham se focado inicialmente em

mecanismos regulatórios. O próximo passo em direção a um quadro de maior

cooperação e confiança, em que os mecanismos legais se tornam secundários em

relação ao comprometimento informal, seria a criação de networks sociais.

Arkader (1997), em seu estudo sobre o relacionamento entre montadoras e fornecedores

na indústria automobilística brasileira, identificou duas dimensões principais para

caracterizar seu modelo descritivo da trajetória na direção do fornecimento enxuto ou de

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parceria, as quais são: “a visão estratégica do fornecimento, ou a integração estratégica

dos fornecedores às montadoras, e a integração operacional estabelecida entre

montadoras e seus fornecedores” (ARKADER, 1997, p.327). Nesta pesquisa indica-se

que a caracterização de um modelo de fornecimento enxuto só se realiza efetivamente

quando há, no âmbito da montadora, uma convergência das estratégias de operações e

compras/relacionamento que chega a integrá-la operacional e estrategicamente à sua

base de fornecedores.

Esta mesma autora relata que a situação da indústria brasileira à epoca seria de

transição, com avanços modestos na direção de um modelo de fornecimento enxuto e

visão integrada de cadeia de fornecimento:

“[no Brasil] O hiato entre retórica e realidade na percepção dos relacionamentos mostra que ainda se está longe, de um modo geral, de uma integração de fornecedores às montadoras pela adoção de políticas de compras e relacionamento que considerem estrategicamente o papel dos fornecedores na busca de competitividade. Ou seja, os efeitos de eficiência pela integração operacional estariam sendo buscados sem se avançar necessariamente na direção de uma integração estratégica através da formação de redes montadora-fornecedores” (ARKADER, 1997, p.340).

Não obstante, determinada montadora brasileira é descrita por Arkader (1997) como

estando em um estágio mais avançado na integração estratégica que as suas

concorrentes. Nesse caso, a “inspiração no modelo japonês, aliada a uma cultura

organizacional e a uma estrutura favoráveis, age para encaminhar a montadora na

direção de uma integração convergente, tendo em vista a visão gerencial estratégica do

papel dos fornecedores como sustentação de ganhos de capacidade e alcance de

flexibilidade” (ARKADER, 1997, p.340).

Conforme colocado por Mudambi e Helper (1998), o desenvolvimento de confiança

entre montadora e fornecedores é muito difícil de ser imitado, podendo garantir uma

vantagem competitiva sustentável para as empresas. Ainda segundo esses autores, esse

tipo de confiança é mais difícil de ser obtida em algumas sociedades do que em outras,

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sendo que quando obtida em sociedades em que o ambiente hostil à cooperação é a

norma, pode-se auferir vantagens competitivas ainda mais ressaltadas.

2.2 AS NOVAS PRÁTICAS NAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO

2.2.1. Reconfiguração da Base de Fornecedores

2.2.1.1. Seleção de Fornecedores

A seleção de fornecedores é considerada como a principal tarefa do departamento de

compras de uma empresa (MONCZKA et al., 1998), sendo seu principal objetivo a

“redução de risco e a maximização do valor para o comprador” (MONCZKA et al.,

1998, p.239). Este processo envolve uma série de variáveis estratégicas tais como

duração do relacionamento com o fornecedor, a escolha entre fornecedores nacionais

ou internacionais, o número de fornecedores e o tipo de produto (ELLRAM apud

ARKADER e LINDNER, 2001).

Sendo uma decisão que envolve análises multi-critérios, a seleção de fornecedores se

torna complicada por três motivos. O primeiro seria uma grande gama de opções de

fornecedores. Por exemplo, se o decisor tem 10 possíveis fornecedores para escolher

mas quer trabalhar com apenas três deles, então existem 120 possibilidades. Em

segundo lugar, em uma análise multi-critérios, geralmente não existe um fornecedor que

tenha o melhor desempenho em todas as variáveis analisadas, o que obriga à

comparação de desempenho em várias dimensões distintas. O terceiro motivo advém do

fato de que fornecedores podem alterar seu desempenho em critérios relevantes através

de investimentos específicos (WEBER, CURRENT e DESAI, 2000).

Dyer (2000), em seu estudo sobre a confiança no relacionamento entre montadoras e

fornecedores nos Estados Unidos, Coréia e Japão, conclui que os processos que as

montadoras usam para selecionar fornecedores para um novo modelo de carro pode

influenciar fortemente a relação de confiança que se estabelece entre este e o fornecedor

escolhido. Neste caso, é esperado que a confiança surja a partir de rotinas previsíveis e

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consistentes do departamento de compras, que não promove trocas oportunísticas de

fornecedores.

A utilização de contratos de longo prazo na seleção de fornecedores é também apontada

por Dyer (2000) como tendo uma forte correlação positiva com o nível de confiança do

fornecedor escolhido.

Dyer, Cho e Chu (1998), em seu artigo sobre a segmentação estratégica de

fornecedores, descrevem os dois modelos de seleção de fornecedores amplamente

difundidos tanto por pesquisa acadêmica quanto pela prática de mercado. Aquele

considerado como “tradicional” ou modelo arm’s-length advoca a minimização da

dependência de fornecedores e a maximização do poder de barganha através de

contratos de curto prazo, frequentes “tomadas de preço” (rebidding), baixo nível de

troca de informação e investimentos em ativos específicos e aumento do número de

fornecedores.

O outro modelo transcende a etapa de seleção de fornecedores e é muitas vezes

chamado de modelo de parceria ou relacionamento japonês. O processo de seleção para

este tipo de envolvimento entre cliente-fornecedor envolve características como pré-

seleção baseada em multiplos critérios, contratos de longo prazo, foco no custo total do

fornecimento, fornecedor único com envolvimento no projeto, avaliação de desempenho

complexa e investimentos substanciais em mecanismos de coordenação e ativos

específicos (DYER, 1996).

Cox (2001) também se refere a dois modelos antagônicos de escolha de fornecedores

visando a melhor apropriação de valor das relações de fornecimento. O primeiro modelo

visa uma alavancagem na negociação com os fornecedores de primeiro nível, através de

ganhos de escala e ameaças de troca de fornecedores. O segundo modelo é baseado em

uma visão de gerenciamento integrado da cadeia de fornecimento e busca na etapa de

seleção identificar aqueles fornecedores com potencial para serem desenvolvidos pró-

ativamente, visando uma alteração radical nas ofertas de fornecimento obtidas pelo

comprador.

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Uma aplicação prática destes dois modelos pode ser identificada na indústria

automobilística, onde a General Motors tem, historicamente, utilizado um modelo

adversário de seleção de fornecedores, enquanto a Toyota tem empregado um modelo

de parceria. No caso da General Motors, durante o comando de Jose Ignacio Lopez de

Arriortua, fala-se de economias de curto prazo da ordem de U$3 a 4 bilhões a partir do

incentivo à competição entre fornecedores. Já no caso da Toyota, sua filosofia de

seleção de fornecedores para parcerias de longo prazo tem resultado em ganhos

expressivos em reduções de estoque, qualidade e velocidade de desenvolvimento de

novos produtos (DYER, CHO e CHU, 1998).

Conforme mencionado por Cox (2001), o desenvolvimento de uma competência efetiva

na seleção de fornecedores requer que os profissionais possuam um conhecimento das

ferramentas e técnicas que norteiam tanto o modelo adversário de seleção de

fornecedores (modelo arm’s length) quanto a seleção para futuro desenvolvimento de

fornecedores (modelo de parceria). Mais do que isto, esta competência requer que os

profissionais entendam as circunstâncias de poder em que eles estão, para então decidir

qual modelo de escolha de fornecedores devem buscar.

2.2.1.2. Redução da Base de Fornecedores

Há uma tendência na literatura em indicar que o novo paradigma de fornecimento

implica uma menor base de fornecedores para o cliente final (ARKADER, 1997). Uma

motivação econômica para esta redução estaria na criação de valor pela existência de

economias de escala e benefícios de curva de experiência que diminuem tanto os custos

de transação quanto os custos de produção (DYER e OUCHI, 1993).

Dyer, Cho e Chu (1998) ressaltam que os custos administrativos ou transacionais

associados com o gerenciamento de um grande número de fornecedores tipicamente são

maiores que os bene fícios. Segundo estes mesmos autores, dividir compras em

múltiplos fornecedores reduz significativamente a oportunidade destes de alcançar

economias de escala.

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Há críticas quando se analisa a redução da base de fornecedores. Santucci (1997) relata

que cada vez mais os ganhos por economias de escala estão sendo reduzidos pela

necessidade de flexibilidade na produção. O mesmo autor argumenta ainda que, em

alguns casos, face à atual demanda por variedade de produtos, não existe ganho

significativo em se trabalhar com menos fornecedores, já que o custo do produto seria o

mesmo vindo de um grande ou de um pequeno fornecedor. A única redução de custo

ressaltada seria na área de compras, que poderia ser reduzida.

A utilização de uma pequena e seleta base de fornecedores selecionados no princípio do

desenvolvimento de produtos é indicada por Womack et al. (1991) como sendo um dos

pilares do suprimento de componentes na produção enxuta. A este conceito de reduzida

base de fornecedores adiciona-se a organização vertical em diferentes níveis de

responsabilidade: “O número de fornecedores se reduz de um terço a um oitavo em

comparação ao das companhias de produção em massa, porque os produtores enxutos

designam todo um componente – por exemplo, bancos – ao que chamam de fornecedor

de primeiro nível” (WOMACK ET AL., 1991, p.141).

Lamming (1993) considera a existência de uma pequena base de grandes e talentosos

fornecedores uma condição necessária para o aparecimento do seu conceito expandido e

modificado de fornecimento enxuto. A analogia algumas vezes utilizada é a da

formação de um pequeno círculo de amigos próximos. Essa reconfiguração na base de

fornecedores pode ser obtida através das seguintes medidas: remoção de fornecedores

que não cumprem os níveis requeridos de desempenho no sistema de garantia da

qualidade; remoção de fornecedores considerados como segunda ou terceira opção no

fornecimento de determinada peça; integração de vários componentes em sub-sistemas

ou módulos e realocação dos fornecedores de componentes menores para fornecimento

aos fornecedores integradores ou modulistas (LAMMING, 1993).

Van Hoek e Weken (1998) descrevem o atual movimento de redução do número de

fornecedores como sendo ainda mais acentuado, a partir do surgimento do conceito de

produção modular e co- localização que, na prática, derruba as fronteiras entre

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fornecedores e montadora e faz surgir alguns poucos fornecedores chamados de nível

zero instalados dentro da fábrica da montadora.

2.2.1.3. A Modularização do Fornecimento

O conceito de modularização, isto é, montagem de um produto complexo a partir de

subsistemas menores que podem ser projetados independentemente, mas que funcionam

juntos como um só, é utilizado em larga escala na indústria de computadores desde

1964 (BALDWIN E CLARK, 1997). O seu objetivo final é diminuir a complexidade do

produto fabricado, ao mesmo tempo em que se aumenta a variedade de ofertas para o

consumidor, através da utilização de módulos genéricos e intercambiáveis que se juntam

em um grande número de produtos acabados (VAN HOEK E WEKEN, 1998).

Murray e Sako (1999), em seu artigo que compara a adoção da modularização nas

indústrias de computadores e na automobilística, identificam diferenças na motivação

para adoção deste tipo de estratégia. Enquanto na indústria de computadores a

modularização da produção foi demandada pelos clientes que buscavam

compatibilidade entre sistemas, facilidade para fazer upgrades e retenção de peças

originais de seus computadores, na indústria automobilística a modularização visou a

redução de complexidade, investimentos em ativos e custos de montagem.

Swiney e Lane (1999) indicam a modularização como sendo um caminho viável para o

desenvolvimento de uma capacidade de se oferecer simultaneamente customização em

massa e resposta rápida ao consumidor. Smith apud Swiney e Lane (1999) aponta o

caso da Dell Computer Corporation como sendo um exemplo atual de como conseguir o

objetivo acima a partir de uma mudança radical dos atuais paradigmas de gerenciamento

de operações, calcando-se, além da modularização, nos seguintes pontos: (a)

estabelecimento de uma base de fornecedores pequena e estável; (b) produção e envio

do produto em até três dias do recebimento do pedido; (c) produção puxada (contra

pedido apenas); (d) política de estoque zero.

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A modularização como solução para uma complexidade crescente dos produtos de

consumo é também defendida por Baldwin e Clark (1997), que relatam uma outra

vantagem dos produtos modularizados, na indústria de computadores: o fato de

diferentes empresas estarem trabalhando independentemente em módulos impulsiona

um grande aumento na taxa de inovação do setor. Esse aumento na taxa de inovação

pode ser explicado pela ampliação do número de experimentos paralelos realizados

pelas diversas empresas responsáveis pelo projeto de cada módulo.

A redução de custos logísticos é apontada por van Hoek e Weken (1998) como sendo

uma das vantagens da modularização de produtos, obtida através da economia em

custos de estoque (espaço físico e custo de oportunidade) e custos de transporte de

produtos em processo. A lógica por trás dessas economias pode ser atribuída à

capacidade de se reduzir o número de componentes do processo de manufatura e à

utilização do conceito de postponement para a finalização do produto já no canal de

distribuição.

Dentro da indústria automobilística, o conceito de modularização foi inicialmente

desenvolvido pela Fiat na década de 80 visando o aumento da automação devido a

crescentes problemas trabalhistas (MURRAY e SAKO, 1999). Já a adoção da

terceirização da modularização e do desenvolvimento de peças ainda não foi

amplamente explorado, cabendo, normalmente, à montadora o desenvolvimento dos

componentes e a subcontratação de subsistemas:

“Companhias automobilísticas fabricam rotineiramente os componentes de um automóvel em diferentes localizações e depois as juntam para a montagem final. Elas podem assim proceder porque especificaram precisa e completamente o projeto de cada peça. Neste contexto, o projeto de engenharia de uma peça (suas dimensões e tolerâncias) servem como a informação visível do sistema de produção, permitindo que um processo complicado seja dividido entre fornecedores. Esses fornecedores podem inovar no que diz respeito aos processos de produção ou logística, mas, diferentemente da indústria de computadores, eles historicamente tiveram pouca ou nenhuma ingerência sobre o projeto dos componentes”. (BALDWIN E CLARK, 1997, p.86).

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Ainda segundo Baldwin e Clark (1997), a tendência atual das grandes montadoras do

setor automobilístico, não obstante, tem sido de alteração do sistema rígido de projeto

centralizado que vem vigorando desde o começo do século passado. Sob intensa pressão

para reduzir custos, acelerar a taxa de inovação e melhorar a qualidade do setor, os

projetistas e engenheiros estão hoje procurando novas formas de compartilharem o

desenvolvimento dos complexos sistemas eletro-mecânicos dos carros.

Em resposta a essas pressões, o conceito de modularização da produção no setor

automobilístico tem sido experimentado em diferentes níveis a partir de iniciativas das

grandes montadoras mundiais. Dentre os casos relatados pela literatura, dois se

destacam pelo grau de aplicação do conceito e o número de citações nos estudos

acadêmicos: (a) a fábrica de carros SMART da Daimler-Benz em Hambach, França e

(b) a fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen localizada em Resende, Brasil

(BALDWIN e CLARK, 1997; PIRES, 1998; VAN HOEK e WEKEN, 1998;

SWEENEY e LANE, 1999).

É interessante perceber uma outra motivação, conforme relatada por Galuzka et al

(1999), para a adoção de fornecimento modularizado nos Estados Unidos: a redução de

custos de mão de obra. Esta pode ser atribuída aos menores custos trabalhistas dos

empregados das empresas de autopeças, que em apenas 10% dos casos são

sindicalizados. Ironicamente, o mesmo motivo que empurra a indústria para a

modularização gera entraves à difusão deste novo conceito, já que o sindicato dos

trabalhadores das montadoras nos Estados Unidos (UAW) seria ferrenho opositor ao

movimento de modularização.

Segundo Murray e Sako (1999), a escolha estratégica a ser feita pelas montadoras da

indústria automobilística é entre permanecerem integradas ou se tornarem modulares.

Aquelas que optarem pela integração irão reter controle de todo o projeto e processos de

produção demandando investimentos contínuos nestas duas áreas. Este tipo de escolha

mantém a montadora com a liderança tecnológica na cadeia, além do total controle

sobre a qualidade e complexidade da produção. Os problemas associados com este tipo

de escolha são: departamento de P&D muito grande; necessidade de grande diversidade

técnica; alto investimento em ativos e complexidade na produção.

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Já aquelas que optarem pela estratégia modular irão partir para projetos em módulos e

tranferir a complexidade da produção para seus fornecedores. Irão depender

crescentemente de seus fornecedores para conhecimentos relacionados à produção e

projeto. Neste caso, as montadoras perderão sua liderança técnica, mas continuarão a

reter seu valor através da marca, serviços ao consumidor, design do produto e inovações

conceituais nos automóveis. A estratégia de modularização propicia, adicionalmente,

que a montadora possa reduzir investimentos e aumentar sua presença global.

2.2.1.4. Utilização de Ativos Especializados

O termo “especificidade de ativo” refere-se à intensidade com que determinado

investimento, feito para ser usado em determinada transação, tem um valor mais alto

para aquela transação do que se fosse aproveitado em qualquer outra função

(MCGUINESS, apud LONSDALE, 2001). Investimentos de alta especificidade têm,

portanto, valor muito baixo, ou irrisório, fora da sua função original (LONSDALE,

2001).

Considerado por Dyer e Ouchi (1993) como sendo um dos três benefícios econômicos

(junto com a redução do número de fornecedores e a competição forçada) que tornam o

relacionamento tipo japonês mais eficiente do que os outros, a utilização de ativos

específicos ou especializados pode ser segmentada em três tipos: 1) investimentos

geograficamente específicos, com plantas dedicadas a um cliente em particular,

viabilizando a melhoria da coordenação do fornecimento e a redução de custos em

estoques e transporte; 2) investimentos em equipamentos especializados como

ferramentas, moldes e maquinário a serem utilizados para um cliente específico e 3)

investimento em capital humano através do desenvolvimento de know-how

especializado para atender determinado cliente.

A literatura sobre a especificidade de ativos refere-se constantemente à teoria de custos

de transação (NISHIGUCHI e BROOKFIELD, 1997; NOOTEBOOM ET AL , 2000;

LONSDALE, 2001), mais particularmente à obra de Oliver Williamson (1985) que

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identifica as duas dimensões mais importantes do comportamento de negócios como

sendo a “imperfeição da informação” e a “propensão do homem econômico a agir

oportunisticamente”. A partir desta teoria, considera-se que caso as partes - comprador

e fornecedor - não contribuirem equivalentemente no investimento do ativo específico,

aparecerá uma dependência pós-contratual, causando um desequilibrio de poder no

relacionamento. Isto se daria porque o lado que fez a maior parte do investimento

relutaria em terminar o relacionamento, tendo em vista que significaria perder o

investimento inicialmente feito (NISHIGUCHI e BROOKFIELD; 1997, LONSDALE,

2001).

Dyer e Ouchi (1993) identificam que fornecedores japoneses investem substancialmente

mais em ativos específicos, principalmente em instalações próximas geograficamente,

do que os americanos, o que seria um claro indicativo de que os fornecedores japoneses

são fortemente dependentes destas montadoras, com uma real possibilidade de

exploração oportunística por parte das últimas. Verifica-se, porém, que as montadoras

japonesas são também significativamente dependentes de seus fornecedores. Isto se dá

pelo fato de que grande parte do conhecimento relativo às peças fornecidas pelas

mesmas permanece como know-how interno dos fornecedores, significando que a troca

dos mesmos também seria bastante custosa para as montadoras. Este tipo de

investimento mútuo em ativos especializados cria interdependência, o que, por sua vez,

cria incentivos para a cooperação mútua (DYER e OUCHI, 1993).

Este mecanismo de cooperação ou dependência mútua foi também identificado por

Nooteboom et al. (2000), que o chamaram de “loop de comprometimento em interesse

próprio”, em seu estudo na indústria automotiva americana. Segundo estes autores,

investimentos específicos aumentam a dependência e criam, portanto, uma oportunidade

de comportamento oportunístico pelo parceiro. Ao mesmo tempo, este mesmo

investimento em ativo específico pode aumentar o valor ímpar que é criado para o

parceiro, diminuindo a tendência a agir de forma oportunística.

Arkader (1997), em seu estudo sobre as relações de fornecimento na indústria

automobilística brasileira, diferencia investimentos operacionais e genéricos em ativos

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específicos – “estritamente necessários ao atendimento às necessidades da produção” ...

“daqueles revestidos de características estratégicas – investimentos em

empreendimentos conjuntos de montadora e fornecedor, investimentos de fornecedores

em sistemas específicos para comunicação com seus clientes, para entregas ou projeto,

equipamentos e embalagens para entregas especiais, estruturas para submontar

componentes e realizar entregas de maior valor agregado e fábricas para atender a

determinadas montadoras em locais específicos” (:317) – estes sim, denotando um

comprometimento de longo prazo com a continuidade do relacionamento e criando uma

significativa interdependência entre as partes.

2.2.1.5. Localização Geográfica dos Fornecedores

A localização geográfica dos fornecedores não tem sido tratada como uma condição

estritamente necessária para o estabelecimento de modelos de fornecimento calcados no

sistema de produção enxuta (LAMMING, 1993; ARKADER, 1997; SALERNO, DIAS

E ZILBOVICIUS, 1999). Segundo Lamming, “não existem evidências que sugiram que

a proximidade geográfica é uma parte necessária do fornecimento enxuto: várias

companhias no Japão, nos EUA e na Europa estão alcançando entregas just-in-time a

partir de distâncias consideráveis” (1993, p.198).

Segundo Arkader, “a questão da proximidade dos fornecedores como requisito para o

fornecimento JIT é bastante discutida na literatura. Aponta-se que, devido à necessidade

de se entregarem pequenos volumes com grande freqüência, a proximidade, mesmo que

não imperativa, seria uma evidente vantagem competitiva” (1997, p.56). Essa vantagem

competitiva é resumida por Salerno, Dias e Zilbovicius (1999), como sendo decorrente

de redução de custos logísticos, redução de estoques a partir de entregas just-in-

sequence e melhoria do serviço prestado pelo fornecedor à montadora, através de maior

agilidade na resolução de problemas de qualidade ou entrega.

O trabalho de Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) estuda novas formas de relações de

fornecimento e configurações geográficas que vêm sendo adotadas pelo setor em novos

empreendimentos automobilísticos, ressaltando a existência de duas correntes: o

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Condomínio Industrial e o Consórcio Modular. O Condomínio Industrial teria como

característica a escolha pela montadora dos seus fornecedores de primeiro nível que

devem se instalar nas proximidades da fábrica e fornecer sub-montagens. A localização

desses fornecedores seria definida no contrato de fornecimento. No caso do Consórcio

Modular, os fornecedores (chamados de modulistas) estariam instalados dentro da

montadora e seriam responsáveis pela montagem final do carro. Esses fornecedores

seriam também escolhidos pela montadora, e um contrato especial seria assinado,

incluindo cláusulas de amortizações do investimento em instalações, feito por cada

fornecedor.

O modelo de co- localização, chamado por Salerno, Dias e Zilbovicius de Consórcio

Modular, aparece repetidamente na literatura juntamente com o conceito de produção

modular, tratado anteriormente neste trabalho. Van Hoek e Weken (1998, p.45) relatam

que uma das conseqüências desse modelo de co-localização é o aumento da competição

entre os fornecedores visando a posição mais próxima da montadora: “como indicação

dessa competição acirrada, os fornecedores ‘a um passo de distância’ com entregas just-

in-time podem não estar (fisicamente) próximos o suficiente das montadoras. De fato, os

novos fornecedores de primeiro nível podem ser chamados de fornecedores de nível

zero”.

2.2.1.6. Global Sourcing

Muitas vezes confundida com as práticas de fornecimento internacional, que se referem

às atividades de fornecimento entre comprador e cliente de países diferentes, as práticas

de global sourcing implicam integração e coordenação das informações, da estratégia e

dos requerimentos de fornecimento entre todas as unidades de negócio da empresa em

um nível global (Monczka et al, 1998).

O Global sourcing é algumas vezes visto como chave para barganhar preços com os

fornecedores, pois as montadoras podem utilizar um preço único em qualquer lugar do

mundo, principalmente para itens de uma mesma plataforma (Arkader, 1997; Salerno,

Dias e Zilbovicius, 1999). Apesar de cada firma ter suas próprias razões para adotar o

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fornecimento global, as razões predominantes são benefícios relativos ao custo/preço, à

qualidade, ao acesso à tecnologia e ao fato de a fonte internacional ser a única

disponível (Monczka et al, 1998).

Hellman (1998), discutindo as vantagens e desvantagens do global sourcing e do

fornecimento com proximidade geográfica, aponta uma solução combinada dos dois

conceitos como sendo a mais eficiente operacionalmente. O atual modelo de

concentração de fornecedores junto às novas plantas das montadoras é questionado, uma

vez que normalmente é baseado na instalação de fornecedores visando o atendimento da

capacidade máxima da planta, o que pode vir a ser prejudicial tendo em vista a

característica cíclica desta indústria. A saída apontada seria a de prover as plantas de

fornecimento com técnicas modernas de global sourcing para suprir eventuais picos de

demanda.

Salerno, Dias e Zilbovicius (1999), em seu estudo sobre global sourcing e proximidade

nos novos empreendimentos automobilísticos no Brasil, apontam o antagonismo entre

os conceitos de global sourcing, incentivado pela globalização da economia, e de

fornecimento próximo, considerado como peça-chave no relacionamento fornecedores-

montadora que adotam o just-in-time. O mesmo trabalho, porém, apresenta essa

dicotomia como um falso dilema, uma vez que as questões logísticas e de custos é que

definem a viabilidade de se descentralizar o fornecimento de acordo com cada nova

planta.

Os mesmos autores ressaltam, ainda, que, no Brasil, a utilização de práticas de global

sourcing para commodities e componentes de alta tecnologia teve seu apogeu durante os

anos de supervalorização da moeda local (1994-1998) associada a baixas alíquotas de

importação de autopeças. Neste período – com a demanda e produção crescentes até

1997 - estoques de até três meses ou mais ocorriam para operacionalizar o fornecimento

global. A desvalorização da moeda local ocorrida no início de 1999 estaria levando

agora as montadoras a uma tentativa de reduzir ao mínimo possível o fornecimento

internacional.

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2.2.2. Informação, Capacitação e Tecnologia

2.2.2.1. Troca de Informação

Um alto grau de compartilhamento de informações entre fornecedores e clientes tem

sido apontado na literatura especializada como sendo um dos pilares do comportamento

colaborativo em que é baseado o modelo de parceria ou modelo japonês de

subcontratação (CLARK, 1989; WOMACK et al, 1991; DYER e OUCHI, 1993;

DYER, CHO e CHU, 1998).

Womack et al (1991) relatam diferentes níveis de troca de informações relacionados ao

suprimento de componentes na produção enxuta. Um dos níveis é referente ao

compartilhamento, por parte dos fornecedores, de uma parte substancial de suas

informações internas sobre custos, visando uma análise de valor dos componentes

supridos. Um outro nível é relacionado com a operação de entrega de componentes e é

chamado de kanban. Neste caso, a troca de informações é utilizada para coordenação do

fluxo de peças no sistema de suprimentos. Uma terceira forma de comunicação muito

utilizada entre as montadoras e fornecedores no suprimento de componentes na

produção enxuta se tornou necessária para a participação integral dos fornecedores no

desenvolvimento conjunto de novos produtos. Neste caso, a troca de informação se dá

tanto pela presença de engenheiros dos fornecedores na montadora, quanto nas visitas

técnicas efetuadas pelas montadoras na fábrica do fornecedor. Este desenvolvimento

conjunto de projetos de engenharia é melhor detalhado no item (2.2.2.3.).

Womack et al (1991) mencionam, ainda, a existência de uma prática de troca constante

de informações nas suas associações de fornecedores. Estas associações são também

consideradas extremamente importantes na disseminação de novas concepções, como

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foram o controle estatístico de processos (CEP), o controle total da qualidade (CTQ) e o

projeto auxiliado por computador (CAD).

Dyer (1996), em seu artigo sobre como a Chrysler criou uma estrutura do tipo keiretsu

em sua base de fornecedores americanos, cita o aumento na comunicação entre

fornecedores e entre fornecedores e montadora como sendo um dos pontos mais

importantes desta sua iniciativa. Neste caso, o aumento na intensidade da comunicação

se deveu a: 1) aumento do número de engenheiros dos fornecedores “residentes” na

montadora; 2) criação de um conselho com executivos de seus 14 fornecedores mais

importantes; 3) reuniões trimestrais com fornecedores para discutir questões estratégicas

e de desempenho e para analisar as prioridades para o ano seguinte.

Em seu estudo sobre o mercado brasileiro, Arkader (1997) cita que a troca de

informações, antes escassa, não parece mais ponto de atrito entre montadoras e

fornecedores no mercado brasileiro. Segundo esta autora, “tem havido por parte dos

fornecedores consideráveis investimentos em sistemas de comunicação para entregas e

projetos específicos aos relacionamentos com as montadoras-clientes, que denotam a

expectativa de fornecimentos mais longos” (:316). Registra-se adicionalmente a

existência de feedbacks de desempenho para os fornecedores.

É interessante perceber que as melhorias no fluxo de informações tem sido relatadas

mesmo em relacionamentos considerados pouco colaborativos. As informações trocadas

neste caso seriam aquelas consideradas não estratégicas e que não afetam a

vulnerabilidade das empresas com relação a comportamentos oportunísticos pelo

parceiro (MUDAMBI e HELPER, 1998).

2.2.2.2. Desenvolvimento de Fornecedores

Southey apud Arkader (1997, p.100), define o desenvolvimento de fornecedores como

sendo: “o processo de ajudar os fornecedores existentes a desenvolverem e melhorarem

sua capacitação e desempenho como um todo na direção da meta de atender e servir às

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necessidades do cliente imediato (e final) da maneira mais eficaz em custos e eficiente

em termos de recursos”.

O desenvolvimento de fornecedores é normalmente visto como uma alternativa viável

para montadoras que não querem integrar-se verticalmente, não possuem fácil acesso a

uma base de fornecedores altamente capacitados e querem manter um alto grau de

comprometimento com seus fornecedores existentes (MACDUFFIE e HELPER, 1997).

Segundo Stuart et al. (1998), a Toyota, considerada um dos ícones nas práticas de

desenvolvimento de fornecedores, utiliza uma associação de fornecedores conhecida

como kyoryoku kai para difundir seu best practice e proporcionar o desenvolvimento de

longo prazo da sua base de fornecedores. Essas associações são relatadas por estes

autores como tendo as seguintes funções: estabelecer padrões de controle de qualidade;

facilitar a interação entre fornecedores e realizar fóruns com o objetivo de criar um

relacionamento de confiança entre os membros da associação. A Toyota tem como

objetivo adicional estimular que seus fornecedores de primeiro nível criem associações

semelhantes para os demais níveis da sua estrutura de fornecimento, criando, assim, um

efeito cascata no desenvolvimento de fornecedores.

O desenvolvimento de fornecedores é muitas vezes considerado como sendo uma das

estratégias necessárias para obtenção de uma política de suprimento enxuto. Lamming

(1993) considera a política de desenvolvimento de fornecedores uma conseqüência

natural do compartilhamento de custos entre fornecedores e clientes, uma vez que, a

partir da transparência de custos, esforços conjuntos podem ser realizados visando a

racionalização do processo de adição de valor.

MacDuffie e Helper (1997) também consideram que o processo de desenvolvimento de

fornecedores enxutos é uma condição necessária para a adoção de um modelo de

produção enxuta por parte das montadoras. Neste modelo, os fornecedores enxutos

seriam responsáveis pelo desenvolvimento de produtos, seriam altamente confiáveis

com relação à qualidade e entrega e teriam capacidade para respostas rápidas frente às

exigências das montadoras.

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Lamming (1993) cita o caso das montadoras japonesas nos EUA que, percebendo a

necessidade de melhoria na base de fornecedores locais, investem pesadamente no

desenvolvimento de seus fornecedores (MACDUFFIE E HELPER, 1997).

A partir de um estudo de caso da Honda no desenvolvimento de fornecedores enxutos

nos EUA, percebe-se que mecanismos de transferência de conhecimento para o

desenvolvimento de fornecedores requerem um alto nível de investimento em tempo e

capital, o que é apenas compatível com relacionamentos de longo prazo.

Conforme descrito por Womack et al. (1991), o desenvolvimento de fornecedores

viabiliza a adoção de políticas de transparência de custos e conceitos de engenharia de

valor, que permitem uma análise racional dos custos envolvidos em cada etapa da

cadeia produtiva.

O modelo de desenvolvimento de fornecedores envolvendo apenas uma relação um-

para-um entre montadora e fornecedor é criticado por Stuart et al. (1998) por suas

limitações em promover um desenvolvimento mais abrangente e por restringir o escopo

das inovações. Segundo esses mesmos autores, os programas de desenvolvimento de

maior sucesso envolvem atividades como: compartilhamento de informações;

programas conjuntos de redução de desperdício; engenharia de valor; transparência de

custos e difusão de tecnologia, devendo englobar não só o relacionamento independente

de cada fornecedor com a montadora, mas também o relacionamento entre fornecedores

através de suas associações.

Uma questão altamente relevante quando se trata do desenvolvimento de fornecedores é

aquela relacionada com os benefícios auferidos pelos competidores das montadoras que

desenvolvem seus fornecedores. De acordo com MacDuffie e Helper (1997), a visão dos

gerentes da Honda nos Estados Unidos é a de que o aumento de competitividade dos

seus fornecedores, com conseqüente benefício para seus concorrentes, é inevitável e

pode até ser desejável considerando-se a necessidade da Honda de possuir fornecedores

auto-sustentáveis. O maior perigo, para estes mesmos gerentes, reside na perda de

capacidade dos fornecedores para responder rapidamente a suas exigências tendo em

vista seu possível perfil multi-clientes. Adicionalmente, o perfil de relacionamento de

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confiança e de longo prazo da Honda com seus principais fornecedores é considerado

como mitigador dos riscos relacionados com o vazamento de conhecimento por parte de

seus fornecedores.

2.2.2.3. Desenvolvimento Conjunto de Produtos

Os objetivos do envolvimento de fornecedores no desenvolvimento conjunto de

produtos são segmentados por Wynstra, van Weele e Weggemann (2001) em dois tipos:

objetivos de longo prazo, focados no apoio ao desenvolvimento de determinadas

tecnologias e capacitações, e objetivos de curto prazo focados no desenvolvimento de

um novo produto específico. No primeiro caso, objetiva-se a criação de recursos

tecnológicos, enquanto no segundo objetiva-se apenas a exploração destes mesmos

recursos.

Normalmente descrito na literatura especializada como sendo um dos pilares do modelo

“japonês” de parceria entre montadora-fornecedor, o envolvimento precoce de

fornecedores no desenvolvimento colaborativo de produtos é utilizado desde 1958 pela

Toyota, que envolvia engenheiros de seus fornecedores, residentes em suas instalações,

no processo de desenvolvimento de novos produtos (NISHIGUCHI, apud WYNSTRA,

VAN WEELE E WEGGEMANN, 2001)

Este mesmo procedimento de alocar engenheiros dos fornecedores, residentes nas

instalações das montadoras, é relatado por Womack et al. (1991, p. 141) da seguinte

forma: “Os fornecedores de primeiro nível de um programa enxuto de desenvolvimento

alocam quadros – os chamados engenheiros residentes de projetos – para a equipe de

desenvolvimento pouco depois de começar o processo de projetar, e dois a três anos

antes do início da produção”.

Um outro estudo sobre o processo de desenvolvimento de produtos na indústria

automobilística japonesa identificou o impacto positivo de sua estrutura organizacional

no desempenho nessa área: “as montadoras cultivam a capacitação de seus

fornecedores. Isso envolve investimentos, troca de informações, a cessão do espaço e

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intalações para ‘engenheiros’ convidados e a ajuda aos fornecedores na solução de seus

problemas. Pelo lado do fornecedor, há um comprometimento de criar capacidade e uma

disposição de desempenhar um papel crítico no processo de desenvolvimento”

(CLARK, 1989, p.1260-1261).

Santucci (1997), em seu estudo sobre a globalização da indústria de autopeças, relata

que, ao contrário do senso comum, a atual necessidade de se ter capacitação em projeto

para se tornar um fornecedor de primeiro nível não mais limita a atuação das pequenas e

médias empresas. Atualmente, com o advento de equipamentos como work stations e

máquinas rápidas para manufatura de protótipos, as empresas de autopeças podem, por

uma fração do custo e com muito menos pessoas, atuar no desenvolvimento de novos

produtos com muito mais eficiência do que há 10 anos atrás.

Antes restrito à indústria automobilística japonesa, o envolvimento colaborativo de

fornecedores no desenvolvimento de produtos tornou-se prática mais comum nos EUA

e Europa durante a década de 90 (LEVERICK E COOPER, 1998). Uma pesquisa

empírica realizada por estes autores em uma amostra de 88 fornecedores ingleses indica

que 72% dos fornecedores participantes da pesquisa realizaram algum desenvolvimento

de produto conjuntamente com fornecedores de primeiro nível e que, em média, os

fornecedores participaram do desenvolvimento do produto 26 meses antes do começo

da produção.

As vantagens da participação de fornecedores no desenvolvimento conjunto de produtos

não é, no entanto, unanimidade no meio acadêmico. Wynstra, van Weele e Weggemann

(2001), em seu estudo sobre o gerenciamento de fornecedores envolvidos no

desenvolvimento de produtos, mencionam que dois estudos no Estados Unidos em

meados dos anos 90 (Hartley, 1994 e Birou, 1994) concluem que o envolvimento de

fornecedores no desenvolvimento conjunto de produtos não é sempre benéfico, levando

muitas vezes a produtos mais caros e com pior desempenho.

Segundo Wynstra, van Weele e Weggemann (2001), as conclusões destes dois estudos

são indicativas de que os ganhos com a participação de fornecedores no

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desenvolvimento de novos produtos não são obtidos facilmente, dependendo,

principalmente, de três condições para o sucesso: 1- Identificação de processos e tarefas

que devem ser realizadas para a integração do desenvolvimento de produtos e dos

processos de fornecimento; 2 – Criação de uma estrutura organizacional que apóie a

execução destas tarefas; 3 – Composição de estrutura organizacional com funcionários

que possuam os necessários requisitos comerciais, técnicos e sociais para viabilizar este

tipo de relacionamento com fornecedores.

Com relação às novas tendências, é interessante mencionar que estudos da KPMG

Consulting e do Automotive Consulting Group, publicados na revista Purchasing

(1998), apontam para um envolvimento ainda maior dos fornecedores no

desenvolvimento de produtos, a partir das pressões das montadoras: “o desenvolvimento

de novos produtos se tornou uma vantagem competitiva-chave para os fornecedores

automotivos”. O estudo da KPMG indica, adicionalmente, que as novas demandas no

setor teriam transformado a tradicional estrutura de fornecedores, baseada em níveis, em

outra, baseada em competências-chave e estratégias de gerenciamento de fornecedores.

2.2.2.4. Infra-estrutura Tecnológica

Sistemas inter-organizacionais como o EDI (eletronic data interchange) vêm sendo a

principal forma de aplicação de comércio eletrônico entre empresas da indústria

automobilística nas últimas duas décadas (RATNASINGAM, 2001). O futuro destes

sistemas de troca eletrônica de dados na indústria automobilística mundial tem sido um

dos pontos mais discutidos neste mercado nos últimos anos (FROOK, 1997).

Como se trata de uma indústria muito dinâmica, com diferentes tendências apresentadas

de tempos em tempos, torna-se interessante o registro da evolução dos

desenvolvimentos neste setor. É apresentado a seguir, um pequeno resumo dos

desenvolvimentos entre os anos de 1997 e 2002.

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Quadro 2.1. Evolução no Desenvolvimento da Infra-estrutura Tecnológica

Ano Relatos extraídos da literatura Autor(es)

1997 “No mercado americano, as três grandes montadoras (GM, Ford

e Chrysler) estão tentando demonstrar que intranets e extranets

- redes de sistema baseadas na internet e abertas para parceiros

selecionados -, podem aumentar a eficiência da coordenação de

suas cadeias de suprimentos a partir da redução nos custos de

aplicações de informática e aumento na colaboração global”.

Frook, 1997,

p.20

1999 “A Ford Motor Co. está restruturando sua extranet de

fornecedores para transformá-la em um portal na internet. Este

portal, chamado de FSN (Ford Supplier Network) permitirá, a

partir de 1 de Junho, que os fornecedores e clientes visualizem

seus pedidos, mudanças na engenharia das peças ou sistemas,

status de chão-de-fábrica, rejeições nas montagens etc. O

objetivo é criar uma comunidade online para mais de um

milhão de pessoas, visando a redução dos tempos de ciclo e

necessidades de estoque a partir do compartilhamento de seus

processos com fornecedores, revendedores e até

consumidores”.

Joachim,

1999, p. 1

2000 “Já há mais de um ano algumas das maiores empresas do

mundo têm trocado eletronicamente arquivos de CAD/CAM e

documentos confidenciais, utilizando-se da ANX (Automotive

Network Exchange), uma extranet segura e de alto desempenho

construída pela indústria automotiva. Com o objetivo de se

expandir para outras indústrias, a ANX tem sido usada, até o

presente momento, por cerca de 300 participantes da indústria

automobilística”.

Bushaus,

2000, p.93

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2001 “Em Fevereiro de 2000, as três grandes montadoras do mercado

americano anunciaram que fundiriam suas iniciativas no

comércio eletrônico para fundar o maior balcão de negócios

online do mundo – um site chamado Covisint. Após mais de um

ano, apesar dos planos ambiciosos de desenvolvimento

colaborativo de projetos de peças e veículos, ferramentas

computacionais para financiamento, gerenciamento de

licitações e logística, este site tem sido utilizado, apenas para

negociação de commodities”.

Welch ,

2001, p.1

2002 “A indústria automobilística está movendo sua cadeia de

fornecimento para a internet mais rápido que qualquer outra

indústria. Este movimento se deu, em parte, pela adoção rápida

e crescente do site de negócios entre montadoras e fornecedores

chamado Covisint.

Apesar do Covisint, que já tem montadoras como GM, Ford,

DaimlerChrysler, Nissan, Renault e Peugeot-Citroen em sua

carteira de clientes, o grupo Volkswagen (Volkswagen, Audi,

Bentley/Rolls Royce, Lamborghini etc) resolveu montar seu

próprio site visando manter seus requisitos específicos de

fornecimento – o site VWGroupsupply.com.

Os benefícios que existem por trás desta onda de fornecimento

online ainda estão, porém, para serem mapeados e explorados.

Segundo o diretor de e-commerce da DaimlerChrysler: “O

aumento na transparência entre a montadora e o fornecedor e a

colaboração vão nos ajudar a encontrar onde estão os ganhos de

eficiência. Todos terão acesso à mesma informação ao mesmo

tempo. Isto vai ser resolvido por estas tecnologias.”

Hannnon,

2002, p. 22

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2.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS EM NOVOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS

2.3.1. Os Caminhões e Ônibus da Volkswagen em Resende

O conceito de consórcio modula r, implementado pela Volkswagen e por sete

fornecedores diretos em sua fábrica de caminhões e ônibus em Resende, Brasil, desde

novembro de 1996, é baseado em um modelo em que: (a) os fornecedores são

responsáveis pela fabricação do módulo, pela sua montagem na linha de produção, pela

sua logística e pelo investimento em equipamentos e ferramentas e (b) a montadora é

responsável pela estrutura da planta e linha de montagem e pela coordenação da planta e

teste final dos veículos (PIRES, 1998).

Conforme ressaltam Baldwin e Clark (1997, p.87): “A Volkswagen não ‘faz’ o carro [o

caminhão ou ônibus], no sentido de produzir ou montar. Mas ela estabelece uma

arquitetura do processo de produção e interface entre as células, estabelece os padrões

de qualidade que cada fornecedor deve cumprir e testa os módulos e caminhões

conforme eles vão passando de estágio em estágio”. Van Hoek e Weken (1998)

consideram a iniciativa da Volkswagen como sendo baseada em uma mudança na

configuração da cadeia de suprimentos, focada na redução de custos e tempo de

produção através da transferência de trabalho para os fornecedores. Neste caso, porém,

não existem evidências de que a adoção do conceito de modularidade tem como um dos

objetivos um melhor atendimento às demandas dos consumidores.

Uma primeira análise do conceito de consórcio modular estabelecido pela Volkswagen

em Resende poderia indicar que a montadora estaria visando obter apenas vantagens em

detrimento dos fornecedores, o que não é necessariamente verdadeiro:

“Em análise superficial, o modelo de consórcio modular parece ser altamente favorável à montadora por repassar a maior parte da responsabilidade da produção aos modulistas, o que lhe permite a concentração em atividades potencialmente mais rentáveis. Entretanto, os fornecedores de autopeças já percebem que a modularização é uma tendência irreversível na indústria automobilística e que o consórcio

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modular tem acelerado drasticamente esse processo. Participar como um fornecedor de módulos (modulista) em uma planta pioneira representa oportunidades para obter novas competências em processos, tecnologias e administração da produção” (PIRES, 1998, p.13).

Baldwin e Clark (1997), estudando o gerenciamento da produção modularizada,

ressaltam que, independentemente desse tipo de discussão, a alteração nas

responsabilidades dos fornecedores da indústria automobilística pouco se diferencia das

numerosas alterações que vêm sofrendo as cadeias de suprimento de inúmeros setores

industriais. Ao se delegar o processo de produção a vários fornecedores distintos, cada

um adicionando valor ao produto, a montadora ganha em flexibilidade e redução de

custos.

2.3.2. O Carro Smart da Daimler-Benz na França

Segundo relato de van Hoek e Weken (1998), o projeto do carro SMART é baseado em

três estágios na cadeia de suprimentos e focado no melhor atendimento da demanda dos

consumidores – personalização e rapidez. No primeiro estágio da cadeia de

suprimentos, o carro “genérico” é montado a partir de cinco módulos, fornecidos em

seqüência para a montagem por um pequeno número de fornecedores diretos – sete

deles ficam integrados dentro da planta. Em um segundo estágio, o sistema de

distribuição é totalmente direcionado ao atendimento das necessidades e vontades de

cada consumidor específico, que tem a liberdade de “montar” o carro de acordo com sua

vontade. Cinco centros de distribuição na Europa são capazes de fornecer o carro

solicitado em menos de um dia, a partir da utilização de conceitos de postponement de

grande parte dos acessórios do carro. O terceiro estágio é fundamentado na facilidade de

se alterar e renovar o carro durante sua vida útil a partir da substituição e adição de

novos componentes.

Sweeney e Lane (1999) consideram que o carro SMART representa um caso de sucesso

de customização em massa e rápida resposta ao mercado obtido através de políticas de

postponement e alta integração no processo de produção por módulos. Para van Hoek e

Weken (1998), o grande diferencial do projeto está nas atividades que são realizadas

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pelos fornecedores: “Até atividades consideradas tradicionalmente como sendo chave

para as montadoras, como a prensagem de peças da carroceria do carro, processos de

pintura e coordenação da logística interna não são mais realizadas pela montadora”

(p.40).

A chave para o controle da cadeia de suprimento, segundo Sweeney e Lane (1999) é a

troca de informações em tempo real entre a montadora e seus fornecedores integrados,

assim como reuniões formais sobre planejamento logístico e qualidade realizadas

diariamente, isto é, a efetiva integração durante a fase de montagem do carro genérico

constitui o centro de controle da cadeia de suprimento.

2.3.3. O Celta da General Motors no Rio Grande do Sul

Concebida para ser a mais moderna e eficiente planta da General Motors no mundo e

também para servir de piloto para testes de novas técnicas de produção e

relacionamento com fornecedores, o empreendimento da GM no Rio Grande do Sul foi

inaugurado em 20 de Julho de 2000 (BURT, 2001).

O complexo industrial que foi construído em Gravataí – RS, é constituído por 17

plantas, 16 delas ocupadas por fornecedores, espalhadas em 380 hectares, e custou cerca

de um bilhão de dólares (NAIDITICH 2000; WHEATLEY, 2000).

O pioneirismo que pode ser atribuído a este empreendimento provém de sua capacidade

de materializar grande parte dos conceitos que são normalmente difundidos como best

practice no setor automotivo. Modularização, entregas just in sequence,

desenvolvimento conjunto de produtos, troca de informações, utilização de ativos

especializados e redução da base de fornecedores são freqüentemente citados como

conceitos que estão sendo efetivamente aplicados na planta da GM de Gravataí

(EDMUNDS 2000, NAIDITICH 2000).

O conceito de modularização adotado no subcompacto Celta produzido em Gravataí é

considerado o mais avançado na indústria automobilística. Os módulos entregues por

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seus 16 fornecedores diretos compõem 85% do valor final de cada carro. Em apenas um

dos módulos fornecido à planta da GM é entregue de uma só vez o motor, a

transmissão, dutos de combustível, eixo traseiro, dutos do fluido de freio e sistema de

exaustão (WHEATLEY, 2000).

Toda a produção dos fornecedores é baseada em um fluxo contínuo de pedidos da

montadora através de planos de produção que informam aos fornecedores (ou

sistemistas como são chamados neste projeto) exatamente o que devem produzir durante

as próximas horas (EDMUNDS, 2000). O conceito de modulistas que participam da

montagem do veículo, adotado na fábrica da Volkswagen de Resende, não foi usado no

projeto da GM, que quis fugir dos problemas trabalhistas enfrentados pela VW naquela

fábrica – por exemplo, exigências de equiparações de salários e benefícios entre os

funcionários dos fornecedores e os da montadora. Neste caso, segundo Naiditich (2000),

a GM pareceu mais cuidadosa na junção de culturas diferentes.

A questão da redução da base de fornecedores que lida diretamente com a montadora

fica bem clara quando comparamos o número e fornecedores diretos das fábricas da GM

em São Caetano e São José dos Campos – entre 300 e 400 – com os da planta de

Gravataí – 17 (NAIDITICH, 2000).

Uma característica interessante da estratégia da GM em Gravataí é que ao delegar mais

funções para os fornecedores, e.g. montagem de módulos e desenvolvimento de

produtos, libera-se a montadora para concentrar seus esforços em design, marketing,

distribuição e venda de seus veículos (NAIDITICH, 2000, BURT, 2001).

Alguns riscos são citados como decorrentes do conceito operacional do projeto: com

uma operação tão enxuta e um sistema de fornecimento tão justo, qualquer desistência

ou problema com os sistemistas tem efeito imediato na linha de produção (NAIDITICH,

2000). Outra questão relevante é se o conceito do projeto, baseado em modularização e

redução de 50% no número de peças que compõem o veículo, poderia ser extrapolado

para carros mais complexos (EDMUNDS, 2000). Uma terceira questão remonta ao risco

em que incorrem os fornecedores ao investir em uma unidade para atender a apenas um

único cliente (NAIDITICH, 2000).

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Com todas as inovações introduzidas, a fábrica da GM está sendo cotada como uma das

mais produtivas do mundo e potencial líder de produtividade no Brasil: 78 carros anuais

por funcionário, 1 carro produzido a cada 2 minutos (NAIDITICH, 2000).

2.4. AS NOVAS BASES DAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO – QUADRO CONCEITUAL

Conforme relatado por Arkader (1997), a literatura enfatiza a existência de dois

modelos distintos de relacionamento entre compradores e fornecedores, um sendo

considerado “tradicional” e o outro “de aliança ou parceria”, sendo que o último é

considerado um modelo novo e emergente.

O presente estudo tem como um dos principais objetivos a análise das características

das relações de fornecimento adotadas nos novos empreendimentos automobilísticos e,

para tanto, deve ter como pano de fundo um quadro conceitual que ajude a identificar

as práticas utilizadas e a compará- las com aquelas discutidas na literatura. O quadro a

seguir tenta identificar as principais características das práticas apontadas pela literatura

como sendo típicas do novo modelo de fornecimento e tem como objetivo orientar as

respostas às questões tratadas neste estudo.

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Quadro 2.2. Práticas do Novo Modelo de Fornecimento

Relacionamento Práticas Autor(es)

Dois modelos antagônicos: um com

alavancagem comercial e outro com visão de

gerenciamento da cadeia de suprimento

Cox, 2001;

Dyer et al., 1998

Seleção de

Fornecedores

Seleção com contratos de longo prazo, foco

no custo total, fornecedor único com

envolvimento no projeto, avaliação de

desempenho complexa e investimentos em

ativos específicos

Dyer, 1996

Utilização crescente de pequena e seleta base

de fornecedores

Womack et al.,

1991; Lamming,

1993; Dyer e

Ouchi, 1993; Dyer

et al., 1998

Redução da Base

de Fornecedores

Remoção de fornecedores com baixo

desempenho, de 2a ou 3a opção, integração de

componentes em módulos e re-alocação de

fornecedores de componentes menores

Lamming, 1993

Escolha estratégica: permanecer integrada ou

transferir produção modula r para seus

fornecedores

Murray e Sako,

1999

Modularização do

Fornecimento

Terceirização do projeto dos módulos ainda

pouco explorada

Baldwin e Clark,

1997

Investimentos geograficamente específicos;

investimentos em equipamentos

especializados; investimento em capital

humano

Dyer e Ouchi, 1993 Utilização de

Ativos

Especializados

Podem ter características operacionais ou

estratégicas

Arkader, 1997

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Proximidade física como vantagem

competitiva

Arkader, 1997;

Salerno et al., 1999

Localização

Geográfica

Duas correntes: fornecedores próximos ou

fornecedores dentro da planta

Salerno et al., 1999

Global Sourcing

Global sourcing visando benefícios de

custo/preço, qualidade, acesso à tecnologia e

fornecimento de peça não disponível

Monczka et al.,

1998

Relacionadas aos fluxos de materiais,

planilhas de custos ou compartilhamento de

tecnologia e conhecimento

Womack et al.,

1991

Troca de

Informações

Em ambientes não colaborativos a tendência é

que as informações trocadas sejam

operacionais

Arakader, 1997;

Mudambi e Helper,

1998

Programas de: compartilhamento de

informações, redução de desperdício,

engenharia de valor, transparência de custos e

difusão de tecnologia

Stuart et al., 1998 Desenvolvimento

de Fornecedores

Devem englobar não só o relacionamento

independente de cada fornecedor com a

montadora, mas também o relacionamento

entre fornecedores através de suas

associações

Stuart et al., 1998

Envolvimento precoce com engenheiros dos

fornecedores residentes na montadora

Womack et al.,

1991; Leverick e

Copper, 1998;

Wynstra et al.,

2001

Desenvolvimento

Conjunto de

Produtos

Investimentos da montadora e o

comprometimento do fornecedor em

desempenhar papel crítico no processo

Wynstra et al.,

2001

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Utilização de intranets e extranets para

aumentar a eficiência da coordenação da

cadeia de suprimento

Frook, 1997 Infra-estrutura

Tecnológica

Transparência entre a montadora e

fornecedores ajudando a encontrar onde estão

os ganhos de eficiência. Todos tendo acesso à

mesma informação ao mesmo tempo

Joachim, 1999;

Hannnon, 2002

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3. METODOLOGIA

O objetivo principal deste capítulo é apresentar a metodologia escolhida para a

realização desta pesquisa. Como introdução ao capítulo, detalha-se o que foi

identificado como perguntas a serem respondidas por este estudo. A seguir, são

apresentados os motivos que levaram à escolha do método de estudo de casos como

ideal para a pesquisa. Posteriormente, é descrita a etapa de escolha de casos e coleta e

análise de dados. Por fim, são relatadas as limitações identificadas para o método

escolhido.

3.1. PERGUNTAS DE PESQUISA

A presente pesquisa tem como objetivo responder à seguinte pergunta:

“COMO SE CARACTERIZAM AS POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS

MONTADORAS, NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE

IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL ?”

As seguintes perguntas mais específicas são propostas como desdobramento desta

pergunta geral:

(1) Quais são as práticas relativas ao paradigma de fornecimento enxuto que estão

sendo adotadas nos recentes empreendimentos automobilísticos no Brasil?

(2) Quais foram os benefícios e problemas percebidos na aplicação de práticas de

fornecimento enxuto nos recentes empreendimentos automobilísticos no Brasil?

(3) Quais foram os entraves e estímulos encontrados pelas montadoras, nas fábricas

recém instaladas no país, para implementação de práticas de fornecimento enxuto?

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3.2. MÉTODO DE PESQUISA

A escolha do método a ser utilizado é uma etapa de alta relevância no processo de

elaboração de uma pesquisa. Segundo Yin (1989), apesar de não existirem fronteiras

claras e óbvias entre cada uma das estratégias existentes para coleta e análise de

evidência empírica, é importante ressaltar que cada uma delas possui suas vantagens e

desvantagens que devem ser conhecidas antes da escolha do método de pesquisa. O

objetivo é evitar erros grosseiros, isto é, utilizar determinada estratégia quando existe

outra claramente mais apropriada. Um pequeno resumo de algumas das principais

estratégias existentes para pesquisas na área de ciências sociais e de algumas

características relevantes é apresentado no quadro a seguir:

Tabela 3.1. – Características Relevantes de Diferentes Estratégias de Pesquisa.

Fonte: Adaptado de Arkader (1997), p.162.

Estratégia Tipos de pergunta

de pesquisa

Exigência de controle

sobre eventos

Tipos de dados Principais formas de

coleta de dados

Experimento como, porquê sim quantificáveis várias, entre as quais

questionários e

entrevistas

Survey quem, o que, onde,

quantos, o quanto

não quantificáveis

(quantitativo ou

qualitativo)

questionários e

entrevistas

estruturadas

Etnografia como, porquê não principalmente

qualitativo

observação

participante

Pesquisa-Ação como, porquê não principalmente

qualitativo

observação

participante

Estudo de Caso como, porquê não quantitativos e

qualitativos

(quantificáveis

ou não)

várias, entre as quais

entrevistas em

profundidade e análise

de documentos

Visando definir qual é a melhor estratégia de pesquisa a ser adotada, é interessante

perceber que a presente dissertação busca lidar com perguntas do tipo como e porquê,

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isto é, como é o atual estágio de relacionamento entre montadora e fornecedores e

porque as montadoras adotaram (ou não) práticas de suprimento enxuto nos novos

empreendimentos automobilísticos no Brasil. É importante ressaltar, adicionalmente,

que a pesquisa proposta tem caráter exploratório, já que se trata de fenômeno novo, com

poucas unidades instaladas e sobre as quais há poucos estudos.

Com relação aos demais tópicos apresentados na tabela 3.1. acima, pode-se verificar o

seguinte:

q Exigência de controle sobre eventos: não se busca nem se deseja controlar os

eventos estudados, mas sim explorá- los;

q Tipos de dados: apesar de a pesquisa proposta se identificar mais com o paradigma

qualitativo, será buscado, sempre que possível, uma medição de variáveis

quantitativas que se identifiquem com o problema em questão;

q Principais formas de coleta de dados: as principais formas de coleta de dados serão

entrevistas em profundidade, a serem realizadas nas montadoras escolhidas, e

análise de documentos jornalísticos e da literatura especializada.

Outro item relevante na definição da melhor estratégia a ser utilizada na pesquisa é a

definição de estudos de caso como sendo a melhor maneira de se pequisar “um

fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real e cujas fronteiras entre fenômeno

e contexto não são claramente evidentes” (Yin, 1989, p.13). Entende-se que este é o

caso da presente pesquisa, uma vez que há a necessidade de se analisar as relações de

fornecimento dentro do contexto das organizações de negócio e do ambiente em que

está inserida.

A análise dos itens acima abordados nos leva a entender que a estratégia que se

apresenta como a mais adequada para esta pesquisa é a do método de estudo de casos.

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3.3. ESCOLHA DOS CASOS

Com o objetivo de se analisar adequadamente o relacionamento montadoras-

fornecedores nos novos empreendimentos automobilísticos no Brasil, optou-se por

escolher estudos de casos de montadoras com capacidade de produção significativa

(acima de 50.000 veículos por ano) e que já tivessem consolidado sua produção e gestão

do fornecimento em suas novas fábricas, instaladas no período de 1997 a 2002. Por

questões de sigilo, o nome das montadoras escolhidas não será divulgado.

Glaser e Strauss apud Arkader (1997, p.170) apontam que “o método de estudo de casos

implica uma interação entre teoria e os dados e que, dessa forma, o número de casos não

é determinado a priori, mas à medida que se desenvolve a coleta e a análise de dados,

através da lógica de replicação”. No caso específico da presente dissertação, foram

coletados e analisados os dados referentes a três das seis fábricas de tamanho

significativo instaladas no período supracitado. As fábricas escolhidas para coleta de

dados foram aquelas que se mostraram dispostas a abrir informações relacionadas com

sua estratégia de relacionamento com fornecedores. Após a realização das três

entrevistas mencionadas identificou-se a existência de material rico para realização de

análises a luz do modelo conceitual apresentado no capítulo 2. O número de estudos

adotados mostrou-se, portanto, adequado para a investigação e interação, entre teoria e

dados, proposta nesta pesquisa.

3.4. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

A coleta de dados para os três casos escolhidos foi realizada através de entrevistas com

executivos da área de compras (diretor ou gerente) das três montadoras pesquisadas.

Além disso, foram também entrevistados executivos de áreas como logística,

desenvolvimento de produtos e redução de custos. Em cada montadora foram realizadas

pelo menos duas entrevistas.

Para a marcação das entrevistas, foram identificados os entrevistados desejados e feitos

os contatos por telefone visando levantar sua disposição para a realização das

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entrevistas. Posteriormente foram enviadas mensagens eletrônicas (e-mail) explicitando

os objetivos da pesquisa, a necessidade de agendamento de uma entrevista pessoal, o

tempo de duração estimado para o encontro e a garantia de sigilo sobre as informações

obtidas. Finalmente, a efetiva marcação da entrevista foi confirmada através de contato

telefônico. Todas as entrevistas foram gravadas e seu conteúdo foi utilizado como base

para a descrição e análise dos casos.

A análise dos resultados buscou levantar os elementos necessários para se responder à

pergunta geral da pesquisa, verificando semelhanças e diferenças entre as empresas,

identificando as principais estratégias e práticas referente às relações de fornecimento,

benefícios e problemas percebidos em sua aplicação e entraves e estímulos encontrados

para sua adoção.

O roteiro utilizado para as entrevistas foi estruturado a partir de macro questões

relacionadas com a estratégia de fornecimento, a reconfiguração da base de

fornecedores, a gestão da informação, capacitação e tecnologia e as percepções relativas

aos empreendimentos. As perguntas do roteiro foram elaboradas a partir das questões

levantadas na revisão de literatura e sintetizadas no quadro conceitual do item 2.4. desta

pesquisa. As informações obtidas a partir do roteiro de entrevista formaram a base deste

estudo e viabilizaram responder às perguntas de pesquisa.

3.5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO

As limitações do presente estudo são sobretudo as decorrentes do método (Yin, 1989,

1993). Em especial, menciona-se o fato de este não permitir generalizações para o

universo, independentemente do número de casos estudados. Esta limitação, porém, não

invalida sua adoção, na medida em que o objetivo, aqui, não foi o de fazer

generalizações para outras empresas e indústrias, mas sim o de estudar e entender

processos gerenciais.

Pode-se citar limitações adicionais referentes à subjetividade na coleta, registro e análise

das informações obtidas através de entrevistas pessoais e de um possível viés nas

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respostas do entrevistado. Para minimizar as distorções decorrentes da subjetividade,

tentou-se cruzar, sempre que possível, as informações obtidas através das entrevistas

com outras fontes de informação. Para minimizar o possível viés do entrevistado, o

recurso utilizado foi o de sempre tentar abordar as questões da entrevista sobre vários

ângulos, testando, desta forma, as respostas obtidas.

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4. RESULTADOS

No capítulo de resultados, são apresentadas, incialmente, as informações coletadas nas

entrevistas realizadas nos três recentes empreendimentos automobilísticos pesquisados.

Posteriormente, são apresentadas análises das práticas de fornecimento destas empresas,

à luz das novas bases das relações de fornecimento – quadro conceitual, apresentado no

capítulo 2.

4.1. OS CASOS

Este item tem como objetivo apresentar relatos da atual situação das relações de

fornecimento em três dos recentes empreendimentos automobilísticos brasileiros,

conforme informações coletadas nas entrevistas realizadas nessas montadoras. Por

questões de sigilo, as montadoras serão referidas subseqüentemente como M1, M2 e

M3. O material apresentado está estruturado de forma a viabilizar a resposta às

perguntas apresentadas no capítulo 3: visão macro da estratégia de fornecimento;

práticas de fornecimento adotadas; benefícios e problemas das atuais práticas e entraves

e estímulos encontrados na implantação.

4.1.1. A Montadora M1

A montadora M1 era uma das montadoras recentemente vindas para o Brasil, tendo

inaugurado sua planta, com cerca de 1.200 funcionários, no início da década de 2000.

Possuia uma pequena linha de produtos sendo fabricados no Brasil, com o seu mix de

produtos complementado com carros importados. Trabalhava com índices de

nacionalização variando entre 50% e 80% (considerando-se apenas o fornecimento

direto), com tendência de crescimento do conteúdo localmente produzido. Possuía baixo

grau de integração vertical, sendo o motor um dos poucos componentes produzidos

internamente no grupo. Sua participação de mercado, apesar de ainda pequena, havia

crescido significativamente nos últimos anos.

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4.1.1.1. A Estratégia de Fornecimento

A estratégia inicial de fornecimento da M1-Brasil tinha sido definida pela matriz

espelhando as práticas de fornecimento adotadas mundialmente pela empresa. A filial

brasileira não apresentava, portanto, grandes inovações com relação às práticas

mundiais da montadora.

A implantação da estratégia de fornecimento para a planta brasileira havia seguido um

modelo de minimização de riscos, com forte adoção de follow sourcing (tinha-se como

objetivo evitar trabalhar com empresas que não forneciam mundialmente para a M1).

Ainda depois da implantação da fábrica, a planta brasileira continuava com fortes

vínculos com a matriz: a tomada de decisão com relação a questões estratégicas

continuava sendo tomada fora do Brasil (inclusive a seleção de novos fornecedores).

A política da matriz – que também era válida para o Brasil – tinha como um dos

principais objetivos o processo de desverticalização gradual da produção. Como

exemplo poderia se citar o caso da produção de estamparia que recentemente tinha sido

terceirizada (inclusive no fornecimento da planta brasileira). Outra atividade que

começava a ser transferida para os fornecedores mundiais era o fornecimento da

armação da carroceria dos veículos. Tinha-se como objetivo final da política de

desverticalização da produção a concentração dos investimentos nas áreas consideradas

estratégicas para a empresa: projetos e desenvolvimento de novos carros.

Existia a percepção que em alguns casos a desverticalização da produção já resultava

em perda de liderança tecnológica, com conseqüente aumento da dependência, em

alguns tipos de fornecimento (ex.: injeção eletrônica).

Adicionalmente, buscava-se, a partir de uma política definida na matriz, a utilização

crescente do conceito de fornecimento modularizado. Estimava-se que no Brasil 25% do

custo do carro já eram fornecidos em módulos.

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O relacionamento com fornecedores era visto a partir de uma ótica negocial com ênfase

em contratos e multas. Existia também uma forte pressão para que os fornecedores

abrissem suas “planilhas de custo”, ambicionando que a M1 exercesse um rigoroso

controle sobre os preços praticados. Esta planilha não tinha como objetivo a realização

de programas de engenharia de valor, já que se considerava que itens como melhorias

nos processos, reduções de custo e melhoria contínua eram de responsabilidade dos

fornecedores.

Como filosofia, buscava-se, sempre que possível, a redução da dependência da M1 com

seus fornecedores. Adicionalmente, incentivava-se que os fornecedores trabalhassem

com outras montadoras, viabilizando ganhos de escala que pudessem serem traduzidos

em reduções de preços para a M1.

4.1.1.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento

4.1.1.2.1. Seleção de Fornecedores

O fornecimento no Mercosul para a M1 era realizado a partir de um painel único de

fornecedores.

A seleção de fornecedores para os novos empreendimentos era baseada em seu histórico

de desempenho no fornecimento mundial para a M1. Esse histórico era construído a

partir de uma ferramenta de avaliação chamada de “Hexágono de Excelência”.

Os principais pontos considerados no “Hexágono de Excelência” eram:

- Produtividade/Preço: Economia sobre o produto; produtividade do

processo; competitividade nas consultas;

- P&D: Potencial técnico; desenvolvimento de produtos com M1;

desenvolvimento de novos veículos;

- Qualidade: Compromisso com a qualidade; certificações de qualidade;

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- Logística: Respeito às entregas; garantia do fluxo e flexibilidade; estoque;

plano de segurança;

- Perenidade: Saúde financeira; avaliação do gerenc iamento; compromisso

estratégico com o setor automotivo;

- Internacionalização: Apoio à M1 em projetos internacionais

A aceitação de novos fornecedores era também condicionada à avaliação do “Hexágono

de Excelência”, com o parecer final sendo dado pela matriz.

Os contratos utilizados com os fornecedores eram de longo prazo, vinculados ao ciclo

de vida do produto fornecido, ou seja, o fornecedor era responsável por peças de um

determinado veículo durante todo o período em que ele era fabricado. Existia a

expectativa de redução do preço da peça durante o ciclo de vida do fornecimento (por

causa de curva de aprendizado, por aumento de índices de nacionalização dos

componentes da peça ou por aumento nos volumes fornecidos). De forma geral estas

reduções de preço eram abordadas quando da renegociação anual dos contratos.

Segundo um dos entrevistados: “...eu posso fechar hoje um contrato com uma

dependência de dólar no preço, mas você (o fornecedor) tem um ano para nacionalizar

tais componentes... então dentro de um ano seu preço tem que cair em tantos

porcento...”

Com a maioria dos fornecedores era adotada uma política de planilhas abertas para

definição do preço da peça. Caso houvesse aumento ou redução nos volumes previstos

originalmente no contrato, os preços eram renegociados. Adicionalmente, caso os

fornecedores ganhassem contratos com outras montadoras, aumentando a escala de

produção das peças fornecidas, esperava-se que o preço unitário das peças também

fosse reduzido (na prática existia uma certa dificuldade em identificar os novos

contratos dos fornecedores).

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58

4.1.1.2.2. Redução da Base de Fornecedores

Redução do número de peças fornecidas por carro:

A estratégia da matriz de utilização crescente do fornecimento em módulos implicava a

redução de fornecedores diretos da empresa. Globalmente, 19 grupos de fornecedores já

concentravam 50% do orçamento da M1. No Brasil, esta adoção crescente do

fornecimento em módulos também implicava uma redução no número de fornecedores.

Redução do número de fornecedores por peça:

Apesar de não existirem metas quantitativas de fornecedores por produto, a pequena

escala da planta brasileira dificultava a utilização de múltiplos fornecedores por peça.

Além da questão da escala, havia uma tendência a concentrar o fornecimento nos

grandes parceiros internacionais da matriz, que vieram para o Brasil ou associaram-se

com empresas instaladas aqui. Segundo relato de um dos entrevistados: “Já que o

fornecedor x que é meu parceiro há 20 anos aqui (na matriz)... admitiu vir para o

mercado periférico junto comigo, dividindo o risco... eu tenho que dar um bom volume

para ele...”. Adotava-se, portanto, em alguns casos, uma política de single sourcing.

É interessante ressaltar a pequena base de fornecedores da M1 no Brasil: trabalhava-se

na época com cerca de 120 fornecedores. Menos de 10 deles representavam 80% do

custo total com fornecedores.

4.1.1.2.3. A Modularização do Fornecimento

O fornecimento em módulos já era uma realidade há 15 anos na M1 mundial e tinha

feito parte do projeto original da M1 Brasil. Existia também uma tendência de

crescimento na sua adoção, tanto mundial quanto localmente.

A estratégia de modularização era definida globalmente pela holding, com os novos

fornecimentos em módulos sendo testados inicialmente na matriz, com posterior adoção

em outros países. Por exemplo, armação interna dos veículos já era fornecida em

módulos na matriz, mas ainda o era em componentes no Brasil.

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59

Um exemplo de fornecedor de módulos era uma empresa que fornecia a M1 diversos

módulos, tais como painel de bordo, bancos e interiores de veículos. Neste caso

específico, apesar da desverticalização da produção, o fornecimento continuava sob o

controle da M1, que detinha 100% do capital acionário dessa empresa.

Ainda com relação ao fornecimento em módulos, é interessante ressaltar que surgiram,

em alguns casos, necessidades de adaptações locais ao projeto original de fornecimento.

Essas adaptações foram realizadas localmente através de esforços conjuntos de

engenharia, da montadora e do fornecedor, com o acompanhamento da matriz.

4.1.1.2.4. Utilização de Ativos Especializados

A utilização de ativos especializados era pouco presente no relacionamento entre a M1 e

seus fornecedores.

Os principais investimentos em ativos especializados foram aqueles realizados por cinco

fornecedores que se instalaram junto à fábrica (ativos geograficamente específicos).

Deve-se ressaltar, porém, que a M1 não os obrigava a serem fornecedores exclusivos.

Não havia outros investimentos que denotassem um comprometimento de longo prazo e

que fossem específicos ao relacionamento. Os investimentos em moldes, por exemplo,

eram realizados pela própria M1, que posteriormente emprestava-os para os

fornecedores.

De forma geral, a estratégia da M1 para investimentos em ativos específicos era de

minimização de dependência dos fornecedores. No caso dos moldes, por exemplo,

visava-se ter a flexibilidade de poder trocar de fornecedor, caso necessário.

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60

4.1.1.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores

Na estratégia de fornecimento da M1, a proximidade física dos fornecedores não era

considerada fundamental. Dos fornecedores da montadora, mais de 70% localizavam-se

no Estado de São Paulo, o que não inviabilizava que grande parte do fornecimento fosse

realizado com entregas just-in-time.

A montadora tentava, porém, incentivar uma maior proximidade com seus fornecedores

através da oferta de infra-estrutura e repasse do terreno em frente à fábrica (parque

industrial de fornecedores) a preço de custo.

Apenas cinco fornecedores estavam instalados neste parque, já que a pequena escala da

planta dificultava a criação de um grande parque de fornecedores. É interessante

ressaltar que os fornecedores instalados junto à planta não eram exclusivos, e que a

busca de novos clientes era facilitada pela localização do parque industrial, às margens

de uma importante rodovia.

4.1.1.2.6. Global Sourcing

As cotações das peças que seriam fornecidas para os novos veículos da M1 eram

realizadas com os fornecedores internacionais da M1. Os preços eram apresentados

visando atender todas as plantas do grupo que fossem produzir aquele veículo. Este tipo

de estratégia de fornecimento era facilitado pela forte política de follow sourcing

adotada pela empresa.

Esta adoção de uma política de global sourcing estava fortemente fundamentada na

utilização de poucas plataformas e de um grande número de peças em comum para cada

plataforma. Na M1, a meta era ter 75% de sua produção em três plataformas e 60% das

peças do veículo (em valor) comuns para uma mesma plataforma.

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61

4.1.1.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica

As trocas de informação entre a M1 e seus fornecedores eram feitas através de EDI

(EDIFACT D96A). Esse sistema de troca eletrônica de informações era usado para

enviar previsões mensais de produção (previsões móveis de quatro meses), atualizações

semanais (atualização das previsões mensais com horizonte de duas semanas) e os

pedidos firmes. Os fornecedores por sua vez enviavam o aviso de remessa das peças. O

objetivo da empresa era ter 100% dos seus fornecedores trabalhando com EDI.

A estratégia de e-business da M1 era baseada em um portal de fornecedores e na adesão

ao portal Covisint. O portal de fornecedores tinha como objetivo aproximar os

fornecedores da empresa, viabilizando um relacionamento com maior participação na

concepção de engenharia, e uma melhoria na coordenação da cadeia de suprimento. Já a

adesão ao portal Covisint visava a realização de leilões reversos via e-marketplace,

compras via catálogo e licitações on-line.

4.1.1.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores

Os processos estruturados para o desenvolvimento de fornecedores da M1 eram apenas

aqueles relacionados com questões como cursos e treinamentos, focados

prioritariamente em aspectos de qualidade.

Na M1 não existia estrutura ou know-how específico para desenvolver programas

conjuntos de engenharia de valor ou de redesenho de processos, já que se considerava

que o fornecedor era especialista naquilo que fazia, e que era sua a responsabilidade da

melhoria contínua da eficiência de seus processos. Conforme dito por um dos

entrevistados: “...a responsabilidade total da manufatura é dada para o fornecedor... ele

(o fornecedor) é especialista e tem um know-how maior do que a M1 no assunto...”.

É interessante notar que, por causa da política de aumento crescente do percentual de

itens nacionais nos carros da M1, buscava-se estudar conjuntamente com os

fornecedores quais eram as peças ou componentes em que era viável a substituição de

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importação. A definição dos processos de fabricação e a viabilização destes novos

fornecimentos era, porém, de responsabilidade do fornecedor. A M1 tentava viabilizar

estas novas peças através de acordos de mais longo prazo que justificassem o

investimento inicial do fornecedor.

4.1.1.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos

O desenvolvimento conjunto de produtos com fornecedores era uma prática na matriz,

não no Brasil (onde não existia departamento de pesquisa e desenvolvimento).

Na matriz, a participação dos fornecedores se dava através da presença de técnicos de

diversos fornecedores trabalhando no centro de pesquisa e desenvolvimento da M1.

Estes técnicos participavam do desenvolvimento de produtos específicos, que após

aprovados seriam licitados no mercado. O fornecedor que havia participado do

desenvolvimento da peça não obtinha automaticamente o fornecimento daquela peça,

tendo que participar da cotação mundial para fornecimento.

4.1.1.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento

Apresenta-se a seguir um quadro resumo que ilustra, de forma sintética, o grau de

adoção pela M1 das novas práticas de fornecimento. Esse quadro foi montado a partir

da percepção obtida nas entrevistas realizadas e não tem como objetivo ser uma medida

quantitativa, mas sim de avaliação de tendências em uma abordagem qualitativa.

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Quadro 4.1. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M1

Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Seleção de Fornecedores Contratos de Curto

Prazo

Multiple-Sourcing Single-Sourcing

Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho

Avaliação de Desempenho Complexa

Contratos de Longo Prazo

M1

M1

M1

Redução da Base de Fornecedores

Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho

Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho

Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível

Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte

M1

M1

Modularização

Projeto Próprio Terceirização de Projetos

Fornecimento em Módulos

Fornecimento de Componentes Individuais

M1

M1

Intermediário Alto

Utilização de Ativos Especializados

Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

M1

M1 Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

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PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Localização Geográfica

Fornecedores sem Proximidade Física

Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)

M1

Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente

Utilização de Políticas de Global Sourcing

M1

Troca de Informações

Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação

M1

M1

M1

Sem Transparência de Custos

Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas

Troca de Informações - Planilhas de Custo

Desenvolvimento de Fornecedores

Treinamento de Funcionários dos Fornecedores

M1

M1

Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor

Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor

Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor

Baixo Intermediário Alto

DesenvolvimentoConjunto de Produtos

O Produto é Desenvolvido pela Montadora

Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)

M1

M1

Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Infra-Estrutura Tecnológica

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65

4.1.1.3. Percepções Relativas ao Empreendimento

4.1.1.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas

Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada pela M1

no Brasil eram relacionados com: a) redução na base de fornecedores; b) utilização de

fornecimento modularizado; c) proximidade física com fornecedores e d) utilização de

global sourcing.

Redução na Base de Fornecedores:

Os principais benefícios percebidos em se adotar uma menor base de fornecedores eram

relacionados com economias de escala e redução dos custos de transação.

Modularização:

Os pontos fortes relatados na estratégia de modularização eram aqueles relacionados

com a redução do custo transacional e concentração de esforços na definição conceitual

dos novos carros.

Localização Geográfica:

A proximidade física dos fornecedores tinha como principais vantagens o aumento da

velocidade no atendimento das demandas da montadora, a viabilização da redução de

estoques e o estreitamento das relações, com o fornecedor muitas vezes trabalhando

dentro da montadora.

Global Sourcing:

A adoção de uma política de global sourcing viabilizava que eventuais problemas no

suprimento de uma peça em um determinado país poderiam ser resolvidos com a

importação da mesma peça de alguma outra planta do mesmo fornecedor.

A principal desvantagem percebida na adoção das atuais práticas de fornecimento do

empreendimento era relacionada com o risco inerente à aplicação do single sourcing.

Como exemplo deste risco, foi citado o caso de uma empresa argentina que por

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problemas financeiros interrompeu o fornecimento para a M1 brasileira. Como a peça

fornecida era exclusiva do carro brasileiro, teve-se que desenvolver rapidamente um

novo fornecedor visando evitar o comprometimento da produção. Nos casos em que a

peça possuía fornecimento internacional esse risco era mitigado pelas práticas de global

sourcing.

4.1.1.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados

Os principais entraves verificados no desenvolvimento da implantação da estratégia de

fornecimento da M1 no Brasil estavam relacionados com burocracias nas transações

fiscais entre montadora e fornecedores e também com o processo de importação de

peças.

Parque de Fornecedores:

A instalação do parque de fornecedores em endereço fiscal diferente da M1 gerava a

necessidade de emissão de muitas notas fiscais, com um alto custo de papel e overhead.

Importação de Peças:

Faz-se aqui referência a um dos componentes do chamado custo Brasil: a pouca

confiabilidade do processo de importação, por causa das constantes greves e morosidade

no trabalho das aduanas gerava um risco de eventual falta de peças importadas para

fabricação do carro.

A principal facilidade para a adoção das novas práticas de fornecimento está relacionada

com os estímulos fiscais e econômicos concedidos pelo governo do Estado para

instalação da montadora e seus fornecedores.

4.1.1.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento

A visão de futuro da M1 para o relacionamento com seus fornecedores envolvia a

utilização crescente de conceitos de fornecimento em grandes módulos e global

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sourcing, cuja política era fundamentada na utilização de poucas plataformas e poucos

componentes para os carros mundiais da montadora.

Outro conceito que já estava bem estabelecido na estratégia de fornecimento,

conjuntamente com a política de desverticalização da produção, era o de

responsabilização do fornecedor pelas peças/módulos fornecidos. Entendia-se, cada vez

mais, que o core business da empresa era projetar e desenvolver novos carros de

sucesso no mercado. Já os fornecedores teriam como core business ser responsáveis

pelo desenvolvimento conjunto das peças, pela eficiência dos processos de fabricação

das peças e pela qualidade e baixo custo do produto fornecido.

4.1.2. A Montadora M2

A montadora M2 era uma das montadoras recentemente vindas para o Brasil, tendo

inaugurado sua planta, com cerca de 1.100 funcionários, no final da década de 90.

Possuia uma pequena linha de produtos sendo fabricados no Brasil, sendo o seu mix de

produtos complementado com carros importados. Trabalhava com índice de

nacionalização em torno de 40% (considerando-se apenas o fornecimento direto).

Possuia um moderado grau de integração vertical, sendo o motor, o câmbio e 70% da

estamparia fabricados internamente. Sua pequena participação de mercado tinha se

mantido estável nos últimos anos.

4.1.2.1. A Estratégia de Fornecimento

A estratégia de fornecimento da M2-Brasil tinha vindo toda pronta da sede, espelhando

as políticas de uma planta já existente. A filial brasileira não apresentava, portanto,

grandes inovações no relacionamento padrão da M2 com seus fornecedores.

O fornecimento na planta brasileira era praticamente 100% baseado em follow sourcing

com os principais parceiros internacionais da M2 fornecendo também para a planta

brasileira. Alguns desses fornecedores optaram por instalar-se no Brasil enquanto outros

preferiram associar-se com fornecedores já instalados aqui – nesses casos o fornecedor

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local geralmente pagava royalties para produzir as peças do fornecedor dono do

contrato. Alguns fornecedores de uma outra planta brasileira da M1 foram também

aproveitados.

A estratégia da M2 era fortemente baseada em desverticalização crescente, tanto da

produção quanto do projeto das peças dos carros.

Com relação ao projeto de peças, a política passada de desenvolver e patentear todas as

peças de seus carros tinha gradualmente mudado para um modelo em que os

fornecedores desenvolviam novas peças para a M2, com engenheiros especialistas da

montadora participando ativamente deste desenvolvimento (as patentes ainda eram da

M2). O conceito da M2 para o fornecimento no futuro era baseado em uma terceira fase

em que a M2 apenas definiria o conceito do veículo e as peças seriam totalmente

desenvolvidas pelo fornecedor. Neste caso a patente das peças já seria do fornecedor,

com a montadora tratando-as como uma “caixa preta”. Já existiam, inclusive, algumas

peças sendo fornecidas neste sistema. Neste novo modelo de fornecimento os

engenheiros da M2 seriam realocados para funções de compra.

Como instrumento para negociação de preços, a M2 buscava uma política de planilhas

de custos abertas com seus fornecedores. Porém, seus maiores fornecedores não

aceitavam trabalhar com esta política. Segundo relato da montadora, a adoção da

política de planilhas abertas com alguns fornecedores facilitava eventuais re-

negociações de preço quando comprovado que existiam aumentos de custo. Já as re-

negociações de preço com aqueles que não trabalhavam com planilhas abertas tinham a

tendência a ter de ser mediadas pelas matrizes das empresas.

O relacionamento com os principais fornecedores em nível global era considerado como

sendo de parceria/amistoso. Não obstante, devido a um grave problema de redução no

volume de produção da planta brasileira, surgiram localmente alguns focos de conflito

nas negociações com os fornecedores. Segundo relato de um dos entrevistados: “...nós

temos alguns casos hostis em que existe a necessidade da interferência da matriz”.

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4.1.2.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento

4.1.2.2.1. Seleção de Fornecedores

A seleção de fornecedores era realizada globalmente pela matriz. Existiam por volta de

dois a três fornecedores mundiais já pré-selecionados para cada módulo ou componente,

considerado estratégico, comprado pela M2. O módulo do ar condicionado é um

exemplo de peça para o qual existem três fornecedores mundiais pré-selecionados. No

caso da M2-Brasil o fornecedor selecionado tinha participado ativamente do

desenvolvimento do projeto do módulo, tornando-se fornecedor exclusivo para o carro

mundial.

O histórico de atuação destes fornecedores mundiais era acompanhado (desempenho,

preço e qualidade) para cada projeto, e o seu re-aproveitamento em um novo projeto iria

depender do seu desempenho nos últimos projetos.

Assim como na M1, os contratos utilizados com os fornecedores eram de longo prazo,

vinculados ao ciclo de vida do produto fornecido.

4.1.2.2.2. Redução da Base de Fornecedores

Existiam metas globais tanto para a redução no número de peças fornecidas por carro

(aumento da modularização) quanto para a redução no número de fornecedores por peça

(o objetivo era ter de dois a três fornecedores globais por peça). O fornecimento de

determinada peça para determinado carro funcionava como single sourcing (para cada

projeto existia um fornecedor único para as principais peças/módulos). O fornecedor era

escolhido antes do projeto, participava do projeto e ficava reponsável por aquele

fornecimento para aquele carro.

Na M2 brasileira, a pequena escala de produção inviabilizava a alocação de mais de um

fornecedor por peça, mesmo para o fornecimento de peças consideradas commodities.

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Os pneus/roda eram a exceção à regra, com três fornecedores qualificados e

homologados para o fornecimento.

No Brasil, praticamente não havia existido redução na base de fornecedores

inicialmente definidos para a planta. Apenas alguns poucos com baixo desempenho

foram removidos. Em nível mundial, existia a tendência de redução de fornecedores

por: a) escolha de poucos e talentosos fornecedores para cada peça/módulo e b) re-

alocação de fornecedores menores para sub-fornecedores.

4.1.2.2.3. A Modularização do Fornecimento

Algumas das principais peças do carro já eram fornecidas em módulo: painel de

controle; ar condicionado; arrefecedor; tampa traseira; sistema de combustível; chicotes

e eixos.

Não obstante, a estratégia de modularização era ainda crescente na empresa. Para se

tornar um fornecedor de primeiro nível da empresa, deveria se assumir cada vez maiores

fatias/responsabilidades do fornecimento. Como exemplo pode-se citar o caso de um

fornecedor da M2 que havia comprado outro fornecedor (de mangueiras) visando

transformar-se em um fornecedor de módulos completos de ar condicionado

É interessante ressaltar que em alguns casos de fornecimento em módulo, a montadora

negociava diretamente com o fornecedor de segundo nível, evitando a perda de sua

alavancagem comercial e garantindo preços competitivos para seu fornecedor de

primeiro nível.

4.1.2.2.4. Utilização de Ativos Especializados

O investimento nas plantas instaladas junto à fábrica da montadora havia sido

totalmente realizado pelos fornecedores, caracterizando um investimento de longo prazo

em ativos geograficamente específicos, cujo retorno deveria ser viabilizado através de

parcelas de amortização incorporadas ao preço das peças.

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Porém, a situação de baixo volume de produção que havia se configurado após o

período inicial de vendas levou a M2 a optar por comprar as plantas desses

fornecedores. Temia-se o fechamento das mesmas por causa de inviabilidade econômica

do fornecimento nos níveis que se apresentavam. É interessante ressaltar que a compra

das plantas dos fornecedores não foi motivada por uma estratégia específica da

montadora, mas sim pela configuração de uma situação de risco que poderia inviabilizar

o negócio.

Já os investimentos específicos no ferramental de produção, inclusive nas ferramentas

que haviam sido desenvolvidas conjuntamente com os fornecedores, foram realizados

pela montadora. Os fornecedores utilizavam este ferramental por um determinado

período de tempo a partir de um contrato de comodato. Após o término do contrato as

ferramentas eram devolvidas para a M2.

A estratégia da montadora de ser proprietária das ferramentas vinculadas a suas peças

patenteadas tinha como principais objetivos a redução de dependência do fornecedor e a

manutenção do controle sobre um ferramental que poderia ser, eventualmente, utilizado

de forma ilegal no abastecimento do mercado negro de peças de reposição.

Com relação a investimentos em ativos específicos com características mais

operacionais, deve-se citar os investimentos que haviam sido realizados pelos

fornecedores em embalagens específicas, sistemas e certificações de qualidade

específicas.

4.1.2.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores

Não existia uma política agressiva de proximidade física que determinasse que “x%”

dos fornecedores da M2 tivessem que estar a determinada distância física em

determinado prazo de tempo.

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A montadora adotava, porém, uma política de ter seus fornecedores considerados

estratégicos em seu “condomínio industrial”. No caso da M2 brasileira eram oito

fornecedores nesse condomínio, com quatro fornecendo diretamente na linha de

produção (freio/combustível; pneu/roda; bancos/assentos; painel). Os oito fornecedores

do condomínio industrial realizavam entregas just-in-sequence.

Existiam, adicionalmente, cinco fornecedores em um “parque externo”, com grande

proximidade física da planta.

O condomínio trabalhava com um conceito de “ilha fiscal”, com as transações sendo

registradas através da leitura de códigos de barra na entrega das peças, sem a

necessidade de emissão de notas fiscais a cada transação.

Havia sido adotado para os fornecedores do parque interno e do externo uma política de

exclusividade no fornecimento. Esse conceito de exclusividade causava um grave

problema com os fornecedores, que deveriam ter seus investimentos amortizados nos

custos da peças fornecidas, mas não recebiam escala de pedidos suficiente para tal. Por

questões legais/tributárias, o conceito de “ilha fiscal” adotado no parque interno

impossibilitava que essas empresas pudessem fornecer para outras montadoras,

inviabilizando a redução da ociosidade. Já os fornecedores externos não tinham esse

tipo de restrição e buscavam ativamente negócios com outras montadoras.

4.1.2.2.6. Global Sourcing

A estratégia de fornecimento da M2 era fortemente apoiada em políticas de global

sourcing. No empreendimento brasileiro, 40% (em valor) das peças eram fornecidas

nesta modalidade. Existiam três motivos principais para a adoção desta política: a)

preço - não compensava duplicar algumas ferramentas para ter um fornecimento local;

b) tecnologia - não existia tecnologia desenvolvida no Brasil para fornecer determinadas

peças; c) estratégia - não existia fábrica de motor da M2 no Brasil.

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4.1.2.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica

A troca de informações existentes entre montadora e fornecedores era principalmente

aquela necessária para coordenação do fluxo de materiais (just-in-time para

fornecedores externos e just-in-sequence para os fornecedores internos) e para a

realização de negociações comerciais (transações de um para um). Com os fornecedores

instalados dentro do parque industrial trocavam-se informações através de intranet. Já

com os de fora, utilizava-se o formato ANFAVEA de troca de dados por EDI.

Informações relacionadas com o custo das peças fornecidas eram trocadas com alguns

fornecedores (política de planilhas abertas). Não objetivava, porém, a realização de

programas conjuntos de engenharia de valor.

Dentro do conceito de Extended Enterprise adotado pela M2 com seus fornecedores, as

matrizes da M2 e seus principais fornecedores trocavam informações relacionadas com

o direcionamento estratégico para os próximos anos.

4.1.2.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores

A M2 adotava uma política de desenvolvimento de fornecedores que era baseada nas

oportunidades verificadas durante auditorias de processo periódicas. Eram checadas

oportunidades de melhoria em questões relacionadas com os processos (desperdícios),

meio ambiente e treinamento. A montadora estava evoluindo para um conceito de

“Kaizen” nos fornecedores, visando analisar continuamente as oportunidades de

redução de desperdício e mudanças de processos.

As oportunidades de melhorias detectadas nas auditorias periódicas poderiam ser

transformadas em projetos cujos ganhos/reduções de custos seriam compartilhados entre

montadora e fornecedores. Projetos que envolvessem grandes mudanças (por exemplo,

mudança de tecnologia para nacionalização de peças) deveriam ser aprovados pela

matriz.

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A possibilidade de transferência de know-how e/ou redução de custos para outras

montadoras ao desenvolver um fornecedor não-exclusivo era vista como real, porém era

também considerada como um risco normal do negócio.

É interessante perceber que as auditorias que eram apresentadas como oportunidades

para o desenvolvimento de fornecedores tinham também como objetivo dar notas aos

fornecedores. No caso da M2 brasileira, as auditorias, que tinham participação dos

compradores, funcionavam também como oportunidade para a montadora pressionar os

fornecedores em questões de qualidade e preço. Segundo um dos entrevistados:

“Funcionam muito bem (as auditorias). Para nós é uma política fundamental”.

Com relação ao desenvolvimento dos funcionários dos fornecedores não existia uma

política estruturada de investimentos. Considerava-se que os investimentos em

treinamento desses funcionários eram de responsabilidade dos próprios fornecedores.

4.1.2.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos

O desenvolvimento conjunto de produtos com fornecedores era uma prática na matriz,

onde fica o departamento de pesquisa e desenvolvimento da montadora.

Na matriz, o envolvimento dos fornecedores se dava através da participação em

plataformas de desenvolvimento com equipes formadas por engenheiros da montadora e

do fornecedor. Existia uma tendência de que a participação do fornecedor no

desenvolvimento poderia vir a ser ainda maior, com a montadora perdendo a liderança

tecnológica em uma série de peças/módulos fornecidos.

No Brasil existiu um esforço conjunto durante o período de planejamento do

empreendimento, em que engenheiros dos fornecedores analisaram conjuntamente com

a montadora as oportunidades de melhorias locais do projeto.

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75

4.1.2.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento

Apresenta-se a seguir um quadro resumo nos mesmos moldes daquele montado para

M1. Mais uma vez, deve-se ressaltar que não tem como objetivo ser uma medida

quantitativa, mas sim de avaliação de tendências.

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76

Quadro 4.2. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M2

Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Seleção de Fornecedores Contratos de Curto

Prazo

Multiple-Sourcing Single-Sourcing

Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho

Avaliação de Desempenho Complexa

Contratos de Longo Prazo

Redução da Base de Fornecedores

Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho

Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho

Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível

Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte

Modularização

Projeto Próprio Terceirização de Projetos

Fornecimento em Módulos

Fornecimento de Componentes Individuais

Intermediário Alto

Utilização de Ativos Especializados

Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

M2

M2

M2

M2

M2

M2

M2

M2 Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

M2

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PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Localização Geográfica

Fornecedores sem Proximidade Física

Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)

Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente

Utilização de Políticas de Global Sourcing

Troca de Informações

Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação

Sem Transparência de Custos

Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas

Troca de Informações - Planilhas de Custo

Desenvolvimento de Fornecedores

Treinamento de Funcionários dos Fornecedores

Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor

Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor

Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor

Baixo Intermediário Alto

DesenvolvimentoConjunto de Produtos

O Produto é Desenvolvido pela Montadora

Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)

Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Infra-Estrutura Tecnológica

M2

M2

M2

M2

M2

M2

M2

M2

M2

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78

4.1.2.3. Percepções Relativas ao Empreendimento

4.1.2.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas

Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada pela M2

no Brasil eram relacionados com: a) proximidade física com fornecedores; b) utilização

de fornecimento modularizado; c) utilização de global sourcing / follow sourcing e d)

políticas de seleção de fornecedores.

Localização Geográfica:

Os principais benefícios percebidos com relação a uma maior proximidade dos

fornecedores eram relacionados com a redução de estoques, viabilizada por entregas

just-in-sequence e o aumento da confiabilidade do fornecimento.

Modularização:

As vantagens percebidas na estratégia de modularização eram responsabilidade única

pela qualidade do módulo; responsabilidade única pelo mercado de pós-vendas;

desenvolvimento tecnológico do módulo como core-business do fornecedor; redução

de investimentos e redução dos custos de transação.

Global Sourcing:

A política de global sourcing associada à instalação dos fornecedores internacionais da

M2 no Brasil teve como ponto positivo viabilizar um rápido start-up da montadora.

Seleção de Fornecedores:

A M2 brasileira conseguia, através de políticas de avaliação de desempenho de

fornecedores, pressionar e barganhar com seus fornecedores locais. Explica-se: as

avaliações do desempenho de cada fornecedor eram realizadas por projeto e essas

avaliações eram utilizadas para definir a escolha de fornecedores para cada novo projeto

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79

da OEM7, ou seja, os fornecedores dependiam, em um nível mundial, das avaliações de

desempenho da unidade brasileira.

Existiam, porém, problemas percebidos na adoção das atuais práticas de fornecimento

relacionadas com: a) redução da base de fornecedores; e b) modularização.

Redução da Base de Fornecedores:

Problemas relacionados com o aumento da dependência da montadora. A adoção de

single sourcing gerava uma situação em que os fornecedores podiam explorar a

dependência da montadora de seu fornecimento, que era único, para ser mais agressiva

nas negociações de preço. Segundo relato de um dos entrevistados: “a dependência é

total... eles têm a faca e o queijo na mão”.

Modularização:

Existiam desvantagens percebidas na estratégia de modularização: perda de

alavancagem na negociação (fornecedores maiores e margem do sistemista nas peças do

módulo); risco do módulo se tornar “caixa preta” com perda de liderança tecnológica na

cadeia e maior dificuldade em conseguir apurar o custo real do módulo mesmo através

de políticas de planilhas abertas.

4.1.2.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados

Os principais entraves encontrados na implantação da estratégia de fornecimento da M2

estavam relacionadas com a ausência de tecnologia desenvolvida no Brasil para

fornecer determinadas peças, com a pequena escala de produção, com a falta de

conhecimento prévio do parque de fornecedores local e com questões

operacionais/burocráticas relacionadas com a importação de peças.

Ausência de Tecnologia Local e Pequena Escala de Produção:

A ausência de parque fornecedor local com capacitação para produção de peças com

alto nível tecnológico associada com a pequena escala da produção local havia obrigado

7 OEM – Original Equipment Manufacturer. Fabricante original de equipamentos (neste caso, de carros)

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a M2 a depender muito do fornecimento internacional, com todos os riscos econômicos

e operacionais inerentes a esta opção.

Falta de Conhecimento do Parque Local:

As definições da política de fornecimento do empreendimento haviam sido todas

tomadas na matriz, sem que houvesse um conhecimento profundo da realidade brasileira

de fornecimento. Foram tomadas algumas decisões que geraram atrasos e aumento de

custo no fornecimento. Por exemplo: a) as ferramentas foram feitas fora do Brasil, sem

que se avaliasse se já não existiam similares no parque de fornecedores brasileiro; b)

alguns processos e ferramentas definidos na matriz não serviam para a realidade

brasileira – por exemplo, alguns estampos foram feitos sem que houvesse nenhum

injetor no Brasil em que eles pudessem ser fixados.

Importação de Peças:

A importação de peças gerava dificuldades relacionadas com o grande lead time do

fornecimento (cerca de 40 dias) e também com problemas burocráticos relacionados

com a re-importação de peças que haviam sido devolvidas: a alfândega brasileira não

aceitava eventuais modificações de projeto que pudessem ter sido realizadas na peça

que estava sendo re- importada.

Os estímulos encontrados para implantação das novas práticas de fornecimento eram

relativos a liberalidades e benefícios fiscais concedidos pelo Estado e à existência de

uma base de fornecedores prévia, relativa a um outro empreendimento do grupo.

4.1.2.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento

A principal tendência da estratégia de relacionamento futuro com os fornecedores era a

terceirização progressiva de funções de agregação de valor, com a montadora focando

seus esforços na definição de novos carros.

Na visão de futuro de M2, os fornecedores passariam de meros fabricantes de peças

para assumir uma posição de liderança no desenvolvimento de determinados tipos de

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81

produtos (geralmente sistemas inteiros). Estes produtos passariam a ser de patente do

fornecedor com a montadora tendo pouca ingerência sobre o seu desenvolvimento.

4.1.3. A Montadora M3

A montadora M3 era um dos recentes empreendimentos automobilísticos instalados no

Brasil, com cerca de 3.500 funcionários alocados à sua planta, que havia sido

inaugurada no início da década de 2000. Possuía uma pequena linha de produtos sendo

fabricados no Brasil, sendo o seu mix de produtos complementado com carros nacionais

de outras plantas e carros importados. Trabalhava com índice de nacionalização em

torno de 95% (considerando-se apenas o fornecimento direto). Possuia baixo grau de

integração vertical, com a grande maioria dos seus componentes sendo fabricados por

terceiros. Sua participação de mercado estava sendo crescente desde o seu recente início

de atividades.

4.1.3.1. A Estratégia de Fornecimento

A estratégia de relacionamento com fornecedores da M3 tinha sido definida por uma

equipe composta por técnicos brasileiros e da matriz. O resultado final havia sido

apresentado a um board na matriz, tendo sido feitos ajustes para o alinhamento com a

estratégia mundial de compras da empresa.

Neste empreendimento buscava-se aplicar todos os conceitos considerados best

practices na indústria automobilística. A utilização agressiva de conceitos de liderança

dos fornecedores no desenvolvimento de produtos, de redução da base de fornecedores

e de localização geográfica próxima, com política única de recursos humanos, era

considerada pioneira no grupo.

Era aplicado, adicionalmente, o conceito de fornecimento em grandes módulos

diretamente na linha de montagem, configurando uma política de desverticalização de

parte da produção. A montagem na linha de produção continuava, porém, na sua maior

parte, sob a responsabilidade da M3. Os 30% do valor do carro que eram fornecidos

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sem modularização inviabilizavam que pudesse ser definida uma estratégia de

montagem do carro pelos fornecedores.

O relacionamento com os fornecedores era, de forma geral, fortemente influenciado por

pressões relacionadas à renegociação de preços por aumento de custos, tornando-o, na

maioria dos casos, hostil.

Já na parte técnica do relacionamento, poderia se identificar dois principais grupos de

fornecedores: um primeiro grupo entendia os objetivos comuns das empresas e

trabalhava conjuntamente em programas de engenharia de valor e redução de custos; um

segundo grupo usava a dependência da montadora do seu fornecimento único tentando

renegociar preços como forma de repassar os eventuais aumentos de custo das peças.

A utilização de planilhas de custos abertas era considerada pela M3 como sendo

condição necessária para balizar as discussões de alterações de preço por aumento de

custo com qualquer fornecedor. Era também considerada necessária para a realização de

programas de engenharia de valor. Considerava-se porém que nem todas as empresas

abriam as planilhas no nível de detalhamento desejado.

4.1.3.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento

4.1.3.2.1. Seleção de Fornecedores

A seleção de fornecedores para este empreendimento tinha sido considerada pioneira no

grupo, tendo sido realizada a partir de um trabalho rigoroso de escolha dos fornecedores

com melhor histórico de desempenho da M3 no Brasil e/ou Argentina. A escolha local

havia sido submetida a um conselho mundial de compras na matriz, sendo feitas

algumas alterações na seleção original visando incluir aqueles fornecedores mundiais

considerados estratégicos.

Os principais fornecedores selecionados para participar do projeto da M3 foram

convidados a se instalar em um parque de fornecedores junto à fábrica, garantindo

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83

contratos de longo prazo e de exclusividade de fornecimento com envolvimento no

projeto.

Existia, adicionalmente, um esforço para selecionar novos fornecedores para instalação

junto à M3. Este fornecimento não seria de itens estratégicos, mas devido ao grande

investimento específico demandado seriam garantidos contratos de longo prazo. Os

critérios de seleção para esses fornecedores não eram rigorosos. Considerava-se,

inclusive, que alguns fornecedores pudessem ser desenvolvidos “do zero”, desde que

estivessem dispostos a se instalar nas proximidades da fábrica.

4.1.3.2.2. Redução da Base de Fornecedores

A M3 adotou uma estratégia de redução da sua base de fornecedores calcada na

integração de componentes em módulos e remoção de fornecedores com baixo

desempenho.

Integração de componentes em módulos:

A estratégia da M3 era fortemente baseada em fornecimento em módulos, o que reduzia

sobremaneira o número de fornecedores com quem a montadora tinha relacionamento

direto. Os 31 grandes fornecedores localizados junto à fábrica da M3 forneciam 70% do

valor do carro.

Remoção de fornecedores de baixo desempenho :

Havia sido feito um grande trabalho nos últimos três anos visando a redução do número

de fornecedores por peça, com uma seleção daqueles considerados os de melhor

desempenho – foram usados critérios como qualidade, número de paradas de linha,

cadeia de valor eficiente, etc. Reduziu-se a base em 10 vezes: dos cerca de 1500

fornecedores originalmente existentes, haviam sido escolhidos por volta de 150

fornecedores-chave.

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84

Mesmo após a escolha e aprovação dos fornecedores-chave que iriam ser convidados

para se instalar junto à planta da M3, ainda houve a remoção de alguns fornecedores

selecionados que apresentavam problemas de qualidade.

Trabalhava-se com fornecimento single sourcing nessa etapa de início de atividades,

com pouca escala de produção. A estratégia para o futuro era manter o single sourcing

com as empresas que se instalassem junto à planta e tornar de fornecimento duplo

aquelas peças em que não fazia sentido incentivar a produção local, já que dependiam

de enorme escala de produção, por exemplo, amortecedores e embreagens.

4.1.3.2.3. A Modularização do Fornecimento

Conforme mencionado anteriormente, a estratégia de fornecimento de M3 era

fortemente baseada no conceito de modularização. Eram 31 fornecedores modulistas

instalados junto a M3 (representando 70% do valor do carro) e que haviam participado

ativamente do desenvolvimento conceitual dos módulos fornecidos.

Exemplos de módulos fornecidos:

- Módulo de Suspensão (suspensão, motor, freio, torres, etc)

- Módulo do Banco

- Módulo Soft Trim (carpete, isoladores acústicos, etc)

- Módulo de Body Shop (fechamento da carroceria)

- Módulo das Portas

- Módulo de Front-End (inclui ar condicionado)

A política adotada em M3 era a de fornecimento de módulos considerados grandes e

complexos. Temia-se, porém, que caso os módulos se tornassem ainda maiores e mais

complexos, poderia-se chegar a uma situação em que a modularização deixaria de ser

interessante para M3, com os fornecedores agindo oportunisticamente ao fornecer

grandes “caixas pretas” sem um efetivo controle de custos por parte das montadoras.

Segundo um dos entrevistados, “...chega um limite que a modularização fica cara para

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85

você...o processo fica fora do seu controle...se você não tem a flexibilidade de falar: ‘se

você não faz eu faço’ (alguma modificação), o fornecedor fica muito à

vontade...portanto você tem de observar sempre este limite, até onde você vai com a

modularização”.

É interessante ressaltar, ainda, que para evitar o aumento de custos na compra de

componentes para os módulos, M3 muitas vezes realizava diretamente a negociação

comercial para comprar componentes que seriam montados no módulo por um outro

fornecedor. O objetivo era não desperdiçar a sua grande alavancagem comercial,

evitando aumentar o custo final dos módulos.

4.1.3.2.4. Utilização de Ativos Especializados

Os principais investimentos em ativos especializados realizados por M3 e seus

fornecedores eram aqueles referentes aos ativos geograficamente específicos. A infra-

estrutura básica era toda fornecida pelo governo do Estado (terreno, energia e fibra

ótica), o investimento em asfalto (pavimentação) era todo de M3 e cada fornecedor

investiu na sua fábrica específica, com a amortização de seus investimentos sendo

incluída no preço das peças fornecidas.

Com relação à dependência criada com o investimento em ativos geograficamente

específicos, vale notar que se percebia em alguns fornecedores comportamentos

oportunísticos, que visavam alavancagem nas negociações comerciais contando com a

dependência de M3 de seu fornecimento. Segundo relato de um dos entrevistados:

“alguns usam contra a M3 o fato de estar aqui, visando ‘ganhar mais pedrinhas’... usam

as famosas pressões de parar a linha...”.

O investimento nas ferramentas especializadas era todo dos fornecedores, porém M3

comprava gradativamente esses ativos (no horizonte de cinco a dez anos) a partir de

amortizações no preço das peças compradas.

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86

4.1.3.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores

A montadora adotava para este empreendimento a estratégia de instalação em área

green field com grande proximidade física de seus principais fornecedores (70% do

valor fornecido já estava dentro do condomínio industrial). Existiam, no total, 31

fornecedores dentro de seu parque industrial.

Já havia outras empresas se instalando próximas ao empreendimento, formando um

parque externo. A política de M3 era expandir ainda mais este parque externo,

oferecendo, além dos benefícios econômicos concedidos pelo Estado, um contrato de

longo prazo com exclusividade de fornecimento e inclusão em seus programas de

desenvolvimento de fornecedores. Visava-se, assim, a redução dos preços das peças que

eram trazidas de grandes distâncias.

M3 não exigia exclusividade de fornecimento das empresas instaladas no seu parque

interno ou externo. Pelo contrário, estas eram incentivadas a aproveitar o fluxo de

retorno do transporte das peças que chegariam, para fornecer para outras montadoras,

aumentando sua escala de produção (e viabilizando reduções no custo das peças

fornecidas para M3).

Havia sido criado um regime fiscal especial para M3, que só recebia a nota fiscal dos

seus fornecedores localizados no parque industrial quando o carro já estava saindo do

condomínio industrial, pronto para a venda ao consumidor final (regime de pay for

production). Esta prática viabilizava a eliminação de custos burocráticos envolvendo a

emissão de notas fiscais para o fornecimento das peças/módulos.

Uma outra conseqüência do regime fiscal especial era que os fornecedores só recebiam

quando o carro estivesse pronto para ser vendido. Por isso alguns fornecedores

acabavam tendo seu faturamento atrasado por problemas em peças fornecidas por outra

empresa.

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Adicionalmente, é interessante ressaltar que a estratégia adotada com relação à política

de recursos humanos tinha sido a de unificar a base salarial/benefícios dos trabalhadores

tanto da montadora quanto dos fornecedores. Essa estratégia esbarrou inicialmente em

políticas corporativas de recursos humanos de algumas empresas fornecedoras, mas

acabou sendo implementada com sucesso.

4.1.3.2.6. Global Sourcing

Existia um conselho mundial de compras que definia as políticas de fornecimento de

M3, buscando cotações globais com seus principais fornecedores. Dois principais

fatores dificultavam a inserção da M3 Brasil nessas políticas de compra global: a

plataforma utilizada no veículo produzido no Brasil era independente das demais

plataformas mundiais e o fornecimento local estava muito mais barato em dólar do que

qualquer fornecimento internacional.

Por causa da desvalorização do real, o movimento que estava ocorrendo era o de os

melhores fornecedores de M3 Brasil começarem a ganhar outros fornecimentos globais

da montadora. Era esperado que o envolvimento das empresas locais em fornecimentos

globais fosse mais intensificado a partir do momento em que a plataforma brasileira

começasse a se tornar uma plataforma internacional.

4.1.3.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica

Existia em M3 políticas de troca de informação com fornecedores relacionadas com

fluxo de materiais, planilhas de custos das peças e desenvolvimento colaborativo de

produtos.

A utilização de sistemas de tecnologia de informação tinha sido especialmente intensa

durante o período de concepção do projeto, com o desenvolvimento colaborativo dos

produtos sendo coordenado eletronicamente entre diversas unidades mundiais de M3 e

de seus fornecedores internacionais.

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88

A abertura dos custos das peças fornecidas era solicitada por M3 para viabilizar re-

negociações de preço e também para realização de programas conjuntos de redução de

custos. Porém, o nível de detalhamento de custos dessas planilhas era, em muitos casos,

insuficiente para viabilizar um efetivo acompanhamento dos custos das peças.

4.1.3.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores

Existia em M3 um esforço estruturado e contínuo para o desenvolvimento dos

fornecedores e redução de custos. Segundo relato de um dos entrevistados: “...queremos

fornecedores fortes em termos de processos de qualidade e eliminação de desperdício”.

O programa existente era baseado em análise da cadeia de valor dos fornecedores, e

tinha como pré-requisito a transparência de custos dos mesmos. Existia uma equipe de

35 funcionários de M3 (incluindo engenheiros e equipe de suporte) focados na

otimização de custos e engenharia de valor. Esta equipe realizava workshops com os

fornecedores e em alguns casos desenvolvia fornecedores praticamente “do zero”.

A M3 adotava, mundialmente, uma política de compartilhamento dos benefícios

auferidos no desenvolvimento de fornecedores. Em alguns casos, os investimentos eram

realizados totalmente por M3. Como retorno cobrava-se do fornecedor determinada

redução do preço da peça durante o período em que ela era fornecida.

Adicionalmente, M3 realizava grandes investimentos em capital humano de seus

fornecedores. Ao todo, M3 investiu em quase 1000 horas de treinamento para os

funcionários dos fornecedores. Um dos treinamentos dados para todos os 31

fornecedores instalados junto à fábrica foi em 6 sigma/black belt. Buscava-se, assim, o

aperfeiçoamento dos fornecedores em análises estatísticas e de processos.

Não existiam grandes preocupações com o vazamento de tecnologia/know how, que

determinado fornecedor poderia ter desenvolvido a partir de um investimento de M3,

para as outras OEM’s concorrentes de M3. Nestes casos acreditava-se que as reduções

de custo obtidas com o investimento de M3 não se transformariam necessariamente em

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89

reduções de preço para as outras montadoras – os fornecedores simplesmente

aproveitariam para aumentar sua margem ao fornecer para as outras OEM’s.

4.1.3.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos

No projeto de M3 no Brasil, a participação dos fornecedores no desenvolvimento das

peças havia sido iniciada 30 meses antes do assim chamado “Job #1”8. M3 havia

participado ativamente do desenvolvimento do conceito do carro com 250 engenheiros e

os fornecedores tinham tido a liderança no desenvolvimento em peças/módulos como

suspensão, bancos, módulo dianteiro e de arrefecimento. Este projeto foi iniciado nas

matrizes da montadora e dos fornecedores e foi, posteriormente, transferido para as

filiais brasileiras.

No ano de 2000, a M3 mundial desenvolveu um programa cujo princípio era transferir

progressivamente o desenvolvimento de peças e módulos para seus fornecedores.

Acreditava-se que os fornecedores tinham como core business pesquisar e desenvolver

os produtos que forneciam. Esse programa da M3 mundial foi aplicado de forma

pioneira no empreendimento brasileiro, em que vários projetos de peças e módulos

tiveram os seus desenvolvimentos liderados por fornecedores.

A percepção de M3 era de que esta transferência da liderança no desenvolvimento

causava uma perigosa dependência da montadora de seu fornecedor desenvolvedor.

Segundo um dos entrevistados, “quando se perde a (liderança na) tecnologia, se perde

tudo”. Existem relatos de que o aumento da vulnerabilidade da montadora chegou a ser,

inclusive, explorado por alguns fornecedores, que demonstraram comportamentos

oportunísticos em renegociações de preço de peças/módulos.

No caminho inverso do inicialmente trilhado, M3 tinha agora como estratégia manter a

liderança tecnológica no desenvolvimento de produtos. Os fornecedores continuavam,

porém, a ter uma importante participação no desenvolvimento de produtos.

Considerava-se, inclusive, que o relacionamento dos fornecedores com outras OEMs

8 Job #1 é a primeira montagem de veículo realizada em uma fábrica

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90

ajudava M3 a ter acesso a novas idéias e tecnologias para o desenvolvimento de novos

produtos e para mudanças nos atuais.

4.1.3.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento

Apresenta-se a seguir um quadro resumo nos mesmos moldes daquele montado para M1

e M2. Mais uma vez, deve-se ressaltar que não tem como objetivo ser uma medida

quantitativa, mas sim de avaliação de tendências.

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91

Quadro 4.3. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M3

Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Seleção de Fornecedores Contratos de Curto

Prazo

Multiple-Sourcing Single-Sourcing

Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho

Avaliação de Desempenho Complexa

Contratos de Longo Prazo

Redução da Base de Fornecedores

Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho

Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho

Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível

Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte

Modularização

Projeto Próprio Terceirização de Projetos

Fornecimento em Módulos

Fornecimento de Componentes Individuais

Intermediário Alto

Utilização de Ativos Especializados

Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos

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92

PRÁTICAS DE FORNECIMENTO

Modelo Tradicional

Novas Práticas

Localização Geográfica

Fornecedores sem Proximidade Física

Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)

Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente

Utilização de Políticas de Global Sourcing

Troca de Informações

Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Troca de Informações de Fluxo de Materiais

Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação

Sem Transparência de Custos

Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas

Troca de Informações - Planilhas de Custo

Desenvolvimento de Fornecedores

Treinamento de Funcionários dos Fornecedores

Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor

Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor

Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor

Baixo Intermediário Alto

DesenvolvimentoConjunto de Produtos

O Produto é Desenvolvido pela Montadora

Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)

Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora

Infra-Estrutura Tecnológica

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

M3

Page 101: Mestrado em Administração Orientadora: Rebecca Arkader Rio de … · 2017-10-31 · universidade federal do rio de janeiro – ufrj instituto coppead de administraÇÃo relaÇÕes

93

4.1.3.3. Percepções Relativas ao Empreendimento

4.1.3.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas

Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada por M3

no Brasil eram relacionados com a) redução na base de fornecedores; b) utilização de

fornecimento modularizado e c) proximidade física com fornecedores.

Redução na Base de Fornecedores:

Os principais benefícios percebidos com relação à redução do número de fornecedores

eram relacionados com menores problemas com qualidade das peças/módulos; a

redução dos custos de transação tanto para montadora quanto do fornecedor (menor

custo fixo para ambos); ganhos de escala e ganhos de agilidade e qualidade no

atendimento (ao se tornar o principal faturamento daquele fornecedor).

Modularização:

A principal vantagem na adoção de um fornecimento altamente modularizado era a

redução de complexidade de atividades de compras e de montagem.

Localização Geográfica:

As vantagens percebidas no fornecimento com proximidade fís ica eram melhor

qualidade (peça sem transporte, peças com menor envelhecimento); melhor

comunicação; maior facilidade nas programações de entrega e maior facilidade nas

resoluções de problemas. Segundo um dos entrevistados: “resolve-se na hora”.

Existiam, porém, problemas percebidos na adoção das atuais práticas de fornecimento

relacionadas com a) redução da base de fornecedores; b) modularização e c) ativos

específicos.

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Redução da Base de Fornecedores:

Os principais problemas percebidos eram relacionados com o aumento da dependência

do fornecedor (o que era em parte mitigado pelo tamanho da compra com o fornecedor

e também pela sua representação global).

Modularização:

Problemas relacionados com eventual falta de know-how de fornecedores de módulos

que compravam peças de fornecedores de segundo nível mas não tinham capacitação

técnica para resolver os problemas de qualidade de todos os componentes do módulo.

Ativos Específicos:

A existência de ativos geograficamente específicos geravam espaço para o aparecimento

de comportamentos oportunísticos: alguns fornecedores usavam a poder de parar a linha

de produção como pressão para re-negociação de preços.

4.1.3.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados

Os principais entraves percebidos eram aqueles relacionadas com a instalação em área

green field e a adoção de conceitos, processos e produtos novos. Com relação a

instalação em área sem tradição automobilística, foram mencionadas dificuldades

relacionadas com a necessidade de investimentos em treinamento da mão-de-obra local

e com a montagem do “zero” de uma base de fornecedores local. A adoção de novas

práticas como transferência de liderança no desenvolvimento de produto para alguns

fornecedores, single sourcing para grande parte do fornecimento e também a forte

adoção da modularização geraram dificuldades relacionadas com o aumento da

vulnerabilidade da montadora que ficou fortemente dependente de alguns fornecedores.

As principais facilidades para a adoção das novas práticas de fornecimento estão

relacionadas com o certo grau de autonomia que a M3 Brasil possuia com relação à

adoção de novas práticas de fornecimento e os estímulos fiscais e econômicos

concedidos pelo governo do Estado para instalação da montadora e seus fornecedores.

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95

4.1.3.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento Os principais conceitos pioneiros adotados na M3 Brasil tinham como um dos objetivos

servir de teste para futura aplicação em outros empreendimentos da M3 mundial.

Considerava-se, como visão de futuro, que algumas das práticas de fornecimento

adotadas não deveriam ser aplicadas com tanta intensidade:

q O nível de envolvimento do fornecedor com o desenvolvimento das peças/módulos

dos carros não deveria ser de tal ordem que a montadora perdesse a sua liderança

tecnológica. Percebia-se que a perda de liderança tecnológica poderia gerar uma

dependência excessiva de alguns fornecedores.

q A modularização não deveria ser utilizada indiscriminadamente pois chegava-se em

um limite em que o módulo fornecido era uma “caixa preta” para a montadora.

Percebia-se que a perda de controle da tecnologia e dos custos associados a grandes

e complexos módulos gerava comportamentos oportunísticos dos fornecedores.

Considerava-se, também, como visão de futuro, que várias das práticas de fornecimento

adotadas poderiam ser consideradas de sucesso e replicáveis em outras plantas mundiais

da M3: reduções na base de fornecedores, estratégias de desenvolvimento e engenharia

de valor com fornecedores, as políticas de livros abertos, a localização de fornecedores

dentro da fábrica, os projetos de peças compartilhados com fornecedores e a adoção de

fornecimento modularizado.

4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS

As entrevistas descritas nas seções precedentes apresentaram o material necessário a

uma análise das características das relações de fornecimento vigentes nos

empreendimentos automobilísticos de recente implantação no Brasil.

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96

O quadro conceitual que serviu de pano de fundo a esta pesquisa apresenta, de forma

sintética, as principais características das práticas apontadas pela literatura como sendo

típicas do novo modelo de fornecimento – normalmente referenciado como enxuto, de

aliança ou parceria - considerado por Arkader (1997) como sendo um modelo

emergente no Brasil. A análise desenvolvida a seguir foi orientada por este quadro

conceitual.

Seleção de Fornecedores

Os processos de seleção de fornecedores nos recentes empreendimentos

automobilísticos brasileiros abordados neste estudo foram considerados bastante

próximos entre si.

Estes processos baseiam-se, fundamentalmente, em um conceito de criação de uma

pequena base de grandes fornecedores internacionais, previamente qualificados pelas

matrizes das empresas, e que são considerados a cada nova necessidade de fornecimento

(normalmente a cada novo modelo de carro).

A seleção propriamente dita se dá a partir da análise do histórico de desempenho de

cada fornecedor previamente qualificado. Os critérios utilizados para classificar o

desempenho dos fornecedores são normalmente claros e objetivos como aquele

apresentado por M1 em seu “Hexágono de Excelência”. É interessante perceber que esta

característica de transparência na seleção de fornecedores é apontada por Dyer (2000)

como tendo forte correspondência com a relação de confiança que se estabelece ent re a

montadora e o fornecedor escolhido.

Adicionalmente, dentre os critérios indicados por Dyer (1996) como sendo típicos de

uma seleção de fornecedores para um relacionamento de parceria – contratos de longo

prazo, fornecedor único com envolvimento no projeto e avaliação de desempenho

complexa – pode-se considerar que todos são característicos dos relacionamentos de

M1, M2 e M3. Dyer (1996) também indica a política de investimentos em ativos

específicos como sendo desejável para este tipo de seleção de fornecedores. Neste caso

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deve-se ressaltar que a utilização de ativos especializados era bastante presente no

relacionamento de M2 e M3 com seus fornecedores, porém pouco utilizada por M1 e

seus fornecedores.

Apesar dos critérios de seleção descritos até aqui serem a tônica das práticas nos novos

relacionamentos, envolvendo normalmente de 70 a 80% do custo de fornecimento do

carro, existem peças consideradas commodities em que a política de seleção e

relacionamento poderia ser melhor enquadrada no modelo arm’s-length - descrito por

Dyer, Cho e Chu (1998) - com tentativas de maximização do poder de barganha através

de contratos de curto prazo e aumento do número de fornecedores.

Redução da Base de Fornecedores

As iniciativas de redução da base de fornecedores adotadas nos recentes

empreendimentos automobilísticos brasileiros abordados neste estudo foram também

consideradas significativamente semelhantes entre si.

O movimento de redução da base de fornecedores aconteceu nestes empreendimentos

por dois principais motivos: adoção de fornecimento modularizado (com conseqüente

realocação de fornecedores de componentes menores para segundo nível) e remoção de

fornecedores de baixo desempenho.

Em nível mundial o que se percebe é que as matrizes destas montadoras têm como

estratégia trabalhar com poucos fornecedores por peça ou módulo considerados

estratégicos – na M1 mundial, 19 fornecedores já concentram 50% do orçamento de

compras. Essa política global, que está alinhada com a tendência apontada na literatura

(Womack et al., 1991, Lamming, 1993, Dyer e Ouchi, 1993, Dyer, Cho e Chu, 1998) de

utilização crescente de pequena e seleta base de fornecedores, foi transplantada para os

recentes empreendimentos brasileiros através, principalmente, de políticas de follow

sourcing.

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98

Modularização do Fornecimento

A escolha estratégica, mencionada por Murray e Sako (1999), de transferência da

produção modular para os fornecedores tem sido adotada em diferentes níveis pelas

montadoras nos recentes empreendimentos brasileiros.

Em M1 e M2 a adoção de fornecimento modularizado era vista como uma estratégia

ainda em crescimento dentro das empresas, que vinham progressivamente substituindo

as peças tradicionalmente fornecidas por módulos cada vez maiores. Existia nestas duas

empresas um claro entendimento dos riscos associados à crescente dependência dos

projetos modulares dos fornecedores. Acreditava-se, porém, que o desenvolvimento dos

módulos fazia parte do core business dos fornecedores e que o perfil de relacionamento

com seus grandes fornecedores internacionais era mitigador desses riscos.

Já em M3, a visão era de que a experiência no empreendimento brasileiro já indicava

um limite na intensidade de aplicação do conceito de modularização. O entendimento

nesta montadora era de que a modularização já havia sido aplicada de forma tão

“agressiva” que os fornecedores começaram a agir de forma oportunística ao fornecer

grandes “caixas pretas”.

Percebem-se, portanto, diferenças nas visões de adoção da modularização entre M1/M2

e M3. Em M1 e M2 a escolha estratégica é a de transferência da produção modular para

seus fornecedores, com um conseqüente aumento de dependência. Conforme previsto

por Murray e Sako (1999), busca-se com essa estratégia um maior foco na marca,

serviços ao consumidor, design do produto e inovações conceituais nos automóveis. Em

M3, a opção futura é pelo fornecimento modularizado sem a perda da liderança

tecnológica na cadeia. Aumentam-se, desta forma, os gastos com pesquisa e

desenvolvimento, porém diminui-se o grau de dependência dos fornecedores.

Utilização de Ativos Especializados

Arkader (1997) segmenta os investimentos em ativos especializados em duas categorias:

investimentos operacionais e genéricos em ativos específicos e aqueles com

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99

características estratégicas - estes sim, denotando um comprometimento de longo prazo

com a continuidade do relacionamento e criando uma significativa interdependência

entre as partes.

Em todos os empreendimentos abordados nesta pesquisa, verificou-se, em maior ou

menor grau, a existência de investimentos em ativos especializados com características

estratégicas. Mais especificamente, em todos os casos verificou-se investimentos de

fornecedores em fábricas geograficamente específicas e das montadoras em infra-

estrutura para instalação desses fornecedores.

É interessante ressaltar que, apesar dos investimentos de fornecedores em plantas

geograficamente específicas caracterizarem um certo grau de especificidade de ativo,

apenas no caso de M2 o ativo dos fornecedores é 100% específico àquele

empreendimento, com as empresas localizadas com proximidade física fornecendo com

exclusividade.

Já com relação a outros tipos de investimentos em ativos especializados também com

objetivos estratégicos, percebe-se uma certa divergência nas estratégias de M1, M2 e

M3. Os investimentos em moldes, por exemplo, são todos feitos por M1 e M2. Já no

empreendimento da M3, os fornecedores investiram nos moldes, que estão sendo

progressivamente comprados por M3. Os investimentos em capital humano específico

também são significativamente diferentes entre as montadoras. Neste item, M3 adota

uma política de investir fortemente em treinamento e capacitação dos funcionários dos

fornecedores para atendimento de suas demandas, M1 adota uma política de investir

apenas em treinamentos mais básicos e M2 entende que a capacitação dos funcionários

dos fornecedores para o atendimento de suas demandas é um investimento de obrigação

dos próprios fornecedores.

Percebe-se, portanto, no item de investimento em capital humano uma postura

diferenciada de M3 e das outras montadoras. Esse assunto será abordado com mais

detalhe no item de desenvolvimento de fornecedores.

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100

Localização Geográfica

A partir dos investimentos em ativos geograficamente específicos, mencionados no item

anterior, alguns fornecedores das três montadoras estudadas instalaram-se com

proximidade física da planta. É interessante ressaltar que em todos estes projetos optou-

se pela instalação próxima da planta, e não dentro da planta, alinhando-se com uma das

duas correntes atuais apontadas por Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) – fornecedores

próximos ou dentro da planta.

Um dos motivos apontados para optar-se pelos fornecedores próximos e não dentro da

planta foi o fato de que ainda existe um significativo percentual de peças dos carros que

não são fornecidas em módulos. A complexidade atual de montagem dessas pequenas

peças é ainda um obstáculo para esse tipo de solução. Porém, a entrega de módulos

diretamente na linha de produção já é uma realidade nestas montadoras.

Dentre as montadoras pesquisadas, M1 foi aquela em que a proximidade física foi

considerada menos importante para sua estratégia de fornecimento, com apenas cinco de

seus fornecedores localizando-se em seu parque interno. No outro extremo, a M3 apoia-

se fortemente em uma estratégia de proximidade geográfica com 31 de seus

fornecedores em seu parque interno.

Global Sourcing

As estratégias de fornecimento definidas para M1 e M2 foram fortemente calcadas em

políticas globais e corporativas de fornecimento. Grande parte dos fornecedores destes

empreendimentos já forneciam, inclusive, para a montagem dos mesmos veículos em

outros países. Em alguns casos o fornecedor internacional se instalou ou se associou

com alguma empresa no Brasil (follow sourcing), e em outros casos o fornecimento é

internacional.

A política adotada por M3 foi distinta da de M1 e M2 por dois motivos principais.

Primeiro, porque M3 já possuia uma sólida base de fornecedores locais. Segundo,

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101

porque o veículo montado por M3 em seu recente empreendimento brasileiro faz parte

de uma plataforma nacional, não havendo, portanto, fornecedores previamente definidos

ao nível mundial. Porém, como M3 também tem uma política corporativa global de

fornecimento definida pela matriz, muitas peças/módulos foram cotados com os

fornecedores mundiais estratégicos da montadora.

A utilização de global sourcing nestes empreendimentos visou, de maneira geral, os

benefícios apontados por Monczka et al. (1998): custo/preço; qualidade; acesso à

tecnologia e fornecimento de peças não disponíveis localmente. Percebe-se, porém, que

os dois principais motivos para a adoção foram: a) qualidade: as montadoras não tinham

conhecimento nem confiança significativa na qualidade do fornecimento local e b)

tecnologia: alguns veículos produzidos nestes empreendimentos continham itens de

tecnologia não disponível no Brasil.

É interessante perceber que a forte desvalorização do real frente ao dólar ocorrida nos

últimos anos aumentou significativamente a competitividade das peças produzidas no

Brasil, gerando oportunidades para que uma política de suprimento globalizado

viabilize exportações a partir da base de fornecedores que se instalou no Brasil.

Troca de Informações e Infra-estrutura Tecnológica

Womack et al. (1991), segmenta a troca de informações naquelas relacionadas com o

fluxo de materiais, planilhas de custos ou compartilhamento de tecnologia e

conhecimento. Nos empreendimentos estudados verifica-se que a troca de informações

relacionadas com o fluxo de materiais é amplamente utilizada. Já a abertura das

planilhas de custos acontece apenas com alguns fornecedores. A montadora que revelou

ter um maior acesso a esses tipos de informação dos fornecedores foi M3, que é a única

que utiliza essas informações para realizar análises de racionalização de processos e

engenharia de valor.

Em um nível mundial, o compartilhamento de tecnologia e conhecimento também

acontece em todas as empresas entrevistadas. Nos empreendimentos brasileiros, porém,

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102

somente M3 tem um núcleo de pesquisa e desenvolvimento local trabalhando

conjuntamente com fornecedores.

Mudambi e Helper (1998) e Arkader (1997) mencionam que em ambientes não

colaborativos a tendência é que as informações trocadas não sejam estratégicas. Das

entrevistas realizadas, percebe-se que o relacionamento a nível mundial destas

montadoras com seus principais fornecedores envolve trocas de informações

estratégicas, incluindo as previsões de lançamento de novos veículos, com alguns anos

de antecedência.

Com relação à adoção de ferramentas tecnológicas para as trocas de informações é

interessante ressaltar que as três montadoras encontram-se em um estágio similar, com

forte utilização de tecnologia para transferência de informações relacionadas com os

fluxos de materiais (principalmente EDI, intranet e internet) e também adoção de

ferramentas tecnológicas para compartilhamento de informações relacionadas com o

desenvolvimento conjunto de peças/módulos.

Desenvolvimento de Fornecedores

As estratégias de desenvolvimento de fornecedores, muitas vezes consideradas como

necessárias para obtenção de uma política de suprimento enxuto (Lamming, 1993,

MacDuffie e Helper, 1997), são significativamente divergentes nos empreendimentos

pesquisados.

Em um dos extremos está M1, cujo entendimento é que os fornecedores são

especialistas no que fazem e que não é de sua responsabilidade análises de melhorias

contínuas nos seus processos deles. No meio do espectro está M2, que tem uma política

de desenvolvimento de fornecedores atrelada às suas auditorias periódicas, em que são

verificadas questões relacionadas com os processos (desperdícios), meio ambiente e

treinamento. Verifica-se, porém, que as auditorias em M2 tem uma função mista de

desenvolvimento e de cobrança de desempenho, não sendo, portanto, uma ferramenta

totalmente focada no desenvolvimento de fornecedores. M3 está no outro extremo, com

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103

um esforço estruturado e contínuo para o desenvolvimento dos fornecedores e redução

dos custos. Existem atualmente cerca de 35 funcionários do empreendimento de M3

focados nas análises de engenharia de valor. Esta mesma equipe realiza workshops com

os fornecedores e, em alguns casos, desenvolver fornecedores praticamente “do zero”.

É interessante perceber que uma importante política, amplamente utilizada pela Toyota,

considerada como um dos ícones nas práticas de desenvolvimento de fornecedores

(Stuart et al., 1998), não é adotada nos empreendimentos pesquisados. O modelo da

Toyota considera que as práticas devem englobar não só o relacionamento independente

de cada fornecedor com a montadora, mas também o relacionamento entre fornecedores

através de suas associações (conhecidas como kyoryoku kai).

Desenvolvimento Conjunto de Produtos

O desenvolvimento colaborativo de produtos com participação ativa de montadoras e

fornecedores faz parte da estratégia mundial de fornecimento de todas as montadoras

entrevistadas. Conforme previsto em artigos da literatura especializada (Womack et al.,

1991; Leverick e Copper, 1998; Wynstra, van Weele e Weggemann, 2001) verifica-se o

envolvimento precoce (com alguns anos de antecedência) dos fornecedores no

desenvolvimento dos produtos, a participação de engenheiros dos fornecedores

residentes nas montadoras, investimentos e comprometimento de ambas as partes no

processo colaborativo.

Apesar de alinhados com relação à necessidade de se estabelecerem mecanismos de

cooperação para o desenvolvimento de produtos, existem divergências com relação ao

limite de transferência de responsabilidade tecnológica para o fornecedor. Lamming

(1993) propõe um modelo para posicionamento de fornecedores na cadeia de

suprimentos que prevê um alto grau de responsabilidade tecnológica tanto da montadora

quanto do fornecedor de primeiro nível.

Na prática, o que se verificou nos empreendimentos estudados é que os principais

fornecedores de primeiro nível já assumem um alto grau de responsabilidade

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104

tecnológica e agregação de valor no desenvolvimento dos novos produtos. Começa a ser

discutida, porém, a real necessidade da montadora continuar a assumir o papel de líder

de projeto com liderança tecnológica no desenvolvimento.

Em M2, existe uma estratégia corporativa de transferir a liderança tecnológica no

desenvolvimento de alguns produtos para seus fornecedores. Isso já ocorre em pelo

menos um produto, cuja patente é do fornecedor e não da montadora. Na visão de futuro

desta montadora, serão reduzidos significativamente os gastos com pesquisa e

desenvolvimento e a função de compras será realizada por engenheiros com maior

conhecimento técnico das peças a serem fornecidas. Considera-se que os riscos de

dependência excessiva dos fornecedores são mitigados pela natureza do relacionamento

de longo prazo entre eles.

No empreendimento de M3, relata-se que o caminho de transferência da

responsabilidade tecnológica para o fornecedor já foi trilhado, porém os resultados

relacionados com aumento de vulnerabilidade da montadora associado a

comportamentos oportunísticos de fornecedores obrigou-os a rever esse conceito e a re-

assumir a liderança tecnológica no desenvolvimento.

Resumo das Práticas de Fornecimento

Relaciona-

mento

Prática – Modelo

Conceitual

Prática – Verificado nas

Entrevistas

Aderência?

Seleção de

Fornecedores

Seleção com contratos de

longo prazo, foco no

custo total, fornecedor

único com envolvimento

no projeto, avaliação de

desempenho complexa e

investimentos em ativos

específicos?

Criação de uma pequena base de

grandes fornecedores

internacionais e que são

considerados a cada nova

necessidade de fornecimento. A

seleção propriamente dita se dá a

partir da análise do histórico de

desempenho de cada fornecedor

previamente qualificado.

Sim: em

M1, M2 e

M3

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105

Redução da

Base de

Fornecedores

Utilização crescente de

pequena e seleta base de

fornecedores; Remoção

de fornecedores com

baixo desempenho e

integração de

componentes em

módulos

Utilização crescente de pequena

e seleta base de fornecedores,

foi transplantada para os

recentes empreendimentos

brasileiros através,

principalmente, de políticas de

follow sourcing.

Sim: em

M1, M2 e

M3

Modularização

do

Fornecimento

Transferir produção

modular para seus

fornecedores;

Terceirizar projeto dos

módulos.

M1 e M2: progressivamente

substituindo as peças

tradicionalmente fornecidas por

módulos cada vez maiores;

M3: Opção por fornecimento

modularizado sem a perda da

liderança tecnológica na cadeia

Sim: em

M1 e M2

Parcial:

em M3

Utilização de

Ativos

Especializados

Investimentos

geograficamente

específicos; em

equipamentos

especializados; em

capital humano.

Em todos os empreendimentos

abordados nesta pesquisa,

verificou-se, em maior ou

menor grau, a existência de

investimentos em ativos

especializados com

características estratégicas. M1

menos avançada.

Sim: em

M2 e M3

Parcial:

em M1

Global

Sourcing

Visando benefícios de

custo/preço, qualidade,

acesso à tecnologia e

fornecimento de peça

não disponível.

M1 e M2: fortemente calcadas

em políticas globais e

corporativas de fornecimento;

Principais motivos qualidade e

tecnologia;

M3: utilização de global

sourcing em menor intensidade.

Sim: em

M1 e M2

Parcial:

em M3

-

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106

Troca de

Informações

Relacionadas aos

fluxos de materiais,

planilhas de custos ou

compartilhamento de

tecnologia e

conhecimento

Em todas: troca de informações

relacionadas com o fluxo de

materiais;

Em M3: Maior acesso a

planilhas de custos e

compartilhamento de tecnologia

e conhecimento no Brasil

Sim: em M3

Parcial: em

M1 e M2

Desenvolvi-

mento de

Fornecedores

Compartilhamento de

informações, redução

de desperdício,

engenharia de valor,

transparência de custos

e difusão de tecnologia

M1: Fornecedores são

especialistas no que fazem...

M2: Auditorias –

desenvolvimento e análise de

desempenho

M3: 35 funcionários focados no

desenvolvimento e análise de

valor.

Sim: em M3

Parcial: em

M2

Não: em M1

Desenvolvi-

mento

Conjunto de

Produtos

Engenheiros dos

fornecedores residentes

na montadora;

Investimentos da

montadora e o

comprometimento do

fornecedor em

desempenhar papel

crítico no processo

Em todas: O desenvolvimento

colaborativo de produtos faz

parte da estratégia mundial de

fornecimento;

Em M2: Existe uma estratégia

corporativa de transferir a

liderança tecnológica;

Em M3: Considera-se que a

liderança tecnologica deve ser

mantida in-house.

Sim: em

M1, M2 e

M3

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107

5. CONCLUSÕES

O objetivo deste capítulo é responder às perguntas formuladas por esta pesquisa. Para

tanto, inicia-se respondendo às perguntas mais específicas, que foram propostas como

desdobramento da geral, e na seqüência responde-se a esta pergunta geral: “COMO SE

CARACTERIZAM AS POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS MONTADORAS,

NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO

RECENTE NO BRASIL?”

5.1. 1A RESPOSTA: PRÁTICAS DE FORNECIMENTO NOS

EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO

BRASIL

Diante do panorama geral apresentado no capítulo 4, é interessante perceber como a

globalização das atividades na indústria automobilística vem influenciando as

estratégias de fornecimento adotadas nos recentes empreendimentos brasileiros.

Políticas de fornecimento globalizado com adoção de follow sourcing, por exemplo, têm

direcionado as práticas de fornecimento, agora fortemente calcadas em práticas como

seleção de fornecedor único, redução da base de fornecedores e modularização, dentre

outras.

Nota-se, além disso, que existe algum grau de uniformidade no direcionamento

estratégico de fornecimento desses novos empreendimentos. Apesar de os casos

divergirem consideravelmente com relação a práticas como desenvolvimento de

fornecedores, exclusividade de fornecimento para a montadora e nível de participação

do fornecedor no desenvolvimento de produtos, estes compartilham, em grande parte,

políticas gerais condizentes com o novo paradigma de fornecimento enxuto. Há

indicativos, inclusive, de compartilhamento de destinos comuns em todas as montadoras

pesquisadas. Destacam-se nesse contexto práticas como vultosos investimentos em

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108

ativos específicos, fornecimento único com horizonte de tempo da vida do modelo e

participação ativa dos fornecedores no desenvolvimento tecnológico do veículo.

Resumidamente, percebe-se, das análises apresentadas no capítulo 4, um inequívoco

avanço na adoção das práticas apontadas pela literatura especializada como condizentes

com um novo modelo de fornecimento, calcado em uma relação mais próxima com os

fornecedores (seleção complexa, redução da base, proximidade física, maior troca de

informações e global sourcing), um maior nível de investimento no relacionamento

(investimento em ativos especializados e desenvolvimento de fornecedores) e um maior

compartilhamento das atividades de agregação de valor (modularização e

desenvolvimento conjunto de produtos).

Neste contexto, destaca-se o empreendimento de M3 com adoção relativamente grande

em todas as práticas de fornecimento avaliadas. É interessante ressaltar que M3 parece

ter aproveitado a experiência de já estar no Brasil há algum tempo para viabilizar a

adoção de uma postura mais moderna nas práticas de relação com seus fornecedores.

M2 possuía adoção mais intensa em oito das dez práticas e M1 em sete das dez práticas.

5.2. 2A RESPOSTA: RESULTADOS COM AS POLÍTICAS VIGENTES DE

FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE

IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL

De forma geral, foram apontados grandes benefícios relacionados com as novas práticas

de fornecimento adotadas nos recentes empreendimentos automobilísticos instalados no

Brasil. Ganhos de eficiência envolvendo redução de custos, aumento de flexibilidade,

aumento de qualidade, aumento de rapidez e aumento de confiabilidade foram relatados.

A adoção de uma política envolvendo uma grande proximidade física com os

fornecedores foi apontada como viabilizadora de reduções de estoque, de melhoria na

comunicação, de aumento da confiabilidade do fornecimento, de rapidez na resolução

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109

de problemas e do estreitamento das relações de confiança entre montadoras e

fornecedores.

Com a forte política de modularização adotada em todos os três empreendimentos,

foram relatados ganhos na redução de custos indiretos - em função de novas práticas de

compras - e também de custos de produção, em função da simplificação do processo de

montagem dos veículos. O maior foco do fornecedor no desenvolvimento de peças

maiores e mais complexas foi também apresentado por M1 e M2 como viabilizador de

uma redução de investimentos da montadora em pesquisa e desenvolvimento.

Considerou-se que a adoção de pequena e seleta base de fornecedores era também

responsável pela redução de custos transacionais e trazia, adicionalmente, ganhos de

escala ao viabilizar maior concentração de compras em poucos fornecedores. M3 relata

também o aumento da presteza no atendimento das demandas da montadora (que tende

a ser um dos principais faturamentos do fornecedor) e melhorias na qualidade e

confiabilidade das peças fornecidas (ao trabalhar-se com seleta base de fornecedores).

Em menor escala foram indicados também benefícios relacionados com políticas de

desenvolvimento conjunto de produtos, que permitem reduções nos investimentos da

montadora em pesquisa e desenvolvimento; global sourcing, que gera flexibilidade para

resolução de problemas no fornecimento local a partir de importação a partir de uma

outra planta do mesmo fornecedor e, seleção de fornecedores, em que os fornecedores

internacionais dependem do seu desempenho local para serem selecionados em outras

concorrências mundiais.

De forma geral os problemas percebidos com a adoção das práticas de fornecimento

descritas estavam fortemente relacionados com o aumento da exposição da montadora

ao risco de comportamentos oportunísticos dos fornecedores.

A redução da base de fornecedores e a adoção de ativos geograficamente específicos e

de single sourcing na maioria das peças fornecidas foram descritas por todas as

montadoras como tendo um efeito adverso de aumento da dependência da montadora

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com relação a seus fornecedores. Em M2 e M3, verificou-se, inclusive, que o poder dos

fornecedores de parar a linha de produção era eventualmente usado para pressionar

reajustes de preço. As montadoras, por sua vez, apoiavam-se na dependência dos

fornecedores dos negócios mundiais com a montadora para re-equilibrar a negociação

comercial.

Com relação à crescente adoção de fornecimento modularizado, também foram

percebidos alguns pontos negativos, tais como perda de alavancagem comercial,

eventual perda de liderança tecnológica e perda de controle sobre o real custo da peça

fornecida.

5.3. 3A RESPOSTA: ENTRAVES E ESTÍMULOS PARA AS POLÍTICAS DE

FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE

IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL

Um dos principais entraves à adoção de políticas de fornecimento avançadas estava nas

dificuldades operacionais e burocráticas relacionadas com o processo de importação de

peças. Este problema afetava particularmente a adoção de práticas de global sourcing de

M1 e M2, envolvendo a utilização de fornecimento internacional, as quais sofriam com

processos aduaneiros demorados e pouco confiáveis.

M2 sofria, adicionalmente, com a ausência de tecnologia local para produzir algumas

peças de seu carro, dependendo ainda mais fortemente da política de fornecimento

internacional dos seus fornecedores internacionais.

Neste ponto é importante mencionar a questão da desvalorização da moeda local, que

tem pressionado fortemente os custos das peças fornecidas em todos os

empreendimentos. Esse aumento de custos tem motivado grandes pressões para re-

negociação dos preços das peças fornecidas, afetando, em alguns casos, o

relacionamento entre montadora e fornecedor.

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De forma geral, as questões burocráticas relacionadas com a necessidade de inúmeras

emissões fiscais quando se utiliza a prática de entregas freqüentes de pequenos lotes foi

solucionado em M2 e M3, que trabalhavam com um regime fiscal simplificado. Já em

M1 esta burocracia fiscal era considerada um entrave.

O principal estímulo à adoção de políticas de fornecimento avançadas está relacionado

com os grandes benefícios fiscais e econômicos concedidos pelos governos de todos os

estados onde se instalaram os novos empreendimentos estudados. As políticas de

concessões destes estados viabilizaram uma forte adoção de fornecimento com

proximidade física e investimentos em ativos específicos.

Considera-se, adicionalmente, que a instalação em áreas green field, longe, portanto,

dos fortes movimentos sindicais existentes na região do ABC paulista, viabilizou a

adoção de políticas de fornecimento calcadas em uma maior terceirização das atividades

de projeto e montagem e um maior nível de automação na linha de produção.

Por fim, é interessante ressaltar que o grau de avanço de M3 na adoção de modernas

práticas de fornecimento parece ter sido em parte incentivado pela sua experiência local,

adquirida na gestão de suas outras fábricas instaladas no país. Este fato viabilizou,

inclusive, um maior nível de independência, rapidez e inovação nas decisões de

fornecimento desta montadora.

5.4. RESPOSTA À PERGUNTA GERAL: “COMO SE CARACTERIZAM AS

POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS MONTADORAS COM SEUS

FORNECEDORES, NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE

IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL?”

A partir das análises apresentadas neste estudo, pode-se concluir, inicialmente, que as

políticas de fornecimento nos recentes empreendimentos automobilísticos brasileiros

têm se caracterizado por relações que envolvem um longo horizonte de tempo, um

considerável grau de dependência mútua e, até certo ponto, o compartilhamento de

destinos entre montadoras e fornecedores. Não obstante, o relacionamento tem também

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se caracterizado, em alguns momentos, por um certo clima adversário, com fortes

pressões para revisão de preços.

A caracterização dos relacionamentos como de compartilhamento de destinos pode ser

atribuída a um alto grau de adoção de todas as best practices de relações de

fornecimento estudadas nesta pesquisa: seleção de fornecedores, redução da base de

fornecedores, modularização, utilização de ativos especializados, localização geográfica

próxima, global sourcing, troca intensa de informação, desenvolvimento de

fornecedores e desenvolvimento conjunto de produtos.

Com relação às características de pressão para re-negociação de preços, é interessante

ressaltar dois pontos principais. Em primeiro lugar, a forte desvalorização do real frente

ao dólar causou uma grande pressão de custos sobre os itens importados e também sobre

aqueles com preços dolarizados causando perdas de margem em toda a cadeia. Em

segundo, o fato de que as relações de fornecimento de parceria não podem e não devem

ser configuradas como relações “confortáveis” (cosy arrangements) sob pena de não

haver mais a busca por reduções de custo e otimizações na cadeia. Nos relacionamentos

japoneses, os fornecedores consideram saudável haver algum tipo de stress relacionado

com apertos de preço das montadoras (Sako, Lamming e Helper, 1994).

Para um melhor entendimento da atual situação de fornecimento nestes

empreendimentos, é interessante reconhecer, adicionalmente, a importância do cenário

internacional, mais especificamente da reestruturação ocorrida nessa indústria na década

de 90, envolvendo um forte movimento tanto de consolidação na indústria de autopeças

quanto de adoção de políticas globais de fornecimento.

A partir dos estudos de caso realizados, pôde-se perceber o importante papel dessa

reestruturação mundial na viabilização da adoção de avançadas práticas de fornecimento

no Brasil. Primeiro, porque o movimento de consolidação da indústria de autopeças

viabilizou o surgimento de grandes e talentosos players, capazes de assumir

responsabilidades cada vez maiores na agregação de valor na indústria automobilística.

Consolidaram-se mundialmente, portanto, práticas como redução da base de

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fornecedores, modularização e desenvolvimento conjunto de produtos. Segundo, porque

a adoção de práticas globais de fornecimento permitiu, a partir de políticas de follow

sourcing, que um seleto grupo de grandes fornecedores internacionais se instalasse no

Brasil a convite de seus clientes mundiais. Com a vinda desses fornecedores, as

políticas de fornecimento mundiais das montadoras puderam, em muitos casos, ser

“transplantadas” para os empreendimentos brasileiros.

Como terceiro componente dessa equação, ressalta-se a opção pela instalação dos

empreendimentos em áreas green field. Arkader (1997) descreve dois problemas

característicos à região de maior tradição automobilística no país (região do ABC em

São Paulo) e que funcionam como entraves à adoção de novas práticas de fornecimento:

a falta de espaço disponível para a instalação de fornecedores próximos às montadoras e

a questão sindical, que eleva o custo da mão-de-obra, torna endêmicas as ameaças de

greve (inclusive nos fornecedores) e impõe limites à desverticalização.

Nos empreendimentos estudados pôde-se verificar dois padrões de práticas de

fornecimento. Um primeiro padrão é identificado em M1 e M2 e um segundo em M3.

Ambos apresentaram, de forma geral, um alto grau de adoção das modernas práticas de

fornecimento abordadas nesta pesquisa. Em M3, porém, verifica-se a existência de

características mais fortes de envolvimento em práticas que denotam uma visão de rede

de interesses compartilhados entre a montadora e seus fornecedores. Neste contexto,

referência é feita ao alto nível de investimentos em ativos específicos e

desenvolvimento de fornecedores realizados por M3 e seus fornecedores.

Porém, outra característica que pôde ser percebida no relacionamento entre M3 e seus

fornecedores é que em quase todos os casos desenvolveu-se um relacionamento

semelhante ao de um parceiro senior trabalhando com parceiros juniores - parecido com

aquele relatado por Lamming (1993) como sendo típico do modelo de fornecimento

japonês, mas cujo comportamento colaborativo ficaria, teoricamente, prejudicado pelo

desbalanceamento de poder. Nota-se, no comportamento de aversão à dependência dos

fornecedores em itens como modularização e desenvolvimento de produto, que M3 tem

como objetivo manter essa suposta ascendência hierárquica sobre os fornecedores.

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M1 e M2 mantêm um relacionamento mais próximo do de empresas de mesmo porte e

poder, com, inclusive, a opção dessas montadoras de depender crescentemente de seus

fornecedores em aspectos como desenvolvimento tecnológico. Acreditam que seu

relacionamento de parceria, global e de longo prazo, reduz eventuais tentações de seus

fornecedores de agirem oporunisticamente. Este modelo assemelha-se àquele proposto

por Lamming (1993) como sendo de modificação e extensão do modelo japonês de

parceria. Neste modelo, sobressair-se- iam: o aparecimento de fornecedores maiores e

mais capazes; a presença desses fornecedores em outros mercados para diversificação

de risco e a necessidade de se operar globalmente. Verifica-se nesses empreendimentos,

porém, menor envolvimento com uma importante prática de parceria no fornecimento: a

de desenvolvimento de fornecedores e engenharia de valor. A justificativa é que se

considera, de maneira geral, que os fornecedores já têm maior expertise no seu ramo de

atuação do que as próprias montadoras.

Resumidamente, percebe-se que o nível de adoção de best practices de fornecimento é

maior no empreendimento de M3. Nesta montadora verifica-se, também, um maior grau

de colaboração para melhorias de processo e reduções de custo. Porém, o seu

relacionamento é caracterizado por uma relação em que se sobressai o poder da

montadora sobre os fornecedores. Uma possível explicação para a convivência de

comportamentos colaborativos e de compartilhamento de destinos com um

relacionamento desigual e hierárquico é que a suposta ascendência sobre os

fornecedores é utilizada pela montadora como forma de assumir uma função de

coordenação e gerenciamento da cadeia de suprimentos dessa indústria.

Também de forma resumida, percebe-se que M1 e M2 trabalham com um alto grau de

adoção de praticamente todos os best practices de fornecimento. O pequeno grau de

adoção de uma política de colaboração para melhorias de processo e reduções de custo

nos fornecedores é, porém, o ponto fraco na estratégia dessas montadoras. Perde-se,

nesse caso, um importante instrumento utilizado para racionalização de custos inter-

empresas e gerenciamento da cadeia de suprimentos, que é a engenharia de valor. Uma

possível explicação para a não existência de uma consistente rotina de análise de valor

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na cadeia de fornecimento é a tendência destas empresas de aumentar seu foco na

marca, serviços ao consumidor, design do produto e inovações conceituais nos

automóveis, reduzindo seu nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento e

delegando cada vez maiores responsabilidades para seus fornecedores.

A partir de uma análise calcada no estudo de Arkader (1997) sobre as relações de

fornecimento das quatro grandes montadoras instaladas no Brasil em décadas passadas,

pode-se verificar que, a partir da ocorrência dos três principais fatores descritos

anteriormente - consolidação do setor de autopeças mundial, utilização de políticas

globais de fornecimento e instalação em áreas green field – tornou-se possível a

ocorrência de uma ruptura com o modelo de fornecimento anteriormente vigente no

Brasil.

No modelo “antigo”, predominante nas relações de fornecimento, em três das quatro

grandes montadoras da indústria automobilística brasileira até a segunda metade da

década de 90, existia, ainda segundo Arkader (1997), um limitado avanço na direção de

um modelo de parceria. Verificava-se àquela época um ainda baixo grau de adesão a

práticas como entregas freqüentes, investimento em ativos específicos, fornecimento

com horizonte temporal longo e utilização de reduzida base de fornecedores.

Conforme descrito no item 2.1.4. desta pesquisa, o estudo de Lamming (1993) relativo

ao relacionamento cliente-fornecedor na indústria automobilística propõe um modelo

conceitual que caracteriza quatro fases cronológicas no relacionamento entre

montadoras e fornecedores. Esse modelo pode ser usado como referencial para

posicionamento de empresas e indústrias quanto às praticas de fornecimento. As quatro

fases consideradas são: tradicional, stress, resolvido e de parceria ou japonês.

Arkader (1997) posiciona a então política vigente de fornecimento das montadoras

instaladas no país como sendo a de convivência de características (:310) “enquadradas

por Lamming no modelo de stress, como um alto nível de tensão nos relacionamentos,

elevada pressão para redução de preços, cadeias de produção com baixo grau de

controle e campanhas agressivas por qualidade, com elementos identificados com o

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modelo resolvido, como as maiores exigências em termos de serviços e o

compartilhamento de informações necessárias à operação de sistemas just-in-time”.

As características de fornecimento apuradas nesta pesquisa apontam para um

enquadramento no modelo de parceria ou japonês, em que se identifica um nível de

pressão comercial muito elevado, em função das elevadas exigências, mas também um

nível igualmente elevado de cooperação e interdependência das partes, unidas em

relacionamentos e estratégias de longo prazo.

Ressalvas devem ser feitas com relação a este enquadramento. Com relação a M3 deve-

se ressaltar que nem em todos os relacionamentos com seus principais fornecedores

consegue-se o nível de cooperação nas práticas de fornecimento descrito neste modelo.

Considera-se que entraves organizacionais e culturais nessas empresas fornecedoras

estariam impedindo o avanço de um modelo resolvido para um de parceria efetiva. Já

com relação a M1 e M2, ressalta-se que a baixa adoção de práticas colaborativas de

engenharia de valor pode ser considerada como não adequada às características teóricas

do modelo de parceria.

5.5. RELAÇÕES DE FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS

AUTOMOBILÍSTICOS DE RECENTE IMPLANTAÇÃO NO BRASIL:

LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS

O movimento de modernização ocorrido no setor automobilístico brasileiro nos últimos

sete anos tem gerado uma série de estudos realizados pela comunidade acadêmica

nacional e internacional. A partir das análises apresentadas neste estudo, verificou-se

que as mudanças ocorridas a partir da instalação de novos empreendimentos incluem

alterações expressivas nas relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores,

agora calcadas em relacionamentos de longo prazo, considerável grau de dependência

mútua e compartilhamentos de destinos.

As limitações que se identificam nesta pesquisa são aquelas decorrentes do fato de não

se ter estudado todo o universo de empreendimentos automobilísticos instalados no

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Brasil a partir da segunda metade da década de 90 (a amostra de três estudos de caso

correspondeu a 50% de todo universo) e de não terem sido realizadas entrevistas nas

empresas fornecedoras das montadoras pesquisadas. É interessante perceber que a

ausência de pesquisa nas empresas fornecedoras indica que se obteve uma visão parcial

do relacionamento. Uma linha de pesquisa que envolvesse entrevistas com os

fornecedores poderia viabilizar que se checasse a distância entre as particularidades do

relacionamento percebidas pelos fornecedores com aquelas relatadas pelas montadoras.

Outras linhas de pesquisa que poderiam ampliar a visão obtida nesta pesquisa seriam, a)

um estudo de casos das relações de fornecimento dos quatro empreendimentos

automobilísticos instalados já há algumas décadas no Brasil9 – visando uma melhor

compreensão da evolução nas relações de fornecimento a partir da instalação dos novos

empreendimentos; b) um estudo que estendesse as análises de relacionamento cliente-

fornecedor até outros elos da cadeia de fornecimento – visando entender as estratégias

de relacionamentos nos outros elos e também se já existe um efetivo papel da

montadora como gerenciador desta cadeia de suprimentos; c) um estudo que realizasse

comparações entre as políticas de fornecimento atualmente praticadas nos novos

empreendimentos automobilísticos brasileiros com aquelas praticadas em outros países

em desenvolvimento, que tenham relevância neste setor e d) um estudo que verificasse a

viabilidade de se extrapolar parte ou todas as conclusões deste estudo para outras

indústrias com características e demandas de fornecimento semelhantes às da indústria

automobilística.

Por fim, é interessante ressaltar que os empreendimentos estudados foram recentemente

implantados, o que significa que mudanças consideráveis podem ainda acontecer nas

relações de fornecimento atualmente vigentes. Estas mudanças nas relações tendem,

inclusive, a serem prováveis nas montadoras recentemente vindas para o Brasil, em que

a forte ingerência da matriz tende a diminuir ao longo dos anos. Portanto, uma

atualização deste estudo, visando a revisão das conclusões obtidas, após alguns anos da

implantação, é também uma interessante linha de pesquisa.

9 Este estudo seria uma atualização do estudo realizado por Arkader (1997) .

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ANEXOS

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ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS MONTADORAS

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO EMPREENDIMENTO

Razão Social

Controle acionário

Evolução do faturamento

Número de empregados (operação / administrativo)

Linha de produtos

Exportação (volume, % do faturamento, principais mercados)

Importação (valor / volume produtos acabados, % do faturamento, valor peças /

componentes, % dos fornecimentos, principais origens)

Nível de integração vertical (% - sistemas/componentes/peças fabricadas internamente

ou por subsidiárias/listar)

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QUESTÕES RELATIVAS À ESTRATÉGIA DE FORNECIMENTO

Como foi definida a estratégia de relacionamento com os fornecedores deste

empreendimento (modularização das peças, localização dos fornecedores, número de

fornecedores por peça, investimento em ativos específicos, troca de informações, etc) ?

Quem participou destas definições (fornecedores, matriz, pessoas de outras plantas no

Brasil) ?

A estratégia de fornecimento mudou com relação à projetos antigos ? Caso positivo,

quais foram os motivos que levaram a empresa a adotar esta nova estratégia?

Qual é a atual política da empresa quanto à verticalização da produção? A tendência é

verticalizar mais / desverticalizar? Porquê?

Como a empresa vê o relacionamento com seus fornecedores – amistoso/hostil/neutro?

Há diferenças entre os fornecedores? Caso positivo, a que creditam tais diferenças?

RECONFIGURAÇÃO DA BASE DE FORNECEDORES

2.1. Redução da Base de Fornecedores

2.1.1. Quantos fornecedores há para cada produto? Existem metas quantitativas para o

número de fornecedores por produto? Como tem sido a evolução da prática da empresa

nos últimos dez anos? Existem metas de single-sourcing ou double-sourcing para peças

e/ou módulos?

2.1.2. Existiu algum movimento relacionado à redução na base de fornecedores para

este empreendimento? Caso positivo, quais são os elementos motivadores da redução da

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base de fornecedores? (remoção de fornecedores com baixo desempenho, integração de

componentes em módulos e re-alocação de fornecedores de componentes menores).

2.1.3. Quais os benefícios e/ou problemas percebidos na redução do número de

fornecedores com os quais se tem relacionamento direto? (economias de escala, curva

de aprendizado, redução dos custos de transação, aumento da dependência do

fornecedor, etc).

2.2. Modularização do Fornecimento10

2.2.1. Trabalha-se com o fornecimento em módulos ou sistemas? Quais são os pontos

fortes e fracos percebidos neste tipo de prática? (redução de investimentos e maior foco

na marca, serviços, inovações e design / aumento da dependência dos fornecedores e

perda da liderança tecnológica na cadeia).

2.3. Localização Geográfica

2.3.1. A montadora adota alguma estratégia visando a proximidade geográfica com os

fornecedores? (e.g., Condomínio Industrial: escolha pela montadora dos fornecedores

que devem se instalar nas proximidades e fornecer sub-montagens; co-localização:

fornecedores dentro da montadora). Quais são as principais vantagens e obstáculos

percebidos na estratégia adotada?

2.4. Seleção de Fornecedores

2.4.1. Quais são os critérios para seleção de fornecedores? Eles são os mesmos para

todas as peças ou existe algum tipo de segmentação do fornecimento?

2.4.2. Caso exista, favor explicar como é feita esta segmentação e também como é o

processo de seleção dos diferentes tipos de fornecedores (contratos de longo prazo, foco

no custo total, envolvimento do fornecedor com o projeto, nível de complexidade da

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avaliação de desempenho, investimentos em coordenação e investimentos em ativos

específicos / contratos de curto prazo, freqüentes “tomadas de preço”, baixo nível de

troca de informação e aumento no número de fornecedores).

2.4.3. A política praticada foi inspirada por práticas da matriz, ou por benchmarking em

alguma outra empresa? Em que sentido? São utilizadas práticas de follow sourcing?

2.5. Utilização de Ativos Especializados11

2.5.1. Os fornecedores realizam investimentos em ativos especializados ? Caso

realizem, de que tipo são eles? (investimentos geograficamente específicos,

investimentos em equipamentos especializados, investimentos em capital humano). Cite

alguns exemplos (e.g., investimentos de fornecedores em sistemas específicos para

comunicação com seus clientes, para entregas ou projeto, equipamentos e embalagens

para entregas especiais, estruturas para submontar componentes e realizar entregas de

maior valor agregado e fábricas para atender a determinadas montadoras em locais

específicos).

2.5.2. Quem tomou a decisão de investir em ativos especializados? Qual foi a motivação

para este tipo de investimento?

2.5.3. Os eventuais investimentos em ativos especializados foram realizados

conjuntamente (montadora e fornecedor)? Com o mesmo nível de investimentos? A

prática atual tem funcionado bem? (um eventual desbalanceamento no nível de

investimentos causa um correspondente desbalanceamento de poder no

relacionamento?)

10 Modularização = montagem de um produto complexo a partir de subsistemas menores que podem ser projetados independentemente, mas que funcionam juntos como um só

11 Ativos Especializados = investimento feito para ser usado em determinada transação, tendo um valor mais alto para aquela transação do que se fosse aproveitado em qualquer outra função.

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2.5.4. Quais as vantagens e desvantagens percebidas na utilização de ativos

especializados?

(percepção com relação ao aumento de interdependência no caso de investimentos

mútuos)

2.6. Global Sourcing12

São utilizadas práticas de fornecimento globalizado (ou global sourcing)? Porque estas

práticas tem sido adotadas? (benefícios relativos ao custo/preço, à qualidade, ao acesso

à tecnologia, regras da matriz, ou ao fato da fonte internacional ser a única disponível)

2.6.2. Quais são as principais vantagens e obstáculos percebidos na adoção da prática de

fornecimento globalizado?

INFORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E TECNOLOGIA

3.1. Troca de Informações

3.1.1. Quais são os tipos de infra-estrutura tecnológica (EDI, extranet, internet)

utilizados atualmente para o gerenciamento da cadeia de fornecedores? Quais são as

principais aplicações para estes sistemas? (gerenciamento de licitações,

compartilhamento de informações sobre fluxo de materiais, desenvolvimento

colaborativo de projetos de peças, ferramentas computacionais para financiamento, etc).

3.1.2. Existem políticas de troca de informações com fornecedores? Quais são as

principais políticas? (dimensões: fluxos operacionais de materiais; planilha de custos;

compartilhamento de tecnologia e conhecimento). Troca-se informações de cunho

estratégico? (que podem auxiliar no planejamento de longo prazo)

12 Essas práticas envolvem coordenação das informações e dos requerimentos de fornecimento entre unidades de negócio em um nível global

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3.2. Desenvolvimento de Fornecedores

3.2.1. Existem programas estruturados para o desenvolvimento de fornecedores? Caso

positivo, quais são eles? (compartilhamento de informações; programas conjuntos de

redução de desperdício; engenharia de valor; transparência de custos, difusão de

tecnologia, etc).

3.2.2. Existe uma política de compartilhamento de custos (cost sharing) e de benefícios

(gain sharing) relacionados ao programa de desenvolvimento de fornecedores? Caso

positivo, como funcionam estas políticas?

3.2.3. Quais são os riscos identificados no desenvolvimento de fornecedores não-

exclusivos? (benefícios para seus concorrentes) Existe alguma medida para prevenção

destes riscos? (perfil de relacionamento de longo prazo)

3.3. Desenvolvimento Conjunto de Produtos

3.3.1. Tem havido desenvolvimento conjunto de sistemas/componentes/peças com

alguns fornecedores? Caso positivo, qual é a característica destes desenvolvimentos?

(produtos específicos ou desenvolvimentos de longo prazo envolvendo capacitações e

tecnologias)

3.3.2. Caso exista desenvolvimento conjunto de produtos, os fornecedores participam do

desenvolvimento com quantos meses de antecedência, antes do ínicio da produção?

3.3.4. Como é feita a integração do desenvolvimento de produtos e dos processos de

fornecimento inter-empresas? É criada uma estrutura organizacional que apoie a

execução destas tarefas? São utilizadas ferramentas de tecnologia da informação?

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PERCEPÇÕES RELATIVAS AO EMPREENDIMENTO

4.1. Quais foram os principais benefícios percebidos na adoção da atual estratégia de

relacionamento com fornecedores? (as atuais práticas estão valendo a pena?)

4.2. Quais foram as principais dificuldades encontradas, na adoção das atuais práticas de

fornecimento? (exis tem desvantagens relacionadas ao pioneirismo? existem

desvantagens relacionadas ao ambiente político-econômico do Brasil?). Caso pudesse

começar de novo o que faria diferente?

4.3. De que forma as políticas de fornecimento adotadas diferem daquelas praticadas

nos outros empreendimentos do grupo? Acredita-se que algumas das práticas pioneiras

iniciadas no Brasil poderão ser replicáveis em outros empreendimentos? Quais seriam

estas práticas “replicáveis”?

4.4. Quais são as tendências no relacionamento com fornecedores que tendem a se

tornar práticas estabelecidas na indústria e quais são aquelas que sofrerão retrocessos?

(modularização, co- localização, global sourcing, utilização de portais para

desenvolvimento conjunto de partes, etc).